química recursos renováveis - Cefet

Transcrição

química recursos renováveis - Cefet
Armin Isenmann
Processos Industriais
ARMIN FRANZ ISENMANN
QUÍMICA
A PARTIR DE
RECURSOS RENOVÁVEIS
1a edição
Timóteo, MG
Edição do Autor
2012
1
Armin Isenmann
Processos Industriais
 Os direitos neste texto são exclusivamente com o autor.
Isenmann, Armin Franz
Química a partir de recursos renováveis / Armin Franz Isenmann Timóteo, MG :
2012. 1a Edição
Bibliografia
ISBN 978-85-913050-1-8
1
Armin Isenmann
Processos Industriais
CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA DE MINAS
GERAIS
CAMPUS TIMÓTEO
Disciplina: Processos Industriais
Prof. Armin Isenmann
Ementa: madeira, produção de celulose e derivados, processamento
da lignina, amido, óleos e gorduras, terpenos, novas rotas de
síntese dos químicos de plataforma. Tópico especial: recuperação
de químicos em escala industrial.
1
Química a partir de recursos renováveis ............................................................................ 4
1.1
Introdução................................................................................................................... 4
1.2
O leque de produtos da síntese orgânica .................................................................... 5
1.2.1
2
Mais do que apenas gordura e amido ................................................................. 8
Substâncias químicas diretamente do campo ................................................................... 13
2.1
O recurso renovável madeira.................................................................................... 14
2.2
Especialmente estável: Celulose e seus derivados ................................................... 16
2.3
Hemiceluloses .......................................................................................................... 18
2.4
Lignina ..................................................................................................................... 19
2.5
Os demais componentes da madeira, presentes em menores partes ........................ 20
2.6
Celulose a partir da madeira..................................................................................... 21
2.6.1
O processo Kraft............................................................................................... 24
2.6.2
O processo de sulfito ........................................................................................ 26
2.6.3
Outros processos de extração da celulose. ....................................................... 28
2.7
Recuperação de químicos - uma máxima na indústria moderna. Mostrado no ciclo
de recuperação do processo Kraft . ...................................................................................... 30
2.7.1
O Ciclo de Recuperação de Químicos Kraft .................................................... 30
2.7.2
Subproduto do digestor: o licor negro diluído ................................................. 31
2.7.3
Evaporação e concentração do licor negro....................................................... 33
2.7.4
Composição do licor negro .............................................................................. 34
2.7.5
Caldeira de Recuperação .................................................................................. 36
2.7.6
Caustificação e Calcinação............................................................................... 46
2.7.7
O Licor verde ................................................................................................... 47
2.7.8
Preparo do licor branco (= "Caustificação") .................................................... 48
2.7.9
Calcinação ........................................................................................................ 50
2.8
Processamento e derivatização da celulose crua ...................................................... 54
2
Armin Isenmann
2.9
O uso químico da lignina e seus monômeros ........................................................... 61
2.9.1
Sulfonato da lignina - material das mais diversas aplicações .......................... 62
2.10
Revisão processamento da madeira.......................................................................... 62
2.11
O uso do amido. ....................................................................................................... 63
2.11.1
Amilose a amilopectina: dois materiais bastante diferentes............................. 64
2.11.2
Amido na produção de papel............................................................................ 64
2.11.3
Amido ramificado: dois exemplos ................................................................... 65
2.12
Gorduras e óleos....................................................................................................... 66
2.12.1
Demanda crescente em óleos vegetais ............................................................. 68
2.12.2
Perspectivas para o futuro ................................................................................ 71
2.13
Terpenos e borracha natural ..................................................................................... 71
2.13.1
Terpenos contra câncer..................................................................................... 73
2.13.2
Sem a borracha ficamos no lugar ..................................................................... 74
2.13.3
Estrutura química e vulcanização..................................................................... 75
2.14
Polihidroxialcanoatos (PHA) ................................................................................... 77
2.14.1
3
Processos Industriais
A polêmica dos "biopolímeros" ....................................................................... 78
Química de plataforma, a partir de recursos renováveis .................................................. 80
3.1.1
Pequenos e poderosos - a família C1. .............................................................. 80
3.1.2
Os multitalentos de C2. .................................................................................... 82
3.1.3
Os componentes químicos C3 - o reinado das bactérias. ................................. 86
3.1.4
Os componentes C4.......................................................................................... 95
3.1.5
Os componentes C5.......................................................................................... 97
3.1.6
A importante classe dos componentes C6........................................................ 97
3.1.7
Compostos de síntese que vêm da floresta - a outra face da lignina.............. 101
3
Armin Isenmann
Processos Industriais
1 Química a partir de recursos renováveis
1.1
Introdução
Biodiesel a partir de óleos de soja, mamona ou palmeira;
Corantes naturais a partir de plantas e tinturas minerais;
Óleos vegetais para produzir xampu.
Tudo isso não é novo, já sabemos e os processos para sua obtenção são padronizados - breve,
isso é nosso dia-a-dia. Mas vamos refletir um pouco sobre as matérias primas e afinal
questionar como poderíamos aproveitar melhor destas.
De onde vêm os "recursos renováveis"?
A expressão foi definida nos anos 1970, na então primeira crise do petróleo. Naquela época
foi reconhecida pela primeira vez uma escassez dos recursos principais da indústria, os
recursos fósseis. Também foi a primeira vez que o largo público foi conscientizando do
problema e que foram exigidas fontes alternativas a base de recursos renováveis. Logo a crise
foi vencida, o tema desapareceu novamente.
Nos anos 1990, no mais tardar, tornou-se evidente uma causalidade entre o consumo de
recursos fósseis e as consequências sobre o clima global. Novas expressões tais como "Efeito
estufa" (inglês: green house effect) e "buraco de ozônio" tornaram-se populares - o que nem
sempre foi a favor de uma divulgação cientificamente correta.
Certamente, podemos afirmar que os recursos principais de hoje são finitos, algumas estimas
até falam que, suposto a mesma tendência de consumo anual, o petróleo ia acabar em 2060. E
o consumo mundial é cada vez maior. Segundo a Deutsche Welle (28/11/2011) o balanço para
2011 será:
Aumento anual no consumo de energia: + 33%
Emissões de CO2: + 20%.
O aquecimento terrestre global continua sendo pronunciadamente acima da média dos últimos
130 anos.
4
Armin Isenmann
Processos Industriais
Recursos renováveis podemos definir como produtos agrários, florestais e marinhos que são
produzidos em escala industrial e não servem diretamente à alimentação.
As fontes desta biomassa são:
39%
Celulose
30%
Lignina
26%
outros polissacarídeos (incluindo as hemiceluloses)
4%
outros recursos vegetais (= a partir de plantas)
1%
origem animal.
Surpreendentemente, quase a totalidade dos recursos renováveis vem do reino vegetal. Mais
de 90% são polissacarídeos (dos quais se destaca em quantidade a celulose) ou lignina.
Destes recursos renováveis, que muitas vezes ganham o atributo "BIO", usamos atualmente
em torno de:
>80%
como fontes de energia (calor, eletricidade) em locais fixos;
<15%
uso direto, em forma de polímeros e tensidas;
<10%
como combustíveis para veículos.
O leque de aplicações levou à subclassificação em plantas industriais e plantas energéticas. É
claro que a atenção dos químicos cabe aos usos industriais dos recursos renováveis. São então
plantas (anuais ou perenes) das quais se produzem sistematicamente compostos úteis para a
síntese orgânica. Às vezes a própria natureza é utilizada para gerar tais compostos.
De onde vêm os polissacarídeos?
A celulose, as hemiceluloses e a lignina são as três classes constituintes da madeira. Portanto,
o próximo capítulo será dedicado inteiramente a ela. A madeira representa no momento a
principal fonte dos recursos renováveis, o que pode se tornar somente no futuro remoto a
favor das algas ou outras plantas marinhas. Na totalidade, quer dizer, inclusive o uso como
fonte de energia, a madeira é produzida em 2 bilhões de toneladas por ano. Em comparação:
Aço:
1 bilhão de toneladas
Plásticos:
200 milhões de toneladas, ao ano.
Mais informações sobre a madeira, ver cap. 2.1.
1.2
O leque de produtos da síntese orgânica
Em cada dia do ano, em quase cada profissão e também em nosso tempo livre, aproveitamos
direta ou indiretamente dos produtos industrializados da química orgânica. Saquinhos do
supermercado, filmes transparentes frente gases para embalar as frutas na bandeja, vasilhas de
plástico na cozinha, remédios e sua embalagem, roupa de fibra sintética, etc. Também são de
suma importância estes produtos em outros setores industriais, onde contribuem num
constante progresso. Embora as variedades sejam quase inúmeras, todos esses objetos são
5
Armin Isenmann
Processos Industriais
feitos de algumas poucas matérias-primas. Eis são quase que exclusivamente o petróleo e o
gás natural, então recursos fósseis que são considerados finitos e não renováveis pela mão do
homem.
Destes recursos fósseis se produzem, principalmente, hidrogênio, monóxido de carbono,
etileno, propileno, benzeno, tolueno e os xilenos. Através de muitas etapas estes "compostos
de plataforma" são refinados e transformados nos produtos finais. O nome já indica que estes
recursos formam a plataforma para milhares de outros produtos da química fina.
Como as reservas nestes recursos fósseis se esgotam a longo prazo, temos que achar uma
fonte alternativa. Na geração de energia essa tarefa já pode ser resolvida hoje, pensamos em
energia eólica, hídrica, solar. Mas para produzir um artefato de material orgânico algum
recurso contendo carbono é indispensável. Os únicos substitutos possíveis para petróleo, gás e
carvão mineral, são então os produtos da natureza viva.
A idéia de fazer síntese orgânica com recursos naturais não é nova. Muitos gêneros de
produtos podem ser produzidos hoje a partir de recursos vegetais e animais. Em primeira
linha, são os óleos e os carboidratos (= açúcar, amido, celulose). Na Alemanha usam-se em
torno 2 milhões de toneladas de recursos orgânicos na indústria química, o que corresponde a
6
Armin Isenmann
Processos Industriais
10% da demanda total. Com estes valores é campeã mundial. Mas também as outras nações
industrializadas estão fazendo grandes esforços em aumentar a taxa destes recursos
alternativos.
Todavia, a fonte principal de matérias primas continua o petróleo e seus produtos refinados:
GLP (= gás liquefeito de petróleo; principalmente os hidrocarbonetos C3 e C4)
Querosene e gasolina leve (grande parte ainda usada para a geração de calor e
locomoção)
Nafta (fração com compostos C5 a C10)
Os aromáticos, também chamados de "fração BTX" (= benzeno, tolueno, xilenos).
A partir do resíduo da destilação do petróleo podem ser feitos, via destilação a alto vácuo, as
graxas e óleos de lubrificação, usados em motores e peças mecânicas.
Tecnicamente mais interessantes que os hidrocarbonetos saturados são os insaturados,
principalmente o etileno, propileno e isobutileno, além do "gás de síntese", isto é, H2 e CO,
purificado e nas proporções certas.
Fig. 1.
Produção da indústria química, a base de petróleo e gás natural
Composto de plataforma mais importante e mais consumido no mundo é o etileno. A
produção mundial é de 100 milhões de toneladas por ano. Já o propileno é produzido em 64
milhões de toneladas, o benzeno em terceiro lugar com 23 milhões t. Todos os três são feitos,
hoje em dia, quase que exclusivamente a partir da fração do nafta do petróleo. Sua obtenção a
base de recursos renováveis ainda não pode concorrer economicamente. Além disso, nos anos
passados os preços para os produtos da agropecuária sempre subiram paralelamente aos
custos da energia clássica. Portanto, é imprescindível desenvolver novas linhas industriais nas
quais os recursos vegetais são produzidos, processados e transformados em compostos de
plataforma de maneira mais eficiente, para que sejam concorrentes importantes ao petróleo.
As linhas mais promissoras serão apresentadas no cap. 3.
7
Armin Isenmann
Fig. 2.
Processos Industriais
Exemplos de importantes compostos de plataforma para a indústria química.
1.2.1 Mais do que apenas gordura e amido
Como já dito acima, em torno de um décimo de todos os recursos usados na indústria química
orgânica, vem de animais ou plantas. Os seguintes valores referem-se somente ao consumo na
Alemanha:
Óleos vegetais (cerca de 800.000 t)
Gorduras animais (~ 350.000 t)
Amido (~ 300.000 t)
Celulose (~ 320.000 t) e
Açúcar (~ 240.000 t).
Mas a natureza não só fornece gordura e amido - ela providencia uma série de outros produtos
com potencial industrial, como se vê na Fig. 3.
8
Armin Isenmann
Fig. 3.
Processos Industriais
Extratos de plantas industriais (a serem usados sem transformação química).
Além dos extratos que, após a devida purificação, podem ser usados diretamente, os seres
vivos fornecem também outros materiais que são submetidos a processos de refinamento
químico.
Matérias primas e produtos industriais cuja fonte é a natureza:
Matérias primas:
Produtos:
Lignina
Polímeros
Celulose
Agentes tensoativos
Quitina
Solventes
Hemiceluloses
Corantes
Açúcar
Fragrâncias
Amido
Farmacêuticos
Óleos e gorduras
Cosmética
Combustíveis
Lubrificantes
Colas
Fibras
Onde exatamente os recursos renováveis são aplicados na indústria, depende de vários fatores
que são de natureza técnica e/ou econômica. As seguintes questões devem ser respondidas:
Há suficiente material do recurso renovável, para cobrir a demanda?
Os produtos a partir dos renováveis podem ser produzidos barato o suficiente e os preços
podem concorrer com o mercado existente?
9
Armin Isenmann
Processos Industriais
Têm-se processos industriais adequados para a produção em massa?
Pode ser alcançada uma qualidade constante e alta, embora as matérias primas mostrarem
ondulações naturais?
Quais as diferenças nas composições elementares, H : C : O principalmente, entre as matérias
primas provenientes do petróleo e de plantas vivas?
Quais as diferenças entre as estruturas moleculares, dos novos recursos em comparação aos
estabelecidos?
Quais os novos produtos e as novas opções de produção que se abrem com o uso de recursos
renováveis?
Demanda segura e preços estáveis?
Não importa se for feno, folhagem, dejetos orgânicos, resíduos de madeira - quase todos os
países dispõem de alguma forma de recursos renováveis. Mas as estimativas para o futuro são
bastante inseguras porque a produção e a disponibilidade da biomassa dependem de uma série
de fatores. Em geral, podemos afirmar uma crescente demanda de alimentos, uma mudança
nos hábitos de alimentação, também na disponibilidade de campos para plantações e na água
de irrigação, variações nas condições climáticas, etc. Todos esses fatores influenciam bastante
na quantidade com que estes recursos podem ser oferecidos no futuro.
Em algumas regiões do planeta são planados hoje milho, soja, colza ou cana de açúcar,
somente para a produção de recursos químicos - a maioria para fazer biodiesel ou etanol que
são combustíveis veiculares alternativos. A concorrência entre plantações industriais e
nutricionais aumenta cada vez. Sendo assim, temos que desenvolver tais novas plantas
industriais que podem ser cultivadas em solos que não prestam para plantações nutricionais.
De qualquer maneira, podemos prever que a médio prazo os preços dos renováveis não serão
muito diferentes dos recursos petroquímicos.
Problemas acerca da qualidade dos recursos
Para todos os processos industriais a qualidade da matéria-prima não deve variar, senão há
problemas na produção e o rendimento do processo cai drasticamente. Isso é um grande
problema, tanto nas matérias vegetais como animais. A qualidade depende fortemente
Do tempo de colheita
Da adubação / nutrição durante o crescimento
Do surgimento de doenças, tais como fungos, ataque por insetos ou epidemias.
Tudo isso interfere sensivelmente na qualidade do recurso.
A composição dos novos recursos
A tabela a seguir mostra que há diferenças significativas entre a composição elementar, do
petróleo e dos recursos renováveis. Em geral, os últimos são mais pobres em carbono e mais
ricos em oxigênio. Mas também a estrutura química é totalmente diferente da do petróleo.
Hidrocarbonetos alifáticos e aromáticos no petróleo, muitos diferentes grupos funcionais
(alcoóis, aldeídos, cetonas, ácidos carboxílicos,...) nos recursos renováveis.
10
Armin Isenmann
Processos Industriais
Composições elementares das matérias primas:
Petróleo
Óleos e gorduras
Lignocelulose
(= madeira)
C
85-90%
76%
50%
H
10-14%
13%
6%
O
0-1,5%
11%
43%
Portanto, o petróleo e o gás natural não podem simplesmente ser repostos por outros recursos,
sem adequar os processos. Caso não podemos aproveitar diretamente dos poderes de síntese
da natureza (cap. 2), então devem ser desenvolvidas completamente novas rotas de síntese e
novos processos químicos (cap. 3), para substituir os recursos fósseis que estamos usando
agora.
Olhamos, por exemplo, na celulose e no amido. Os dois são feitos do monômero glicose,
portanto eles têm a mesma unidade estrutural química. Mas as conexões destes monômeros
são bastante diferentes: cadeias lineares e, em consequência, alta regularidade e cristalinidade
por um lado, ramificações e cadeias espiraladas e, consequentemente, alta solubilidade na
água, por outro lado (compare Fig. 9 na p. 18 e Fig. 4 e Fig. 5, logo em seguida). A quebra
destes dois recursos requer de enzimas diferentes, para chegar ao mesmo monômero e
prosseguir rotas de síntese em comum.
Fig. 4.
Estrutura molecular do amido
11
Armin Isenmann
Fig. 5.
Processos Industriais
Ramificações típicas da amilopectina
Não importa qual processo finalmente for escolhido, certamente precisamos a conversão do
material da natureza, nas mínimas etapas operacionais possível, transformando-o em
compostos de plataforma, em rendimento mais alto possível. Somente assim, a indústria
poderá oferecer os químicos de plataforma a um preço compatível com os da produção
tradicional.
Futuro: biorrefinaria?
Recursos da natureza, a princípio, não são novidades na produção química. Já na década de
1910, Fritz Henkel estocou centenas de toneladas de frutinhas de palmeira e soja em seus
armazéns em Düsseldorf, Alemanha, para que seu óleo seja transformado em sabões,
detergentes em pó e colas que levou ao sucesso desta empresa até hoje (os produtos que são
vendidos há dezenas de anos são Persil, Dixan, Purex, Fa, Liofol, Loctite, Pritt, entre outros).
Henkel foi então um dos pioneiros em explorar os recursos renováveis em grande escala.
Hoje se segue dois caminhos para aproveitar dos recursos renováveis em escala industrial, a
serem apresentados nos caps. 2 e 3.
No primeiro caminho (conteúdo do cap. 2) aproveitamos da diversidade estrutural que a
própria natureza criou. Plantas e animais produzem substâncias químicas que podem ser
usados diretamente. Entende-se que requerem processos de isolamento e purificação que são
bastante exigentes, devido à diversidade estrutural e às massas molares elevadas nos produtos
naturais. Um bom exemplo é a celulose vegetal que pode ser usada diretamente na produção
dos éteres da celulose ou para fazer fibras.
No caminho dois (tópico do cap. 3) a matéria biológica é quebrada em pequenos fragmentos.
Quando isso aconteça de maneira controlada e com alta eficiência, a indústria química tem
novas matérias primas, alternativas aos compostos de plataforma (inclusive o "gás de síntese",
ver p. 80) que atualmente são feitos a partir do petróleo.
12
Armin Isenmann
Processos Industriais
Especialmente a estratégia dois parece promissora, para se fazer química em escala industrial,
no próximo futuro. Porém, devemos ressaltar que a obtenção dos compostos de plataforma é
fundamentalmente diferente quando a matéria prima vem da natureza viva. Os alcanos e
alquenos contidos no petróleo são transformados em alcoóis, aldeídos, cetonas, compostos
nitro etc., isto é, as frações do petróleo são funcionalizadas. Nos recursos renováveis é
exatamente oposto: eles já vêm lotados de grupos funcionais (na maioria grupos hidroxilas), e
para se obter os compostos de plataforma seria necessário desfuncionalizá-los. Isto é, os
grupos funcionais não desejados devem ser retirados seletivamente.
Os carboidratos, tais como açúcar, amido ou celulose, são especialmente interessantes quanto
à produção dos compostos de plataforma. Só que a biomassa contém muitas classes de
substâncias além dos carboidratos: lignina, proteínas e gorduras. Em uma primeira etapa a
biomassa deve ser preparada, incluindo a separação destas classes, a purificação e a sua
transformação química e/ou térmica. Nesta etapa as refinarias do petróleo podem ser repostas
pelas biorrefinarias, onde se têm todas as tecnologias necessárias, tais como a degradação
enzimática, a hidrólise catalítica-química e a pirólise, para transformar o recurso natural em
um composto da síntese orgânica.
No seguinte gráfico citamos as tecnologias mais desenvolvidas hoje, que transformam a
glicose em compostos de C1 a C6 que podem ser utilizados na química fina. Uma discussão
mais detalhada destas estratégias segue no cap. 3.
Hoje são produzidos mais de 30 milhões de toneladas de etanol em processos biotecnológicos,
a partir de recursos renováveis. Em grandes tanques de fermentação as bactérias degradam a
glicose que está presente em forma de solução aquosa concentrada. O isolamento do etanol é
através da destilação (retificação) - um processo muito bem estudado e desenvolvido. Em
seguida o etanol pode ser desidratado para o etileno através de uma etapa pirolítica (p. 83).
Supomos que todo esse etanol seria disponível para a síntese industrial (o que não é o caso),
poderíamos substituir apenas 20% de todo etileno petroquímico consumido no mundo. Muita
pesquisa e desenvolvimento de processos devem ser feitos ainda para aperfeiçoar os processos
fermentativos, mas os primeiros resultados visam que esse seja o caminho do futuro.
2 Substâncias químicas diretamente do campo
Muitos artigos que consumimos ou usamos todos os dias podem ser feitos a partir de material
diretamente fornecido pela natureza. Iniciamos este capítulo com a madeira, por sua vez mais
importante recurso renovável. Segue a discussão da celulose e da lignina que representam os
componentes mais importantes da madeira. Depois disso, o amido sendo um polissacarídeo
13
Armin Isenmann
Processos Industriais
para aplicações diferentes. Seguem as gorduras e no final serão brevemente discutidos os
recursos naturais usados em menor quantidade: terpenos, borracha e os polihidroxialcanoatos.
2.1
O recurso renovável madeira
Em torno de 30% da superfície terrestre firme, isto é aproximadamente 4 bilhões de hectares,
são cobertas por florestas. Assim, referente à massa, a madeira é o recurso renovável mais
importante do planeta. Há estimativas
que existem neste planeta cerca de 330
bilhões de m³ de madeira.
É claro que essa totalidade
não
deve
ser
colhida para ser processada e
transformada em química de plataforma, pois as florestas são importantes fornecedores do
oxigênio, sem o qual nenhum animal poderia sobreviver. A colheita mundial é em torno de
2,8 bilhões de m³ por ano, o que representa praticamente 1% da totalidade. Existem planos de
aumentar a produção do recurso industrial madeira, sem interferir nas florestas já existentes
(primárias e reflorestadas). As áreas não cultivadas poderiam ser densamente reflorestadas,
com árvores de crescimento rápido, por exemplo, o eucalipto, gmelina, acássia e outros. Em
pouco tempo crescem pequenos arbustos ou árvores, de poucos centímetros de diâmetro e uns
metros de altura. Estas poderiam ser cortadas (inglês: harvest) com máquinas comuns da
agricultura e imediatamente processadas.
Madeira é um material composto, seus componentes estruturais são celulose, as hemiceluloses
e a lignina. As proporções variam consideravelmente em dependência do tipo de árvore, mas
podemos indicar os valores limites na madeira seca, conforme a tabela a seguir:
14
Armin Isenmann
Processos Industriais
Fig. 6.
Esteira com cavacos de madeira de eucalipto, na fábrica de celulose da
CENIBRA, Belo Oriente, MG.
Contribuição
Constituição
Função no compósito da
madeira
Celulose
45%
Macromolécula comprida e
linear feita de unidades de
celobiose.
Formação da parede celular;
dá estabilidade estrutural à
madeira.
Hemiceluloses
35% em madeira
dura;
Macromoléculas de cadeia
curta, muitas ramificações,
feitas de pentosas.
Formação da parede celular;
dá estabilidade estrutural à
madeira.
Macromolécula com
ramificações tridimensionais,
feita de unidades de
metoxifenilpropano.
Material de rejunto na célula
da madeira; responsável pelo
endurecimento da madeira.
25% em madeira
mole.
Lignina
21% em madeira
dura;
25% em madeira
mole.
