Evangelizar requer conseguir discípulos laicos e criar comunidades

Transcrição

Evangelizar requer conseguir discípulos laicos e criar comunidades
O grande tema do Encontro da Nova
Evangelização 2013
Evangelizar requer conseguir
discípulos laicos e criar
comunidades: sabem os padres
como fazê-lo?
Tertúlia ENE 2013: J.Colina, Alfonso Cherene, Josué Fonseca, Yuan Fuei Liao, Tote Barrera
Actualizado 8 de Julho de 2013
Pablo J. Ginés/ReL
O Encontro da Nova Evangelização 2013 em Valladolid, de 4 a 7 de Julho,
contou com uma potente análise sobre as debilidades da Igreja no Ocidente e
em Espanha, primeiro por parte de Josué Fonseca, um dos organizadores, e depois
por outros analistas ali presentes.
Josué Fonseca é um observador privilegiado por várias causas: como professor,
vê as gerações de jovens no instituto e a universidade, ano após ano, mais
alheias à fé. Também o vive como pai de família. Como fundador da
Comunidade Fé e Vida, vê o que sucede quando uma comunidade cresce em
número, na fé, em conversões, quando se fundam novas famílias cristãs em
rede... E, sobretudo, têm amplitude de visão histórica porque é professor de
História da Igreja, historiador especializado em História das
Mentalidades, tem visão sociológica das coisas e viajou muito, em pessoa e por
Internet, conhecendo novas comunidades e propostas em distintos países,
católicos ou protestantes.
A cultura de hoje é "imagem e sentimento"
"Estamos vivendo uma mudança de paradigma mental, algo que sucedeu
poucas vezes na história: de uma mentalidade baseada na razão e as ideias assim, o século XX foi chamado o século das grades ideias - temos passado a
uma cultura pós-moderna baseada nas imagens e os sentimentos; pode
gostar ou não, mas isto é assim".
O problema é que a estrutura pastoral na Igreja Católica ficou ancorada no
modelo de Dezembro de 1565, data de finalização do Concílio de Trento: "um
modelo baseado em paróquias, cada uma com um padre ou mais, e com uma
pastoral baseada nos sacramentos". No novo paradigma esta estrutura é
insustentável: "na minha diocese de Santander, em 1964 tínhamos 500
seminaristas; hoje temos 6", põe a modo de exemplo.
Outro modelo: comunidades e discipulado
Josué propõe outro modelo: criar comunidades (gente que se conhece pelo
seu nome e se apoia no dia a dia), com discipulado (treinamento próximo
para seguir Cristo; o discípulo convive com o mestre e aprende vivendo
junto a Ele, mais que estudando os seus textos) e eclesialidade muita forte,
dando muita importância ao bispo.
Josué pode falar da sua experiência na comunidade Fé e Vida. Ele era
professor de instituto e notava-se que era cristão. Os jovens aproximavam-se
com os seus problemas, crises e inquietudes. Ele os escutava, mantinha-os
próximos, juntava-os para rezar. Alguns inclusive eram acolhidos na sua casa,
na sua família, em situações mais duras. Aprendiam a querer-se uns aos
outros e a relacionar-se com Deus.
"E quando já éramos 50 fui ao bispo e disse-lhe: ´senhor bispo, olhe o que
está sucedendo´. E ele disse que seguíssemos assim, e já veríamos mais à
frente. O bispo acompanhou-nos e orientou-nos".
Josué crê que nesta nova época se parecerá muito mais à organização cristã
dos séculos II e III que à do século XVI ao XX: "mais centrada em casas,
em comunidades, e com bispos supervisores, e menos em paróquias e
párocos".
A importância do bispo, insiste, é essencial, "para que os movimentos não
criem guetos e percam o sentido eclesial. Trabalhamos para a Igreja e
Cristo, não para o movimento. Não entendo esses movimentos que lhes
pedes, por exemplo, materiais para cursos matrimoniais, e te dizem que não,
que são só para os do seu grupo".
