Apostila Semana da Litúrgia 2011
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Apostila Semana da Litúrgia 2011
DIOCESE DE SANTO ANDRÉ LITURGIA: AÇÃO DE CRISTO E AÇÃO DA IGREJA 11 a 15 de Julho de 2011 LITURGIA COMO AÇÃO ORGANIZADA (Pastoral Litúrgica) Pe. Rui Melatti “Promover a formação dos agentes da pastoral litúrgica com autêntica teologia que leve a um compromisso vital” (DP 942) Introdução: a pastoral litúrgica é uma ação eclesial, ligada ao pastoreio de Jesus. A pastoral é toda atividade da Igreja por meio das comunidades e dos cristãos para levar a termo a missão confiada por Jesus, no sentido de promover a vida plena. A pastoral litúrgica está a serviço da função sacerdotal de todo o povo de Deus. Permitindo aos cristãos o seu sacerdócio, como batizados e confirmados que oferecem suas vidas num culto agradável a Deus no Espírito santo. Portanto a pastoral litúrgica é a arte de conduzir os fiéis a uma vivência mais profunda do mistério da salvação. 1. A AÇÃO PASTORAL DA IGREJA, SACRAMENTO DO BOM PASTOR. A palavra e seus fundamentos bíblicos: conferir Ezequiel 34 e João 10 Como ação do pastor para com as ovelhas, a pastoral articula dois aspectos: a) Uma compreensão da missão pastoral de Jesus, da Igreja e dos pastores. b) Um conhecimento das ovelhas: diagnóstico da realidade, leitura da história, da sociedade e da cultura. 2. A PASTORAL LITÚRGICA NO CONJUNTO DA PASTORAL DA IGREJA. Conferir: Diretrizes Gerais da Ação Pastoral da Igreja no Brasil (2011 a 2016) – Doc. CNBB 94 2.1. Os três eixos fundamentais da missão pastoral da Igreja: - a pastoral da Palavra - a pastoral dos sacramentos - a pastoral odogética (odós= caminho) ou ação pastoral da caridade. 2.2. A tríplice missão de Jesus e o tríplice ofício de sua Igreja. - Missão profética, sacerdotal e real. - Ofício de ensinar, santificar e governar. - Termos para fácil memorização: Palavra – Sacramento – Caridade ou Anunciar, celebrar e viver no serviço. 2.3. Compreensão recente mais completa: - Evangelização ou Missão (anúncio do Kerigma = morte e ressurreição de Jesus)) - Catequese (Didascália ou ensino) - Celebração e oração (liturgia) - Comunhão eclesial (Koinonia): fruto da pastoral da Palavra (evangelização e catequese) e da pastoral Litúrgica. É fundamento da pastoral do serviço (Diaconia) João Paulo expressou muito bem na Evangelium vitae a união dos três campos ao falar do Anúncio da Vida, Celebração da Vida e serviço da Vida: “Todos juntos sentimos o dever de anunciar o Evangelho da vida, de celebrá-lo na liturgia e na inteira existência e de servi-lo com as diferentes iniciativas e estruturas de apoio e promoção” (79) Os três eixos: uma estrutura – o risco da separação EIXOS ESSENCIAIS DA MISSÃO PASTORAL E EVANGELIZAÇÃO DA IGREJA (Equivalências) Ide e fazei discípulos Batizar Observar os mandamentos Cristo-Profeta Cristo-Sacerdote Cristo-Rei Igreja-Profetiza Igreja Povo Sacerdotal Igreja Povo Régio Munus Docendi Munus Santificandi Munus Regendi Anúncio da fé Celebração da fé Agir da fé Anunciar Cristo o mistério Pastoral da Palavra: Kerigma , Anúncio, Didaskalia Catequese Palavra de Celebrar o mistério de Cristo Pastoral Litúrgica: Leitourgia (Liturgia) Koinonia (Comunhão) Sacramento Viver no serviço o mistério de Cristo Pastoral do Serviço: Diakonia Vida no Serviço: Ética O sacerdócio existencial (Hb 10,5ss) e o sacerdócio ritual O culto existencial (Jo 4,24) e o culto ritual 3. A PASTORAL COMO AÇÃO ORGANIZADA. A finalidade da pastoral litúrgica supera o momento da celebração: por uma celebração consciente, participativa e fecunda ou frutífera a pastoral litúrgica edifica a Igreja em comunidades vivas, exercendo o sacerdócio batismal no culto de vidas comprometidas com a missão de Cristo. A pastoral litúrgica ajuda os fiéis a descobrirem na sacramentalidade da criação e da história os traços da presença amorosa de Deus em Cristo e os apelos do Espírito Santo. 3.1. Exigências para a pastoral litúrgica Como ação organizada e corajosa buscando participação plena representa uma série de exigências que são outros tantos frutos desta pastoral. As celebrações litúrgicas devem ser verdades significativas e comunicativas das realidades divinas. A comunidade seja sujeito ativo da celebração e não mero receptor passivo: ação “da” comunidade e não “para”, com conseqüente inculturação dos sinais. 3.2. O âmbito da pastoral litúrgica e suas diversas dimensões. a) pastoral da assembléia: assembléia dominical para a eucaristia ou celebração da palavra; assembléia semanal; assembléia circunstancial ( celebrações especiais). b) pastoral da iniciação na vida cristã. Confira: Iniciação à vida cristã – Um processo de inspiração catecumenal – Estudos da CNBB 97 c) pastoral dos sacramentos de cura: penitência e reconciliação / unção e assistência pastoral aos enfermos. d) pastoral do matrimônio. e) Os ministérios na Igreja toda ministerial. f) A morte do cristão e os ritos que a rodeiam (cf. Nossa Páscoa – Subsídios para celebração da esperança – Paulus: Celebrando por ocasião da Morte – Subsídio para velório, última encomendação e sepultamento - Apostolado litúrgico e Paulinas.) g) Celebração da Liturgia das Horas. h) Outras celebrações. Confira: Diretório sobre piedade popular e liturgia – Princípios e orientações. i) A pastoral da vida de oração e da espiritualidade. j) O espaço. k) Celebrar no tempo segundo o ritmo do ano litúrgico. 3.3. Os agentes e a organização da pastoral litúrgica Agente a serviço da participação e comunhão. A qualidade da pastoral organizada. 4. A CONTEXTUALIZAÇÃO DA PASTORAL LITÚRGICA E SEUS DESAFIOS - Iniciar na experiência de fé. - Necessidade de trabalhar melhor o lugar do corpo na liturgia. - Necessidade de aprofundar o lugar da afetividade e das emoções na celebração. - Indicações práticas sugeridas pelo contexto cultural: a)Investigar o que toca ou motiva o homem e a mulher da pós-modernidade. O que o emociona. As grandes causas que movem e que revelam o profundo do coração humano. Exemplos: ecologia, direitos da pessoa, justiça. b) Desenvolver a liturgia na perspectiva da nova evangelização. c) Motivar lugares agradáveis, liturgias acolhedoras e cordiais e ritos de acolhida e despedida personalizados. e) Diversificar o estilo das celebrações de acordo com as assembléias. f) Colocar as celebrações na vida cotidiana das comunidades e da pessoa. 5. CELEBRAR MELHOR: ALGUMAS ANOTAÇÕES Na rotina, a introdução de mudança suscita o interesse. As leis do ritmo: por alternância, por contraste e por equilíbrio. Conclusão: a pastoral litúrgica é uma “liturgia”, um serviço para introduzir as pessoas no mistério. É trabalho lento, silencioso e abnegado. É processo educativo em sinfonia com as demais pastorais, à luz da teologia litúrgica, realizado em equipe e comunhão. A eficiência desta pastoral depende de planejamento e avaliação. A equipe de liturgia vive a “liturgia” de Deus mediante o serviço de preparação das celebrações e tudo o que a rodeia. A alegria dos membros desta pastoral é servir a comunidade. Sua espiritualidade brota da mística de João Batista: “É necessário que Ele cresça e que eu diminua” (Jo 3,30). Para aprofundar o tema: MANUAL DE LITURGIA IV CELAM, terceiro capítulo - Jacques Trudel A LITURGIA COMO AÇÃO PREPARADA PASSOS PARA A PREPARAÇÃO DA CELEBRAÇÃO José Ariovaldo da Silva O subtítulo acima é do precioso livrinho de um irmão de caminhada no grande mutirão de formação litúrgica em nosso Brasil. Trata-se da obra Preparando passo a passo a celebração; um método para as equipes de celebração das comunidades, publicado pela Paulus, do liturgista e pedagogo Pe. Luiz Eduardo P. Baronto, salesiano, membro da “Rede Celebra” de formação litúrgica popular. Baseio-me nele para indicar, de forma sucinta, os principais e necessários passos para uma boa preparação da celebração. Seguindo estes passos, teremos celebrações litúrgicas de boa qualidade: teológica, ritual, espiritual, pascal e pastoral, fazendo a ligação entre Liturgia e vida. Pe. Baronto nos aponta oito passos, a saber: 1º) PEDIR AS LUZES DO ESPÍRITO SANTO A reunião para a preparação da celebração deve começar, antes de tudo, com uma súplica ao Espírito Santo. É ele que age na celebração litúrgica. Por isso, é a ele também que devemos pedir as luzes quando nos reunimos para preparar a celebração. Trata-se de um passo fundamental. Sem ele, correríamos o risco de preparar celebrações cheias de sugestões e criatividade, mas vazias de espiritualidade. Portanto, iniciar a reunião com uma oração (espontânea ou recitada) ou com algum canto ao Espírito Santo (A nós descei; Vem, Espírito Santo, vem...). 2º) AVALIAR A CELEBRAÇÃO PASSADA Nada é perfeito. Estamos sempre nos aperfeiçoando. É o caminho da conversão evangélica. Também nas celebrações. Por isso, no passo seguinte, faz-se a memória da última celebração em que a equipe atuou, com o objetivo de melhorar as seguintes. Pe. Baronto sugere um roteiro para tais avaliações na reunião da equipe: a) A celebração foi, de fato, um acontecimento marcante na vida da comunidade? b) A assembléia sentiu-se envolvida no mistério que celebramos? c) Os cantos, símbolos, ritos, orações... ajudaram a expressar o Mistério do dia? d) Como se deu a relação entre assembléia e equipe; assembléia e presidência; equipe e presidência? Houve comunhão de sentimentos, de interesses? e) Sentimos prevalecer um clima orante em nossa celebração? O que ajudou? O que prejudicou? f) Os ministros e ministras agiram à maneira de Jesus? g) Como a vida e os acontecimentos importantes da comunidade entraram na celebração? 3º) SITUAR A CELEBRAÇÃO NO TEMPO LITÚRGICO E NA VIDA DA COMUNIDADE Este passo se baseia em duas perguntas fundamentais: a) Qual o Mistério que celebramos? b) Qual a relação entre esse Mistério e a vida da comunidade? Primeiro recorda-se a data em que a celebração vai acontecer, bem como se recorda o tempo litúrgico no qual a celebração é situada (Quaresma? Páscoa? Advento? Natal? Tempo comum? Festa de algum Santo?...). Então se pergunta pelo Mistério que vamos celebrar, tendo como raiz sempre o Mistério Pascal de Cristo. Mas não pára por aí. É preciso, também, colocar as raízes do Mistério da Páscoa de Jesus no Mistério Pascal da vida da gente. Para tanto, é preciso que a equipe recorde os acontecimentos da comunidade: • • • • • eventos sociais religiosos do dia-a-dia da comunidade da região ocorrências nacionais e internacionais Isso vale para qualquer celebração, lembrando que a pessoa e a Páscoa de Jesus devem estar no centro de tudo. 4º) FAZER A EXPERIÊNCIA DA PALAVRA Agora se procede à leitura dos textos bíblicos propostos. Lê-los e aprofundá-los. Perguntar: 1. 2. 3. 4. Quais são os personagens presentes no Evangelho? O que falam? Para quem falam? Qual a Boa Nova ou o apelo que Jesus está fazendo? Qual a imagem pascal que aí aparece? E mais: 1. O que há de comum entre o Evangelho e a Primeira Leitura? 2. Como o Evangelho nos ajuda a entender a mensagem da Primeira Leitura? Ler também o Salmo responsorial e a Segunda Leitura, comentando. Perguntar-se e responder: 1. O que a Palavra diz para nós, para a nossa vida? 2. Qual a conversão que a Palavra pede de nós? Que sinais de salvação e de perdição ela nos indica em nossa vida, na vida de nossas comunidades e na vida do povo em geral? 5º) EXERCÍCIO DE CRIATIVIDADE Agora, “à luz dos passos anteriores – vida da comunidade, tempo litúrgico, Palavra de Deus – procura-se, num exercício de criatividade, fazer surgir idéias para os diversos momentos da celebração, mesmo sem ordem, à maneira de uma tempestade mental. Selecionar depois as idéias a respeito de ritos, de símbolos, de cantos, para os ritos de entrada, ato penitencial, gesto da paz, proclamação das leituras etc.” (CNBB, Documento 43, n. 226) 6º) ELABORAR O ROTEIRO Em seguida (e só agora!), “passando em revista as diversas partes da Missa, escolhem-se os cantos, os ritos etc., para cada momento, registrando tudo numa folha-roteiro, que servirá de guia para os diversos ministros”. (ibid., n. 227) 7º) DISTRIBUIR OS MINISTÉRIOS É o momento da distribuição das tarefas, dos ministérios. Só agora! “Muitas equipes precipitam-se e começam a reunião dividindo logo as funções. Certamente, esse não é o melhor caminho, pois, como vimos, a preparação de uma celebração não se resume a um simples distribuir de tarefas. Trata-se de um processo comunitário de oração e de discernimento, que deve alcançar o objetivo de expressar e viver o Mistério da Páscoa de Jesus na comunidade reunida em assembléia. Um ministério litúrgico deve ser sempre desempenhado tendo presente a imagem do Cristo Servidor de todos. Longe de nós aparentarmos qualquer sinal de superioridade ou mesmo de prestígio na comunidade. Não se trata de dignidade maior ou menor, mas de um ‘Eu estou no meio de vós como aquele que serve’ (Lc 22,27)” (Preparando passo a passo..., p. 3233). 8º) ENSAIAR AS AÇÕES SIMBÓLICAS “Precisamos ensaiar cada passo, rito, ação simbólica e cantos que foram escolhidos pela equipe. Por isso, a equipe deve marcar, com as pessoas envolvidas na celebração, um momento para o ensaio... e é bom que seja sempre no lugar onde se realizará a celebração. Por isso, também não basta imaginar o lugar... vamos até lá para realizar, o mais proximamente, como faríamos se estivéssemos vivendo a própria celebração. E aqui vale lembrar a ‘regrinha de ouro’ de nossa liturgia: - é preciso saber unir a ação corporal (palavras, músicas, gestos) ao seu sentido teológico-litúrgico e a uma atitude interior que o Espírito suscita na gente através da ação que vamos realizar”. (ibid., p. 33) Isso vale, sobretudo, para a proclamação da Palavra: os ministros da Palavra “deveriam sempre evitar pegar de última hora o texto que irão proclamar. Os ministros da Palavra – leitores(as) – têm uma responsabilidade muito grande, pois irão comunicar aquilo que Deus quer dizer à comunidade. Por isso, não se trata de executar uma leitura qualquer. Trata-se de emprestar a sua voz, o seu olhar, as suas mãos, o seu corpo para que a mensagem de salvação chegue à comunidade reunida...”. O bom seria que os(as) leitores(as) participassem também “da reunião de preparação das celebrações, porque terão oportunidade de aprofundar melhor o contexto e o significado de cada leitura. Dessa forma, poderão também expressar melhor os sentimentos que o autor tinha no momento em que escreveu aquele determinado texto”. (ibid., p. n.º 34) A LITURGIA COMO AÇÃO PARTICIPADA (Ministérios Litúrgicos) I. A LITURGIA, EXERCÍCIO DO SACERDÓCIO Pe. Gregório Lutz Conforme acabamos de ver, o Concílio Vaticano II explica a liturgia em primeiro lugar como momento da história da salvação. Mas este não é o único aspecto a ser considerado por quem quer conhecer a natureza da liturgia. Sobretudo quando o Vaticano II faz aquela descrição da liturgia que geralmente é considerada como definição, várias outras dimensões são mencionadas, entre as quais se destaca aquela de a liturgia ser o exercício do sacerdócio de Cristo e dos cristãos. Aprofundaremos primeiro esta dimensão e em seguida duas outras que são também essenciais para um conhecimento da natureza da liturgia: sua dimensão simbólica e as duas vertentes da ação litúrgica. Outro aspecto importante da liturgia é que nela participamos da liturgia celeste. Antes de entrarmos no estudo das diferentes dimensões, vejamos o texto conciliar em questão. Embora não seja uma definição em sentido estrito, porque o Concílio julgou que definir fosse tarefa da ciência litúrgica e não do magistério, ele é de suma importância: "Com razão (...) a liturgia é tida como o exercício do múnus sacerdotal de Jesus Cristo, no qual, mediante sinais sensíveis, é significada e, de modo peculiar a cada sinal, realizada a santificação do homem; e é exercido o culto público integral pelo corpo místico de Cristo, cabeça e membros" (SC 7). 