Destes, a celulose é de longe o material mais bem definido, no que diz respeito à composição
química. Portanto, é a parte mais interessante para as indústrias de transformação.
15
Armin Isenmann
Processos Industriais
Fig. 7.
Estrutura terciária da fibra de madeira: a região entre as fibras é
denominada de lamela média (LM; rica em lignina); a camada externa da fibra é a
parede primária, depois a parede secundária em três camadas (S1, S2, S3) das quais
S2 é a mais inportante na produção por ser mais grossa e mais rica em celulose; o
miolo é chamado de lúmen.
Fig. 8.
Estrutura quaternária do material compósito da madeira: as fibras de
celulose, envoltas pelas hemiceluloses, por sua vez embutidas na matriz da lignina.
2.2
Especialmente estável: Celulose e seus derivados
A celulose é o biopolímero mais importante e mais produzido em nosso planeta. Estimamos a
produção de celulose via fotossíntese, com 1,3 bilhões de toneladas por ano. Ela ocorre em
quantidades variáveis em todas as plantas superiores, em muitos cogumelos e algas. A fibra
natural de algodão é de 95% de celulose, seguido pelas madeiras duras (40 a 75%), enquanto
16
Armin Isenmann
Processos Industriais
as madeiras moles, bagaço e feno têm apenas 30 a 50% de celulose. A maior quantidade da
celulose produzida industrialmente é usada, no momento, para produzir papel e papelão.
A celulose pertence à família dos carboidratos, mais corretamente aos polissacarídeos. Os
demais carboidratos de importância industrial são: amido (amilose e amilopectina), quitina e
quitosana, e os mono e dissacarídeos que conhecemos todos como açúcar.
É um poliglicosídeo (isto é, conexão por um grupo acetal), onde os monômeros de glicose são
conectados por seus grupos -OH situados nos carbonos C1 e C4, ver numeração indicada na
Fig. 9a. No caso do grupo -OH do C1 trata-se de um hemiacetal que se formou por
condensação intramolecular com o grupo -OH do C5. Detalhes desta conexão "1,4-β", ver
Fig. 9b). Assim, temos uma poli-β-D-glicosido-1,4-glicose, ela é representada na Fig. 9.
(a)
(b)
(c)
17
Armin Isenmann
Processos Industriais
(d)
Fig. 9.
Formação da celulose:
(a) Projeção de Fischer e projeção anelada do monômero glicose;
(b) Formação do anel piranóide via hemiacetal.
(c) Representações alternativas da cadeia polimérica da celulose.
(d) Ligações de hidrogênio dentro da celulose cristalina.
A celulose foi isolada e caracterizada primeiramente pelo químico Anselme Payen (1838) e
representa a molécula orgânica mais disseminada no planeta. O mais marcante é a conexão
glicosídica β (Fig. 9c) que, muito ao contrário da conexão α que achamos no amido, não pode
ser facilmente quebrada por nosso estômago. Portanto, a celulose não serve como alimento
humano. Isso tem vários motivos, entre outros:
Não dispomos de uma enzima que catalisa a hidrólise da conexão β-glicosídica.
A alta estereorregularidade do polímero favorece a conformação de cadeias alongadas em
zig-zag. Uma cadeia de celulose contém entre 500 e 5000 unidades de glicose. Isso leva à
formação de cristais de estabilidade extraordinária (ver Fig. 9d). Os agregados da celulose
são maiores e mais densos do que os da amilose. Em consequência, o nosso estômago não
consegue hidrolisar (= quebrar sob catálise ácida) a celulose em tempos adequados.
As cadeias da celulose são rigorosamente lineares (isto é, sem ramificações). Portanto, a
formação de pontes de hidrogênio intra e especialmente intermoleculares são favorecidas.
Formam-se então as microfibrilas, com grandes partes cristalinas. Estas têm um diâmetro de
10 a 100 nm e um comprimento de vários micrômetros.
2.3
Hemiceluloses
As hemiceluloses também são polissacarídeos, mas sua composição química é bastante
heterogênea. Os monômeros mais encontrados são: a xilose, glicose, galactose, manose e
arabinose, conforme mostrado na Fig. 10. Além disso, as cadeias poliméricas são fortemente
ramificadas, enquanto o grau de polimerização é relativamente baixo. As cadeias contêm
apenas entre 50 e 250 unidades monoméricas.
18
Armin Isenmann
Processos Industriais
Fig. 10. Hemiceluloses: (a) Os monômeros mais importantes da hemicelulose (b)
Exemplo das conexões dentro do polímero. (c) Polímero feito da xilose, indicados
os locais da quebra enzimática.
2.4
Lignina
Lignina (do latim: lignum = madeira) é uma macromolécula de malha tridimensional. A
diversidade dos seus monômeros é grande, portanto não podemos atribuir uma fórmula
definida à lignina. A maioria dos monômeros identificados são derivados do fenilpropano,
muitos destes com funções de álcool. Alguns exemplos: álcool cumarílico, coniferílico e
sinapílico. As massas molares ficam entre 5000 e 10 000.
19
Armin Isenmann
Fig. 11.
Processos Industriais
Estruturas típicas da lignina.
Dentro da madeira a lignina tem o papel de conectar as fibras da celulose de maneira viscoelástica, contribuindo assim para a estabilidade mecânica do material composto.
2.5
Os demais componentes da madeira, presentes em menores
partes
Terpenos e resinas
Os terpenos são conhecidos há muito tempo sendo os compostos principais dos óleos etéricos.
São feitos de unidades de isopreno (= 2-metil buta-1,3-dieno; H2C=C(CH3)CH=CH2):
2 unidades isoprênicas = C10 = monoterpeno
3 unidades isoprênicas = C15 = sesquiterpeno
4 unidades isoprênicas = C20 = diterpeno.
Os terpenos podem ser cíclicos ou acíclicos, seus grupos funcionais principais são álcool e
aldeído. A mistura de terpenos líquidos é conhecida como "terpentina", sua produção mundial
fica em torno de 1 milhão de toneladas por ano. Fonte principal dos óleos de terpentina são as
coníferas. As agulhas destas árvores são especialmente ricas em terpenos - o que já revela seu
cheiro aromático e intenso. Na produção da celulose a partir de pinheiros (EUA, Finlândia),
pode-se contar com até 16 Kg de terpentina a cada tonelada de celulose. Abetos fornecem em
torno de 3 Kg de terpentina.
20
Armin Isenmann
Processos Industriais
A terpentina é usada diretamente como solvente em esmaltes, graxa de sapato e resinas de
chão. Em menores partes é usada na produção da cânfora, substâncias odoríferas ou
vitaminas.
Uma visão ampliada sobre os terpenos e o poliisopreno, ver cap. 2.13 (p. 71).
Taninos
São polifenóis com pesos moleculares entre 500 e 3000. Eles inibem o ataque às plantas por
herbívoros vertebrados ou invertebrados e também por microorganismos patogênicos. Isso se
deve à diminuição da palatabilidade, dificuldades na digestão e produção de compostos
tóxicos dentro do trato digestivo. O termo é largamente utilizado para designar qualquer
grande composto polifenólico contendo suficientes grupos hidroxila e outros (como carboxila)
para poder formar complexos fortes com proteínas e outras macromoléculas.
Suas características gerais são a solubilidade em água, álcool e acetona, sua insolubilidade em
éter puro, clorofórmio e benzeno. Além disso, se precipitam quando entrarem em contato com
sais de metais pesados. A farmácia aproveita das qualidades dos taninos na complexação com
íons metálicos, atividade antioxidante e sequestradora de radicais livres:
•
•
•
•
•
•
•
Antídotos em intoxicações por metais pesados e alcalóides;
Adstringentes (a gente fala que eles "fecham a boca", conhecido do caju ou da
carambola verde);
Via externa: cicatrizantes, hemostáticos;
Via interna: antidiarreicos;
Anti-sépticos;
Antioxidantes;
Antinutritivos (devido ao seu efeito complexante, diminuem a capacidade de absorção
de ferro).
Na indústria os taninos têm relativamente pouca importância industrial. São ingredientes no
processo de fabrico de curtumes, onde se transforma peles (putrecíveis) em couros (não
putrecíveis). A casca de carvalho é a principal fonte de taninos para esta indústria. Outros
usos são processos de saneamento, tanto para água de adução como de efluentes líquidos; em
processos de purificações de líquidos (combustíveis/gasolina) e em processos de perfuração
de poços (viscosidade da lama).
Sais minerais:
Principalmente carbonatos e silicatos. Estes componentes não servem como matéria-prima
para produtos químicos. Muito pelo contrário, atrapalham bastante o processamento da
madeira, pois desgastam a maquinaria de corte devido à alta abrasão. Especialmente rico em
sais minerais e, portanto, usado como adubo, são as cinzas da madeira queimada. Esses sais
são especialmente ricos em potássio e cálcio e têm caráter alcalino, então ideal para corrigir o
pH de um solo ácido.
2.6
Celulose a partir da madeira
A madeira pode ser usada, como todos sabem, diretamente como combustível. Além da
geração de energia, ela é essencial na construção civil e na indústria moveleira. Seu
21
Armin Isenmann
Processos Industriais
desfibramento gera serragem e um pó que são utilizadas para a produção de chapas MDF (do
inglês: Medium Density Fibreboard), a degradação térmica (= pirólise) fornece o carvão
vegetal e, finalmente, sua digestão química leva à separação dos compostos químicos da
madeira e gera produtos como a celulose e o papel. Um resumo destas linhas é dado na Fig.
12.
Fig. 12. Vista geral sobre as linhas do processamento alcalino (em amarelo) da
madeira (em verde) e as matérias / produtos envolvidos (em azul).
Fonte:http://www.tappsa.co.za/archive3/Journal_papers/On_the_management_of_od
our/on_the_management_of_odour.html
22
Armin Isenmann
Fig. 13.
Processos Industriais
Esquema funcional de uma fábrica de celulose.
Em geral, os processos de digestão fornecem as fibras da celulose, enquanto grande parte da
lignina e das hemiceluloses se solubiliza, recolhida e concentrada no chamado "licor negro"
(inglês: tall oil). No licor negro o polímero da lignina foi hidrolisado e partido em pequenos
fragmentos ou até monômeros. As pontes de éteres da lignina foram quebradas e os fenóis
livres, melhor falado os fenóxidos (por trabalhar em ambiente fortemente alcalino), se
solubilizam na fase aquosa.
O-
OH
H3CO
H3CO
SH-
+ HOR + ArOH
RO
OH
Ar
S
OH
O
Fig. 14. Reação abstraída, da dissolução da lignina em lixívia de sulfeto alcalina
(processo Kraft).
Existem poucos usos economicamente viáveis para o licor negro, portanto é geralmente
secado na fábrica de celulose (cap. 2.7.3) e usado como combustível (cap. 2.7.5) para geração
de vapor ou energia em turbinas. Sua destilação fracionada, por outro lado, é difícil devido à
alta tendência de polimerizar. Assim, o equipamento é coberto, após pouco tempo de
operação, por uma resina pegajosa. Pequenas partes do licor negro, porém, são processadas
para:
Resina de colifônio, melhor conhecida como breu (uso: indústria de borracha, colas e
tintas de impressão; além disso, é valorizado pelos violinistas e ginastas).
23
Armin Isenmann
Processos Industriais
Ácidos graxos
Óleos de terpentina.
Todavia, processos que têm a finalidade de recuperar a lignina pura e sem notável
decomposição estão em desenvolvimento, mas por enquanto não são econômicos.
A digestão química da madeira ocorre principalmente por dois processos, a serem discutidos a
seguir.
Fig. 15.
Produção e uso da celulose
2.6.1 O processo Kraft
O processo mais importante para a obtenção da polpa da madeira é o processo Kraft, também
conhecido como processo de sulfato. Especialmente madeiras de alta resina (abetos,
coníferas), mas também plantas de crescimento de um ano (ainda em fase experimental),
podem ser processadas por este método. O tempo do ciclo de digestão é especialmente curto e
o consumo da água de processo (isto é, a carga de poluição do lençol aquático) é
relativamente baixa: em fábricas modernas calculam-se 12 a 15 m³ de água a cada tonelada de
celulose produzida.
Mundialmente são produzidos cerca de 80% da celulose por este processo.
Desvantagens:
A grande desvantagem é a alta poluição odora: os processos de purificação dos gases de
escapamento são complexos e de alto custo. Também podemos admitir que a eficácia do
processo Kraft, em termos de rendimento sobre as matérias-primas, fica abaixo do processo
de sulfito. Também nota-se uma coloração mais escura (bege a marrom) da celulose que sai
do processo Kraft. Portanto, essa requer de mais esforços nas etapas subsequentes do
branqueamento.
Descrição do processo:
A madeira é picada e os cavacos são levados a um tanque de 50 m³ (ver Fig. 6). Lá é tratada
com uma solução de soda cáustica, sulfeto de sódio e carbonato de sódio, enquanto o pH fica
entre 10 e 14. As ligninas e hemiceluloses solubilizam-se em grande parte. Parte do Na2S é
consumida nesta etapa, portanto deve ser reposta. Isto geralmente é feita em forma de sulfato
de sódio, Na2SO4, que, devido às condições redutoras do processo, transforma-se logo em
sulfeto de sódio que pode ser visto como sendo o agente principal da digestão. A celulose
24
Armin Isenmann
Processos Industriais
produzida pelo processo Kraft (do alemão: força) é especialmente forte, suas fibras se
destacam por um alto módulo de tensão.
Condições típicas deste processo:
Temperatura 150 a 180 °C
Pressão
8 a 10 atm
Tempo:
3 a 6 horas.
O processo Kraft pode ser conduzido de forma contínua ou descontínua (inglês: batch). O
mais importante é o processo contínuo, conforme ilustrado na Fig. 16. As lascas de madeira
são fornecidas ao pré-digestor onde são inchados por vapor d´água a cerca de 2 atm. De lá são
levadas, junto à mistura da lixívia virgem, à cabeça do digestor principal. Este tem 90 °C na
cabeça e até 180 °C no meio. As lascas atravessam lentamente este digestor. Enquanto disso,
parte da lixívia do processo deve ser refluxada externamente. No fundo do digestor a lixívia é
separada mecanicamente das fibras da celulose. A lixívia carregada com o licor negro é
levada à estação de recuperação, enquanto as fibras da celulose são submetidas ao próximo
tratamento que será a lavagem (em várias etapas) e o branqueamento.
(a)
25
Armin Isenmann
Processos Industriais
(b)
Fig. 16. Produção da celulose pelo processo Kraft em operação contínua:
a) Fluxograma do processo da digestão;
b) Esquema indicando o fluxo das matérias.
A parte da recuperação do licor de digestão é discutida em detalhe no cap. 2.7, na p. 30.
2.6.2 O processo de sulfito
O segundo mais importante processo de polpamento da madeira, historicamente o primeiro
(1866), é o processo de sulfito. Em um digestor de até 400 m³ (feito de aço especial, resistente
à pressão e oxidação química) as lascas de madeira são tratadas com bissulfitos (Ca(HSO3)2) e
um excesso de ácido sulfuroso (H2SO3). Mais recentemente usam-se também os bissulfitos de
magnésio e de amônio, com a finalidade de amenizar as condições agressivas.
Nesta etapa a lignina torna-se solúvel, em forma de ácidos sulfônicos da lignina. O pH é um
parâmetro bastante flexível neste processo e pode ser ajustado, desde ácido até fortemente
alcalino. Em ambientes ácidos ocorre também a hidrólise das hemiceluloses e o produto
sólido é uma celulose bastante pura.
26
Armin Isenmann
Processos Industriais
CHO
CH 2
CH
H
C
SO 3- Na+
CH 3
O
CH 3
O
OH
Vanilina
OH
Fig. 17. Esquema simplificado do sulfonato da lignina (= solúvel na água), produzido
pelo processo de sulfito. Um dos possíveis produtos a partir deste licor é a vanilina,
substância valorizada como aromatizante.
Condições típicas deste processo:
Temperatura 140 °C
Pressão
até 8 atm
Tempo:
10 horas.
O tempo de digestão é então aproximadamente o dobro do processo Kraft. A vantagem do
processo sulfito é a baixa carga odora, ou seja, baixa taxa de produção de compostos voláteis
de enxofre.
A desvantagem principal do processo sulfito é que madeiras ricas em resina mostram-se
bastante resistente à digestão. Outra é a geração de grandes volumes de águas poluídas.
O produto acoplado, em analogia ao processo Kraft, é um licor, desta vez conhecido como
"lixívia de sulfito". O destino geral deste é a incineração, após a concentração e secagem, e
geração de energia para os demais processos da fábrica de celulose. Pequena parte é usada
para isolar os sulfonatos da lignina (ver Fig. 17), os fenóis ou produzir vanilina. Pesquisas
atuais visam o aproveitamento do alto teor em açúcares na lixívia de sulfito, transformando-a
em etanol via processos fermentativos.
27
Armin Isenmann
Fig. 18.
Processos Industriais
Diagrama operacional do processo sulfito.
2.6.3 Outros processos de extração da celulose.
Processo de soda cáustica:
A madeira picada é submetida por poucas horas, à soda cáustica de 6 a 8%, a uma pressão de
4 a 8 atm. Resulta uma celulose alcalinizada e, infelizmente, um grande volume de água
servida. Outra desvantagem: a soda cáustica somente pode ser usada uma vez, sua
recuperação não é economicamente viável. Processo caro e ultrapassado.
Processo de Pomillo:
É um processo que foi desenvolvido especialmente para cana, feno e os talos finos de cereais.
As matérias-primas são digeridas em soda cáustica diluída e depois tratadas com cloro livre,
num processo oxidante. No final extrai-se a fibra branqueada, através de uma soda cáustica
mais concentrada.
Digestão com ácido nítrico:
É principalmente aplicada em madeira de faia e fornece uma celulose de alta qualidade. Em
primeira etapa a madeira é tratada com HNO3 14%, a 50 °C. Esse tratamento é prosseguido
até a lignina ser completamente oxidada. Depois a concentração do ácido nítrico é abaixada
por diluição com água a 100 °C, a menos de 1%. A celulose, no entanto, não é atacada
significativamente durante o cozimento de 7 horas.
28
Armin Isenmann
Processos Industriais
Depois, a lignina oxidada deve ser removida, por cozimento em NaOH diluído. Após a
separação do licor negro a celulose pode ser tratada igual aos demais processos, descritos
acima.
Processos "Organossolv"
Processos a base de solventes orgânicos são mais recentes e ainda em desenvolvimento.
Incluem solventes iônicos, isto são sais cujos cátions (orgânicos) são bastante amplos. Isso
gera dificuldade na cristalização, ou seja, os pontos de solidificação destes sais ficam bastante
baixos - no extremo são líquidos até a temperatura ambiente. As vantagens, além do seu alto
poder de solução de materiais polares, são sua baixa volatilidade e sua inércia química. Isso
permite seu uso em processos de destilação e o reaproveitamento em ciclos fechados.
Fig. 19. Alguns líquidos iônicos, solventes avançados que podem ser construídos para
processos específicos (tayloring solvents, designer solvents).
Ecologicamente corretos são especialmente aqueles solventes que se produzem a partir de
açúcares, tais como a fructose (ver S. T. Handy, M. Okello, G. Dickenson, Org. Lett., 2003, 5,
2513-2515).
Informe-se das aplicações destes novos solventes no artigo de revisão: P. Wasserscheid, W.
Keim, Angew. Chem. Int. Ed. 2000, 39, 3772.
29
Armin Isenmann
Processos Industriais
2.7
Recuperação de químicos - uma máxima na indústria
moderna.
Mostrado no ciclo de recuperação do processo Kraft 1.
Sem dúvida alguma, o processo Kraft é de longe o mais importante processo para obtenção da
celulose, matéria prima da fiação e do papel e de suma importância econômica brasileira. Mas
isso não seja o único objetivo para discutir a parte da recuperação do processo Kraft. Mais
essencial ainda é destacar a necessidade da recuperação de recursos químicos em qualquer
indústria com transformações químicas. A recuperação da lixívia de digestão da madeira é um
ótimo exemplo onde os reagentes químicos agressivos do processo da polpação da madeira
são mantidos em um ciclo fechado, minimizando assim o impacto ambiental.
Tendo como base este enfoque, a otimização da recuperação de produtos químicos, da matriz
energética e da geração de energia e vapor baseada na queima de resíduos do processo é um
fator crucial para o bom funcionamento da fábrica de celulose. Aspectos como
Auto-suficiência energética,
Eliminação de resíduos,
Minimizar a poluição atmosférica, a carga nas águas servidas e a quantidade de
resíduos sólidos inutilizáveis nos aterros industriais,
Reutilização eficiente de químicos do processo e
Otimização de custos da matriz energética,
podem conferir às empresas diferenciais de custo, competitividade no mercado e garantia de
operação.
2.7.1
O Ciclo de Recuperação de Químicos Kraft
Este capítulo não tem por objetivo esgotar todos os processos e detalhes do ciclo de
recuperação Kraft. Pretende-se apresentar de forma sucinta e objetiva as principais variáveis
de cada processo para que o aluno possa se familiarizar com o ciclo de recuperação Kraft. Na
Fig. 20 pode-se obter uma impressão do ciclo de recuperação Kraft convencional, cujas etapas
principais e os materiais envolvidos sejam apresentados a seguir.
1
A seção 2.7 foi elaborada baseando-se em um texto de Júlio César Tôrres Ribeiro; com permissão da
CENIBRA S.A., Belo Oriente, MG.
Literatura recomendada: R. P. Green, R. Hough, Chemical Recovery in Alkaline Pulping Processes. 3. ed.
Atlanta: TAPPI Press, 1992.
30
Armin Isenmann
Fig. 20.
Processos Industriais
Vista geral do ciclo de recuperação do licor de digestão da madeira.
2.7.2 Subproduto do digestor: o licor negro diluído
O cozimento da madeira é realizado em um equipamento denominado digestor. O digestor é
um vaso de pressão no qual são alimentados cavacos, licor branco e vapor. O licor branco é o
agente químico que reage com a lignina propiciando a separação das fibras de celulose dos
demais compostos orgânicos da madeira que são dissolvidos. Como a lignina é o principal
composto a ser separado, esta etapa é também chamada de deslignificação. Na Fig. 21 pode-se
visualizar um fluxograma da área de cozimento e lavagem.
31
Armin Isenmann
Fig. 21.
Processos Industriais
Fluxograma simplificado cozimento e lavagem. Fonte : Cenibra
O tempo de retenção no digestor é determinado pelo ritmo de produção, sendo que
normalmente a metade do tempo corresponde às etapas de impregnação dos cavacos e
cozimento. O restante do tempo corresponde ao que se chama de lavagem contra corrente ou
high heat. Dentro do digestor a massa formada pelo licor de cozimento e cavaco passa por
três zonas. A primeira é a zona de cozimento que possui peneiras destinadas à extração do
licor e envio do mesmo a um trocador de calor, onde será aquecido com vapor, retornando
após, ao local de onde foi extraído. Este licor, que foi extraído pelas peneiras de cozimento, é
misturado com licor branco na tubulação antes da chegada ao aquecedor. A segunda zona
possui peneiras de homogeneização, que têm o mesmo propósito das peneiras de cozimento.
A última zona possui peneiras de extração, que retiram o licor e o conduzem para ciclones de
expansão, onde será expandido e enviado para os centrifilters, que são utilizados para filtrar o
licor e recuperar fibras. Este licor filtrado, denominado licor negro fraco, será enviado à
evaporação para recuperação dos químicos. No fundo do digestor a massa é misturada ao licor
negro fraco, originado nos difusores, sendo descarregada no difusor pela própria pressão
interna. Como o fluxo da descarga é pré-estabelecido, o licor excedente à manutenção da
consistência da polpa sobe em sentido contrário ao da massa, arrastando o álcali nela contido,
juntando-se ao licor de cozimento já inativo que acompanhava a sua descida, sendo extraído
em contracorrente.
Apesar da lavagem em contracorrente na metade inferior do digestor, a massa descarregada
ainda necessita de lavagem para retirada da soda e lignina dissolvida. O segundo estágio de
lavagem normalmente é feito em difusores utilizando o licor negro diluído originário da etapa
de depuração marrom. O sistema opera completamente fechado, isolado do ar, minimizando a
32
Armin Isenmann
Processos Industriais
formação de espuma, diminuindo contaminações e possibilitando alta eficiência na
reutilização do licor negro diluído extraído do mesmo.
O licor enviado para a evaporação normalmente encontra-se com teor de sólidos entre 14 e
20%, e é constituído de orgânicos dissolvidos (60 a 70%) provenientes da madeira e de
inorgânicos originados do licor de cozimento (30 a 40%).
