UNlCÓPIAS - Wilson Almeida

Transcrição

UNlCÓPIAS - Wilson Almeida
14
UNlCÓPIAS
Frank R. pfetsch
)\)JL' '.
ProlO: \~:;}\
GUIsa:
ria. Comparações com formas de organização estatais existentes
servem mais para evidenciar as diferenças do que para estabelecer
semelhanças por analogia.
Este livro expõe a história dessa associação regional única,
aborda os interesses, as instituições e as políticas públicas dessa
aliança entre Estados e trata das especificidades dessa construção
integradora mediante a questão abrangente da identidade européia,
como pressuposto importante do crescimento conjunto em direção
a uma entidade política comum.
As circunstâncias históricas particulares do surgimento da UE
e as condições políticas específicas estão logo no início do livro.
Os motivos e as forças propulsoras de cada Estado são tratados
separadamente. Os interesses convergentes de cada Estado-membro
são então analisados no contexto marcado por seus respectivos interesses nacionais históricos. Estudam-se, ademais, as expectativas de
cada país com relação a uma associação regional, pois é a partir delas que se pode explicar a motivação para associar-se de tal maneira.
Para que se entenda o caráter específico da União, descreve-se
e explica-se seu complicado sistema constitutivo e sua estrutura
institucional, mediante recurso freqüente aos modelos mais familiares dos sistemas políticos nacionais. O caráter dual da União, por
um lado construto comunitário e supranacional e, por outro, entidade
intergovernamental-interestatal,
é exposto em suas instituições,
processos e políticas públicas. A questão importante da identidade
européia é tratada em capítulo à parte, pois dela também depende o
futuro da União. O capítulo seguinte aborda as políticas públicas
mais importantes da União: a agrícola, a econômica e a monetária,
a exterior e de segurança, bem como a cooperação em matéria de
justiça e política interior; por fim, analisa-se a polítisa de reformas
tal como se encontrava no início do ano de 1997. E nesta que se
preparam os conteúdos das ações políticas futuras e se processam
os interesses nacionais perante a União. A legitimação democrática
e a capacidade de atuação constituem o cerne do debate sobre a
reforma da União, sobretudo com respeito à expansão com mais
uns doze países candidatos. Uma União Européia com 27 membros
será por certo outra realidade qualitativa do que a comunidade original dos seis fundadores.
Heidelberg, verão de 1997
Dlsclplma:
:1, S~, ..
,:.•.•.
N°. Pas\a:
t,
Capítulo 1 N°.Fls:_~'
1
.
emestre \':..,\
\';-';:.
Condições históricas da fundação
e do desenvolvimento
A Europa dispõe de muitas formas de organização estatal.
Com o fito de garantir a paz, constatam-se dois tipos distintos de
projetos de Europa, que admitem também a constituição de formas
mistas:
- As alianças federativas clássicas, que têm o equilíbrio europeu
por fundamento ou que o querem instituir, entendem os Estados
nacionais como unidades que permanecem soberanas. A assim
chamada teoria realista das relações internacionais vê nessas alianças uma garantia da manutenção da paz (Morgenthau, 1966;
Kissinger, 1994). A formação de contrapoderes deve impedir que
um Estado se torne demasiado forte e domine outros.
Um segundo projeto pode ser caracterizado como interdependênmediante integração. Os Estados transferem a uma terceira
instância certos direitos soberanos. A ótica da interdependência
pode ser encontrada na escola liberal das relações internacionais
(Keohane,1984).
da
A União Européia foi organizada no sentido da segunda perspectiva. Apenas os projetos com esse conteúdo podem ser considerados
predecessores da integração européia na forma da Comunidade
Econômica Européia (CEE)/Comunidade Européia (CE)/União Européia (UE). Historicamente, essa linha sempre se esforçou por restringir, pela integração, o papel dominante de uma nação.
2\. ".-..'
16
Frank R. pfetsch
Até meados do século XX as experiências históricas da Europa
foram marcadas pelo modelo dos Estados nacionais. Só com a fundação da Sociedade das Nações a perspectiva da integração tornouse realidade prática, fracassando, porém, por causa de inúmeras
dissonâncias.
1.1 Marcos históricos
A União Européia, que se apresenta hoje como um multifacetado construto político, interdependente e integrado, por certo teve
muitos projetos precursores. A Comunidade Européia da Idade
Média caracterizava-se até certo ponto pela comunidade de religião
(a Igreja Católica) e de língua (o latim). Com os cismas religiosos,
as guerras de religião e o surgimento dos Estados absolutistas, essa
unidade desfez-se, passando a ocorrer uma série de guerras intraeuropéias desde então.
Pode-se considerar como o primeiro defensor de uma concepção fundada no equilíbrio de poderes o duque francês Maximiliano
de Béthune SulIy (1560-1641), conselheiro e ministro de Henrique
IV. Já em começos do século XVII SulIy projetou, em seu gralld
dessein, a imagem de um equilíbrio europeu entre quinze Estados
igualmente fortes, como garantia da paz. De acordo com essa concepção, seria fundada na Europa uma federação na forma de uma
república cristã e sob a liderança da França. Em 1610, no entanto,
o próprio Sully acabou vítima das intrigas européias, ao ser demitido do cargo de ministro das Finanças e cair em desgraça, após o
assassinato de Henrique IV por Maria de Médicis. Pouco mais tarde foi o jurista holandês Hugo Grotius (1583-1645) que tratou de
uma união dos Estados e dos povos, em sua obra principal De jure
belli ac pacis libri tres (Três livros sobre o direito de guerra e
paz). Sua teoria das soberanias equivalentes angariou-lhe o epíteto
de "Pai do direito das gentes".
Um pensador francês, cujas teorias Jean-Jacques Rousseau
virá a discutir intensivamente, surpreende pela terminologia moderna. O abade de Saint-Pierre (1658-1743) fala, já em 1713, de
uma associação federativa de Estados europeus soberanos. Guiados
pelo racionalismo e pelo progresso, escreve Saint-Pierre, os prínci-
A União Européia
17
pes europeus convencer-se-iam de uma "federação européia" instituída contra a hegemonia absolutista de Luís XIV. Esse projeto
prevê a constituição de uma aliança permanente ("República européia") e a realização de encontros regulares em uma assembléia ou
congresso federal. O projeto de Saint-Pierre prevê, em seus cinco
artigos, uma garantia mútua do status quo territorial e constitucional, uma presidência em rodízio na assembléia federal, uma espécie de segurança coletiva no caso de infração ao tratado e "decisões
européias colegiadas por maioria" (Saint-Pierre, abade Ch.-I. Castel de, Projet pour rendre Ia paix perpétuelle en Europe, 1713).
Um manuscrito de Rousseau, "Sobre a federação como meio
de combinar as vantagens das pequenas repúblicas com as dos
grandes Estados", perdeu-se. Pode-se considerar como certo, todavia, que Rousseau ficou impressionado com a tese federalista de
Saint-Pierre. Rousseau não se dá por satisfeito, porém, com a motivação do príncipe para renunciar a direitos de soberania, admitida
por Saint-Pierre. Em seu Jugement sur te projet de Ia paix perpétuelle (1761), Rousseau afirma que a ambição dos príncipes de
exp,andir seus territórios e de aumentar seu poder interno é incompatível com um projeto federativo. A única possibilidade de criar
estruturas federativas, segundo Rousseau, estaria numa revolução
que, por sua vez, é altamente problemática.
Uma outra posição pró-federação do século XVIII encontra-se
em Immanuel Kant. Em seu escrito Sobre a paz perpétua (1795), a
representação de uma "organização federal da Europa com Estados
republicanos" baseia-se em dois artigos fundamentais, que devem
preservar o Estado de paz: 1) A constituição civil de cada Estado
deve ser republicana; 2) O direito internacional deve estar baseado
em um federalismo de Estados livres.
A exigência do utópico francês conde de Saint-Simon (17601825), em 1814, de fundar uma comunidade européia com um
parlamento supranacional, também tinha caráter normativo. SaintSimon, cujo nome próprio era Claude-Henri de Rouvroy, defende,
em seu ensaio A reorganização da sociedade européia, um "poder
universal", que deveria promover o progresso e a "comunidade
européia" (cf. Theimer, 1988: 20-23).
