química recursos renováveis - Cefet
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química recursos renováveis - Cefet
Armin Isenmann Processos Industriais ARMIN FRANZ ISENMANN QUÍMICA A PARTIR DE RECURSOS RENOVÁVEIS 1a edição Timóteo, MG Edição do Autor 2012 1 Armin Isenmann Processos Industriais Os direitos neste texto são exclusivamente com o autor. Isenmann, Armin Franz Química a partir de recursos renováveis / Armin Franz Isenmann Timóteo, MG : 2012. 1a Edição Bibliografia ISBN 978-85-913050-1-8 1 Armin Isenmann Processos Industriais CENTRO FEDERAL DE EDUCAÇÃO TECNOLÓGICA DE MINAS GERAIS CAMPUS TIMÓTEO Disciplina: Processos Industriais Prof. Armin Isenmann Ementa: madeira, produção de celulose e derivados, processamento da lignina, amido, óleos e gorduras, terpenos, novas rotas de síntese dos químicos de plataforma. Tópico especial: recuperação de químicos em escala industrial. 1 Química a partir de recursos renováveis ............................................................................ 4 1.1 Introdução................................................................................................................... 4 1.2 O leque de produtos da síntese orgânica .................................................................... 5 1.2.1 2 Mais do que apenas gordura e amido ................................................................. 8 Substâncias químicas diretamente do campo ................................................................... 13 2.1 O recurso renovável madeira.................................................................................... 14 2.2 Especialmente estável: Celulose e seus derivados ................................................... 16 2.3 Hemiceluloses .......................................................................................................... 18 2.4 Lignina ..................................................................................................................... 19 2.5 Os demais componentes da madeira, presentes em menores partes ........................ 20 2.6 Celulose a partir da madeira..................................................................................... 21 2.6.1 O processo Kraft............................................................................................... 24 2.6.2 O processo de sulfito ........................................................................................ 26 2.6.3 Outros processos de extração da celulose. ....................................................... 28 2.7 Recuperação de químicos - uma máxima na indústria moderna. Mostrado no ciclo de recuperação do processo Kraft . ...................................................................................... 30 2.7.1 O Ciclo de Recuperação de Químicos Kraft .................................................... 30 2.7.2 Subproduto do digestor: o licor negro diluído ................................................. 31 2.7.3 Evaporação e concentração do licor negro....................................................... 33 2.7.4 Composição do licor negro .............................................................................. 34 2.7.5 Caldeira de Recuperação .................................................................................. 36 2.7.6 Caustificação e Calcinação............................................................................... 46 2.7.7 O Licor verde ................................................................................................... 47 2.7.8 Preparo do licor branco (= "Caustificação") .................................................... 48 2.7.9 Calcinação ........................................................................................................ 50 2.8 Processamento e derivatização da celulose crua ...................................................... 54 2 Armin Isenmann 2.9 O uso químico da lignina e seus monômeros ........................................................... 61 2.9.1 Sulfonato da lignina - material das mais diversas aplicações .......................... 62 2.10 Revisão processamento da madeira.......................................................................... 62 2.11 O uso do amido. ....................................................................................................... 63 2.11.1 Amilose a amilopectina: dois materiais bastante diferentes............................. 64 2.11.2 Amido na produção de papel............................................................................ 64 2.11.3 Amido ramificado: dois exemplos ................................................................... 65 2.12 Gorduras e óleos....................................................................................................... 66 2.12.1 Demanda crescente em óleos vegetais ............................................................. 68 2.12.2 Perspectivas para o futuro ................................................................................ 71 2.13 Terpenos e borracha natural ..................................................................................... 71 2.13.1 Terpenos contra câncer..................................................................................... 73 2.13.2 Sem a borracha ficamos no lugar ..................................................................... 74 2.13.3 Estrutura química e vulcanização..................................................................... 75 2.14 Polihidroxialcanoatos (PHA) ................................................................................... 77 2.14.1 3 Processos Industriais A polêmica dos "biopolímeros" ....................................................................... 78 Química de plataforma, a partir de recursos renováveis .................................................. 80 3.1.1 Pequenos e poderosos - a família C1. .............................................................. 80 3.1.2 Os multitalentos de C2. .................................................................................... 82 3.1.3 Os componentes químicos C3 - o reinado das bactérias. ................................. 86 3.1.4 Os componentes C4.......................................................................................... 95 3.1.5 Os componentes C5.......................................................................................... 97 3.1.6 A importante classe dos componentes C6........................................................ 97 3.1.7 Compostos de síntese que vêm da floresta - a outra face da lignina.............. 101 3 Armin Isenmann Processos Industriais 1 Química a partir de recursos renováveis 1.1 Introdução Biodiesel a partir de óleos de soja, mamona ou palmeira; Corantes naturais a partir de plantas e tinturas minerais; Óleos vegetais para produzir xampu. Tudo isso não é novo, já sabemos e os processos para sua obtenção são padronizados - breve, isso é nosso dia-a-dia. Mas vamos refletir um pouco sobre as matérias primas e afinal questionar como poderíamos aproveitar melhor destas. De onde vêm os "recursos renováveis"? A expressão foi definida nos anos 1970, na então primeira crise do petróleo. Naquela época foi reconhecida pela primeira vez uma escassez dos recursos principais da indústria, os recursos fósseis. Também foi a primeira vez que o largo público foi conscientizando do problema e que foram exigidas fontes alternativas a base de recursos renováveis. Logo a crise foi vencida, o tema desapareceu novamente. Nos anos 1990, no mais tardar, tornou-se evidente uma causalidade entre o consumo de recursos fósseis e as consequências sobre o clima global. Novas expressões tais como "Efeito estufa" (inglês: green house effect) e "buraco de ozônio" tornaram-se populares - o que nem sempre foi a favor de uma divulgação cientificamente correta. Certamente, podemos afirmar que os recursos principais de hoje são finitos, algumas estimas até falam que, suposto a mesma tendência de consumo anual, o petróleo ia acabar em 2060. E o consumo mundial é cada vez maior. Segundo a Deutsche Welle (28/11/2011) o balanço para 2011 será: Aumento anual no consumo de energia: + 33% Emissões de CO2: + 20%. O aquecimento terrestre global continua sendo pronunciadamente acima da média dos últimos 130 anos. 4 Armin Isenmann Processos Industriais Recursos renováveis podemos definir como produtos agrários, florestais e marinhos que são produzidos em escala industrial e não servem diretamente à alimentação. As fontes desta biomassa são: 39% Celulose 30% Lignina 26% outros polissacarídeos (incluindo as hemiceluloses) 4% outros recursos vegetais (= a partir de plantas) 1% origem animal. Surpreendentemente, quase a totalidade dos recursos renováveis vem do reino vegetal. Mais de 90% são polissacarídeos (dos quais se destaca em quantidade a celulose) ou lignina. Destes recursos renováveis, que muitas vezes ganham o atributo "BIO", usamos atualmente em torno de: >80% como fontes de energia (calor, eletricidade) em locais fixos; <15% uso direto, em forma de polímeros e tensidas; <10% como combustíveis para veículos. O leque de aplicações levou à subclassificação em plantas industriais e plantas energéticas. É claro que a atenção dos químicos cabe aos usos industriais dos recursos renováveis. São então plantas (anuais ou perenes) das quais se produzem sistematicamente compostos úteis para a síntese orgânica. Às vezes a própria natureza é utilizada para gerar tais compostos. De onde vêm os polissacarídeos? A celulose, as hemiceluloses e a lignina são as três classes constituintes da madeira. Portanto, o próximo capítulo será dedicado inteiramente a ela. A madeira representa no momento a principal fonte dos recursos renováveis, o que pode se tornar somente no futuro remoto a favor das algas ou outras plantas marinhas. Na totalidade, quer dizer, inclusive o uso como fonte de energia, a madeira é produzida em 2 bilhões de toneladas por ano. Em comparação: Aço: 1 bilhão de toneladas Plásticos: 200 milhões de toneladas, ao ano. Mais informações sobre a madeira, ver cap. 2.1. 1.2 O leque de produtos da síntese orgânica Em cada dia do ano, em quase cada profissão e também em nosso tempo livre, aproveitamos direta ou indiretamente dos produtos industrializados da química orgânica. Saquinhos do supermercado, filmes transparentes frente gases para embalar as frutas na bandeja, vasilhas de plástico na cozinha, remédios e sua embalagem, roupa de fibra sintética, etc. Também são de suma importância estes produtos em outros setores industriais, onde contribuem num constante progresso. Embora as variedades sejam quase inúmeras, todos esses objetos são 5 Armin Isenmann Processos Industriais feitos de algumas poucas matérias-primas. Eis são quase que exclusivamente o petróleo e o gás natural, então recursos fósseis que são considerados finitos e não renováveis pela mão do homem. Destes recursos fósseis se produzem, principalmente, hidrogênio, monóxido de carbono, etileno, propileno, benzeno, tolueno e os xilenos. Através de muitas etapas estes "compostos de plataforma" são refinados e transformados nos produtos finais. O nome já indica que estes recursos formam a plataforma para milhares de outros produtos da química fina. Como as reservas nestes recursos fósseis se esgotam a longo prazo, temos que achar uma fonte alternativa. Na geração de energia essa tarefa já pode ser resolvida hoje, pensamos em energia eólica, hídrica, solar. Mas para produzir um artefato de material orgânico algum recurso contendo carbono é indispensável. Os únicos substitutos possíveis para petróleo, gás e carvão mineral, são então os produtos da natureza viva. A idéia de fazer síntese orgânica com recursos naturais não é nova. Muitos gêneros de produtos podem ser produzidos hoje a partir de recursos vegetais e animais. Em primeira linha, são os óleos e os carboidratos (= açúcar, amido, celulose). Na Alemanha usam-se em torno 2 milhões de toneladas de recursos orgânicos na indústria química, o que corresponde a 6 Armin Isenmann Processos Industriais 10% da demanda total. Com estes valores é campeã mundial. Mas também as outras nações industrializadas estão fazendo grandes esforços em aumentar a taxa destes recursos alternativos. Todavia, a fonte principal de matérias primas continua o petróleo e seus produtos refinados: GLP (= gás liquefeito de petróleo; principalmente os hidrocarbonetos C3 e C4) Querosene e gasolina leve (grande parte ainda usada para a geração de calor e locomoção) Nafta (fração com compostos C5 a C10) Os aromáticos, também chamados de "fração BTX" (= benzeno, tolueno, xilenos). A partir do resíduo da destilação do petróleo podem ser feitos, via destilação a alto vácuo, as graxas e óleos de lubrificação, usados em motores e peças mecânicas. Tecnicamente mais interessantes que os hidrocarbonetos saturados são os insaturados, principalmente o etileno, propileno e isobutileno, além do "gás de síntese", isto é, H2 e CO, purificado e nas proporções certas. Fig. 1. Produção da indústria química, a base de petróleo e gás natural Composto de plataforma mais importante e mais consumido no mundo é o etileno. A produção mundial é de 100 milhões de toneladas por ano. Já o propileno é produzido em 64 milhões de toneladas, o benzeno em terceiro lugar com 23 milhões t. Todos os três são feitos, hoje em dia, quase que exclusivamente a partir da fração do nafta do petróleo. Sua obtenção a base de recursos renováveis ainda não pode concorrer economicamente. Além disso, nos anos passados os preços para os produtos da agropecuária sempre subiram paralelamente aos custos da energia clássica. Portanto, é imprescindível desenvolver novas linhas industriais nas quais os recursos vegetais são produzidos, processados e transformados em compostos de plataforma de maneira mais eficiente, para que sejam concorrentes importantes ao petróleo. As linhas mais promissoras serão apresentadas no cap. 3. 7 Armin Isenmann Fig. 2. Processos Industriais Exemplos de importantes compostos de plataforma para a indústria química. 1.2.1 Mais do que apenas gordura e amido Como já dito acima, em torno de um décimo de todos os recursos usados na indústria química orgânica, vem de animais ou plantas. Os seguintes valores referem-se somente ao consumo na Alemanha: Óleos vegetais (cerca de 800.000 t) Gorduras animais (~ 350.000 t) Amido (~ 300.000 t) Celulose (~ 320.000 t) e Açúcar (~ 240.000 t). Mas a natureza não só fornece gordura e amido - ela providencia uma série de outros produtos com potencial industrial, como se vê na Fig. 3. 8 Armin Isenmann Fig. 3. Processos Industriais Extratos de plantas industriais (a serem usados sem transformação química). Além dos extratos que, após a devida purificação, podem ser usados diretamente, os seres vivos fornecem também outros materiais que são submetidos a processos de refinamento químico. Matérias primas e produtos industriais cuja fonte é a natureza: Matérias primas: Produtos: Lignina Polímeros Celulose Agentes tensoativos Quitina Solventes Hemiceluloses Corantes Açúcar Fragrâncias Amido Farmacêuticos Óleos e gorduras Cosmética Combustíveis Lubrificantes Colas Fibras Onde exatamente os recursos renováveis são aplicados na indústria, depende de vários fatores que são de natureza técnica e/ou econômica. As seguintes questões devem ser respondidas: Há suficiente material do recurso renovável, para cobrir a demanda? Os produtos a partir dos renováveis podem ser produzidos barato o suficiente e os preços podem concorrer com o mercado existente? 9 Armin Isenmann Processos Industriais Têm-se processos industriais adequados para a produção em massa? Pode ser alcançada uma qualidade constante e alta, embora as matérias primas mostrarem ondulações naturais? Quais as diferenças nas composições elementares, H : C : O principalmente, entre as matérias primas provenientes do petróleo e de plantas vivas? Quais as diferenças entre as estruturas moleculares, dos novos recursos em comparação aos estabelecidos? Quais os novos produtos e as novas opções de produção que se abrem com o uso de recursos renováveis? Demanda segura e preços estáveis? Não importa se for feno, folhagem, dejetos orgânicos, resíduos de madeira - quase todos os países dispõem de alguma forma de recursos renováveis. Mas as estimativas para o futuro são bastante inseguras porque a produção e a disponibilidade da biomassa dependem de uma série de fatores. Em geral, podemos afirmar uma crescente demanda de alimentos, uma mudança nos hábitos de alimentação, também na disponibilidade de campos para plantações e na água de irrigação, variações nas condições climáticas, etc. Todos esses fatores influenciam bastante na quantidade com que estes recursos podem ser oferecidos no futuro. Em algumas regiões do planeta são planados hoje milho, soja, colza ou cana de açúcar, somente para a produção de recursos químicos - a maioria para fazer biodiesel ou etanol que são combustíveis veiculares alternativos. A concorrência entre plantações industriais e nutricionais aumenta cada vez. Sendo assim, temos que desenvolver tais novas plantas industriais que podem ser cultivadas em solos que não prestam para plantações nutricionais. De qualquer maneira, podemos prever que a médio prazo os preços dos renováveis não serão muito diferentes dos recursos petroquímicos. Problemas acerca da qualidade dos recursos Para todos os processos industriais a qualidade da matéria-prima não deve variar, senão há problemas na produção e o rendimento do processo cai drasticamente. Isso é um grande problema, tanto nas matérias vegetais como animais. A qualidade depende fortemente Do tempo de colheita Da adubação / nutrição durante o crescimento Do surgimento de doenças, tais como fungos, ataque por insetos ou epidemias. Tudo isso interfere sensivelmente na qualidade do recurso. A composição dos novos recursos A tabela a seguir mostra que há diferenças significativas entre a composição elementar, do petróleo e dos recursos renováveis. Em geral, os últimos são mais pobres em carbono e mais ricos em oxigênio. Mas também a estrutura química é totalmente diferente da do petróleo. Hidrocarbonetos alifáticos e aromáticos no petróleo, muitos diferentes grupos funcionais (alcoóis, aldeídos, cetonas, ácidos carboxílicos,...) nos recursos renováveis. 10 Armin Isenmann Processos Industriais Composições elementares das matérias primas: Petróleo Óleos e gorduras Lignocelulose (= madeira) C 85-90% 76% 50% H 10-14% 13% 6% O 0-1,5% 11% 43% Portanto, o petróleo e o gás natural não podem simplesmente ser repostos por outros recursos, sem adequar os processos. Caso não podemos aproveitar diretamente dos poderes de síntese da natureza (cap. 2), então devem ser desenvolvidas completamente novas rotas de síntese e novos processos químicos (cap. 3), para substituir os recursos fósseis que estamos usando agora. Olhamos, por exemplo, na celulose e no amido. Os dois são feitos do monômero glicose, portanto eles têm a mesma unidade estrutural química. Mas as conexões destes monômeros são bastante diferentes: cadeias lineares e, em consequência, alta regularidade e cristalinidade por um lado, ramificações e cadeias espiraladas e, consequentemente, alta solubilidade na água, por outro lado (compare Fig. 9 na p. 18 e Fig. 4 e Fig. 5, logo em seguida). A quebra destes dois recursos requer de enzimas diferentes, para chegar ao mesmo monômero e prosseguir rotas de síntese em comum. Fig. 4. Estrutura molecular do amido 11 Armin Isenmann Fig. 5. Processos Industriais Ramificações típicas da amilopectina Não importa qual processo finalmente for escolhido, certamente precisamos a conversão do material da natureza, nas mínimas etapas operacionais possível, transformando-o em compostos de plataforma, em rendimento mais alto possível. Somente assim, a indústria poderá oferecer os químicos de plataforma a um preço compatível com os da produção tradicional. Futuro: biorrefinaria? Recursos da natureza, a princípio, não são novidades na produção química. Já na década de 1910, Fritz Henkel estocou centenas de toneladas de frutinhas de palmeira e soja em seus armazéns em Düsseldorf, Alemanha, para que seu óleo seja transformado em sabões, detergentes em pó e colas que levou ao sucesso desta empresa até hoje (os produtos que são vendidos há dezenas de anos são Persil, Dixan, Purex, Fa, Liofol, Loctite, Pritt, entre outros). Henkel foi então um dos pioneiros em explorar os recursos renováveis em grande escala. Hoje se segue dois caminhos para aproveitar dos recursos renováveis em escala industrial, a serem apresentados nos caps. 2 e 3. No primeiro caminho (conteúdo do cap. 2) aproveitamos da diversidade estrutural que a própria natureza criou. Plantas e animais produzem substâncias químicas que podem ser usados diretamente. Entende-se que requerem processos de isolamento e purificação que são bastante exigentes, devido à diversidade estrutural e às massas molares elevadas nos produtos naturais. Um bom exemplo é a celulose vegetal que pode ser usada diretamente na produção dos éteres da celulose ou para fazer fibras. No caminho dois (tópico do cap. 3) a matéria biológica é quebrada em pequenos fragmentos. Quando isso aconteça de maneira controlada e com alta eficiência, a indústria química tem novas matérias primas, alternativas aos compostos de plataforma (inclusive o "gás de síntese", ver p. 80) que atualmente são feitos a partir do petróleo. 12 Armin Isenmann Processos Industriais Especialmente a estratégia dois parece promissora, para se fazer química em escala industrial, no próximo futuro. Porém, devemos ressaltar que a obtenção dos compostos de plataforma é fundamentalmente diferente quando a matéria prima vem da natureza viva. Os alcanos e alquenos contidos no petróleo são transformados em alcoóis, aldeídos, cetonas, compostos nitro etc., isto é, as frações do petróleo são funcionalizadas. Nos recursos renováveis é exatamente oposto: eles já vêm lotados de grupos funcionais (na maioria grupos hidroxilas), e para se obter os compostos de plataforma seria necessário desfuncionalizá-los. Isto é, os grupos funcionais não desejados devem ser retirados seletivamente. Os carboidratos, tais como açúcar, amido ou celulose, são especialmente interessantes quanto à produção dos compostos de plataforma. Só que a biomassa contém muitas classes de substâncias além dos carboidratos: lignina, proteínas e gorduras. Em uma primeira etapa a biomassa deve ser preparada, incluindo a separação destas classes, a purificação e a sua transformação química e/ou térmica. Nesta etapa as refinarias do petróleo podem ser repostas pelas biorrefinarias, onde se têm todas as tecnologias necessárias, tais como a degradação enzimática, a hidrólise catalítica-química e a pirólise, para transformar o recurso natural em um composto da síntese orgânica. No seguinte gráfico citamos as tecnologias mais desenvolvidas hoje, que transformam a glicose em compostos de C1 a C6 que podem ser utilizados na química fina. Uma discussão mais detalhada destas estratégias segue no cap. 3. Hoje são produzidos mais de 30 milhões de toneladas de etanol em processos biotecnológicos, a partir de recursos renováveis. Em grandes tanques de fermentação as bactérias degradam a glicose que está presente em forma de solução aquosa concentrada. O isolamento do etanol é através da destilação (retificação) - um processo muito bem estudado e desenvolvido. Em seguida o etanol pode ser desidratado para o etileno através de uma etapa pirolítica (p. 83). Supomos que todo esse etanol seria disponível para a síntese industrial (o que não é o caso), poderíamos substituir apenas 20% de todo etileno petroquímico consumido no mundo. Muita pesquisa e desenvolvimento de processos devem ser feitos ainda para aperfeiçoar os processos fermentativos, mas os primeiros resultados visam que esse seja o caminho do futuro. 