2.7.3 Evaporação e concentração do licor negro
A evaporação, ou concentração, do licor negro é realizada em evaporadores de múltiplo efeito
utilizando vapor de baixa pressão proveniente das extrações de uma turbina. Uma planta de
evaporação moderna normalmente consiste de 6 efeitos com uma economia de
aproximadamente 5 t de água evaporada por t de vapor utilizado. Os concentradores e/ou
evaporadores são do tipo casco/tubo ou placas dependendo da tecnologia empregada por cada
fabricante. O evaporado gerado em cada efeito é condensado no efeito seguinte através da
troca de calor com o licor alimentado naquele efeito, com o último efeito sendo condensado
em um condensador barométrico. A pressão decresce progressivamente até atingir vácuo de
aproximadamente 640 mm Hg no condensador.
É muito comum a ocorrência de corrosão em evaporadores e concentradores devido à grande
alcalinidade do licor, especialmente nos efeitos mais concentrados. Desta maneira torna-se
essencial a melhoria dos materiais empregados em sua fabricação.
Um dos aspectos que diminui a performance de uma planta de evaporação é a formação de
depósitos nos concentradores de licor, especialmente nos últimos efeitos, que trabalham com
o licor mais concentrado. Este mecanismo já é bem conhecido e está relacionado com o limite
de solubilidade do licor negro e de sua composição. Práticas operacionais e de limpeza são
adotadas de forma a prevenir grandes perdas devido a estas incrustações.
Os subprodutos nesta etapa de concentração são principalmente gases que podem ser
classificados como
SOG (Stripper Off-Gases), que são os gases separados numa coluna de lavagem de
gases, que geralmente são ricos em gases condensáveis (tais como alcoóis).
GNC (Gases combustíveis Não Condensáveis). Esta mistura de gases é rica em
compostos TRS (Total Reduced Sulfur, ver nota de rodapé 2 na p. 42). Note que o
GNC também contém metanol embora este seja um gás que se liquefaz com
facilidade. Esses gases são enviados para uma caldeira aparte onde são queimados (=
oxidados), resultando em compostos com menor impacto ambiental.
Uma planta típica de evaporação é apresentada na Fig. 22.
33
Armin Isenmann
Fig. 22.
Processos Industriais
Fluxograma simplificado da evaporação. Fonte: Cenibra
Os principais objetivos da evaporação do licor negro são listados abaixo:
a) Utilizar eficientemente a energia requerida para evaporação, sendo que uma planta
típica de evaporação consome até 25% da energia total de uma planta de celulose
Kraft.
b) Separar eficientemente o vapor d'água formado durante a evaporação, fornecendo um
produto com alto poder calorífico e altas concentrações de inorgânicos.
c) Separar os óleos terpênicos, que além de grande valor econômico, podem gerar
incrustações e espuma. Esses óleos são componentes de madeiras de coníferas, não
sendo encontrado em folhosas.
d) Concentrar o licor negro fraco para concentrações superiores a 64% para possibilitar
sua queima na caldeira de recuperação, sendo que quanto maior a concentração mais
eficiente é o processo de queima.
2.7.4 Composição do licor negro
O licor negro (inglês: tall oil) proveniente da depuração e lavagem da polpa é composto
basicamente de compostos orgânicos complexos e inorgânicos dissolvidos em um meio
aquoso alcalino e sua composição química depende do tipo de madeira e das condições de
cozimento. As propriedades físicas do licor negro estão diretamente relacionadas à sua
composição química, à concentração de sólidos, ao teor de inorgânicos e à temperatura.
34
Armin Isenmann
50%
Processos Industriais
CAVACO
CELULOSE
50%
LICOR
NEGRO
Substância
dissolvida da madeira
(Lignina, celulose, etc.)
Fig. 23.
Reagentes químicos
Inorgânicos
Composição do licor negro forte
O termo “licor negro fraco” refere-se ao licor recebido da depuração e lavagem da polpa,
sendo que usualmente sua concentração encontra-se na faixa de 14 a 20% de sólidos. Após
concentrado em evaporadores de múltiplos efeitos este licor pode ter sua concentração
aumentada até 80% nos sistemas mais modernos, sendo que 72% é uma concentração bastante
usual nos dias de hoje. A este licor concentrado, que posteriormente será queimado na
caldeira de recuperação, dá-se o nome de “licor negro forte”, que tem no caso da Cenibra
(Belo Oriente) em torno de 70% de sólidos e fica altamente viscoso.
A composição típica de um licor negro é apresentada na Tab. 1.
Tab. 1.
Composição típica do licor negro.
As propriedades do licor negro, importantes para o processo de evaporação e também na sua
injeção e queima na caldeira de recuperação, são (em parênteses valores de orientação):
Densidade (1,8 g/ml)
Viscosidade (80 a 150 cP a 100 °C; isso corresponde à viscosidade de mel),
Elevação do ponto de ebulição (120 °C),
35
Armin Isenmann
Processos Industriais
Teor de sólidos (70%)
Calor específico (0,65 cal.g-1.K-1) e
Poder calorífico (3200 kcal/kg da base seca).
A queima do licor negro forte na caldeira de recuperação libera calor. O poder calorífico
superior (PCS) é a medida da quantidade de calor liberada. Valores típicos de PCS do licor
negro variam na faixa de 3000 a 3600 kcal/kg de sólidos secos. Os componentes orgânicos e o
enxofre com baixo NOX contido no licor negro contribuem para o aumento do poder
calorífico. Outros inorgânicos, inclusive o Na2SO4 adicionado ao licor para compensar o
enxofre perdido pelos voláteis, agem como diluentes e diminuem o poder calorífico.
O poder calorífico de alguns constituintes do licor negro é apresentado na Tab. 2.
Tab. 2.
Poder calorífico superior de constituintes do licor
Componente
PCS (kcal/kg)
Lignina de coníferas
6.450
Lignina de folhosas
6.000
Carboidratos
3.240
Resinas, ácidos graxos
9.000
Sulfeto de sódio
3.080
Tiossulfato de sódio
1.380
2.7.5 Caldeira de Recuperação
A caldeira de recuperação química é um gerador de vapor que utiliza o licor negro
concentrado proveniente da evaporação como combustível e cumpre três papéis de extrema
importância no ciclo de recuperação, sendo eles:
a) exercer o papel de um reator químico para produzir carbonato de sódio e sulfeto de
sódio;
b) destruir a matéria orgânica dissolvida eliminando o problema de descarga deste
material no meio ambiente; e
c) gerar vapor e energia a partir da queima do licor negro.
Os objetivos de uma caldeira de recuperação são esquematizados na Fig. 24.
36
Armin Isenmann
Processos Industriais
VAPOR
AR (O2)
Caldeira
CALOR (energia)
de
recuperação
Lama
Na2S
LICOR
SMELT
NEGRO
Na2CO3
LICOR
VERDE
TRANSFORMAÇÃO
CO2 e H2O
MATÉRIA ORGÂNICA
Fig. 24.
Objetivos da caldeira de recuperação.
A geração de vapor e energia é um objetivo secundário da caldeira de recuperação. Caso a
caldeira de recuperação seja o ponto de restrição de produção é comum prejudicar-se a
eficiência da geração de vapor em detrimento do aumento do potencial de queima de licor.
No passado, a caldeira de recuperação era uma das maiores fontes de poluição de uma fábrica
de celulose. Com as crescentes pressões ambientais, necessidade de aumento de eficiência dos
processos e desenvolvimento de novas tecnologias, ela se tornou um processo extremamente
eficiente no tocante a emissões atmosféricas e geração de resíduos.
A próxima figura mostra o fluxo das matérias (sólidas, líquidas e gasosas) onde a caldeira de
recuperação tem um papel central.
DIGESTOR
FORNO DE CAL
VAPOR
CAVACOS
ÁGUA DE
LAVAGEM
LAMA
DE CAL
CELULOSE
LICOR
BRANCO
LICOR PRETO
FRACO
CAL
CAUSTIFICAÇÃO
LICOR
VERDE
LICOR PRETO
FORTE
EVAPORAÇÃO
CALDEIRA DE
RECUPERAÇÃO
Fig. 25.
Fluxograma da recuperação do licor negro.
37
Armin Isenmann
Processos Industriais
Na Fig. 26 é apresentado um esquema de uma caldeira de recuperação onde são mostrados os
seus principais componentes.
Gases chaminé
Alimentação
Tambor
de vapor
Vapor para
processo
Parede de
água
Ventilador
Tiragem
induzida
Super aquecedores
Economizador
Tambor
de água e purga
Precipitador
Eletrostático
Nariz
Forno
Ventilador
Tiragem
forçado
Aquecedor
de ar a vapor
Ar terciário
Licor concentrado
Makeup sulfato
Tanque
de
mistura
Bico
Aquecedor
licor
Vapor de
aquecimento
direto
Fig. 26.
Ar secundário
Ar primário
Smelt para tanque
de dissolução
Caldeira de recuperação - Principais partes
O licor para queima é injetado através dos bicos de licor
localizados em aberturas nas paredes da fornalha, que é
formada de tubos e também faz parte do circuito de geração de
vapor. O licor acumula-se no fundo da fornalha formando o
que se chama de “camada”, região onde existe deficiência de ar
para queima proporcionando uma atmosfera redutora que irá
propiciar a redução do sulfato de sódio a sulfeto de sódio. A
eficiência de redução é um dos parâmetros mais importantes de
operação da caldeira de recuperação, visto que o sulfato de
sódio não tem ação no cozimento da madeira e o sulfeto de
sódio é um agente ativo de cozimento. Após queimado, o licor
negro dá origem a um fundido, também conhecido por licor
verde ou smelt, que escorre através das bicas de smelt em
direção ao tanque dissolvedor. O licor verde é rico em
carbonato e sulfeto de sódio e é encaminhado ao processo de
caustificação.
Tal como os bicos de licor, as aberturas para o ar de combustão estão localizadas nas paredes
da fornalha. Normalmente o ar é inserido em pelo menos três níveis proporcionando 3 regiões
38
Armin Isenmann
Processos Industriais
diferenciadas de queima ao longo da fornalha conforme detalhado na Fig. 27. As funções de
cada nível de inserção de ar podem ser resumidas como abaixo:
Ar primário – localizado na zona de redução.
a) queimar os sólidos que caem sobre a camada;
b) fornecer, através da combustão da matéria orgânica, o calor necessário para promover a
redução do sulfato para o sulfeto, uma reação equilibrável de caráter endotérmico;
c) ajustar a forma e configuração da camada para obtenção de uma boa eficiência de
redução;
Ar secundário – localizado na zona de secagem.
a) completar a combustão do licor e dos gases voláteis;
b) admitido em alta pressão e velocidade, para homogeneizar os gases voláteis e sustentar
sua combustão;
c) auxiliar na secagem do licor.
Ar terciário – localizado na zona de oxidação.
a) completar a combustão dos gases; e
b) realizar a selagem na região da fornalha para reduzir as emissões de material
particulado.
Os gases quentes resultantes da queima do licor são retirados da caldeira com o auxílio de um
ventilador de tiragem induzida. No trajeto de saída dos gases há grande troca térmica nos
superaquecedores, cortina d’água, bancada e economizadores. Normalmente os gases de
combustão estão na faixa de 450 a 550 °C na saída da fornalha. Seu calor pode ainda ser
aproveitado através de trocadores de calor, antes de serem descartados na chaminé a uma
temperatura média de 170 °C.
39
Armin Isenmann
Processos Industriais
A
Fornalha
Licor
negro
Zona onde ocorre a
secagem do licor e
volatilização dos leves.
C
Zona de redução:
B
Fica no fundo onde é formado o
leito e ocorre a redução do
sulfato a sulfeto.
A
C
B
Fig. 27.
Zona de secagem:
Zona de oxidação:
Zona superior onde há uma alta
turbulência a fim de promover
uma combustão completa.
Zonas de reação na fornalha de uma caldeira de recuperação.
A água faz o caminho inverso, sendo alimentada nos economizadores, aproveitando o calor
residual dos gases e chegando ao balão de água/vapor em uma temperatura abaixo do ponto
de saturação àquela pressão. Inicia-se, então, um processo de circulação natural devido a
diferença de densidade proporcionada pelas diferenças de temperatura da água entre os
diversos pontos da caldeira. A água desce pelas paredes da fornalha e retorna ao balão de
água/vapor, e posteriormente, já na forma de vapor saturado, é encaminhado aos
superaquecedores, onde ocorre o superaquecimento para a temperatura e pressão desejadas.
Aspersão de licor e a formação das gotículas na caldeira de recuperação
A aspersão do licor negro na caldeira é feita através dos bicos de licor, cujo projeto varia de
fabricante para fabricante, e, muitas vezes, são desenvolvidos especialmente para determinado
tipo de licor ou caldeira. O objetivo do projeto do bico de licor é proporcionar uma
distribuição uniforme do fluxo circular em uma superfície plana. A geometria deste leque de
licor irá determinar o tamanho e a trajetória das gotículas até a camada.
40
Armin Isenmann
Processos Industriais
Fig. 28. Esquema de alguns bicos de aspersão do licor negro forte: bico cônico que
contém uma placa ranhurada inserida inteiramente ao bico (em cima); bico com
abertura em forma de fenda (no meio); bico com placa defletora (45º em relação ao
jato) na sua saída (em baixo).
O controle do tamanho de gota na aspersão do licor é de grande importância para uma
operação eficiente. Na condição ideal a gota de licor deveria atingir a camada enquanto ainda
estivesse queimando. Gotas muito pequenas vão promover uma rápida secagem, porém as
partículas serão facilmente arrastadas pelos gases. Gotas muito grandes poderão cair úmidas
na camada, podendo causar forte esfriamento, resultando na perda de combustão e
apagamento, além de prejudicar o processo de redução na camada. Ainda tem-se a situação
em que a gota atinge a camada já como smelt, o que indica que a mesma ainda está pequena.
O tamanho e distribuição das gotas de licor também dependem de outros fatores e
características do licor, tais como a pressão de injeção, a viscosidade e densidade do licor, a
temperatura para queima e o teor de sólidos.
Queima do licor negro
Embora a queima do licor negro tenha paralelas com a queima de muitos combustíveis
fósseis, a química do processo é mais complexa devido à função de recuperação química. Em
adição ao carbono, oxigênio e hidrogênio que são comuns nos combustíveis fósseis, o licor
negro contém quantidades substanciais de álcali (sódio e potássio) e enxofre. Os produtos da
combustão não são apenas dióxido de carbono e água, mas também os químicos do cozimento
que são recuperados, carbonato e sulfeto de sódio. Reações químicas importantes incluem a
redução do sulfato, formação de fumos e reações de liberação e captura de enxofre livre. Em
uma caldeira de recuperação, a queima do licor negro envolve a reação dos sólidos do licor
41
Armin Isenmann
Processos Industriais
com o oxigênio do ar de combustão para a formação de gases combustíveis e smelt (= matéria
prima para o "licor verde"; ver p. 47).
A queima do licor na fornalha pode ser dividida em 4 tipos de reação térmica, sendo elas a
pirólise, queima de voláteis, queima na camada e oxidação de inorgânicos.
a) Pirólise: a pirólise é uma série de reações de degradação irreversíveis que os sólidos
contidos no licor negro sofrem na medida em que a temperatura é aumentada. As
reações de pirólise produzem um gás combustível rico em H2, CO, CH4, TRS 2, CO2,
H2O, outros hidrocarbonetos de alto peso molecular e compostos orgânicos e uma
camada rica em carbono reduzido. As reações da pirólise iniciam-se aproximadamente
a 200 °C, quando as gotículas de licor passam por um processo de inchamento e
inicia-se a liberação de gases voláteis. O inchamento das gotículas de licor é bastante
considerável (fator de expansão em volume de até 20 vezes) fazendo com que a
partícula resultante possua baixa densidade. Os resíduos sólidos da pirólise dão origem
à camada, que é rica em carbono fixo (20 a 25%) e inorgânicos (75 a 80%).
É importante ressaltar que as reações da pirólise ocorrem na ausência de oxigênio muito pelo contrário das reações de combustão (ver próximo item).
As principais reações da pirólise podem ser representadas por:
Na2S + CO2 + H2O → Na2CO3 + H2S
(1)
Na2O + CO2 → Na2CO3
(2)
CH4 + H2O → CO + 3H2
(Reação do "Gás de síntese") (3)
b) Queima de voláteis: a combustão dos gases originados na pirólise do licor é uma
reação relativamente rápida e homogênea que pode ser sintetizada como
Gases da pirólise (H2, CO, CH4, TRS) + O2→ CO2 + H2O + SO2 + energia
(4)
Os principais fatores requeridos para assegurar a combustão completa são o
fornecimento de ar suficiente, boa mistura entre o ar e os gases e temperaturas altas o
suficiente para que as reações se procedam, geralmente na faixa de 760 a 815 °C.
Essas reações, ao contrário das reações da pirólise (ver acima), são todas bastante
exotérmicas.
c) Queima da camada: a camada consiste de carbono e sais inorgânicos. Os inorgânicos
presentes na camada são essencialmente os mesmos presentes no smelt, ou seja,
carbonato, sulfato e sulfeto de sódio e os sais análogos de potássio.
A queima da camada consiste de duas etapas essenciais, sendo a primeira a oxidação
do carbono fixo para CO e CO2 para permitir a fusão do smelt, a segunda a redução
dos compostos de enxofre através do carbono e do monóxido de carbono. As
principais reações da queima na camada podem ser sintetizadas como abaixo:
2
TRS = Total Reduced Sulfur = porcentagem de enxofre com baixo NOX, em relação ao enxofre total. Estes
gases são os principais responsáveis pelo odor característica da fábrica de celulose. Os componentes principais
são metilmercaptano, CH3SH, sulfeto de hidrogênio, H2S, sulfeto de dimetila, CH3SCH3, e dissulfeto de
dimetila, CH3SSCH3.
42
Armin Isenmann
Processos Industriais
Reações do carbono fixo
.
C + ½ O2 → CO
(combustão incompleta)
(5)
C + O2 → CO2
(combustão completa)
(6)
C + CO2 ↔ 2 CO
(equilíbrio de Boudouard)
(7)
Reações de redução
C + ½ Na2SO4 → CO2 + ½ Na2S
(8)
C + ¼ Na2SO4 → CO + ¼ Na2S
(9)
C + Na2SO4 → Na2O + SO2 + CO
(10)
CO + ¼ Na2SO4 → CO2 + ¼ Na2S
(11)
CO + Na2SO4 → Na2O + SO2 + CO2
(12)
As reações predominantes pelas quais o carbono é consumido dentro da camada são as
reações com o sulfato presente no smelt (reações 8 a 12). O fator chave deste conceito é que a
redução do sulfato ocorre simultaneamente com a queima do carbono, e as reações entre
sulfato e carbono são mais rápidas que entre sulfeto e oxigênio (= reoxidação indesejada, ver
abaixo). Isto ocorre a temperaturas suficientemente altas, quando a reação de oxidação do
sulfeto é uma reação controlada pela transferência de massa.
Temperaturas na faixa de 980 a 1040 °C são adequadas para a ocorrência destas reações.
d) Oxidação de inorgânicos: são reações exotérmicas que ocorrem rapidamente quando a
camada é enfrentada a um excesso de oxigênio e à falta de carbono. A mais importante é a
oxidação do sulfeto a sulfato de sódio, exatamente o contrário do desejado:
Na2S + 2 O2 →Na2SO4 + 3.083 kcal/kg
(13)
O mecanismo de queima da gota de licor pode ser sumarizado conforme a Fig. 29.
43
Armin Isenmann
Fig. 29.
Processos Industriais
Mecanismo da queima de uma gotícula de licor negro.
As cinzas da caldeira de recuperação são periodicamente analisadas; elas têm na média a
composição indicada na Tab. 3.
Tab. 3.Composição ideal das cinzas da caldeira de recuperação (valores médios
mássicos):
K2SO4 Na2SO4 NaCl Na2CO3 pH sol.
%
%
%
%
a 5%
13
61
17
9
11
Rel. Molar
Rel. Molar
Cl/(Na + K) K/(Na + K)
0,20
0,10
Reações e composição dos fumos
Fumo, ou arraste de cinzas, é o nome dado às partículas muito finas produzidas pela
volatilização dos compostos do sódio na fornalha. Em pequenas partículas os sais de natureza
alcalina são carregados junto aos gases da combustão e chegam na parte superior da caldeira
onde podem reagir ou depositar-se nas superfícies metálicas mais frias. Elevar os sais de
sódio (e potássio) ao estado de vapor requer energia (= endotérmico). Portanto, a geração de
fumos tende a ser auto-limitante na ausência da fonte de calor. Comportamento análogo
mostram os sais de potássio que ainda são mais voláteis que os do sódio.
44
Armin Isenmann
Processos Industriais
Durante a pirólise do licor quantidades consideráveis de compostos de enxofre reduzido (=
"TRS"), são geradas. Parte deste TRS vaporiza na fornalha e deve ser oxidado a SO2 e
capturado para controle das emissões totais de TRS através dos gases da combustão. A
captura do SO2 é estabelecida pela presença de quantidade suficiente de álcali nos gases de
combustão, que é regulada prioritariamente pela temperatura na parte baixa da fornalha. À
medida que a temperatura aumenta ocorre maior volatilização, gerando maior concentração de
álcali nos gases. Desta maneira geram-se condições propícias para a captura do SO2, devido
ao aumento da concentração de partículas de Na2CO3, reação (15), resultando na formação de
Na2SO4.
2 NaOH + CO2 → Na2CO3 (arraste) + H2O
(14)
Na2CO3 + SO2 + ½ O2 → NaSO4 (arraste) + CO2
(15)
Infelizmente, a geração dos fumos acarreta também uma série de problemas cuja minimização
é um desafio constante aos engenheiros e ao material usado na fornalha. Sabe-se da
agressividade dos vapores de NaOH (Tfus = 318 °C; Teb = 1378 °C) que causam corrosão no
lado frio da fornalha. Os cloretos NaCl e KCl são igualmente bastante voláteis e
potencializam o poder corrosivo do hidróxido. Esta volatilidade dos cloretos é a explicação
pela qual as cinzas tendem a ser enriquecidas em cloreto e potássio (embora as porcentagens
de K+ e Cl- serem baixas em termos absolutos). Experiências têm mostrado que a proporção
destes elementos em depósitos e nas cinzas dos precipitadores pode ser de 2 a 3 vezes maior
que a proporção dos mesmos no licor para queima.
A formação de fumos possui então aspectos benéficos e problemáticos para uma caldeira de
recuperação. O principal benefício é a captura de gases de enxofre, diminuindo as emissões
totais de TRS e reduzindo o odor. O lado problemático está relacionado com a geração
excessiva e concentração de íons Cl- e K+ nos fumos, o que contribui fortemente para a
obstrução das passagens de gases e corrosão em geral. Maior detalhamento a este assunto será
o objeto da próxima seção.
Incrustações e a composição das cinzas
As incrustações nas tubulações de uma caldeira de recuperação têm sua origem nos gases da
combustão do licor na fornalha, onde sais de sódio e potássio (constituídos basicamente de
Na2CO3, Na2SO4, NaCl, KCl e K2SO4) incorporam-se ao fluxo ascendente de gases em
volumes maiores que os normais.
As cinzas aderidas aos tubos caracterizam-se pela presença de partículas fundidas, ou
parcialmente fundidas, cuja composição é predominantemente Na2SO4 e Na2CO3. A aparência
e a composição química do depósito indicam que tipo de mecanismo deu origem ao arraste.
Pode-se afirmar que elevados níveis de concentração de Na2CO3 nas cinzas são indicativos de
arraste. Outro fato bastante citado na literatura é a cor rosada ou avermelhada dos depósitos,
indicando a presença de enxofre reduzido nos depósitos.
Os principais fatores que propiciam o arraste são:
a) O arraste mecânico de gotículas não queimadas é fortemente influenciado pelo nível de
sobrecarga da caldeira, que provoca um aumento no volume de gases de combustão e,
consequentemente, na velocidade de ascensão e remoção destes gases.
b) A aspersão de um licor insuficientemente concentrado para queima é outro fator que
fortemente contribui para o arraste mecânico de gotículas, pois o excesso de água que
45
Armin Isenmann
Processos Industriais
é injetado na fornalha expande-se em vapor aumentando várias vezes em volume, e é
conduzido junto aos gases de combustão aumentando a velocidade do fluxo.
c) A deficiência na distribuição e na pressão do ar para combustão (especialmente o
terciário e/ou quaternário que são os responsáveis pela selagem da fornalha) é outro
fator determinante para a ocorrência do arraste mecânico de gotículas de licor.
d) Operação com temperaturas e pressões de licor inadequadas nos bicos aspersores.
e) A ocorrência de variações bruscas de queima de licor na caldeira também influencia no
arraste mecânico devido aos gradientes de pressão e às variações de vazão de gases
que ocorrem durante as mudanças.