Um outro precursor francês da idéia européia é o escritor
Victor Hugo (1802-1885), que desenvolveu também intensa ativi-
18
Frank R. PFetsch
dade política. Parlamentar em diferentes instituições em sucessivas
etapas (Câmara de Paris, Assembléia Nacional, Senado), Victot'
Hugo proclamou, na qualidade de presidente do segundo Congresso
Internacional pela Paz, em 1849, os "Estados Unidos da Europa".
No século XX, sobretudo depois da Primeira Guerra Mundial,
os projetos de uma Europa unificada ganharam uma nova dimensão. O Movimento Pan-Europeu, fundado pelo conde austríaco
Coudenhove-Kalergi (1894-1972), promoveu, entre outras iniciativas, no âmbito do Congresso Pan-Europeu de 1926, uma grande
difusão da idéia da Europa. Também no jornalista, advogado e
político francês Aristide Briand (1862-1932) encontra-se, em paralelo ao engajamento no Tratado de Locamo e no Pacto BriandKellogg, a visão de uma "união federal européia", que reuniria os
diversos Estados em uma união ampla.
Durante a Segunda Guerra Mundial, a idéia de uma Europa federativa parecia ser, para os políticos europeus impotentes diante
de Hitler, um meio de impedir novas guerras. O presidente do Conselho de Ministros francês, Léon Blum, afirmava, em 14 de outubro de 1939:
As soluções em que nós, socialistas, pensamos, são as que trariam
a Alemanha para uma organização européia - uma organização
que daria garantias efetivas contra o retorno de agressões violentas e que asseguraria os elementos de uma segurança efetiva
e de uma paz duradoura. Caminhamos assim sempre para as
mesmas fórmulas, para a mesma conclusão: a independência
das nações no seio de uma Europa federativa e desarmada
(Gasteyger, 1994: 32).
A resistência alemã também não apostou apenas no afastamento de Hitler e na derrubada do nacional-socialismo. O pastor
alemão Hans Schõnfeld anunciou, em 31 de maio de 1942, em Estocolmo, o programa da "oposição alemã para a Alemanha e a Europa", que previa a interdependência econômica de uma nação alemã,
vivendo com "autonomia administrativa responsável", mediante
uma "estreita cooperação entre nações livres". Segundo Schõnfeld,
isso culminaria em uma "federação européia de nações livres", com
um governo e um exército comuns, incluindo a participação da
Grã-Bretanha, da Polônia e da "nação checa" (Gasteyger, 1994: 33).
A União Européia
19
~evando-se em conta as etapas esquematizadas até aqui, podese artIcular os impulsos da unificação européia em duas linhas de
motivação: a busca de equilíbrio e a meta do comprometimento:
i
f
i
•
I
,
.~
I
I
j
iI
1. ~ alianças, no sentido clássico do equilibrio, destinavam-se a
eVItar o aumento do poder de uma determinada potência dominante. Assim, por exemplo, o duque de Sully agiu contra o cerco da França pelos Habsburgos, que se haviam instalado
media~te um~ política ~ucessória bem-sucedida, na Espanha:
nos Palses BaIXOSe na Austria. Também as reflexões do abade
de Saint-Pierre se voltavam contra a dominação de vários Estados por uma só potência.
2.
Con~eqüentemente, a etapa seguinte do projeto de unificação
conSIste no comprometimento de uma potência dominante em
estrut~ras abrangentes. Como exemplo, temos aqui a proposta
de Bnand de uma "união federal européia" e as reflexões de
Blum. As propostas do general De Gaulle, tempos mais tarde,
de. u~a aliança com a União Soviética, tinham também por
objetivo uma domesticação suave das tendências expansionistas de Stalin.
;
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, inicia-se uma
nova fase na política européia, embora não se possa traçar uma linha
de de~arca.ção exat~. A concretização dos projetos de integração
europem fOI favoreclda não apenas pela vontade de determinados
políticos, mas também pela necessidade política, com o patrocínio
dos Estados Unidos e sob a pressão crescente das ameaças de Moscou. Até a Segunda Guerra Mundial, os projetos europeus limitavam-se às relações comerciais bilaterais ou a alianças militares no
mais das vezes efêmeras. Os requisitos de índole normativa, tal
como propostos por Kant, Victor Hugo ou Saint-Simon, com o
pressuposto da renúncia voluntária à soberania, alienaram-se da
realidade política do poder, e podem, com isso, ser qualificados de
idealistas.
Apr?ximando-se a criação da primeira organização européia
transnacI?nal, a ~omunidade Européia do Carvão e do Aço (Ceca),
um terceIro motivo da integração européia vem juntar-se à busca
de equilíbrio e de comprometimento: a prosperidade econômica.
"
20
A União Européia
Frank R. PFetsch
Em conjunto, esses motivos constituíram, nos anos 1940 e 1950, a
massa crítica que possibilitou uma conformação institucional da
velha idéia da unidade européia. Em complemento aos motivos
fundamentais da busca de equilíbrio e do comprometimento das
potências dominantes têm-se os fatores seguintes:
3.
As duas principais potências vencedoras da Segunda Guerra
Mundial tinham pretensões de dominação tradicionais fora do
território central da Europa. Como reação à ameaça de perda
da posição da Europa, surgiu a concepção de uma "terceira
força", além dos Estados Unidos e da União Soviética.
4. Os projetos europeus foram considerados pelos políticos alemães e por outras personalidades da vida pública também
como instrumentos de solução da divisão da Alemanha.
5. O nacionalismo dos países europeus, que levou a duas guerras
mundiais, tornara-se amplamente obsoleto após 1945 e predispôs os Estados da Europa ocidental e, em parte também da
oriental, às formas de organização transnacional.
6. Da perspectiva ocidental, o projeto "Europa" foi visto como
contrapeso ao expansionismo soviético. No início dos anos
1950, quando esse perigo foi mais intenso, as potências ocidentais ainda viam o rearmamento alemão com reservas. Uma
defesa eventual da Europa ocidental teria que começar, no entanto, no território alemão. Por isso, só uma aliança européia
podia formar um verdadeiro contrapeso.
Essas seis linhas de motivação, distingui das aqui pela análise,
raramente apareceram, na realidade, de forma pura. Amiúde duas
ou mais dessas metas foram formuladas por seus precursores políticos. Alguns exemplos podem mostrá-Io sumariamente.
A evolução das grandes potências sediadas fora do espaço europeu tradicional de poder deram um novo impulso à integração
européia. Com a emergência da União Soviética, cujo potencial
militar representava uma ameaça para as potências da Europa central, a concepção de uma Europa como "terceira força" ganhou
importância. "A idéia de uma 'terceira força' - de uma Europa cuja
ordem social e cuja orientação da política exterior fosse eqüidistante dos Estados Unidos e da União Soviética e que, dessa forma,
II
I
21
pudesse servir de intermediária entre ambos - foi mais popular na
Europa do pós-guerra do que qualquer outra idéia política" (Loth,
1980: 194).
Alguns dos pensadores do período imediatamente posterior à
Segunda Guerra Mundial projetaram para a Europa do futuro não
apenas o papel de um contrapeso geoestratégico aos Estados Unidos e
à União Soviética, mas também a realização de uma via socialdemocrática intermediária entre capitalismo e comunismo. A "organização européia" buscada por Blum tinha, por conseguinte, não
apenas o objetivo da moderação da União Soviética, mas, igualmente, a perspectiva de sua inserção em um socialismo sem autoritarismo. Propostas semelhantes encontram-se no cientista político
alemão Richard Lõwenthal, que descreveu a vinculação da Europa
governada pelos socialistas com os países da Europa ocidental
como um "poderoso tampão neutro" para evitar o choque entre as
potências mundiais (Lõwenthal, 1947).