Mudar tudo, menos o Magistério
Ante a crise de fé, Josué Fonseca pede para "mudar tudo o que faça falta, menos o
Magistério e o Depósito da Fé". De facto, critica que se faz exactamente o
contrário: mantém-se, por exemplo, cursos de Confirmação onde nenhum
jovem encontra a fé e de facto muitos a perdem, assim como a moral católica,
porque os catequistas de Confirmação não lhes falam, por exemplo, da proposta
católica sobre a sexualidade... "Catequistas que coabitam com as suas namoradas,
já sabeis; mantém a estrutura caduca e nem sequer dão a doutrina boa".
Não há que tocar nem um dogma, nem um ponto da doutrina. Mas há que
saber comunicá-lo ao mundo de hoje. "Porque a Igreja é tão má
comunicadora? Porque é pior comunicadora que qualquer outra instituição? É
verdade que é muito grande e muito antiga, nenhuma outra entidade se lhe
parece, a sua inércia a faz pesada, mas... Porque os jovens dos cartazes de
publicidade diocesana parecem todos das juventudes do PP? Desde logo,
não conectam com os meus alunos universitários. A imagem é muito, muito
importante".
Na mesma linha que a imagem, entra a música: os jovens, o sector social
menos católico, escutam muita música, e por isso a música há-de ser um
grande veículo pelo qual entre a Palavra de Deus, o Evangelho e a prática da
oração.
De Che Guevara: abrir fogos
Josué citou com certo ânimo iconoclasta a Che Guevara, que explicava qual era o
seu sonho revolucionário: "ele queria fazer surgir um, dois, três Vietnames na
América Latina. Pois eu o que quero é que surjam um, dois, três, ou mil
comunidades em Espanha, com pessoas convertidas, que ponham a Cristo no
centro da sua vida".
Serão sempre comunidades bastante diversas, não seguirão todas um mesmo
padrão, não estarão "clonadas", mas terão sempre oração, gente que se
conhece e se apoia para crescer no amor a Deus.
(Uma paróquia não é comunidade: de 10.000 pessoas na paróquia, talvez mil
vão à missa, o padre conhece só 150, e eles entre si não se conhecem nem o
nome).
"Sacerdotes, criai comunidades!"
Josué Fonseca dá um conselho aos sacerdotes, sempre escassos e saturados de
trabalho "urgente" que não os deixa fazer "o importante": "sacerdotes, procurai
um grupo de pessoas com fé, formai-as, construi um grupo de discípulos,
até que sejam comunidade!; eles continuaram trabalhando quando tu te vás;
orai com eles, e quando estejam mais maduros, evangelizai".
E aos pais de família comenta-lhes: "o meu filho de 16 anos disse-me que terá
que deixar os seus amigos o ano que vêm, quando a diversão do grupo já seja
só álcool, zona de vinhos, etc... Ele terá que encontrar, como possa, um
grupo de amigos cristãos, que creiam noutra forma de viver. Estamos
criando espaços para que os nossos filhos possam ser cristãos, com
amigos cristãos?
Bispos com medo de ser criativos
Além disso, Josué lamentou que enquanto há bispos que deixam maus
catequistas (e padres) pregar erros, há outros bispos que são criativos e
querem fazer coisas novas e boas mas não as fazem por medo ao "que dirão",
numa espécie de mediocridade para não destacar no grupo.
Os grandes temas colocados por Josué voltaram a retomar-se na tertúlia final
do ENE 2013, na qual exerceu de moderador o jornalista Jesús Colina (Aleteia),
e participaram Josué, Tote Barrera (Cursos Alpha), Alfonso Cherene (pastor
evangélico, do movimento ecuménico juvenil Jucum) e Yuan Fuei Liao, pregador
e evangelizador da comunidade católica Servos de Cristo Vivo.