1 – O sacerdócio de Jesus Cristo Jesus Cristo praticou em sua vida e preconizou o culto em espírito e verdade, o culto que Deus tinha prescrito a seu povo ao selar a aliança no Monte Sinai. A carta aos hebreus, descrevendo o sacerdócio novo, único e definitivo de Jesus Cristo, diz: "Ao entrar no mundo, ele (Jesus Cristo) afirmou: 'Tu não quiseste sacrifício e oferenda. Tu, porém, formaste-me um corpo. Holocaustos e sacrifícios pelo pecado não foram do teu agrado. Por isso eu digo: Eis-me aqui, - no rolo do livro está escrito a meu respeito - eu vim, ó Deus, para fazer a tua vontade'. Assim, ele declara, primeiramente: 'Sacrifícios, oferendas, holocaustos, sacrifícios pelo pecado, tu não quiseste, e não te agradaram'. Trata-se, notemo-lo bem, de oferendas prescritas pela Lei. Depois ele assegura: 'Eis que eu vim para fazer a tua vontade'. Portanto, ele suprime o primeiro para estabelecer o segundo. E graças a esta vontade é que somos santificados pela oferenda do corpo de Jesus Cristo, realizada uma vez por todas" (Hb: 10, 5-10). É o culto da vida de Jesus que ele completou pela sua morte na cruz e cuja aceitação o Pai manifestou ressuscitando seu Filho da morte. Como Jesus entrou pela sua morte no santuário verdadeiro, o céu, assim ele está agora e eternamente diante do Pai, entregando-se em eterno amor obediente, e associa a si aqueles que na terra estão em comunhão com ele, sobretudo aqueles que pelo batismo se tornaram com ele e nele sacerdotes, os membros do seu corpo místico. Em sua vida e especialmente quando eles celebram a liturgia, Jesus está presente e agindo, como diz a constituição sobre a liturgia, " no sacrifício da missa, tanto na pessoa do ministro, 'pois aquele que agora oferece pelo ministério dos sacerdotes é o mesmo que outrora se ofereceu na cruz' (Concílio de Trento), quanto sobretudo sob as espécies eucarísticas. Presente está pela sua força nos sacramentos, de tal forma que quando alguém batiza é Cristo, mesmo que batiza. Presente está pela sua palavra, pois é ele mesmo que fala quando se lêem as sagradas escrituras na igreja. Está presente finalmente quando a Igreja ora e salmodia, ele que prometeu: 'Onde dois ou três estiverem reunido em meu nome, aí estarei no meio deles' (Mt 18,20) (SC 7). Evidentemente, os membros do seu corpo que participam do seu sacerdócio, devem celebrar como ele, quer dizer, celebrar aquilo que vivem, sua obediência ao Pai e entrega pelos irmãos, exatamente como Jesus na última ceia celebrou ritualmente seu sacrifício vivido desde a sua encarnação até a morte na cruz. 2 – O sacerdócio dos cristãos Ao selar a aliança no deserto do Sinai com o povo libertado da escravidão do Egito Deus tinha dito: "Se ouvirdes a minha voz e guardardes a minha aliança, sereis para mim uma propriedade particular entre todos os povos... Vós sereis para mim um reino de sacerdotes e uma nação santa". (Ex 19,5-6). É este texto que ressoa nas palavras de São Pedro em sua primeira carta: "Dedicai-vos a um sacerdócio santo, a fim de oferecerdes sacrifícios espirituais aceitáveis a Deus por Jesus Cristo", e: “Vós sois uma raça eleita, um sacerdócio real, uma nação santa, o povo de particular propriedade, a fim de que proclameis as excelências daquele que vos chamou das trevas para a sua luz maravilhosa" (1 Pd 2,5.9). No mesmo sentido diz ó livro do apocalipse que Jesus "fez de nós um reino de sacerdotes para Deus, seu Pai" (Ap 1,6). Como no antigo, assim também no novo testamento, este sacerdócio é um sacerdócio espiritual que, no entanto, não exclui, e sim inclui o oferecimento de sacrifícios rituais, na Igreja o sacrifício eucarístico. É igualmente claro que o exercício deste sacerdócio se estende a toda a liturgia, a todas as celebrações. E, finalmente, não há dúvidas de que este povo sacerdotal são todos os batizados. Como no batismo nascemos pelo dom do Espírito Santo como filhos e filhas de Deus em Jesus Cristo, assim somos no batismo ungidos sacerdotes no sumo sacerdote Jesus Cristo. E o sacerdócio dos ordenados? Como diz o termo que o especifica, "sacerdócio ministerial", ele está a serviço do sacerdócio comum de todos os batizados. Os ordenados ajudam todo o povo dos batizados a viver e exercer o seu sacerdócio espiritual e ritual. Sobretudo na liturgia se exerce o sacerdócio de Jesus Cristo, do qual participam todos os batizados e, de modo particular, os ordenados. É neste sentido que a constituição sobre a liturgia fala da "plena, cônscia e ativa participação das celebrações, que a própria natureza da liturgia exige e à qual, por força do batismo, o povo cristão, geração escolhida, sacerdócio régio, nação santa, povo de conquista tem direito e obrigação" (SC 14). No mesmo sentido a constituição diz ainda: "As ações litúrgicas (...) são (...) celebrações da Igreja, que é o sacramento da unidade, isto é, o povo santo, unido e ordenado sob a direção dos bispos. Por isso, estas celebrações pertencem a todo o corpo da Igreja, e o manifestam e afetam" (SC 26). MINISTÉRIOS E SERVIÇOS LITÚRGICOS NUMA IGREJA TODA MINISTERIAL A questão da ministerialidade eclesial no pós-concílio Pe. José Raimundo de Melo, S.J. 1. UMA ASSEMBLEIA TODA MINISTERIAL A assembleia litúrgica que se reúne para a liturgia é assembleia toda ministerial 1, organizada em aspecto hierárquico. E esta realidade é traço distintivo da Igreja tanto em seu momento celebrativo, como em todas as demais situações de sua existência. A Igreja, com efeito, se apresenta hierarquicamente ordenada já nos seus inícios, em sua expressão neotestamentária, embora se trate aí sempre de uma autoridade evangélica, conforme descrita em Mt 20,25-27 2. A autoridade eclesiástica é, pois, serviçal, fraterna e toda ela exercida sob a inspiração da autoridade de Cristo 3. A respeito deste assunto, consulte-se: VV.AA., L’Épiscopat et l’Église Universelle. Paris, 1962 (= Unam Sanctam 30) ; COLSON J., “Désignation des ministres dans le Nouveau Testament”, in La Maison Dieu 102 (1970) 21-29; CONGAR Y., “Ministères et structuration de l'Église”, in La Maison Dieu 102 (1970) 7-20; BROVELLI F., “Il contributo della Riforma Liturgica per una rilettura del tema dei ministeri”, in Rivista Liturgica 63 (1976) 591-628; LEMAIRE A., I ministeri della Chiesa (Bologna 1977); MILITELLO C., “I ministeri dell'assemblea liturgica da Israele alla Chiesa” in VV.AA., L'Assemblea liturgica (I settimana regionale di liturgia pastorale, S. Martino delle Scalle, 1978). Palermo, 1979, 93-110; BOROBIO D., “Comunidad eclesial y ministerios”, in Phase 21 (1981) 183-201; ID., “Participación y ministerios litúrgicos. Condiciones de participación desde el ejercicio de los servicios y ministerios litúrgicos”, in Phase 24 (1984) 511-528; CAVAGNOLI G., “I ministeri nel popolo cristiano; prospettive teologico-pastorali del Motu Proprio «Ministeria quaedam»”, in Rivista Liturgica 73 (1986) 305-329; CHUPUNGCO A., «Servitori» di Cristo nella Chiesa. Vescovi, presbiteri, diaconi, laici. Casale Monferrato, 1986 (= Liturgia: fonte e culmine 4); Rivista Liturgica 3 (1986) fascículo monográfico sobre os ministérios não ordenados na Igreja; BOROBIO D., “Fundamentación sacramental de los servicios y ministerios”, in Phase 27 (1987) 491-513; CATTANEO E. (Org.), I ministeri nella Chiesa antica. Testi patristici dei primi tre secoli. Milano: Paoline, 1997; LODI E., “Ministério/Ministérios”, in Dicionário de Liturgia, São Paulo-Lisboa: Ed. Paulinas/Paulistas, 1992, ???; CATTANEO E., Il sacramento dell’Ordine. A partire delle fonti. Milano: San Paolo, 2004. 2 “Mas Jesus, chamando-os, disse: «Sabeis que os governadores das nações as dominam e os grandes as tiranizam. Entre vós não deverá ser assim. Ao contrário, aquele que quiser tornar-se grande entre vós seja aquele que serve, e o que quiser ser o primeiro 1 Ainda hoje, se quisermos ser fiéis a esta matriz evangélica, de igual maneira devemos dispor a inteira organização hierárquica da Igreja. Trata-se, pois, de um conjunto de serviços orientados ao bem da comunidade e úteis ao seu desenvolvimento, que recebem o aval da diaconia de Cristo pobre e serviçal. Esta questão da autoridade instituída em vista da comunhão e do serviço na Igreja encontrou grande ressonância nos tempos que se seguiram à celebração do Concílio Vaticano II. A Igreja pós-conciliar como que se redescobriu serviçal num mundo atual que necessita e até mesmo exige dela esta postura. E tal expressão naturalmente se reflete nos documentos emanados do magistério eclesial nos últimos tempos. Verifiquemos alguns desses documentos. A própria diversidade ministerial da Igreja é fonte de intensa comunhão. E a liturgia, ao reclamar por sua própria natureza, uma participação plena, consciente e ativa nos seus atos, ao mesmo tempo provoca uma diversificada atuação ministerial de todos na celebração, fonte de completo envolvimento. A tal participação litúrgica os fiéis têm direito e dever em virtude do batismo. A atuação ministerial do povo na assembléia cria participação e a participação, por sua vez, é intensificada com a atuação diferenciada dos vários ministros. Serviço ministerial e participação estão, assim, em íntima relação na liturgia desta Igreja “toda ministerial”. A hierarquia da assembleia litúrgica é expressa, de forma evidente ou velada, em diversos artigos da Instrução Geral sobre o Missal Romano 4. No artigo 5, que se refaz à SC 28, a celebração da eucaristia surge como ação de toda a Igreja, “...na qual cada um deve fazer tudo e só o que lhe compete, segundo o lugar que ocupa no Povo de Deus.”. E na IGMR 16, ela é “...ação de Cristo e do povo de Deus hierarquicamente ordenado...”. O n. 17 também convida “ministros e fiéis” a participarem da missa “...cada um conforme sua condição...”. No n. 294, o povo de Deus reunido para a missa “...constitui uma unidade íntima e coerente”. Assim, a própria diversidade de lugares na Igreja exprime seja a “disposição hierárquica”, seja a “diversidade de funções”. E a diversidade de vestes litúrgicas, completará o n. 335, manifesta exteriormente a “diversidade de funções na celebração da Eucaristia”, pois, “na Igreja, que é o Corpo de Cristo, nem todos os membros tem a mesma função”. E tudo é concluído pela IGMR 91, quando recorda que, na celebração eucarística, “ação de Cristo e da Igreja”, o povo cristão “manifesta sua organização coerente e hierárquica”. Por fim a Introdução ao Elenco das Leituras da Missa (Ordo Lectionum Missae, Praenotanda) 5 se interessará por esta questão no contexto da proclamação da palavra na ação litúrgica: “Já que, por vontade do próprio, Cristo o novo povo de Deus está formado por uma admirável variedade de membros, diversos também são as funções e os ofícios que correspondem a cada um, no que se refere à Palavra de Deus: aos fiéis cabe escutá-la e meditá-la; sua explicação, porém, corresponde apenas àqueles que, pela sagrada ordenação, têm a função ministerial, ou aqueles aos quais foi confiado este ministério.” [OLM 8]. Esta “admirável variedade” que se encontra no seio do povo de Deus corresponde não a uma distinção puramente humana, mas à vontade do próprio Cristo. Tal diversificação explica em definitivo a função que corresponde a cada um no que toca à palavra de Deus anunciada e celebrada. Esta idéia é ainda sublinhada mais tarde num outro artigo do mesmo OLM, quando trata dos vários ministérios na liturgia da palavra: “A tradição litúrgica confiou a função de proclamar as leituras bíblicas na celebração da Missa a determinados ministros: os leitores e o diácono” [OLM 49]. A liturgia não comporta, pois, uma assembleia desordenada, no sentido de que nela cada um faz aquilo que mais lhe agrada. Não é também uma assembleia em que aqueles que devem coordená-la ou presidila são escolhidos momentaneamente para cada ação celebrativa. Não se trata de uma assembleia improvisada, mas estruturada e hierarquizada, pois “as ações litúrgicas não são ações privadas, mas celebrações da Igreja, que é «sacramento de unidade», isto é, povo santo reunido e ordenado sob a direção dos bispos” (SC 26). dentre vós, seja o vosso servo...»” (Mt 20,25-27). 3 Cf. LEMAIRE A., “Les ministères dans la recherche néo-testamentaire. Etat de la question”, in La Maison Dieu 115 (1973) 32. 4 CONGREGAÇÃO PARA O CULTO DIVINO E DISCIPLINA DOS SACRAMENTOS , Instrução Geral sobre o Missal Romano, in 3ª Edição Típica do Missal Romano, 2002 (edição para o Brasil aprovada pela CONGREGAÇÃO em carta de 30 de julho de 2004). Tal Instrução será sempre citada ao longo do artigo em sua nova numeração, como aparece reformulada na 3ª edição Típica do Missal. A seguir, citada pelas iniciais IGMR. 5 Missal Romano, restaurado por Decreto do Concílio Ecumênico Vaticano II e promulgado pela autoridade do Papa Paulo VI, Ordo Lectionum Missae, Praenotanda, 2ª ed. de 1981, in Notitiae 17 (1981) 358-462 (Edição para o Brasil: Elenco das Leituras da Missa, Introdução, in: Lecionário Dominical, anos A, B e C), a seguir citada pelas iniciais OLM. Assim como a Igreja, também a liturgia possui um senso hierárquico conatural. Tal realidade não resulta da livre escolha dos participantes, mas provém da vontade do Cristo, Esposo e Cabeça da Igreja. 2. A ARTICULAÇÃO DOS MINISTÉRIOS NA CELEBRAÇÃO A liturgia atribui grande importância à função dos ministros na assembleia e os nossos documentos expressam com profusão tal realidade. Aí se enfoca com freqüência tanto a realidade ministerial da Igreja, como a sua contribuição para uma mais digna e significativa celebração litúrgica. Na celebração cada um é chamado a prestar o seu serviço para que o culto litúrgico possa apresentar-se diante de todos como um exemplo vivo e profundo da comunhão amorosa que ali misticamente se realiza entre Deus e o seu povo santo. Não é difícil encontrar documentos que tratam da diversidade dos ministros exigidos na liturgia 6, da importância dos mesmos para uma mais intensa celebração litúrgica 7, da função dos vários ministros no momento celebrativo da assembleia 8, do lugar que cada um deve ocupar na ação litúrgica 9, da veste própria de cada ministro na celebração10, e ainda do testemunho que os ministros são chamados a dar diante de todos através de um comportamento digno e exemplar11. Todavia, quando se trata de determinar objetivamente quem são estes ministros, os textos em geral apresentam falta de exatidão, sinal de que estamos diante de uma linguagem não muito precisa. É bem verdade que sendo toda a Igreja ministerial e, por isso mesmo, cada fiel, ordenado ou não, se sinta chamado a exercer um ministério na assembleia, sucede que não se possa precisar muito com esta palavra o que significa exatamente um ministro da comunidade. Em sentido amplo, todo e qualquer fiel deve ser considerado um ministro da Igreja, todos devem viver em “tensão ministerial”, exatamente porque a qualquer momento pode exercer aí algum ministério para o bem do inteiro grupo. Assim é que às vezes se atribui o nome de ministro aos que são ordenados na Igreja, outras vezes esta palavra se refere apenas aos que são instituídos num determinado ministério, em oposição aos ministros ordenados, e outras vezes ainda chama-se ministro também os que exercem um ministério espontâneo, sem terem sido instituídos para tal. Ora, quando uma mesma palavra é atribuída a realidades diferentes, em lugar de esclarecer, ela pode confundir mais ainda. Deste modo, quando se trata do ministro eclesial, deve-se em seguida determinar de que tipo de ministro se fala, se é um ministro ordenado (bispo, presbítero ou diácono), se um ministro instituído (leitor ou acólito que recebeu uma instituição), se se trata de um ministro carismático (alguém que tenha um carisma para um determinado serviço, mas sem que tenha sido ordenado ou instituído) ou se é alguém convocado a exercer num determinado momento uma específica função na liturgia. Passemos pois à análise dos textos para sabermos até que ponto se pode estabelecer uma maior clareza no vocabulário utilizado para descrever as funções ministeriais da assembleia eclesial. 