2 Substâncias químicas diretamente do campo Muitos artigos que consumimos ou usamos todos os dias podem ser feitos a partir de material diretamente fornecido pela natureza. Iniciamos este capítulo com a madeira, por sua vez mais importante recurso renovável. Segue a discussão da celulose e da lignina que representam os componentes mais importantes da madeira. Depois disso, o amido sendo um polissacarídeo 13 Armin Isenmann Processos Industriais para aplicações diferentes. Seguem as gorduras e no final serão brevemente discutidos os recursos naturais usados em menor quantidade: terpenos, borracha e os polihidroxialcanoatos. 2.1 O recurso renovável madeira Em torno de 30% da superfície terrestre firme, isto é aproximadamente 4 bilhões de hectares, são cobertas por florestas. Assim, referente à massa, a madeira é o recurso renovável mais importante do planeta. Há estimativas que existem neste planeta cerca de 330 bilhões de m³ de madeira. É claro que essa totalidade não deve ser colhida para ser processada e transformada em química de plataforma, pois as florestas são importantes fornecedores do oxigênio, sem o qual nenhum animal poderia sobreviver. A colheita mundial é em torno de 2,8 bilhões de m³ por ano, o que representa praticamente 1% da totalidade. Existem planos de aumentar a produção do recurso industrial madeira, sem interferir nas florestas já existentes (primárias e reflorestadas). As áreas não cultivadas poderiam ser densamente reflorestadas, com árvores de crescimento rápido, por exemplo, o eucalipto, gmelina, acássia e outros. Em pouco tempo crescem pequenos arbustos ou árvores, de poucos centímetros de diâmetro e uns metros de altura. Estas poderiam ser cortadas (inglês: harvest) com máquinas comuns da agricultura e imediatamente processadas. Madeira é um material composto, seus componentes estruturais são celulose, as hemiceluloses e a lignina. As proporções variam consideravelmente em dependência do tipo de árvore, mas podemos indicar os valores limites na madeira seca, conforme a tabela a seguir: 14 Armin Isenmann Processos Industriais Fig. 6. Esteira com cavacos de madeira de eucalipto, na fábrica de celulose da CENIBRA, Belo Oriente, MG. Contribuição Constituição Função no compósito da madeira Celulose 45% Macromolécula comprida e linear feita de unidades de celobiose. Formação da parede celular; dá estabilidade estrutural à madeira. Hemiceluloses 35% em madeira dura; Macromoléculas de cadeia curta, muitas ramificações, feitas de pentosas. Formação da parede celular; dá estabilidade estrutural à madeira. Macromolécula com ramificações tridimensionais, feita de unidades de metoxifenilpropano. Material de rejunto na célula da madeira; responsável pelo endurecimento da madeira. 25% em madeira mole. Lignina 21% em madeira dura; 25% em madeira mole. Destes, a celulose é de longe o material mais bem definido, no que diz respeito à composição química. Portanto, é a parte mais interessante para as indústrias de transformação. 15 Armin Isenmann Processos Industriais Fig. 7. Estrutura terciária da fibra de madeira: a região entre as fibras é denominada de lamela média (LM; rica em lignina); a camada externa da fibra é a parede primária, depois a parede secundária em três camadas (S1, S2, S3) das quais S2 é a mais inportante na produção por ser mais grossa e mais rica em celulose; o miolo é chamado de lúmen. Fig. 8. Estrutura quaternária do material compósito da madeira: as fibras de celulose, envoltas pelas hemiceluloses, por sua vez embutidas na matriz da lignina. 2.2 Especialmente estável: Celulose e seus derivados A celulose é o biopolímero mais importante e mais produzido em nosso planeta. Estimamos a produção de celulose via fotossíntese, com 1,3 bilhões de toneladas por ano. Ela ocorre em quantidades variáveis em todas as plantas superiores, em muitos cogumelos e algas. A fibra natural de algodão é de 95% de celulose, seguido pelas madeiras duras (40 a 75%), enquanto 16 Armin Isenmann Processos Industriais as madeiras moles, bagaço e feno têm apenas 30 a 50% de celulose. A maior quantidade da celulose produzida industrialmente é usada, no momento, para produzir papel e papelão. A celulose pertence à família dos carboidratos, mais corretamente aos polissacarídeos. Os demais carboidratos de importância industrial são: amido (amilose e amilopectina), quitina e quitosana, e os mono e dissacarídeos que conhecemos todos como açúcar. É um poliglicosídeo (isto é, conexão por um grupo acetal), onde os monômeros de glicose são conectados por seus grupos -OH situados nos carbonos C1 e C4, ver numeração indicada na Fig. 9a. No caso do grupo -OH do C1 trata-se de um hemiacetal que se formou por condensação intramolecular com o grupo -OH do C5. Detalhes desta conexão "1,4-β", ver Fig. 9b). Assim, temos uma poli-β-D-glicosido-1,4-glicose, ela é representada na Fig. 9. (a) (b) (c) 17 Armin Isenmann Processos Industriais (d) Fig. 9. Formação da celulose: (a) Projeção de Fischer e projeção anelada do monômero glicose; (b) Formação do anel piranóide via hemiacetal. (c) Representações alternativas da cadeia polimérica da celulose. (d) Ligações de hidrogênio dentro da celulose cristalina. A celulose foi isolada e caracterizada primeiramente pelo químico Anselme Payen (1838) e representa a molécula orgânica mais disseminada no planeta. O mais marcante é a conexão glicosídica β (Fig. 9c) que, muito ao contrário da conexão α que achamos no amido, não pode ser facilmente quebrada por nosso estômago. Portanto, a celulose não serve como alimento humano. Isso tem vários motivos, entre outros: Não dispomos de uma enzima que catalisa a hidrólise da conexão β-glicosídica. A alta estereorregularidade do polímero favorece a conformação de cadeias alongadas em zig-zag. Uma cadeia de celulose contém entre 500 e 5000 unidades de glicose. Isso leva à formação de cristais de estabilidade extraordinária (ver Fig. 9d). Os agregados da celulose são maiores e mais densos do que os da amilose. Em consequência, o nosso estômago não consegue hidrolisar (= quebrar sob catálise ácida) a celulose em tempos adequados. As cadeias da celulose são rigorosamente lineares (isto é, sem ramificações). Portanto, a formação de pontes de hidrogênio intra e especialmente intermoleculares são favorecidas. Formam-se então as microfibrilas, com grandes partes cristalinas. Estas têm um diâmetro de 10 a 100 nm e um comprimento de vários micrômetros. 2.3 Hemiceluloses As hemiceluloses também são polissacarídeos, mas sua composição química é bastante heterogênea. Os monômeros mais encontrados são: a xilose, glicose, galactose, manose e arabinose, conforme mostrado na Fig. 10. Além disso, as cadeias poliméricas são fortemente ramificadas, enquanto o grau de polimerização é relativamente baixo. As cadeias contêm apenas entre 50 e 250 unidades monoméricas. 18 Armin Isenmann Processos Industriais Fig. 10. Hemiceluloses: (a) Os monômeros mais importantes da hemicelulose (b) Exemplo das conexões dentro do polímero. (c) Polímero feito da xilose, indicados os locais da quebra enzimática. 2.4 Lignina Lignina (do latim: lignum = madeira) é uma macromolécula de malha tridimensional. A diversidade dos seus monômeros é grande, portanto não podemos atribuir uma fórmula definida à lignina. A maioria dos monômeros identificados são derivados do fenilpropano, muitos destes com funções de álcool. Alguns exemplos: álcool cumarílico, coniferílico e sinapílico. As massas molares ficam entre 5000 e 10 000. 19 Armin Isenmann Fig. 11. Processos Industriais Estruturas típicas da lignina. Dentro da madeira a lignina tem o papel de conectar as fibras da celulose de maneira viscoelástica, contribuindo assim para a estabilidade mecânica do material composto. 2.5 Os demais componentes da madeira, presentes em menores partes Terpenos e resinas Os terpenos são conhecidos há muito tempo sendo os compostos principais dos óleos etéricos. São feitos de unidades de isopreno (= 2-metil buta-1,3-dieno; H2C=C(CH3)CH=CH2): 2 unidades isoprênicas = C10 = monoterpeno 3 unidades isoprênicas = C15 = sesquiterpeno 4 unidades isoprênicas = C20 = diterpeno. Os terpenos podem ser cíclicos ou acíclicos, seus grupos funcionais principais são álcool e aldeído. A mistura de terpenos líquidos é conhecida como "terpentina", sua produção mundial fica em torno de 1 milhão de toneladas por ano. Fonte principal dos óleos de terpentina são as coníferas. As agulhas destas árvores são especialmente ricas em terpenos - o que já revela seu cheiro aromático e intenso. Na produção da celulose a partir de pinheiros (EUA, Finlândia), pode-se contar com até 16 Kg de terpentina a cada tonelada de celulose. Abetos fornecem em torno de 3 Kg de terpentina. 20 Armin Isenmann Processos Industriais A terpentina é usada diretamente como solvente em esmaltes, graxa de sapato e resinas de chão. Em menores partes é usada na produção da cânfora, substâncias odoríferas ou vitaminas. Uma visão ampliada sobre os terpenos e o poliisopreno, ver cap. 2.13 (p. 71). Taninos São polifenóis com pesos moleculares entre 500 e 3000. Eles inibem o ataque às plantas por herbívoros vertebrados ou invertebrados e também por microorganismos patogênicos. Isso se deve à diminuição da palatabilidade, dificuldades na digestão e produção de compostos tóxicos dentro do trato digestivo. O termo é largamente utilizado para designar qualquer grande composto polifenólico contendo suficientes grupos hidroxila e outros (como carboxila) para poder formar complexos fortes com proteínas e outras macromoléculas. Suas características gerais são a solubilidade em água, álcool e acetona, sua insolubilidade em éter puro, clorofórmio e benzeno. Além disso, se precipitam quando entrarem em contato com sais de metais pesados. A farmácia aproveita das qualidades dos taninos na complexação com íons metálicos, atividade antioxidante e sequestradora de radicais livres: • • • • • • • Antídotos em intoxicações por metais pesados e alcalóides; Adstringentes (a gente fala que eles "fecham a boca", conhecido do caju ou da carambola verde); Via externa: cicatrizantes, hemostáticos; Via interna: antidiarreicos; Anti-sépticos; Antioxidantes; Antinutritivos (devido ao seu efeito complexante, diminuem a capacidade de absorção de ferro). Na indústria os taninos têm relativamente pouca importância industrial. São ingredientes no processo de fabrico de curtumes, onde se transforma peles (putrecíveis) em couros (não putrecíveis). A casca de carvalho é a principal fonte de taninos para esta indústria. Outros usos são processos de saneamento, tanto para água de adução como de efluentes líquidos; em processos de purificações de líquidos (combustíveis/gasolina) e em processos de perfuração de poços (viscosidade da lama). Sais minerais: Principalmente carbonatos e silicatos. Estes componentes não servem como matéria-prima para produtos químicos. Muito pelo contrário, atrapalham bastante o processamento da madeira, pois desgastam a maquinaria de corte devido à alta abrasão. Especialmente rico em sais minerais e, portanto, usado como adubo, são as cinzas da madeira queimada. Esses sais são especialmente ricos em potássio e cálcio e têm caráter alcalino, então ideal para corrigir o pH de um solo ácido. 2.6 Celulose a partir da madeira A madeira pode ser usada, como todos sabem, diretamente como combustível. Além da geração de energia, ela é essencial na construção civil e na indústria moveleira. Seu 21 Armin Isenmann Processos Industriais desfibramento gera serragem e um pó que são utilizadas para a produção de chapas MDF (do inglês: Medium Density Fibreboard), a degradação térmica (= pirólise) fornece o carvão vegetal e, finalmente, sua digestão química leva à separação dos compostos químicos da madeira e gera produtos como a celulose e o papel. Um resumo destas linhas é dado na Fig. 12. Fig. 12. Vista geral sobre as linhas do processamento alcalino (em amarelo) da madeira (em verde) e as matérias / produtos envolvidos (em azul). Fonte:http://www.tappsa.co.za/archive3/Journal_papers/On_the_management_of_od our/on_the_management_of_odour.html 22 Armin Isenmann Fig. 13. Processos Industriais Esquema funcional de uma fábrica de celulose. Em geral, os processos de digestão fornecem as fibras da celulose, enquanto grande parte da lignina e das hemiceluloses se solubiliza, recolhida e concentrada no chamado "licor negro" (inglês: tall oil). No licor negro o polímero da lignina foi hidrolisado e partido em pequenos fragmentos ou até monômeros. As pontes de éteres da lignina foram quebradas e os fenóis livres, melhor falado os fenóxidos (por trabalhar em ambiente fortemente alcalino), se solubilizam na fase aquosa. O- OH H3CO H3CO SH- + HOR + ArOH RO OH Ar S OH O Fig. 14. Reação abstraída, da dissolução da lignina em lixívia de sulfeto alcalina (processo Kraft). Existem poucos usos economicamente viáveis para o licor negro, portanto é geralmente secado na fábrica de celulose (cap. 2.7.3) e usado como combustível (cap. 2.7.5) para geração de vapor ou energia em turbinas. Sua destilação fracionada, por outro lado, é difícil devido à alta tendência de polimerizar. Assim, o equipamento é coberto, após pouco tempo de operação, por uma resina pegajosa. Pequenas partes do licor negro, porém, são processadas para: Resina de colifônio, melhor conhecida como breu (uso: indústria de borracha, colas e tintas de impressão; além disso, é valorizado pelos violinistas e ginastas). 23 Armin Isenmann Processos Industriais Ácidos graxos Óleos de terpentina. Todavia, processos que têm a finalidade de recuperar a lignina pura e sem notável decomposição estão em desenvolvimento, mas por enquanto não são econômicos. A digestão química da madeira ocorre principalmente por dois processos, a serem discutidos a seguir. Fig. 15. Produção e uso da celulose 2.6.1 O processo Kraft O processo mais importante para a obtenção da polpa da madeira é o processo Kraft, também conhecido como processo de sulfato. Especialmente madeiras de alta resina (abetos, coníferas), mas também plantas de crescimento de um ano (ainda em fase experimental), podem ser processadas por este método. O tempo do ciclo de digestão é especialmente curto e o consumo da água de processo (isto é, a carga de poluição do lençol aquático) é relativamente baixa: em fábricas modernas calculam-se 12 a 15 m³ de água a cada tonelada de celulose produzida. Mundialmente são produzidos cerca de 80% da celulose por este processo. Desvantagens: A grande desvantagem é a alta poluição odora: os processos de purificação dos gases de escapamento são complexos e de alto custo. Também podemos admitir que a eficácia do processo Kraft, em termos de rendimento sobre as matérias-primas, fica abaixo do processo de sulfito. Também nota-se uma coloração mais escura (bege a marrom) da celulose que sai do processo Kraft. Portanto, essa requer de mais esforços nas etapas subsequentes do branqueamento. Descrição do processo: A madeira é picada e os cavacos são levados a um tanque de 50 m³ (ver Fig. 6). Lá é tratada com uma solução de soda cáustica, sulfeto de sódio e carbonato de sódio, enquanto o pH fica entre 10 e 14. As ligninas e hemiceluloses solubilizam-se em grande parte. Parte do Na2S é consumida nesta etapa, portanto deve ser reposta. Isto geralmente é feita em forma de sulfato de sódio, Na2SO4, que, devido às condições redutoras do processo, transforma-se logo em sulfeto de sódio que pode ser visto como sendo o agente principal da digestão. A celulose 24 Armin Isenmann Processos Industriais produzida pelo processo Kraft (do alemão: força) é especialmente forte, suas fibras se destacam por um alto módulo de tensão. Condições típicas deste processo: Temperatura 150 a 180 °C Pressão 8 a 10 atm Tempo: 3 a 6 horas. O processo Kraft pode ser conduzido de forma contínua ou descontínua (inglês: batch). O mais importante é o processo contínuo, conforme ilustrado na Fig. 16. As lascas de madeira são fornecidas ao pré-digestor onde são inchados por vapor d´água a cerca de 2 atm. De lá são levadas, junto à mistura da lixívia virgem, à cabeça do digestor principal. Este tem 90 °C na cabeça e até 180 °C no meio. As lascas atravessam lentamente este digestor. Enquanto disso, parte da lixívia do processo deve ser refluxada externamente. No fundo do digestor a lixívia é separada mecanicamente das fibras da celulose. A lixívia carregada com o licor negro é levada à estação de recuperação, enquanto as fibras da celulose são submetidas ao próximo tratamento que será a lavagem (em várias etapas) e o branqueamento. (a) 25 Armin Isenmann Processos Industriais (b) Fig. 16. Produção da celulose pelo processo Kraft em operação contínua: a) Fluxograma do processo da digestão; b) Esquema indicando o fluxo das matérias. A parte da recuperação do licor de digestão é discutida em detalhe no cap. 2.7, na p. 30. 2.6.2 O processo de sulfito O segundo mais importante processo de polpamento da madeira, historicamente o primeiro (1866), é o processo de sulfito. Em um digestor de até 400 m³ (feito de aço especial, resistente à pressão e oxidação química) as lascas de madeira são tratadas com bissulfitos (Ca(HSO3)2) e um excesso de ácido sulfuroso (H2SO3). Mais recentemente usam-se também os bissulfitos de magnésio e de amônio, com a finalidade de amenizar as condições agressivas. Nesta etapa a lignina torna-se solúvel, em forma de ácidos sulfônicos da lignina. O pH é um parâmetro bastante flexível neste processo e pode ser ajustado, desde ácido até fortemente alcalino. Em ambientes ácidos ocorre também a hidrólise das hemiceluloses e o produto sólido é uma celulose bastante pura. 26 Armin Isenmann Processos Industriais CHO CH 2 CH H C SO 3- Na+ CH 3 O CH 3 O OH Vanilina OH Fig. 17. Esquema simplificado do sulfonato da lignina (= solúvel na água), produzido pelo processo de sulfito. Um dos possíveis produtos a partir deste licor é a vanilina, substância valorizada como aromatizante. Condições típicas deste processo: Temperatura 140 °C Pressão até 8 atm Tempo: 10 horas. O tempo de digestão é então aproximadamente o dobro do processo Kraft. A vantagem do processo sulfito é a baixa carga odora, ou seja, baixa taxa de produção de compostos voláteis de enxofre. A desvantagem principal do processo sulfito é que madeiras ricas em resina mostram-se bastante resistente à digestão. Outra é a geração de grandes volumes de águas poluídas. O produto acoplado, em analogia ao processo Kraft, é um licor, desta vez conhecido como "lixívia de sulfito". O destino geral deste é a incineração, após a concentração e secagem, e geração de energia para os demais processos da fábrica de celulose. Pequena parte é usada para isolar os sulfonatos da lignina (ver Fig. 17), os fenóis ou produzir vanilina. Pesquisas atuais visam o aproveitamento do alto teor em açúcares na lixívia de sulfito, transformando-a em etanol via processos fermentativos. 27 Armin Isenmann Fig. 18. Processos Industriais Diagrama operacional do processo sulfito. 2.6.3 Outros processos de extração da celulose. Processo de soda cáustica: A madeira picada é submetida por poucas horas, à soda cáustica de 6 a 8%, a uma pressão de 4 a 8 atm. Resulta uma celulose alcalinizada e, infelizmente, um grande volume de água servida. Outra desvantagem: a soda cáustica somente pode ser usada uma vez, sua recuperação não é economicamente viável. Processo caro e ultrapassado. Processo de Pomillo: É um processo que foi desenvolvido especialmente para cana, feno e os talos finos de cereais. As matérias-primas são digeridas em soda cáustica diluída e depois tratadas com cloro livre, num processo oxidante. No final extrai-se a fibra branqueada, através de uma soda cáustica mais concentrada. Digestão com ácido nítrico: É principalmente aplicada em madeira de faia e fornece uma celulose de alta qualidade. Em primeira etapa a madeira é tratada com HNO3 14%, a 50 °C. Esse tratamento é prosseguido até a lignina ser completamente oxidada. Depois a concentração do ácido nítrico é abaixada por diluição com água a 100 °C, a menos de 1%. A celulose, no entanto, não é atacada significativamente durante o cozimento de 7 horas. 28 Armin Isenmann Processos Industriais Depois, a lignina oxidada deve ser removida, por cozimento em NaOH diluído. Após a separação do licor negro a celulose pode ser tratada igual aos demais processos, descritos acima. Processos "Organossolv" Processos a base de solventes orgânicos são mais recentes e ainda em desenvolvimento. Incluem solventes iônicos, isto são sais cujos cátions (orgânicos) são bastante amplos. Isso gera dificuldade na cristalização, ou seja, os pontos de solidificação destes sais ficam bastante baixos - no extremo são líquidos até a temperatura ambiente. As vantagens, além do seu alto poder de solução de materiais polares, são sua baixa volatilidade e sua inércia química. Isso permite seu uso em processos de destilação e o reaproveitamento em ciclos fechados. Fig. 19. Alguns líquidos iônicos, solventes avançados que podem ser construídos para processos específicos (tayloring solvents, designer solvents). Ecologicamente corretos são especialmente aqueles solventes que se produzem a partir de açúcares, tais como a fructose (ver S. T. Handy, M. Okello, G. Dickenson, Org. Lett., 2003, 5, 2513-2515). Informe-se das aplicações destes novos solventes no artigo de revisão: P. Wasserscheid, W. Keim, Angew. Chem. Int. Ed. 2000, 39, 3772. 29 Armin Isenmann Processos Industriais 2.7 Recuperação de químicos - uma máxima na indústria moderna. Mostrado no ciclo de recuperação do processo Kraft 1. Sem dúvida alguma, o processo Kraft é de longe o mais importante processo para obtenção da celulose, matéria prima da fiação e do papel e de suma importância econômica brasileira. Mas isso não seja o único objetivo para discutir a parte da recuperação do processo Kraft. Mais essencial ainda é destacar a necessidade da recuperação de recursos químicos em qualquer indústria com transformações químicas. A recuperação da lixívia de digestão da madeira é um ótimo exemplo onde os reagentes químicos agressivos do processo da polpação da madeira são mantidos em um ciclo fechado, minimizando assim o impacto ambiental. Tendo como base este enfoque, a otimização da recuperação de produtos químicos, da matriz energética e da geração de energia e vapor baseada na queima de resíduos do processo é um fator crucial para o bom funcionamento da fábrica de celulose. Aspectos como Auto-suficiência energética, Eliminação de resíduos, Minimizar a poluição atmosférica, a carga nas águas servidas e a quantidade de resíduos sólidos inutilizáveis nos aterros industriais, Reutilização eficiente de químicos do processo e Otimização de custos da matriz energética, podem conferir às empresas diferenciais de custo, competitividade no mercado e garantia de operação. 2.7.1 O Ciclo de Recuperação de Químicos Kraft Este capítulo não tem por objetivo esgotar todos os processos e detalhes do ciclo de recuperação Kraft. Pretende-se apresentar de forma sucinta e objetiva as principais variáveis de cada processo para que o aluno possa se familiarizar com o ciclo de recuperação Kraft. Na Fig. 20 pode-se obter uma impressão do ciclo de recuperação Kraft convencional, cujas etapas principais e os materiais envolvidos sejam apresentados a seguir. 1 A seção 2.7 foi elaborada baseando-se em um texto de Júlio César Tôrres Ribeiro; com permissão da CENIBRA S.A., Belo Oriente, MG. Literatura recomendada: R. P. Green, R. Hough, Chemical Recovery in Alkaline Pulping Processes. 3. ed. Atlanta: TAPPI Press, 1992. 30 Armin Isenmann Fig. 20. Processos Industriais Vista geral do ciclo de recuperação do licor de digestão da madeira. 2.7.2 Subproduto do digestor: o licor negro diluído O cozimento da madeira é realizado em um equipamento denominado digestor. O digestor é um vaso de pressão no qual são alimentados cavacos, licor branco e vapor. O licor branco é o agente químico que reage com a lignina propiciando a separação das fibras de celulose dos demais compostos orgânicos da madeira que são dissolvidos. Como a lignina é o principal composto a ser separado, esta etapa é também chamada de deslignificação. Na Fig. 21 pode-se visualizar um fluxograma da área de cozimento e lavagem. 