Uma rede: mais além do meu movimento
Alfonso Cherene, que conhece a experiência do movimento internacional
Jucum, com grupos de jovens e formadores em muitos países e de diferentes
denominações, falou da evangelização como um "trabalho que é uma rede de
plantadores e colhedores, e encontros como o ENE fortalecem os nós dessa rede,
porque nos enriquecemos uns aos outros; há que olhar em redor e entender
que o Reino de Deus vá mais além do meu movimento particular".
Tote Barrera, dos escassos laicos que em Espanha se dedicam a tempo
completo (e remunerado) à Evangelização, admite que "queríamos ver mais
frutos, mas se há frustração, que seja uma frustração santa, que não tenha
desânimo nem abandono, porque na realidade o peso o leva o Senhor; temos
de entender que a Igreja a leva o Senhor, que nos prometeu que no final a Igreja
vencerá; enquanto a crise na Igreja, penso que pode servir para que se nos
vão muitas tontarias..."
Na América-Latina, mais laicos
Yuan Fuei Liao, um chinês criado na República Dominicana e com muitas viagens
internacionais nas suas costas, destaca o papel dos laicos para evangelizar,
"algo que a Igreja na América Latina entende melhor que na Europa, talvez
porque ali sempre houve mais escassez de clero. Ali os laicos pregam, servem
em cargos, dedicam-se à evangelização, etc..."
"Para mim", acrescenta Yuan, "as letras E-N-E significam ´Espírito´,
´Novidade´ e ´Evangelização´." De facto, Yuan partilhou no Encontro da Nova
Evangelização um seminário sobre "criatividade" e "novas expressões para romper
esquemas na evangelização", remetendo-se à petição de João Paulo II: "novo
ardor, novos métodos, nova linguagem".
A respeito do "novo ardor", Yuan o tem muito claro: "há que evangelizar os
baptizados, os paroquianos; há que anunciar o kerigma a um paroquiano
igual que a um pagão que nunca ouviu de Jesus; e depois, quando tenham esse
ardor, já se pode ir evangelizar os afastados".
Alguém ensina o padre como evangelizar?
Yuan também assinala que aos sacerdotes nos seminários não lhes dão
nenhum treinamento pastoral para o mundo real que vão encontrar, nem para
criar ou apoiar comunidades, nem para formar evangelizadores... "Se não
está no curriculum, ao menos que façam cursos paralelos de fim-desemana. Deveriam vir já com uma mentalidade renovada e renovadora desde
o seminário", propõe.
Tote Barrera assinalou que "um problema da Igreja é a crise de confiança:
quantos fiéis confiam no seu pároco e quantos párocos se fiam dos seus fiéis? Às
vezes, todos se consideram ortodoxos mas não se fiam uns dos outros. Eu creio
que inclusive quando o entendimento não é pleno, é possível fazer coisas
juntos se há confiança".
A unidade é evangelizadora!
O pastor Alfonso Cherene apontou uma ferramenta muito poderosa que se
deve cuidar e fomentar: a unidade. "O poder da unidade dos cristãos dá uma
autoridade extraordinária. ´Acreditarão se vêem que sois um´, diz o
Evangelho de João. A unidade já evangeliza, enquanto a divisão é uma
armadilha diabólica. No caso da divisão entre católicos e evangélicos, é bom
fazer coisas juntos, centrados no que nos une, e não no que nos divide".
Com quase 200 participantes no ENE 2013 e 4 dias de intensos debates, um dos
pontos que se perfilam para a próxima edição parece ser o de como formar os
seminaristas e aos sacerdotes para a Nova Evangelização prática,
concreta.
Um sacerdote de Cádis tomou o microfone com um pedido: "os padres estão às
vezes bloqueados, e necessitamos de laicos com fervor para desbloquear-nos;
insistir aos padres, animando-nos a que nos lancemos na Nova Evangelização".
(Leia mais sobre o ENE 2013 - desde o ponto de vista de um pároco no o blogue do padre Juan Luis Rascón.)
in

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