3. A FUNÇÃO PRESIDENCIAL Tradicionalmente na Igreja, a presidência da assembleia eucarística 12 é confiada ao bispo diocesano, responsável pela eucaristia nas várias comunidades locais, os quais são auxiliados neste serviço pelos Cf. IGMR 91.116.294; cf. Caeremoniale Episcoporum, ex decreto Sacrosancti Oecumenici Concilii Vaticani II instauratum auctoritate Ioannis Pauli Pp. II promulgatum, n. 119. Editio typica. Typis Poliglottis Vaticanis, 1985. Cerimonial dos Bispos. Cerimonial da Igreja. São Paulo: ed. Salesiana D. Bosco/ed. Paulinas, 1988; a seguir citado pelas iniciais CE; cf. CONGREGAÇÃO DO CULTO DIVINO, Carta Paschalis sollemnitatis (n. 93), às Conferências Episcopais e Comissões litúrgicas nacionais, de 16 de janeiro de 1988 (sobre a preparação e celebração das festas pascais): Notitiae 24 (1988) 81-107. 7 Cf. EM 11; MS 13; IGMR 94.112.115; Paschalis sollemnitatis 41.43. 8 Cf. SAGRADA CONGREGAÇÃO DOS RITOS, Instrução Inter Oecumenici, de 26 de setembro de 1964 (1ª instrução para a devida aplicação da SC), nn. 33. 56, in AAS 56 (1964) 877-900 (a seguir citada pelas iniciais IO); cf. De Oratione communi seu fidelium. Natura, momentum ac structura. Criteria atque specimina Coetibus territorialibus Episcoporum proposita: Fascículo do “Consilium”, de 17 de abril de 1966 (sobre a oração comum ou dos fiéis). Typis Ployglottis Vaticanis, 1966, n. 8.13; cf. SAGRADA CONGREGAÇÃO DOS SACRAMENTOS E DO CULTO DIVINO, Instrução Inaestimabile donum, de 3 de abril de 1980 (sobre algumas normas relativas ao culto divino), in AAS 72 (1980) 331-343, n. 18; MS 5.26; IGMR 43.47.60.109.110.352; OLM 33. 9 Cf. IGMR 294. 10 Cf. IGMR 335-347. 11 Cf. OLM 35. 12 Entre os estudos sobre este tema, confira: BOROBIO D., “La función presidencial en la asamblea litúrgica”, in Phase 10 (1970) 100-104; TENA P., “A assembléia litúrgica e seu presidente”, in Concilium 2 (1972) 162-171; BELLAVISTA J., “El celebrante 6 presbíteros. Fazendo eco a esta realidade, nossos textos deverão tratar, em primeiro lugar, da assembleia presidida pelo bispo. Encontramos, porém, diversas passagens em que também se fala da presidência eucarística diretamente confiada ao sacerdote, termo através do qual se especifica na Igreja tanto a função ministerial do bispo como a do presbítero. Só um pequeno número de passagens cita a presidência como própria ao presbítero. Analisemos agora a realidade deste importante ministério na celebração litúrgica. a) O Bispo diocesano frente à assembléia de sua Igreja A grande importância que a figura do bispo diocesano recebe na liturgia da assembleia deriva do fato de ser ele depositário e garantia do culto que a Igreja rende à Trindade santa. Sendo a testemunha da fé apostólica e da inteira tradição eclesial, é o ministro primário e básico da eucaristia na vida da comunidade. Bispo é aquele que o Espírito Santo constituiu para governar a Igreja de Deus (cf. At 20,28) 13. O bispo é a cabeça da Igreja local, é o grão-sacerdote da assembleia, do qual, de algum modo, deriva e depende a vida de seus fiéis em Cristo14. A ele cabe o governo, o controle e a promoção de toda a vida litúrgica da porção do povo de Deus que lhe foi confiada. Nele se encontra o ponto de referência de toda a vida cultual da comunidade. Já que a Igreja é mais verdadeiramente ela mesma no momento da assembleia litúrgica, tradição essa nascida no próprio Novo Testamento e acentuada ao longo de toda a história, a importância do episcopado na comunidade em relação à disciplina e à doutrina depende da importância que o bispo assume na liturgia eucarística, já que «o bispo está na Igreja e a Igreja está no bispo»15. Grande responsabilidade é depositada em suas mãos, pois em cada celebração local da eucaristia se manifesta a unidade da inteira Igreja de Deus. E desta unidade, a nível de Igreja local, o bispo é o autêntico intérprete e o máximo ministro. Por isso, já se disse que: “O bispo é a imagem tipológica do Pai no meio da Igreja, o liturgo que reúne toda a comunidade local numa tensão de retorno em direção ao Pai e num vínculo de comunhão com todas as outras Igrejas” 16. A IGMR, na parte em que descreve as funções e ministérios na missa, nos dá um quadro completo do valor e significado eclesial do bispo enquanto presidente da assembleia litúrgico-eucarística: “Toda celebração legítima da Eucaristia é dirigida pelo Bispo, pessoalmente ou através dos presbíteros, seus auxiliares. Quando o Bispo está presente à Missa com afluência do povo, é de máxima conveniência que ele celebre a Eucaristia e associe a si os presbíteros na sagrada ação como concelebrantes. Isto se faz, não para aumentar a solenidade exterior do rito, mas para manifestar mais claramente o mistério da Igreja, «sacramento da unidade». Se o Bispo não celebra a Eucaristia, mas delega outro para fazê-lo, convém que ele próprio, de cruz peitoral, de estola e revestido do pluvial sobre a alva, presida a liturgia da palavra, e no fim da Missa, dê a bênção” [IGMR 92]. b) A assembleia presidida pelo sacerdote principal”, in Phase 18 (1978) 487-490; SARTORE D., “La formazione del presbitero presidente”, in Rivista Liturgica 68 (1981) 623-637; RAINOLDI F., “La presidenza nella celebrazione”, in Rivista Liturgica 72 (1985) 436-454; PONZINI D., “Servizio di presidenza e stile celebrativo”, in VV.AA., Pastore e comunità per una liturgia viva. Nel XVI centenario del Battesimo di sant'Agostino (Atti della XXXVIII settimana liturgica nazionale, Bergamo 1987). Roma: CAL, 1988, 149-161; AQUILINO DE PEDRO H., “El arte de presidir y animar la celebración”, in Phase 29 (1989) 317-320. 13 S. João Crisóstomo, a propósito, afirma: “Se não existisse o Espírito Santo, não existiria nem pastores, nem mestres na Igreja, porque esses tornam-se tais pelo Espírito” (Homil., in Pent. 1,4); citado in: DI CRISTINA S., “Il popolo dell'assemblea liturgica nei Padri”, in VV.AA., L’Assemblea liturgica (I settimana regionale di liturgia pastorale, S. Martino delle Scale 1978) (= Ho Theologos). Palermo, 1979, 86. 14 Cf. LG 41; POWER D., “A celebração sacramental e o ministério litúrgico”, in Concilium 2 (1972) 152. 15 CIPRIANO DE CARTAGO, Epist. 66,8. Cf. D. POWER, “A celebração sacramental” 152. 16 STROTMANN TH., “L’évêque dans la tradition orientale”, in VV.AA., L’Épiscopat et l’Église Universelle. Paris, 1962, 309-314 (= Unam Sanctam 39); citado em: CORECCO E., “O bispo, chefe da Igreja local, protetor de promotor da disciplina local”, in Concilium 8 (1968) 83. No âmbito da teologia latina, porém, o bispo é preferentemente comparado a Cristo (cf. CORECCO E., l. cit., nota 13). Os textos tratam também da presidência da eucaristia exercida pelo sacerdote. Este, como já vimos, pode ser tanto o bispo, quanto o presbítero. Aqui também algumas importantes ideias aparecem em relação a esta presidência. Em primeiro lugar, e conforme os textos, o sacerdote preside a assembleia “...na pessoa de Cristo...” [MS 14; cf. IGMR 4.27]. Esta realidade aparece enfaticamente explicada na carta Dominicae cenae: “O sacerdote oferece o santíssimo sacrifício «na pessoa de Cristo», o que quer dizer mais do que «no nome», ou «nas vezes» de Cristo. «Na pessoa», isto é, na específica, sacramental identificação com o «sumo e eterno sacerdote»...” [n. 8]. De outro lado, a cadeira do presidente da assembleia é descrita como reveladora de sua missão presidencial. Assim é que a sede “...seja disposta em modo que se torne bem visível aos fiéis e o celebrante apareça de fato como o presidente da assembleia dos fiéis” [IO 92; cf. IGMR 310]. Outros textos vão se interessar pela realização da função presidencial. Ela é a principal missão do sacerdote: “O Sacerdote cumpre a sua missão principal e se revela em toda a sua plenitude celebrando a eucaristia...” [Dominicae Cenae 2]. Na celebração cabe a ele dirigir a Deus as orações em nome de todo o povo [cf. IGMR 31-33; Actio Pastoralis17, introd.], anunciar a mensagem de salvação [cf. IGMR 93; OLM 38-43] e oferecer o sacrifício [cf. Dominicae Cenae 12]. É pela maneira como exerce a presidência que o ministro promove a participação ativa dos fiéis. E tal promoção deve ser perseguida de todas as maneiras pelos que exercem o cargo presidencial, para que a celebração litúrgica, interior e exteriormente, se exprima assim como ela realmente é: ação comunitária de Cristo-Igreja. Segurança e competência são dois elementos exigidos de todo presidente da assembleia eucarística. Um presidente inseguro propagaria tal insegurança a toda a comunidade dos fiéis 18. Além disso, o presidente da celebração é aquele que faz a mediação entre o rito e a assembleia, quem leva a comunidade a bem celebrar a vida na liturgia e a liturgia na vida. 4. O SERVIÇO LITÚRGICO DO DIÁCONO Talvez mais do que qualquer outro ministério eclesial no Ocidente, o do diácono19 foi o que sofreu maiores modificações na sua compreensão ao longo da história. No Novo Testamento ele já é nomeado junto aos bispos 20. O diaconato, de fato, era concebido de início como um ministério fundamental, sem o qual não podia haver Igreja 21. Todavia, ele sofre um enfraquecimento continuado na medida em que avança no tempo e se estrutura a Igreja, a ponto de chegar a ser considerado na Idade Média nada mais que um simples e dispensável “secretário do altar”, assistente do sacerdote celebrante22. Isso, talvez, tenha contribuído para o seu desaparecimento, ao menos em aspecto permanente, o que a partir do Concílio Vaticano II se procurou de alguma forma restaurar. SAGRADA CONGREGAÇÃO DO CULTO DIVINO, Instrução Actio pastoralis, de 15 de maio de 1969 (sobre a missa para grupos particulares), in AAS 61 (1969) 806-811; Notitiae 6 (1970) 50-55. 18 Cf. SCICOLONE I., “Il canto dei ministri nella liturgia”, in Bollettino Ciciliano. Rivista di musica sacra 78 (1983) 24. 19 Sobre o diácono, veja: COLSON J., La fonction diaconale aux origines de l’église. Bruges-Paris: Desclée, 1960; DALMAIS I.-H., “Le diacre, guide de la prière du peuple d'après la tradition liturgique”, in La Maison Dieu 61 (1960) 30-40; KERKVOORDE A., “Éléments pour une théologie du diaconat”, in VV.AA., L'Église de Vatican II, tome III, direction de BARAÚNA G., éd. fr. CONGAR Y. Paris, 1966, 943 -991 (= Unam Sanctam 51c); WINNINGER P., “Les ministères des diacres dans l'Église d'aujourd'hui”, in Ibid. 993-1009; ID., Les diacres. Histoire et avenir du diaconat. Paris, 1967 (= L'Église en son temps); ALTANA A., Il rinnovamento della vita ecclesiale e il diaconato. Brescia: Queriniana, 1973. URDEIX J., “Qué es un diácono”, in Phase 14 (1974) 407-441; LOPEZ J., “El ministerio de la Palabra de Dios en el diácono”, in Phase 29 (1989) 137-154. 20 Cf. Fil 1,1; cf. também o contexto de 1Tm 3,8-13. 21 “De modo semelhante, todos respeitem os diáconos como a Jesus Cristo, também o bispo que é a imagem do Pai, os presbíteros como o sinédrio de Deus e como o colégio dos apóstolos. Sem eles não há Igreja” (IGNATII ANTIOCHENI, Ad Trall. 3,1, éd. FUNK F.X. [Tubingae 19012] 244). 22 “Para que possas saber com certeza se por acaso elegestes um ministro idôneo, ao qual entregaste a consagração do corpo e do sangue do Senhor, não para fazer, mas para assistir. Aquele que como secretário do altar é participante da confecção da eucaristia com o sacerdote, não que ele tome ou faça, nem que isto não possa ser feito sem ele, mas com mais solenidade e com maior dignidade seja tecido o corpo de Cristo com a presença, com o ministério e o testemunho dele” (PETRI CANTORIS, Verbum abbreviatum, cap. 60: PL 205,184C-D). 17 É possível que esta dificuldade em se compreender o significado do diaconato na Igreja latina seja a causa do quase silêncio dos textos a respeito de tal ministério. O certo é que os documentos quase nada declaram de teologicamente significativo sobre o papel litúrgico do diácono, por exemplo, na celebração da eucaristia, ao contrário do que sucede com o ministério do bispo ou do presbítero. A IGMR n. 94 se apresenta como um dos poucos documentos a sublinhar a importância do ministério diaconal, quando inicia afirmando: “Depois do presbítero, o diácono... ocupa o primeiro lugar entre aqueles que servem na celebração eucarística. A sagrada Ordem do diaconado, realmente, foi tida em grande apreço na Igreja já desde os inícios da era apostólica”. Pena que esta visão não seja aprofundada a seguir no mesmo artigo, já que o texto se interessará só em ir descrevendo o que pode realizar o diácono na celebração eucarística: anúncio do evangelho, por vezes, a pregação da palavra, recitação das intenções da oração dos fiéis, ajuda ao sacerdote no altar, distribuição da comunhão, em especial, sob as duas espécies e, por vezes, a indicação dos gestos e posições do corpo que a assembleia deve adotar. 5. OS DEMAIS SERVIÇOS NA ASSEMBLÉIA LITÚRGICA a) Leitores A função ministerial do leitor é antiga, venerável e importantíssima no conjunto da ministerialidade da Igreja 23, pois se trata da nobre e fundamental missão confiada a alguns de proclamar aos irmãos, reunidos em assembleia litúrgica, a santa Palavra de Deus. Através da voz daquele que lê as Sagradas Escrituras na celebração, Deus fala ao seu povo, e por meio da sua expressão vocal, o povo pode receber inteligivelmente a mensagem salvífica de seu Senhor. Tudo isto nos mostra, pois, como este serviço é central na liturgia cristã, justificando a atenção e o cuidado com que a Igreja deseja vê-lo realizado. Tratando-se de leitores, duas observações se impõem como principais. Em primeiro lugar, nem todos podem executar esta tarefa na Igreja, mas somente aqueles que preenchem os requisitos básicos necessários ao ministério, sejam eles de tipo técnico ou espiritual. E a estes requisitos os documentos se fazem bem sensíveis. Por outro lado, podemos distinguir dois tipos de leitores: os que assumem esta função através de um rito litúrgico de instituição, e são comumente chamados de "leitores instituídos", e os, digamos, “temporários ou fortuitos”, que realizam tal serviço atendendo a uma necessidade imediata da comunidade, mas sem terem sido instituídos ou manterem um vínculo fixo com o ministério. Além do mais, temos aqueles que são instituídos liturgicamente no leitorado, mas apenas como um degrau em direção às ordens sacras. Com a Carta Apostólica Ministeria quaedam 24, pela qual foi abolida a ordem do subdiaconato na Igreja latina, as atividades antes desenvolvidas pelo subdiácono retornaram ao leitor e ao acólito, mesmo estes não tendo sido instituídos 25. Nos vários textos sobre o leitorado encontramos basicamente duas afirmações: uma que tende mais a descrever a função desses ministros e outra que alerta para o respeito e o cuidado com que ela deve ser realizada no culto litúrgico. Analisemos brevemente estas duas afirmações. i. A função do leitor O n. 13 da Instrução Musicam Sacram 26 reconhece a precisa importância do leitor quando diz que na assembleia ele ocupa um peculiar lugar pelo ofício que aí exerce 27. A Instrução Geral sobre o Missal Romano 28, 23 “A figura do leitor liga-se aos inícios do culto cristão, antes, deita as suas raízes no culto sinagogal hebraico. Jesus mesmo realizou esta tarefa na sinagoga de Nazaret (Lc 4,16)” (SCICOLONE I., “Il canto dei ministri nella liturgia”, in Bollettino Ciciliano. Rivista di musica sacra 78 (1983) 27). 