A influência que cada um destes fatores exerce no arraste de cinzas e na formação de
depósitos depende de cada caso e, normalmente, vários fatores ocorrem simultaneamente,
sendo necessária a adoção de várias contramedidas que visam eliminar, ou pelo menos,
minimizar os seus efeitos.
Características incrustantes das cinzas
A composição química das cinzas (ver Tab. 3) pode contribuir negativamente na formação de
incrustações na parede externa dos tubos. Um mecanismo bastante conhecido na literatura é a
condensação dos vapores dos compostos inorgânicos que são arrastados junto com os gases
de combustão dando origem a cinzas bastante aderentes. K+ e Cl- em determinadas
concentrações e temperaturas geram uma fase líquida, aumentando a aderência das partículas
e tendo por conseqüência dificuldades na remoção dos depósitos e aceleração do processo
incrustante e de obstrução das passagens de gases da caldeira.
De um modo geral, os principais problemas causados pela alta concentração de cloreto e
potássio no ciclo de recuperação são as incrustações, a corrosão nas tubulações da caldeira,
bem como a recirculação constante destes inertes no processo.
Verificou-se também que a formação de depósitos nas tubulações depende da quantidade de
fase líquida presente nas cinzas e que esta quantidade de fase líquida por sua vez é dependente
da temperatura. Cinzas com porcentagem de fase líquida entre 15 e 70% incrustam nas
tubulações, causando problemas na troca de calor. Cinzas com menos de 15 ou mais de 70%
de fase líquida escoam pela tubulação, eliminando os problemas de deposição.
2.7.6 Caustificação e Calcinação
O processo de caustificação possui dois objetivos básicos e de essencial importância, que são
a produção do licor branco para o cozimento dentro das especificações requeridas para
o processo e
a lavagem da lama de cal gerada durante o processo de caustificação para propiciar a
sua requeima em um forno de cal.
Nesta etapa fecha-se o ciclo de recuperação, onde, a partir do licor negro fraco originado de
um cozimento anterior chega-se a um novo licor de cozimento. Na próxima figura visualizase o processo de caustificação e forno de cal.
46
Armin Isenmann
Fig. 30.
Processos Industriais
Fluxograma geral de caustificação e forno de cal. Fonte: Cenibra
2.7.7 O Licor verde
Originado da queima do licor negro forte na caldeira de recuperação, o licor verde escorre
pelas bicas do smelt em direção ao tanque dissolvedor. No tanque dissolvedor ocorre sua
diluição com o licor branco fraco originado da lavagem de lama dando origem ao que se
chama de licor verde bruto. O licor verde bruto é composto basicamente de carbonato e
sulfeto de sódio, sendo que outros sais também estão presentes em menores concentrações,
tais como sulfato, tiossulfato e cloreto de sódio. Neste licor não clarificado também se
encontra um componente indesejável ao processo chamado de dregs, que deve ser eliminado.
O dregs é composto basicamente de material carbonizado, sílica, sulfetos metálicos e outros
sais.
Para ser utilizado no processo de caustificação, o licor verde bruto tem que passar por um
processo de clarificação, que ocorre basicamente por sedimentação em clarificadores
tradicionais, ou através de filtros pressurizados em processos mais modernos. O dregs é então
removido nesta etapa e passa por um processo de lavagem para recuperação de álcali, sendo
então filtrado e descartado.
Após este processo de clarificação, tem-se o licor verde clarificado, que é um dos reagentes
do processo de caustificação.
47
Armin Isenmann
Processos Industriais
2.7.8 Preparo do licor branco (= "Caustificação")
O carbonato de sódio presente no licor verde é inativo no processo de cozimento, então cabe à
etapa de caustificação convertê-lo em hidróxido de sódio, principal agente de cozimento,
através da adição de cal virgem.
A preparação do licor branco inicia-se em um equipamento denominado extintor de cal. O
extintor de cal compreende um tanque com agitação e uma região de classificação que
consiste de uma calha inclinada com um raspador no fundo. Nele são alimentados o licor
verde, a cal virgem e água dando início às reações de caustificação. O licor branco bruto
transborda para a calha e segue por gravidade para os caustificadores, a próxima etapa do
processo. A cal não reagida e outras impurezas sedimentam no classificador e são então
removidas. A este resíduo dá-se o nome de grits.
Os caustificadores são tanques em série, usualmente em número de três, com agitação, onde a
reação de caustificação se completa.
A mistura licor branco e lama de cal é então bombeada para grandes tanques chamados de
clarificadores de licor branco, que operam em série, ou para filtros pressurizados nas fábricas
mais modernas. Nos clarificadores ocorre a clarificação do licor branco através da
sedimentação da lama de cal em um processo semelhante à clarificação do licor verde.
Normalmente o primeiro tanque funciona como clarificador e o segundo como estocagem do
licor branco para envio ao digestor.
A qualidade do licor branco depende de um controle eficiente da reação de caustificação,
onde se atinge os valores de álcali efetivo e sulfidez desejados, e da decantabilidade da lama.
Lama com boa decantabilidade irá proporcionar um licor com baixos valores de sólidos
suspensos (menos que 40 mg/l), o que é ideal para o cozimento. Para auxiliar no processo de
clarificação do licor verde ou branco, podem-se usar polímeros especiais que auxiliam na
decantação do dregs e da lama de cal.
A lama de cal proveniente da etapa de clarificação de licor branco é bombeada ao lavador de
lama de cal, onde se adiciona água para a lavagem por diluição com o objetivo de se recuperar
o máximo em soda cáustica (NaOH) antes da etapa de calcinação. Esta lavagem pode ser feita
em uma unidade de decantação, filtro pressurizado ou filtro com pré-camada a vácuo
dependendo das instalações de cada fábrica.
O filtrado desta etapa é conhecido como licor branco fraco e é enviado ao tanque dissolvedor
de fundido na caldeira de recuperação como elemento de diluição. Opcionalmente pode-se
primeiramente enviar a lama de cal proveniente da clarificação do licor branco a um ‘filtro
recuperador de licor’, normalmente a vácuo com pré-camada, onde parte do licor branco bruto
é recuperada como licor branco clarificado.
A lama de cal lavada é então bombeada ao misturador de lama e, posteriormente, a um filtro a
vácuo para lavagem final, desaguamento e alimentação ao forno de cal (ver cap. 2.7.9).
A química do processo é relativamente simples, ocorre em duas etapas e pode ser
representada da seguinte maneira:
CaO + H2O ↔ Ca(OH)2 + 270 kcal/kg CaO
Ca(OH)2 + Na2CO3 + Na2S ↔ 2 NaOH + Na2S + CaCO3↓
(16)
(17)
O óxido de cálcio (CaO) reage primeiramente com a água para formar hidróxido de cálcio
Ca(OH)2, liberando uma considerável quantidade de calor. Essa reação é conhecida como
48
Armin Isenmann
Processos Industriais
extinção da cal. O hidróxido de cálcio resultante reage então com o carbonato de sódio do
licor verde, gerando hidróxido de sódio e a lama de cal que se precipita. Esta reação é a
caustificação propriamente dita.
Apesar das reações serem apresentadas como reações distintas e independentes, na prática, há
uma superposição das mesmas e a caustificação ocorre ao mesmo tempo em que a extinção.
Sendo as reações reversíveis, todo o carbonato de sódio não pode ser transformado em
hidróxido de sódio, qualquer que seja a quantidade de cal adicionada. O grau de conversão
atingido, denominado Eficiência da Caustificação, é definido como a razão entre o peso do
hidróxido de sódio final pela soma dos pesos do hidróxido de sódio e do carbonato de sódio
iniciais, conforme a equação 18.
Eficiência de Caustificação = NaOH final / (NaOH + Na2CO3) inicial
(18)
A eficiência de caustificação depende da concentração de álcali e da sulfidez do licor branco
conforme pode-se verificar através da Fig. 31. Na prática procura-se operar com eficiências de
caustificação 5% abaixo do limite máximo estipulado na Fig. 31, com o objetivo de evitar a
geração excessiva de lama de cal (CaCO3) no extintor de cal. Uma conversão máxima é
desejável, pois o carbonato não convertido representa uma carga inerte no sistema e
necessidade adicional de soda cáustica. Por outro lado, o uso de licor mais fraco para obter
um maior grau de conversão significa um incremento de custos na evaporação.
Uma falta em cal neste processo da caustificação é conhecida com "under-liming", um
excesso de cal como "over-liming". Ambos os desvios são prejudiciais para a fábrica, portanto
a adição da cal é sujeito de controle permanente.
Fig. 31. Eficiência da caustificação em função do álcali total (determinado por
titulação).
49
Armin Isenmann
Processos Industriais
A explicação de menor eficiência na caustificação com um licor mais concentrado é que o
hidróxido de sódio na solução reduz progressivamente a solubilidade do hidróxido de cálcio,
até que não existam mais íons cálcio presentes que sejam suficientes para exceder o limite de
solubilidade do carbonato de cálcio (= reverso da reação 17).
Fig. 32. Esquema da recuperação da lixívia usada, separando as partes coloridas (da
lignina, principalmente) fonte: http://www.endersprocess.com/proc1.html
Molten smelt, a by-product of the Kraft pulping process for making paper, is dissolved in water to become green
liquor. Clarified green liquor is then reacted with lime in a slaker (called causticizing). This produces a fresh
pulping chemical cooking solution (white liquor) and lime mud or lime sludge. Lime mud or sludge is in turn
recalcined to lime or calcium oxide (CaO) by removal of carbon dioxide with heat. The result is fresh lime, ready
for use in the slaker.
The Enders' fluidized bed lime calciner is a two-stage fluidized bed reactor, in which the upper compartment is
the dryer and the lower compartment the calciner. Lime mud is pumped into the drying stage where it is dried
with hot gases flowing through the bed from the calcining stage and becomes part of the fluidized bed. Bed level
is maintained since it is continually being skimmed off the top (overflows to feed transfer piping and into
calciner stage).
Um exame rigoroso de todas as variáveis que afetam a concentração ótima do licor branco é
um estudo muito complexo, mas os efeitos das diferentes concentrações de licor sobre a
caustificação são facilmente avaliados.
2.7.9 Calcinação
A calcinação é basicamente o processo de conversão da lama de cal (inglês: lime slag) em cal
requeimada. Esta reação processa-se a elevadas temperaturas, acima de 800 °C, em fornos
rotativos, que funcionam como reatores e como dispositivo para transferência de calor. Os
fornos são equipamentos de grandes dimensões, com comprimentos que podem chegar a mais
50
Armin Isenmann
Processos Industriais
de 150 m e 5 m de diâmetro, a princípio idênticos aos fornos rotativos da indústria cimenteira
(compare o módulo "Cimento Portland" discutido nesta disciplina).
O processo compreende a filtragem da lama de cal, devidamente lavada, com o objetivo de se
atingir elevados teores de sólidos, geralmente acima de 70%. A lama de cal filtrada é então
encaminhada ao forno de cal com o objetivo de ser calcinada dando origem novamente à cal,
CaO.
A cal produzida possui impurezas e material não calcinado que podem chegar até 12% da
massa total. Este fato dá origem ao conceito de cal útil, que é o produto total da calcinação
menos a carga de inertes.
A conversão da lama de cal em cal requeimada é um importante passo para a produção do
licor branco de cozimento no processo Kraft e normalmente fornece mais de 95% das
necessidades de cal da fábrica. O make up pode ser realizado através da compra de cal ou
através da calcinação de calcário. Neste último caso tem-se a desvantagem de se necessitar
utilizar capacidade do forno. Normalmente os fornos utilizam óleo ou gás como combustível,
sendo que em algumas instalações, os gases não condensáveis provenientes da evaporação e
outros gases, como H2, são utilizados como combustíveis.
Podemos dividir o forno de cal tradicional em quatro regiões funcionais: secagem da lama de
cal, aquecimento, calcinação propriamente dita e resfriamento.
A secagem da lama pode ser realizada em secadores de lama, que são equipamentos
acessórios aos fornos e aproveitam o calor residual dos gases da combustão ou no interior do
próprio forno, logo nos primeiros metros. A lama é aquecida em contracorrente com os gases
da combustão e com a energia armazenada em correntes instaladas em seu interior. Os
secadores de lama conferem maior eficiência energética ao processo.
A segunda etapa consiste no aquecimento da lama de cal até a temperatura de calcinação,
quando se inicia a terceira etapa com a conversão do carbonato de cálcio em óxido de cálcio.
Na descarga do forno rotativo existe um arrefecedor para a cal queimada, aproveitando das
altas temperaturas do produto para pré-aquecer o ar de combustão deste forno.
O fluxograma de um sistema moderno de calcinação e recuperação da lama de cal, sendo uma
alternativa ao forno rotativo, é dado na Fig. 32.
51
Armin Isenmann
Fig. 33.
Processos Industriais
Perfil térmico ao longo do forno de calcinação da fábrica de celulose.
A reação química da calcinação neste forno é bastante simples:
426 kcal.kg-1 + CaCO3 → CaO + CO2
(19)
Os gases da combustão do forno de cal devem ser tratados por algum dispositivo de retenção
de material particulado antes do lançamento na atmosfera. Os limites máximos permitidos de
emissão de material particulado variam de país para país, de estado para estado, de cidade
para cidade e tendem a ser mais rígidos quão mais proximidade da fábrica a um agrupamento
populacional. Os filtros mais comumente usados são ciclones e, para remover as últimas
poeiras, filtros eletrostáticos.
52
Armin Isenmann
Processos Industriais
Eletrodo
Entrada
Arames
de
Saída
gás
de
gás
Partículas recuperadas
Eletrodo de Eletrodo de
captação
emissão
Alta tensão contínua
Fig. 34. Esquema de filtros de pó. Em cima e à esquerda: filtro eletrostático; à
direita: ciclone.
53
Armin Isenmann
2.8
Processos Industriais
Processamento e derivatização da celulose crua
Branqueamento das fibras de celulose
O descoramento da celulose crua é uma exigência da maioria dos aplicadores desta matériaprima, principalmente da indústria de papel branco.
De longe o reagente mais aplicado para o branqueamento é o cloro ou derivados inorgânicos
dele.
Quando a eletrólise de uma salmoura ("Eletrólise de cloro-álcali") é feita sem separação das
células por membranas, o cloro produzido no ânodo se une livremente com o NaOH que foi
produzido no cátodo (fora do H2 que escapa da célula de eletrólise). Ocorre um
desproporcionamento para o hipoclorito, NaClO. Este pode ser isolado e oxidado por O2, ao
clorato de sódio, NaClO3 (= matéria-prima para fósforos e fogos de artifícios). Várias milhões
de toneladas por ano do NaClO3 são tratadas com ácidos, fornecendo dióxido de cloro. Este é
considerado um branqueador superior ao cloro livre, no processo de branqueamento da
celulose, porque age apenas como oxidante e não como agente de cloração frente à celulose.
Atenção especial deve ser prestada a este reagente, pois torna-se altamente explosivo em
concentrações elevadas. Portanto, o ClO2 é, sempre que possível, produzido no local da sua
aplicação. Em casos excepcionais pode também ser aplicado o produto de
desproporcionamento do ClO2 em ambiente alcalino: o clorito de sódio, NaNO2.
2 ClO2 + 2 NaOH → NaClO2 + NaClO3 + H2O
O clorito puro se obtém na presença de água oxigenada:
2 ClO2 + 2 NaOH + H2O2 → 2 NaClO2 + O2 + 2 H2O
A acidificação do clorito de sódio libera então o gás ClO2. Embora ser mais seguro e até o
transporte do clorito de sódio seja possível sem perigo, a indústria de papel dá preferência ao
ClO2 "direto", por ser mais eficaz e mais barato.
Embora ser indesejável, a etapa do branqueamento quase sempre acarreta uma leve
degradação da celulose, isto é, a cadeia da macromolécula é picada em pedaços menores. Mas
a princípio o branqueamento é um beneficiamento da celulose crua sem interferir na sua
estrutura química. Diferente deste, as seguintes três operações realmente envolvem derivados
químicos da celulose, mas sem notavelmente destruir sua cadeia polimérica. Sejam apenas
apresentados os três derivados mais importantes, de um grande número de produtos:
celulose regenerada
ésteres da celulose
éteres da celulose.
Celulose regenerada
Como pode ser visto na Tab. 4, existem somente poucos solventes aprovados para a celulose
(Fonte de 2005).
54
Armin Isenmann
Tab. 4.
Processos Industriais
Solventes para a celulose
Categoria
Ácido
Solvente
> 52% H2SO4
Álcali
6% LiOH
6 a 9% NaOH
Cu(NH3)4(OH)2 [cuoxam]
Complexo
metálico, alcalino
Cu(en)2(OH)2 [cuen]
Xantato alcalino
Sal inorgânico
Solvente orgânico
Co(en)2(OH)2
Ni(NH3)6(OH)2
Cd(en)3(OH)2 [cadoxen]
Zn(en)3(OH)2
Fe/3(ác.tartárico)/3NaOH
[EWNN]
CS2 / NaOH
> 64% ZnCl2
> 50% Ca(SCN)2
Cl3CCHO/DMF
(CH2O)x/DMSO
N2O4/DMF, N2O4/DMSO
LiCl/DMAc, LiCl/DMI
SO2/amina/DMSO
Outros
H3CNH2/DMSO
CF3COOH [TFA]
Bu4N+F-.3H2O/DMSO
80% NMMO/H2O
NH4SCN / NH3 / H2O
N2H4 (hidrazina)
Comentários
sob hidrólise parcial
(= despolimerização da parte amorfa)
requer celulose pré-tratada
requer celulose pré-tratada
Rayon cupramônio, processo industrial
Solvente padrão para análise do grau de
polimerização.
Solução transparente
Pouco estável
Dissolve, processo viscose ou Rayon.
Dissolve sob aquecimento a 100 °C
Dissolve sob aquecimento a 100 °C
Dissolve, formando cloral hemi-acetais
em todas as hidroxilas.
Dissolve, formando polioximetileno
hemi-acetais.
Dissolve, formando ésteres nitrito em
todas as hidroxilas.
Solução estável; requer celulose prétratada
Solução instável; leva a uma celulose
altamente amorfa.
Forma-se um complexo solúvel
TFA-éster no C6; solvente volátil.
Dissolve somente DP < 650
Processo Lyocell
Formação de mesofases
Explosivo
Abreviações: en = etilenodiamina, DMF = N,N-dimetilformamida, DMSO = dimetilsulfóxido,
DMI = N,N-dimetilimidazolidinona, DMAc = N,N-dimetilacetamida, TFA = ácido
trifluoracético, Bu = butila, DP = grau de polimerização = número de unidades
monoméricas dentro do polímero
Solubilidade parcial se obtém com soda cáustica, como também veremos mais abaixo. O
processo da "mercerização" é um refino de fios de algodão (Mercer, 1850) que deixa a fibra
mais lisa e lustrosa - um pouco parecida à seda. Isso se deve ao ataque da superfície da macrofibra celulósica e uma soldagem dos pelinhos soltos dando um filme liso.
55
Armin Isenmann
Processos Industriais
As partes amorfas da celulose se solubilizam também em ácido sulfúrico meio concentrado e
em cloreto de zinco, quente e de alta concentração ("Vulcanized fibre", Thomas Taylor,
1859). O produto é um material cujas propriedades mecânicas podem ser ajustadas, desde o
couro até o marfim, é resistente frente óleos, ácidos e bases diluídos, dielétrico, pouco
inflamável - enfim, qualidades que lhe abrem um amplo espectro de aplicações. Mais
conhecidas são suas folhas finas ("pergaminho").
Porém, para a solubilidade total da celulose - uma exigência do tecelão - são necessários
condições e reagentes mais sofisticados. Ainda durante a transformação mecânica a estrutura
química da celulose é reformada (regenerada). A celulose assim regenerada também se
conhece como seda artificial (quando reprocessada por fiação) ou celofano (quando extrudada
em forma de filme).
Um dos mais antigos e até hoje mais aplicados processos de solubilização se baseia na
derivatização temporária da celulose formando o xantato. A grande vantagem deste processo
é que a matéria prima não precisa ser a celulose purificada, mas pode-se usar a própria
madeira (= ligno-celulose). No entanto, o alcance de uma solução suficientemente homogênea
requer um tratamento de vários dias!
Em primeira etapa a celulose é tratada com NaOH de alta concentração, com o objetivo de
torná-la parcialmente solúvel, em forma da celulose desprotonada. Em seguida essa celulose
alcalinizada é tratada com CS2, um solvente e reagente que tem um carbono eletrofílico e
pode ser atacado pelos grupos alcóxidos da celulose. Forma-se o xantato da celulose (ver Fig.
35), por sua vez solúvel em NaOH aquoso de 6% e então processável. Quando essa solução
altamente viscosa (daí vem a expressão "viscose", também conhecida como Rayon) passou
pela fieira ela é diretamente levada a um banho acidificado com H2SO4. Instantaneamente a
fibra da celulose se regenera, porém na conformação dirigida pelo tecelão. A finura deste fio e
seu alto módulo de tração são o resultado de um estiramento controlado do fio nesta fase de
regeneração. Essa deformação mecânica unidimensional faz com que as cadeias da celulose se
alinhem e são fixadas nesta nova posição, através das pontes de hidrogênio, típicas para a
celulose cristalina (ver Fig. 9 d, na p. 18). A delicadeza e ao mesmo tempo alta estabilidade
desta fibra trouxe o nome popular de "seda de viscose".
Também é possível derramar a viscose soluta no banho ácido sem passar pela fieira. Daí
forma-se um produto esponjoso, muito usado como pano de pia da cozinha. Caso a viscose
for apertada através de fendas, então se obtém uma folha transparente, o famoso "celofano".
Esse material é muito especial, pois é denso frente gases e transparente frente água! Sendo
assim, essas folhas podem ser usadas como embalagem para alimentos ou fármacos. Mais um
ponto importante: celofano é inteiramente biodegradável.
56
Armin Isenmann
Fig. 35.
Processos Industriais
Reações químicas acerca da celulose regenerada via processo de xantato.
Note que o processo de xantato é altamente poluente, pois libera durante a regeneração da
fibra quantidades notáveis de CS2 e H2S, ambos altamente tóxicos. Mostrou-se impraticável
otimizar o processo de forma que as emissões forem supressas a um nível aceitável. Portanto,
é um desafio contínuo achar novos processos para solubilizar a celulose, com o objetivo de
substituir o processo de xantato por métodos ecologicamente corretos.
Uma alternativa ao xantato, bastante branda e, portanto, usado como solvente padrão em
determinações do grau de polimerização da celulose, é o "reagente de Schweizer", uma
solução amoniacal de Cu2+. Forma-se o complexo [Cu(NH3)4]2+ (azul escuro) que consegue
ligar-se ao grupos hidroxilas da celulose, de maneira que impossibilita a formação de cristais,
portanto aumenta sua solubilidade. Mas os problemas ambientais acerca deste metal pesado,
que é um forte veneno para microorganismos quando chega nas águas servidas, é evidente.
Portanto, tentaram-se substituir o cobre por outro metal (Ni, Co, Zn, Fe) e a amônia por
ligantes complexantes melhores (etilenodiamina, por exemplo).
No início dos anos 1980 se conseguiu um avanço no sentido de baixa toxicidade com o
processo "Lyocell" que trabalha com um solvente orgânico especial, N-metilmorfolina-Nóxido monohidrato (NMMO), que por si é mais caro, mas não requer de um pré-tratamento da
celulose e é um processo simples e rápido. Sendo assim, é um dos poucos solventes
"verdadeiros" para a celulose 3.
H
O
Cel
O
O
N
N
Cel
OH
Celulose
+
O
NMMO
O
Complexo solúvel
3
H.P. Fink, P. Weigel, H.J. Purz, J. Ganster, Structure formation of regenerated cellulose materials from
NMMO-solutions, Progress in Polymer Science 26 (2001)1473-1524.
57
Armin Isenmann
Processos Industriais
Fig. 36. NMMO - um solvente verdadeiro para a celulose. Note que a interação com
a celulose é somente uma atração de dipolos, apoiado por uma ponte de hidrogênio.