Sob a perspectiva alemã, foram elaboradas propostas de uma
"terceira via" em função do problema da Alemanha dividida. Tanto
os democrata-cristãos quanto os social-democratas, no período imediatamente posterior à guerra, acharam atrativa a idéia de uma
Alemanha pós-fascista como mediadora entre os blocos da Europa
ocidental e da Europa do leste, cada vez mais em confronto. Podemos lembrar, aqui, da tese da função-ponte do presidente da União
Democrata Cristã (CDU) da Alemanha oriental (inclusive Berlim),
Jakob Kaiser (1888-1961). Kaiser, originário do movimento sindical cristão como seu vice Ernst Lemmer, é o autor da fórmula:
"A Alemanha tem de ser a ponte entre o Ocidente e o Leste" (Kaiser,
1946: 17).
O paralelo com as posições social-democratas encontra-se na
idéia de Kaiser de um "caminho próprio [...] para uma nova ordem
social". Tese semelhante foi sustentada em 1945 por Otto Grotewohl
(1894-1964), então ainda presidente do Comitê Central de Berlim do
Partido Social-Democrata de toda a Alemanha. Grotewohl preconizava que se "assumisse, na política interna, uma posição eqüidistante
dos partidos burgueses e comunistas e, na política externa, o papel
de mediador entre a União Soviética e as democracias burguesas
ocidentais". Também a "terceira via" de Kurt Schumacher (18951952) buscava a eqüidistância dos dois blocos em formação. Por cau-
Frank R. pfetsch
22
sa da "situação provisória alemã", porém, o caminh~ de Schumacher
dirigir-se-ia mais para uma forma de "Estados Umdos da Europa"
mais transnacional do que federativa (cf. Pfetsch, 1993: .148).
Apesar de o Partido Social-Democrata (SPD) ter .adendo, afinal, à
integração da Alemanha no Ocidente, o campo social-democrata do
imediato pós-guerra contava com uma série de defensores .do
papel intermediário ou mediador da Alemanha. O porta-voz socmldemocrata da Renânia-Palatinado, Hans Hoffmann, por exemplo,
assim se pronunciou na Assembléia Constituinte:
Não apenas por sua geografia, mas ~ambém~?~ sua atitude fundamental, a Alemanha é um país mtermedmno, uma terra de
transições [...]. O princípio da liberdade pessoal com? eleme_nto
essencial da democracia ocidental recobrou, para nos. alem~es,
depois da experiência do Terceiro Reich, importância maIOr.
Não deixamos, porém, de apreciar, na concepção de Estado dos
países do Leste, a arte da subordinação dos indivíduos à von,ta~e
geral, a disciplina que foi necessária na Alemanh~ e na R~~s~a
[...] A grande oportunidade de a Alemanha ~er a IOt.ermedmna
entre as democracias do Ocidente e do Onente fOi, contudo,
desperdiçada por Hitler. Restou-nos a divisão. Almejamos ambas, liberdade e comunidade, e continuará sendo tarefa dos alemães encontrar a síntese entre as duas formas (segundo KIaas,
1978: 244).
A experiência de duas guerras. estava por trá~ da posição de
Winston Churchill, cujo famoso diSCurso em Zunque, :m 19 .de
setembro de 1946, apresentou o projeto europeu de paz: [Re]cnar
a família européia em uma estrutura regional tal que venha a chamar-se Estados Unidos da Europa" (in Gasteyger (ed.), 1994: 40).
Esses "Estados Unidos da Europa", de que falou também Konrad
Adenauer deveriam instituir-se, para Churchill, em uma organização regio~al das Nações Unidas e pela constituição d~ um Conselho da Europa no âmbito de um sistema federal. Os mteresses ?e
uma política de poder, mesclados a um id~a1ismo ~u:o?eu, obViamente deixavam a Inglaterra e a Comumdade Bntamca fora do
quadro institucional proposto:
A União Européia
23
O primeiro passo para reconstituir a família européia tem de ser
a parceria entre a França e a Alemanha. Somente dessa maneira
a França poderá assumir novamente a liderança moral da Europa. Não haverá renascimento algum da Europa sem uma França
e uma Alemanha espiritualmente grandes. A estrutura dos Estados Unidos da Europa, se for bem e legitimamente organizada,
deve ser tal que a riqueza material de um determinado país não
tenha tanta importância. As pequenas nações contam tanto
quanto as grandes e honram-se pela contribuição para a causa
comum (;11 Gasteyger (ed.), 1994: 40).
O general De Gaulle, em 1945, ainda pensava numa aliança
contra a Alemanha, ao propor um ensemble econômico reunindo
a Inglaterra, a França, a Bélgica, a Holanda, a Itália e a Suécia.
O tratado de aliança de Dunquerque, celebrado em março de 1947
entre a Inglaterra e a França e destinado à garantia mútua dos dois
países contra a retomada, pela Alemanha, de uma política agressiva, falou uma linguagem ainda mais clara.
Os interesses conflitantes dos aliados já haviam aparecido,
com toda clareza, na conferência de Potsdam. Com o aparecimento
da Guerra Fria, foi a União Soviética que assumiu o papel de uma
contrapotência, anteriormente pertencente à Alemanha. Em março
de 1946, em Fulton, nos Estados Unidos, Churchill profetizou pela
primeira vez o surgimento de uma "cortina de ferro" entre Leste e
Oeste. Já não era mais o fortalecimento da Alemanha que forçava
os países da Europa ocidental a pensar em integração, mas a tendência expansionista continuada da União Soviética. Mesmo
quanto à Alemanha, a integração posterior da República Federal com
o Ocidente se deveu essencialmente à ameaça estalinista.
A estratégia da "contenção" (containment), elaborada por George
Kennan, presidente do Comitê Americano de Política Exterior, reuniu
os países-chaves da Europa no projeto de pôr obstáculos ao avanço
do comunismo. Um dos principais partidários europeus dessa política foi Konrad Adenauer. Já desde 1945 constam declarações de
Adenauer sobre a necessidade de opor um bloco ocidental forte ao
Leste europeu dominado pela Rússia (cf. Pfetsch, 1993: 144). É de
1946 a seguinte declaração de Adenauer:
Frank R. pfetsch
22
A União Européia
23
o primeiro passo para reconstituir a família européia tem de ser
sa da "situação provisória alemã", porém, o caminh~ de Schumacher
dirigir-se-ia mais para uma forma de "Estados Umdos da Europa"
mais transnacional do que federativa (d. Pfetsch, 1993: .148).
,
Apesar de o Partido Social-Democrata (SPD) ter.adendo, afinal, a
integração da Alemanha no Ocidente, o campo socml-democrata do
imediato pós-guerra contava com uma série de defensores .do
papel intermediário ou mediador da Alemanha. O porta-voz socmldemocrata da Renânia-Palatinado, Hans Hoffmann, por exemplo,
assim se pronunciou na Assembléia Constituinte:
Não apenas por sua geografia, mas !ambém ~?~ sua atitude fundamental, a Alemanha é um país mtermedmno, uma terra de
transições [...]. O princípio da liberdade pessoal com? eleme_nto
essencial da democracia ocidental recobrou, para nos alemaes,
depois da experiência do Terceiro Reich, importância maior.
Não deixamos, porém, de apreciar, na concepção de Estado dos
países do Leste, a arte da subordinação dos indivíduos à von,ta~e
geral, a disciplina que foi necessária na Alemanh~ e na R~~s~a
[...] A grande oportunidadede a Alemanha ~er a mt.ermedmna
entre as democracias do Ocidente e do Onente fOI, contudo,
desperdiçada por Hitler. Restou-nos a divisão. Almejamos ambas, liberdade e comunidade, e continuará sendo tarefa dos alemães encontrar a síntese entre as duas formas (segundo Klaas,
1978: 244).
A experiência de duas guerras. estava por trá~ da posição de
Winston Churchill, cujo famoso dISCurSOem Zunque, ~m 19 .de
setembro de 1946, apresentou o projeto europeu de paz: [Re ]cnar
a família européia em uma estrutura regional tal que venha a chamar-se Estados Unidos da Europa" (in Gasteyger (ed.), 1994: 40).