24 PAULUS VI, Litterae Apostolicae Motu proprio datae Ministeria quaedam, 15 de agosto de 1972 (nova disciplina sobre a primeira tonsura, ordens menores e subdiaconato na Igreja latina), in AAS 64 (1972) 529-534. 25 As funções do subdiácono serão realizadas pelo leitor ou acólito, mesmo se não são juridicamente instituídos [cf. SAGRADA CONGREGAÇÃO DO CULTO DIVINO, Cum die 1 ianuarii, de 23 de dezembro de 1972 (variações na Instrução Geral sobre o Missal Romano, por ocasião da supressão da ordem do subdiaconato na Igreja latina). 26 SAGRADA CONGREGAÇÃO DOS RITOS, Instrução Musicam sacram, de 5 março 1967 (sobre a música na sagrada liturgia), in AAS 59 (1967) 300-320; Notitiae 3 (1967) 87-105; a seguir citada pelas iniciais MS. 27 “Nessa ocupam um lugar particular, pela sagrada ordem recebida, o sacerdote e os seus ministros; e pelo ofício que realizam, os ministrantes, os leitores...” [ MS 13]. 28 CONGREGAÇÃO PARA O CULTO DIVINO E DISCIPLINA DOS SACRAMENTOS, Instrução Geral sobre o Missal Romano, in 3ª Edição Típica descrevendo os ministérios particulares, em vista de uma mais intensa participação de todos na celebração, diz: “O leitor é instituído para proferir as leituras da Sagrada Escritura, exceto o Evangelho. Pode igualmente propor as intenções para a oração dos fiéis e, faltando o salmista, recitar o salmo entre as leituras”. E, concluindo, oportunamente declara: “Na celebração eucarística, o leitor tem uma função própria” (n. 99). Mas o texto não se interessa apenas pelo leitor instituído, como observa a seguir: “Na falta de leitor instituído, sejam delegados outros leigos, realmente capazes de exercerem esta função e cuidadosamente preparados para proferir as leituras da Sagrada Escritura, para que os fiéis, ao ouvirem as leituras divinas, concebam no coração um suave e vivo afeto pela Sagrada Escritura” (n. 101). Este afeto vivo e suave pela Escritura, expressão tirada da SC 24, indica o grau de atenção da Igreja pela função do leitor. Em seguida se sugere que “havendo várias leituras, é bom que sejam distribuídas entre diversos leitores...” (n. 109). Outro artigo da mesma IGMR, descrevendo a ordem em que os ministros se dirigem ao altar para a missa, elenca também o leitor, “...que pode conduzir um pouco elevado o Evangeliário” [n. 120d]. Os artigos 194-198 da IGMR apresentam as funções do leitor na celebração da missa. O n. 194 dá as mesmas prescrições quanto à condução do livro dos Evangelhos que encontramos no artigo 120d. No n. 195, chegando com os outros ministros ao altar e fazendo-lhe a devida reverência, “se levar o Evangeliário, sobe ao altar e depõe o Evangeliário sobre ele. A seguir, ocupa, com os demais ministros, seu lugar no presbitério.”. Na parte da liturgia da palavra, “profere, do ambão, as leituras que precedem o Evangelho”. Na falta do salmista, “...pode proferir também o salmo responsorial depois da primeira leitura” [n. 196]. E ausente o diácono, “...pode proferir, do ambão, as intenções da oração universal” [n. 197]. No n. 198, enfim, “se não houver canto à Entrada e à Comunhão, e os fiéis não recitarem as antífonas propostas no missal, o leitor as pode proferir no momento oportuno”. O leitor assume assim uma função específica na assembleia quanto ao anúncio da palavra, mas também uma função substitutiva, no caso de faltarem outros ministros. Esta função própria se fundamenta na tradição mesma da Igreja, como nos diz o artigo 49 do Elenco das Leituras da Missa29: “A tradição litúrgica confiou a função de proclamar as leituras bíblicas... a... leitores e diácono”. A seguir este mesmo documento, após recordar como a IGMR 99 que o leitor exerce um ofício que lhe é próprio, mesmo achando-se presentes ministros de ordem superior, continua a afirmar na linha da Ministeria quaedam 5: “Estando presentes leitores instituídos, realizem a sua função pelo menos no domingo e nas festas, especialmente durante as celebrações principais. Além disso, pode-se confiar a eles o encargo de ajudar na organização da liturgia da palavra e cuidar, se for necessário, da preparação de outros fiéis que, por designação temporária, devem fazer as leituras na celebração da missa” [OLM 51]. Esta última observação é digna de nota. Além da função normal de proferir as leituras na assembleia, o leitor é ainda convidado a preparar outros leitores para o cargo temporário da proclamação das leituras. Isso faz dele, mais do que um simples executor material da função, um verdadeiro responsável pela proclamação das leituras na assembleia eucarística. ii. O modo a ser exercido o leitorado na assembléia Também são oferecidas orientações quanto ao modo de o leitor executar a sua função na assembleia eucarística e o profundo zelo que ela exige daqueles que se dispõem a desempenhá-la. A MS 26 ordena a todos os que usam a voz nas celebrações a que “...profiram as partes a eles assinaladas de modo bem do Missal Romano, 2002 (edição para o Brasil aprovada pela CONGREGAÇÃO em carta de 30 de julho de 2004). Tal Instrução será citada aqui em sua nova numeração, como aparece reformulada na 3ª edição Típica do Missal. A seguir, citada pelas iniciais IGMR. 29 Missal Romano, restaurado por Decreto do Concílio Ecumênico Vaticano II e promulgado pela autoridade do Papa Paulo VI, Ordo Lectionum Missae, Praenotanda, 2ª ed. de 1981, in Notitiae 17 (1981) 358-462 (Edição para o Brasil: Elenco das Leituras da Missa, Introdução, in: Lecionário Dominical, anos A, B e C), a seguir citada pelas iniciais OLM. inteligente, a fim de tornar mais fácil e quase natural a resposta dos fiéis, quando exigida pelo rito”. Recomendação semelhante se encontrará também na Instrução Eucharisticum Mysterium 30, n. 20. Dominicae cenae31, n. 10 recorda que a partir da renovação introduzida pela reforma pós-conciliar, “nascem grupos de leitores e de cantores... que com grande zelo dedicam-se a tal aspecto”. E um pouco além, conclui afirmando: “Portanto, estas exigências que brotam da nossa responsabilidade frente à palavra de Deus na liturgia, chegam ainda mais no profundo e tocam a disposição interior com a qual os ministros da palavra realizam a sua função na assembleia litúrgica” [n. 10]. A reforma litúrgica proporcionou uma maior aproximação entre o povo e liturgia, e também aumentou as exigências em relação àqueles que no meio da assembleia devem realizar o serviço da palavra. Já o OLM de maneira positiva e profunda vai dizer que “a assembleia litúrgica precisa ter leitores, ainda que não tenham sido instituídos para esta específica função. Para isso é preciso prever que haja à disposição alguns leigos particularmente idôneos e preparados para realizar este ministério” [OLM 52]. E o n. 54 exige do sacerdote, do diácono e do leitor instituído a utilização da veste sagrada própria do seu ofício, mas não no caso dos leitores não instituídos, que podem usar a veste comum, salvo, porém, os costumes próprios das várias regiões 32. O máximo da afirmação sobre o leitor na Introdução do Elenco das Leituras da Missa, nós encontramos, porém, num artigo seguinte, que abaixo transcrevemos: “«Para que os fiéis, ao ouvirem as leituras divinas, concebam no coração um suave e vivo afeto pelas Sagradas Escrituras, é necessário que os leitores, mesmo que não tenham sido instituídos pare essa função, sejam realmente capazes de desempenhá-la e se preparem cuidadosamente». Esta preparação deve ser sobretudo espiritual; mas é também necessária a preparação propriamente técnica. A preparação espiritual supõe, pelo menos, uma dupla formação: bíblica e litúrgica. A formação bíblica deve levar os leitores a saber compreender as leituras no seu contexto próprio e entender à luz da fé o núcleo central da mensagem revelada. A formação litúrgica deve facilitar aos leitores certa percepção do sentido e da estrutura da Liturgia da Palavra e as motivações da relação entre a Liturgia da Palavra e a Liturgia eucarística. A preparação técnica deve capacitar os leitores para que se tornem sempre mais aptos na arte de ler diante do povo, seja de viva voz, seja com a ajuda dos modernos instrumentos para a amplificação vocal.” [OLM 55]. De início o texto apresenta uma citação da IGMR 99, conforme a nota 93 da OLM. Mas a IGMR nesta parte praticamente apresenta uma transcrição da SC 24, como já vimos acima. Assim, toda a preparação do leitor tem por finalidade criar nos fiéis um intenso e vivo afeto pela palavra de Deus que na celebração é anunciada. E tal preparação não é só missão dos leitores instituídos, mas de todos os que proclamam a mensagem bíblica no culto da assembleia. É relevante ainda a continuação do texto, que se põe a descrever a formação necessária ao leitor. Não se trata apenas de uma preparação periférica, exterior, mas também e sobretudo interior, profunda. Ela deve ser “...uma preparação espiritual e técnica...”, conforme já havia lembrado a Inaestimabile donum 2. A Palavra de Deus que é tanto «viva», quanto «eficaz» (cf. Hb 4,12), recebe força nova a cada vez que na assembleia é liturgicamente anunciada. O leitor (ou o diácono) dando, por meio do seu ministério, voz ao texto escrito, torna-se, a cada vez, verdadeiro profeta, apóstolo (e evangelista). A sua proclamação deveria, de um lado, re-propor a voz do hagiógrafo e, de outro, exprimir a fé segura de que o autor principal do texto é efetivamente o Espírito Santo 33. 30 SAGRADA CONGREGAÇÃO DOS RITOS, Instrução Eucharisticum Mysterium, de 25 de maio de 1967 (sobre o culto do mistério eucarístico), in AAS 59 (1967) 539-573. 31 JOÃO PAULO II, Dominicae Cenae: Carta aos bispos da igreja universal, de 24 de fevereiro de 1980 (sobre o mistério e o culto da ss. eucaristia), in AAS 72 (1980) 113-148; Notitiae 16 (1980) 125-154. 32 “O sacerdote, o diácono e o leitor instituído, quando sobem ao ambão para proclamar a Palavra de Deus na celebração da Missa com o povo, devem usar as vestimentas sagradas próprias de seu ofício. Todavia, os leitores não instituídos que em alguns casos ou mesmo habitualmente desempenham o ministério de leitor, podem subir ao ambão com sua roupa normal, respeitando-se porém os costumes das diversas regiões” [OLM 54]. 33 Cf. SCICOLONE I., “Il canto dei ministri...” 27. b) Acólitos Aqui também, como no caso do leitor, distinguem-se os acólitos instituídos através de um rito litúrgico, e os acólitos ocasionais ou fortuitos. Estes últimos realizam o serviço de acólitos, mas sem manter um vínculo fixo com este ministério, o que, ao contrário, sucede com os ministros instituídos. E identicamente ao que sucedia com o leitorado, temos ainda aqueles que se fazem acólitos como um degrau em direção às sagradas ordens. O acólito executa na liturgia um ofício de significativo valor. Esta função, porém, é descrita quase que exclusivamente no texto da IGMR. Com efeito, na parte do documento que elenca os ministérios particulares exercidos na assembleia, encontramos a seguinte caracterização do serviço do acólito: “O acólito é instituído para o serviço do altar e para auxiliar o sacerdote e o diácono. Compete-lhe principalmente preparar o altar e os vasos sagrados, e, se necessário, distribuir aos fiéis a Eucaristia, da qual é ministro extraordinário” [IGMR 98]. Este texto apresenta como que uma síntese da função do acólito instituído: o serviço da mesa do Senhor, incluindo a sua preparação prévia, e o auxílio ao sacerdote na distribuição do pão eucarístico aos fiéis. O acólito instituído, na verdade, recebe automaticamente o ministério extraordinário da comunhão eucarística por ocasião do rito de instituição. A Igreja recorda, porém, que este ministério da comunhão dos acólitos é de caráter suplementar, extraordinário, e deve ser realizado somente como auxílio aos sacerdotes e diáconos, ministros estes ordinários da eucaristia [cf. também Dominicae cenae 11]. A IGMR 116 vai dizer que a celebração de qualquer missa comporta normalmente a presença do 34 acólito . Já os nn. 187-193 descrevem os ofícios do acólito. De fato, “as funções que o acólito pode exercer são de diversos tipos...”; por isso convém que sejam distribuídos entre várias pessoas [n. 187]. Na procissão inicial, “o acólito pode levar a cruz... depõe a cruz perto do altar. Em seguida, ocupa o seu lugar no presbitério” [n. 188]. E ao longo da celebração, “...cabe ao acólito aproximar-se do sacerdote ou do diácono, para lhes apresentar o livro e ajudá-los em outras coisas necessárias” [n. 189]. Na falta do diácono, prepara o altar para a apresentação dos dons e ajuda o sacerdote a receber os donativos. E havendo incenso, apresenta ao sacerdote o turíbulo e o assiste na incensação 35. Pode ainda auxiliar o sacerdote na distribuição da comunhão, mas somente se foi instituído como ministro extraordinário da mesma36. O acólito legalmente instituído, “... ajuda o sacerdote ou o diácono a purificar e arrumar os vasos sagrados...” e, ausente o diácono, “... leva os vasos sagrados para a credência e ali, como de costume, os purifica, os enxuga e os arruma” [n. 192]. c) Salmistas O ministério do salmista, encarregado do canto ou proclamação dos salmos na assembleia eucarística, recebeu ao longo da tradição cristã significativa importância. O canto dos salmos na liturgia, conforme assinala J.A. Jungmann, é usado desde a Igreja antiga, e tal costume foi se desenvolvendo cada vez mais através dos séculos 37. O encarregado da proclamação dos salmos na tradição romana, porém, não era ordenado para tal e nem era instituído nesta função; o ministério do salmista jamais foi contado entre as ordens sacras da Igreja 38. Tratava-se de um cargo que podia ser conferido pelo simples sacerdote, mesmo sem o concurso do bispo39. 34 “Convém, entretanto, que o sacerdote celebrante seja assistido normalmente por um acólito, um leitor e um cantor. O rito descrito em seguida prevê, porém, a possibilidade de maior número de ministros” [IGMR 116]. 35 “Não havendo diácono, depois de concluída a oração universal, enquanto o sacerdote permanece junto à cadeira, o acólito põe sobre o altar o corporal, o purificatório, o cálice, a pala e o missal. A seguir, se for o caso, ajuda o sacerdote a receber os donativos do povo e, oportunamente, leva para o altar o pão e o vinho e os entrega ao sacerdote. Usando-se incenso, apresenta ao sacerdote o turíbulo e o auxilia na incensação das oferendas, da cruz e do altar. Em seguida, incensa o sacerdote e o povo” [IGMR 190]. 36 Cf. PAULUS VI, Ministeria quaedam 6: AAS 64 (1972) 532; IGMR 191. 37 Cf. JUNGMANN J.A., Missarum sollemnia. Origini, liturgia, storia e teologia della messa romana, vol. I, Torino, 19612, 341. 38 Cf. SCICOLONE I., “Il canto dei ministri...” 29. 