O desenvolvimento mais recente é o tratamento da celulose só com soda cáustica. Um
aumento do poder deste solvente se conseguiu com a adição de uréia (= quebrador de pontes
de hidrogênio), por sua vez de baixa toxicidade. A combinação de 6% de NaOH e 4% de uréia
e uma temperatura abaixo de 0 °C (ideal: -15 °C) representa um sistema bastante brando e
eficaz para solubilizar a celulose na forma molecular, isto é, sem derivatizá-la 4. Igualmente
estudados são os sistemas com LiOH como base e tiouréia como apoio orgânico. A
solubilização geralmente é em torno de 65%, mas pode ser elevada a > 90% quando o grau de
polimerização da celulose (que naturalmente é em torno de 800 ou mais unidades
glicosídicas) é reduzido a aproximadamente 200. Isso pode ser feito numa etapa antes, de
preferência, por degradação enzimática, usando-se celulases (compare p. 85). Neste processo
a soda cáustica tem o papel de quebrar as pontes de hidrogênio inter e intramoleculares e a
uréia funciona como doador e aceitador e previne assim a reassociação da parte cristalina da
celulose.
No entanto, ao se tratar a celulose com uréia de concentrações mais altas, a formação de um
derivado intermediário, o carbamato, é mais provável. Este derivado é solúvel em ambiente
aquoso. Devido sua instabilidade em ambiente ácido a celulose pode ser facilmente
regenerada.
O
O
Cel
OH
+
+
H 2N
Celulose
NH 2
Uréia
Fig. 37.
Cel
O
NH3
NH 2
Carbamato da celulose
(solúvel)
Reação da celulose com uréia de alta concentração
Ésteres da celulose
A celulose pode ser facilmente esterificada, tanto com ácidos orgânicos quanto inorgânicos.
O derivado químico mais produzido a partir da celulose é o acetato da celulose (CA), um
material termoplástico importante dentro da família dos biopolímeros (ver p. 78). Já em 1919
este material foi usado, sob aditivação de plastificantes e corantes, para produzir cabos de
guarda-chuvas e ferramentas, teclados, volantes de carros, brinquedos, armações de óculos e
pequenos utensílios. O material maciço se destaca por ser termoplástico (temperatura de
processamento: 180 a 200 °C), enquanto à temperatura ambiente é duro e altamente resistente
ao impacto. Hoje o CA é mais usado para produzir fibras e têxteis. Os tecidos semelham
muito à seda e substituem tal, em grande escala. São fáceis de tratar e ressorvem
relativamente pouca água (até 6%). Roupas em geral, roupas íntimas e - principalmente filtros de cigarro, são os insumos mais produzidos a partir do CA.
4
Dissertação de Y. Wang, Cellulose fiber dissolution in sodium hydroxide solution at low temperature:
dissolution kinetics and solubility improvement, disponível em
https://smartech.gatech.edu/bitstream/handle/1853/26632/wang_ying_200812_phd.pdf
58
Armin Isenmann
Processos Industriais
Para se obter um CA termoplástico a celulose purificada é tratada com ácido acético glacial e
acetanidrido. O catalisador é ácido sulfúrico e o solvente geralmente diclorometano. Resulta
uma celulose totalmente acetilada, com grau de acetilação perto de 3. Esse "CA primário" em
seguida é parcialmente hidrolisado, ou seja, uma parte dos ésteres são reformados em grupos
hidroxilas. Na média permanecem 2 a 2,5 grupos de acetato por unidade glicosídica. Finaliza
o processo com a neutralização com bases, para parar a reação da hidrólise, e a remoção
destilativa do diclorometano. O motivo para este procedimento aparentemente paradoxo é a
solubilidade do CA em acetona - o que não é o caso no CA primário. Sendo assim, o CA pode
ser processado pelo tecelão, como solução viscosa em acetona - o que é uma clara vantagem
frente à celulose regenerada (ver acima).
Outros ésteres da celulose com ácidos orgânicos são propionato de celulose e acetobutirato da
celulose (esterificado com ácido acético e ácido butírico).
Com ácido nítrico se produz o nitrato da celulose (nome trivial, porém quimicamente errado:
"nitrocelulose"). Cada unidade monomérica da celulose tem três grupos hidroxilas, -OH, que
podem reagir para -O-NO2. Em dependência do grau de esterificação obtêm-se:
O material plástico de celulóide, antigamente muito usado na fotografia e na produção
de filmes de cinema; hoje ainda é componente em tintas e esmaltes (esmalte de unha,
por exemplo). Esse material tem um grau de nitração de apenas ~1 por unidade
monomérica. O plastificante usado até hoje é a cânfora (material das bolinhas de pingpong). Interessante é que este foi um dos primeiros materiais plásticos (1846), naquela
época usado para substituir o marfim na produção de bolas de sinuca. Devido ao alto
perigo de pegar fogo o celulóide foi substituído nas produções cinegráficas por
materiais mais seguros, principalmente pelo acetato da celulose, logo depois da 2a
guerra mundial.
Um explosivo usado em detonadores. Este material, altamente nitratado (fator de
nitração >2,6; correspondente a >13 %m/m de nitrogênio), tem também uma história
triste, pois as guerras ganharam novas dimensões com ele, já que não soltou fumaça,
como era o caso na pólvora tradicional. Sua força de detonação é de 147% do TNT.
59
Armin Isenmann
Processos Industriais
Fig. 38.
Produtos a partir do nitrato da celulose.
O uso mais avançado do celulóide são membranas com finalidades medicinais. Ésteres
mistos, com outros ácidos além do HNO3, fornecem materiais que são usados na produção de
pentes (baixa tendência de acumulação de carga estática), jóias e armações de óculos.
Excurso: Proposta de ensaio prático - produção do nitrato da celulose
1) Coloque 17 mL de HNO3 concentrado (fumegante) em um bequer e refrigere no
banho-maria com gelo. Despeje neste, gota a gota, 20 mL de H2SO4 concentrado.
Cuidado: a mistura esquenta-se e solta gases NOx corrosivos (capela de exaustão)!
2) Pesar 1,5 g de algodão e dividir em 5 bolinhas iguais.
3) Jogar as bolinhas no ácido nitrificante refrigerado e tirá-las após 1, 2, 5, 10 e 15
minutos, respectivamente. Amasse neste período o algodão ligeiramente com ajuda de
um bastão de vidro (não use espátula metálica!).
4) Após tirar do ácido, lave as bolinhas nitrificadas com bastante água. No final adicione
na água de lavagem uma espátula de NaHCO3 e confirme com um papel de tornassol a
neutralidade.
5) Exprima a umidade do algodão, abra o material para um novelo fofo e deixa secar
durante a noite.
6) Faça testes de solubilidade, usando acetona, álcool e cânfora. Também, em pequenas
porções (~ 20 mg), podem ser feitos testes de ignição. Espera-se uma combustão
fulminante e mais rápida do que no algodão não tratado, já que o produto nitratado se
decompõe sob a formação de um grande volume de gases (N2, NOx, CO e CO2).
Éteres da celulose
Para a formação de éteres oferecem-se principalmente duas estratégias:
1.Conversão da celulose alcalinizada com hidrocarbonetos clorados ("Síntese de
Williamson"); assim são feitos a metilcelulose, a etilcelulose e a carboximetilcelulose
("CMC"). A última é muito usada em sabão em pó onde tem o papel de aditivo antiredeposição da sujeira em cima da fibra lavada. Na indústria alimentícia a
carboximetilcelulose representa o emulgador mais utilizado, por exemplo, em sorvetes,
molhos, cremes), e também na cosmética tem esse papel (pasta de dente, misturas ricas
em água).
2.A segunda opção é a conversão da celulose alcalinizada com epóxidos. Com o reagente
oxirano (= óxido de etileno) forma-se a hidroxietilcelulose ("HEC"), com óxido de
propileno a hidroxipropilcelulose. Quando estiverem aplicados excessos de epóxidos
podem formar-se também unidades de oligo-oxietilenos. Na Fig. 39 isso é exemplificado
em forma do dimero. Também esses produtos são usados em formulações de detergente
em pó, mas também em colas e material de pintura.
60
Armin Isenmann
Processos Industriais
O
CH2 COOO
Cl
O HO
O
Monocloroacetato
OH
NaOH
O
O HO
CH2 COO-
OH
O
CMC
O
CH2COO-
n
O
n
HO
Oxirano
NaOH
Celulose
O
O
O
O HO
O
O
HO
n
grupos possíveis na HEC
Fig. 39.
2.9
Síntese dos éteres da celulose.
O uso químico da lignina e seus monômeros
O "andaime" da madeira é a lignina. Ela é incorporada nas paredes das células da madeira, o
que proporciona mais estabilidade e rigidez às partes funcionais da planta. Logo depois da
celulose a lignina é o segundo mais produzido biopolímero da terra. Sua estrutura química é
tão complexa que podemos em geral apenas indicar as porcentagens em aromáticos, em forma
de fenóis, Ar-OH, e anisóis, Ar-OCH3. Também para os demais grupos funcionais que
ocorrem na lignina somente podemos indicar probabilidades estatísticas. As unidades
estruturais mais encontradas na lignina são representadas na Fig. 11, na p. 20.
Lignina pura é quase incolor até marrom claro, seu cheiro é agradável e nos lembra dos
defumados. Ela não é solúvel em água. Ela pode ser obtida via processos químicos a partir da
madeira, como vimos no último capítulo. Na indústria de celulose e fibras se produzem
anualmente cerca de 50 milhões de toneladas de lignina que, infelizmente, é apenas o
coproduto do processo e tem baixo valor agregado. Atualmente, cerca de 98% desta lignina
técnica são usados como fonte de energia térmica na própria fábrica de celulose.
Especialmente na geração de vapor de alta pressão, mas também para a geração de energia
elétrica necessária na fábrica a lignina é fundamental. Fábricas modernas e eficientes
conseguem até produzir um excesso de energia e assim podem abastecer a rede elétrica
pública.
Em torno de 80% da lignina produzida vem do processo Kraft (= processo de sulfato).
Somente 6% provêm do processo de sulfita; esta última é denominada de "lignossulfonato".
Isto é, os monômeros da lignina foram sulfonados Note que este composto é o produto de
oxidação seletiva da lignina solubilizada (ver Fig. 17, na p. 27). Embora sejam produzidos em
menores partes, os lignossulfonatos representam 90% de toda lignina processável pela
indústria química. Em torno de 1 milhão de toneladas de lignossulfonatos são produzidas ao
ano - aproximadamente a metade desta na Europa ocidental.
61
Armin Isenmann
Processos Industriais
2.9.1 Sulfonato da lignina - material das mais diversas aplicações
Uma argamassa mostra uma reologia (= estudo do fluxo) mais vantajosa quando estiverem
presentes lignossulfonatos. Na moldagem de peças de concreto se aproveita desta vantagem: a
argamassa flui até o último cantinho e forma uma perfeita peça positiva. Os lignossulfonatos
também são usados na indústria de ração animal, fertilizantes e na produção de tintas. O
campo das aplicações destes materiais é bastante amplo, devido:
suas qualidades de adsorção,
alta capacidade como trocadores de íons,
baixa toxicidade e indiferença fisiológica,
atributos acerca da sua elevada massa molecular.
Durante o processo de sulfito a lignina é sulfonada, principalmente, nas cadeias laterais das
unidades de fenilpropano, enquanto o local mais reativo fica em posição benzílica (ver Fig.
17, na p. 27).
Dependendo do processo aplicado, pode-se obter este sal com diferentes cátions (sódio,
amônio, cálcio, magnésio). Variam bastante as indicações das massas molares: entre 10.000 e
200.000 são as massas mais produzidas. O grau da sulfonação é aproximadamente dois
grupos -SO3-, a cada 5 a 8 unidades de fenilpropano.
Tab. 5.
Possíveis aplicações do sulfonato da lignina:
Ação:
Aplicações:
Retarda a pega em argamassas
Construção civil
Aglutinante
Rações, fertilizantes, agroquímicos, moldes
da fundição.
Emulsificante e dispersante
Corantes e pigmentos.
Até carcaças de TVs, computadores e celulares podem ser feitas a base desta parte da
madeira. Isso se deve ao comportamento termoplástico dos lignossulfonatos. Basta misturar
com fibras (tais como rami ou sisal) e aquecer, a massa forma um material composto e pode
ser processada em máquinas convencionais de transformação de termoplásticos. Porém, a
composição complexa dos lignossulfonatos e as impurezas ainda remanescentes do processo
sulfito, não são compatíveis com as altas exigências da indústria frente aos termoplásticos,
portanto não acharam larga aceitação no mercado (ainda).
No último capítulo deste livro (p. 102) você pode ver mais aplicações modernas a partir da
lignina - porém sem algum enxofre.
2.10
Revisão processamento da madeira
1) Compare os processos de Kraft e de Sulfito, resumindo os aspectos vantajosos e
desvantajosos.
Critério
Processo Kraft
Processo Sulfito
62
Armin Isenmann
Processos Industriais
2) Formule a reação do desproporcionamento de cloro em água alcalina.
3) Formule o mecanismo da síntese da CMC.
4) Para que serve o nitrato de celulose?
5) Como funciona o processo da celulose regenerada?
6) Mencione aplicações da lignina e seus derivados.
2.11
O uso do amido.
O amido é muito espalhado no reino vegetal. Altas concentrações encontram-se nos órgãos de
reservas: nos sementes, bolbos, raízes, frutos e na medula. As plantas armazenam energia
sobrando, em forma de amido insolúvel e, portanto, sem efeito osmótico. Como todos sabem,
o amido é também a fonte de energia número um para as pessoas, não importa que seja da
batata, do trigo ou do milho. Conseguimos, ao contrário da celulose, digerir (= hidrolisar)
esses polímeros. Os amidos são polissacarídeos feitos de unidades de D-glicose. Podemos
identificar dois tipos de amido que se diferem principalmente na sua arquitetura (ver também
Fig. 4 e Fig. 5):
Amilose (10 a 30 %): longas cadeias lineares onde somente se têm conexões 1,4-αglicosídicas (ver Fig. 4). A conformação secundária da amilose é uma α-hélice onde o passo
fica com aproximadamente 3 unidades glicosídicas.
Amilopectina (70 a 90%): polímero altamente ramificado: além das conexões 1,4-αglicosídicas observem-se também 1,6-α-glicosídicas (4 a 6%). A arquitetura é dentrítica onde
as cadeias laterais são relativamente curtas (ver Fig. 5).
Estes, junto à água (cerca de 20%), formam o grão de amido. Em menores partes o grão
também contém proteínas, gorduras, sais minerais assim que o ácido fosfórico fixado em
forma do seu éster.
As qualidades do amido variam com a sua origem; são governadas, além dos tamanhos
médios das macromoléculas, da proporção entre amilose e amilopectina. Em função desta
composição os métodos de isolamento do amido também variam. Seja dado o exemplo do
amido a partir do trigo: a farinha do trigo é misturada com água. Essa massa deve descansar
algum tempo, antes de ser amassada e lavada com água. O glúten (= proteína vegetal, com
qualidades de uma cola) fica insolúvel, pode ser separado e secado. Restos do glúten, o farelo
e o gérmen do trigo podem ser separados por peneiração da suspensão do amido cru. A
suspensão do amido assim refinado é centrifugada e liberada da maior parte de água. A
secagem final ocorre em secadores de esteira, em fluxo contínuo.
63
Armin Isenmann
Processos Industriais
2.11.1 Amilose a amilopectina: dois materiais bastante diferentes
A produção de amido cresce continuamente, tanto aquela parte destinada à alimentação
quanto a parte do setor técnico. Em 2005 foram produzidos mundialmente 58 milhões de
toneladas de amido, destas 54% para o setor alimentício e 46% para fins técnicos. Os
produtores líderes são os EUA e a Ásia.
A amilopectina tem mais demanda e valor do que a amilose. Ela pode ser usada para produzir
grude e outras colas, mas também serve como lubrificante, além de suas aplicações na
indústria alimentícia. A amilose, por outro lado, forma facilmente filmes finos e serve como
espessante e emulsificante (devido à formação de colóides hidrofílicos). Aquele amido que
engrossa um molho ou um pudim, sem dar bolinhas de amido, é rico em amilose.
As irmãs desiguais somente podem ser separadas sob grandes esforços e geração de grandes
volumes de água servida - muito caro e inviável em grande escala. Mas a solução do
problema é bastante simples: cultivar plantas (que pode ser por meio da biotecnologia) que
por si já são ricos em amilose ou em amilopectina. Daí, dispensam-se os processos de
separação. Recentemente se criaram milho e batatas geneticamente modificados que são
quase livres de amilose.
Um desenvolvimento recente é o uso de amido termoplástico. Este material é atualmente o
plástico a base de recursos renováveis (ver definição no cap. 2.14.1, na p. 78) mais produzido
no mundo. Com 80% este material é de longe o biopolímero mais utilizado hoje, seguido pelo
acetato da celulose (p. 58) e polilactato (p. 87). Para sua processabilidade como termoplástico
o amido tem que ser aditivado por plastificantes e lubrificantes. Muito usados para este fim
são o sorbitol (ver p. 99) e a glicerina (ver p. 90). A propriedade inerente do amido de
absorver água é, na maioria das aplicações dos plásticos, um atributo indesejável. Portanto, é
misturado (= blend) com outros polímeros, por sua vez de natureza hidrofóbica. Para manter o
atributo "bio", este segundo componente deve ser biodegradável. Assim, acharam aplicações
as blendas com poliéster, poliésteramida, poliuretano e polivinilálcool. Note que cada um
destes últimos componentes é produto da petroquímica. Estas blendas são produzidas como
granulado que pode ser transformado em folhas sopradas, folhas termo-moldáveis, peças
injetadas e laminados. Os produtos típicos são sacolas, copos de iogurte, talheres descartáveis,
potes de plantas, revestimentos de fraldas, papeis e papelão plastificados, chips inflados para
isolamento e embalagens, etc.
2.11.2 Amido na produção de papel
O amido é um recurso renovável clássico, de grande
importância econômica. Uma das consumidoras
principais é a indústria de papel. Ao borrifar papel
umedecido com uma suspensão de amido, encontraram
um método barato de fortalecer o material. A
penetração do amido torna o papel mais rígido e mais
resistente ao desgaste mecânico - enquanto não
prejudica as máquinas de recorte (o que sempre é um
problema com os recheios minerais). A tinta fresca que
usamos para escrever no papel, fica mais nítida e não se
espalha mais entre as fibras da celulose - o que foi o
caso no papel não tratado.
O amido, além de ser usado na sua forma originária, pode também ser modificado
quimicamente. A próxima figura demonstra as diversificações da sua aplicação e sublinha a
universalidade destes materiais.
64
Armin Isenmann
Fig. 40.
Processos Industriais
Campos de aplicação do amido
2.11.3 Amido ramificado: dois exemplos
O amido natural tem sua estrutura secundária (uma α-hélice, no caso) devido às pontes de
hidrogênio entre os grupos hidroxilas de unidades glicosídicas vizinhas. Estas pontes podem
ser de natureza intra e intermolecular e fornecem uma firmeza não muito alta ao amido. Ao
ramificá-lo artificialmente este material perde uma parte do seu inchamento em água, ao
mesmo tempo se torna mecanicamente mais estável. Os amidos ramificados são bastante
usados na indústria alimentícia. Mais recentemente são feitas tentativas de usar o produto
ramificado como superabsorvente (ver também p. 91), desta maneira substituir os produtos
comerciais a base de recursos fósseis. A maneira padrão de ramificar o amido é via
esterificação com ácido fosfórico. Mais facilmente se consegue a reação ao usar o cloreto do
ácido fosfórico, POCl3, por ser mais reativo frente nucleófilos do que o ácido livre.
65
Armin Isenmann
Processos Industriais
Também viável é a esterificação com um anidrido de ácido carboxílico. Na reação a seguir
usa-se o anidrido acético para produzir o acetato do amido. Este produto não fica mais
ramificado do que o material de partida, mas pode ser usado para moldar filmes finos e folhas
transparentes. Nos anos passados descobriram-se novos campos de aplicação para este
material, a serem mencionadas as folhas de embalagem de alimentos de fácil compostagem,
talheres, pratos e bandejas descartáveis.
O amido tem um futuro brilhante, a médio e longo prazo. O leque das aplicações fica cada vez
mais largo. Também a indústria química descobriu o amido sendo uma matéria prima
excelente para produzir compostos de plataforma, através de novos e eficientes processos
biotecnológicos. Estes caminhos, porém, não aproveitam da síntese macromolecular da
natureza, porque o amido é picado em seus monômeros, a D-glicose.
2.12
Gorduras e óleos
Os óleos e as gorduras sempre foram de suma importância na dieta dos humanos e animais.
Também nas linhas de produção industrial da química sempre foram, e até hoje são, os
recursos renováveis mais importantes. Estima-se que sua importância ainda aumenta no futuro
(palavra chave: biodiesel).
Quimicamente falando, óleos e gorduras são ésteres da glicerina com ácidos graxos, na sua
maioria de cadeia carbônica comprida. Esses compostos são também conhecidos como
triglicerídeos. Podem ser líquidos (daí se fala em óleos) ou sólidos a temperatura ambiente (=
graxas, sebo). É a facilidade de cristalizar, determinada pelo comprimento e pela
uniformidade das cadeias carbônicas e o grau de insaturações, que determina o estado físico.
66
Armin Isenmann
Fig. 41.
Processos Industriais
Exemplo de um triglicerídeo.
A natureza química dos ácidos graxos varia consideravelmente com a origem vegetal ou
animal. Tipicamente indica-se em um código de dois números, o comprimento de carbonos na
cadeia e o número de duplas ligações nesta cadeia. A representação é (X : Y), onde X =
Número de carbonos e Y = número de insaturações C=C. Todos os óleos e gorduras contém
uma diversidade de ácidos graxos e combinações destes nos triglicerídeos, portanto somente é
possível indicar uma porcentagem média. A caracterização química das gorduras é chamada
de "padrão dos ácidos graxos". Como cada molécula de gordura geralmente tem três
diferentes ácidos graxos, as diferenças entre essas moléculas são muito pequenas para serem
separadas por cromatografia. Mas uma transesterificação com metanol leva a três metilésteres
separados que podem ser separados e analisados por técnicas cromatográficas (HPLC).
No caminho petroquímico estes ácidos carboxílicos de cadeia carbônica comprida são
acessíveis, também. Mas essas rotas requerem pelo menos três etapas sintéticas, enquanto o
recurso renovável da gordura precisa de apenas uma simples hidrólise. Portanto, as sínteses
destas substâncias a partir do petróleo nunca foi uma concorrente forte para as gorduras
naturais.
A próxima figura mostra os ácidos graxos insaturados mais presentes nas gorduras naturais:
67
Armin Isenmann
Processos Industriais
Tab. 6.
Padrão dos ácidos graxos: composição natural de algumas plantas oleosas:
ácidos graxos em % do peso.
Graxa/Óleo
10:0
12:0
14:0
16:0
18:0
18:1
18:2
18:3
20:1
22:1
Óleo de colza
("low erucic")
-
-
-
1-5
1-4
50-65
15-30
5-13
1-3
0-2
Óleo de colza
("high erucic")
-
-
-
2-3
1-4
12-24
12-16
7-10
4-6
45-53
Girassol (gênero
antigo)
-
-
-
3-10
1-10
14-65
20-75
-
-
-
Girassol (high
oleic)
-
-
-
3-4
1-2
90-91
3
-
-
-
Óleo de linho
-
-
-
5-8
2-4
15-25
12-16
50-60
-
-
Manteiga de
coco
5-10
45-53
15-21
7-11
2-4
6-8
1-3
-
-
-
Azeite de dendê
do miolo
3-5
40-52
14-18
6-10
1-4
9-16
1-3
-
-
-
Azeite de dendê
de fora
-
-
0-2
38-48
3-6
38-44
9-12
-
-
-
Óleo de soja
-
-
-
7-14
1-5
19-30
44-62
4-11
0-1
-
Óleo de
amendoim
-
-
0-1
6-16
1-7
36-72
13-45
0-1
0-2
-
A indústria geralmente é interessada em triglicerídeos mais ricos possíveis em determinado
ácido graxo. É evidente que essa exigência somente se consegue com novos cultivos e
criações, de repente com ajuda da manipulação genética. Um exemplo de manipulação bem
sucedida é a colza: essa planta, aliás, fonte número um de óleos na Europa ocidental, tinha
originalmente uma composição nas gorduras que impediu seu consumo por homens e
animais. Isso se deve ao alto teor em ácido erúcico (22 : 1), além dos venenosos ácidos de
gondo e nervono. Hoje essa variedade antiga da colza é exclusivamente usada para
combustíveis do tipo Biodiesel ou na síntese química. Para a última finalidade se cultiva até
variedades que são especialmente ricas em ácido erúcico, um composto bastante interessante
de cadeia de 22 carbonos e uma ligação interna C=C. Conseguiram uma variedade de colza de
>50% de ácido erúcico. A criação mais famosa, todavia, é a "colza duplo zero" na qual o teor
em ácido erúcico fica especialmente baixo, portanto o óleo tornou-se comestível. Em vez
deste, esse óleo é rico em ácido oléico (50 a 65%), linóleo (15 a 30%) e linoléico (5 a 13%).