Esses "Estados Unidos da Europa", de que falou também Konrad
Adenauer deveriam instituir-se, para Churchill, em uma organização regio~al das Nações Unidas e pela constituição d~ um Conselho da Europa no âmbito de um sistema federal. Os lOteresses ~e
uma política de poder, mesclados a um id~alismo ~u:0'peu, obvIamente deixavam a Inglaterra e a Comumdade Bntalllca fora do
quadro institucional proposto:
a parceria entre a França e a Alemanha. Somente dessa maneira
a França poderá assumir novamente a liderança moral da Europa. Não haverá renascimento algum da Europa sem uma França
e uma Alemanha espiritualmente grandes. A estrutura dos Estados Unidos da Europa, se for bem e legitimamente organizada,
deve ser tal que a riqueza material de um determinado país não
tenha tanta importância. As pequenas nações contam tanto
quanto as grandes e honram-se pela contribuição para a causa
comum (in Gasteyger (ed.), 1994: 40).
O general De Gaulle, em 1945, ainda pensava numa aliança
contra a Alemanha, ao propor um ensemble econômico reunindo
a Inglaterra, a França, a Bélgica, a Holanda, a Itália e a Suécia.
O tratado de aliança de Dunquerque, celebrado em março de 1947
entre a Inglaterra e a França e destinado à garantia mútua dos dois
países contra a retomada, pela Alemanha, de uma política agressiva, falou uma linguagem ainda mais clara.
Os interesses conflitantes dos aliados já haviam aparecido,
com toda clareza, na conferência de Potsdam. Com o aparecimento
da Guerra Fria, foi a União Soviética que assumiu o papel de uma
contrapotência, anteriormente pertencente à Alemanha. Em março
de 1946, em Fulton, nos Estados Unidos, Churchill profetizou pela
primeira vez o surgimento de uma "cortina de ferro" entre Leste e
Oeste. Já não era mais o fortalecimento da Alemanha que forçava
os países da Europa ocidental a pensar em integração, mas a tendência expansionista continuada da União Soviética. Mesmo
quanto à Alemanha, a integração posterior da República Federal com
o Ocidente se deveu essencialmente à ameaça estalinista.
A estratégia da "contenção" (containment), elaborada por George
Kennan, presidente do Comitê Americano de Política Exterior, reuniu
os países-chaves da Europa no projeto de pôr obstáculos ao avanço
do comunismo. Um dos principais partidários europeus dessa política foi Konrad Adenauer. Já desde 1945 constam declarações de
Adenauer sobre a necessidade de opor um bloco ocidental forte ao
Leste europeu dominado pela Rússia (d. Pfetsch, 1993: 144). É de
1946 a seguinte declaração de Adenauer:
1946
1949
1946
47
1947
24
Frank R. pfetsch
A União Européia
A Ásia está às margens do Elba. Só uma Europa ocidental econômica e espiritualmente saudável, da qual ~ Alemanha não
ocupada pela Rússia é um componen}e essencIal, pode deter a
expansão do poderio e do espírito da Asia.
Além das atitudes
dos grandes
estadistas
europeus,
sem cuja
ação a convergência
decidida de nações hostis dificilmente
seria
compreensível
sob a perspectiva
contemporânea,
"o pensamento
europeu foi sustentado também, nos
sobretudo por organizações européias
posições de vanguarda" (Gasteyger,
pode ser identificada pela etiqueta de
dro 1.1).
primeiros anos após a ~erra,
privadas [...] [que assumIram]
1990: 29). Essa "vanguarda"
"movimentos europeus" (qua-
QUADRO 1.1
Movimentos
europeus
do período
do pós-guerra
imediato
Conselho
do
Movimento
Europeu
União
dos
Federalistas
Europeus
(paris)
Comitê
Colégio
Européia
Europeu
daAlemão
Europa
de
Unificado
(Bruges,
Parlamentares
Bélgica)
ou United
(conde
European
CoudenhoveMovePrograma
de
Hertenstein
depara
Haia
dos
unidade
federalistas
européia
europeus
1º Congresso
Liga
Européia
apela
Cooperação
Econômica
(dirigida
Junho de 1946
Kalergi)
ment
(Londres;
patrocinado
Winston Churchill)
pelo
político
belga
Paul van por
Zeeland)
25
"comunidade
européia de base federativa", cujos princípios requerem uma "construção democrática de baixo para cima" e uma "proclamação européia dos direitos do cidadão". Essa "união européia"
vincular-se-ia
à Organização das Nações Unidas, e seus integrantes
transfeririam "parte de seus direitos de soberania econômica, política e militar à federação por eles formada". A união seria aberta,
de acordo com o programa, a todos os "povos de essência européia". A organização
coordenadora
dos federalistas
era a Union
Européenne
des Fédéralistes
(UEF), fundada em dezembro
de
1946. Em seu primeiro congresso, realizado em abril de 1947 em
Amsterdã, além de assumir a posição de que o futuro da Alemanha
só seria pensável "no âmbito de uma Europa federal", a UEF adotou uma declaração programática:
Não queremos uma Europa hesitante, vítima de interesses conflitantes, dominada por um capitalismo aparentemente liberal,
que subordina os valores humanos ao poder do dinheiro, ou por
um socialismo de Estado, que utiliza quaisquer meios para impor sua vontade às custas dos direitos humanos e do direito das
sociedades. Queremos uma Europa como sociedade aberta, isto
é, disposta à boa vizinhança com o Ocidente e com o Oriente, a
cooperar com todos.
As posições dos federalistas e de Winston Churchill distinguemse com toda clareza. Hoje em dia, os federalistas são classificados,
em
geral, como inspirados pelo idealismo de atitudes, enquanto a posição do primeiro-ministro
britânico é qualificada
de pragmática.
Essas duas concepções básicas divergiam principalmente
quanto ao
caminho a ser encetado
Em toda a Europa (ocidental) organizaram-se
diferentes associações federalistas, que aderiram, conjuntamente,
ao Programa de
Hertenstein
dos federalistas
europeus,
em setembro
de 1946.
Exemplos de movimentos nacionais são: a Europa-Union
(Suíça),
o Europeesche Actie (Holanda), o Movimento Federalista Europeo
(Itália) e a Federal Union (Inglaterra). O Programa de Hertenstein,
que tomou o nome da localidade em que se realizou o congresso,
às margens do Lago dos Quatro Cantões, na Suíça, propugna uma
para chegar-se
à união européia. Churchill
-
como De Gaulle e Adenauer - mantinha como essencial a concepção
dos Estados nacionais soberanos, que se reuniriam em um conselho
europeu com fins consultivos e deliberativos.
A ruptura entre os
blocos do Leste e do Oeste europeus e a restituição gradual da soberania às zonas de ocupação aliadas na Alemanha ocidental eram
consideradas inevitáveis. O Estado federal europeu defendido pelos
federalistas pressupunha a inclusão e o controle da Alemanha.
Quando o movimento europeu reuniu-se, em maio de 1948, no
assim chamado Congresso de Haia, a realidade da tomada do poder
26
A União Européia
Frank R. pfetsch
pelos comunistas, em Praga, mais as tensões que precederam o
bloqueio de Berlim, atingiram em cheio as nobres intenções dos
federalistas europeus. Apesar disso, as posições das delegações
nacionais no Congresso de Haia, a que pertenciam Uon Blum,
Jacques Chaban-Delmas, Edgar Faure, François Mitterrand, Jean
Monnet, Robert Schuman e Konrad Adenauer, entraram em choque. Os quase mil delegados de dezenove países provinham de
Parlamentos nacionais, partidos políticos, sindicatos, igrejas e universidades (cf. Masclet, 1994: 4). A tese de que os debates tenham
sido marcados pelo conflito entre as concepções social-federalista e
conservadora-nacionalista da Europa (Gasteyger, 1990: 31) parece
precipitada. Pelo menos o exemplo alemão permite demonstrar que
o campo conservador assumiu posições mais federalistas e que os
social-democratas tenderam a atitudes nacionalistas.