39 O Sacramentário Gelasiano, retomando os Statuta Ecclesiae antiquae, assim se expressa sobre a função do salmista: “O salmista, isto é, o cantor, pode sem o conhecimento do bispo e só com a ordem do presbítero, receber o ofício de cantar, dizendo a ele o presbítero: Vê que aquilo que cantas com a boca, creias com o coração e aquilo que crês com o coração, proves através das obras” (Ge 746: Liber sacramentorum romanae aeclesiae ordinis anni circuli. Romae, 1961, 117 [= Rerum Ecclesiasticarum Documenta, Series O salmista não é um leitor que profere o seu texto, mesmo quando ele deve “ler” o salmo. O salmista não é nem mesmo um cantor, também se na maioria das vezes deva ele “cantar” o salmo. O salmista é essencialmente um “orante”, que reza e conduz toda a assembleia a rezar junto com ele por meio do salmo cantado ou lido. Daí a necessidade de uma correta preparação espiritual e técnica, unida a uma grande sensibilidade pessoal, que lhe permita realizar bem este ministério, levando a comunidade a uma intensa experiência de oração. Como podemos bem notar, trata-se de uma missão não fácil, a ser confiada somente a pessoas de profunda oração e grande interiorização. Observemos, a seguir, o que nos dizem os nossos documentos sobre o serviço do salmista na assembleia dos fiéis. Da função do salmista nos falam a IGMR e a OLM em alguns artigos. No texto da IGMR, o ministério do salmista aparece incluído entre as funções particulares da celebração. A este propósito o documento vai afirmar: “Compete ao salmista proclamar o salmo ou outro cântico bíblico colocado entre as leituras. Para bem exercer a sua função é necessário que o salmista saiba salmodiar e tenha boa pronúncia e dicção” [IGMR 102]. O artigo apresenta como critério para ser salmista o saber salmodiar e ter boa pronúncia e dicção. O OLM, claramente inspirado nesta passagem da IGMR, vai também se deter na apreciação destas exigências: “Para exercer esta função de salmista é muito conveniente que em cada comunidade eclesial haja leigos dotados da arte de salmodiar e de uma boa pronúncia e dicção. O que se disse anteriormente sobre a formação dos leitores também se aplica aos salmistas” [OLM 56]. Nestas observações que aqui são feitas ao salmista vem incluído tudo aquilo que acima elencamos como características necessárias àquele que exerce este ministério: preparação espiritual, vida de oração, dom natural, conhecimentos técnicos. A IGMR 61, tratando dos cantos interlecionais, oferece algumas indicações quanto ao lugar da salmodia na assembleia: “Assim, o salmista ou cantor do salmo, do ambão ou outro lugar adequado, profere os versículos do salmo, enquanto toda a assembléia escuta sentada, geralmente participando pelo refrão, a não ser que o salmo seja proferido de modo contínuo, isto é, sem refrão... Se o salmo não puder ser cantado, seja recitado do modo mais apto para favorecer a meditação da palavra de Deus”. Vemos aqui que o salmo responsorial é proferido “na estante ou outro lugar adequado”, mas na IGMR 309 são dadas indicações para que o salmo seja proferido somente do ambão: “Do ambão são proferidas somente as leituras, o salmo responsorial e o precônio pascal; também se podem proferir a homilia e as intenções da oração universal ou oração dos fiéis. A dignidade do ambão exige que a ele suba somente o ministro da palavra”. Idêntica assinalação quanto ao lugar do anúncio dos salmos encontramos no OLM 33: “Dado que o ambão é o lugar de onde os ministros proclamam a Palavra de Deus, deve ser reservado, pela sua natureza, às leituras, ao salmo responsorial e ao precônio pascal”. Anteriormente o mesmo OLM já havia determinado que: “O salmo responsorial é cantado ou recitado por um salmista ou por um cantor, estando este no ambão” [OLM 22], levando-nos a crer que o ambão é, na igreja, o lugar único e preciso de onde deve ser feito o salmo responsorial 40. d) Cantores, schola cantorum , instrumentistas Maior, Fontes IV]). Esta mesma prescrição aparece ainda no Pontifical Romano-Germânico (cf. Le Pontifical Romano-Germanique du dixième siècle. Le texte I, Cap. XV,8, éd. VOGEL C. Città del Vaticano, 1963, 14-15 [= Studi e testi 226]). 40 O OLM 20 pede-se que o salmo responsorial seja preferencialmente cantado. E este mesmo artigo indica duas maneiras concretas de fazê-lo: “Há duas formas de cantar os salmos depois da primeira leitura: a forma responsorial e a forma direta. Na forma responsorial, que se deve preferir sempre que possível, o salmista ou cantor do salmo cantam as estrofes e toda a assembléia participa com as respostas. Na forma direta, ou salmista ou o cantor do salmo cantam o salmo todo, enquanto a assembleia escuta, sem intervir com a resposta; ou então o salmista e os fiéis cantam juntos”. O ministério do cantor, da schola contorum e dos instrumentistas concorre para uma celebração eucarística mais profunda e mais intensa na assembléia dos fiéis. Todos estes serviços têm uma função precisa no culto da assembleia, nos dirão os textos, o que concorre para superar uma ideia segundo a qual o canto e a música são meros contornos da celebração, cuja função é só decorativa, mas que não entram na ação celebrativa. O cantor, o coro e os instrumentistas, cada um a seu modo, “con-celebram” a eucaristia da assembleia, a qual é presidida pelo sacerdote. E cada um destes “con-celebrantes” realizam um serviço insubstituível no conjunto da celebração. Os ministros do canto sacro realizam um verdadeiro ministério litúrgico [cf IGMR 103; Vicesimus quintus annus 41, n. 10]. Neste sentido a própria MS vai pedir que haja um ou dois cantores que proponham e sustentem o canto do povo 42. E a IGMR 116, como vimos mais acima, indica na missa a presença de um cantor, um acólito e um leitor que assistam o sacerdote celebrante. No momento da oração dos fiéis, “as intenções ou invocações podem ser cantadas pelo diácono, cantor ou outro ministrante idôneo...” [Inter Oecumenici 43, n. 56; cf. IGMR 71]. Também a schola cantorum realiza um importante serviço litúrgico. A Dominicae cenae 10 chega a louvar o fato de que ultimamente, graças às possibilidades introduzidas pela renovação pós-conciliar, cresce o número dos que tomam parte ativa nas celebrações: “Nascem grupos de leitores e de cantores, mais freqüentemente ainda «scholae cantorum», masculinas e femininas...”. Todavia, superando uma visão que tendia a separar a schola da assembleia dos fiéis, alguns textos esclarecem que a schola cantorum faz parte integrante da assembleia dos fiéis, o que deve ser demonstrado mesmo a nível espacial: “A posição da «Schola» e do órgão deve ressaltar claramente que os cantores e o organista fazem parte da assembleia dos fiéis; e seja tal que estes possam realizar o seu ofício litúrgico do modo mais idôneo” [Inter Oecumenici 97; cf. MS 23; IGMR 312]. O já nosso conhecido n. 13 da MS vai dar um lugar particular, pelo ofício que realiza na celebração, também à Schola cantorum [cf. ainda n. 19]. Esta, porém, deve promover a participação dos fiéis nos cantos executados [cf. MS 20.53; IGMR 103], e proferir de maneira clara e inteligível as suas partes [cf. MS 26]. Mas chama-se ainda a atenção para a necessidade de formação musical técnica da schola, sem que se esqueça de insistir na necessária formação litúrgica e espiritual: “Além da formação musical, seja dado também aos membros da «schola cantorum» uma adequada formação litúrgica e espiritual, de modo que da exata execução de seu ofício litúrgico derivem não só o decoro da ação sagrada e a edificação dos fiéis, mas também um verdadeiro bem espiritual para os próprios cantores” [MS 24]. Naquilo que se refere aos instrumentistas e a seus instrumentos, recomendações semelhantes podem ser encontradas nos textos. Estes devem ocupar um lugar tal a sustentarem o canto e serem ouvidos por todos: “O órgão e outros instrumentos musicais legitimamente aprovados sejam colocados em tal lugar que possam sustentar o canto da escola e do povo e possam ser facilmente ouvidos por todos, quando tocados sozinhos” [IGMR 313]. Recorda-se ainda que: E como a natureza das partes presidenciais exige que todos as escutem, “...enquanto o sacerdote as profere, não haja outras orações nem cantos, e calem-se o órgão ou qualquer instrumento” [IGMR 32]. 41 JOÃO PAULO II, Carta apostólica Vicesimus quintus annus, de 4 de dezembro de 1988 (no 25° aniversário da Sacrosanctum Concilium), in AAS 81 (1989) 898-918; Notitiae 25 (1989) 387-404. 42 “Seja providenciado, especialmente onde não se tenha possibilidade de instruir nem uma «schola» modesta, que exista pelo menos um ou dois cantores, convenientemente instruídos que pelo menos proponham cantos simples para a participação do povo e guiem e sustentem oportunamente os fiéis” [MS 21]. A isso se une também a IGMR: “Convém que haja um cantor ou regente de coro para dirigir e sustentar o canto do povo. Mesmo não havendo um grupo de cantores, compete ao cantor dirigir os diversos cantos, com a devida participação do povo” [IGMR 104]. 43 Cf. SAGRADA CONGREGAÇÃO DOS RITOS, Instrução Inter Oecumenici, de 26 de setembro de 1964 (1ª instrução para a devida aplicação da SC), nn. 33. 56, in AAS 56 (1964) 877-900. e) Comentadores - Animadores Muito embora a Constituição litúrgica peça que: “Os ritos resplendam por sua nobre simplicidade; sejam claros por brevidade e evitem inúteis repetições; sejam adaptados à capacidade de compreensão dos fiéis e geralmente não tenham necessidade de muitas explicações” (SC 34), o ministério litúrgico do comentador foi colocado sob nova luz exatamente a partir da reforma do Vaticano II. E isso tem uma explicação. Quando num passado não muito distante a liturgia da missa interessava quase exclusivamente ao sacerdote celebrante e aos ministros, também não se pensava na utilidade do comentador na assembléia eucarística. Quando porém esta mesma celebração começa a envolver toda a assembleia e ser como que o produto direto da inteira comunidade, ministros e fiéis, o papel do comentador ganha importância pela ação que no culto é capaz de desenvolver. A função do comentador44 liga-se diretamente à promoção da participação ativa, consciente e plena dos fiéis na missa. Assim eles também ocupam lugar particular na celebração [cf. MS 13] na medida em que cumprem um verdadeiro ministério litúrgico [cf. Vicesimus quintus annus 10]. Na realização de sua tarefa devem proferir as partes de modo claro e inteligível [cf. MS 26], fazendo jus à sua missão de condutor e discreto guia da celebração. A IGMR, elencando os ministros que exercem se colocam fora do presbitério, indica o comentador como aquele que: “...dirige aos fiéis breves explicações e exortações, visando a introduzi-los na celebração e dispô-los para entendê-la melhor. Convém que as exortações do comentarista sejam cuidadosamente preparadas, sóbrias e claras. Ao desempenhar sua função, o comentarista fica em pé em lugar adequado voltado para os fiéis, não, porém, no ambão” [IGMR 105b]. Com explicações breves, sóbrias e bem preparadas, o comentador vai introduzindo os fiéis no espírito autêntico da celebração, a fim de que todos compreendam melhor aquilo que se celebra. Esclarece-se também que o lugar de onde ele dirige tais exortações não é o ambão. Essa mesma intuição se faz presente no texto do OLM que, de certa forma, retoma a IGMR, esclarecendo-a mais ainda: “Também o comentador realiza um verdadeiro ministério litúrgico quando, de um lugar adequado, propõe à comunidade dos fiéis explicações e admoestações oportunas, claras, sóbrias, cuidadosamente preparadas, normalmente escritas e antecipadamente aprovadas pelo celebrante (cf. IGMR 105)” [OLM 57]. Mas o OLM tem presente também que as admonições antes das leituras, que cabem principalmente a quem preside, e tem por finalidade ajudar a assembléia a compreender melhor a palavra Deus, “...podem ser confiadas também a outros, por exemplo, ao diácono ou ao comentarista” [OLM 42]. E nas missas sem diácono, o comentador pode proferir as intenções da oração dos fiéis 45. A função do comentador não é explicar exaustivamente o desenvolver-se da celebração, mesmo porque os ritos reformados a partir do Concílio em si são já fáceis e evidentes. Tarefa sua é despertar a atenção dos fiéis para determinados elementos do culto, é aguçar o espírito do povo da assembleia para a participação consciente e plena. Suas exortações não são feitas a qualquer tempo, mas em momentos significativos do culto. No início da missa o comentador introduz os fiéis no conjunto do ato celebrativo, antes das leituras chama a atenção para a palavra de Deus que será proclamada e no final faz a ligação entre culto e vida, para que o povo possa colocar na prática da existência aquilo que na assembléia foi evocado. E tudo isso deverá ser feito com comentários breves e incisivos. Outros momentos podem merecer ainda a Sobre a função do comentador na assembléia, veja: ROGUET A.-M., “Le «Commentateur”», in La Maison Dieu 60 (1959) 80-98; DUVAL A., “Le Concile de Trente et les origines du «commentateur»”, in La Maison Dieu 61 (1960) 41-47; TENA P., “El comentador, un elemento clave del movimento litúrgico actual” in Phase 1 (1961) 1-5; ID., “Cómo si prepara un comentador”, in Phase 2 (1962) 133-137; OGGIONI G., “La partecipazione attiva dei fedeli all'offerta del Sacrificio Eucaristico (II): Il commentatore”, in Ambrosius 39 (1963) 118-123; BOUYER L., “Faut-il encore un commentateur?”, in La Maison Dieu 84 (1965) 55-73. 45 Nas Missas sem diácono, este ofício seja confiado a um ministrante idôneo (por ex., o comentador)... [De oratione communi seu fidelium, Fascículo do "Consilium", de 17 de abril de 1966 (sobre a oração comum ou dos fiéis), n. 8]. 