2.12.1 Demanda crescente em óleos vegetais
A produção de óleos em grande escala inclui as etapas de prensagem e extração. Um fato
interessante é que a torta de prensagem (rica em proteínas e fibras das sementes) também tem
valor, especialmente em ração para gado.
Os triglicerídeos entram hoje como matéria prima na fábrica de cosméticos, lubrificantes,
sabão e vernizes. Na Europa já se alcançaram 50% dos detergentes produzidos a partir de
68
Armin Isenmann
Processos Industriais
óleos vegetais. O recém advento do biodiesel aumentou bastante a demanda por óleos
naturais.
Destes exemplos referidos, o cosmético, os óleos usados para serras e em sistemas
hidráulicas, requerem pouca transformação química para se tornarem uma variedade de
produtos finos e especiais. A Fig. 42 mostra umas destas reações, todas de importância
industrial.
Fig. 42.
Reações químicas feitas nos triglicerídeos
A hidrólise dos triglicerídeos sob pressão, leva aos ácidos graxos livres e à glicerina. Os
ácidos graxos podem ser desprotonados com bases fortes (NaOH ou KOH) e fornecem
diretamente sabões.
A reação dos ácidos graxos com alcoóis leva aos ésteres. Estes produtos, porém, são
geralmente feitos de maneira mais direta a partir do triglicerídeo, via transesterificação. A
reação certamente mais aplicada é com metanol que fornece o biodiesel que nada outro é do
que o metiléster dos ácidos graxos. Os catalisadores básicos (metóxido de sódio, por
exemplo) ganham a preferência na maioria dos casos, já que os catalisadores ácidos (ácido
sulfúrico, ácidos sulfônicos orgânicos do tipo tosila; zeólitos) são de remoção difícil. Além
disso, produzem em menores partes ácidos graxos livres. Ambos, catalisador ácido e ácido
graxo livre, corroem os motores de combustão.
A hidrogenação catalítica satura, em primeira linha, as duplas ligações C=C dos ácidos
graxos. Mas também se consegue, sob condições mais drásticas, uma redução do grupo
-COOH que leva aos alcoóis graxos. Estes são intermediários na fábrica de agentes
tensoativos (detergentes). Após a esterificação com ácido sulfúrico e a neutralização se
obtém, por exemplo, detergente para lavar louça. Fórmula geral destes alquilssulfatos: ROSO3- Na+.
Uma reação interessante se consegue nas duplas ligações C=C com peróxido de benzoíla: os
epóxidos dos ácidos graxos. Eles reagem voluntariamente com ácidos carboxílicos
bifuncionais, fornecendo a interessante classe dos poliésteres insaturados (resinas em tintas).
69
Armin Isenmann
Processos Industriais
Um tratamento simples do óleo de dendê com ácido sulfúrico concentrado ou SO3 leva ao
éster (= sulfato) nos grupos hidroxilas e ao produto de adição do grupo -SO3H nas duplas
ligações C=C. Esse produto é conhecido como óleo vermelho do turco (inglês: turkey-red oil)
e contém entre 8 e 8,5% de SO3. Isto corresponde a um grupo sulfônico a cada triglicerídeo. A
indústria têxtil é grande consumidora deste, onde serve como aditivos emulsificante e
umectante dos tecidos.
Fig. 43.
Possíveis reações na dupla ligação C=C dos ácidos graxos.
Além destas, as reações feitas no grupo carboxílico dos ácidos graxos leva aos cloretos,
amidas, aminas ou sais carboxilatos.
Fig. 44.
Reações preferencialmente feitas no grupo -COOH dos ácidos graxos.
Certos ácidos graxos contém ainda um grupo hidroxila. Mais famoso exemplo é o ácido
ricinóico. O óleo de mamona é especialmente rico neste ácido graxo (~ 80%). Sendo assim,
este composto pode ser usado diretamente na produção de poliuretanos, onde substitui uma
parte dos polióis, usados para ramificação do polímero e plastificação do material.
Tab. 7.
Exemplos do uso industrial dos derivados de ácidos graxos:
Derivado
Aplicação
Éster do ácido graxo
Plastificante na indústria de tintas e vernizes
Etoxilato do ácido graxo
Emulsificantes na indústria cosmética e têxtil
Amida do ácido graxo
Compatibilizante e umectante para pigmentos, usados na indústria
70
Armin Isenmann
Processos Industriais
de tintas; proteção de corrosão de estruturas metálicas.
Não incluso o uso de certos derivados na farmácia e como inseticidas.
2.12.2 Perspectivas para o futuro
Como as tecnologias bioquímicas conquistam a produção industrial pode ser mostrado no
exemplo da hidrólise dos triglicerídeos. Em alta escala, até hoje, as gorduras são hidrolisadas
usando vapor de alta pressão; consequentemente, é uma etapa bastante energética. A
biotecnologia oferece uma alternativa interessante: um novo grupo de enzimas chamadas de
lipases foi aperfeiçoado para fazer este serviço a temperatura ambiente. Aliás, são os
biocatalisadores que ajudam também na nossa digestão de comida gordurosa. As operações
unitárias são, portanto, bastante simples e robustas. A seletividade deste tipo de catálise
geralmente é bastante alta. Em nosso exemplo são produzidos especificamente os ácidos
graxos livres, mesmo se o material de partida for uma amostra biológica impura.
Por que este método não se aplica ainda em grande escala? Um dos obstáculos e objeto de
pesquisas é a intolerância das culturas de bactérias que produzem as enzimas, frente altas
concentrações. A maioria morre quando exposta, tanto à alta concentração de gorduras como
aos ácidos graxos produzidos. Outra é uma elevada mortalidade das bactérias sob condições
de hidrólise. Outro ponto é a possibilidade da formação de produtos paralelos, especialmente
sob tempos de fermentação prolongados. Estes, por sua vez, podem potencializar a toxicidade
do ambiente reacional frente às bactérias, uma parada da reação seria a consequência. Além
de tudo isso, o agar (= alimento para as culturas de bactérias) que é essencial para o bom
funcionamento da fermentação, ainda custa muito caro.
Os biotecnólogos, químicos e engenheiros de processos trabalham mão em mão para vencer
estes obstáculos acarretados pela vulnerabilidade das bactérias. Culturas mais potentes de
bactérias ou enzimas extraídas delas estão sendo desenvolvidas, visando produtos em
concentrações mais altas. Também trabalham num melhor funcionamento da etapa de
purificação que, neste processo, anda paralelamente à fermentação.
2.13
Terpenos e borracha natural
Dizem que óleo cítrico espanta males e mal humor. Fato que até então ninguém comprovou.
Certo é, por outro lado, que o composto responsável pelo odor agradável é citronelol que
pertence à família dos terpenos. Terpenos fazem parte dos óleos etéricos das plantas. Além do
mencionado, os mais conhecidos representantes desta família são o mentol (contido no óleo
da menta e hortelã) e o cuminal (no cuminho e no eucalipto).
71
Armin Isenmann
Processos Industriais
CH 2OH
CHO
CH 2 OH
Citronelol
Geraniol
(tomilho, f rutas cítricas, (rosas, citronela;
perf umes)
repelente de insetos)
Neral ou Citral
(erva cidreira;
síntese de vitamina A)
OH
OH
Mentol
(menta,
cigarros)
Fig. 45.
Cuminol
(cuminho, f uncho;
medicinal)
Alguns monoterpenos típicos, sua fonte natural e suas aplicações industriais.
Todos os terpenos se constituem de unidades "isoprênicas".
Isopreno
Como o número de carbonos no isopreno é 5, o critério de ser um terpeno é que o número dos
seus carbonos deve ser divisível por 5 (regra de L. Ruzicka, 1922). Compostos que são feitos a
partir de uma única unidade isoprênica são raros na natureza. por outro lado, muito
espalhados são os compostos de duas, três ou mais unidades isoprênicas. Ao longo dos anos
se estabeleceram nomes triviais para classificar estes terpenos, dos quais alguns são
relacionados na tabela a seguir:
72
Armin Isenmann
Processos Industriais
Dos ~40.000 diferentes terpenos conhecidos até hoje as
estruturas químicas e, na maioria dos casos, as rotas da sua
síntese são bem conhecidos. Por outro lado, o papel biológico
destas substâncias e seus efeitos nos homens, somente se
sabe em partes. No entanto, seus efeitos podem ser bastante
interessantes: alguns animais liberam feromônios que servem
para comunicar com seus iguais - às vezes a longa distância.
Outros servem como atraentes: o besouro da madeira segue
ao cheiro dos terpenos de pinheiros que são emitidos de
árvores doentes.
Não é surpresa que na indústria de perfumes se usam os
terpenos há muitos anos. Exemplos são o mentol, geraniol e
nerol.
2.13.1 Terpenos contra câncer
Também a indústria farmacêutica descobriu o valor dos terpenos. Por exemplo, o taxol usado
com sucesso no tratamento de câncer, é feito a partir de um diterpeno. Também os esteróides,
entre eles os hormônios sexuais, têm um esqueleto de diterpenos (= C20). Além disso, os
terpenos são materiais de partida para vitaminas e uma série de outros fármacos.
Grandes volumes de terpenos de baixa massa molar são usados na indústria de tintas e
vernizes, como solventes. Conhecida como "terpentina" essa mistura serve como substituto
para alcanos e aromáticos provenientes do petróleo (querosene e nafta). Especialmente grande
foi o avanço em proteção ambiental quando a terpentina foi usada em vez dos solventes
halogenados. Mas os terpenos também podem ser componentes estruturais na própria tinta,
onde polimerizam e ajudam formar uma rede tridimensional que proporciona à tinta sua
resistência necessária e dureza final.
Tab. 8.
Terpenos e suas aplicações:
Ramo industrial
Aplicação
Alimentício
Flavorizantes e aromas
73
Armin Isenmann
Processos Industriais
Fárma
Óleos etéricos, medicamentos, vitaminas.
Cosmética
Odorantes e aromas, repelentes.
Corantes e tintas
Solventes alternativos
Agrícola
Pesticidas
2.13.2 Sem a borracha ficamos no lugar
Na língua dos índios do Perú a palavra "Cahuchu" significa árvore com lágrimas. Quando se
risca a casca de uma árvore amazônica do tipo hervae brasiliensis, sai um tipo de leite que
contém o então cauchú, melhor conhecido como látex da borracha natural.
O látex tem a sua aparência leitosa devido ao forte espalhamento da luz nas pequenas
partículas contidas nele. Na verdade trata-se de gotículas de um polímero, o poliisopreno com
uma massa molar média de 2.106 g.mol-1, em uma matriz aquosa. O tamanho médio destas
gotículas é de poucos micrômetros, portanto o látex é um exemplo para uma dispersão
coloidal (= emulsão). Esse vai ser o ingrediente principal em muitas borrachas e elastômeros
que usamos no dia a dia - inclusive para os pneus dos nossos veículos. Entre outros, o Brasil
mantém uma pesquisa aplicada há décadas que visa melhorias na produção do látex e da então
borracha natural.
Por outro lado, há aproximadamente 100 anos que se sabe do acesso às borrachas sintéticas,
entre elas os copolímeros de SBR (= poli-estireno-co-butadieno = Buna S) e NBS (= poliacrilonitrila-co-butadieno-co-estireno = Buna N). A tendência atual, porém, vai claramente
em direção à borracha a partir de recursos naturais.
O rosto da Tailândia são suas plantações extensas de cauchú. Uma árvore em média produz
vários gramas de látex por dia que, na maioria das vezes no local do produtor florestal, é
tratado com diversas substâncias, entre estes o ácido acético, com o objetivo de coagular esse
leite. Daí pode ser separado da fase aquosa. O coagulado é amassado por rolos que parecem
um pouco às calandras da fábrica de plásticos. O material sai deste processo em lâminas de 1
a 2 mm de espessura e vai para a secagem em armazéns aquecidos a 50 °C. No final o látex
seco é pulverizado, já que nesta forma é mais fácil de transportá-lo.
74
Armin Isenmann
Processos Industriais
2.13.3 Estrutura química e vulcanização
O poliisopreno contido no látex é um polímero altamente insaturado (quer dizer, repleto de
duplas ligações C=C), com relativamente poucas ramificações. A forma predominante da
inserção do monômero isoprênico é via os carbonos 1 e 4; a dupla-ligação do monômero
muda-se para a posição 2, enquanto observamos o estabelecimento da geometria cis.
A borracha natural pode ser chamada de recurso renovável "tradicional". Porém, antigamente
a humanidade ainda não sabia da grande utilidade deste material. Isso mudou drasticamente
quando o escocês C. Macintosh (1823) descobriu que o látex é solúvel em solventes orgânicos
e nesta forma pode ser aplicado em tecidos. Uma vez o solvente se volatilizou, o tecido se
tornou prova d´água que pôde ser usado como roupa de proteção contra a intempérie
adversária da Escócia. Infelizmente, essas jaquetas grudaram bastante durante o verão; além
disso, o oxigênio do ar tornou o tecido tratado seco e duro e o látex se perdeu aos poucos. O
que ficou, até hoje, é a expressão "Macintosh", para denominar jaquetas de chuva na
Inglaterra.
O americano J. Goodyear (1839) descobriu poucos anos depois e por puro acaso, que a adição
de enxofre e um tratamento com temperaturas ligeiramente elevadas transformou o material
grudento em um novo estado que mostrou altíssima elasticidade - o que todo mundo conhece
hoje como borracha. Esse novo material pôde ser estirado até 500% da sua forma em repouso,
sem rachar! E depois de relaxar voltou na mesma forma que tinha havido antes. Isso foi
revolucionário, sendo o nascimento do processo da "vulcanização". A partir de lá, levou um
tanto de 80 anos para se descobrir porque as qualidades
mecânicas da
borracha mudaram tão drasticamente: as cadeias poliméricas
do
cauchú, por enquanto soltas uma da outra e na
conformação de novelos estatísticos, podem deslizar
das
cadeias vizinhas, uma vez que somente se
estabeleceram as fracas interações de Van der
Waals entre elas. Em consequência, o material é
um grude de alta viscosidade que se rasteja aos
poucos (ingês: creep). Com a vulcanização se
introduz o enxofre que impede justamente
esses deslizamentos. Duplas ligações C=C
remotas estabelecem pontes de polissulfeto,
tanto intra quanto intermoleculares. Entre
essas pontes se encontram seções (ou laços)
mais ou menos compridas: 20 a 100
unidades isoprênicas, na média. As pontes
75
Armin Isenmann
Processos Industriais
de polissulfeto, por serem ligações covalentes e estáveis, fazem com que os novelos
estatísticos do poliisopreno e, afinal, o objeto macroscópico, não permaneçam na posição
final após serem deformados. Sendo assim, o objeto perdeu o comportamento viscoso,
enquanto realçou o aspecto elástico. É lógico que através da quantidade de enxofre que se usa
na vulcanização, se consegue ajustar o comportamento elástico e a rigidez do corpo. Uma vez
vulcanizada, a peça tem sua forma final e não pode ser mais transformado igual um
termoplástico; sua massa molar torna-se infinita, devido às inúmeras pontes de polissulfeto;
além disso, virou insolúvel em qualquer solvente - somente incha, mas não se dissolve.
De acordo com sua aplicação a borracha requer uma série de aditivos (pigmentos, corantes,
plastificantes, anti-chama, protetor solar, antienvelhecimento = antioxidantes), auxiliares de
processamento (lubrificantes) e recheios. Estes últimos são especialmente importantes, não só
por baratear o artefato de borracha, mas também por mostrar efeitos sinergéticos sob vários
aspectos mecânicos. O recheio mais utilizado e presente em até 50% da massa do objeto final,
é carvão finamente particulado e fuligem. Sua cor preta que todos conhecem dos pneus, ao
mesmo tempo protege a borracha frente à radiação solar. Se não fosse protegido, o objeto
ressecaria e endureceria rapidamente.
A seguinte figura dá noção da composição típica de um pneu de carro. Mais de 70% de toda a
borracha produzida no mundo entra na produção de pneus de automóveis. Em segunda linha
ficam as luvas de borracha, vedações, mangueiras, balões de festa, botas, solas de sapato e
correias de transporte.
Fig. 46.
Composição média de um pneu de carro
O cauchú natural tem em torno de 40% de toda a produção em elastômeros no mundo, a
produção mundial do látex fica em 20 milhões de toneladas por ano. Estes números
demonstram a imensa importância deste recurso renovável.
76
Armin Isenmann
2.14
Processos Industriais
Polihidroxialcanoatos (PHA)
São o foco dos pesquisadores no mundo inteiro: os polihidroxialcanoatos (PHA), uma classe
especialmente universal de polímeros. Há milhares de anos que PHA são produzidos no
metabolismo de certas bactérias (p.ex., alcaligenes eutrophus). Este material serve aos
protozoários como reserva de energia, comparável à gordura em nosso corpo. São
armazenados dentro dos organismos em forma de material insolúvel e branco, quer dizer, um
sólido com alto índice de refração.
Fig. 47. Micrografias de bactérias que produzem e segregam BHA, no caso poli-3hidroxibutirato.
Pela natureza química os PHA são poliésteres. Para muitos pesquisadores são estes os
genuínos "biopolímeros", candidatos mais promissores para substituir no futuro os
poliolefinos. Para que os microorganismos produzam este material, geralmente é necessário
tratá-los mal, ou seja, submetê-los a condições deficitárias em algum elemento químico
(nitrogênio, fósforo ou oxigênio) e oferecer um excesso em carbono.
Diversos fatores influenciam na produtividade microbiana e também na natureza química dos
PHA:
Tipo de microorganismos usados
Tipo de fonte de carbono
As demais condições do ambiente (temperatura, sais, concentrações, etc.)
Tudo isso determina rendimento, massa molar e natureza química dos PHA. Após o processo
de fermentação as bactérias devem ser concentradas e extraídas - por enquanto etapas que
acarretam o fim de vida dos microorganismos. Mas novas bactérias já foram descobertas que
expelem o PHA logo após sua produção e assim facilitam seu isolamento e o tratamento
subsequente.
Como já mencionado acima, os PHA podem ser usados nos mais diversos artigos de plásticos:
desde a luva flexível de plástico, copos firmes e garrafas rígidas. Até folhas finas e
embalagens de alimentos podem ser feitos de PHA, já que se conseguem materiais com
barreiras frente ao oxigênio, quase tão altas quanto o polipropileno ou o PE. Uma das
características mais marcantes: os PHA são altamente biodegradáveis. A degradação ocorre,
tanto no ar como debaixo d´água.
Mais uma aplicação promissora dos PHA se deve ao fato de que o corpo humano consegue
degradá-los aos poucos. Sendo assim, implantes, parafusos e fios cirúrgicos de PHA não
precisam ser removidos através de uma segunda cirurgia, mas simplesmente se dissolvem
após certo tempo. Interessante é também o uso dos PHA como veículo de medicamentos que,
77
Armin Isenmann
Processos Industriais
em virtude da dissolução do carregador, liberam o remédio dentro do corpo aos poucos
(farmacocinética; sustained release).
O processamento dos PHA é possível nas máquinas convencionais de termoplásticos (injeção,
extrusão), eles também são moldáveis ou podem ser fiados.
Representante de estrutura mais simples dos PHA é o polihidroxibutirato (PHB; temperatura
de fusão: acima de 130 °C):
Tecnicamente mais interessantes, no entanto, são os copolímeros do PHB porque mostram um
perfil mais vantajoso em termos de processabilidade. Também a mistura física (= blendagem)
com outros polímeros, tais como acetato de celulose (p. 58) ou amido (p. 64), amplia bastante
o leque das aplicações deste material, que vai desde colas até borrachas rígidas. Já em 1960 se
desenvolveu nos EUA um processo combinado, fermentativo e extrativo, que fornecia PHB.
Foram feitos testes para usar este novo material como termoplástico comercial. Mas provouse que era mais quebradiço do que o PP - o que diminuiu bastante o espectro das aplicações.
Somente com o advento dos copolímeros via biossíntese esta deficiência foi vencida.
Mencionamos o poli(3-hidroxibutirato)-co-poli(3-hidroxivalerato), com a sigla PHBV, um
material mais dúctil e mais resistente:
Nos anos 1990 surgiu a primeira garrafa de xampu na Alemanha que foi inteiramente feita de
PHBV e, portanto biodegradável. Mas, os custos da sua produção foram em torno de 0,50 €
mais caros do que um recipiente convencional de PET - o que sinalizou um desastre
comercial.
Afinal, são os custos de produção elevados que ainda impedem o largo uso dos PHA e um
espalhamento em outros setores industriais, especialmente em forma de artigos de massa. Mas
a pesquisa aplicada está fazendo progresso e podemos contar com estes materiais nos
próximos anos.
2.14.1 A polêmica dos "biopolímeros"
Por enquanto associamos neste texto diversos materiais, explicitamente a celulose, o amido,
os polihidroxialcanoatos e também o polilactato (ver p. 88), com a expressão "bio". O dilema
da palavra "biopolímero" é, no entanto, que não há definição unânime.
Pelo entendimento popular um biopolímero é feito a partir de recursos renováveis e pode ser
degradado após a sua vida útil pela natureza (no solo ou no corpo humano, por exemplo). Mas
essa definição exclui muitos materiais, portanto é melhor definir em duas categorias (leia
mais: http://en.wikipedia.org/wiki/Bioplastic):
78
Armin Isenmann
Processos Industriais
1) Polímeros e plásticos a base de recursos renováveis. Tais podem ou não, ser biodegradáveis
(os que não são: certos poliésteres, poliamidas ou Nylons, material altamente ramificado)
2) Plásticos biodegradáveis, não importa de onde vêm as matérias primas. Por exemplo,
conhecemos o polilactato (PLA), PHA e PHB que vem da natureza e também são
biodegradáveis. Mas existem também polímeros a base petroquímica que se degradam na
natureza, às vezes somente após a aditivação ou funcionalização química. Para determinar sua
biodegradabilidade existe uma série de testes padronizados aos quais os plásticos devem ser
submetidos.
No ano 2004 foram produzidos em torno de 225 milhões t de polímeros e materiais plásticos,
destes foram feitos apenas 250.000 t a partir de recursos renováveis, ou seja, apenas 0,1%.
Porém, a tendência de aumentar essa parte é inegável, e há estimas que sob condições
favoráveis, a parte dos renováveis pode aumentar até 10% do volume total; somente visto o
setor de embalagens de plásticos sua participação poderá alcançar até 70%.
Biopolímeros podem ser produzidos como folhas, peças injetadas ou perfis extrudados e são
usados em ampla gama. Uma das exigências mais restritivas aos biopolímeros é sua
processabilidade em máquinas convencionais, usadas pelas fábricas de transformação
plástica: extrusão, injeção, sopro, etc. Isso implica que esses materiais devem ser
termoplásticos, ou seja, facilmente deformáveis a temperaturas elevadas. Justamente este
critério inibe a larga aceitação de alguns biopolímeros em artigos de consumo em massa. Por
exemplo, PLA puro tem um ponto de amolecimento de apenas 60 °C; sendo assim, não pode
ser usado para produzir copos de café, talheres descartáveis ou recipientes resistentes ao
microondas.
Não devem ser considerados biopolímeros, por outro lado, as misturas físicas (as blendas e os
compósitos) que contêm farinha de madeira como recheio ou fibras naturais de reforço, mas
uma matriz de plástico de origem fóssil. Estes materiais, para os quais também se prevê um
grande futuro, não encaixam em nenhuma das duas definições dadas em cima. Até hoje
precisamos dos plásticos convencionais a base de recursos fósseis, para otimizar as
propriedades dos materiais e produtos acabados. O mercado não aceita um regresso na
qualidade dos produtos. Isso implica que somente aos poucos chegamos a reduzir a
porcentagem do plástico convencional dentro dos compósitos, a favor dos biopolímeros.
Tab. 9.
Alguns campos de aplicações dos "biopolímeros"
Área
Aplicação
Propriedades e benéficos
Medicina
Fios cirúrgicos
Fibra degradada dentro do corpo
Veículo para remédios
Comprimidos e cápsulas que se dissolvem
aos poucos no corpo
Implantes
Degradados dentro do corpo
Garrafas de xampu
Compostável
Embalagem / folhas
Bolsas de sacolas de Compostável
compras
Artigos de consumo
Estufas de plantações
Proteção ao congelamento; retenção de
calor solar; não precisa ser recolhido por
que se degrada no campo.
Louça descartável
Compostável
79
Armin Isenmann
Processos Industriais
Roupa
Bom transporte de calor, agradável da pele.