31 Armin Isenmann Fig. 21. Processos Industriais Fluxograma simplificado cozimento e lavagem. Fonte : Cenibra O tempo de retenção no digestor é determinado pelo ritmo de produção, sendo que normalmente a metade do tempo corresponde às etapas de impregnação dos cavacos e cozimento. O restante do tempo corresponde ao que se chama de lavagem contra corrente ou high heat. Dentro do digestor a massa formada pelo licor de cozimento e cavaco passa por três zonas. A primeira é a zona de cozimento que possui peneiras destinadas à extração do licor e envio do mesmo a um trocador de calor, onde será aquecido com vapor, retornando após, ao local de onde foi extraído. Este licor, que foi extraído pelas peneiras de cozimento, é misturado com licor branco na tubulação antes da chegada ao aquecedor. A segunda zona possui peneiras de homogeneização, que têm o mesmo propósito das peneiras de cozimento. A última zona possui peneiras de extração, que retiram o licor e o conduzem para ciclones de expansão, onde será expandido e enviado para os centrifilters, que são utilizados para filtrar o licor e recuperar fibras. Este licor filtrado, denominado licor negro fraco, será enviado à evaporação para recuperação dos químicos. No fundo do digestor a massa é misturada ao licor negro fraco, originado nos difusores, sendo descarregada no difusor pela própria pressão interna. Como o fluxo da descarga é pré-estabelecido, o licor excedente à manutenção da consistência da polpa sobe em sentido contrário ao da massa, arrastando o álcali nela contido, juntando-se ao licor de cozimento já inativo que acompanhava a sua descida, sendo extraído em contracorrente. Apesar da lavagem em contracorrente na metade inferior do digestor, a massa descarregada ainda necessita de lavagem para retirada da soda e lignina dissolvida. O segundo estágio de lavagem normalmente é feito em difusores utilizando o licor negro diluído originário da etapa de depuração marrom. O sistema opera completamente fechado, isolado do ar, minimizando a 32 Armin Isenmann Processos Industriais formação de espuma, diminuindo contaminações e possibilitando alta eficiência na reutilização do licor negro diluído extraído do mesmo. O licor enviado para a evaporação normalmente encontra-se com teor de sólidos entre 14 e 20%, e é constituído de orgânicos dissolvidos (60 a 70%) provenientes da madeira e de inorgânicos originados do licor de cozimento (30 a 40%). 2.7.3 Evaporação e concentração do licor negro A evaporação, ou concentração, do licor negro é realizada em evaporadores de múltiplo efeito utilizando vapor de baixa pressão proveniente das extrações de uma turbina. Uma planta de evaporação moderna normalmente consiste de 6 efeitos com uma economia de aproximadamente 5 t de água evaporada por t de vapor utilizado. Os concentradores e/ou evaporadores são do tipo casco/tubo ou placas dependendo da tecnologia empregada por cada fabricante. O evaporado gerado em cada efeito é condensado no efeito seguinte através da troca de calor com o licor alimentado naquele efeito, com o último efeito sendo condensado em um condensador barométrico. A pressão decresce progressivamente até atingir vácuo de aproximadamente 640 mm Hg no condensador. É muito comum a ocorrência de corrosão em evaporadores e concentradores devido à grande alcalinidade do licor, especialmente nos efeitos mais concentrados. Desta maneira torna-se essencial a melhoria dos materiais empregados em sua fabricação. Um dos aspectos que diminui a performance de uma planta de evaporação é a formação de depósitos nos concentradores de licor, especialmente nos últimos efeitos, que trabalham com o licor mais concentrado. Este mecanismo já é bem conhecido e está relacionado com o limite de solubilidade do licor negro e de sua composição. Práticas operacionais e de limpeza são adotadas de forma a prevenir grandes perdas devido a estas incrustações. Os subprodutos nesta etapa de concentração são principalmente gases que podem ser classificados como SOG (Stripper Off-Gases), que são os gases separados numa coluna de lavagem de gases, que geralmente são ricos em gases condensáveis (tais como alcoóis). GNC (Gases combustíveis Não Condensáveis). Esta mistura de gases é rica em compostos TRS (Total Reduced Sulfur, ver nota de rodapé 2 na p. 42). Note que o GNC também contém metanol embora este seja um gás que se liquefaz com facilidade. Esses gases são enviados para uma caldeira aparte onde são queimados (= oxidados), resultando em compostos com menor impacto ambiental. Uma planta típica de evaporação é apresentada na Fig. 22. 33 Armin Isenmann Fig. 22. Processos Industriais Fluxograma simplificado da evaporação. Fonte: Cenibra Os principais objetivos da evaporação do licor negro são listados abaixo: a) Utilizar eficientemente a energia requerida para evaporação, sendo que uma planta típica de evaporação consome até 25% da energia total de uma planta de celulose Kraft. b) Separar eficientemente o vapor d'água formado durante a evaporação, fornecendo um produto com alto poder calorífico e altas concentrações de inorgânicos. c) Separar os óleos terpênicos, que além de grande valor econômico, podem gerar incrustações e espuma. Esses óleos são componentes de madeiras de coníferas, não sendo encontrado em folhosas. d) Concentrar o licor negro fraco para concentrações superiores a 64% para possibilitar sua queima na caldeira de recuperação, sendo que quanto maior a concentração mais eficiente é o processo de queima. 2.7.4 Composição do licor negro O licor negro (inglês: tall oil) proveniente da depuração e lavagem da polpa é composto basicamente de compostos orgânicos complexos e inorgânicos dissolvidos em um meio aquoso alcalino e sua composição química depende do tipo de madeira e das condições de cozimento. As propriedades físicas do licor negro estão diretamente relacionadas à sua composição química, à concentração de sólidos, ao teor de inorgânicos e à temperatura. 34 Armin Isenmann 50% Processos Industriais CAVACO CELULOSE 50% LICOR NEGRO Substância dissolvida da madeira (Lignina, celulose, etc.) Fig. 23. Reagentes químicos Inorgânicos Composição do licor negro forte O termo “licor negro fraco” refere-se ao licor recebido da depuração e lavagem da polpa, sendo que usualmente sua concentração encontra-se na faixa de 14 a 20% de sólidos. Após concentrado em evaporadores de múltiplos efeitos este licor pode ter sua concentração aumentada até 80% nos sistemas mais modernos, sendo que 72% é uma concentração bastante usual nos dias de hoje. A este licor concentrado, que posteriormente será queimado na caldeira de recuperação, dá-se o nome de “licor negro forte”, que tem no caso da Cenibra (Belo Oriente) em torno de 70% de sólidos e fica altamente viscoso. A composição típica de um licor negro é apresentada na Tab. 1. Tab. 1. Composição típica do licor negro. As propriedades do licor negro, importantes para o processo de evaporação e também na sua injeção e queima na caldeira de recuperação, são (em parênteses valores de orientação): Densidade (1,8 g/ml) Viscosidade (80 a 150 cP a 100 °C; isso corresponde à viscosidade de mel), Elevação do ponto de ebulição (120 °C), 35 Armin Isenmann Processos Industriais Teor de sólidos (70%) Calor específico (0,65 cal.g-1.K-1) e Poder calorífico (3200 kcal/kg da base seca). A queima do licor negro forte na caldeira de recuperação libera calor. O poder calorífico superior (PCS) é a medida da quantidade de calor liberada. Valores típicos de PCS do licor negro variam na faixa de 3000 a 3600 kcal/kg de sólidos secos. Os componentes orgânicos e o enxofre com baixo NOX contido no licor negro contribuem para o aumento do poder calorífico. Outros inorgânicos, inclusive o Na2SO4 adicionado ao licor para compensar o enxofre perdido pelos voláteis, agem como diluentes e diminuem o poder calorífico. O poder calorífico de alguns constituintes do licor negro é apresentado na Tab. 2. Tab. 2. Poder calorífico superior de constituintes do licor Componente PCS (kcal/kg) Lignina de coníferas 6.450 Lignina de folhosas 6.000 Carboidratos 3.240 Resinas, ácidos graxos 9.000 Sulfeto de sódio 3.080 Tiossulfato de sódio 1.380 2.7.5 Caldeira de Recuperação A caldeira de recuperação química é um gerador de vapor que utiliza o licor negro concentrado proveniente da evaporação como combustível e cumpre três papéis de extrema importância no ciclo de recuperação, sendo eles: a) exercer o papel de um reator químico para produzir carbonato de sódio e sulfeto de sódio; b) destruir a matéria orgânica dissolvida eliminando o problema de descarga deste material no meio ambiente; e c) gerar vapor e energia a partir da queima do licor negro. Os objetivos de uma caldeira de recuperação são esquematizados na Fig. 24. 36 Armin Isenmann Processos Industriais VAPOR AR (O2) Caldeira CALOR (energia) de recuperação Lama Na2S LICOR SMELT NEGRO Na2CO3 LICOR VERDE TRANSFORMAÇÃO CO2 e H2O MATÉRIA ORGÂNICA Fig. 24. Objetivos da caldeira de recuperação. A geração de vapor e energia é um objetivo secundário da caldeira de recuperação. Caso a caldeira de recuperação seja o ponto de restrição de produção é comum prejudicar-se a eficiência da geração de vapor em detrimento do aumento do potencial de queima de licor. No passado, a caldeira de recuperação era uma das maiores fontes de poluição de uma fábrica de celulose. Com as crescentes pressões ambientais, necessidade de aumento de eficiência dos processos e desenvolvimento de novas tecnologias, ela se tornou um processo extremamente eficiente no tocante a emissões atmosféricas e geração de resíduos. A próxima figura mostra o fluxo das matérias (sólidas, líquidas e gasosas) onde a caldeira de recuperação tem um papel central. DIGESTOR FORNO DE CAL VAPOR CAVACOS ÁGUA DE LAVAGEM LAMA DE CAL CELULOSE LICOR BRANCO LICOR PRETO FRACO CAL CAUSTIFICAÇÃO LICOR VERDE LICOR PRETO FORTE EVAPORAÇÃO CALDEIRA DE RECUPERAÇÃO Fig. 25. Fluxograma da recuperação do licor negro. 37 Armin Isenmann Processos Industriais Na Fig. 26 é apresentado um esquema de uma caldeira de recuperação onde são mostrados os seus principais componentes. Gases chaminé Alimentação Tambor de vapor Vapor para processo Parede de água Ventilador Tiragem induzida Super aquecedores Economizador Tambor de água e purga Precipitador Eletrostático Nariz Forno Ventilador Tiragem forçado Aquecedor de ar a vapor Ar terciário Licor concentrado Makeup sulfato Tanque de mistura Bico Aquecedor licor Vapor de aquecimento direto Fig. 26. Ar secundário Ar primário Smelt para tanque de dissolução Caldeira de recuperação - Principais partes O licor para queima é injetado através dos bicos de licor localizados em aberturas nas paredes da fornalha, que é formada de tubos e também faz parte do circuito de geração de vapor. O licor acumula-se no fundo da fornalha formando o que se chama de “camada”, região onde existe deficiência de ar para queima proporcionando uma atmosfera redutora que irá propiciar a redução do sulfato de sódio a sulfeto de sódio. A eficiência de redução é um dos parâmetros mais importantes de operação da caldeira de recuperação, visto que o sulfato de sódio não tem ação no cozimento da madeira e o sulfeto de sódio é um agente ativo de cozimento. Após queimado, o licor negro dá origem a um fundido, também conhecido por licor verde ou smelt, que escorre através das bicas de smelt em direção ao tanque dissolvedor. O licor verde é rico em carbonato e sulfeto de sódio e é encaminhado ao processo de caustificação. Tal como os bicos de licor, as aberturas para o ar de combustão estão localizadas nas paredes da fornalha. Normalmente o ar é inserido em pelo menos três níveis proporcionando 3 regiões 38 Armin Isenmann Processos Industriais diferenciadas de queima ao longo da fornalha conforme detalhado na Fig. 27. As funções de cada nível de inserção de ar podem ser resumidas como abaixo: Ar primário – localizado na zona de redução. a) queimar os sólidos que caem sobre a camada; b) fornecer, através da combustão da matéria orgânica, o calor necessário para promover a redução do sulfato para o sulfeto, uma reação equilibrável de caráter endotérmico; c) ajustar a forma e configuração da camada para obtenção de uma boa eficiência de redução; Ar secundário – localizado na zona de secagem. a) completar a combustão do licor e dos gases voláteis; b) admitido em alta pressão e velocidade, para homogeneizar os gases voláteis e sustentar sua combustão; c) auxiliar na secagem do licor. Ar terciário – localizado na zona de oxidação. a) completar a combustão dos gases; e b) realizar a selagem na região da fornalha para reduzir as emissões de material particulado. Os gases quentes resultantes da queima do licor são retirados da caldeira com o auxílio de um ventilador de tiragem induzida. No trajeto de saída dos gases há grande troca térmica nos superaquecedores, cortina d’água, bancada e economizadores. Normalmente os gases de combustão estão na faixa de 450 a 550 °C na saída da fornalha. Seu calor pode ainda ser aproveitado através de trocadores de calor, antes de serem descartados na chaminé a uma temperatura média de 170 °C. 39 Armin Isenmann Processos Industriais A Fornalha Licor negro Zona onde ocorre a secagem do licor e volatilização dos leves. C Zona de redução: B Fica no fundo onde é formado o leito e ocorre a redução do sulfato a sulfeto. A C B Fig. 27. Zona de secagem: Zona de oxidação: Zona superior onde há uma alta turbulência a fim de promover uma combustão completa. Zonas de reação na fornalha de uma caldeira de recuperação. A água faz o caminho inverso, sendo alimentada nos economizadores, aproveitando o calor residual dos gases e chegando ao balão de água/vapor em uma temperatura abaixo do ponto de saturação àquela pressão. Inicia-se, então, um processo de circulação natural devido a diferença de densidade proporcionada pelas diferenças de temperatura da água entre os diversos pontos da caldeira. A água desce pelas paredes da fornalha e retorna ao balão de água/vapor, e posteriormente, já na forma de vapor saturado, é encaminhado aos superaquecedores, onde ocorre o superaquecimento para a temperatura e pressão desejadas. Aspersão de licor e a formação das gotículas na caldeira de recuperação A aspersão do licor negro na caldeira é feita através dos bicos de licor, cujo projeto varia de fabricante para fabricante, e, muitas vezes, são desenvolvidos especialmente para determinado tipo de licor ou caldeira. O objetivo do projeto do bico de licor é proporcionar uma distribuição uniforme do fluxo circular em uma superfície plana. A geometria deste leque de licor irá determinar o tamanho e a trajetória das gotículas até a camada. 40 Armin Isenmann Processos Industriais Fig. 28. Esquema de alguns bicos de aspersão do licor negro forte: bico cônico que contém uma placa ranhurada inserida inteiramente ao bico (em cima); bico com abertura em forma de fenda (no meio); bico com placa defletora (45º em relação ao jato) na sua saída (em baixo). O controle do tamanho de gota na aspersão do licor é de grande importância para uma operação eficiente. Na condição ideal a gota de licor deveria atingir a camada enquanto ainda estivesse queimando. Gotas muito pequenas vão promover uma rápida secagem, porém as partículas serão facilmente arrastadas pelos gases. Gotas muito grandes poderão cair úmidas na camada, podendo causar forte esfriamento, resultando na perda de combustão e apagamento, além de prejudicar o processo de redução na camada. Ainda tem-se a situação em que a gota atinge a camada já como smelt, o que indica que a mesma ainda está pequena. O tamanho e distribuição das gotas de licor também dependem de outros fatores e características do licor, tais como a pressão de injeção, a viscosidade e densidade do licor, a temperatura para queima e o teor de sólidos. Queima do licor negro Embora a queima do licor negro tenha paralelas com a queima de muitos combustíveis fósseis, a química do processo é mais complexa devido à função de recuperação química. Em adição ao carbono, oxigênio e hidrogênio que são comuns nos combustíveis fósseis, o licor negro contém quantidades substanciais de álcali (sódio e potássio) e enxofre. Os produtos da combustão não são apenas dióxido de carbono e água, mas também os químicos do cozimento que são recuperados, carbonato e sulfeto de sódio. Reações químicas importantes incluem a redução do sulfato, formação de fumos e reações de liberação e captura de enxofre livre. Em uma caldeira de recuperação, a queima do licor negro envolve a reação dos sólidos do licor 41 Armin Isenmann Processos Industriais com o oxigênio do ar de combustão para a formação de gases combustíveis e smelt (= matéria prima para o "licor verde"; ver p. 47). A queima do licor na fornalha pode ser dividida em 4 tipos de reação térmica, sendo elas a pirólise, queima de voláteis, queima na camada e oxidação de inorgânicos. a) Pirólise: a pirólise é uma série de reações de degradação irreversíveis que os sólidos contidos no licor negro sofrem na medida em que a temperatura é aumentada. As reações de pirólise produzem um gás combustível rico em H2, CO, CH4, TRS 2, CO2, H2O, outros hidrocarbonetos de alto peso molecular e compostos orgânicos e uma camada rica em carbono reduzido. As reações da pirólise iniciam-se aproximadamente a 200 °C, quando as gotículas de licor passam por um processo de inchamento e inicia-se a liberação de gases voláteis. O inchamento das gotículas de licor é bastante considerável (fator de expansão em volume de até 20 vezes) fazendo com que a partícula resultante possua baixa densidade. Os resíduos sólidos da pirólise dão origem à camada, que é rica em carbono fixo (20 a 25%) e inorgânicos (75 a 80%). É importante ressaltar que as reações da pirólise ocorrem na ausência de oxigênio muito pelo contrário das reações de combustão (ver próximo item). As principais reações da pirólise podem ser representadas por: Na2S + CO2 + H2O → Na2CO3 + H2S (1) Na2O + CO2 → Na2CO3 (2) CH4 + H2O → CO + 3H2 (Reação do "Gás de síntese") (3) b) Queima de voláteis: a combustão dos gases originados na pirólise do licor é uma reação relativamente rápida e homogênea que pode ser sintetizada como Gases da pirólise (H2, CO, CH4, TRS) + O2→ CO2 + H2O + SO2 + energia (4) Os principais fatores requeridos para assegurar a combustão completa são o fornecimento de ar suficiente, boa mistura entre o ar e os gases e temperaturas altas o suficiente para que as reações se procedam, geralmente na faixa de 760 a 815 °C. Essas reações, ao contrário das reações da pirólise (ver acima), são todas bastante exotérmicas. c) Queima da camada: a camada consiste de carbono e sais inorgânicos. Os inorgânicos presentes na camada são essencialmente os mesmos presentes no smelt, ou seja, carbonato, sulfato e sulfeto de sódio e os sais análogos de potássio. A queima da camada consiste de duas etapas essenciais, sendo a primeira a oxidação do carbono fixo para CO e CO2 para permitir a fusão do smelt, a segunda a redução dos compostos de enxofre através do carbono e do monóxido de carbono. As principais reações da queima na camada podem ser sintetizadas como abaixo: 2 TRS = Total Reduced Sulfur = porcentagem de enxofre com baixo NOX, em relação ao enxofre total. Estes gases são os principais responsáveis pelo odor característica da fábrica de celulose. Os componentes principais são metilmercaptano, CH3SH, sulfeto de hidrogênio, H2S, sulfeto de dimetila, CH3SCH3, e dissulfeto de dimetila, CH3SSCH3. 42 Armin Isenmann Processos Industriais Reações do carbono fixo . C + ½ O2 → CO (combustão incompleta) (5) C + O2 → CO2 (combustão completa) (6) C + CO2 ↔ 2 CO (equilíbrio de Boudouard) (7) Reações de redução C + ½ Na2SO4 → CO2 + ½ Na2S (8) C + ¼ Na2SO4 → CO + ¼ Na2S (9) C + Na2SO4 → Na2O + SO2 + CO (10) CO + ¼ Na2SO4 → CO2 + ¼ Na2S (11) CO + Na2SO4 → Na2O + SO2 + CO2 (12) As reações predominantes pelas quais o carbono é consumido dentro da camada são as reações com o sulfato presente no smelt (reações 8 a 12). O fator chave deste conceito é que a redução do sulfato ocorre simultaneamente com a queima do carbono, e as reações entre sulfato e carbono são mais rápidas que entre sulfeto e oxigênio (= reoxidação indesejada, ver abaixo). Isto ocorre a temperaturas suficientemente altas, quando a reação de oxidação do sulfeto é uma reação controlada pela transferência de massa. Temperaturas na faixa de 980 a 1040 °C são adequadas para a ocorrência destas reações. d) Oxidação de inorgânicos: são reações exotérmicas que ocorrem rapidamente quando a camada é enfrentada a um excesso de oxigênio e à falta de carbono. A mais importante é a oxidação do sulfeto a sulfato de sódio, exatamente o contrário do desejado: Na2S + 2 O2 →Na2SO4 + 3.083 kcal/kg (13) O mecanismo de queima da gota de licor pode ser sumarizado conforme a Fig. 29. 43 Armin Isenmann Fig. 29. Processos Industriais Mecanismo da queima de uma gotícula de licor negro. As cinzas da caldeira de recuperação são periodicamente analisadas; elas têm na média a composição indicada na Tab. 3. Tab. 3.Composição ideal das cinzas da caldeira de recuperação (valores médios mássicos): K2SO4 Na2SO4 NaCl Na2CO3 pH sol. % % % % a 5% 13 61 17 9 11 Rel. Molar Rel. Molar Cl/(Na + K) K/(Na + K) 0,20 0,10 Reações e composição dos fumos Fumo, ou arraste de cinzas, é o nome dado às partículas muito finas produzidas pela volatilização dos compostos do sódio na fornalha. Em pequenas partículas os sais de natureza alcalina são carregados junto aos gases da combustão e chegam na parte superior da caldeira onde podem reagir ou depositar-se nas superfícies metálicas mais frias. Elevar os sais de sódio (e potássio) ao estado de vapor requer energia (= endotérmico). Portanto, a geração de fumos tende a ser auto-limitante na ausência da fonte de calor. Comportamento análogo mostram os sais de potássio que ainda são mais voláteis que os do sódio. 44 Armin Isenmann Processos Industriais Durante a pirólise do licor quantidades consideráveis de compostos de enxofre reduzido (= "TRS"), são geradas. Parte deste TRS vaporiza na fornalha e deve ser oxidado a SO2 e capturado para controle das emissões totais de TRS através dos gases da combustão. A captura do SO2 é estabelecida pela presença de quantidade suficiente de álcali nos gases de combustão, que é regulada prioritariamente pela temperatura na parte baixa da fornalha. À medida que a temperatura aumenta ocorre maior volatilização, gerando maior concentração de álcali nos gases. Desta maneira geram-se condições propícias para a captura do SO2, devido ao aumento da concentração de partículas de Na2CO3, reação (15), resultando na formação de Na2SO4. 