44 intervenção do comentador, mas que não sejam numerosos, exatamente porque o importante é a celebração, não o comentário da celebração. f) Mestres de cerimônia - Cerimoniários Uma figura de certa relevo em se tratando de celebrações maiores, mas que quase não é citada nos textos, é a do mestre de cerimônias 46. Somente uma passagem da IGMR trata deste ministério. No contexto em que o documento trata dos ministérios particulares, assim lemos: “É conveniente, ao menos nas igrejas catedrais e outras igrejas maiores, que haja algum ministro competente ou mestre de cerimônias, a fim de que as ações sagradas sejam devidamente organizadas e exercidas com decoro, ordem e piedade pelos ministros sagrados e pelos fiéis leigos” [IGMR 106]. Este “ministro competente” de que trata o texto, ou mestre de cerimônias, não deve ser visto por nós como a encarnação do enrijecimento e da inflexibilidade na celebração, como muitas vezes, com ou sem razão, foi tachado. Ele não é e nem deveria ser aquele que tolhe a liberdade e espontaneidade dos ministros e dos fiéis, impedindo a sua livre expressão e transformando o culto em algo tenso e formal, exatamente o contrário do que deseja a reforma litúrgica do Concílio Vaticano II. O mestre de cerimônias, pelo contrário, deveria ser o que ajuda, conduz e orienta todos os que tomam parte no ato sagrado a exprimirem bem e ordenadamente através de gestos, movimentos e palavras, aquilo que intensamente celebram. O mestre de cerimônias se coloca, assim, a serviço da beleza da celebração. Mas não se trata somente de criar uma efêmera beleza exterior; é preciso que esta promova e provoque aquela beleza interior, espiritual, que põe a criatura em contato íntimo e direto com o seu Criador, tanto durante a celebração, como para além dela. O próprio artigo 106 da IGMR trata de forma muito positiva este ministério, vendo-o como o que ajuda os ministros a viverem a celebração com decoro, ordem e piedade. Desta forma numa assembléia maior, na qual intervêm muitos ministros, não se pode dispensar alguém (chamemo-lo como quisermos) que possa prestar aí o serviço da organização exterior, sempre em vista da intensificação da vivência e da participação interior e exterior de todos. g) Outras funções na assembleia eucarística Podemos tratar ainda de outras funções na assembleia eucarística, como por exemplo dos ministros extraordinários da comunhão eucarística, dos organizadores de procissões e coletas e daqueles encarregados da recepção dos irmãos à porta da igreja e dos que cuidam dos idosos e crianças. O certo é que, quanto mais uma assembleia participa intensidade da celebração, tanto mais se revela como toda ministerial, descobrindo e acrescentando o número de serviços que aí deve oferecer. A Instrução Immensae caritatis 47, falando do serviço dos ministros extraordinários da comunhão, dá normas para o seu exercício. Naquilo que concerne à missa, o citado documento permite a ação deste ministério “...por motivo de um grande concurso de fiéis ou por qualquer particular dificuldade na qual venha a encontrar-se o celebrante” [n. 1]. E quanto a quem pode exerce tal ministério, o mesmo documento a seguir, mesmo deixando a juízo do ordinário do lugar, propõe a seguinte ordem: “leitor, aluno de seminário maior, religioso, religiosa, catequista, fiel: homem ou mulher” [Immensae caritatis, n. 1,IV]. A propósito, porém, veja-se o quanto vem ultimamente determinado na última edição da IGMR [cf. nn. 191-192]. Quanto aos que organizam coletas e procissões e servem como recepcionistas na igreja, cumprem tarefas muito úteis no conjunto da celebração da assembleia. A Liturgicae instaurationes 48 indica tais funções como trabalhos que podem ser realizados também por mulheres (n. 7e). E a IGMR elenca-os entre os serviços próprios de ministros que permanecem fora do presbitério [cf. IGMR 105c-d]. O ministério das coletas e procissões é bastante realizado na grande maioria de nossas comunidades, mas não aquele Sobre a função do mestre de cerimônias na liturgia, veja: CALLE B., “Un grand méconnu, le cérémoniaire”, in Notitiae 18 (1982) 119-120. 47 SAGRADA CONGREGAÇÃO PARA A DISCIPLINA DOS SACRAMENTOS, Instrução Immensae caritatis, de 29 de janeiro de 1973 (maiores facilidades de receber a santa comunhão), in AAS 65 (1973) 264-271; Notitiae 9 (1973) 157-164. 48 SAGRADA CONGREGAÇÃO DO CULTO DIVINO, Instrução Liturgicae instaurationes, de 5 de setembro de 1970 (3ª Instrução para a aplicação da Constituição Sacrosanctum Concilium), in AAS 62 (1970) 692-704. 46 importante serviço de recepcionista. São raras as comunidades que já despertaram para esta necessidade que tanto bem proporcionam às comunidades. Além disso, há ainda o serviço das crianças, que de certa forma é tratado em todo o Diretório para missa com crianças. Gostaríamos somente de destacar aí um artigo que sobre isso assim se expressa: “As crianças que ainda não podem ou não querem participar da missa, poderão ser eventualmente conduzidas, durante a celebração e por auxiliares da paróquia, a um lugar adaptado a elas, separado da igreja, e serem reconduzidas à igreja no final do rito, para receberem com os outros a bênção” [Diretório para missas com crianças 16]. 6. ASSEMBLEIA LITÚRGICA SEM O SACERDOTE Embora este seja um tema que não nos importa diretamente, já que nos propusemos refletir apenas sobre as assembleias reunidas em vista da celebração eucarística, acreditamos que seja útil não esquecer, dada às suas relações com a eucaristia, seu número e importância atual, a realidade daquelas assembleias que se reúnem para o culto, em especial no domingo, na ausência do presbítero49. Trata-se de um fenômeno relativamente novo na Igreja, que deita raízes na falta de vocações sacerdotais. Todavia, de tema que interessava prevalentemente os missionários nas terras consideradas de missão 50, ele começa a ser importante também em muitos países tidos hoje como já cristianizados 51. Com a finalidade de dizer uma palavra sobre tais assembleias e regulamentar a sua atuação, a Igreja lançou em 1988 o Diretório sobre as celebrações dominicais na ausência do presbítero 52. Mas a Constituição litúrgica, sensível a esta questão, já havia pedido que se incentivasse as celebrações da Palavra de Deus sob a direção do diácono ou de outro delegado pelo bispo “sobretudo naqueles lugares onde falta o sacerdote” (SC 35,4). O primeiro documento pós-conciliar a tratar deste assunto foi a IO, nn. 37-39, quando diz que a estrutura de tais celebrações deve se modelar àquela da liturgia da palavra da missa. As comissões diocesanas são aí convidadas a sugerir e preparar oportunos subsídios para a digna realização de tais celebrações. A seguir a 3ª instrução para a reta execução da Constituição litúrgica, Liturgicae instaurationes, volta ao assunto das comunidades sem padre quando ordena expressamente aos seus dirigentes “...a se absterem completamente de proferir a oração eucarística” [LI 6e]. Aqui, como mais tarde também aparecerá no Diretório sobre as celebrações dominicais na ausência do presbítero, se delineia a grande preocupação da Igreja no sentido de evitar toda e qualquer confusão que possa surgir na mente dos fiéis entre a missa e tais celebrações. O OLM n. 62 vai também tratar rapidamente destas assembleias quando diz que a razão de haver uma única ordenação das leituras no Lecionário da Missa no rito romano é que assim, em todos os lugares e em tempos e dias determinados, todos os fiéis podem escutar as mesmas leituras, também nas comunidades que, por falta de sacerdotes, são dirigidas pelo diácono ou outro leigo designado pelo bispo 53. Como aprofundamento neste tema, veja: KÉMÉRER J., “Celebração da Palavra de Deus sem sacerdote”, in VV.AA., A sagrada liturgia renovada pelo Concílio, ed. BARAÚNA G. Petrópolis: Vozes, 1964, 507-514; “Brasilia. Relatório sobre os ministérios litúrgicos exercidos por leigos”, in Notitiae 11 (1975) 263-268; BRULIN M., “Assemblées domenicales en absence de prêtre. Situation en France et enjeux pastoraux”, in La Maison Dieu 130 (1977) 80-113; BRADSHAW P.F., “Modèles de ministère: le rôle des laïcs dans la liturgie”, in La Maison Dieu 154 (1983) 127-150. MARINI P., “La eventual presidencia liturgica de los laicos en ausencia del sacerdote”, in Phase 27 (1987) 113-128. 50 J. Kémérer, fiel à linguagem ainda comum em épocas anteriores ao Concílio, descreve tais regiões como "terras de infiéis" e indica como prova da preocupação da Igreja em relação a este tema a sua abordagem nos Congressos Internacionais de Nimega (1959) e Eichstät (1960), imediatamente antes do Concílio Vaticano II (cf. KÉMÉRER J., “Celebração da palavra de Deus sem sacerdote”, in AA.VV., A sagrada liturgia renovada pelo Concílio, ed. BARAÚNA G. Petrópolis: Vozes, 1964, 507). 51 Só para citar a situação do Brasil, realidade que mais de perto nos interessa, estima-se que, pela escassez de sacerdotes e pelas longas distâncias que, por vezes, separam as comunidades cristãs, a grande maioria do povo fiel (mais de 70 %) se reúnem no domingo para a celebração sem a presença do padre. A respeito, veja: Animação da vida litúrgica no Brasil. Elementos de pastoral litúrgica. São Paulo: Paulinas, 1989, nn. 93.95-97, pp. 34-35 (= Documentos da CNBB, n. 43). Para a questão em outros países, consulte-se: SARTORE D., “Assembleia sem presbítero”, in Dicionário de Liturgia, ed. Paulinas/ed. Paulistas (S. Paulo 1992) 104-108. 52 CONGREGAÇÃO DO C ULTO DIVINO, Diretório De celebrationibus dominicalibus absente presbytero ("Christi Ecclesia"), de 2 de junho de 1988 (Sobre as celebrações dominicais na ausência do presbítero), in Notitiae 24 (1988) 366-378. 53 “Outra razão pela qual se compreende também a conveniência e a utilidade pastoral de um só Elenco das Leituras do Lecionário da missa no rito romano é o fato de que todos os fiéis, principalmente aqueles que por diversos motivos nem sempre participam da mesma assembléia, ouçam, em qualquer parte, em determinados dias e tempos, as mesmas leituras e as meditem aplicando-as às circunstâncias concretas, inclusive naqueles lugares em que, por falta de sacerdote, um diácono ou outra pessoa delegada pelo bispo dirige a celebração da Palavra de Deus (cf. SC 35,4; IO 37-38)” [OLM 62]. 49 O Diretório sobre as celebrações dominicais na ausência do presbítero apresenta um título sugestivo. Ao chamar o culto de “celebrações na ausência do presbítero” quer mesmo indicar o caráter provisório e substitutivo de tais celebrações. É como se dissesse que estas celebrações estão se realizando agora em caráter excepcional, quase em regime de urgência, por ausência daquele que normalmente deve estar à frente do culto eucarístico da assembléia. No momento, porém, em que novamente o ministro se fará presente, a celebração da Eucaristia voltará a ser o ponto alto desta comunidade. CONCLUSÃO Tendo alcançado o término da segunda e última parte desta nossa pesquisa, a qual nos ofereceu um panorama amplo e bastante diversificado sobre a questão dos ministérios e serviços litúrgicos que se fazem presentes e atuantes na Igreja, acreditamos poder elencar com evidência os seguintes pontos conclusivos: 1) A Igreja apresenta-se toda ministerial desde os seus inícios neo-testamentários e só pode compreender-se deste modo. Ser “toda ministerial” significa que no corpo eclesial cada um é continuamente convidado a pôr em comum os seus dotes, ofícios e carismas, para o bem de todos os irmãos e sempre em vista da construção do integral Corpo do Senhor... 2) Ministérios e serviços litúrgicos presentes e diversificados no corpo ecleisal jamais podem designar honra ou privilégio, elementos de resto tão comuns no nosso mundo. Na Igreja, porém, tais serviços nada mais são do que a continuação no tempo e no espaço daquele amor pleno e total com o qual o Senhor Jesus – Servo sofredor e serviçal – ofereceu a si mesmo, consumando a sua vida nesta terra. Isso, enquanto indica uma realidade já em fermento no seio da comunidade, não deixa de ser um forte alerta no sentido de continuamente recordá-la que a santidade à qual é chamada não é fim em si mesma, mas longo e contínuo processo, o qual, em definitivo, constitui a sua própria vocação. 3) São inúmeros os ministérios eclesiais. Na Igreja, eles se dividem entre ministérios ordenados (bispos, presbíteros e diáconos) e ministérios não-ordenados (os demais ministérios). Entre esses últimos, alguns são oficialmente instituídos pela Igreja através de uma celebração litúrgica (acolitato e leitorado), enquanto outros são espontâneos ou fortuitos. A Igreja, assim, não pode existir sem ministros, pois eles definem a sua própria identidade. A LITURGIA COMO AÇÃO INCULTURADA (Inculturação da Liturgia) Pe. Cristiano Marmelo Pinto54 1. A LITURGIA COMO AÇÃO DE DEUS E DA IGREJA A liturgia está no campo da ação (urgia). A liturgia é ação. É ação de Deus que se mantém fiel à sua Aliança com o povo. Ação de Deus que nos liberta, transforma, santifica. Deus está sempre agindo em favor de seu povo. Sua maior ação (lit-urgia) foi nos ter enviado seu Filho Jesus para nos salvar. Mas a liturgia é também ação do povo cristão, que responde prontamente a Deus, prestando a ele o verdadeiro culto em espírito e verdade (cf. Jo 4,23-24). Ela é resposta à própria ação de Deus. Por isso, há na ação litúrgica um duplo movimento: da parte de Deus (movimento descendente), que vem ao encontro de seu povo para santificar e transformar, e da parte do povo cristão (movimento ascendente) que responde através das ações litúrgicas a Deus. Como afirma o Documento de Puebla “A liturgia, como ação de Cristo e da Igreja, é o exercício do sacerdócio de Jesus Cristo; é o ápice e a fonte da vida da Igreja” 55. 1.1. LITURGIA COMO AÇÃO DE DEUS A liturgia é ação de Deus, como já foi dito. Ela é ação simbólica que nos faz participar do mistério de Deus. “Liturgia é comunhão e participação na vida e no mistério de Deus Pai, Filho e Espírito Santo” 56. A iniciativa na liturgia é sempre de Deus. É o Pai quem nos convoca, o Filho quem nos congrega e se dirige ao Pai em nosso favor, e o Espírito Santo nos transforma em oferendas vivas ao Pai. A liturgia é ação de Jesus Cristo e, Jesus Cristo é a perfeita ação do Pai. Em Jesus o projeto de Deus de nos salvar é levado ao seu pleno cumprimento. Jesus é ação do Pai: a) Através de sua vida; b) Através de seus gestos e palavras; c) Através de sua opção preferencial pelos pobres; d) Através de sua entrega total no mistério de sua paixão, morte e ressurreição. Com efeito, o Constituição Conciliar sobre a renovação da liturgia Sacrosanctum Concilium afirma que “Cristo age sempre e tão intimamente unido à Igreja, sua esposa amada, que esta glorifica perfeitamente a Deus e santifica os homens” 57. No final do presente artigo, o documento diz “toda celebração litúrgica, pois, como obra de Cristo sacerdote e de seu corpo, a Igreja, é ação sagrada num sentido único, não iguala em eficácia nem grau por nenhuma outra ação da Igreja” 58. A liturgia é também ação do Espírito Santo que nos reúne, nos faz participar e rezar. Ele é o grande animador da celebração litúrgica. É o Espírito Santo quem faz com que a liturgia seja uma ação conjunta, ou seja, ação do Pai, ação de Cristo e ação da Igreja. Podemos afirmar que na ação litúrgica cada gesto, cada palavra, cada celebração, cada pessoa e/ou comunidade é um sinal da presença e da ação do Espírito Santo. 1.2. LITURGIA COMO AÇÃO DA IGREJA A liturgia é também ação da Igreja, povo de Deus, que se reúne para celebrar o mistério de sua fé. Ela é resposta da Igreja ao apelo de Deus que quer a todos salvar. Ela é resposta a Cristo que nos convoca e Presbítero da Diocese de Santo André, pároco da Paróquia Menino Jesus em Jordanópolis, São Bernardo do Campo – SP, mestre em Teologia Sistemática com Especialização em Liturgia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), professor de Liturgia no Instituto de Teologia da Diocese de Santo André, membro da equipe de coordenação do Curso de Pós-Graduação (Lato Sensu) em Liturgia da PUC-SP. 55 Documento de PUEBLA, nº. 918. 56 PALUDO, Faustino; SOLDERA, Ângela. Liturgia: a serviço da vida e da esperança. São Paulo: O Recado, 1996, p. 18. 57 SC 7. 58 Ibidem. 54 também ao Espírito Santo. A Igreja se reúne para celebra, para render graças a Deus que age em favor de seu povo. A liturgia é ação de pessoas que, animadas por sua vida de fé, buscam viver em comunidade, ou seja, a liturgia é ação da Igreja, reunida em assembléia litúrgica, movida pela sua fé (cf. SC 26). A liturgia é ação do povo de Deus, é um fazer, um agir em conjunto. Ela é ação em que a comunidade (assembleia litúrgica) é o sujeito. O que fundamenta a participação e ação de todo o povo de Deus na ação litúrgica é o batismo. Pelo batismo recebemos o sacerdócio comum a todos que nos torna capazes de reconhecer, adorar e honrar a Deus que é nosso Pai. Porém, a liturgia não é ação de uns pouco, é de todos. A Constituição Conciliar Sacrosanctum Concilium afirma que “as ações litúrgicas não são ações privadas, mas celebrações da Igreja, sacramento da unidade [...] São, pois, ações de todo o corpo da Igreja” 59. A comunidade constitui a base de toda ação litúrgica respondendo a ação convocatória do Pai, por Cristo no Espírito. É uma ação conjunta que supõe: a) Sentir-se convocado por Deus, ou seja, toda ação litúrgica começa por uma convocação para a reunião, o encontro de pessoas; b) Participação consciente e ativa, ou seja, a participação consiste na integração da pessoa na assembleia litúrgica, formamos um corpo, o corpo do Senhor. A pessoa deve inserir-se num agir comunitário; c) Agir corresponsável – significa que a ação litúrgica requer corresponsabilidade de todos na assembleia. Todos devem tomar parte nas ações litúrgicas fazendo com empenho. A ação litúrgica da Igreja não é uma ação desordenada. Ela é um espaço onde se manifesta os dons e carismas do Espírito Santo e se desenvolvem como serviço para a edificação do corpo de Cristo, que é a Igreja. Estes serviços nas ações litúrgicas se transformam em ministérios, funções e ofícios. O Espírito Santo distribui seus dons e carismas para o bem comum de todos. Os ministérios e outros serviços prestados na ação litúrgica não são propriedade de ninguém, mas dom para toda a comunidade. A assembleia litúrgica é uma realidade ministerial, onde cada um executa sua ação ministerial específica para o bem do conjunto. 