3 Química de plataforma, a partir de recursos renováveis
Até hoje podemos afirmar: sem petróleo ou gás natural não funciona nada na indústria
química. Estes recursos são as fontes para as substâncias padrão (inglês: bulk chemicals), a
partir das quais toda a química fina se constrói. Só que as fontes desses materiais se esgotam
aos poucos. Por este motivo o mundo da ciência está procurando substitutos com máximos
esforços.
Este capítulo deve mostrar como alguns dos mais genéricos reagentes da síntese orgânica são
acessíveis, a partir de recursos renováveis. Essas substâncias são fundamentais em
praticamente todas as linhas de produção - desde plásticos, fibras e têxteis, remédios,
agrotóxicos etc., também conhecidos como "commodities" ou "químicos de plataforma".
Sua classificação aqui será conforme o número de carbonos dentro da sua estrutura, daí são
C1, C2, C3, etc.
3.1.1 Pequenos e poderosos - a família C1.
Metanol e formaldeído
Estes dois são entre os mais importantes reagentes da síntese orgânica, envolvidos na maioria
das linhas de produção. E não só isso: há certo tempo que os laboratórios de pesquisa
trabalham em caminhos de usá-los como combustível em células de combustão, para
notebooks ou outros pequenos dispositivos elétricos, ao utilizar a energia liberada pela
oxidação do metanol. Recentemente foram apresentados protótipos: um pequeno cartucho
com metanol fornece a energia por um longo tempo.
Na oxidação do metanol com oxigênio resulta, em primeira
instância, o formaldeído. Historicamente falado, a aplicação
mais inovadora do formaldeído foi a invenção da baquelite, nos anos
1930. Este polímero, o primeiro que foi
produzido em grandes quantidades, é
feito de formaldeído e fenol, além de certos catalisadores e
materiais de recheio. Foram, por exemplo, feitos os
telefones pretos e enormes que dominavam a aparência de
qualquer escritório, mas também os envoltórios dos rádios e
TVs feitos até os anos 1960 que pareciam elegantes como um
piano de concerto polido.
Hoje
não se precisa mais destes aparelhos de baquelite, escuros e pesados. Mas a
demanda por formaldeído continua em outras aplicações mais modernas, principalmente em
acabamentos de superfície, esmaltes, lacas e tintas.
De onde vêm os compostos C1 de hoje?
Os compostos C1 são feitos em larga escala industrial a partir de "gás de síntese", isto é uma
mistura de monóxido de carbono e hidrogênio. Matéria de partida hoje é principalmente gás
80
Armin Isenmann
Processos Industriais
natural e a fração de nafta proveniente do petróleo. A reação com vapor d´água é feita a
temperaturas entre 800 e 900 °C, aplicando ao mesmo tempo pressões de até 40 bar. A reação
é endotérmica e pode ser resumida simplificada como:
CH4 + H2O → CO + 3 H2.
Os conhecimentos acerca desta síntese são vastos. Aplicam-se com sucesso diversas variações
operacionais e processos, desde 80 anos. Também a partir do carvão é possível fazer gás de
síntese:
C + H2O → CO + H2.
Aproveitamos agora destas experiências, quando procuramos caminhos para fazer o gás de
síntese a partir de biomassa.
Quando aquecer biomassa a 550 °C sob exclusão de ar, também conhecidas como condições
de pirólise, ela se decompõe. As frações são:
1. Um gás combustível que contém compostos tais como monóxido de carbono e
metano,
2. Um líquido oleoso, mistura complexa de pequenas moléculas orgânicas,
3. Um sólido que parece muito ao coque.
O coque e uma parte do óleo são em seguida convertidos com vapor d´água produzindo gás
de síntese. O gás e a outra parte do óleo são queimadas e servem como fonte de energia para
estabelecer as altas temperaturas desta síntese.
A mistura de CO e H2 em seguida deve ser purificada, antes de ser convertida em metanol e
outros (entre os "outros" se destacam hidrocarbonetos de cadeia média a comprida e diversos
alcoóis). Quais são os produtos desta síntese, depende principalmente das condições aplicadas
na síntese: temperatura, pressão, catalisadores. Ao se trabalhar sem pressão e a ~180 °C, os
produtos são hidrocarbonetos sem algum oxigênio, das fórmulas gerais CnH2n+2 (saturados) ou
CnH2n (monoalquenos). A seguinte equação abstrai a produção de hidrocarbonetos a base de
gás de síntese:
(n+2) CO + (2n+5) H2 → H3C-(CH2)n-CH3 + (n+2) H2O
Os produtos primários desta síntese, usando catalisadores de ferro, cobalto e níquel, são:
Metano: 20%
Hidrocarbonetos leves (propano C3H8, butano C4H10, propeno C3H6, buteno C4H8):
10%
Hidrocarbonetos com ponto de ebulição até 200 °C (= "gasolina"): 40%
Hidrocarbonetos com ponto de ebulição até 320 °C (= óleo Diesel): 20%
Hidrocarbonetos sólidos (=parafinas): 10%.
81
Armin Isenmann
Processos Industriais
Através do processo de craqueamento pode ser aumentada posteriormente a porcentagem da
fração da gasolina.
Os fundamentos desta reação foram colocados por Franz Fischer e Hans Tropsch, nos anos
1920. Naquela época, a nova síntese abriu a oportunidade de produzir gasolina, a partir do
carvão mineral - uma estratégia que se tornou substancial para a sobrevivência da economia
alemã durante a guerra. Até hoje este tipo de reações são conhecidas como "Síntese de
Fischer-Tropsch".
Uma divisão da pesquisa aplicada atual visa a otimização do gás de síntese, a partir de
biomassa. Eles testam diferentes rotas e condições de executar pirólise e gaseificação, assim
que elucidarem as melhores combinações destas duas etapas.. Ainda falta aperfeiçoar os
parâmetros desta reação pirolítica, para se obter os hidrocarbonetos leves em alto rendimento,
a partir da natureza viva.
3.1.2 Os multitalentos de C2.
Etileno (= eteno) e etanol
O etileno é o composto C2 mais importante da indústria química. É possível transformá-lo em
uma grande variedade de outras substâncias (ver próxima vista geral). Mundialmente são
produzidos 120 milhões de toneladas de etileno por ano (valor de 2007), dos quais um pouco
mais da metade é transformada em polietileno (PE).
Fig. 48.
Etileno e seus derivados de importância industrial.
82
Armin Isenmann
Processos Industriais
Ao longo das décadas a produção do polietileno foi melhorada e desenvolvida. Os
catalisadores usados hoje têm uma eficiência milhões de vezes acima dos catalisadores
clássicos de Ziegler, as sacolas de plástico de hoje são mais resistentes e muito mais leves do
que as de 20 anos atrás. Já não é mais novidade que existem recipientes de cozinha que
aguentam microondas e o forno sem derreter e o freezer sem quebrar.
A demanda em etileno aumenta constantemente, e esta tendência provavelmente continua. O
etileno é um multi-talento, portanto as pesquisas são intensas em achar fontes alternativas
para sintetizar o etileno.
Fonte clássica do etileno
O acesso principal ao etileno é o craqueamento do petróleo. Também gás
natural pode ser craqueado e fornece o etileno em rendimento ainda
melhor. Porém, os esforços de se obter o etileno a partir do etanol são
muito altos. Trata-se de uma desidratação térmica, catalisada por
contatos ácidos:
H3C-CH2-OH → H2C=CH2 + H2O.
Hoje se consegue o etileno em grande escala, com rendimento de ~99%.
Produção de etanol
Com a crescente demanda por etileno podemos esperar também uma crescente necessidade
em etanol. Novos caminhos de se produzir o etanol estão em desenvolvimento. Em alguns
países industrializados ainda se produz o etanol a partir de recursos fósseis, mas a tendência é
regressiva. Bem mais etanol é produzido por via biotecnológica, usando a fermentação de
amido, açúcar e melaço.
O Brasil é o segundo maior produtor de etanol do
mundo, o maior exportador mundial, e é considerado
o líder internacional em matéria de bicombustíveis e
a primeira economia em ter atingido um uso
sustentável dos bicombustíveis (leia mais:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Etanol_como_combustív
el_no_Brasil). Juntamente, o Brasil e os Estados
Unidos lideram a produção do etanol, e foram
responsáveis em 2008 por 89% da produção mundial
e quase 90% do etanol combustível. Em 2010 a
produção brasileira foi de 27,4 bilhões de litros,
equivalente ao 37,3% da produção mundial de
etanol. A indústria brasileira de etanol tem 30 anos de história e o país usa como insumo
agrícola a cana de açúcar (nos EUA é o milho). Além disso, por regulamentação do Governo
Federal, toda a gasolina comercializada no país é misturada com 25% de etanol, e desde Julho
de 2009 circulam no país mais de 8 milhões de veículos, automóveis e veículos comerciais
leves, que podem rodar com 100% de etanol ou qualquer outra combinação de etanol e
gasolina, e são chamados popularmente de carros "flex". Hoje a produção mundial de etanol
fica em torno de 60 bilhões de litros.
83
Armin Isenmann
Processos Industriais
Fig. 49.
Volume em bioetanol mundialmente.
É interessante ver como os custos desta produção se desenvolveram:
Fig. 50.
O patamar fica aproximadamente em US$ 180 a cada tonelada de etanol.
A reação bioquímica da fermentação é representada de forma simplificada na próxima figura.
Através de enzimas certas leveduras quebram os açúcares (= hexosas), fornecendo álcool e
CO2. A partir de 1 Kg de glicose se consegue sob condições otimizadas até 0,5 Kg de etanol e
0,5 Kg de CO2.
84
Armin Isenmann
Fig. 51.
Processos Industriais
Funcionamento da fermentação alcoólica (= aeróbica):
ADP, ATP: difosfato e trifosfato da adenosina (fonte de energia)
NAD+; NADH + H+: Nicotinamida adenina dinuceotídeo (co-substrato para reações
redox enzimáticas).
Durante a glicólise um mol de glicose é transformado em várias etapas, a dois mols de
piruvato. Além disso, formam-se dois mols de ATP que representa a fonte de energia para o
fermento. Segue a descarboxilação do piruvato. No final ocorre a redução do acetaldeído ao
etanol, catalisado por NADH. Note que todas as etapas são catalisadas por enzimas.
O bioetanol produzido em grandes tanques de
fermentação tem que ser concentrado depois da sua
síntese. Isto acontece, geralmente, por retificação, ou
seja, destilação fracionada.
Novos caminhos para mais etanol
Embora a produção de etanol seja um processo antigo
e muito bem estudado, os recentes anos trouxeram
muitos melhoramentos nas operações unitárias, visando uma otimização da fermentação. Um
dos maiores problemas a ser vencido é que a concentração do etanol, quando aumenta inibe a
fermentação. Uma possível solução é a retirada contínua do etanol. Isto pode ser feito, por
exemplo, via destilação paralela a vácuo, ou por extração do etanol por outros solventes
orgânicos, ou, uma das linhas mais recentes, por membranas seletivas (quer dizer, paredes que
deixam passar o etanol, mas não a água ou o metanol).
É claro que essas novas técnicas aceleram mais uma vez a produção mundial do etanol. Em
2007 os EUA deslocaram o Brasil do primeiro lugar entre os produtores do etanol. E as metas
são altas: até 2017 visam substituir um terço do petróleo importado, pelo etanol da produção
doméstica. Mas isso somente pode ser alcançado através das novas tecnologias, se não
usariam praticamente a completa safra de milho, para a produção de etanol.
A crescente demanda por bioetanol não pode ser atendida, a longo prazo, somente pela
fermentação de açúcar e amido. É substância das pesquisas atuais de usar, além destas
85
Armin Isenmann
Processos Industriais
matérias
primas,
também a parte da planta que não é utilizada por enquanto:
as folhas, o caule,
em geral, produzir etanol a partir de tais plantas que o
homem
por
enquanto não utiliza como alimento (capim
elefante,
por
exemplo). Isto poderia ser feito de preferência
em
biorrefiarias,
onde matérias- primas de madeira são
separadas em seus
componentes principais, a celulose, as
hemiceluloses
e
a
lignina. Tanto a celulose quanto as
hemiceluloses são potenciais
materiais de partida para o
etanol. Mas antes da sua
fermentação estes materiais
poliméricos devem ser "craqueados",
quer dizer, transformados em
açúcares simples. Os processos industriais onde enzimas modificadas por biotecnologia
("celulases", especialmente as endoglucanases), conseguem quebrar estes polímeros naturais e
resistentes, atualmente estão em desenvolvimento. Estes biocatalisadores devem substituir a
médio prazo o ácido sulfúrico concentrado com que se consegue essa degradação também.
Um obstáculo por enquanto não vencido é a alta cristalinidade da celulose natural. Tanto a
celulase como o H2SO4 conseguem hidrolisar a parte amorfa da celulose, mas não a parte
cristalina.
O etanol ainda consegue mais....
O etanol é muito mais do que apenas componente C2 que pode ser transformado em etileno.
As indústrias farmacêutica e química, usam cada vez mais o etanol como solvente nos seus
processos e preparados. Também devemos reconhecer que até hoje apenas no Brasil o etanol é
misturado à gasolina em quantidades notáveis, enquanto o resto do mundo o usa em somente
< 5%.
O que trará o próximo futuro?
Nos anos 40 do século 19 o etileno foi produzido a partir do etanol, e essa reação antiga agora
percorre um renascimento. A época do craqueamento térmico do petróleo, parece, ultrapassou
seu auge. Um preço elevado do petróleo cru e também os altíssimos custos de investimento
para instalar uma fábrica de etileno, são fortes argumentos de produzir etileno a partir do
etanol. Afinal, dependemos também do preço do bioetanol (ver Fig. 50). Ultimamente
observamos uma subida do preço do etanol, paralelamente ao petróleo, principalmente devido
à crescente aceitação do etanol como aditivo em combustível de carros. Mas especialmente
naqueles países onde a cana-de-açúcar tem tradição, poderiam futuramente participar mais
fortemente neste mercado. O Brasil é o candidato mais forte entre eles. Já temos as primeiras
fábricas de polietileno e PVC que aproveitam da matéria prima etanol.
Ressaltamos que ainda é um problema não vencido que apenas uma pequena parte da planta
está sendo transformada em etanol, já que a cana de açúcar tem aproximadamente 20% de
sacarose. Implica que se precisam grandes áreas para sua plantação - áreas que fazem falta na
questão de produzir outros alimentos.
3.1.3 Os componentes químicos C3 - o reinado das bactérias.
86
Armin Isenmann
Processos Industriais
Ácido lático e seus derivados químicos
Ácido lático ou 2-hidroxi ácido propanóico, é um componente C3 que
é quase tão universal como o etileno. Portanto, é altamente provável
que este composto se torne muito importante no próximo futuro.
Este ácido é um produto da degradação anaeróbica de açúcares. Faz
parte em quase todos os organismos vivos. Em nosso corpo, por
exemplo, quando fazemos exercícios físicos demasiados (também
chamados de esforços anaeróbicos). Aos queijos o ácido lático
proporciona o sabor levemente azedo que agrada o nosso paladar,
e também a acidez da famosa comida alemã "chucrute" se deve a
este composto. O ácido lático foi descoberto em 1780 pelo
químico sueco Scheele, no leite azedo.
Material multi-uso
O ácido lático é bastante usado na indústria alimentícia como aditivo E 270, um acidulante,
muito usado em doces e refrigerantes. Também a indústria cosmética o usa, e a indústria do
couro aproveita dele no processo de curtume onde serve para tirar a cal das peles. É o
monômero em poli-ácido lático (PLA, ver Fig. 52), um plástico biodegradável. Há certo
tempo que o PLA se estabeleceu como material de fazer
implantes e fios de costura cirúrgicos e tornou-se um dos mais
importantes materiais biocompatíveis na medicina. Como PLA
é transparente, ele também é utilizado como embalagem para
alimentos frescos, de curta duração. Folhas e copinhos feitos de
PLA se decompõem no lixão dentro de 3 meses. Atualmente,
os pesquisadores procuram novas aplicações para o PLA, ao
misturar com outros materiais plásticos ("blend"), fazer
copolímeros ou incorporar materiais de recheio.
A partir do ácido lático podem ainda ser feitos muitos outros produtos químicos, dos quais a
Fig. 52 mostra os mais bem estudados e promissores. Porém, o PLA é por enquanto o único
produto de importância, realizado em escala industrial. As outras rotas não têm maturidade e,
portanto, não são rentáveis ainda. Dentro da ampla gama de produtos o ácido acrílico e o 1,2propanodiol têm o maior potencial, pois são os monômeros de plásticos de alto valor
agregado. A partir do petróleo se produzem hoje mais de 2,4 milhões de toneladas do ácido
acrílico, base para os poliacrilatos. Mas, honestamente, a rota do ácido acrílico via ácido
lático, é um assunto de pesquisas aplicadas que ainda requer de grandes esforços para ser
levado à produção em série.
87
Armin Isenmann
Fig. 52.
Processos Industriais
As sínteses mais promissoras a partir do ácido lático.
Produção do ácido lático
Já em 1813 o francês Braconnot relatou da possibilidade de produzir grande quantidade de
ácido lático por meio de bactérias. A produção biotecnológica em grande escala começou
mesmo em 1881.
Ainda hoje a maior parte das 450.000 toneladas de ácido lático está sendo produzida via
bactérias. Os especialistas estimam que esta quantidade aumentará drasticamente no próximo
futuro. Um estudo feito pelo Ministério de Energia dos Estados Unidos revelou que o ácido
lático é um dos 30 candidatos mais utilizados como componente de síntese, no futuro.
Em alta escala o ácido lático é feito por fermentação de glicose ou outros hexosas que, por sua
vez, são isolados de amido de batatas, grãos, melaço, outros produtos contendo açúcar ou a
partir de soro do leite. Usam-se duas espécies de bactérias: as homofermentativas que
produzem exclusivamente ácido lático, ou os heterofermentativos que também fornecem
outras pequenas moléculas, tais como ácido acético, etanol ou gás carbônico. Na indústria de
laticínios usa-se, por exemplo, o lactobacillus casei, sendo uma bactéria homofermentativa.
Fig. 53. Esta rota de fermentação é mais lenta do que a aeróbica via leveduras,
apresentada na Fig. 51. O intermediário é piruvato que sofre redução para o ânion
do ácido lático (= lactato). Esta última etapa, na natureza, é catalisada por NADH.
Pesquisas em melhorias na produção
Dentre as diversas linhas de pesquisa na produção de ácido lático destacam-se:
88
Armin Isenmann
Processos Industriais
Existe um jeito de usar lignoceluloses para a produção de ácido lático, em vez de usar
os valiosos (por serem alimentos) açúcares e melaço?
Outros grupos estudam os nutrientes que os microorganismos precisam durante a
fermentação. Objetivo é substituir os peptídeos solúveis, aminoácidos, fosfatos,
vitaminas e sais de amônio, por nutrientes mais baratos.
Um problema ainda mal resolvido é o destino dos subprodutos da fermentação, a não
dizer, o lixo. Como separar as partes inúteis do ácido lático?
Durante a fermentação o pH da mistura reacional deve ficar entre 5 e 6. Isso se alcança por
adição de cal (mais barato), amônia ou soda cáustica. Para finalmente produzir o ácido lático
livre deve-se acidificar a mistura com um ácido forte, no caso com H2SO4. Justamente nesta
etapa produzem-se os sulfatos de amônio, sódio e cálcio em grandes quantidades. Para evitar
estas quantidades de sais e evitar problemas ambientais (no passado produziram-se montanhas
de "gesso químico", subproduto das neutralizações industriais), é necessário achar caminhos
de produção mais eficazes. Uma possível solução será achar bactérias geneticamente
modificadas que conseguem produzir o ácido lático em ambiente neutro.
Quiralidade molecular
Caso dois isômeros se distinguem apenas na posição relativa dos grupos funcionais e, além
disso, são como original e imagem espelho (= quiralidade), daí chamam-se de enanciômeros.
Se não forem espelháveis seriam diastereoisômeros.
O C2 do ácido lático é um centro assimétrico (= 4 diferentes vizinhos), portanto existem dois
enanciômeros:
A maioria dos microorganismos produz apenas um destes enanciômeros. Eles trabalham de
maneira enanciosseletiva, isto é, produzem >99% de excesso enanciomêrico ("% ee").
Atualmente, usam-se processos bioquímicos na produção do ácido lático com uma pureza
óptica de 85 a 95% ee - o valor exato depende o tipo de açúcar usado como matéria prima.
Note que na aplicação do ácido lático no PLA, as qualidades termo-mecânicas do polímero
podem ser ajustadas, através da mistura apropriada das antípodas ópticos, S e R.
A indústria farmacêutica está muito interessada em produções enanciosseletivas. Os remédios
devem ser aplicados na forma opticamente pura, pois somente um dos enanciópodos mostra
ação desejada dentro do corpo humano, enquanto o outro é sem efeito ou, no pior caso,
prejudicial à saúde humana. O ácido lático é um importante representante do "chiral pool",
isto são substâncias elementares com as quais se consegue estabelecer uma linha de síntese
orgânica de um produto opticamente puro ou, quando aplicados em técnicas cromatográficas,
a separação de misturas racêmicas.
89
Armin Isenmann
Processos Industriais
Glicerina, o segundo componente C3 mais importante.
Também a glicerina (ou glicerol) é um multi-talento que pode ser transformado em uma série
de outros compostos básicos da indústria química (ver tabela abaixo).
Tab. 10.
Aplicações da glicerina:
Setor industrial:
Uso:
Farmacêutico
Composto em pomadas
Cosmético
Parte em cremes e pasta de dente
Têxtil
Usado na "apretura"; acabamento de tecidos finos.
Automotivo e Mecânico
Líquidos de freio e de refrigeração
Plásticos
Plastificante
Explosivos
Nitroglicerina 5 e dinamite
Além destes, usa-se bastante glicerina na
produção de poliuretanos, onde tem o papel de
ramificador, em resinas alquídicas (tintas) e na
síntese de resinas epóxis. Com a adição da
glicerina estas resinas tornam-se insolúveis,
duros e resistentes, especialmente vantajosas em
qualquer tipo de tratamento de superfícies.
Glicerina pura - um procedimento difícil
Todos os campos de aplicação mencionados
acima pedem uma glicerina altamente
purificada. O tratamento de gorduras e óleos
vegetais em grande escala, por outro lado,
fornece a glicerina sempre em solução diluída.
Nesta a maior parte é água, mas também tem
sais alcalinos, proteínas hidrolisadas e outros. Portanto, a mistura não pode ser usada como
tal. Por exemplo, na produção de biodiesel obtemos 1 kg desta glicerina crua, com < 15% de
glicerina, a cada 9 kg de biodiesel. Embora a porcentagem deste subproduto pareça pequena, a
quantidade absoluta da glicerina é notável. Lembramos que uma lei de 2010 exige pelo menos
5% de biodiesel dentro do diesel para veículos pesados. Somente para os EUA estima-se um
aumento da produção de biodiesel, de atualmente 160 milhões de litros, a 1,6 bilhões de litros
em 2015, então um aumento pelo fator 10. Assim, uma procura intensa começou, visando o
5
A denominação "Nitro" é muitas vezes usada de forma errônea (agupamento nitro = C-NO2). A famosa
"Nitroglicerina" na verdade não é um composto nitro, mas sim, o triéster do ácido nítrico:
O
O
N
OH
HO
OH
glicerina
+ 3 HNO3
O
O
N O
O
O
O N
O
"Nitroglicerina"
(tri-éster do ácido nítrico)
90
Armin Isenmann
Processos Industriais
beneficiamento da glicerina crua 6, agregar valor em forma de outras substâncias úteis, tais
como 1,3-propanodiol, acroleína, ácido acrílico ou epicloridrina, mas também ésteres, éteres e
acetais da glicerina. Um composto promissor é, por exemplo, o carbonato da glicerina, que
mostrou-se um solvente versátil.
H
HO
O
OH
1,3-Propanodiol
Acroleína
HO
O
O
Cl
Epicloridrina
Fig. 54.
HO
OH
OH
Ácido acrílico
Possíveis produtos de plataforma C3 a partir da glicerina.
Compostos C3 que não são do petróleo?
1,3-propanodiol, 1,2-propanodiol, ácido acrílico e epicloridrina atualmente são considerados
os derivados C3 mais importantes na síntese industrial, todos derivados da glicerina:
1,3-propanodiol é um dos monômeros de poliésteres que acham larga aceitação na indústria
têxtil e na produção de tapetes. O poliéster mais produzido é o poli-trimetileno-tereftalato
(PTT) da DuPont, um termoplástico parente do PET.