2 NaOH + CO2 → Na2CO3 (arraste) + H2O (14) Na2CO3 + SO2 + ½ O2 → NaSO4 (arraste) + CO2 (15) Infelizmente, a geração dos fumos acarreta também uma série de problemas cuja minimização é um desafio constante aos engenheiros e ao material usado na fornalha. Sabe-se da agressividade dos vapores de NaOH (Tfus = 318 °C; Teb = 1378 °C) que causam corrosão no lado frio da fornalha. Os cloretos NaCl e KCl são igualmente bastante voláteis e potencializam o poder corrosivo do hidróxido. Esta volatilidade dos cloretos é a explicação pela qual as cinzas tendem a ser enriquecidas em cloreto e potássio (embora as porcentagens de K+ e Cl- serem baixas em termos absolutos). Experiências têm mostrado que a proporção destes elementos em depósitos e nas cinzas dos precipitadores pode ser de 2 a 3 vezes maior que a proporção dos mesmos no licor para queima. A formação de fumos possui então aspectos benéficos e problemáticos para uma caldeira de recuperação. O principal benefício é a captura de gases de enxofre, diminuindo as emissões totais de TRS e reduzindo o odor. O lado problemático está relacionado com a geração excessiva e concentração de íons Cl- e K+ nos fumos, o que contribui fortemente para a obstrução das passagens de gases e corrosão em geral. Maior detalhamento a este assunto será o objeto da próxima seção. Incrustações e a composição das cinzas As incrustações nas tubulações de uma caldeira de recuperação têm sua origem nos gases da combustão do licor na fornalha, onde sais de sódio e potássio (constituídos basicamente de Na2CO3, Na2SO4, NaCl, KCl e K2SO4) incorporam-se ao fluxo ascendente de gases em volumes maiores que os normais. As cinzas aderidas aos tubos caracterizam-se pela presença de partículas fundidas, ou parcialmente fundidas, cuja composição é predominantemente Na2SO4 e Na2CO3. A aparência e a composição química do depósito indicam que tipo de mecanismo deu origem ao arraste. Pode-se afirmar que elevados níveis de concentração de Na2CO3 nas cinzas são indicativos de arraste. Outro fato bastante citado na literatura é a cor rosada ou avermelhada dos depósitos, indicando a presença de enxofre reduzido nos depósitos. Os principais fatores que propiciam o arraste são: a) O arraste mecânico de gotículas não queimadas é fortemente influenciado pelo nível de sobrecarga da caldeira, que provoca um aumento no volume de gases de combustão e, consequentemente, na velocidade de ascensão e remoção destes gases. b) A aspersão de um licor insuficientemente concentrado para queima é outro fator que fortemente contribui para o arraste mecânico de gotículas, pois o excesso de água que 45 Armin Isenmann Processos Industriais é injetado na fornalha expande-se em vapor aumentando várias vezes em volume, e é conduzido junto aos gases de combustão aumentando a velocidade do fluxo. c) A deficiência na distribuição e na pressão do ar para combustão (especialmente o terciário e/ou quaternário que são os responsáveis pela selagem da fornalha) é outro fator determinante para a ocorrência do arraste mecânico de gotículas de licor. d) Operação com temperaturas e pressões de licor inadequadas nos bicos aspersores. e) A ocorrência de variações bruscas de queima de licor na caldeira também influencia no arraste mecânico devido aos gradientes de pressão e às variações de vazão de gases que ocorrem durante as mudanças. A influência que cada um destes fatores exerce no arraste de cinzas e na formação de depósitos depende de cada caso e, normalmente, vários fatores ocorrem simultaneamente, sendo necessária a adoção de várias contramedidas que visam eliminar, ou pelo menos, minimizar os seus efeitos. Características incrustantes das cinzas A composição química das cinzas (ver Tab. 3) pode contribuir negativamente na formação de incrustações na parede externa dos tubos. Um mecanismo bastante conhecido na literatura é a condensação dos vapores dos compostos inorgânicos que são arrastados junto com os gases de combustão dando origem a cinzas bastante aderentes. K+ e Cl- em determinadas concentrações e temperaturas geram uma fase líquida, aumentando a aderência das partículas e tendo por conseqüência dificuldades na remoção dos depósitos e aceleração do processo incrustante e de obstrução das passagens de gases da caldeira. De um modo geral, os principais problemas causados pela alta concentração de cloreto e potássio no ciclo de recuperação são as incrustações, a corrosão nas tubulações da caldeira, bem como a recirculação constante destes inertes no processo. Verificou-se também que a formação de depósitos nas tubulações depende da quantidade de fase líquida presente nas cinzas e que esta quantidade de fase líquida por sua vez é dependente da temperatura. Cinzas com porcentagem de fase líquida entre 15 e 70% incrustam nas tubulações, causando problemas na troca de calor. Cinzas com menos de 15 ou mais de 70% de fase líquida escoam pela tubulação, eliminando os problemas de deposição. 2.7.6 Caustificação e Calcinação O processo de caustificação possui dois objetivos básicos e de essencial importância, que são a produção do licor branco para o cozimento dentro das especificações requeridas para o processo e a lavagem da lama de cal gerada durante o processo de caustificação para propiciar a sua requeima em um forno de cal. Nesta etapa fecha-se o ciclo de recuperação, onde, a partir do licor negro fraco originado de um cozimento anterior chega-se a um novo licor de cozimento. Na próxima figura visualizase o processo de caustificação e forno de cal. 46 Armin Isenmann Fig. 30. Processos Industriais Fluxograma geral de caustificação e forno de cal. Fonte: Cenibra 2.7.7 O Licor verde Originado da queima do licor negro forte na caldeira de recuperação, o licor verde escorre pelas bicas do smelt em direção ao tanque dissolvedor. No tanque dissolvedor ocorre sua diluição com o licor branco fraco originado da lavagem de lama dando origem ao que se chama de licor verde bruto. O licor verde bruto é composto basicamente de carbonato e sulfeto de sódio, sendo que outros sais também estão presentes em menores concentrações, tais como sulfato, tiossulfato e cloreto de sódio. Neste licor não clarificado também se encontra um componente indesejável ao processo chamado de dregs, que deve ser eliminado. O dregs é composto basicamente de material carbonizado, sílica, sulfetos metálicos e outros sais. Para ser utilizado no processo de caustificação, o licor verde bruto tem que passar por um processo de clarificação, que ocorre basicamente por sedimentação em clarificadores tradicionais, ou através de filtros pressurizados em processos mais modernos. O dregs é então removido nesta etapa e passa por um processo de lavagem para recuperação de álcali, sendo então filtrado e descartado. Após este processo de clarificação, tem-se o licor verde clarificado, que é um dos reagentes do processo de caustificação. 47 Armin Isenmann Processos Industriais 2.7.8 Preparo do licor branco (= "Caustificação") O carbonato de sódio presente no licor verde é inativo no processo de cozimento, então cabe à etapa de caustificação convertê-lo em hidróxido de sódio, principal agente de cozimento, através da adição de cal virgem. A preparação do licor branco inicia-se em um equipamento denominado extintor de cal. O extintor de cal compreende um tanque com agitação e uma região de classificação que consiste de uma calha inclinada com um raspador no fundo. Nele são alimentados o licor verde, a cal virgem e água dando início às reações de caustificação. O licor branco bruto transborda para a calha e segue por gravidade para os caustificadores, a próxima etapa do processo. A cal não reagida e outras impurezas sedimentam no classificador e são então removidas. A este resíduo dá-se o nome de grits. Os caustificadores são tanques em série, usualmente em número de três, com agitação, onde a reação de caustificação se completa. A mistura licor branco e lama de cal é então bombeada para grandes tanques chamados de clarificadores de licor branco, que operam em série, ou para filtros pressurizados nas fábricas mais modernas. Nos clarificadores ocorre a clarificação do licor branco através da sedimentação da lama de cal em um processo semelhante à clarificação do licor verde. Normalmente o primeiro tanque funciona como clarificador e o segundo como estocagem do licor branco para envio ao digestor. A qualidade do licor branco depende de um controle eficiente da reação de caustificação, onde se atinge os valores de álcali efetivo e sulfidez desejados, e da decantabilidade da lama. Lama com boa decantabilidade irá proporcionar um licor com baixos valores de sólidos suspensos (menos que 40 mg/l), o que é ideal para o cozimento. Para auxiliar no processo de clarificação do licor verde ou branco, podem-se usar polímeros especiais que auxiliam na decantação do dregs e da lama de cal. A lama de cal proveniente da etapa de clarificação de licor branco é bombeada ao lavador de lama de cal, onde se adiciona água para a lavagem por diluição com o objetivo de se recuperar o máximo em soda cáustica (NaOH) antes da etapa de calcinação. Esta lavagem pode ser feita em uma unidade de decantação, filtro pressurizado ou filtro com pré-camada a vácuo dependendo das instalações de cada fábrica. O filtrado desta etapa é conhecido como licor branco fraco e é enviado ao tanque dissolvedor de fundido na caldeira de recuperação como elemento de diluição. Opcionalmente pode-se primeiramente enviar a lama de cal proveniente da clarificação do licor branco a um ‘filtro recuperador de licor’, normalmente a vácuo com pré-camada, onde parte do licor branco bruto é recuperada como licor branco clarificado. A lama de cal lavada é então bombeada ao misturador de lama e, posteriormente, a um filtro a vácuo para lavagem final, desaguamento e alimentação ao forno de cal (ver cap. 2.7.9). A química do processo é relativamente simples, ocorre em duas etapas e pode ser representada da seguinte maneira: CaO + H2O ↔ Ca(OH)2 + 270 kcal/kg CaO Ca(OH)2 + Na2CO3 + Na2S ↔ 2 NaOH + Na2S + CaCO3↓ (16) (17) O óxido de cálcio (CaO) reage primeiramente com a água para formar hidróxido de cálcio Ca(OH)2, liberando uma considerável quantidade de calor. Essa reação é conhecida como 48 Armin Isenmann Processos Industriais extinção da cal. O hidróxido de cálcio resultante reage então com o carbonato de sódio do licor verde, gerando hidróxido de sódio e a lama de cal que se precipita. Esta reação é a caustificação propriamente dita. Apesar das reações serem apresentadas como reações distintas e independentes, na prática, há uma superposição das mesmas e a caustificação ocorre ao mesmo tempo em que a extinção. Sendo as reações reversíveis, todo o carbonato de sódio não pode ser transformado em hidróxido de sódio, qualquer que seja a quantidade de cal adicionada. O grau de conversão atingido, denominado Eficiência da Caustificação, é definido como a razão entre o peso do hidróxido de sódio final pela soma dos pesos do hidróxido de sódio e do carbonato de sódio iniciais, conforme a equação 18. Eficiência de Caustificação = NaOH final / (NaOH + Na2CO3) inicial (18) A eficiência de caustificação depende da concentração de álcali e da sulfidez do licor branco conforme pode-se verificar através da Fig. 31. Na prática procura-se operar com eficiências de caustificação 5% abaixo do limite máximo estipulado na Fig. 31, com o objetivo de evitar a geração excessiva de lama de cal (CaCO3) no extintor de cal. Uma conversão máxima é desejável, pois o carbonato não convertido representa uma carga inerte no sistema e necessidade adicional de soda cáustica. Por outro lado, o uso de licor mais fraco para obter um maior grau de conversão significa um incremento de custos na evaporação. Uma falta em cal neste processo da caustificação é conhecida com "under-liming", um excesso de cal como "over-liming". Ambos os desvios são prejudiciais para a fábrica, portanto a adição da cal é sujeito de controle permanente. Fig. 31. Eficiência da caustificação em função do álcali total (determinado por titulação). 49 Armin Isenmann Processos Industriais A explicação de menor eficiência na caustificação com um licor mais concentrado é que o hidróxido de sódio na solução reduz progressivamente a solubilidade do hidróxido de cálcio, até que não existam mais íons cálcio presentes que sejam suficientes para exceder o limite de solubilidade do carbonato de cálcio (= reverso da reação 17). Fig. 32. Esquema da recuperação da lixívia usada, separando as partes coloridas (da lignina, principalmente) fonte: http://www.endersprocess.com/proc1.html Molten smelt, a by-product of the Kraft pulping process for making paper, is dissolved in water to become green liquor. Clarified green liquor is then reacted with lime in a slaker (called causticizing). This produces a fresh pulping chemical cooking solution (white liquor) and lime mud or lime sludge. Lime mud or sludge is in turn recalcined to lime or calcium oxide (CaO) by removal of carbon dioxide with heat. The result is fresh lime, ready for use in the slaker. The Enders' fluidized bed lime calciner is a two-stage fluidized bed reactor, in which the upper compartment is the dryer and the lower compartment the calciner. Lime mud is pumped into the drying stage where it is dried with hot gases flowing through the bed from the calcining stage and becomes part of the fluidized bed. Bed level is maintained since it is continually being skimmed off the top (overflows to feed transfer piping and into calciner stage). Um exame rigoroso de todas as variáveis que afetam a concentração ótima do licor branco é um estudo muito complexo, mas os efeitos das diferentes concentrações de licor sobre a caustificação são facilmente avaliados. 2.7.9 Calcinação A calcinação é basicamente o processo de conversão da lama de cal (inglês: lime slag) em cal requeimada. Esta reação processa-se a elevadas temperaturas, acima de 800 °C, em fornos rotativos, que funcionam como reatores e como dispositivo para transferência de calor. Os fornos são equipamentos de grandes dimensões, com comprimentos que podem chegar a mais 50 Armin Isenmann Processos Industriais de 150 m e 5 m de diâmetro, a princípio idênticos aos fornos rotativos da indústria cimenteira (compare o módulo "Cimento Portland" discutido nesta disciplina). O processo compreende a filtragem da lama de cal, devidamente lavada, com o objetivo de se atingir elevados teores de sólidos, geralmente acima de 70%. A lama de cal filtrada é então encaminhada ao forno de cal com o objetivo de ser calcinada dando origem novamente à cal, CaO. A cal produzida possui impurezas e material não calcinado que podem chegar até 12% da massa total. Este fato dá origem ao conceito de cal útil, que é o produto total da calcinação menos a carga de inertes. A conversão da lama de cal em cal requeimada é um importante passo para a produção do licor branco de cozimento no processo Kraft e normalmente fornece mais de 95% das necessidades de cal da fábrica. O make up pode ser realizado através da compra de cal ou através da calcinação de calcário. Neste último caso tem-se a desvantagem de se necessitar utilizar capacidade do forno. Normalmente os fornos utilizam óleo ou gás como combustível, sendo que em algumas instalações, os gases não condensáveis provenientes da evaporação e outros gases, como H2, são utilizados como combustíveis. Podemos dividir o forno de cal tradicional em quatro regiões funcionais: secagem da lama de cal, aquecimento, calcinação propriamente dita e resfriamento. A secagem da lama pode ser realizada em secadores de lama, que são equipamentos acessórios aos fornos e aproveitam o calor residual dos gases da combustão ou no interior do próprio forno, logo nos primeiros metros. A lama é aquecida em contracorrente com os gases da combustão e com a energia armazenada em correntes instaladas em seu interior. Os secadores de lama conferem maior eficiência energética ao processo. A segunda etapa consiste no aquecimento da lama de cal até a temperatura de calcinação, quando se inicia a terceira etapa com a conversão do carbonato de cálcio em óxido de cálcio. Na descarga do forno rotativo existe um arrefecedor para a cal queimada, aproveitando das altas temperaturas do produto para pré-aquecer o ar de combustão deste forno. O fluxograma de um sistema moderno de calcinação e recuperação da lama de cal, sendo uma alternativa ao forno rotativo, é dado na Fig. 32. 51 Armin Isenmann Fig. 33. Processos Industriais Perfil térmico ao longo do forno de calcinação da fábrica de celulose. A reação química da calcinação neste forno é bastante simples: 426 kcal.kg-1 + CaCO3 → CaO + CO2 (19) Os gases da combustão do forno de cal devem ser tratados por algum dispositivo de retenção de material particulado antes do lançamento na atmosfera. Os limites máximos permitidos de emissão de material particulado variam de país para país, de estado para estado, de cidade para cidade e tendem a ser mais rígidos quão mais proximidade da fábrica a um agrupamento populacional. Os filtros mais comumente usados são ciclones e, para remover as últimas poeiras, filtros eletrostáticos. 52 Armin Isenmann Processos Industriais Eletrodo Entrada Arames de Saída gás de gás Partículas recuperadas Eletrodo de Eletrodo de captação emissão Alta tensão contínua Fig. 34. Esquema de filtros de pó. Em cima e à esquerda: filtro eletrostático; à direita: ciclone. 53 Armin Isenmann 2.8 Processos Industriais Processamento e derivatização da celulose crua Branqueamento das fibras de celulose O descoramento da celulose crua é uma exigência da maioria dos aplicadores desta matériaprima, principalmente da indústria de papel branco. De longe o reagente mais aplicado para o branqueamento é o cloro ou derivados inorgânicos dele. Quando a eletrólise de uma salmoura ("Eletrólise de cloro-álcali") é feita sem separação das células por membranas, o cloro produzido no ânodo se une livremente com o NaOH que foi produzido no cátodo (fora do H2 que escapa da célula de eletrólise). Ocorre um desproporcionamento para o hipoclorito, NaClO. Este pode ser isolado e oxidado por O2, ao clorato de sódio, NaClO3 (= matéria-prima para fósforos e fogos de artifícios). Várias milhões de toneladas por ano do NaClO3 são tratadas com ácidos, fornecendo dióxido de cloro. Este é considerado um branqueador superior ao cloro livre, no processo de branqueamento da celulose, porque age apenas como oxidante e não como agente de cloração frente à celulose. Atenção especial deve ser prestada a este reagente, pois torna-se altamente explosivo em concentrações elevadas. Portanto, o ClO2 é, sempre que possível, produzido no local da sua aplicação. Em casos excepcionais pode também ser aplicado o produto de desproporcionamento do ClO2 em ambiente alcalino: o clorito de sódio, NaNO2. 2 ClO2 + 2 NaOH → NaClO2 + NaClO3 + H2O O clorito puro se obtém na presença de água oxigenada: 2 ClO2 + 2 NaOH + H2O2 → 2 NaClO2 + O2 + 2 H2O A acidificação do clorito de sódio libera então o gás ClO2. Embora ser mais seguro e até o transporte do clorito de sódio seja possível sem perigo, a indústria de papel dá preferência ao ClO2 "direto", por ser mais eficaz e mais barato. Embora ser indesejável, a etapa do branqueamento quase sempre acarreta uma leve degradação da celulose, isto é, a cadeia da macromolécula é picada em pedaços menores. Mas a princípio o branqueamento é um beneficiamento da celulose crua sem interferir na sua estrutura química. Diferente deste, as seguintes três operações realmente envolvem derivados químicos da celulose, mas sem notavelmente destruir sua cadeia polimérica. Sejam apenas apresentados os três derivados mais importantes, de um grande número de produtos: celulose regenerada ésteres da celulose éteres da celulose. Celulose regenerada Como pode ser visto na Tab. 4, existem somente poucos solventes aprovados para a celulose (Fonte de 2005). 54 Armin Isenmann Tab. 4. Processos Industriais Solventes para a celulose Categoria Ácido Solvente > 52% H2SO4 Álcali 6% LiOH 6 a 9% NaOH Cu(NH3)4(OH)2 [cuoxam] Complexo metálico, alcalino Cu(en)2(OH)2 [cuen] Xantato alcalino Sal inorgânico Solvente orgânico Co(en)2(OH)2 Ni(NH3)6(OH)2 Cd(en)3(OH)2 [cadoxen] Zn(en)3(OH)2 Fe/3(ác.tartárico)/3NaOH [EWNN] CS2 / NaOH > 64% ZnCl2 > 50% Ca(SCN)2 Cl3CCHO/DMF (CH2O)x/DMSO N2O4/DMF, N2O4/DMSO LiCl/DMAc, LiCl/DMI SO2/amina/DMSO Outros H3CNH2/DMSO CF3COOH [TFA] Bu4N+F-.3H2O/DMSO 80% NMMO/H2O NH4SCN / NH3 / H2O N2H4 (hidrazina) Comentários sob hidrólise parcial (= despolimerização da parte amorfa) requer celulose pré-tratada requer celulose pré-tratada Rayon cupramônio, processo industrial Solvente padrão para análise do grau de polimerização. Solução transparente Pouco estável Dissolve, processo viscose ou Rayon. Dissolve sob aquecimento a 100 °C Dissolve sob aquecimento a 100 °C Dissolve, formando cloral hemi-acetais em todas as hidroxilas. Dissolve, formando polioximetileno hemi-acetais. Dissolve, formando ésteres nitrito em todas as hidroxilas. Solução estável; requer celulose prétratada Solução instável; leva a uma celulose altamente amorfa. Forma-se um complexo solúvel TFA-éster no C6; solvente volátil. Dissolve somente DP < 650 Processo Lyocell Formação de mesofases Explosivo Abreviações: en = etilenodiamina, DMF = N,N-dimetilformamida, DMSO = dimetilsulfóxido, DMI = N,N-dimetilimidazolidinona, DMAc = N,N-dimetilacetamida, TFA = ácido trifluoracético, Bu = butila, DP = grau de polimerização = número de unidades monoméricas dentro do polímero Solubilidade parcial se obtém com soda cáustica, como também veremos mais abaixo. O processo da "mercerização" é um refino de fios de algodão (Mercer, 1850) que deixa a fibra mais lisa e lustrosa - um pouco parecida à seda. Isso se deve ao ataque da superfície da macrofibra celulósica e uma soldagem dos pelinhos soltos dando um filme liso. 55 Armin Isenmann Processos Industriais As partes amorfas da celulose se solubilizam também em ácido sulfúrico meio concentrado e em cloreto de zinco, quente e de alta concentração ("Vulcanized fibre", Thomas Taylor, 1859). O produto é um material cujas propriedades mecânicas podem ser ajustadas, desde o couro até o marfim, é resistente frente óleos, ácidos e bases diluídos, dielétrico, pouco inflamável - enfim, qualidades que lhe abrem um amplo espectro de aplicações. Mais conhecidas são suas folhas finas ("pergaminho"). Porém, para a solubilidade total da celulose - uma exigência do tecelão - são necessários condições e reagentes mais sofisticados. Ainda durante a transformação mecânica a estrutura química da celulose é reformada (regenerada). A celulose assim regenerada também se conhece como seda artificial (quando reprocessada por fiação) ou celofano (quando extrudada em forma de filme). Um dos mais antigos e até hoje mais aplicados processos de solubilização se baseia na derivatização temporária da celulose formando o xantato. A grande vantagem deste processo é que a matéria prima não precisa ser a celulose purificada, mas pode-se usar a própria madeira (= ligno-celulose). No entanto, o alcance de uma solução suficientemente homogênea requer um tratamento de vários dias! Em primeira etapa a celulose é tratada com NaOH de alta concentração, com o objetivo de torná-la parcialmente solúvel, em forma da celulose desprotonada. Em seguida essa celulose alcalinizada é tratada com CS2, um solvente e reagente que tem um carbono eletrofílico e pode ser atacado pelos grupos alcóxidos da celulose. Forma-se o xantato da celulose (ver Fig. 35), por sua vez solúvel em NaOH aquoso de 6% e então processável. Quando essa solução altamente viscosa (daí vem a expressão "viscose", também conhecida como Rayon) passou pela fieira ela é diretamente levada a um banho acidificado com H2SO4. Instantaneamente a fibra da celulose se regenera, porém na conformação dirigida pelo tecelão. A finura deste fio e seu alto módulo de tração são o resultado de um estiramento controlado do fio nesta fase de regeneração. Essa deformação mecânica unidimensional faz com que as cadeias da celulose se alinhem e são fixadas nesta nova posição, através das pontes de hidrogênio, típicas para a celulose cristalina (ver Fig. 9 d, na p. 18). A delicadeza e ao mesmo tempo alta estabilidade desta fibra trouxe o nome popular de "seda de viscose". Também é possível derramar a viscose soluta no banho ácido sem passar pela fieira. Daí forma-se um produto esponjoso, muito usado como pano de pia da cozinha. Caso a viscose for apertada através de fendas, então se obtém uma folha transparente, o famoso "celofano". Esse material é muito especial, pois é denso frente gases e transparente frente água! Sendo assim, essas folhas podem ser usadas como embalagem para alimentos ou fármacos. Mais um ponto importante: celofano é inteiramente biodegradável. 56 Armin Isenmann Fig. 35. Processos Industriais Reações químicas acerca da celulose regenerada via processo de xantato. Note que o processo de xantato é altamente poluente, pois libera durante a regeneração da fibra quantidades notáveis de CS2 e H2S, ambos altamente tóxicos. Mostrou-se impraticável otimizar o processo de forma que as emissões forem supressas a um nível aceitável. Portanto, é um desafio contínuo achar novos processos para solubilizar a celulose, com o objetivo de substituir o processo de xantato por métodos ecologicamente corretos. Uma alternativa ao xantato, bastante branda e, portanto, usado como solvente padrão em determinações do grau de polimerização da celulose, é o "reagente de Schweizer", uma solução amoniacal de Cu2+. Forma-se o complexo [Cu(NH3)4]2+ (azul escuro) que consegue ligar-se ao grupos hidroxilas da celulose, de maneira que impossibilita a formação de cristais, portanto aumenta sua solubilidade. Mas os problemas ambientais acerca deste metal pesado, que é um forte veneno para microorganismos quando chega nas águas servidas, é evidente. Portanto, tentaram-se substituir o cobre por outro metal (Ni, Co, Zn, Fe) e a amônia por ligantes complexantes melhores (etilenodiamina, por exemplo). No início dos anos 1980 se conseguiu um avanço no sentido de baixa toxicidade com o processo "Lyocell" que trabalha com um solvente orgânico especial, N-metilmorfolina-Nóxido monohidrato (NMMO), que por si é mais caro, mas não requer de um pré-tratamento da celulose e é um processo simples e rápido. Sendo assim, é um dos poucos solventes "verdadeiros" para a celulose 3. H O Cel O O N N Cel OH Celulose + O NMMO O Complexo solúvel 3 H.P. Fink, P. Weigel, H.J. Purz, J. Ganster, Structure formation of regenerated cellulose materials from NMMO-solutions, Progress in Polymer Science 26 (2001)1473-1524. 