2. A LITURGIA COMO AÇÃO INCULTURADA Quando falamos da liturgia como ação, esta ação se dá por meio de gestos, palavras, sinais, símbolos, silêncio, etc. É uma ação concreta e contextualizada numa determinada realidade, numa cultura concreta. A ação de Deus é uma ação encarnada, assim como a ação litúrgica é uma ação encarnada numa cultura específica. Se Deus optou por ter um rosto entre nós, também a liturgia precisa ter um rosto, um jeito, precisa ser situada historicamente. É neste sentido que falamos que a liturgia é uma ação inculturada. A liturgia cristã, ao se formar, passou por um longo processo de inculturação de elementos culturais dos lugares onde a fé cristã se fazia presente. A liturgia não nasce como algo totalmente novo, mas tendo suas raízes na herança judaica sinagogal, ela vai incorporando elementos das culturas que estavam em harmonia com a fé e a tradição. Também acontece um processo de exclusão de tudo o que não era compatível com a fé cristã. Todo o processo de inculturação da liturgia acontece pelo método da assimilação e reinterpretação dos ritos, sinais, símbolos, gestos, etc. conferindo a estes um novo significado a partir da fé em Jesus Cristo. Recebem elementos cristãos. A incorporação de elementos cultuais e culturais de diversas culturas começa dentro do judaísmo e logo atinge o mundo helênico. De uma postura inicialmente rígida, aos poucos os cristãos passam a assumir elementos da cultura pagã à liturgia. Após o edito de Milão a liturgia sofre profundas influências da cultura romana. Antes os cristãos se reunião nas casas (domus eclesiae). Com o edito, as celebrações passam para as basílicas romanas. O rito romano 59 SC 26. se enche de solenidade. Os cerimoniais pontificais eram adaptações dos cerimoniais da corte. A Igreja institui suas festas litúrgicas em substituição às festas pagãs, etc. Não pretendemos abordar todo o processo da formação da liturgia cristã nos primeiros séculos do cristianismo, pois não é nosso objetivo nesta reflexão. Mas levantamos alguns elementos para percebermos que a liturgia cristã se forma tendo como base a cultura onde a fé se torna presente. Este processo é contínuo, de modo que ainda hoje é necessário que a liturgia seja inculturada às diversas realidades dos diferentes povos onde a fé cristã está presente. É neste sentido que o Concílio Vaticano II pretendeu reformar toda a liturgia da Igreja, para facilitar o processo de inculturação da mesma aos diferentes povos e culturas. “A Igreja não pretende impor a uniformidade litúrgica. [...] Interessa-lhe manter e incentivar as riquezas e os dons das diversas nações e povos”60. A reforma da liturgia e principalmente com o retorno à liturgia romana clássica, ou seja, aquelas que os cristãos de Roma celebravam nos primeiros séculos do cristianismo, serviu para que sobre esta base sólida, pudesse ser incorporado elementos das diferentes culturas, enriquecendo a própria liturgia e dando a ela um rosto específico em cada lugar onde se celebra, desde que o que é substancial à liturgia, ao rito romano, não seja ferido. Assim se expressa a Constituição Conciliar: “Mantida a unidade substancial do rito romano, admite-se, na própria revisão dos livros litúrgicos, legítimas variações e adaptações aos diversos grupos, regiões e povos, principalmente nas missões”61. 3. AS TENTATIVAS DE REFORMA DA LITURGIA ROMANA O Concílio Vaticano II empreendeu uma profunda reforma da liturgia romana. Para isto foi buscar na liturgia romana clássica sua forma mais pura para reformar toda a liturgia. Houve várias tentativas de reforma da liturgia ao longo da história da Igreja e da própria liturgia. De modo que temos as reformas dos papas Gregório VII, conhecida como reforma gregoriana, Inocêncio III e a própria reforma do Concílio de Trento que, embora tendo seus saldos positivos, terminou por engessar a liturgia romana, não permitindo nenhuma adaptação posterior a ele. O Concílio de Trento tinha como principal preocupação impedir os abusos que estavam ocorrendo na liturgia e que eram alvos de constantes críticas dos reformadores protestantes, porém não conseguiu devolver à liturgia seu caráter mais primitivo de simplicidade, clareza, sobriedade, etc. A reforma do Concílio de Trento não conseguiu alcançar a liturgia no seu período clássico, mas deu continuidade à tradição medieval. A liturgia continuou algo privado e sem a participação do povo. O ponto negativo de Trento foi que caiu no fixismo e no rubricismo litúrgico. No ano de 1786 aconteceu o chamado Sínodo de Pistóia que propôs uma reforma da liturgia em que se procurava voltar ao autêntico espírito e forma mais clássica e pura da liturgia romana. Infelizmente não obtiveram muito êxito, porém, ao que nos parece, este Sínodo pode ter sido o advento do que mais tarde, no início do século XX, vem a ser o movimento litúrgico. O movimento litúrgico propôs um retorno à liturgia romana clássica, através de pesquisas históricas e teológicas sobre a tradição litúrgica. O papa Pio XII descreve este movimento como sinal da providência de Deus no nosso tempo, como um movimento do Espírito Santo na Igreja. Foi graças ao movimento litúrgico que o Concílio Vaticano II pôde abrir as portas da Igreja para uma verdadeira reforma e adaptação da liturgia e redigir seus princípios. O objetivo do movimento litúrgico é alcançado pelo Concílio Vaticano II que procura voltar à simplicidade original da liturgia e à clareza do rito Romano, possibilitando sua adaptação às mais diversas culturas e tradições dos povos. É sobre esta base que podemos falar de inculturação da liturgia a partir da reforma litúrgica empreendida pelo Concílio Vaticano II. 60 61 SC 37. SC 38. 4. A INCULTURAÇÃO DA LITURGIA NO CONCÍLIO VATICANO II O retorno da liturgia romana clássica foi extremamente importante para o processo de inculturação da liturgia, pois o Concílio queria oferecer um modelo litúrgico, uma editio typica (edição típica), caracterizada pela sobriedade, simplicidade e clareza do rito romano, para que sobre esta base fossem realizadas as adaptações da liturgia romana conforme os costumes culturais de cada povo. Embora a inspiração da reforma fosse o período clássico da liturgia romana, alguns elementos posteriores permaneceram, de modo que podemos afirmar que a liturgia reformada do Concílio Vaticano II não foi totalmente pura, mas permanecendo elementos da liturgia de Pio V, da Idade Média, do período carolíngio e não apenas os elementos do período clássico da liturgia. Mas devemos olhar com naturalidade este fato. Não é possível eliminar por completo os períodos anteriores. “A restauração da forma clássica implicava devolver à liturgia as características próprias da celebrada em Roma [...] a saber: simplicidade, sobriedade, brevidade, praticidade e clareza” 62. Podemos distinguir o processo de adaptação da liturgia empreendido pelo Vaticano II em duas etapas: a primeira que consiste na elaboração da editio typica (edições típicas) dos livros litúrgicos, fase esta já terminada, e a segunda que é o processo de adaptação dessa forma typica às várias culturas e necessidades pastorais. Nós estamos nesta segunda fase. 4.1. A S ACROSANCTUM CONCILIUM E A INCULTURAÇÃO DA LITURGIA O Concílio Vaticano II não usa o termo inculturação, mas fala de adaptação. Este conceito é posterior ao Concílio. Ele trata da adaptação da liturgia nos artigos 37-40 da Constituição Conciliar sobre a Liturgia Sacrosanctum Concilium. Estes números fazem parte de toda a seção e tratam da reforma da liturgia, que vai do artigo 21 ao 40. “Este bloco compreende três partes: a) introdução (= SC 37); b) a segunda parte (= SC 38-39) referente às variações legítimas dentro do rito romano, e finalmente c) a terceira parte (= SC 40) referente às adaptações mais profundas da liturgia” 63. a) Princípios gerais da adaptação (SC 37) O artigo 37 da Sacrosanctum Concilium começa dizendo que o Concílio não pretende impor uma uniformidade na liturgia. Ele mostra-se flexível diante dos elementos culturais que possam contribuir com a fé cristã. Como afirma A. J. Chupungco, “o pluralismo proposto é de natureza cultural” 64. A Igreja propõe o rito romano (editio typica) como base para a adaptação. As igrejas podem admitir elementos das culturas desde que se harmonizem com o autêntico espírito da liturgia. Deste modo, este artigo fixa condições para a admissão desses elementos na liturgia. Adaptação litúrgica é, portanto, a admissão de elementos tirados das culturas e adaptados à liturgia para o bem do grupo particular 65. Enquanto a SC 4 fala dos ritos já reconhecidos, a SC 37 vai além, e fala dos novos ritos que possam surgir, tendo como base o rito romano. b) Primeiro grau de adaptação (SC 38-39) Estes dois artigos falam das diversidades legítimas no rito romano, desde que salve a unidade substancial. Esta unidade substancial é garantida pelos livros litúrgicos oficiais, onde são apontados os casos de adaptações. Essas adaptações não afetam nem a estrutura fundamental nem a inspiração do rito romano. As adaptações não equivalem somente às partes externas da liturgia, mais também ao rito, a estrutura e ao texto, desde que esteja prescrito nos livros. Refere-se aos sacramentos, sacramentais, procissões, língua litúrgica, música sacra e arte litúrgica (cf. SC 39). SC 38 enumera as diversas ordens a que se deve adaptar a liturgia: os vários grupos étnicos, regiões e povos, principalmente em terras de missão. A adaptação supõe neste caso, a possibilidade de variações na mesma região. RUSSO, Roberto. A inculturação da liturgia. In: CELAM. Manual de Liturgia IV. São Paulo: Paulus, 2007, p. 274. Ibidem, p. 278. 64 Cf. CHUPUNGCO, A. J. Adaptação. In: SARTORE, D. e TRIACCA, A. M. Dicionário de Liturgia. São Paulo: Paulinas, 1992, p. 8. 65 Ibidem, p. 8. 62 63 c) Segundo grau de adaptação (SC 40) O objetivo deste artigo é de aplicar à liturgia o princípio de adaptação nas atividades missionárias. Mais o texto final permite que também nas igrejas locais fora das terras de missão possam ser feitas adaptações. SC 40 faz referência a uma adaptação mais profunda na liturgia. Por exemplo, nos livros litúrgicos. Este artigo propõe o procedimento para este tipo de adaptação: o primeiro as conferências episcopais propõe a Santa Sé para aprovação; o segundo, admite o que é essencialmente necessário e depois apresenta para a Santa Sé aprovar; o terceiro propõe a assistência de peritos e especialistas. Tanto a SC 37 quanto a SC 40 falam de elementos culturais que podem ser admitidos na liturgia: tradições, costumes, temperamentos e índole, qualidades e dotes de espírito dos vários povos. Enquanto SC 38-39 prevê que o rito seja adaptado as culturas, SC 40 considera a possibilidade de admitir elementos das culturas na liturgia romana. 5. ADAPTAÇÃO, ACULTURAÇÃO E INCULTURAÇÃO Depois de refletido os princípios da adaptação litúrgica que o Concílio Vaticano II propôs, agora precisamos clarear o que vem a ser de fato a inculturação da liturgia. Podemos distinguir três etapas da reforma da liturgia romana: adaptação, aculturação e inculturação. a) A primeira etapa refere-se à adaptação da liturgia romana nas diferentes culturas. Temos neste processo a passagem do latim para a língua vernácula e as edições típicas (editio typica) dos livros litúrgicos com suas traduções. O resgate da liturgia romana clássica servirá de base para todo o processo. b) A segunda etapa podemos chamar de aculturação, ou seja, o processo de encontro de duas culturas, de interação cultural. Refere-se ao encontro da liturgia romana com as diversas culturas. Para alguns autores este seria o primeiro passo para a inculturação. É o processo em que se faz um estudo comparativo entre a liturgia romana e os elementos culturais correspondentes. Conforme a SC, as conferências episcopais “decidirám com competência e prudência o que se pode e é oportuno admitir no culto divino” 66. A aculturação litúrgica é a interação entre a liturgia romana e a cultura local. Ela consiste em estudar os elementos culturais que possam ser assimilados e em estabelecer o método para assimilá-los de acordo com as leis intrínsecas que governam tanto o culto cristão quanto a cultura [...] A aculturação é uma abordagem inicial que necessita ser completada pelo processo de inculturação 67. c) A terceira etapa é o que propriamente chamamos de inculturação. A inculturação é um processo pelo qual um rito, símbolos, gestos, etc., passam a ser dotado de um significado cristão. A estrutura original do rito é mantida, bem como os elementos rituais e celebrativos, porém modifica-se o significado. Podemos dizer que pelo processo de inculturação a liturgia passa a ter o rosto de cada povo. 6. O QUE É INCULTURAÇÃO DA LITURGIA? Depois do Concílio Vaticano II, o tema da inculturação adquiriu status nas discussões da Igreja, passou a ser um elemento importante na transmissão do Evangelho. Como já vimos a inculturação da liturgia não é algo novo, mas dinâmico. A história da liturgia nos dá bons exemplos de como este processo sempre foi presente tanto na formação da liturgia romana como no seu desenvolvimento histórico. Para Anscar J. Chupungco “a inculturação pode ser descrita como o processo pelo qual os textos de ritos usados no culto pela Igreja local estão 66 67 SC 40.1. CHUPUNGCO, A. J. Liturgias do futuro: processos e métodos de inculturação. São Paulo: Paulinas, 1992, p. 36. de tal modo inseridos na estrutura da cultura, que absorvem seu pensamento, sua linguagem e seus modelos rituais” 68. A inculturação da liturgia consiste pois na inserção da liturgia romana em determinada cultura e na assimilação de seus elementos culturais (ritos, símbolos, gestos, linguagem, festas, música, arquitetura...), de modo que a liturgia passa a ter o jeito de quem a celebra. A inculturação da liturgia não consiste em inventar algo novo, mas na admissão de elementos culturais no interior da liturgia, de modo que, a liturgia não seja algo estranho a nenhum povo. Os elementos fundamentais da liturgia permanecem, o que modifica é o jeito de pensar, a linguagem, sua ritualidade, etc., ou seja, os elementos externos, aqueles que são passíveis de mudanças. Como afirma a Constituição Conciliar sobre a Liturgia “há, na liturgia, uma parte imutável, de instituição divina, e outras sujeitas a modificações, que podem e devem variar no decurso do tempo” 69. Pela força da natureza da liturgia, os elementos culturais a serem assimilados devem submeter-se a uma avaliação crítica, de modo que estejam em harmonia com o verdadeiro espírito da liturgia. Outras manifestações culturais tais como: transe, hipnose, etc. não são compatíveis com a liturgia cristã. Estes elementos devem ser deixados de fora. “A inculturação litúrgica deve levar em consideração não só a doutrina da fé, mas também as exigências da liturgia cristã”70. Todo processo de inculturação comporta alguns riscos. Mesmo que o Concílio recomenda prudência, certos riscos sempre aparecerão. Faz parte do processo de inculturação da liturgia. Por isso a necessidade de se estudar profundamente os elementos culturais para averiguar se eles são compatíveis com a mensagem do Evangelho e com a natureza própria da liturgia cristã, para então ser admitido seu uso na liturgia. Mas, a respeito destes riscos falaremos mais adiante. 