Embora o conflito crescente entre o Leste e o Oeste europeus
tenha restringido a ação dos federalistas, o movimento europeu
produziu impulsos importantes para a constituição do Conselho da
Europa, do Tribunal Europeu de Direitos Humanos e do Colégio da
Europa em Bruges. Entre 1948 e 1949, a maioria das organizações
européias listadas na quadro 1.1 fundiu-se no Movimento Europeu
(European Movement), que ainda hoje defende o objetivo da fundação dos Estados Unidos da Europa.
Levando-se em conta as etapas determinantes das condições
do surgimento de uma comunidade européia, podem-se reconhecer
três modelos de política européia, cujas características se exprimem em dominação, equilíbrio e interdependência/integração.
a) O modelo da dominação, típico sobretudo das tendências hegemônicas da União Soviética, tornou-se obsoleto, após 1945,
para os países da Europa ocidental. No âmbito do Plano Pleven
(ver adiante), no entanto, a França ainda tentou, no início dos
anos 1950, tornar-se a potência dominante da Europa ocidental
no plano militar.
b) A aliança entre os Estados nacionais europeus, como a concluída em Dunquerque pela França e Inglaterra (estendida aos
países do Benelux em 1948, pelo Pacto de Bruxelas), corresponde à busca de equilíbrio. A contrapotência Alemanha logo
foi substituída pela contrapotência União Soviética, como re-
27
sultado da consolidação do poder comunista na Europa central
e do leste.
c) O modelo da interdependência/integração tem muitos motivos.
Fora da Alemanha, buscava-se sua vinculação; internamente,
sua reunificação. Adicionalmente, os estadistas europeus
pragmáticos viam numa Europa forte um contrapeso à União
Soviética. Dessa forma, políticos de procedências as mais diversas, como Robert Schuman (vinculação), Jakob Kaiser e Kurt
Schumacher (reunificação da Alemanha), Konrad Adenauer,
George Kennan e Winston Churchill (contenção, terceira via),
buscavam o mesmo fim de um construto estatal integrado r no
subcontinente da Europa ocidental.
O modelo da interdependência tem, além da européia, também
uma variante norte-americana. Já em agosto de 1945 a Foreign
Economic Administration (FEA) elaborou planos de uma Europa
democrática. A administração internacional da região do Reno-Ruhr
deveria tornar-se um "regime internacional" sem limitação no tempo. Uma fonte estadunidense atribuiu a esse regime o seguinte objetivo: "[Ele] funcionaria para produzir uma reestruturação geral do
sistema político europeu, cujo resultado levaria os Estados nacionais a perder drasticamente sua importância como unidades [políticas]" (cf. Gerhardt, 1996: 28).1 O começo de tal regime teria de ser
a reconstrução econômica, pois, como afirma um memorando do
sociólogo americano Talcott Parsons em 17 de agosto de 1945,
"uma economia em expansão facilitará, regra geral, a estabilidade
política" (d. ibid. ).2 Em conseqüência, a Alemanha tinha de ser
inserida em uma economia liberal de mercado. A idéia da Europa
defendida por um grupo de jovens economistas e cientistas políticos no Departamento de Estado americano desde 1946 desembocou pouco mais tarde na perspectiva da unificação política da
Europa presente no Programa de Recuperação Européia (European
Recovery Program - ERP).
1
Em inglês no original: "[11] wo1l1d work inlo a general reslruclllring of lhe
ElIropean political syslem as resllll of which nalional stales as IInits wOllld
2
come to have draslicalfy allered signijicance". (Tradução livre.) (N. do T.)
Em inglês no original: "all expalldillg ecollomy wilf, ill general, facilitale polítical slabilíty". (Tradução livre.) (N. do T.)
Frank R. pfetseh
A União Européia
As iniciativas de unificação européia precederam os primeiros
passos institucionais da política, especialmente da política exterior
e de segurança. Somente mais tarde, quando as questões do desenvolvimento econômico e de sua extensão a novos integrantes influenciam o programa da política européia, é que as perspectivas
econômicas e a preocupação com a identidade européia passam ao
primeiro plano. A supremacia da política está presente desde os
fundamentos mais remotos da primeira organização supra nacional.
A Comunidade Européia do Carvão e do Aço (1951) foi iniciada
por Robert Schuman a partir de considerações sobre a necessidade
de neutralizar o conflito histórico em torno da recuperação da
região do Ruhr.
preencheram o vácuo de poder, cuja nova divisão foi imposta pelas
duas superpotências. O dualismo da Guerra Fria faz lembrar constelações históricas comparáveis, no continente europeu: nos séculos
XVII e XVIII, a contraposição entre os Habsburgos e a França; no
século XIX, entre a Prússia e a Áustria; na Primeira Guerra Mundial,
entre as potências centrais e os países da Entente; e, durante a guerra recém-encerrada, entre as potências do Eixo (Alemanha, Itália) e
os aliados da coligação anti-Hitler. O novo conflito pela precedência na Europa, entre as superpotências e seus aliados, viria a dominar a segunda metade do século XX.
A prioridade dos Estados europeus, logo após 1945, foram a
reconstrução que assegurasse o abastecimento básico e a criação de
estruturas, para além dos nacionalismos, que impedissem o ressurgimento da catástrofe que se acabava de viver. O cientista político
teuto-americano Carl Joachim Friedrich vê três razões para os
Estados europeus terem escolhido esses objetivos, com efeitos
diferentes no tempo (Friedrich, 1972: 7-25). Em primeiro lugar,
sentia-se a carência de cooperação econômica. O progresso tecnológico requeria, segundo Friedrich, um mercado proporcionalmente
vasto. Além disso, de acordo com um argumento já bem conhecido, a ascensão dos Estados Unidos e da União Soviética fez esvairse a prevalência européia, o que se exprimia também em indicadores econômicos. Uma terceira causa para a convergência da Europa
é vista por Friedrich no desmantelamento dos impérios coloniais,
pelo qual comunidades antigas (como a British Commonwealth ou
a Communauté francesa) começaram a esfacelar-se e a perder importância. Com tudo isso, as potências européias puderam voltar-se
mais intensamente para a própria política européia.
A prioridade da reconstrução econômica, no pós-guerra, acarretou uma cooperação européia crescente. Nesse período surgiu a
assim chamada "Europa econômica", apoiada sobretudo pelo Plano
Marshall. Esse plano dispôs de 13 bilhões e 150 milhões de dólares
norte-americanos (Logne, 1965: 219). O Plano MarshaIl fazia parte
do Programa de Recuperação Européia (ERP), lançado em junho
de 1947 pelo governo dos Estados Unidos (a aprovação pelo
Congresso americano deu-se apenas em abril de 1948). Embora a
execução e a administração do Plano MarshaIl estivessem em
Washington, a cargo da Agência de Cooperação Econômica (Eco-
28
1.2 Fase de incubação (1945-1950)
Até aqui foram apresentados os fundamentos idealizados para
o processo de unificação européia iniciado nos anos 1950. Passa-se
agora ao esboço das circunstâncias históricas do período do imediato pós-guerra. A fase entre o fim da guerra e os primeiros elementos manifestos do processo institucional de integração européia
é entendida, aqui, como incubação de uma unidade européia que se
aprofundará mais tarde.
Quase todos os Estados europeus tiveram de sofrer a Segunda
Guerra Mundial em seus próprios territórios. A autodestruição pela
guerra acarretou o enfraquecimento da Europa tanto no campo dos
vencedores quanto no dos vencidos. A Liga das Nações tinha tentado uma primeira experiência histórica de uma segurança mundial,
mas principalmente européia. Com cerca de 50 milhões de mortos
durante a guerra, essa tentativa foi mais que um fracasso. O velho
sistema dos egoísmos dos Estados nacionais, é a opinião corrente,
causou o desastre das duas guerras mundiais. A Europa estava arrasada, não só moralmente mas também política e economicamente.
Em ambos os setores os Estados europeus perderam sua liderança
para as "potências externas" dos Estados Unidos e da União Soviética.