57 Armin Isenmann Processos Industriais Fig. 36. NMMO - um solvente verdadeiro para a celulose. Note que a interação com a celulose é somente uma atração de dipolos, apoiado por uma ponte de hidrogênio. O desenvolvimento mais recente é o tratamento da celulose só com soda cáustica. Um aumento do poder deste solvente se conseguiu com a adição de uréia (= quebrador de pontes de hidrogênio), por sua vez de baixa toxicidade. A combinação de 6% de NaOH e 4% de uréia e uma temperatura abaixo de 0 °C (ideal: -15 °C) representa um sistema bastante brando e eficaz para solubilizar a celulose na forma molecular, isto é, sem derivatizá-la 4. Igualmente estudados são os sistemas com LiOH como base e tiouréia como apoio orgânico. A solubilização geralmente é em torno de 65%, mas pode ser elevada a > 90% quando o grau de polimerização da celulose (que naturalmente é em torno de 800 ou mais unidades glicosídicas) é reduzido a aproximadamente 200. Isso pode ser feito numa etapa antes, de preferência, por degradação enzimática, usando-se celulases (compare p. 85). Neste processo a soda cáustica tem o papel de quebrar as pontes de hidrogênio inter e intramoleculares e a uréia funciona como doador e aceitador e previne assim a reassociação da parte cristalina da celulose. No entanto, ao se tratar a celulose com uréia de concentrações mais altas, a formação de um derivado intermediário, o carbamato, é mais provável. Este derivado é solúvel em ambiente aquoso. Devido sua instabilidade em ambiente ácido a celulose pode ser facilmente regenerada. O O Cel OH + + H 2N Celulose NH 2 Uréia Fig. 37. Cel O NH3 NH 2 Carbamato da celulose (solúvel) Reação da celulose com uréia de alta concentração Ésteres da celulose A celulose pode ser facilmente esterificada, tanto com ácidos orgânicos quanto inorgânicos. O derivado químico mais produzido a partir da celulose é o acetato da celulose (CA), um material termoplástico importante dentro da família dos biopolímeros (ver p. 78). Já em 1919 este material foi usado, sob aditivação de plastificantes e corantes, para produzir cabos de guarda-chuvas e ferramentas, teclados, volantes de carros, brinquedos, armações de óculos e pequenos utensílios. O material maciço se destaca por ser termoplástico (temperatura de processamento: 180 a 200 °C), enquanto à temperatura ambiente é duro e altamente resistente ao impacto. Hoje o CA é mais usado para produzir fibras e têxteis. Os tecidos semelham muito à seda e substituem tal, em grande escala. São fáceis de tratar e ressorvem relativamente pouca água (até 6%). Roupas em geral, roupas íntimas e - principalmente filtros de cigarro, são os insumos mais produzidos a partir do CA. 4 Dissertação de Y. Wang, Cellulose fiber dissolution in sodium hydroxide solution at low temperature: dissolution kinetics and solubility improvement, disponível em https://smartech.gatech.edu/bitstream/handle/1853/26632/wang_ying_200812_phd.pdf 58 Armin Isenmann Processos Industriais Para se obter um CA termoplástico a celulose purificada é tratada com ácido acético glacial e acetanidrido. O catalisador é ácido sulfúrico e o solvente geralmente diclorometano. Resulta uma celulose totalmente acetilada, com grau de acetilação perto de 3. Esse "CA primário" em seguida é parcialmente hidrolisado, ou seja, uma parte dos ésteres são reformados em grupos hidroxilas. Na média permanecem 2 a 2,5 grupos de acetato por unidade glicosídica. Finaliza o processo com a neutralização com bases, para parar a reação da hidrólise, e a remoção destilativa do diclorometano. O motivo para este procedimento aparentemente paradoxo é a solubilidade do CA em acetona - o que não é o caso no CA primário. Sendo assim, o CA pode ser processado pelo tecelão, como solução viscosa em acetona - o que é uma clara vantagem frente à celulose regenerada (ver acima). Outros ésteres da celulose com ácidos orgânicos são propionato de celulose e acetobutirato da celulose (esterificado com ácido acético e ácido butírico). Com ácido nítrico se produz o nitrato da celulose (nome trivial, porém quimicamente errado: "nitrocelulose"). Cada unidade monomérica da celulose tem três grupos hidroxilas, -OH, que podem reagir para -O-NO2. Em dependência do grau de esterificação obtêm-se: O material plástico de celulóide, antigamente muito usado na fotografia e na produção de filmes de cinema; hoje ainda é componente em tintas e esmaltes (esmalte de unha, por exemplo). Esse material tem um grau de nitração de apenas ~1 por unidade monomérica. O plastificante usado até hoje é a cânfora (material das bolinhas de pingpong). Interessante é que este foi um dos primeiros materiais plásticos (1846), naquela época usado para substituir o marfim na produção de bolas de sinuca. Devido ao alto perigo de pegar fogo o celulóide foi substituído nas produções cinegráficas por materiais mais seguros, principalmente pelo acetato da celulose, logo depois da 2a guerra mundial. Um explosivo usado em detonadores. Este material, altamente nitratado (fator de nitração >2,6; correspondente a >13 %m/m de nitrogênio), tem também uma história triste, pois as guerras ganharam novas dimensões com ele, já que não soltou fumaça, como era o caso na pólvora tradicional. Sua força de detonação é de 147% do TNT. 59 Armin Isenmann Processos Industriais Fig. 38. Produtos a partir do nitrato da celulose. O uso mais avançado do celulóide são membranas com finalidades medicinais. Ésteres mistos, com outros ácidos além do HNO3, fornecem materiais que são usados na produção de pentes (baixa tendência de acumulação de carga estática), jóias e armações de óculos. Excurso: Proposta de ensaio prático - produção do nitrato da celulose 1) Coloque 17 mL de HNO3 concentrado (fumegante) em um bequer e refrigere no banho-maria com gelo. Despeje neste, gota a gota, 20 mL de H2SO4 concentrado. Cuidado: a mistura esquenta-se e solta gases NOx corrosivos (capela de exaustão)! 2) Pesar 1,5 g de algodão e dividir em 5 bolinhas iguais. 3) Jogar as bolinhas no ácido nitrificante refrigerado e tirá-las após 1, 2, 5, 10 e 15 minutos, respectivamente. Amasse neste período o algodão ligeiramente com ajuda de um bastão de vidro (não use espátula metálica!). 4) Após tirar do ácido, lave as bolinhas nitrificadas com bastante água. No final adicione na água de lavagem uma espátula de NaHCO3 e confirme com um papel de tornassol a neutralidade. 5) Exprima a umidade do algodão, abra o material para um novelo fofo e deixa secar durante a noite. 6) Faça testes de solubilidade, usando acetona, álcool e cânfora. Também, em pequenas porções (~ 20 mg), podem ser feitos testes de ignição. Espera-se uma combustão fulminante e mais rápida do que no algodão não tratado, já que o produto nitratado se decompõe sob a formação de um grande volume de gases (N2, NOx, CO e CO2). Éteres da celulose Para a formação de éteres oferecem-se principalmente duas estratégias: 1.Conversão da celulose alcalinizada com hidrocarbonetos clorados ("Síntese de Williamson"); assim são feitos a metilcelulose, a etilcelulose e a carboximetilcelulose ("CMC"). A última é muito usada em sabão em pó onde tem o papel de aditivo antiredeposição da sujeira em cima da fibra lavada. Na indústria alimentícia a carboximetilcelulose representa o emulgador mais utilizado, por exemplo, em sorvetes, molhos, cremes), e também na cosmética tem esse papel (pasta de dente, misturas ricas em água). 2.A segunda opção é a conversão da celulose alcalinizada com epóxidos. Com o reagente oxirano (= óxido de etileno) forma-se a hidroxietilcelulose ("HEC"), com óxido de propileno a hidroxipropilcelulose. Quando estiverem aplicados excessos de epóxidos podem formar-se também unidades de oligo-oxietilenos. Na Fig. 39 isso é exemplificado em forma do dimero. Também esses produtos são usados em formulações de detergente em pó, mas também em colas e material de pintura. 60 Armin Isenmann Processos Industriais O CH2 COOO Cl O HO O Monocloroacetato OH NaOH O O HO CH2 COO- OH O CMC O CH2COO- n O n HO Oxirano NaOH Celulose O O O O HO O O HO n grupos possíveis na HEC Fig. 39. 2.9 Síntese dos éteres da celulose. O uso químico da lignina e seus monômeros O "andaime" da madeira é a lignina. Ela é incorporada nas paredes das células da madeira, o que proporciona mais estabilidade e rigidez às partes funcionais da planta. Logo depois da celulose a lignina é o segundo mais produzido biopolímero da terra. Sua estrutura química é tão complexa que podemos em geral apenas indicar as porcentagens em aromáticos, em forma de fenóis, Ar-OH, e anisóis, Ar-OCH3. Também para os demais grupos funcionais que ocorrem na lignina somente podemos indicar probabilidades estatísticas. As unidades estruturais mais encontradas na lignina são representadas na Fig. 11, na p. 20. Lignina pura é quase incolor até marrom claro, seu cheiro é agradável e nos lembra dos defumados. Ela não é solúvel em água. Ela pode ser obtida via processos químicos a partir da madeira, como vimos no último capítulo. Na indústria de celulose e fibras se produzem anualmente cerca de 50 milhões de toneladas de lignina que, infelizmente, é apenas o coproduto do processo e tem baixo valor agregado. Atualmente, cerca de 98% desta lignina técnica são usados como fonte de energia térmica na própria fábrica de celulose. Especialmente na geração de vapor de alta pressão, mas também para a geração de energia elétrica necessária na fábrica a lignina é fundamental. Fábricas modernas e eficientes conseguem até produzir um excesso de energia e assim podem abastecer a rede elétrica pública. Em torno de 80% da lignina produzida vem do processo Kraft (= processo de sulfato). Somente 6% provêm do processo de sulfita; esta última é denominada de "lignossulfonato". Isto é, os monômeros da lignina foram sulfonados Note que este composto é o produto de oxidação seletiva da lignina solubilizada (ver Fig. 17, na p. 27). Embora sejam produzidos em menores partes, os lignossulfonatos representam 90% de toda lignina processável pela indústria química. Em torno de 1 milhão de toneladas de lignossulfonatos são produzidas ao ano - aproximadamente a metade desta na Europa ocidental. 61 Armin Isenmann Processos Industriais 2.9.1 Sulfonato da lignina - material das mais diversas aplicações Uma argamassa mostra uma reologia (= estudo do fluxo) mais vantajosa quando estiverem presentes lignossulfonatos. Na moldagem de peças de concreto se aproveita desta vantagem: a argamassa flui até o último cantinho e forma uma perfeita peça positiva. Os lignossulfonatos também são usados na indústria de ração animal, fertilizantes e na produção de tintas. O campo das aplicações destes materiais é bastante amplo, devido: suas qualidades de adsorção, alta capacidade como trocadores de íons, baixa toxicidade e indiferença fisiológica, atributos acerca da sua elevada massa molecular. Durante o processo de sulfito a lignina é sulfonada, principalmente, nas cadeias laterais das unidades de fenilpropano, enquanto o local mais reativo fica em posição benzílica (ver Fig. 17, na p. 27). Dependendo do processo aplicado, pode-se obter este sal com diferentes cátions (sódio, amônio, cálcio, magnésio). Variam bastante as indicações das massas molares: entre 10.000 e 200.000 são as massas mais produzidas. O grau da sulfonação é aproximadamente dois grupos -SO3-, a cada 5 a 8 unidades de fenilpropano. Tab. 5. Possíveis aplicações do sulfonato da lignina: Ação: Aplicações: Retarda a pega em argamassas Construção civil Aglutinante Rações, fertilizantes, agroquímicos, moldes da fundição. Emulsificante e dispersante Corantes e pigmentos. Até carcaças de TVs, computadores e celulares podem ser feitas a base desta parte da madeira. Isso se deve ao comportamento termoplástico dos lignossulfonatos. Basta misturar com fibras (tais como rami ou sisal) e aquecer, a massa forma um material composto e pode ser processada em máquinas convencionais de transformação de termoplásticos. Porém, a composição complexa dos lignossulfonatos e as impurezas ainda remanescentes do processo sulfito, não são compatíveis com as altas exigências da indústria frente aos termoplásticos, portanto não acharam larga aceitação no mercado (ainda). No último capítulo deste livro (p. 102) você pode ver mais aplicações modernas a partir da lignina - porém sem algum enxofre. 2.10 Revisão processamento da madeira 1) Compare os processos de Kraft e de Sulfito, resumindo os aspectos vantajosos e desvantajosos. Critério Processo Kraft Processo Sulfito 62 Armin Isenmann Processos Industriais 2) Formule a reação do desproporcionamento de cloro em água alcalina. 3) Formule o mecanismo da síntese da CMC. 4) Para que serve o nitrato de celulose? 5) Como funciona o processo da celulose regenerada? 6) Mencione aplicações da lignina e seus derivados. 2.11 O uso do amido. O amido é muito espalhado no reino vegetal. Altas concentrações encontram-se nos órgãos de reservas: nos sementes, bolbos, raízes, frutos e na medula. As plantas armazenam energia sobrando, em forma de amido insolúvel e, portanto, sem efeito osmótico. Como todos sabem, o amido é também a fonte de energia número um para as pessoas, não importa que seja da batata, do trigo ou do milho. Conseguimos, ao contrário da celulose, digerir (= hidrolisar) esses polímeros. Os amidos são polissacarídeos feitos de unidades de D-glicose. Podemos identificar dois tipos de amido que se diferem principalmente na sua arquitetura (ver também Fig. 4 e Fig. 5): Amilose (10 a 30 %): longas cadeias lineares onde somente se têm conexões 1,4-αglicosídicas (ver Fig. 4). A conformação secundária da amilose é uma α-hélice onde o passo fica com aproximadamente 3 unidades glicosídicas. Amilopectina (70 a 90%): polímero altamente ramificado: além das conexões 1,4-αglicosídicas observem-se também 1,6-α-glicosídicas (4 a 6%). A arquitetura é dentrítica onde as cadeias laterais são relativamente curtas (ver Fig. 5). Estes, junto à água (cerca de 20%), formam o grão de amido. Em menores partes o grão também contém proteínas, gorduras, sais minerais assim que o ácido fosfórico fixado em forma do seu éster. As qualidades do amido variam com a sua origem; são governadas, além dos tamanhos médios das macromoléculas, da proporção entre amilose e amilopectina. Em função desta composição os métodos de isolamento do amido também variam. Seja dado o exemplo do amido a partir do trigo: a farinha do trigo é misturada com água. Essa massa deve descansar algum tempo, antes de ser amassada e lavada com água. O glúten (= proteína vegetal, com qualidades de uma cola) fica insolúvel, pode ser separado e secado. Restos do glúten, o farelo e o gérmen do trigo podem ser separados por peneiração da suspensão do amido cru. A suspensão do amido assim refinado é centrifugada e liberada da maior parte de água. A secagem final ocorre em secadores de esteira, em fluxo contínuo. 63 Armin Isenmann Processos Industriais 2.11.1 Amilose a amilopectina: dois materiais bastante diferentes A produção de amido cresce continuamente, tanto aquela parte destinada à alimentação quanto a parte do setor técnico. Em 2005 foram produzidos mundialmente 58 milhões de toneladas de amido, destas 54% para o setor alimentício e 46% para fins técnicos. Os produtores líderes são os EUA e a Ásia. A amilopectina tem mais demanda e valor do que a amilose. Ela pode ser usada para produzir grude e outras colas, mas também serve como lubrificante, além de suas aplicações na indústria alimentícia. A amilose, por outro lado, forma facilmente filmes finos e serve como espessante e emulsificante (devido à formação de colóides hidrofílicos). Aquele amido que engrossa um molho ou um pudim, sem dar bolinhas de amido, é rico em amilose. As irmãs desiguais somente podem ser separadas sob grandes esforços e geração de grandes volumes de água servida - muito caro e inviável em grande escala. Mas a solução do problema é bastante simples: cultivar plantas (que pode ser por meio da biotecnologia) que por si já são ricos em amilose ou em amilopectina. Daí, dispensam-se os processos de separação. Recentemente se criaram milho e batatas geneticamente modificados que são quase livres de amilose. Um desenvolvimento recente é o uso de amido termoplástico. Este material é atualmente o plástico a base de recursos renováveis (ver definição no cap. 2.14.1, na p. 78) mais produzido no mundo. Com 80% este material é de longe o biopolímero mais utilizado hoje, seguido pelo acetato da celulose (p. 58) e polilactato (p. 87). Para sua processabilidade como termoplástico o amido tem que ser aditivado por plastificantes e lubrificantes. Muito usados para este fim são o sorbitol (ver p. 99) e a glicerina (ver p. 90). A propriedade inerente do amido de absorver água é, na maioria das aplicações dos plásticos, um atributo indesejável. Portanto, é misturado (= blend) com outros polímeros, por sua vez de natureza hidrofóbica. Para manter o atributo "bio", este segundo componente deve ser biodegradável. Assim, acharam aplicações as blendas com poliéster, poliésteramida, poliuretano e polivinilálcool. Note que cada um destes últimos componentes é produto da petroquímica. Estas blendas são produzidas como granulado que pode ser transformado em folhas sopradas, folhas termo-moldáveis, peças injetadas e laminados. Os produtos típicos são sacolas, copos de iogurte, talheres descartáveis, potes de plantas, revestimentos de fraldas, papeis e papelão plastificados, chips inflados para isolamento e embalagens, etc. 2.11.2 Amido na produção de papel O amido é um recurso renovável clássico, de grande importância econômica. Uma das consumidoras principais é a indústria de papel. Ao borrifar papel umedecido com uma suspensão de amido, encontraram um método barato de fortalecer o material. A penetração do amido torna o papel mais rígido e mais resistente ao desgaste mecânico - enquanto não prejudica as máquinas de recorte (o que sempre é um problema com os recheios minerais). A tinta fresca que usamos para escrever no papel, fica mais nítida e não se espalha mais entre as fibras da celulose - o que foi o caso no papel não tratado. O amido, além de ser usado na sua forma originária, pode também ser modificado quimicamente. A próxima figura demonstra as diversificações da sua aplicação e sublinha a universalidade destes materiais. 64 Armin Isenmann Fig. 40. Processos Industriais Campos de aplicação do amido 2.11.3 Amido ramificado: dois exemplos O amido natural tem sua estrutura secundária (uma α-hélice, no caso) devido às pontes de hidrogênio entre os grupos hidroxilas de unidades glicosídicas vizinhas. Estas pontes podem ser de natureza intra e intermolecular e fornecem uma firmeza não muito alta ao amido. Ao ramificá-lo artificialmente este material perde uma parte do seu inchamento em água, ao mesmo tempo se torna mecanicamente mais estável. Os amidos ramificados são bastante usados na indústria alimentícia. Mais recentemente são feitas tentativas de usar o produto ramificado como superabsorvente (ver também p. 91), desta maneira substituir os produtos comerciais a base de recursos fósseis. A maneira padrão de ramificar o amido é via esterificação com ácido fosfórico. Mais facilmente se consegue a reação ao usar o cloreto do ácido fosfórico, POCl3, por ser mais reativo frente nucleófilos do que o ácido livre. 65 Armin Isenmann Processos Industriais Também viável é a esterificação com um anidrido de ácido carboxílico. Na reação a seguir usa-se o anidrido acético para produzir o acetato do amido. Este produto não fica mais ramificado do que o material de partida, mas pode ser usado para moldar filmes finos e folhas transparentes. Nos anos passados descobriram-se novos campos de aplicação para este material, a serem mencionadas as folhas de embalagem de alimentos de fácil compostagem, talheres, pratos e bandejas descartáveis. O amido tem um futuro brilhante, a médio e longo prazo. O leque das aplicações fica cada vez mais largo. Também a indústria química descobriu o amido sendo uma matéria prima excelente para produzir compostos de plataforma, através de novos e eficientes processos biotecnológicos. Estes caminhos, porém, não aproveitam da síntese macromolecular da natureza, porque o amido é picado em seus monômeros, a D-glicose. 2.12 Gorduras e óleos Os óleos e as gorduras sempre foram de suma importância na dieta dos humanos e animais. Também nas linhas de produção industrial da química sempre foram, e até hoje são, os recursos renováveis mais importantes. Estima-se que sua importância ainda aumenta no futuro (palavra chave: biodiesel). Quimicamente falando, óleos e gorduras são ésteres da glicerina com ácidos graxos, na sua maioria de cadeia carbônica comprida. Esses compostos são também conhecidos como triglicerídeos. Podem ser líquidos (daí se fala em óleos) ou sólidos a temperatura ambiente (= graxas, sebo). É a facilidade de cristalizar, determinada pelo comprimento e pela uniformidade das cadeias carbônicas e o grau de insaturações, que determina o estado físico. 66 Armin Isenmann Fig. 41. Processos Industriais Exemplo de um triglicerídeo. A natureza química dos ácidos graxos varia consideravelmente com a origem vegetal ou animal. Tipicamente indica-se em um código de dois números, o comprimento de carbonos na cadeia e o número de duplas ligações nesta cadeia. A representação é (X : Y), onde X = Número de carbonos e Y = número de insaturações C=C. Todos os óleos e gorduras contém uma diversidade de ácidos graxos e combinações destes nos triglicerídeos, portanto somente é possível indicar uma porcentagem média. A caracterização química das gorduras é chamada de "padrão dos ácidos graxos". Como cada molécula de gordura geralmente tem três diferentes ácidos graxos, as diferenças entre essas moléculas são muito pequenas para serem separadas por cromatografia. Mas uma transesterificação com metanol leva a três metilésteres separados que podem ser separados e analisados por técnicas cromatográficas (HPLC). No caminho petroquímico estes ácidos carboxílicos de cadeia carbônica comprida são acessíveis, também. Mas essas rotas requerem pelo menos três etapas sintéticas, enquanto o recurso renovável da gordura precisa de apenas uma simples hidrólise. Portanto, as sínteses destas substâncias a partir do petróleo nunca foi uma concorrente forte para as gorduras naturais. A próxima figura mostra os ácidos graxos insaturados mais presentes nas gorduras naturais: 67 Armin Isenmann Processos Industriais Tab. 6. Padrão dos ácidos graxos: composição natural de algumas plantas oleosas: ácidos graxos em % do peso. Graxa/Óleo 10:0 12:0 14:0 16:0 18:0 18:1 18:2 18:3 20:1 22:1 Óleo de colza ("low erucic") - - - 1-5 1-4 50-65 15-30 5-13 1-3 0-2 Óleo de colza ("high erucic") - - - 2-3 1-4 12-24 12-16 7-10 4-6 45-53 Girassol (gênero antigo) - - - 3-10 1-10 14-65 20-75 - - - Girassol (high oleic) - - - 3-4 1-2 90-91 3 - - - Óleo de linho - - - 5-8 2-4 15-25 12-16 50-60 - - Manteiga de coco 5-10 45-53 15-21 7-11 2-4 6-8 1-3 - - - Azeite de dendê do miolo 3-5 40-52 14-18 6-10 1-4 9-16 1-3 - - - Azeite de dendê de fora - - 0-2 38-48 3-6 38-44 9-12 - - - Óleo de soja - - - 7-14 1-5 19-30 44-62 4-11 0-1 - Óleo de amendoim - - 0-1 6-16 1-7 36-72 13-45 0-1 0-2 - A indústria geralmente é interessada em triglicerídeos mais ricos possíveis em determinado ácido graxo. É evidente que essa exigência somente se consegue com novos cultivos e criações, de repente com ajuda da manipulação genética. Um exemplo de manipulação bem sucedida é a colza: essa planta, aliás, fonte número um de óleos na Europa ocidental, tinha originalmente uma composição nas gorduras que impediu seu consumo por homens e animais. Isso se deve ao alto teor em ácido erúcico (22 : 1), além dos venenosos ácidos de gondo e nervono. Hoje essa variedade antiga da colza é exclusivamente usada para combustíveis do tipo Biodiesel ou na síntese química. Para a última finalidade se cultiva até variedades que são especialmente ricas em ácido erúcico, um composto bastante interessante de cadeia de 22 carbonos e uma ligação interna C=C. Conseguiram uma variedade de colza de >50% de ácido erúcico. A criação mais famosa, todavia, é a "colza duplo zero" na qual o teor em ácido erúcico fica especialmente baixo, portanto o óleo tornou-se comestível. Em vez deste, esse óleo é rico em ácido oléico (50 a 65%), linóleo (15 a 30%) e linoléico (5 a 13%). 