7. A CRIATIVIDADE NA INCULTURAÇÃO DA LITURGIA Uma questão freqüente, que pode gerar confusão, é a respeito da criatividade na liturgia. Por criatividade não entendemos como que tirar do nada alguma expressão e introduzir à liturgia sem nenhuma ligação ou nexo com o que está sendo celebrado, e o que é pior, com a própria natureza da liturgia. Não se deve introduzir elementos estranhos à liturgia. Como afirma Chupungco “no processo de inculturação, os elementos da cultura que não conseguem harmonizar-se com a regra da fé, da moralidade e do culto cristão deverão ser deixados de lado” 71. Acertadamente Alberto Beckhäuser diz que “por criatividade não se deve entender tirar como que do nada expressões litúrgicas. A verdadeira criatividade é orgânica. Está ligada aos ritos precedentes”72. A criatividade em primeiro lugar consiste em celebrar bem a liturgia. Saber dar vida aos textos litúrgicos, para não se tornarem “letras mortas”. Como já afirmamos acima, não consiste em criar coisas estranhas à liturgia, mas celebrar com criatividade a liturgia. É saber adaptar os textos, ritos e símbolos litúrgicos à realidade onde se celebra. Criatividade é saber escolher os textos corretos para cada situação da vida da comunidade celebrante. É saber explorar com criatividade os diversos símbolos, ritos, orações, ministérios. 8. ALGUNS PERIGOS DA INCULTURAÇÃO Também afirmamos que a inculturação comporta algum risco. Em primeiro lugar deve-se compreender bem o que significa inculturação da liturgia e qual o seu processo. Este processo é dinâmico e aberto, porém, fundamentado em critérios seguros, oferecidos pela Constituição Conciliar sobre a Liturgia, Sacrosanctum Concilium. Ibidem, p. 38. SC 21. 70 CHUPUNGCO, A. J. Liturgias do futuro... p. 39. 71 Ibidem, p. 42. 72 BECKHÄUSER, Alberto. Os fundamentos da sagrada liturgia. Petrópolis: Vozes, 2004, p. 286-287. 68 69 Algumas críticas ao processo de inculturação da liturgia têm também seu fundamento, visto que em alguns lugares e celebrações tem se introduzido elementos que não são adequados à ação litúrgica e muito menos à fé cristã. Por isso é preciso muita reflexão, estudo, antes de inserir determinados gestos, símbolos na liturgia. Passaremos agora a apontar alguns riscos e até mesmo desvios, que comprometem todo o processo de inculturação da liturgia e demonstram um completo desconhecimento do que de fato seja este processo. a) A liturgia é ação de Deus e da comunidade que celebra. Por este motivo, a liturgia tem que estar ligada com a vida concreta do povo que a celebra. Gestos, símbolos e ritos que causem estranhamento à própria comunidade não são recomendados à liturgia; b) Deve-se evitar espetáculos folclóricos na liturgia. Liturgia não é espetáculo, é ação ritual, é encontro com Deus. Toda ação litúrgica tem que expressar o mistério celebrado; c) É preciso evitar também imitações nas celebrações. Cada comunidade é diferente da outra. O fato de se ter feito algum coisa numa determinada comunidade não significa que tem que ser feito noutra. Pode não ter nada haver com a comunidade; d) Hoje é comum falar das missas onde o padre dá “show”. A celebração não é um lugar para show e muito menos cantorias. O canto litúrgico está intimamente ligado à liturgia; e) Não se canta na celebração porque a música é bonita e emociona a todos. Liturgia não é lugar de sentimentalismo. Ela expressa nossos sentimentos, mas não sentimentalismo. E o que é pior, quando este sentimentalismo é provocado por aqueles que deveriam zelar pela correta celebração da liturgia; f) Não pode ser introduzido na liturgia gostos ou sentimentos pessoais ou de um grupo determinado. A liturgia é comunitária e deve expressar o mistério pascal de Cristo. Isto acontece muito entre os cantores que querem impor à liturgia e à comunidade seus gostos musicais; g) Não se pode confundir participação litúrgica com “todo mundo faz tudo”. Cada um deve fazer somente aquilo que lhe compete. Há partes que cabem somente ao presidente, outras cabem à comunidade, e outras aos demais ministérios litúrgicos; h) Está se tornando rotineiro em algumas celebrações introduzir elementos da religiosidade popular que não fazem parte da celebração. Um bom exemplo são as procissões com o Santíssimo Sacramento em plena missa. A celebração da eucaristia não é momento de adoração ao Santíssimo, mas refeição. i) Inculturação e criatividade não é “inventurgia”, mas fazer com que a liturgia além de ser expressão do mistério de Deus, também expresse o mistério de nossa vida, usando a nossa linguagem; j) Não se pode descuidar das normas litúrgicas e de seu núcleo central. Às vezes, em nome de uma suposta criatividade, passa-se por cima das normas litúrgicas e fere-se o núcleo central da liturgia. Enfim, haveria muitos outros riscos e erros que poderíamos expor. Porém, não pretendemos esgotar o assunto. O importante é seguir os critérios da inculturação litúrgica para poder usar com liberdade a criatividade em nossas celebrações. Também não podemos fazer as coisas por iniciativa própria. Existem instâncias na Igreja que têm a responsabilidade de julgar e aprovar que elementos culturais sejam admitidos na liturgia, isto é claro. A Sacrosanctum Concilium esclarece esta questão quando diz que “na Igreja, a regulamentação da liturgia compete unicamente à autoridade, isto é, à sé apostólica e, segundo a norma do direito, aos bispos” 73. Em seguida, 73 SC 22.1. no parágrafo 3, ela diz que “ninguém mais, nem mesmo um sacerdote, seguindo a própria inspiração, pode acrescentar, tirar ou mudar alguma coisa na liturgia” 74. 9. CONCLUSÃO Para concluir nossa reflexão, todo processo de inculturação da liturgia, longe de prejudicar, tem sempre a enriquecer a liturgia e a própria Igreja. A Igreja não quer uma liturgia rígida, estática, mas favorece a diversidade mesmo na liturgia. “Tendo admitido, e admitindo ainda hoje, uma diversidade de formas e de famílias litúrgicas, a Igreja considera que esta diversidade, longe de prejudicar a sua unidade, valoriza-a” 75. E o Concílio Vaticano II afirma que “de acordo com a tradição, o Concílio declara que para a santa madre Igreja todos os ritos legitimamente reconhecidos são igualmente dignos de respeito, devem ser observados e promovidos”76. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA CONCÍLIO VATICANO II. Constituição Sacrosantcum Concilium sobre a sagrada liturgia. São Paulo: Paulinas, 2002. CONGREGAÇÃO PARA O CULTO DIVINO. A liturgia romana e a inculturação: IV instrução para uma correta aplicação da Constituição Conciliar sobre a liturgia. São Paulo: Paulinas, 1994. CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. Petrópolis: Co-edição: Vozes, Paulinas, Loyola, Ave-Maria. 1997. BECKHÄUSER, Alberto. Os fundamentos da sagrada liturgia. Petrópolis: Vozes, 2004, pp. 284-290. BOGAZ, Antônio Sagrado; SIGNORINI, Ivanir. A celebração litúrgica e seus dramas. São Paulo: Paulus, 2003, pp. 97-111. CHUPUNGCO, Anscar J. Inculturação litúrgica: sacramentais, religiosidade e catequese. São Paulo: Paulinas, 2008. __________. Liturgias do futuro: processos e métodos de inculturação. São Paulo: Paulinas, 1992. __________. Adaptação. In: SARTORE, D. e TRIACCA, A. M. Dicionário de Liturgia. São Paulo: Paulinas, 1992, pp. 1-12. COLLET, Giancarlo. Inculturação. In: EICHER, Peter (dir.). Dicionário de conceitos fundamentais de teologia. São Paulo: Paulus, 1993, pp. 394-400. MIRANDA, Mario de França. Inculturação da fé: uma abordagem teológica. São Paulo: Loyola, 2001. NEUNHEUSER, Burkhard. História da liturgia através das épocas culturais. São Paulo: Loyola, 2007. PALUDO, Faustino; SOLDERA, Ângela. Liturgia a serviço da vida e da esperança. São Paulo: O Recado, 1996. PÉNOUKOU, Éfoé-Julien. Inculturação. In: LACOSTE, Jean-Yves. Dicionário crítico de teologia. São Paulo: Paulinas/Loyola, 2004, pp. 885-890. RUSSO, Roberto. A inculturação da liturgia. In: CELAM. Manual de Liturgia IV. São Paulo, Paulus, 2007, pp. 274300. Ibidem. CONGREGAÇÃO PARA O CULTO DIVINO. A liturgia romana e a inculturação. São Paulo: Paulinas, 1994, p. 5. 76 SC 4. 74 75 A LITURGIA COMO AÇÃO NUM ESPAÇO SAGRADO (Espaço Litúrgico) Ir. Paula Carlos de Souza Irmãs Pias Discípulas do Divino Mestre Já nos diz o Concílio Ecumênico Vaticano II na sua Constituição Sacrosanctum Concilium, “... a liturgia é o cume para o qual tende toda a ação da Igreja e, ao mesmo tempo, a fonte de que promana a sua força.” (SC 10). Por isso partimos do princípio de que o espaço de celebração da comunidade deve expressar a materialização do Mistério que é celebrado, deve tornar-se um ESPAÇO SAGRADO. Pesquisando, no dicionário da Academia brasileira de letras, os significados das palavras que formam o tema proposto encontramos: AÇÃO: Ato ou efeito de agir. ESPAÇO: Extensão que separa um ponto de outro; distância. SAGRADO: Que é divino; sacro; santo; inviolável; venerável; respeitado. Assim podemos concluir que o nosso tema “Liturgia como ação num Espaço Sagrado” é o nosso agir dentro de um espaço determinado, separado de um ponto e de outro, por isso único, santo, divino, respeitado. Se a liturgia “é a fonte e o cume de nossa vida cristã”, o Espaço Sagrado é um caminho que conduz a igreja para ser a imagem da verdadeira IGREJA, aquela que peregrina rumo a Jerusalém do céu. O espaço de reunião da comunidade deve ser a antecipação do que será a Jerusalém celeste. Para que este mistério seja celebrado em nossas comunidades o magistério da Igreja nos orienta que todo o projeto para um espaço litúrgico deve atender também às necessidades funcionais da liturgia e ao mesmo tempo manifestar a beleza intrínseca às coisas de Deus. Vejamos alguns pontos dos principais documentos que falam sobre os Espaços Sagrados: Constituição Sacrosanctum Concilium (sobre a sagrada liturgia) – n° 122-130: “A arte sacra é a expressão máxima da arte religiosa,... Por sua natureza, está voltada para a manifestação da beleza divina.” (122) “Ao promover e favorecer a arte sacra, as autoridades locais devem visar a beleza nobre, mais do que à suntuosidade.” (124) “As novas igrejas devem ser apropriadas às celebrações litúrgicas com a participação ativa dos fiéis.” (124) “A Igreja deseja ardentemente que todos os fiéis participem das celebrações de maneira consciente e ativa, de acordo com as exigências da própria liturgia e por direito e dever do povo cristão, em virtude do batismo... Procure-se, por todos os meios, restabelecer e favorecer a participação plena e ativa de todo o povo na liturgia.” (14) Animação da vida litúrgica no Brasil (Documento da CNBB – 43) – n° 137-148 “O templo é sinal da presença e ação salvífica do Pai; é imagem do Corpo Místico de Jesus Cristo, único e verdadeiro templo, construído com pedras vivas para oferecer sacrifícios novos (cf. Jô 2,19.21).” (139) “Por isso, a igreja-edifício é sinal também da Igreja comunidade.” (140) “A igreja-edifício deve ser funcional e significativa, favorecendo, através de configuração e distribuição dos dois espaços fundamentais, tanto a execução da ação litúrgica quanto a participação ativa dos fiéis.” (142) “A ornamentação do local concorre muito para expressar o sentido do templo. Por isso, nossas igrejas e também os outros lugares onde se celebra o culto, devem recorrer à arte e ao bom gosto para criar um ambiente religioso digno, cômodo, funcional e simples, sem ser banal.” (143) Introdução geral do missal romano (IGMR) – Capítulo V, n° 253-280 Disposição do Espaço “O povo de Deus, que se reúne para a Missa, constitui uma assembleia orgânica e hierárquica que se exprime pela diversidade de funções e ações, conforme cada parte da celebração. Por isso, convém que a disposição geral do edifício sagrado seja tal que ofereça uma imagem da assembleia reunida, permita uma conveniente disposição de todas as coisas e permita a cada um exercer corretamente a sua função. Os fiéis e o grupo dos cantores ocuparão lugares que lhes favoreçam uma participação ativa.” (257) Presbitério “Convém que o presbitério se distinga da nave da igreja por elevação, ou por especial estrutura e ornato. Seja bastante amplo para que os ritos sagrados se desenrolem comodamente.” (258) Altar “O altar, onde se torna presente o sacrifício da cruz sob os sinais sacramentais, é também a mesa do senhor na qual o povo de Deus é convidado a participar por meio da Missa; é ainda o centro da ação de graças que se realiza pela Eucaristia.” (259) “Na igreja haja normalmente um altar fixo e dedicado, construído afastado da parede, a fim de ser facilmente circundado e nele se possa celebrar de frente para o povo. Ocupe um lugar que seja de fato o centro para onde espontaneamente se volte à atenção de toda a assembleia dos fiéis.” (262) Presidência “A cadeira do sacerdote celebrante deve manifestar a sua função de presidir a assembleia e dirigir a oração. Por isso, o seu lugar mais apropriado é de frente para o povo no fundo do presbitério... Evite-se toda espécie de trono. Coloquem-se as cadeiras dos ministros no local mais apropriado do presbitério, para que possam facilmente cumprir as suas funções” (271) Ambão “A dignidade da Palavra de Deus requer na igreja um lugar condigno de onde possa ser anunciada e para onde se volte espontaneamente a atenção dos fiéis no momento da liturgia da Palavra. De modo geral, convém que esse lugar seja uma estrutura estável e não uma simples estante móvel. Seja disposto de tal modo em relação à forma da igreja que os ministros possam ser vistos e ouvidos facilmente pelos fiéis. Do ambão são proferidas as leituras, o salmo responsorial e o precônio pascal; também, se for conveniente, a homilia e a oração universal ou dos fiéis.É menos conveniente que usem o ambão o comentarista, o cantor ou o dirigente do coral.” (272) Assembleia “Disponham-se os lugares dos fiéis com todo o cuidado, de sorte que possam participar devidamente das ações sagradas com os olhos e com o espírito... Cuide-se que os fiéis possam não só ver o sacerdote ou os outros ministros, mas também, graças aos instrumentos técnicos modernos, ouvi-los com facilidade.” (273) Capela do Santíssimo “É sumamente recomendável que o lugar onde se conserva a Santíssima Eucaristia se encontre numa capela que favoreça a adoração e a oração particular dos fiéis.” (276) Ornamentação “A ornamentação da igreja deve visar mais a nobre simplicidade do que a pompa. Na escolha dessa ornamentação, cuidese da autenticidade dos materiais e procure-se assegurar a educação dos fiéis e a dignidade de todo o local sagrado.” (279) Criar um espaço de oração e de beleza não é indiferente. As igrejas são verdadeiros lugares de iniciação cristã. Criar um espaço belo e bem organizado é também exercer uma função catequética. A beleza faz parte do projeto criador: “Deus viu tudo o que tinha feito: e era muito bom.” (Gn 1, 31)