Na Europa do pós-guerra, a guerra sangrenta foi substituída,
em poucos anos, pela Guerra Fria. Com o desaparecimento das
rivalidades intra-européias, os Estados Unidos e a União Soviética
29
30
Frank R. PFetsch
nomic Cooperation Administration - ECA), as propostas de distribuição dos recursos aos diferentes países beneficiários eram apresentadas
pela Organização para a Cooperação Econômica Européia - OCEE
(Organization for the European Economic Cooperation - OEEC).
A OCEE foi fundada em 16 de junho de 1948, enquanto sua predecessora, a Comissão para a Cooperação Econômica Européia, existia desde julho de 1947.
Com isso, a Europa econômica estava institucionalmente vinculada aos Estados Unidos. A inserção das economias populares
européias no sistema econômico liberal mundial, incentivada sobretudo pelos Estados Unidos com o acordo monetário de Bretton
Woods (1944) e com a fundação do Gatt (1947/48), coincidiu no
tempo com a integração econômica européia. Do lado europeu, o
Projeto Europa tomou sua primeira feição institucional com a fundação do Conselho da Europa. Essa organização européia deveria
abranger todos os campos, exceto o da política de defesa. Os debates acerca da forma que o Conselho da Europa deveria tomar, no
círculo dos políticos europeus, deixam entrever pela primeira vez
as diversas concepções institucionais que influenciarão mais tarde
a evolução das Comunidades Européias e da União Européia.
Carlo Schmid (1896-1979), ele próprio membro do Conselho
da Europa, conta em suas Memórias que os debates no Conselho da
Europa estavam marcados por três grupos principais: os universalistas, os constitucionalistas e os funcionalistas.
Os ulliversalistas entendiam a Europa como uma "Europa
plena", incluindo os países do Leste e do Oeste europeus. Os COIlStituciollalistas exigiam uma constituição dos Estados Unidos da
Europa, a ser elaborada e votada por uma Assembléia Constituinte,
submetida a referendos em cada país e ratificada por um plebiscito
geral da "nação européia". Osfimcionalistas, por fim, não consideravam que os requisitos para uma constituição européia estivessem
dados. Primeiramente ter-se-ia que criar as condições materiais e
políticas. Somente uma Europa econômica lançaria as bases de um
Estado constitucional europeu (Schmid, 1979: 467-468).
Essa última tendência acaba por assumir caráter oficial, com a
fundação, em 1961, da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) (Organization for Economic Cooperation and Development - OECD), que sucedeu a OCEE. Durante
a fase de incubação, pois, os planos especificamente europeus não
A União Européia
31
foram itens prioritários da agenda. A integração econômica da Europa c~~eçou a tomar .forma por causa de considerações de natureza polItIca, em especIal da parte dos Estados Unidos. Do lado
francês havia em primeira linha o objetivo de vincular a Alemanha
a .um sistema :~ropeu. Esse motivo levou à constituição da Comumdade Europela do Carvão e do Aço, por iniciativa de Robert
Schuman, cujo anúncio marca a transição da fase de incubação
para a fase de fundação. Enquanto os interesses norte-americanos
na rec~nstrução da Eu.r?~a tin~am a ver com um contrapeso à
f?rmaçao do bloco sovletIco, a mtegração européia servia à polítIca francesa como garantia contra uma possível agressão alemã.
~ política alemã de Konrad Adenauer, por sua vez, via na integraçao ?a ~~ropa ocidental a possibilidade de recuperar a soberania e
de V~a?III~ar,com o apoio de um Ocidente forte, no longo prazo, a
reumÍ1caçao.
1.3 Fase de fundação (1950-1957)
Numa comunicação do ministro francês das Relações Exteriores, Robert Schuman (1886-1963), ao Conselho de Ministros, em
9 de maio de 1950, justos cinco anos após o término da Segunda
Guerra ~undial, foi anunciada a criação da Comunidade Européia
do Carvao e do Aço (Ceca). A evolução de uma Europa para além
dos nacionalismos delineia-se no horizonte da política européia.
Os membros da Ceca eram a França, a República Federal da Alema.n~a, a Itália e o Benelux (Bélgica, Holanda e Luxemburgo).
Ongmalmente, a Ceca deveria ter formado, com a Comunidade
Européia ?e .Defesa (CEI?),. a Comunidade Política Européia (CPE),
com o obJ~tIvo de constitUIr uma Europa federal. Esse projeto fracassou maIS tarde, quando a Assembléia Nacional francesa em
agosto de 1954, rejeitou o debate sobre a CED e o assunto saiu da
agenda européia.
A Comunidade Européia do Carvão e do Aço (Ceca)
A .Comunida~e ~uropéia do Carvão e do Aço (Ceca) é uma
comumdade economlca transnacional integrada setorialmente que
32
Frank R. pfetsch
existe ainda hoje dentro da CEIUE. A fusão dos setores nacionais
respectivos da indústria pesada foi realizada em 1952, cerca de um
ano depois da assinatura do tratado, em 18 de abril de 1951, em
Paris. O objetivo principal da Ceca era a abolição gradual das tarifas aduaneiras e dos contingenciamentos, como instrumentos do
comércio internacional entre os países integrantes da Ceca. Com a
superação das restrições monetárias, instituiu-se um sistema de
preço duplo, que, mediante instrumentos tarifários, fixou um preço
para a importação de bens da indústria pesada e outro para a venda
interna.
No preâmbulo do tratado da Ceca são indicados os motivos de
sua instituição: a paz mundial, uma Europa organizada como contribuição para a civilização, uma base comum para o desenvolvimento econômico, a elevação do nível de vida e a cooperação ao
invés de rivalidades centenárias. Entre as finalidades da Ceca têm-se
a constituição de um mercado comum para o carvão e o aço e uma
divisão efetiva do trabalho. Além da proibição de tarifas aduaneiras
e de contingenciamentos, o tratado da Ceca veda a discriminação
de produtores estrangeiros e o recurso a subvenções nacionais e
declara-se contra o monopólio no setor da indústria pesada.
O tratado de Paris previu uma Alta Comissão como órgão executivo da Ceca, composta de nove membros. Oito desses membros
são designados pelos governos e o nono é eleito por seus pares da
comissão. Esse órgão supranacional, fundido em 1967 com a Comissão da Comunidade Européia, decidia por maioria de votos, em
nome do interesse da Comunidade. A Alta Comissão, cujas decisões e recomendações possuíam caráter coativo, tinha sua sede em
Luxemburgo. Outros órgãos da Ceca: a Comissão Consultiva (depois: Comissão de Assuntos Sociais e Econômicos3), a Assembléia
(depois: o Parlamento Europeu) e o Conselho de Ministros Restrito
(depois: o Conselho de Ministros da UE). A Assembléia compunha-se dos deputados designados pelos respectivos parlamentos
nacionais. Os representantes dos governos, no Conselho de Ministros Restrito, deliberavam, regra geral, por maioria.
3
Preferiu-se utilizar a palavra "comissão" (equivalente ao alemão AlIssclllISS,
termo oficial da UE empregado pelo autor) e não a palavra comité, utilizada na
versão portuguesa dos documentos da UE e traduzida da terminologia francesa.
O mesmo vale para a Comissão das Regiões.
A União Européia
33
A Comunidade Européia de Defesa (CED)
Como uma comunidade européia de defesa estava obrigatoriamente vinculada ao rearmamento da Alemanha, seus defensores no
período do pós-guerra encontram uma vigorosa oposição. Em
1949, o socialista francês Léon Blum sustentara, como defesa contra a União Soviética e contra a Alemanha, a subordinação do
exército alemão a uma comunidade européia de defesa. Um ano
mais tarde, Winston Churchill referiu-se à possibilidade de admitir
batalhões alemães em um exército europeu. O alto comissário americano para a Alemanha entre 1949 e 1952, John J. McCoy, propôs
a formação de uma "European Defense Force" com tropas americanas, canadenses e alemãs (d. Loth, 1980: 269-275).
O plano do gaullista francês René Pleven, que propôs em 24
de outubro de 1950 a integração de tropas alemãs em batalhões e
regimentos (Plano Pleven), foi uma tentativa de restringir a inserção da Alemanha ao mínimo possível (cf. Loth, 1980: 275-281).