2.12.1 Demanda crescente em óleos vegetais A produção de óleos em grande escala inclui as etapas de prensagem e extração. Um fato interessante é que a torta de prensagem (rica em proteínas e fibras das sementes) também tem valor, especialmente em ração para gado. Os triglicerídeos entram hoje como matéria prima na fábrica de cosméticos, lubrificantes, sabão e vernizes. Na Europa já se alcançaram 50% dos detergentes produzidos a partir de 68 Armin Isenmann Processos Industriais óleos vegetais. O recém advento do biodiesel aumentou bastante a demanda por óleos naturais. Destes exemplos referidos, o cosmético, os óleos usados para serras e em sistemas hidráulicas, requerem pouca transformação química para se tornarem uma variedade de produtos finos e especiais. A Fig. 42 mostra umas destas reações, todas de importância industrial. Fig. 42. Reações químicas feitas nos triglicerídeos A hidrólise dos triglicerídeos sob pressão, leva aos ácidos graxos livres e à glicerina. Os ácidos graxos podem ser desprotonados com bases fortes (NaOH ou KOH) e fornecem diretamente sabões. A reação dos ácidos graxos com alcoóis leva aos ésteres. Estes produtos, porém, são geralmente feitos de maneira mais direta a partir do triglicerídeo, via transesterificação. A reação certamente mais aplicada é com metanol que fornece o biodiesel que nada outro é do que o metiléster dos ácidos graxos. Os catalisadores básicos (metóxido de sódio, por exemplo) ganham a preferência na maioria dos casos, já que os catalisadores ácidos (ácido sulfúrico, ácidos sulfônicos orgânicos do tipo tosila; zeólitos) são de remoção difícil. Além disso, produzem em menores partes ácidos graxos livres. Ambos, catalisador ácido e ácido graxo livre, corroem os motores de combustão. A hidrogenação catalítica satura, em primeira linha, as duplas ligações C=C dos ácidos graxos. Mas também se consegue, sob condições mais drásticas, uma redução do grupo -COOH que leva aos alcoóis graxos. Estes são intermediários na fábrica de agentes tensoativos (detergentes). Após a esterificação com ácido sulfúrico e a neutralização se obtém, por exemplo, detergente para lavar louça. Fórmula geral destes alquilssulfatos: ROSO3- Na+. Uma reação interessante se consegue nas duplas ligações C=C com peróxido de benzoíla: os epóxidos dos ácidos graxos. Eles reagem voluntariamente com ácidos carboxílicos bifuncionais, fornecendo a interessante classe dos poliésteres insaturados (resinas em tintas). 69 Armin Isenmann Processos Industriais Um tratamento simples do óleo de dendê com ácido sulfúrico concentrado ou SO3 leva ao éster (= sulfato) nos grupos hidroxilas e ao produto de adição do grupo -SO3H nas duplas ligações C=C. Esse produto é conhecido como óleo vermelho do turco (inglês: turkey-red oil) e contém entre 8 e 8,5% de SO3. Isto corresponde a um grupo sulfônico a cada triglicerídeo. A indústria têxtil é grande consumidora deste, onde serve como aditivos emulsificante e umectante dos tecidos. Fig. 43. Possíveis reações na dupla ligação C=C dos ácidos graxos. Além destas, as reações feitas no grupo carboxílico dos ácidos graxos leva aos cloretos, amidas, aminas ou sais carboxilatos. Fig. 44. Reações preferencialmente feitas no grupo -COOH dos ácidos graxos. Certos ácidos graxos contém ainda um grupo hidroxila. Mais famoso exemplo é o ácido ricinóico. O óleo de mamona é especialmente rico neste ácido graxo (~ 80%). Sendo assim, este composto pode ser usado diretamente na produção de poliuretanos, onde substitui uma parte dos polióis, usados para ramificação do polímero e plastificação do material. Tab. 7. Exemplos do uso industrial dos derivados de ácidos graxos: Derivado Aplicação Éster do ácido graxo Plastificante na indústria de tintas e vernizes Etoxilato do ácido graxo Emulsificantes na indústria cosmética e têxtil Amida do ácido graxo Compatibilizante e umectante para pigmentos, usados na indústria 70 Armin Isenmann Processos Industriais de tintas; proteção de corrosão de estruturas metálicas. Não incluso o uso de certos derivados na farmácia e como inseticidas. 2.12.2 Perspectivas para o futuro Como as tecnologias bioquímicas conquistam a produção industrial pode ser mostrado no exemplo da hidrólise dos triglicerídeos. Em alta escala, até hoje, as gorduras são hidrolisadas usando vapor de alta pressão; consequentemente, é uma etapa bastante energética. A biotecnologia oferece uma alternativa interessante: um novo grupo de enzimas chamadas de lipases foi aperfeiçoado para fazer este serviço a temperatura ambiente. Aliás, são os biocatalisadores que ajudam também na nossa digestão de comida gordurosa. As operações unitárias são, portanto, bastante simples e robustas. A seletividade deste tipo de catálise geralmente é bastante alta. Em nosso exemplo são produzidos especificamente os ácidos graxos livres, mesmo se o material de partida for uma amostra biológica impura. Por que este método não se aplica ainda em grande escala? Um dos obstáculos e objeto de pesquisas é a intolerância das culturas de bactérias que produzem as enzimas, frente altas concentrações. A maioria morre quando exposta, tanto à alta concentração de gorduras como aos ácidos graxos produzidos. Outra é uma elevada mortalidade das bactérias sob condições de hidrólise. Outro ponto é a possibilidade da formação de produtos paralelos, especialmente sob tempos de fermentação prolongados. Estes, por sua vez, podem potencializar a toxicidade do ambiente reacional frente às bactérias, uma parada da reação seria a consequência. Além de tudo isso, o agar (= alimento para as culturas de bactérias) que é essencial para o bom funcionamento da fermentação, ainda custa muito caro. Os biotecnólogos, químicos e engenheiros de processos trabalham mão em mão para vencer estes obstáculos acarretados pela vulnerabilidade das bactérias. Culturas mais potentes de bactérias ou enzimas extraídas delas estão sendo desenvolvidas, visando produtos em concentrações mais altas. Também trabalham num melhor funcionamento da etapa de purificação que, neste processo, anda paralelamente à fermentação. 2.13 Terpenos e borracha natural Dizem que óleo cítrico espanta males e mal humor. Fato que até então ninguém comprovou. Certo é, por outro lado, que o composto responsável pelo odor agradável é citronelol que pertence à família dos terpenos. Terpenos fazem parte dos óleos etéricos das plantas. Além do mencionado, os mais conhecidos representantes desta família são o mentol (contido no óleo da menta e hortelã) e o cuminal (no cuminho e no eucalipto). 71 Armin Isenmann Processos Industriais CH 2OH CHO CH 2 OH Citronelol Geraniol (tomilho, f rutas cítricas, (rosas, citronela; perf umes) repelente de insetos) Neral ou Citral (erva cidreira; síntese de vitamina A) OH OH Mentol (menta, cigarros) Fig. 45. Cuminol (cuminho, f uncho; medicinal) Alguns monoterpenos típicos, sua fonte natural e suas aplicações industriais. Todos os terpenos se constituem de unidades "isoprênicas". Isopreno Como o número de carbonos no isopreno é 5, o critério de ser um terpeno é que o número dos seus carbonos deve ser divisível por 5 (regra de L. Ruzicka, 1922). Compostos que são feitos a partir de uma única unidade isoprênica são raros na natureza. por outro lado, muito espalhados são os compostos de duas, três ou mais unidades isoprênicas. Ao longo dos anos se estabeleceram nomes triviais para classificar estes terpenos, dos quais alguns são relacionados na tabela a seguir: 72 Armin Isenmann Processos Industriais Dos ~40.000 diferentes terpenos conhecidos até hoje as estruturas químicas e, na maioria dos casos, as rotas da sua síntese são bem conhecidos. Por outro lado, o papel biológico destas substâncias e seus efeitos nos homens, somente se sabe em partes. No entanto, seus efeitos podem ser bastante interessantes: alguns animais liberam feromônios que servem para comunicar com seus iguais - às vezes a longa distância. Outros servem como atraentes: o besouro da madeira segue ao cheiro dos terpenos de pinheiros que são emitidos de árvores doentes. Não é surpresa que na indústria de perfumes se usam os terpenos há muitos anos. Exemplos são o mentol, geraniol e nerol. 2.13.1 Terpenos contra câncer Também a indústria farmacêutica descobriu o valor dos terpenos. Por exemplo, o taxol usado com sucesso no tratamento de câncer, é feito a partir de um diterpeno. Também os esteróides, entre eles os hormônios sexuais, têm um esqueleto de diterpenos (= C20). Além disso, os terpenos são materiais de partida para vitaminas e uma série de outros fármacos. Grandes volumes de terpenos de baixa massa molar são usados na indústria de tintas e vernizes, como solventes. Conhecida como "terpentina" essa mistura serve como substituto para alcanos e aromáticos provenientes do petróleo (querosene e nafta). Especialmente grande foi o avanço em proteção ambiental quando a terpentina foi usada em vez dos solventes halogenados. Mas os terpenos também podem ser componentes estruturais na própria tinta, onde polimerizam e ajudam formar uma rede tridimensional que proporciona à tinta sua resistência necessária e dureza final. Tab. 8. Terpenos e suas aplicações: Ramo industrial Aplicação Alimentício Flavorizantes e aromas 73 Armin Isenmann Processos Industriais Fárma Óleos etéricos, medicamentos, vitaminas. Cosmética Odorantes e aromas, repelentes. Corantes e tintas Solventes alternativos Agrícola Pesticidas 2.13.2 Sem a borracha ficamos no lugar Na língua dos índios do Perú a palavra "Cahuchu" significa árvore com lágrimas. Quando se risca a casca de uma árvore amazônica do tipo hervae brasiliensis, sai um tipo de leite que contém o então cauchú, melhor conhecido como látex da borracha natural. O látex tem a sua aparência leitosa devido ao forte espalhamento da luz nas pequenas partículas contidas nele. Na verdade trata-se de gotículas de um polímero, o poliisopreno com uma massa molar média de 2.106 g.mol-1, em uma matriz aquosa. O tamanho médio destas gotículas é de poucos micrômetros, portanto o látex é um exemplo para uma dispersão coloidal (= emulsão). Esse vai ser o ingrediente principal em muitas borrachas e elastômeros que usamos no dia a dia - inclusive para os pneus dos nossos veículos. Entre outros, o Brasil mantém uma pesquisa aplicada há décadas que visa melhorias na produção do látex e da então borracha natural. Por outro lado, há aproximadamente 100 anos que se sabe do acesso às borrachas sintéticas, entre elas os copolímeros de SBR (= poli-estireno-co-butadieno = Buna S) e NBS (= poliacrilonitrila-co-butadieno-co-estireno = Buna N). A tendência atual, porém, vai claramente em direção à borracha a partir de recursos naturais. O rosto da Tailândia são suas plantações extensas de cauchú. Uma árvore em média produz vários gramas de látex por dia que, na maioria das vezes no local do produtor florestal, é tratado com diversas substâncias, entre estes o ácido acético, com o objetivo de coagular esse leite. Daí pode ser separado da fase aquosa. O coagulado é amassado por rolos que parecem um pouco às calandras da fábrica de plásticos. O material sai deste processo em lâminas de 1 a 2 mm de espessura e vai para a secagem em armazéns aquecidos a 50 °C. No final o látex seco é pulverizado, já que nesta forma é mais fácil de transportá-lo. 74 Armin Isenmann Processos Industriais 2.13.3 Estrutura química e vulcanização O poliisopreno contido no látex é um polímero altamente insaturado (quer dizer, repleto de duplas ligações C=C), com relativamente poucas ramificações. A forma predominante da inserção do monômero isoprênico é via os carbonos 1 e 4; a dupla-ligação do monômero muda-se para a posição 2, enquanto observamos o estabelecimento da geometria cis. A borracha natural pode ser chamada de recurso renovável "tradicional". Porém, antigamente a humanidade ainda não sabia da grande utilidade deste material. Isso mudou drasticamente quando o escocês C. Macintosh (1823) descobriu que o látex é solúvel em solventes orgânicos e nesta forma pode ser aplicado em tecidos. Uma vez o solvente se volatilizou, o tecido se tornou prova d´água que pôde ser usado como roupa de proteção contra a intempérie adversária da Escócia. Infelizmente, essas jaquetas grudaram bastante durante o verão; além disso, o oxigênio do ar tornou o tecido tratado seco e duro e o látex se perdeu aos poucos. O que ficou, até hoje, é a expressão "Macintosh", para denominar jaquetas de chuva na Inglaterra. O americano J. Goodyear (1839) descobriu poucos anos depois e por puro acaso, que a adição de enxofre e um tratamento com temperaturas ligeiramente elevadas transformou o material grudento em um novo estado que mostrou altíssima elasticidade - o que todo mundo conhece hoje como borracha. Esse novo material pôde ser estirado até 500% da sua forma em repouso, sem rachar! E depois de relaxar voltou na mesma forma que tinha havido antes. Isso foi revolucionário, sendo o nascimento do processo da "vulcanização". A partir de lá, levou um tanto de 80 anos para se descobrir porque as qualidades mecânicas da borracha mudaram tão drasticamente: as cadeias poliméricas do cauchú, por enquanto soltas uma da outra e na conformação de novelos estatísticos, podem deslizar das cadeias vizinhas, uma vez que somente se estabeleceram as fracas interações de Van der Waals entre elas. Em consequência, o material é um grude de alta viscosidade que se rasteja aos poucos (ingês: creep). Com a vulcanização se introduz o enxofre que impede justamente esses deslizamentos. Duplas ligações C=C remotas estabelecem pontes de polissulfeto, tanto intra quanto intermoleculares. Entre essas pontes se encontram seções (ou laços) mais ou menos compridas: 20 a 100 unidades isoprênicas, na média. As pontes 75 Armin Isenmann Processos Industriais de polissulfeto, por serem ligações covalentes e estáveis, fazem com que os novelos estatísticos do poliisopreno e, afinal, o objeto macroscópico, não permaneçam na posição final após serem deformados. Sendo assim, o objeto perdeu o comportamento viscoso, enquanto realçou o aspecto elástico. É lógico que através da quantidade de enxofre que se usa na vulcanização, se consegue ajustar o comportamento elástico e a rigidez do corpo. Uma vez vulcanizada, a peça tem sua forma final e não pode ser mais transformado igual um termoplástico; sua massa molar torna-se infinita, devido às inúmeras pontes de polissulfeto; além disso, virou insolúvel em qualquer solvente - somente incha, mas não se dissolve. De acordo com sua aplicação a borracha requer uma série de aditivos (pigmentos, corantes, plastificantes, anti-chama, protetor solar, antienvelhecimento = antioxidantes), auxiliares de processamento (lubrificantes) e recheios. Estes últimos são especialmente importantes, não só por baratear o artefato de borracha, mas também por mostrar efeitos sinergéticos sob vários aspectos mecânicos. O recheio mais utilizado e presente em até 50% da massa do objeto final, é carvão finamente particulado e fuligem. Sua cor preta que todos conhecem dos pneus, ao mesmo tempo protege a borracha frente à radiação solar. Se não fosse protegido, o objeto ressecaria e endureceria rapidamente. A seguinte figura dá noção da composição típica de um pneu de carro. Mais de 70% de toda a borracha produzida no mundo entra na produção de pneus de automóveis. Em segunda linha ficam as luvas de borracha, vedações, mangueiras, balões de festa, botas, solas de sapato e correias de transporte. Fig. 46. Composição média de um pneu de carro O cauchú natural tem em torno de 40% de toda a produção em elastômeros no mundo, a produção mundial do látex fica em 20 milhões de toneladas por ano. Estes números demonstram a imensa importância deste recurso renovável. 76 Armin Isenmann 2.14 Processos Industriais Polihidroxialcanoatos (PHA) São o foco dos pesquisadores no mundo inteiro: os polihidroxialcanoatos (PHA), uma classe especialmente universal de polímeros. Há milhares de anos que PHA são produzidos no metabolismo de certas bactérias (p.ex., alcaligenes eutrophus). Este material serve aos protozoários como reserva de energia, comparável à gordura em nosso corpo. São armazenados dentro dos organismos em forma de material insolúvel e branco, quer dizer, um sólido com alto índice de refração. Fig. 47. Micrografias de bactérias que produzem e segregam BHA, no caso poli-3hidroxibutirato. Pela natureza química os PHA são poliésteres. Para muitos pesquisadores são estes os genuínos "biopolímeros", candidatos mais promissores para substituir no futuro os poliolefinos. Para que os microorganismos produzam este material, geralmente é necessário tratá-los mal, ou seja, submetê-los a condições deficitárias em algum elemento químico (nitrogênio, fósforo ou oxigênio) e oferecer um excesso em carbono. Diversos fatores influenciam na produtividade microbiana e também na natureza química dos PHA: Tipo de microorganismos usados Tipo de fonte de carbono As demais condições do ambiente (temperatura, sais, concentrações, etc.) Tudo isso determina rendimento, massa molar e natureza química dos PHA. Após o processo de fermentação as bactérias devem ser concentradas e extraídas - por enquanto etapas que acarretam o fim de vida dos microorganismos. Mas novas bactérias já foram descobertas que expelem o PHA logo após sua produção e assim facilitam seu isolamento e o tratamento subsequente. Como já mencionado acima, os PHA podem ser usados nos mais diversos artigos de plásticos: desde a luva flexível de plástico, copos firmes e garrafas rígidas. Até folhas finas e embalagens de alimentos podem ser feitos de PHA, já que se conseguem materiais com barreiras frente ao oxigênio, quase tão altas quanto o polipropileno ou o PE. Uma das características mais marcantes: os PHA são altamente biodegradáveis. A degradação ocorre, tanto no ar como debaixo d´água. Mais uma aplicação promissora dos PHA se deve ao fato de que o corpo humano consegue degradá-los aos poucos. Sendo assim, implantes, parafusos e fios cirúrgicos de PHA não precisam ser removidos através de uma segunda cirurgia, mas simplesmente se dissolvem após certo tempo. Interessante é também o uso dos PHA como veículo de medicamentos que, 77 Armin Isenmann Processos Industriais em virtude da dissolução do carregador, liberam o remédio dentro do corpo aos poucos (farmacocinética; sustained release). O processamento dos PHA é possível nas máquinas convencionais de termoplásticos (injeção, extrusão), eles também são moldáveis ou podem ser fiados. Representante de estrutura mais simples dos PHA é o polihidroxibutirato (PHB; temperatura de fusão: acima de 130 °C): Tecnicamente mais interessantes, no entanto, são os copolímeros do PHB porque mostram um perfil mais vantajoso em termos de processabilidade. Também a mistura física (= blendagem) com outros polímeros, tais como acetato de celulose (p. 58) ou amido (p. 64), amplia bastante o leque das aplicações deste material, que vai desde colas até borrachas rígidas. Já em 1960 se desenvolveu nos EUA um processo combinado, fermentativo e extrativo, que fornecia PHB. Foram feitos testes para usar este novo material como termoplástico comercial. Mas provouse que era mais quebradiço do que o PP - o que diminuiu bastante o espectro das aplicações. Somente com o advento dos copolímeros via biossíntese esta deficiência foi vencida. Mencionamos o poli(3-hidroxibutirato)-co-poli(3-hidroxivalerato), com a sigla PHBV, um material mais dúctil e mais resistente: Nos anos 1990 surgiu a primeira garrafa de xampu na Alemanha que foi inteiramente feita de PHBV e, portanto biodegradável. Mas, os custos da sua produção foram em torno de 0,50 € mais caros do que um recipiente convencional de PET - o que sinalizou um desastre comercial. Afinal, são os custos de produção elevados que ainda impedem o largo uso dos PHA e um espalhamento em outros setores industriais, especialmente em forma de artigos de massa. Mas a pesquisa aplicada está fazendo progresso e podemos contar com estes materiais nos próximos anos. 2.14.1 A polêmica dos "biopolímeros" Por enquanto associamos neste texto diversos materiais, explicitamente a celulose, o amido, os polihidroxialcanoatos e também o polilactato (ver p. 88), com a expressão "bio". O dilema da palavra "biopolímero" é, no entanto, que não há definição unânime. Pelo entendimento popular um biopolímero é feito a partir de recursos renováveis e pode ser degradado após a sua vida útil pela natureza (no solo ou no corpo humano, por exemplo). Mas essa definição exclui muitos materiais, portanto é melhor definir em duas categorias (leia mais: http://en.wikipedia.org/wiki/Bioplastic): 78 Armin Isenmann Processos Industriais 1) Polímeros e plásticos a base de recursos renováveis. Tais podem ou não, ser biodegradáveis (os que não são: certos poliésteres, poliamidas ou Nylons, material altamente ramificado) 2) Plásticos biodegradáveis, não importa de onde vêm as matérias primas. Por exemplo, conhecemos o polilactato (PLA), PHA e PHB que vem da natureza e também são biodegradáveis. Mas existem também polímeros a base petroquímica que se degradam na natureza, às vezes somente após a aditivação ou funcionalização química. Para determinar sua biodegradabilidade existe uma série de testes padronizados aos quais os plásticos devem ser submetidos. No ano 2004 foram produzidos em torno de 225 milhões t de polímeros e materiais plásticos, destes foram feitos apenas 250.000 t a partir de recursos renováveis, ou seja, apenas 0,1%. Porém, a tendência de aumentar essa parte é inegável, e há estimas que sob condições favoráveis, a parte dos renováveis pode aumentar até 10% do volume total; somente visto o setor de embalagens de plásticos sua participação poderá alcançar até 70%. Biopolímeros podem ser produzidos como folhas, peças injetadas ou perfis extrudados e são usados em ampla gama. Uma das exigências mais restritivas aos biopolímeros é sua processabilidade em máquinas convencionais, usadas pelas fábricas de transformação plástica: extrusão, injeção, sopro, etc. Isso implica que esses materiais devem ser termoplásticos, ou seja, facilmente deformáveis a temperaturas elevadas. Justamente este critério inibe a larga aceitação de alguns biopolímeros em artigos de consumo em massa. Por exemplo, PLA puro tem um ponto de amolecimento de apenas 60 °C; sendo assim, não pode ser usado para produzir copos de café, talheres descartáveis ou recipientes resistentes ao microondas. Não devem ser considerados biopolímeros, por outro lado, as misturas físicas (as blendas e os compósitos) que contêm farinha de madeira como recheio ou fibras naturais de reforço, mas uma matriz de plástico de origem fóssil. Estes materiais, para os quais também se prevê um grande futuro, não encaixam em nenhuma das duas definições dadas em cima. Até hoje precisamos dos plásticos convencionais a base de recursos fósseis, para otimizar as propriedades dos materiais e produtos acabados. O mercado não aceita um regresso na qualidade dos produtos. Isso implica que somente aos poucos chegamos a reduzir a porcentagem do plástico convencional dentro dos compósitos, a favor dos biopolímeros. Tab. 9. Alguns campos de aplicações dos "biopolímeros" Área Aplicação Propriedades e benéficos Medicina Fios cirúrgicos Fibra degradada dentro do corpo Veículo para remédios Comprimidos