1,2-propanodiol se mistura bem com a água e uma série de solventes orgânicos. Isso o torna
tecnicamente interessante como compatibilizante que pode melhorar o rendimento e acelerar
aquelas sínteses onde o impedimento é ser bifásico.
Ácido acrílico e seus ésteres são monômeros importantes, para
produzir os mais diversos polímeros acrílicos (em tintas, colas,
reforço em papel, acabamento em têxteis, entre outros). O
próprio poli-ácido acrílico, aliás, é um material fantástico
conhecido como superabsorvente. É muito utilizado, por
exemplo, em fraldas, porque consegue reter a água, em
quantidade 1000 vezes mais o próprio peso. Mas também é
eficaz como formador de gel (em creme dental, pós-barba, gel
de cabelo, etc.), largamente comercializado como Carbopol.
Epicloridrina é essencial para a produção de resinas epóxis.
Estas resinas, na maioria das vezes, são usadas como material rejunto de fibras, formando
objetos de plásticos reforçados que podem cobrir grande áreas e volumes estruturais, sem
quebrar. Sendo assim, são predestinados para formar carrocerias de veículos terrestres, barcos,
aviões, piscinas e caixas d´água para nossas casas.
6
C. J. A. Mota, C. X. A. da Silva e V. L. C. Gonçalves. Gliceroquímica: novos produtos e processos a
partir da glicerina de produção de biodiesel. Quim. Nova 32 (2009) 639-648.
91
Armin Isenmann
Processos Industriais
Até então os componentes mencionados são produzidos quase exclusivamente a base do
petróleo. Em seguida vamos ver como é possível obtê-los a partir da glicerina - no caso do
1,2-propanodiol a partir do ácido lático ou do açúcar.
Sínteses do 1,3-propanodiol e do 1,2-propanodiol
A síntese comercial do 1,3-propanodiol é feita hoje por dois caminhos:
Adição de água em acroleína 7 fornece o intermediário 3-hidroxipropionaldeído. Este
pode ser reduzido por hidrogênio no catalisador heterogêneo, para o produto alvo.
Somente em menores partes esta rota leva ao 1,2-propanodiol (ver esquema a seguir).
O segundo processo é a carbonilação (= adição de CO) em óxido de etileno (=
oxirano).
A alternativa agora seria a síntese biotecnológica do 1,3-propanodiol, submetendo a glicerina
à desidratação catalisada por microorganismos. Esta rota foi intensamente pesquisada nos
anos recentes. Baseia-se em conversão da glicerina crua por meio de bactérias. Para melhorar
a rentabilidade deste processo é pesquisado o aumento da tolerância dos microorganismos,
tanto frente ao material de partida (glicerina) quanto ao produto visado (1,3-propanodiol). A
clara vantagem desta rota é o uso da glicerina crua - por sua vez muito barata e de
disponibilidade ilimitada. Até o momento, porém, esta rota ainda não pode concorrer com os
caminhos tradicionais.
Além destes, a pesquisa vai em direção da transformação direta, de açúcares em 1,3propanodiol, por meio de microorganismos geneticamente manipulados. Neste caminho a
7
A acroleína usada nesta rota resulta da oxidação parcial do propileno proveniente do petróleo. A adição de
nucleófilos em compostos carbonilados α,β-insaturados, conforme descrito no esquema, se conhece como reação
de Michael.
92
Armin Isenmann
Processos Industriais
indústria fez bastante progresso: na Alemanha a primeira planta que produz o 1,3-propanodiol
a partir de trigo já está em fase de implementação.
Como o 1,3-propanodiol, também o 1,2-propanodiol pode ser obtido por meio de
microorganismos. Diferenciam-se dois caminhos:
Fermentação de açúcares para ácido lático, seguida por uma hidrogenação catalítica.
Fermentação direta de açúcares.
As rotas biológicas têm a vantagem de produzir o 1,2-propanodiol opticamente puro (isto é,
somente um enanciômero) - o que não é possível na adição química de água no óxido de
propileno, por sua vez o caminho clássico até hoje.
Há ainda outra rota para o propanodiol que está sendo elaborada nos laboratórios da pesquisa
aplicada: uma síntese a alta pressão e temperatura, 250 bar e 300 a 350 °C, enquanto o
material de partida é a glicerina crua proveniente da produção de biodiesel. Acontece uma
desidroxilação (mecanismo ainda desconhecido) que fornece o 1,2-propanodiol em
quantidades satisfatórias. Todavia, nas estimativas atuais a redução do ácido lático dominará o
cenário do 1,2-propanodiol.
Uso do 1,2-propanodiol: plásticos e cosméticos
Pelas quantidades produzidas os propanodióis não pertencem à primeira categoria em termos
de consumo ("bulk chemicals"), mas fazem parte da 2a liga, ou seja, são "major commodity
chemicals" com em torno de 1 milhão de toneladas. Para fazer idéia, somente na Alemanha
foram produzidas 350.000 toneladas de 1,2-propanodiol em 2004.
Uso principal de 1,2-propanodiol é em resinas alquídicas (= tintas) e em resinas de
poliésteres, mas também funciona como aditivo plastificante em polímeros vinílicos. Além
destes, é usado como iniciador na produção de poliuretanos.
Na indústria alimentícia serve como:
Meio conservante,
Solvente para gelatina, corantes e aromas,
Emulsificante e
Umectante para fumo.
Nos setores cosmético e farmacêutico é usado como carregador em pomadas, cremes e
remédios sólidos.
Ainda vale ressaltar que a esterificação ou eterificação dos grupos hidroxilas do 1,2propanodiol também fornece valiosos solventes, plastificantes, espessantes e emulsificantes.
A condensação com óxido de propileno leva aos di, tri e polipropilenoglicóis - igualmente
solventes que podem ser usados a altas temperaturas.
Acroleína e ácido acrílico
O processo dominante hoje para ácido acrílico é a oxidação catalítica do propileno que, por
sua vez, vem do petróleo:
93
Armin Isenmann
Processos Industriais
Como o ácido acrílico é um produto intermediário muito importante, há grande interesse
industrial achar caminhos alternativos de acessá-lo a partir de recursos renováveis. Material
de partida pode ser a glicerina. Num aquecimento a 250 a 350 °C, na presença de
catalisadores de desidratação e na ausência de ar, ocorre a conversão para acroleína. Em uma
etapa subsequente a acoleína pode ser oxidada com facilidade ao ácido acrílico:
Síntese de epicloridrina a partir da glicerina
O caminho clássico para a epicloridrina é igualmente a partir do propileno que, após sua
cloração radicalar em posição alílica, adiciona hipoclorito na dupla ligação e fornece dois
dicloropropanóis isomêricos. Os dois podem ser transformados em epicloridrina via
tratamento com a base hidróxido de cálcio:
Fig. 55.
Síntese clássica da epicloridrina, a partir do propileno.
94
Armin Isenmann
Processos Industriais
Essa rota é afetada com uma série de problemas, pois fornece uma série de produtos paralelos.
Além de ser uma síntese "suja", consome bastante cloro. Em caminhos novos se tenta
converter diretamente a glicerina crua em epicloridrina. Isso se consegue via glicerina clorada
(= cloridrinas) que são acessíveis por tratamento com HCl. Segue a etapa clássica com base
que leva à epicloridrina:
Este processo realmente não tem muitos produtos paralelos, nem tantos subprodutos inúteis.
Além disso, o consumo de água neste processo é menor do que na síntese a base do propileno.
E, afinal, não requer de cloro livre em nenhuma das etapas.
3.1.4 Os componentes C4
Ácido succínico
Quem quisesse produzir o ácido succínico como
seu descobridor, Georgius Agricola uns 500 anos
atrás, teria um produto extremamente caro: ele o
obteu por aquecimento de verdadeiras pedrinhas
de âmbar! 8 Mas, descobriram mais tarde, que este
ácido não é tão raro. Ele também existe em muitas
frutas, algas e cogumelos.
A química transforma o ácido succínico em
poliésteres biodegradáveis, por exemplo, para
produzir sacos de lixo que se decompõem
rapidamente ao serem depositados no ambiente. Mas também há materiais de mais alto valor
agregado, na maioria reagentes da química fina, que são produzidos a partir do ácido
succínico. Afinal, aproveitam dele os setores polímeros, alimentos, farmacêutico e cosmético.
Na indústria alimentícia, por exemplo, este ácido é usado como acidulante de refrigerantes e
bebidas, realçador de sabores e conservante em comidas.
Os sais e ésteres do ácido succínico são os chamados succinatos. A Fig. 56 mostra que
realmente temos um componente C4 universal para a indústria química.
8
Portanto, até hoje o nome alemão para ácido succínico é "Bernstein-Säure", de Bernstein = âmbar.
95
Armin Isenmann
Fig. 56.
Processos Industriais
Sínteses industriais a partir do ácido succínico.
As pirrolidonas e também o tetraidrofurano (THF) são largamente usados e apreciados como
solventes. Aliás, oligômeros contendo pirrolidona, formando a polivinilpirrolidona, são
usados para repor o plasma do sangue humano, em casos de acidentes graves. Butanodiol é
usado em polimerizações, tanto como componente monomérica quanto como solvente. E o
diaminobutano é usado cada vez mais para produzir poliamidas (= Nylon).
Por via química ou biotecnológica?
Em grande escala o ácido succínico é feito hoje exclusivamente a partir do petróleo. Caminho
mais aplicado é a hidrogenação de ácido maléico ou do anidirido maléico; outro é a oxidação
de 1,4-butanodiol.
Mais recentemente foram elaboradas estratégias de produzir o ácido succínico em qualidade
superior (= puro), por meio de fermentação. Diversos microorganismos foram cultivados que
conseguem produzir este produto a partir de amido ou proteínas - porém somente em
quantidades pequenas. Para poder concorrer futuramente com o método padrão a partir do
petróleo, estas rotas devem ainda ser bastante otimizadas, tanto no rendimento em ácido
succínico quanto na redução de produtos paralelos, tais como ácido lático e etanol. Embora de
tantos obstáculos e desafios, o interesse em uma síntese biotecnológica do ácido succínico é
cada vez maior:
96
Armin Isenmann
Processos Industriais
3.1.5 Os componentes C5
Os componentes de síntese C5 tocam, por enquanto, na segunda divisão quanto ao interesse
industrial. Isto se deve principalmente ao fato que sua produção é demorada e os rendimentos,
por enquanto, são insatisfatórios. Além disso, em alguns casos, as disponibilidades dos
recursos primários são limitadas, ou seu manuseio é especialmente complicado. Isto impede
uma produção econômica dos compostos C5 a partir de recursos renováveis. Os poucos
produtos que já existem no mercado são exclusivamente reagentes especiais.
Um representante da família C5 que é produzido em quantidades elevadas é o furfural (ver
próxima figura). É um dos produtos voláteis (produto principal: metanol), na pirólise da
madeira. Este composto se deriva do furano, um heteroaromático com oxigênio no seu anel de
5 membros. O furfural pode tranquilamente ser transformado em resinas úteis, na reação de
condensação junto ao formaldeído, fenol, acetona ou uréia.
Vale também lembrar-se que a natureza tem uma preferência para componentes C5, quando
se trata de sínteses em ambiente hidrofóbico. Sendo assim, muitos esteróides, hormônios, mas
também polímeros (borracha natural), são feitos a partir da unidade monomérica do isopreno
(2-metil-1,3-butadieno), com o vimos no cap. 2.13. Sendo assim, conhecemos os terpenos (2
unidades isoprênicas, ou seja, C10), sesquiterpenos (C15), diterpenos (C20), entre outros.
Além do setor farmacêutico o interesse nestes compostos é modesto.
3.1.6 A importante classe dos componentes C6
"Indestrutível", assim foi o atributo da indústria de bebidas no início dos anos 1990 quando
introduziram a nova embalagem de plástico. A garrafa de PVC já existia há mais de 20 anos,
mas este material novo era superior em quase todos os aspectos: o PET.
São bastante leves e, comparadas à garrafa de vidro, realmente próximas de
não destrutíveis. O PET é um poliéster feito das unidades monoméricas de
ácido tereftálico e o diálcool etilenoglicol. É um material extremamente
universal que pode, por exemplo, ser usado para produzir fios que podem
ser tecidos para materiais especiais de roupas de esporte, robustos e de
secagem rápida. Folhas finas de PET servem como embalagens de curta
97
Armin Isenmann
Processos Industriais
duração para alimentos, pois deixam penetrar os gases sem grande impedimento.
Por enquanto o PET é exclusivamente produzido a base de recursos fósseis. Todavia, existem
alternativas a base de recursos renováveis.
Poliésteres a base do furano-2,5-diácido carboxílico
A desidratação de hexosas (= açúcares com 6 carbonos) pode levar ao 5-hidroximetilfurfural,
fórmula dada no último esquema. Esta molécula tem dois grupos funcionais com reatividades
diferentes: os grupos aldeído e hidroxila. Mas, por oxidação rigorosa os dois grupos podem
ser transformados em grupos carboxílicos, ou seja, o produto é o furano-2,5-diácido
carboxílico. Ao comparar este com o ácido tereftálico do PET, reparamos a semelhança
estrutural destes monômeros:
Os dois são diácidos aromáticos. Eles também mostram propriedades físicas semelhantes, tais
como ponto de fusão, volatilidade, etc. Tarefa da pesquisa aplicada é a comparação de
materiais poliméricos feitos a partir do ácido
tereftálico e/ou do seu substituto, o furano-2,5diácido carboxílico. A Fig. 57 refere uns dos
produtos mais promissores que, pelas suas
propriedades
físicas,
podem
concorrer
tranquilamente com o plástico feito do petróleo:
98
Armin Isenmann
Fig. 57.
Processos Industriais
Polímeros a base do furano-2,5-diácido carboxílico (FDCA)
O poliéster a partir do furano-2,5-diácido carboxílico e etilenoglicol, o "polietilenofuranato",
tem um ponto de fusão de 205 a 210 °C. Este fica um pouco abaixo do PET clássico, mas
ainda está numa região tecnicamente muito interessante. Os especialistas vêem neste material
o grande potencial de formar fibras que podem ser trabalhadas pela indústria têxtil para
tecidos de qualidades muito interessantes.
A reação do furano-2,5-diácido carboxílico com uma diamina aromática leva a uma
poliamida, também conhecida como "poliaramida". Por exemplo, com a p-fenilenodiamina se
obtém um polímero de ponto de fusão extremamente alto e uma estabilidade mecânica
excepcional. Sendo assim, este material pode repor o Kevlar, uma fibra de poliaramida que
serve para fazer coletes a prova de balas, cordas de alpinistas e muito mais.
O grande potencial do furano-2,5-diácido carboxílico foi reconhecido pelo ministério
americano de energia, em 2004. Em um estudo dos mais promissores compostos a partir de
recursos renováveis este diácido chegou à posição 12 entre todos os compostos de
importância.
Do adoçante ao monômero em plásticos
Sorbitol e manitol são bastante usados hoje como adoçantes de baixa caloria que, além disso,
não alimentam as bactérias prejudiciais da flora bucal (cárie). Sendo assim, são usados em
alimentos "diet", chicletes ou em pasta de dente. Quem presta atenção à etiqueta de um
alimento "light" também pode encontrar muitas vezes estes dois alcoóis de açúcares (=
"hexitóis").
99
Armin Isenmann
Processos Industriais
Informações adicionais sobre estes hexitóis:
Sorbitol se encontra em quantidades maiores na natureza
vegetal. Por exemplo, na casca da sorveira e do pilriteiro.
Além disso, encontra-se em frutas de caroço ou sementes
(maçã, pêra, ameixa, cereja, etc.). Em outras frutas, tais
como a banana e o abacaxi, não há sorbitol. Portanto, pode
ser usado como indicador no teste que comprova uma
mistura ilegal de sucos destas frutas com frutas de
caroços.
As bactérias da flora bucal praticamente não atacam o
sorbitol, portanto não se transforme em polissacarídeos ou ácidos que promovem a cárie
dental. Portanto, o sorbitol achou larga aplicação para repor o açúcar comum, em alimentos
diet, light ou para diabéticos. Sorbitol é também matéria prima na síntese industrial da
vitamina C (ácido L-ascórbico) e na produção de agentes tensioativos não-iônicos (=
detergentes). Serve, além disso, como estabilizador de vitaminas, enzimas, preparados
farmacêuticos e cosméticos, e pode ser o monômero para
poliéteres em lacas de pintura.
O manitol é um composto encontrado em muitas plantas. No
"mana", isto é o suco gelificado do freixo de mana, o manitol
representa o composto principal. Em algas, cogumelos e
vergas é usado como material de reservas. As aplicações do
manitol são semelhantes ao sorbitol: adoçante e umectante
em produtos cosméticos (p.ex., em pasta de dente). A
indústria farmacêutica o usa como excipiente e para a síntese
do hexanitrato do manitol - um remédio com efeito dilatante
vascular. Fora dos setores alimentício e cosmético o manitol
serve como lubrificante, estabilizante e de monômero em
resinas duromêricas (tintas e lacas).
Do açúcar ao adoçante
Maior parte do sorbitol hoje ainda está feito por hidrogenação catalítica, a partir da D-glicose.
Essa via química tem a grande desvantagem de requerer um processo de purificação caro e
demorado, a fim de retirar restos do catalisador - que é, no caso, um metal pesado. Mais
utilizado é um catalisador heterogêneo à base de rutênio e níquel.
Em um projeto de pesquisa foi recentemente desenvolvido um novo processo bioquímico que
fornece de maneira direta o álcool de açúcar, sem necessidade de purificação complicada.
Além disso, a operação é contínua - sempre uma grande vantagem na produção industrial.
100
Armin Isenmann
Processos Industriais
Sendo assim, a glicose é transformada em apenas 5 minutos e com ótimos rendimentos, em
sorbitol.
O manitol é feito, em analogia ao sorbitol, a partir da parte da frutose dentro açúcar invertido.
Como a frutose sempre é acompanhada por glicose, mesmo que seja em menores partes, o
manitol técnico sempre contém algum sorbitol. Além disso, observamos que a redução da
frutose, quando não for estereosseletiva, leva aos dois produtos, manitol e sorbitol, em
quantidades idênticas. Mas essa impureza química não incomoda nas aplicações descritas
acima.
Reação padrão para os poliuretanos
Manitol e sorbitol são apropriados na síntese de poliuretanos,
onde funcionam como ramificadores. A reação chave é uma
adição, do álcool nucleofílico ao carbono do grupo isocianato.
Resulta a estrutura de uretano (que é um derivado do ácido
carbônico, como também as uréias e os carbonatos):
Em dependência das condições aplicadas, obtêm-se espumas rígidas (para fins de isolamento),
elásticas (para assentos de carros e colchões), termoplásticos e borrachas que vão de moleelástico (solas de sapatos) até duro (botas de esqui).
3.1.7 Compostos de síntese que vêm da floresta - a outra face da lignina
A partir da lignina poderiam ser feitos
muitos artigos de valor: colas, pastilhas de
freio, tintas para estruturas metálicas e muito
mais. Recentemente foi desenvolvida uma
rota para um material plástico, composto de
lignina e celulose e conhecida como
"madeira liquefeita" ou Arboform (1998). O
material é muito promissor, já que é mais
resistente à degradação do que a própria
madeira. Este novo produto ainda requer de
bastantes pesquisas no processamento, por
que a lignina proveniente do processo Kraft
deve ser purificada e refinada em um
processo caro e demorado.
Em geral, a diversidade estrutural da lignina acarreta obstáculos no seu refinamento que
somente aos poucos estão sendo vencidos. Podemos afirmar que, por enquanto, todas as rotas
de acesso aos monômeros da lignina são extremamente difíceis; são a pirólise (= tratamento
térmico sob exclusão de ar), clivagem química-catalítica e a degradação bioquímica, com
101
Armin Isenmann
Processos Industriais
ajuda de enzimas, cogumelos ou bactérias. Daí a questão é: como conseguimos mesmo assim,
uma variedade grande de compostos úteis, a partir da lignina?
O que mais chama a atenção na estrutura química da lignina são as unidades fenólicas. Isto é,
um polímero aromático que pode servir como fonte de diversos derivados do fenol, Ar-OH.
Estes poderiam ser usados na fábrica de plásticos, resinas, colas, tintas, etc.
A arte do refinamento
No craqueamento da lignina, por exemplo por pirólise ou por tratamento de uma suspensão
aquosa na presença de catalisadores, obtém-se uma mistura oleosa-viscosa de vários
compostos fenólicos de massa molar menor, mas na média ainda grande (ver seções 2.4 e
2.7.2). Sua cor é marrom-amarelada, o cheiro é o típico da fumaça (que se conhece das
salsichas defumadas). As estruturas químicas dos inúmeros compostos nesta mistura são
bastante semelhantes, portanto uma separação, com os equipamentos industriais
estabelecidos, não é satisfatória nem economicamente viável. A seguinte figura mostra
somente alguns poucos dos diversos compostos que se obtém na quebra da lignina:
Fig. 58.
Seleção de alguns compostos monoméricos da pirólise de lignina.
102
Armin Isenmann
Processos Industriais
Fig. 59. Fragmentos de massa molar média (polióis), a partir da lignina; podem ser
usados na síntese de novos poliuretanos.
Os melhores rendimentos em compostos úteis que são atingidos com as mais modernas
operações hoje, são entre 20 e 30%, da massa da lignina crua. A maior parte da lignina se
transforma, no entanto, em compostos voláteis, tais como:
Ácidos carboxílicos (ácido fórmico, ácido acético)
Alcoóis (metanol, etanol)
Gases (gás carbônico, alcanos, alquenos),
além de um resíduo sólido e preto que tem bastante semelhança com o coque a partir do
petróleo.
Pelo menos os processos foram desenvolvidos até um ponto que permite aumentar as
quantidades relativas em compostos oleosos. Dentre destes, especialmente os derivados ohidroxifenilas. Condicional para o sucesso desta operação, porém, é o uso de uma lignina
isenta de quaisquer compostos e íons contendo enxofre. Estes reagentes não provêm da
natureza, mas sim, do processamento tradicional na fábrica de papel e celulose (processo
Kraft, processo de sulfita). Portanto, é imperativo que a lignina seja isolada por um processo
alternativo livre de sulfatos, sulfitos, etc. Oferecem-se os processos "Organossolv", onde a
madeira é processada em solventes orgânicos (por exemplo, em misturas água/etanol;
compare seção 2.6.3).
As pesquisas em andamento visam o uso dos fragmentos da lignina, em produtos especiais
tais como colas, tintas de parede, pastilhas de freio, discos de polimento, plásticos
duromêricos, espumas. O objetivo principal em todas estas atividades é uma reposição, pelo
menos parcial, dos reagentes provenientes do petróleo, fora de modificações direcionadas das
propriedades destes novos materiais. Sendo um exemplo de sucesso a produção de resinas
epóxis, descrita a seguir.
103
Armin Isenmann
Processos Industriais
Novas resinas epóxis
A fonte principal dos ingredientes em resinas epóxis hoje é o petróleo. A rota de síntese mais
importante é a poliadição/policondensação entre bisfenol-A e epicloridrina:
Fig. 60.
Síntese de resinas epóxis (fórmula abstraída), reação principal.
As resinas epóxis acharam larga aplicação como colas de alta performance de dois
componentes e em materiais de tratamento de superfície. Além destes, as resinas epóxis
representam a matriz em placas e peças estruturais grandes, muitas vezes reforçadas por fibras
de vidro, fibras de carbono e outras. Esses objetos são extremamente robustos, leves, não
quebram nem racham, ao mesmo tempo são rígidos; assim, são os materiais preferidos na
produção de piscinas, caixas d´água, carrocerias, barcos, etc.
As pesquisas mostraram que certos fragmentos da lignina podem ser envolvidos na estrutura
tradicional da resina epóxi, até formulações completamente novas de resinas foram
desenvolvidas ("advanced resins"). A condição é que os fragmentos na média têm mais de um
grupo fenólico, sendo assim um possível substituto para o bisfenol-A. Uma estratégia
promissora é a produção de um pré-polímero (isto é, prosseguir a condensação até compostos
de massa molar intermediária) que ainda está líquido e pode ser aplicado com facilidade. Em
segunda etapa provocar a reação com os fragmentos da lignina que leva ao produto final, uma
macromolécula de massa molar infinita, insolúvel e infusível. As propriedades destes
materiais ainda não são muito bem estudadas, mas os resultados preliminares são bastante
promissores. Podemos esperar que já nos próximos anos encontraremos os produtos,
provenientes da floresta, em nossa casa, em forma de esmaltes, colas, peças como moldura de
janela, painéis, fachadas, isolamentos contra calor e umidade, caixas de máquinas e muito
mais.
1

Documentos relacionados