O Plano Pleven continha forte "discriminação dos alemães, a manutenção dos Estados-maiores nacionais e dos ministros da Defesa
de todos os países, exceto a Alemanha, para as operações externas
ao pacto do Atlântico Norte, grandes obstáculos à participação
alemã no Estado-maior conjunto referente aos batalhões integrados, um ministro europeu da Defesa, nos termos propostos, certamente indicado pela França [e com isso] a exclusão da Alemanha
das instâncias decisórias da Otan e possivelmente [a] predominância da França na Organização" (ibid.: 276). A Assembléia Nacional
francesa aprovou o Plano Pleven. Ele foi rejeitado, no entanto, pela
maioria dos membros da Otan. A oposição entre as necessidades de
segurança francesa e alemã só seria superada mediante uma comunidade supranacional (ibid.: 277).
A pressão americana já obtivera, ainda antes do Plano Pleven,
em setembro de 1950, numa reunião dos ministros do Exterior dos
países ocidentais, uma posição conjunta sobre a contribuição da
Alemanha para as forças armadas, no âmbito de uma comunidade
de defesa. Logo após a assinatura do tratado geral para o encerramento da ocupação da Alemanha (Tratado da Alemanha), em maio
de 1952, foi firmado em Paris o tratado para a fundação da Comunidade Européia de Defesa. Em lugar de um ministro da Defesa
34
Frank R. pfetsch
europeu supranacional constituiu-se um comissariado de nove integrantes, cujas decisões dependiam de homologação pelo Conselho de Ministros Restrito. Além disso, a CED teria de ser ratificada
pelos diversos Parlamentos nacionais.
A CED vinha sendo organizada sem a participação britânica.
A Inglaterra, contudo, havia estendido o Pacto de Assistência
Mútua de Bruxelas à Alemanha. Com o fracasso do Plano Pleven,
a França não conseguiu manter seu projeto de predominância. A idéia
de uma "terceira força" malogrou, pois não se conseguira a independência da força de defesa com relação aos Estados Unidos.
Mantiveram-se, todavia, dois motivos fundamentais do processo de
unificação européia: de uma parte, a CED baniu, de início, o perigo
de um renascimento das tendências Holanda
nacionalistas
na Alemanha,
Deputados
268
Itália
Alemanha
Luxemburgo
Bélgica
França
cuja contenção era interesse de primeira ordem para a França. De
outra parte, o projeto de vinculação entre a Otan e a CED permitiria alcançar um potencial máximo de defesa para o mundo ocidental - o que era do interesse sobretudo dos Estados Unidos.
As concessões feitas pelo governo francês à Alemanha, no
entanto, eram vistas como exageradas tanto pela esquerda francesa
(comunistas, tradicionais opositores da Alemanha) quanto pela
direita (gaullistas, grande parte da indústria francesa). Em junho de
1954 a Comissão de Defesa da Assembléia Nacional votou contra a
ratificação do tratado da CED e o Parlamento recusou colocar o
tratado na ordem do dia, em 30 de agosto de 1954, por 319 contra
264 votos. Dessa forma soçobrou a Comunidade Européia de Defesa.
Em termos de política de segurança, a Europa decidiu-se, um ano
mais tarde, com a admissão da República Federal da Alemanha na
Otan, pela opção transatlântica e, dessarte, pelos Estados Unidos.
A Comunidade Politica Européia (CPE)
O projeto de uma comunidade política européia foi ventilado,
em 1952, em uma assembléia específica dos integrantes da Assembléia Conjunta da Ceca. A proposta aprovada pela assembléia
conjunta em 10 de março de 1953 previa um Parlamento bicameral
como órgão deliberativo central da Ceca, amplamente federalizada.
O objetivo era a integração da Ceca e da CED em uma organização
A União Européia
35
política comum. As competências da Comunidade seriam estendidas à política externa, à defesa, à integração social e econômica e à
proteção dos direitos humanos.
Institucionalmente, o Parlamento bicameral seria dividido em
uma Câmara de Deputados, representando os cidadãos, e um Senado, representando os diversos Estados-membros. A Câmara dos
Deputados seria eleita por voto direto, enquanto o Senado seria
composto por deputados dos parlamentos nacionais.
TABELA
1.1
Parlamento projetado para a Comunidade
Política Européia
04
10
87
21
70
30
12
63
30
63
Câmara dos
Senado
A tabela 1.1 mostra como se previa a distribuição dos mandatos por país. O governo da CPE deveria ser exercido por um Conselho Executivo europeu, responsável perante o Parlamento, c cujo
presidente seria eleito pelo Senado. Os doze integrantes do Conselho Executivo teriam um mandato com a mesma duração do dos
parlamentares: cinco anos. Estavam previstos, ademais, como órgãos da CPE, um Conselho de Ministros composto de representantes dos governos nacionais e um Tribunal.
Como o projeto da comunidade política européia estava previsto em conjunto com a Ceca e com a planejada CED, o malogro
desta, em agosto de 1954, na Assembléia Nacional francesa, acarretou também o fim da CPE. A reunião dos ministros do Exterior,
ao final de 1954, conseqüentemente, já não tinha a CPE em sua
ordem do dia.
Durante a fase de fundação da Europa, encontravam-se em
concorrência duas concepções diversas. Nos anos 1950, na linha de
continuidade da polêmica fundamental sobre os limites da integra-
36
Frank R. pfetsch
ção, protagonizada no imediato pós-guerra pelos "federalistas" e
pelos "pragmáticos", tem-se uma situação nova. Como se disse
anteriormente, os pragmáticos acabaram por predominar, diante da
ameaça efetiva representada pelo expansionismo agressivo do comunismo na Europa oriental. O peso determinante no processo
decisório deslocou-se, pois, sobretudo no âmbito da Ceca, para o
lado dos políticos europeus pragmáticos, como Konrad Adenauer
ou Robert Schuman. Mesmo assim, ainda não se tinha uma decisão clara sobre a questão básica de até onde a integração dos
"Seis" deveria ir. A dificuldade maior para os governos e os Parlamentos estava no grau de renúncia aos direitos nacionais de soberania, como ficou evidenciado na rejeição da CED pela França.
Por princípio, a política alemã estava em uma situação toda
especial. Mesmo depois da suspensão do estatuto de país ocupado
no ano de 1952, a República Federal da Alemanha não chegou a
ser um Estado inteiramente soberano, pois dispunha de uma "autoridade plena" que excluía as questões de defesa e de emergência.
Como o fim da ocupação estava vinculado ao projeto da Comunidade Européia de Defesa, o malogro desta impôs que se encontrasse
um outro caminho para engajar a República Federal da Alemanha
no sistema de alianças ocidental.
A ação política externa de Konrad Adenauer esteve fortemente
orientada pela instituição de plena soberania. Havia, no entanto, na
política alemã e mesmo dentro do governo democrata-cristão, um
fosso de divergências, cujas bordas eram, de um lado, a visão de
Adenauer de uma "Europa ocidental política" e, de outro, a posição
de Erhard de uma "grande Europa econômica". Konrad Adenauer
(1876-1967), chanceler federal alemão a partir de 1949 e acumulando as funções de ministro das Relações Exteriores de 1951 a
1955, defendia uma Europa politicamente integrada em torno do
eixo Bonn-Paris. O fracasso da CED fez essa política sofrer um
sério revés. Apenas um mês após a Assembléia Nacional francesa
ter-se recusado a tratar da CED, tiveram lugar, essencialmente por
insistência de Adenauer, duas conferências: a primeira em Londres
(de 28 de setembro a 3 de outubro de 1954) e a segunda em Paris
(de 9 a 23 de outubro de 1954), nas quais o Pacto de Bruxelas
evoluiu para a União da Europa Ocidental (UEO), com a inclusão
da Alemanha Federal e da Itália. Estava dado assim o primeiro
A União Européia
37
passo para a admissão da Alemanha Federal na Otan. A Alemanha
Federal aceitou determinadas restrições a seu rearmamento e renunciou à produção de armas atômicas, biológicas e químicas. O pacote
completo, também conhecido como "Tratados de Paris", entrou em
vigor em 5 de maio de 1955. Sua conseqüência imediata foi o restabelecimento da soberania da República Federal da Alemanha nos
termos do direito internacional público (com uma exceção: a permanência de tropas aliadas em seu território). Os Tratados de Paris
foram a realização dos objetivos de Adenauer: uma Europa ocidental politicamente integrada, cujo cerne era franco-alemão.