e cápsulas que se dissolvem aos poucos no corpo Implantes Degradados dentro do corpo Garrafas de xampu Compostável Embalagem / folhas Bolsas de sacolas de Compostável compras Artigos de consumo Estufas de plantações Proteção ao congelamento; retenção de calor solar; não precisa ser recolhido por que se degrada no campo. Louça descartável Compostável 79 Armin Isenmann Processos Industriais Roupa Bom transporte de calor, agradável da pele. 3 Química de plataforma, a partir de recursos renováveis Até hoje podemos afirmar: sem petróleo ou gás natural não funciona nada na indústria química. Estes recursos são as fontes para as substâncias padrão (inglês: bulk chemicals), a partir das quais toda a química fina se constrói. Só que as fontes desses materiais se esgotam aos poucos. Por este motivo o mundo da ciência está procurando substitutos com máximos esforços. Este capítulo deve mostrar como alguns dos mais genéricos reagentes da síntese orgânica são acessíveis, a partir de recursos renováveis. Essas substâncias são fundamentais em praticamente todas as linhas de produção - desde plásticos, fibras e têxteis, remédios, agrotóxicos etc., também conhecidos como "commodities" ou "químicos de plataforma". Sua classificação aqui será conforme o número de carbonos dentro da sua estrutura, daí são C1, C2, C3, etc. 3.1.1 Pequenos e poderosos - a família C1. Metanol e formaldeído Estes dois são entre os mais importantes reagentes da síntese orgânica, envolvidos na maioria das linhas de produção. E não só isso: há certo tempo que os laboratórios de pesquisa trabalham em caminhos de usá-los como combustível em células de combustão, para notebooks ou outros pequenos dispositivos elétricos, ao utilizar a energia liberada pela oxidação do metanol. Recentemente foram apresentados protótipos: um pequeno cartucho com metanol fornece a energia por um longo tempo. Na oxidação do metanol com oxigênio resulta, em primeira instância, o formaldeído. Historicamente falado, a aplicação mais inovadora do formaldeído foi a invenção da baquelite, nos anos 1930. Este polímero, o primeiro que foi produzido em grandes quantidades, é feito de formaldeído e fenol, além de certos catalisadores e materiais de recheio. Foram, por exemplo, feitos os telefones pretos e enormes que dominavam a aparência de qualquer escritório, mas também os envoltórios dos rádios e TVs feitos até os anos 1960 que pareciam elegantes como um piano de concerto polido. Hoje não se precisa mais destes aparelhos de baquelite, escuros e pesados. Mas a demanda por formaldeído continua em outras aplicações mais modernas, principalmente em acabamentos de superfície, esmaltes, lacas e tintas. De onde vêm os compostos C1 de hoje? Os compostos C1 são feitos em larga escala industrial a partir de "gás de síntese", isto é uma mistura de monóxido de carbono e hidrogênio. Matéria de partida hoje é principalmente gás 80 Armin Isenmann Processos Industriais natural e a fração de nafta proveniente do petróleo. A reação com vapor d´água é feita a temperaturas entre 800 e 900 °C, aplicando ao mesmo tempo pressões de até 40 bar. A reação é endotérmica e pode ser resumida simplificada como: CH4 + H2O → CO + 3 H2. Os conhecimentos acerca desta síntese são vastos. Aplicam-se com sucesso diversas variações operacionais e processos, desde 80 anos. Também a partir do carvão é possível fazer gás de síntese: C + H2O → CO + H2. Aproveitamos agora destas experiências, quando procuramos caminhos para fazer o gás de síntese a partir de biomassa. Quando aquecer biomassa a 550 °C sob exclusão de ar, também conhecidas como condições de pirólise, ela se decompõe. As frações são: 1. Um gás combustível que contém compostos tais como monóxido de carbono e metano, 2. Um líquido oleoso, mistura complexa de pequenas moléculas orgânicas, 3. Um sólido que parece muito ao coque. O coque e uma parte do óleo são em seguida convertidos com vapor d´água produzindo gás de síntese. O gás e a outra parte do óleo são queimadas e servem como fonte de energia para estabelecer as altas temperaturas desta síntese. A mistura de CO e H2 em seguida deve ser purificada, antes de ser convertida em metanol e outros (entre os "outros" se destacam hidrocarbonetos de cadeia média a comprida e diversos alcoóis). Quais são os produtos desta síntese, depende principalmente das condições aplicadas na síntese: temperatura, pressão, catalisadores. Ao se trabalhar sem pressão e a ~180 °C, os produtos são hidrocarbonetos sem algum oxigênio, das fórmulas gerais CnH2n+2 (saturados) ou CnH2n (monoalquenos). A seguinte equação abstrai a produção de hidrocarbonetos a base de gás de síntese: (n+2) CO + (2n+5) H2 → H3C-(CH2)n-CH3 + (n+2) H2O Os produtos primários desta síntese, usando catalisadores de ferro, cobalto e níquel, são: Metano: 20% Hidrocarbonetos leves (propano C3H8, butano C4H10, propeno C3H6, buteno C4H8): 10% Hidrocarbonetos com ponto de ebulição até 200 °C (= "gasolina"): 40% Hidrocarbonetos com ponto de ebulição até 320 °C (= óleo Diesel): 20% Hidrocarbonetos sólidos (=parafinas): 10%. 81 Armin Isenmann Processos Industriais Através do processo de craqueamento pode ser aumentada posteriormente a porcentagem da fração da gasolina. Os fundamentos desta reação foram colocados por Franz Fischer e Hans Tropsch, nos anos 1920. Naquela época, a nova síntese abriu a oportunidade de produzir gasolina, a partir do carvão mineral - uma estratégia que se tornou substancial para a sobrevivência da economia alemã durante a guerra. Até hoje este tipo de reações são conhecidas como "Síntese de Fischer-Tropsch". Uma divisão da pesquisa aplicada atual visa a otimização do gás de síntese, a partir de biomassa. Eles testam diferentes rotas e condições de executar pirólise e gaseificação, assim que elucidarem as melhores combinações destas duas etapas.. Ainda falta aperfeiçoar os parâmetros desta reação pirolítica, para se obter os hidrocarbonetos leves em alto rendimento, a partir da natureza viva. 3.1.2 Os multitalentos de C2. Etileno (= eteno) e etanol O etileno é o composto C2 mais importante da indústria química. É possível transformá-lo em uma grande variedade de outras substâncias (ver próxima vista geral). Mundialmente são produzidos 120 milhões de toneladas de etileno por ano (valor de 2007), dos quais um pouco mais da metade é transformada em polietileno (PE). Fig. 48. Etileno e seus derivados de importância industrial. 82 Armin Isenmann Processos Industriais Ao longo das décadas a produção do polietileno foi melhorada e desenvolvida. Os catalisadores usados hoje têm uma eficiência milhões de vezes acima dos catalisadores clássicos de Ziegler, as sacolas de plástico de hoje são mais resistentes e muito mais leves do que as de 20 anos atrás. Já não é mais novidade que existem recipientes de cozinha que aguentam microondas e o forno sem derreter e o freezer sem quebrar. A demanda em etileno aumenta constantemente, e esta tendência provavelmente continua. O etileno é um multi-talento, portanto as pesquisas são intensas em achar fontes alternativas para sintetizar o etileno. Fonte clássica do etileno O acesso principal ao etileno é o craqueamento do petróleo. Também gás natural pode ser craqueado e fornece o etileno em rendimento ainda melhor. Porém, os esforços de se obter o etileno a partir do etanol são muito altos. Trata-se de uma desidratação térmica, catalisada por contatos ácidos: H3C-CH2-OH → H2C=CH2 + H2O. Hoje se consegue o etileno em grande escala, com rendimento de ~99%. Produção de etanol Com a crescente demanda por etileno podemos esperar também uma crescente necessidade em etanol. Novos caminhos de se produzir o etanol estão em desenvolvimento. Em alguns países industrializados ainda se produz o etanol a partir de recursos fósseis, mas a tendência é regressiva. Bem mais etanol é produzido por via biotecnológica, usando a fermentação de amido, açúcar e melaço. O Brasil é o segundo maior produtor de etanol do mundo, o maior exportador mundial, e é considerado o líder internacional em matéria de bicombustíveis e a primeira economia em ter atingido um uso sustentável dos bicombustíveis (leia mais: http://pt.wikipedia.org/wiki/Etanol_como_combustív el_no_Brasil). Juntamente, o Brasil e os Estados Unidos lideram a produção do etanol, e foram responsáveis em 2008 por 89% da produção mundial e quase 90% do etanol combustível. Em 2010 a produção brasileira foi de 27,4 bilhões de litros, equivalente ao 37,3% da produção mundial de etanol. A indústria brasileira de etanol tem 30 anos de história e o país usa como insumo agrícola a cana de açúcar (nos EUA é o milho). Além disso, por regulamentação do Governo Federal, toda a gasolina comercializada no país é misturada com 25% de etanol, e desde Julho de 2009 circulam no país mais de 8 milhões de veículos, automóveis e veículos comerciais leves, que podem rodar com 100% de etanol ou qualquer outra combinação de etanol e gasolina, e são chamados popularmente de carros "flex". Hoje a produção mundial de etanol fica em torno de 60 bilhões de litros. 83 Armin Isenmann Processos Industriais Fig. 49. Volume em bioetanol mundialmente. É interessante ver como os custos desta produção se desenvolveram: Fig. 50. O patamar fica aproximadamente em US$ 180 a cada tonelada de etanol. A reação bioquímica da fermentação é representada de forma simplificada na próxima figura. Através de enzimas certas leveduras quebram os açúcares (= hexosas), fornecendo álcool e CO2. A partir de 1 Kg de glicose se consegue sob condições otimizadas até 0,5 Kg de etanol e 0,5 Kg de CO2. 84 Armin Isenmann Fig. 51. Processos Industriais Funcionamento da fermentação alcoólica (= aeróbica): ADP, ATP: difosfato e trifosfato da adenosina (fonte de energia) NAD+; NADH + H+: Nicotinamida adenina dinuceotídeo (co-substrato para reações redox enzimáticas). Durante a glicólise um mol de glicose é transformado em várias etapas, a dois mols de piruvato. Além disso, formam-se dois mols de ATP que representa a fonte de energia para o fermento. Segue a descarboxilação do piruvato. No final ocorre a redução do acetaldeído ao etanol, catalisado por NADH. Note que todas as etapas são catalisadas por enzimas. O bioetanol produzido em grandes tanques de fermentação tem que ser concentrado depois da sua síntese. Isto acontece, geralmente, por retificação, ou seja, destilação fracionada. Novos caminhos para mais etanol Embora a produção de etanol seja um processo antigo e muito bem estudado, os recentes anos trouxeram muitos melhoramentos nas operações unitárias, visando uma otimização da fermentação. Um dos maiores problemas a ser vencido é que a concentração do etanol, quando aumenta inibe a fermentação. Uma possível solução é a retirada contínua do etanol. Isto pode ser feito, por exemplo, via destilação paralela a vácuo, ou por extração do etanol por outros solventes orgânicos, ou, uma das linhas mais recentes, por membranas seletivas (quer dizer, paredes que deixam passar o etanol, mas não a água ou o metanol). É claro que essas novas técnicas aceleram mais uma vez a produção mundial do etanol. Em 2007 os EUA deslocaram o Brasil do primeiro lugar entre os produtores do etanol. E as metas são altas: até 2017 visam substituir um terço do petróleo importado, pelo etanol da produção doméstica. Mas isso somente pode ser alcançado através das novas tecnologias, se não usariam praticamente a completa safra de milho, para a produção de etanol. A crescente demanda por bioetanol não pode ser atendida, a longo prazo, somente pela fermentação de açúcar e amido. É substância das pesquisas atuais de usar, além destas 85 Armin Isenmann Processos Industriais matérias primas, também a parte da planta que não é utilizada por enquanto: as folhas, o caule, em geral, produzir etanol a partir de tais plantas que o homem por enquanto não utiliza como alimento (capim elefante, por exemplo). Isto poderia ser feito de preferência em biorrefiarias, onde matérias- primas de madeira são separadas em seus componentes principais, a celulose, as hemiceluloses e a lignina. Tanto a celulose quanto as hemiceluloses são potenciais materiais de partida para o etanol. Mas antes da sua fermentação estes materiais poliméricos devem ser "craqueados", quer dizer, transformados em açúcares simples. Os processos industriais onde enzimas modificadas por biotecnologia ("celulases", especialmente as endoglucanases), conseguem quebrar estes polímeros naturais e resistentes, atualmente estão em desenvolvimento. Estes biocatalisadores devem substituir a médio prazo o ácido sulfúrico concentrado com que se consegue essa degradação também. Um obstáculo por enquanto não vencido é a alta cristalinidade da celulose natural. Tanto a celulase como o H2SO4 conseguem hidrolisar a parte amorfa da celulose, mas não a parte cristalina. O etanol ainda consegue mais.... O etanol é muito mais do que apenas componente C2 que pode ser transformado em etileno. As indústrias farmacêutica e química, usam cada vez mais o etanol como solvente nos seus processos e preparados. Também devemos reconhecer que até hoje apenas no Brasil o etanol é misturado à gasolina em quantidades notáveis, enquanto o resto do mundo o usa em somente < 5%. O que trará o próximo futuro? Nos anos 40 do século 19 o etileno foi produzido a partir do etanol, e essa reação antiga agora percorre um renascimento. A época do craqueamento térmico do petróleo, parece, ultrapassou seu auge. Um preço elevado do petróleo cru e também os altíssimos custos de investimento para instalar uma fábrica de etileno, são fortes argumentos de produzir etileno a partir do etanol. Afinal, dependemos também do preço do bioetanol (ver Fig. 50). Ultimamente observamos uma subida do preço do etanol, paralelamente ao petróleo, principalmente devido à crescente aceitação do etanol como aditivo em combustível de carros. Mas especialmente naqueles países onde a cana-de-açúcar tem tradição, poderiam futuramente participar mais fortemente neste mercado. O Brasil é o candidato mais forte entre eles. Já temos as primeiras fábricas de polietileno e PVC que aproveitam da matéria prima etanol. Ressaltamos que ainda é um problema não vencido que apenas uma pequena parte da planta está sendo transformada em etanol, já que a cana de açúcar tem aproximadamente 20% de sacarose. Implica que se precisam grandes áreas para sua plantação - áreas que fazem falta na questão de produzir outros alimentos. 3.1.3 Os componentes químicos C3 - o reinado das bactérias. 86 Armin Isenmann Processos Industriais Ácido lático e seus derivados químicos Ácido lático ou 2-hidroxi ácido propanóico, é um componente C3 que é quase tão universal como o etileno. Portanto, é altamente provável que este composto se torne muito importante no próximo futuro. Este ácido é um produto da degradação anaeróbica de açúcares. Faz parte em quase todos os organismos vivos. Em nosso corpo, por exemplo, quando fazemos exercícios físicos demasiados (também chamados de esforços anaeróbicos). Aos queijos o ácido lático proporciona o sabor levemente azedo que agrada o nosso paladar, e também a acidez da famosa comida alemã "chucrute" se deve a este composto. O ácido lático foi descoberto em 1780 pelo químico sueco Scheele, no leite azedo. Material multi-uso O ácido lático é bastante usado na indústria alimentícia como aditivo E 270, um acidulante, muito usado em doces e refrigerantes. Também a indústria cosmética o usa, e a indústria do couro aproveita dele no processo de curtume onde serve para tirar a cal das peles. É o monômero em poli-ácido lático (PLA, ver Fig. 52), um plástico biodegradável. Há certo tempo que o PLA se estabeleceu como material de fazer implantes e fios de costura cirúrgicos e tornou-se um dos mais importantes materiais biocompatíveis na medicina. Como PLA é transparente, ele também é utilizado como embalagem para alimentos frescos, de curta duração. Folhas e copinhos feitos de PLA se decompõem no lixão dentro de 3 meses. Atualmente, os pesquisadores procuram novas aplicações para o PLA, ao misturar com outros materiais plásticos ("blend"), fazer copolímeros ou incorporar materiais de recheio. A partir do ácido lático podem ainda ser feitos muitos outros produtos químicos, dos quais a Fig. 52 mostra os mais bem estudados e promissores. Porém, o PLA é por enquanto o único produto de importância, realizado em escala industrial. As outras rotas não têm maturidade e, portanto, não são rentáveis ainda. Dentro da ampla gama de produtos o ácido acrílico e o 1,2propanodiol têm o maior potencial, pois são os monômeros de plásticos de alto valor agregado. A partir do petróleo se produzem hoje mais de 2,4 milhões de toneladas do ácido acrílico, base para os poliacrilatos. Mas, honestamente, a rota do ácido acrílico via ácido lático, é um assunto de pesquisas aplicadas que ainda requer de grandes esforços para ser levado à produção em série. 87 Armin Isenmann Fig. 52. Processos Industriais As sínteses mais promissoras a partir do ácido lático. Produção do ácido lático Já em 1813 o francês Braconnot relatou da possibilidade de produzir grande quantidade de ácido lático por meio de bactérias. A produção biotecnológica em grande escala começou mesmo em 1881. Ainda hoje a maior parte das 450.000 toneladas de ácido lático está sendo produzida via bactérias. Os especialistas estimam que esta quantidade aumentará drasticamente no próximo futuro. Um estudo feito pelo Ministério de Energia dos Estados Unidos revelou que o ácido lático é um dos 30 candidatos mais utilizados como componente de síntese, no futuro. Em alta escala o ácido lático é feito por fermentação de glicose ou outros hexosas que, por sua vez, são isolados de amido de batatas, grãos, melaço, outros produtos contendo açúcar ou a partir de soro do leite. Usam-se duas espécies de bactérias: as homofermentativas que produzem exclusivamente ácido lático, ou os heterofermentativos que também fornecem outras pequenas moléculas, tais como ácido acético, etanol ou gás carbônico. Na indústria de laticínios usa-se, por exemplo, o lactobacillus casei, sendo uma bactéria homofermentativa. Fig. 53. Esta rota de fermentação é mais lenta do que a aeróbica via leveduras, apresentada na Fig. 51. O intermediário é piruvato que sofre redução para o ânion do ácido lático (= lactato). Esta última etapa, na natureza, é catalisada por NADH. Pesquisas em melhorias na produção Dentre as diversas linhas de pesquisa na produção de ácido lático destacam-se: 88 Armin Isenmann Processos Industriais Existe um jeito de usar lignoceluloses para a produção de ácido lático, em vez de usar os valiosos (por serem alimentos) açúcares e melaço? Outros grupos estudam os nutrientes que os microorganismos precisam durante a fermentação. Objetivo é substituir os peptídeos solúveis, aminoácidos, fosfatos, vitaminas e sais de amônio, por nutrientes mais baratos. Um problema ainda mal resolvido é o destino dos subprodutos da fermentação, a não dizer, o lixo. Como separar as partes inúteis do ácido lático? Durante a fermentação o pH da mistura reacional deve ficar entre 5 e 6. Isso se alcança por adição de cal (mais barato), amônia ou soda cáustica. Para finalmente produzir o ácido lático livre deve-se acidificar a mistura com um ácido forte, no caso com H2SO4. Justamente nesta etapa produzem-se os sulfatos de amônio, sódio e cálcio em grandes quantidades. Para evitar estas quantidades de sais e evitar problemas ambientais (no passado produziram-se montanhas de "gesso químico", subproduto das neutralizações industriais), é necessário achar caminhos de produção mais eficazes. Uma possível solução será achar bactérias geneticamente modificadas que conseguem produzir o ácido lático em ambiente neutro. Quiralidade molecular Caso dois isômeros se distinguem apenas na posição relativa dos grupos funcionais e, além disso, são como original e imagem espelho (= quiralidade), daí chamam-se de enanciômeros. Se não forem espelháveis seriam diastereoisômeros. O C2 do ácido lático é um centro assimétrico (= 4 diferentes vizinhos), portanto existem dois enanciômeros: A maioria dos microorganismos produz apenas um destes enanciômeros. Eles trabalham de maneira enanciosseletiva, isto é, produzem >99% de excesso enanciomêrico ("% ee"). Atualmente, usam-se processos bioquímicos na produção do ácido lático com uma pureza óptica de 85 a 95% ee - o valor exato depende o tipo de açúcar usado como matéria prima. Note que na aplicação do ácido lático no PLA, as qualidades termo-mecânicas do polímero podem ser ajustadas, através da mistura apropriada das antípodas ópticos, S e R. A indústria farmacêutica está muito interessada em produções enanciosseletivas. Os remédios devem ser aplicados na forma opticamente pura, pois somente um dos enanciópodos mostra ação desejada dentro do corpo humano, enquanto o outro é sem efeito ou, no pior caso, prejudicial à saúde humana. O ácido lático é um importante representante do "chiral pool", isto são substâncias elementares com as quais se consegue estabelecer uma linha de síntese orgânica de um produto opticamente puro ou, quando aplicados em técnicas cromatográficas, a separação de misturas racêmicas. 89 Armin Isenmann Processos Industriais Glicerina, o segundo componente C3 mais importante. Também a glicerina (ou glicerol) é um multi-talento que pode ser transformado em uma série de outros compostos básicos da indústria química (ver tabela abaixo). Tab. 10. Aplicações da glicerina: Setor industrial: Uso: Farmacêutico Composto em pomadas Cosmético Parte em cremes e pasta de dente Têxtil Usado na "apretura"; acabamento de tecidos finos. Automotivo e Mecânico Líquidos de freio e de refrigeração Plásticos Plastificante Explosivos Nitroglicerina 5 e dinamite Além destes, usa-se bastante glicerina na produção de poliuretanos, onde tem o papel de ramificador, em resinas alquídicas (tintas) e na síntese de resinas epóxis. Com a adição da glicerina estas resinas tornam-se insolúveis, duros e resistentes, especialmente vantajosas em qualquer tipo de tratamento de superfícies. Glicerina pura - um procedimento difícil Todos os campos de aplicação mencionados acima pedem uma glicerina altamente purificada. O tratamento de gorduras e óleos vegetais em grande escala, por outro lado, fornece a glicerina sempre em solução diluída. Nesta a maior parte é água, mas também tem sais alcalinos, proteínas hidrolisadas e outros. Portanto, a mistura não pode ser usada como tal. Por exemplo, na produção de biodiesel obtemos 1 kg desta glicerina crua, com < 15% de glicerina, a cada 9 kg de biodiesel. Embora a porcentagem deste subproduto pareça pequena, a quantidade absoluta da glicerina é notável. Lembramos que uma lei de 2010 exige pelo menos 5% de biodiesel dentro do diesel para veículos pesados. Somente para os EUA estima-se um aumento da produção de biodiesel, de atualmente 160 milhões de litros, a 1,6 bilhões de litros em 2015, então um aumento pelo fator 10. Assim, uma procura intensa começou, visando o 5 A denominação "Nitro" é muitas vezes usada de forma errônea (agupamento nitro = C-NO2). A famosa "Nitroglicerina" na verdade não é um composto nitro, mas sim, o triéster do ácido nítrico: O O N OH HO OH glicerina + 3 HNO3 O O N O O O O N O "Nitroglicerina" (tri-éster do ácido nítrico) 90 Armin Isenmann Processos Industriais beneficiamento da glicerina crua 6, agregar valor em forma de outras substâncias úteis, tais como 1,3-propanodiol, acroleína, ácido acrílico ou epicloridrina, mas também ésteres, éteres e acetais da glicerina. Um composto promissor é, por exemplo, o carbonato da glicerina, que mostrou-se um solvente versátil. H HO O OH 1,3-Propanodiol Acroleína HO O O Cl Epicloridrina Fig. 54. HO OH OH Ácido acrílico Possíveis produtos de plataforma C3 a partir da glicerina. Compostos C3 que não são do petróleo? 1,3-propanodiol, 1,2-propanodiol, ácido acrílico e epicloridrina atualmente são considerados os derivados C3 mais importantes na síntese industrial, todos derivados da glicerina: 1,3-propanodiol é um dos monômeros de poliésteres que acham larga aceitação na indústria têxtil e na produção de tapetes. O poliéster mais produzido é o poli-trimetileno-tereftalato (PTT) da DuPont, um termoplástico parente do PET. 1,2-propanodiol se mistura bem com a água e uma série de solventes orgânicos. Isso o torna tecnicamente interessante como compatibilizante que pode melhorar o rendimento e acelerar aquelas sínteses onde o impedimento é ser bifásico. Ácido acrílico e seus ésteres são monômeros importantes, para produzir os mais diversos polímeros acrílicos (em tintas, colas, reforço em papel, acabamento em têxteis, entre outros). O próprio poli-ácido acrílico, aliás, é um material fantástico conhecido como superabsorvente. É muito utilizado, por exemplo, em fraldas, porque consegue reter a água, em quantidade 1000 vezes mais o próprio peso. Mas também é eficaz como formador de gel (em creme dental, pós-barba, gel de cabelo, etc.), largamente comercializado como Carbopol. Epicloridrina é essencial para a produção de resinas epóxis. Estas resinas, na maioria das vezes, são usadas como material rejunto de fibras, formando objetos de plásticos reforçados que podem cobrir grande áreas e volumes estruturais, sem quebrar. Sendo assim, são predestinados para formar carrocerias de veículos terrestres, barcos, aviões, piscinas e caixas d´água para nossas casas. 6 C. J. A. Mota, C. X. A. da Silva e V. L. C. Gonçalves. Gliceroquímica: novos produtos e processos a partir da glicerina de produção de biodiesel. Quim. Nova 32 (2009) 639-648. 91 Armin Isenmann Processos Industriais Até então os componentes mencionados são produzidos quase exclusivamente a base do petróleo. Em seguida vamos ver como é possível obtê-los a partir da glicerina - no caso do 1,2-propanodiol a partir do ácido lático ou do açúcar. Sínteses do 1,3-propanodiol e do 1,2-propanodiol A síntese comercial do 1,3-propanodiol é feita hoje por dois caminhos: Adição de água em acroleína 7 fornece o intermediário 3-hidroxipropionaldeído. Este pode ser reduzido por hidrogênio no catalisador heterogêneo, para o produto alvo. Somente em menores partes esta rota leva ao 1,2-propanodiol (ver esquema a seguir). O segundo processo é a carbonilação (= adição de CO) em óxido de etileno (= oxirano). A alternativa agora seria a síntese biotecnológica do 1,3-propanodiol, submetendo a glicerina à desidratação catalisada por microorganismos. Esta rota foi intensamente pesquisada nos anos recentes. Baseia-se em conversão da glicerina crua por meio de bactérias. Para melhorar a rentabilidade deste processo é pesquisado o aumento da tolerância dos microorganismos, tanto frente ao material de partida (glicerina) quanto ao produto visado (1,3-propanodiol). A clara vantagem desta rota é o uso da glicerina crua - por sua vez muito barata e de disponibilidade ilimitada. Até o momento, porém, esta rota ainda não pode concorrer com os caminhos tradicionais. Além destes, a pesquisa vai em direção da transformação direta, de açúcares em 1,3propanodiol, por meio de microorganismos geneticamente manipulados. Neste caminho a 7 A acroleína usada nesta rota resulta da oxidação parcial do propileno proveniente do petróleo. A adição de nucleófilos em compostos carbonilados α,β-insaturados, conforme descrito no esquema, se conhece como reação de Michael. 92 Armin Isenmann Processos Industriais indústria fez bastante progresso: na Alemanha a primeira planta que produz o 1,3-propanodiol a partir de trigo já está em fase de implementação. Como o 1,3-propanodiol, também o 1,2-propanodiol pode ser obtido por meio de microorganismos. Diferenciam-se dois caminhos: Fermentação de açúcares para ácido lático, seguida por uma hidrogenação catalítica. Fermentação direta de açúcares. As rotas biológicas têm a vantagem de produzir o 1,2-propanodiol opticamente puro (isto é, somente um enanciômero) - o que não é possível na adição química de água no óxido de propileno, por sua vez o caminho clássico até hoje. Há ainda outra rota para o propanodiol que está sendo elaborada nos laboratórios da pesquisa aplicada: uma síntese a alta pressão e temperatura, 250 bar e 300 a 350 °C, enquanto o material de partida é a glicerina crua proveniente da produção de biodiesel. Acontece uma desidroxilação (mecanismo ainda desconhecido) que fornece o 1,2-propanodiol em quantidades satisfatórias. Todavia, nas estimativas atuais a redução do ácido lático dominará o cenário do 1,2-propanodiol. Uso do 1,2-propanodiol: plásticos e cosméticos Pelas quantidades produzidas os propanodióis não pertencem à primeira categoria em termos de consumo ("bulk chemicals"), mas fazem parte da 2a liga, ou seja, são "major commodity chemicals" com em torno de 1 milhão de toneladas. Para fazer idéia, somente na Alemanha foram produzidas 350.000 toneladas de 1,2-propanodiol em 2004. Uso principal de 1,2-propanodiol é em resinas alquídicas (= tintas) e em resinas de poliésteres, mas também funciona como aditivo plastificante em polímeros vinílicos. Além destes, é usado como iniciador na produção de poliuretanos. Na indústria alimentícia serve como: Meio conservante, Solvente para gelatina, corantes e aromas, Emulsificante e Umectante para fumo. Nos setores cosmético e farmacêutico é usado como carregador em pomadas, cremes e remédios sólidos. Ainda vale ressaltar que a esterificação ou eterificação dos grupos hidroxilas do 1,2propanodiol também fornece valiosos solventes, plastificantes, espessantes e emulsificantes. A condensação com óxido de propileno leva aos di, tri e polipropilenoglicóis - igualmente solventes que podem ser usados a altas temperaturas. Acroleína e ácido acrílico O processo dominante hoje para ácido acrílico é a oxidação catalítica do propileno que, por sua vez, vem do petróleo: 93 Armin Isenmann Processos Industriais Como o ácido acrílico é um produto intermediário muito importante, há grande interesse industrial achar caminhos alternativos de acessá-lo a partir de recursos renováveis. Material de partida pode ser a glicerina. Num aquecimento a 250 a 350 °C, na presença de catalisadores de desidratação e na ausência de ar, ocorre a conversão para acroleína. Em uma etapa subsequente a acoleína pode ser oxidada com facilidade ao ácido acrílico: Síntese de epicloridrina a partir da glicerina O caminho clássico para a epicloridrina é igualmente a partir do propileno que, após sua cloração radicalar em posição alílica, adiciona hipoclorito na dupla ligação e fornece dois dicloropropanóis isomêricos. Os dois podem ser transformados em epicloridrina via tratamento com a base hidróxido de cálcio: Fig. 55. Síntese clássica da epicloridrina, a partir do propileno. 94 Armin Isenmann Processos Industriais Essa rota é afetada com uma série de problemas, pois fornece uma série de produtos paralelos. Além de ser uma síntese "suja", consome bastante cloro. Em caminhos novos se tenta converter diretamente a glicerina crua em epicloridrina. Isso se consegue via glicerina clorada (= cloridrinas) que são acessíveis por tratamento com HCl. Segue a etapa clássica com base que leva à epicloridrina: Este processo realmente não tem muitos produtos paralelos, nem tantos subprodutos inúteis. Além disso, o consumo de água neste processo é menor do que na síntese a base do propileno. E, afinal, não requer de cloro livre em nenhuma das etapas. 3.1.4 Os componentes C4 Ácido succínico Quem quisesse produzir o ácido succínico como seu descobridor, Georgius Agricola uns 500 anos atrás, teria um produto extremamente caro: ele o obteu por aquecimento de verdadeiras pedrinhas de âmbar! 8 Mas, descobriram mais tarde, que este ácido não é tão raro. Ele também existe em muitas frutas, algas e cogumelos. A química transforma o ácido succínico em poliésteres biodegradáveis, por exemplo, para produzir sacos de lixo que se decompõem rapidamente ao serem depositados no ambiente. Mas também há materiais de mais alto valor agregado, na maioria reagentes da química fina, que são produzidos a partir do ácido succínico. Afinal, aproveitam dele os setores polímeros, alimentos, farmacêutico e cosmético. Na indústria alimentícia, por exemplo, este ácido é usado como acidulante de refrigerantes e bebidas, realçador de sabores e conservante em comidas. Os sais e ésteres do ácido succínico são os chamados succinatos. A Fig. 56 mostra que realmente temos um componente C4 universal para a indústria química. 8 Portanto, até hoje o nome alemão para ácido succínico é "Bernstein-Säure", de Bernstein = âmbar. 95 Armin Isenmann Fig. 56. Processos Industriais Sínteses industriais a partir do ácido succínico. As pirrolidonas e também o tetraidrofurano (THF) são largamente usados e apreciados como solventes. Aliás, oligômeros contendo pirrolidona, formando a polivinilpirrolidona, são usados para repor o plasma do sangue humano, em casos de acidentes graves. Butanodiol é usado em polimerizações, tanto como componente monomérica quanto como solvente. E o diaminobutano é usado cada vez mais para produzir poliamidas (= Nylon). Por via química ou biotecnológica? Em grande escala o ácido succínico é feito hoje exclusivamente a partir do petróleo. Caminho mais aplicado é a hidrogenação de ácido maléico ou do anidirido maléico; outro é a oxidação de 1,4-butanodiol. Mais recentemente foram elaboradas estratégias de produzir o ácido succínico em qualidade superior (= puro), por meio de fermentação. Diversos microorganismos foram cultivados que conseguem produzir este produto a partir de amido ou proteínas - porém somente em quantidades pequenas. Para poder concorrer futuramente com o método padrão a partir do petróleo, estas rotas devem ainda ser bastante otimizadas, tanto no rendimento em ácido succínico quanto na redução de produtos paralelos, tais como ácido lático e etanol. Embora de tantos obstáculos e desafios, o interesse em uma síntese biotecnológica do ácido succínico é cada vez maior: 96 Armin Isenmann Processos Industriais 3.1.5 Os componentes C5 Os componentes de síntese C5 tocam, por enquanto, na segunda divisão quanto ao interesse industrial. Isto se deve principalmente ao fato que sua produção é demorada e os rendimentos, por enquanto, são insatisfatórios. Além disso, em alguns casos, as disponibilidades dos recursos primários são limitadas, ou seu manuseio é especialmente complicado. Isto impede uma produção econômica dos compostos C5 a partir de recursos renováveis. Os poucos produtos que já existem no mercado são exclusivamente reagentes especiais. Um representante da família C5 que é produzido em quantidades elevadas é o furfural (ver próxima figura). É um dos produtos voláteis (produto principal: metanol), na pirólise da madeira. Este composto se deriva do furano, um heteroaromático com oxigênio no seu anel de 5 membros. O furfural pode tranquilamente ser transformado em resinas úteis, na reação de condensação junto ao formaldeído, fenol, acetona ou uréia. Vale também lembrar-se que a natureza tem uma preferência para componentes C5, quando se trata de sínteses em ambiente hidrofóbico. Sendo assim, muitos esteróides, hormônios, mas também polímeros (borracha natural), são feitos a partir da unidade monomérica do isopreno (2-metil-1,3-butadieno), com o vimos no cap. 2.13. Sendo assim, conhecemos os terpenos (2 unidades isoprênicas, ou seja, C10), sesquiterpenos (C15), diterpenos (C20), entre outros. Além do setor farmacêutico o interesse nestes compostos é modesto. 3.1.6 A importante classe dos componentes C6 "Indestrutível", assim foi o atributo da indústria de bebidas no início dos anos 1990 quando introduziram a nova embalagem de plástico. A garrafa de PVC já existia há mais de 20 anos, mas este material novo era superior em quase todos os aspectos: o PET. São bastante leves e, comparadas à garrafa de vidro, realmente próximas de não destrutíveis. O PET é um poliéster feito das unidades monoméricas de ácido tereftálico e o diálcool etilenoglicol. É um material extremamente universal que pode, por exemplo, ser usado para produzir fios que podem ser tecidos para materiais especiais de roupas de esporte, robustos e de secagem rápida. Folhas finas de PET servem como embalagens de curta 97 Armin Isenmann Processos Industriais duração para alimentos, pois deixam penetrar os gases sem grande impedimento. Por enquanto o PET é exclusivamente produzido a base de recursos fósseis. Todavia, existem alternativas a base de recursos renováveis. Poliésteres a base do furano-2,5-diácido carboxílico A desidratação de hexosas (= açúcares com 6 carbonos) pode levar ao 5-hidroximetilfurfural, fórmula dada no último esquema. Esta molécula tem dois grupos funcionais com reatividades diferentes: os grupos aldeído e hidroxila. Mas, por oxidação rigorosa os dois grupos podem ser transformados em grupos carboxílicos, ou seja, o produto é o furano-2,5-diácido carboxílico. Ao comparar este com o ácido tereftálico do PET, reparamos a semelhança estrutural destes monômeros: Os dois são diácidos aromáticos. Eles também mostram propriedades físicas semelhantes, tais como ponto de fusão, volatilidade, etc. Tarefa da pesquisa aplicada é a comparação de materiais poliméricos feitos a partir do ácido tereftálico e/ou do seu substituto, o furano-2,5diácido carboxílico. A Fig. 57 refere uns dos produtos mais promissores que, pelas suas propriedades físicas, podem concorrer tranquilamente com o plástico feito do petróleo: 98 Armin Isenmann Fig. 57. Processos Industriais Polímeros a base do furano-2,5-diácido carboxílico (FDCA) O poliéster a partir do furano-2,5-diácido carboxílico e etilenoglicol, o "polietilenofuranato", tem um ponto de fusão de 205 a 210 °C. Este fica um pouco abaixo do PET clássico, mas ainda está numa região tecnicamente muito interessante. Os especialistas vêem neste material o grande potencial de formar fibras que podem ser trabalhadas pela indústria têxtil para tecidos de qualidades muito interessantes. A reação do furano-2,5-diácido carboxílico com uma diamina aromática leva a uma poliamida, também conhecida como "poliaramida". Por exemplo, com a p-fenilenodiamina se obtém um polímero de ponto de fusão extremamente alto e uma estabilidade mecânica excepcional. Sendo assim, este material pode repor o Kevlar, uma fibra de poliaramida que serve para fazer coletes a prova de balas, cordas de alpinistas e muito mais. O grande potencial do furano-2,5-diácido carboxílico foi reconhecido pelo ministério americano de energia, em 2004. Em um estudo dos mais promissores compostos a partir de recursos renováveis este diácido chegou à posição 12 entre todos os compostos de importância. Do adoçante ao monômero em plásticos Sorbitol e manitol são bastante usados hoje como adoçantes de baixa caloria que, além disso, não alimentam as bactérias prejudiciais da flora bucal (cárie). Sendo assim, são usados em alimentos "diet", chicletes ou em pasta de dente. Quem presta atenção à etiqueta de um alimento "light" também pode encontrar muitas vezes estes dois alcoóis de açúcares (= "hexitóis"). 99 Armin Isenmann Processos Industriais Informações adicionais sobre estes hexitóis: Sorbitol se encontra em quantidades maiores na natureza vegetal. Por exemplo, na casca da sorveira e do pilriteiro. Além disso, encontra-se em frutas de caroço ou sementes (maçã, pêra, ameixa, cereja, etc.). Em outras frutas, tais como a banana e o abacaxi, não há sorbitol. Portanto, pode ser usado como indicador no teste que comprova uma mistura ilegal de sucos destas frutas com frutas de caroços. As bactérias da flora bucal praticamente não atacam o sorbitol, portanto não se transforme em polissacarídeos ou ácidos que promovem a cárie dental. Portanto, o sorbitol achou larga aplicação para repor o açúcar comum, em alimentos diet, light ou para diabéticos. Sorbitol é também matéria prima na síntese industrial da vitamina C (ácido L-ascórbico) e na produção de agentes tensioativos não-iônicos (= detergentes). Serve, além disso, como estabilizador de vitaminas, enzimas, preparados farmacêuticos e cosméticos, e pode ser o monômero para poliéteres em lacas de pintura. O manitol é um composto encontrado em muitas plantas. No "mana", isto é o suco gelificado do freixo de mana, o manitol representa o composto principal. Em algas, cogumelos e vergas é usado como material de reservas. As aplicações do manitol são semelhantes ao sorbitol: adoçante e umectante em produtos cosméticos (p.ex., em pasta de dente). A indústria farmacêutica o usa como excipiente e para a síntese do hexanitrato do manitol - um remédio com efeito dilatante vascular. Fora dos setores alimentício e cosmético o manitol serve como lubrificante, estabilizante e de monômero em resinas duromêricas (tintas e lacas). Do açúcar ao adoçante Maior parte do sorbitol hoje ainda está feito por hidrogenação catalítica, a partir da D-glicose. Essa via química tem a grande desvantagem de requerer um processo de purificação caro e demorado, a fim de retirar restos do catalisador - que é, no caso, um metal pesado. Mais utilizado é um catalisador heterogêneo à base de rutênio e níquel. Em um projeto de pesquisa foi recentemente desenvolvido um novo processo bioquímico que fornece de maneira direta o álcool de açúcar, sem necessidade de purificação complicada. Além disso, a operação é contínua - sempre uma grande vantagem na produção industrial. 100 Armin Isenmann Processos Industriais Sendo assim, a glicose é transformada em apenas 5 minutos e com ótimos rendimentos, em sorbitol. O manitol é feito, em analogia ao sorbitol, a partir da parte da frutose dentro açúcar invertido. Como a frutose sempre é acompanhada por glicose, mesmo que seja em menores partes, o manitol técnico sempre contém algum sorbitol. Além disso, observamos que a redução da frutose, quando não for estereosseletiva, leva aos dois produtos, manitol e sorbitol, em quantidades idênticas. Mas essa impureza química não incomoda nas aplicações descritas acima. Reação padrão para os poliuretanos Manitol e sorbitol são apropriados na síntese de poliuretanos, onde funcionam como ramificadores. A reação chave é uma adição, do álcool nucleofílico ao carbono do grupo isocianato. Resulta a estrutura de uretano (que é um derivado do ácido carbônico, como também as uréias e os carbonatos): Em dependência das condições aplicadas, obtêm-se espumas rígidas (para fins de isolamento), elásticas (para assentos de carros e colchões), termoplásticos e borrachas que vão de moleelástico (solas de sapatos) até duro (botas de esqui). 3.1.7 Compostos de síntese que vêm da floresta - a outra face da lignina A partir da lignina poderiam ser feitos muitos artigos de valor: colas, pastilhas de freio, tintas para estruturas metálicas e muito mais. Recentemente foi desenvolvida uma rota para um material plástico, composto de lignina e celulose e conhecida como "madeira liquefeita" ou Arboform (1998). O material é muito promissor, já que é mais resistente à degradação do que a própria madeira. Este novo produto ainda requer de bastantes pesquisas no processamento, por que a lignina proveniente do processo Kraft deve ser purificada e refinada em um processo caro e demorado. Em geral, a diversidade estrutural da lignina acarreta obstáculos no seu refinamento que somente aos poucos estão sendo vencidos. Podemos afirmar que, por enquanto, todas as rotas de acesso aos monômeros da lignina são extremamente difíceis; são a pirólise (= tratamento térmico sob exclusão de ar), clivagem química-catalítica e a degradação bioquímica, com 101 Armin Isenmann Processos Industriais ajuda de enzimas, cogumelos ou bactérias. Daí a questão é: como conseguimos mesmo assim, uma variedade grande de compostos úteis, a partir da lignina? O que mais chama a atenção na estrutura química da lignina são as unidades fenólicas. Isto é, um polímero aromático que pode servir como fonte de diversos derivados do fenol, Ar-OH. Estes poderiam ser usados na fábrica de plásticos, resinas, colas, tintas, etc. A arte do refinamento No craqueamento da lignina, por exemplo por pirólise ou por tratamento de uma suspensão aquosa na presença de catalisadores, obtém-se uma mistura oleosa-viscosa de vários compostos fenólicos de massa molar menor, mas na média ainda grande (ver seções 2.4 e 2.7.2). Sua cor é marrom-amarelada, o cheiro é o típico da fumaça (que se conhece das salsichas defumadas). As estruturas químicas dos inúmeros compostos nesta mistura são bastante semelhantes, portanto uma separação, com os equipamentos industriais estabelecidos, não é satisfatória nem economicamente viável. A seguinte figura mostra somente alguns poucos dos diversos compostos que se obtém na quebra da lignina: Fig. 58. Seleção de alguns compostos monoméricos da pirólise de lignina. 102 Armin Isenmann Processos Industriais Fig. 59. Fragmentos de massa molar média (polióis), a partir da lignina; podem ser usados na síntese de novos poliuretanos. Os melhores rendimentos em compostos úteis que são atingidos com as mais modernas operações hoje, são entre 20 e 30%, da massa da lignina crua. A maior parte da lignina se transforma, no entanto, em compostos voláteis, tais como: Ácidos carboxílicos (ácido fórmico, ácido acético) Alcoóis (metanol, etanol) Gases (gás carbônico, alcanos, alquenos), além de um resíduo sólido e preto que tem bastante semelhança com o coque a partir do petróleo. Pelo menos os processos foram desenvolvidos até um ponto que permite aumentar as quantidades relativas em compostos oleosos. Dentre destes, especialmente os derivados ohidroxifenilas. Condicional para o sucesso desta operação, porém, é o uso de uma lignina isenta de quaisquer compostos e íons contendo enxofre. Estes reagentes não provêm da natureza, mas sim, do processamento tradicional na fábrica de papel e celulose (processo Kraft, processo de sulfita). Portanto, é imperativo que a lignina seja isolada por um processo alternativo livre de sulfatos, sulfitos, etc. Oferecem-se os processos "Organossolv", onde a madeira é processada em solventes orgânicos (por exemplo, em misturas água/etanol; compare seção 2.6.3). As pesquisas em andamento visam o uso dos fragmentos da lignina, em produtos especiais tais como colas, tintas de parede, pastilhas de freio, discos de polimento, plásticos duromêricos, espumas. O objetivo principal em todas estas atividades é uma reposição, pelo menos parcial, dos reagentes provenientes do petróleo, fora de modificações direcionadas das propriedades destes novos materiais. Sendo um exemplo de sucesso a produção de resinas epóxis, descrita a seguir. 103 Armin Isenmann Processos Industriais Novas resinas epóxis A fonte principal dos ingredientes em resinas epóxis hoje é o petróleo. A rota de síntese mais importante é a poliadição/policondensação entre bisfenol-A e epicloridrina: Fig. 60. Síntese de resinas epóxis (fórmula abstraída), reação principal. As resinas epóxis acharam larga aplicação como colas de alta performance de dois componentes e em materiais de tratamento de superfície. Além destes, as resinas epóxis representam a matriz em placas e peças estruturais grandes, muitas vezes reforçadas por fibras de vidro, fibras de carbono e outras. Esses objetos são extremamente robustos, leves, não quebram nem racham, ao mesmo tempo são rígidos; assim, são os materiais preferidos na produção de piscinas, caixas d´água, carrocerias, barcos, etc. As pesquisas mostraram que certos fragmentos da lignina podem ser envolvidos na estrutura tradicional da resina epóxi, até formulações completamente novas de resinas foram desenvolvidas ("advanced resins"). A condição é que os fragmentos na média têm mais de um grupo fenólico, sendo assim um possível substituto para o bisfenol-A. Uma estratégia promissora é a produção de um pré-polímero (isto é, prosseguir a condensação até compostos de massa molar intermediária) que ainda está líquido e pode ser aplicado com facilidade. Em segunda etapa provocar a reação com os fragmentos da lignina que leva ao produto final, uma macromolécula de massa molar infinita, insolúvel e infusível. As propriedades destes materiais ainda não são muito bem estudadas, mas os resultados preliminares são bastante promissores. Podemos esperar que já nos próximos anos encontraremos os produtos, provenientes da floresta, em nossa casa, em forma de esmaltes, colas, peças como moldura de janela, painéis, fachadas, isolamentos contra calor e umidade, caixas de máquinas e muito mais. 1