Diversamente de Konrad Adenauer, Ludwig Erhard (1897-1977),
ministro da Economia da Alemanha Federal de 1949 a 1963, defendia um "projeto europeu global [...] de liberalização das relações econômicas externas" (cf. Pfetsch, 1993: 159-161). Esse lema
comercial da Escola de Friburgo do liberalismo econômico (ardo)
não se coadunava com uma integração econômica baseada inicialmente apenas em seis Estados. Para Erhard (1994: 9): "A situação
da Alemanha caracteriza-se, ademais, por necessitar de parcerias
comerciais com todos os países. Não nos podemos contentar com o
regionalismo, por amplo que seja".
Enquanto o Plano MarshaIl, o Gatt (General Agreement on Tariffs and Trade), o Fundo Monetário Internacional ou o Banco
Mundial foram criados como instituições abertas universais, a Europa dos Seis não havia sido pensada para crescer depressa ou para
incluir muitos outros. Erhard, especialista em política econômica,
sustentava, no entanto, o primado da economia:
Do meu ponto de vista fica claro porém que não me inclino a
ver na Europa o fim último e absoluto da ordem econômica.
Aqui distinguem-se a política econômica e a política exterior.
Para mim, a integração é apenas uma etapa, visível a olho nu,
na qual se deve buscar a superação de todas as restrições ao
comércio internacional. [...) Se tivermos a esperança de que
nossos esforços pela integração econômica do continente sejam
o primeiro passo para chegarmos igualmente, em tempo h<Íbil,a
formas políticas comuns, então o espírito que inspira a ordem
econômica européia será determinante também de uma política
comum (Erhard, 1957: 309).
38
Frank R. PFetsch
A União Européia
As idéias de Erhard tiveram, na Europa ocidental, apoio dos
governos da Inglaterra, dos países escandinavos e das repúblicas
alpinas neutras (Áustria, Suíça). No entanto, quando a Inglaterra, a
Noruega, a Áustria, a Suécia e a Suíça constituíram, em maio de
1960, a Associação Européia de Livre-Comércio (AELC/Efta), a
integração dos países da Ceca com a Comunidade Econômica Européia já tinha tomado outro caminho. Desde o fracasso da CED,
as negociações dos Tratados de Paris acerca do estatuto da Alemanha e diversas iniciativas da Ceca buscaram relançar o movimento
europeu - a assim chamada relance européenne. Fiel à ortodoxia
do movimento econômico liberal (Ordo), o ministro holandês do
Exterior, Johan W. Beyen, afirmava em 1955:
com maior dinamismo. Os Tratados de Roma haviam criado uma
comunidade econômica que abrangia muitos setores, diferentemente
do que acontecia com a indústria pesada ou atômica (a Euratom
ocupava-se sobretudo do uso pacífico da energia nuclear). A união
aduaneira instituída ao mesmo tempo liberalizou a maior parte do
comércio intracomunitário e construiu gradativamente uma barreira
alfandegária contra o resto do mundo (diversamente do que veio a
fazer, dois anos mais tarde, a zona de livre-comércio Efta).
O preâmbulo do tratado da CEE enuncia os objetivos da Comunidade: a integração sempre maior dos povos europeus, a meta
do progresso econômico e social, a melhoria das condições de vida
e de trabalho, a unificação e o desenvolvimento harmonioso das
economias, assim como a preservação e a consolidação da paz pela
aliança do poderio econômico. Como tarefas programáticas da
CEE foram estabelecidas a criação de um mercado comum no prazo de doze anos e a harmonização gradativa da política econômica
dos Estados-membros. Além da criação do mercado comum, foram
adotadas diversas medidas que aboliram obstáculos à livre circulação de pessoas, capitais e serviços entre os Estados-membros e
iniciadas as políticas comuns na agricultura, na concorrência e nos
transportes. Foram criados os seguintes organismos comunitários:
o Parlamento Europeu, o Conselho, a Comissão Européia, o Tribunal Europeu de Justiça, a Comissão Econômica e Social e o Tribunal
de Contas Europeu (cujas características serão tratadas mais adiante,
no capítulo sobre as instituições).
As declarações de intenção dos seis Estados-membros da Comunidade implicaram, em vários campos da política, um grau de
integração que requeria restrições aos direitos de soberania dos
Estados nacionais. Na pessoa do general De Gaulle, de retorno à
cena política desde fins de 1958, com a V República, a França elevou-se veementemente contra qualquer diminuição de seus instrumentos de poder. De Gaulle praticava a política de uma união
européia de Estados, cuja intenção era fazer recuar as ambições
supra-estatais. Para a prossecução de seus fins, De Gaulle não hesitava em utilizar as instituições européias. Em particular, opôs-se
à federalização, à renúncia à soberania e à admissão da Inglaterra
na Comunidade.
Se quisermos chegar à integração política, precisamos abordar o
problema desde o ângulo da economia global, pois é o poderio
econômico que viabiliza a infra-estrutura necessária à manutenção da unidade política da Europa (citado segundo Gasteyger,
1994: 150-151).
Os critérios da união aduaneira e de uma organização destinada à produção e à utilização de energia nuclear, a serem examinados pela cúpula de governos em 1957, foram encomendados ao
ministro belga do Exterior, Paul Henri Spaak (1899-1972), que
chefiou igualmente de 1950 a 1955 o Conselho Internacional do
Movimento Europeu. As negociações, que reuniram especialistas
em economia e representantes da OEEC e do Conselho da Europa,
foram concluídas em Paris em fevereiro de 1957. Os tratados já
haviam sido elaborados e firmados em Messina, na Sicília, em 1955.
A assinatura dos tratados de fundação da Comunidade Européia do
Átomo (Euratom) e da Comunidade Econômica Européia (CEE)
foi efetivada em 25 de março de 1957, em Roma. Desde então,
esses documentos são conhecidos como os "Tratados de Roma".
1.4 Fase de consolidação e de crise (1958-1969)
Quando os Tratados de Roma entraram em vigor, em janeiro
de 1958, já existiam a Ceca, a Euratom e a CEE, conhecidas como
Comunidades Européias. Destas, foi a CEE que se desenvolveu
39
40
Frank R. Pfetsch
Uma conferência de cúpula em Bonn, em julho de 1961, confiou a uma comissão presidida pelo francês Christian Fouchet
(1911-1974) a tarefa de elaborar um plano de expansão da integração política. O primeiro Plano Fouchet, de 2 de novembro de 1961,
previa uma "união de Estados" (Zl1IiOIl d'États) baseada no "respeito à personalidade dos povos e dos Estados-membros". A união
seria, pois, uma aliança de países independentes, sem instituições
jurídicas próprias. As instituições previstas pelo Plano Fouchet I eram
um Conselho composto pelos chefes de governo, uma Assembléia
Parlamentar européia e uma Comissão, com atribuições meramente
administrativas, sediada em Paris. A competência da união incluiria
política exterior, segurança e defesa, nos campos em que o interesse
fosse comum. Ademais, pertenceria à competência da união promover a cooperação científica e cultural bem como a política de
defesa dos direitos humanos, das liberdades fundamentais e da democracia.
O Plano Fouchet I provocou fortes objeções, sobretudo quanto
à supranacionalidade anunciada, quanto à política comum de defesa e quanto à adesão da Inglaterra às Comunidades (cf. Masc1et,
1994: 41).
- Com respeito à supranacionalidade, advertiu-se quanto à falta de
especificação da transição parcial para a regra da decisão por maioria. Ela não deveria conduzir a uma revisão dos Tratados de
Roma, de acordo com as críticas da Assembléia Européia. Para enfatizar as intenções do projeto de Fouchet, fez-se a proposta de rebatizar a "União dos Estados" em "União dos Povos".
- No caso da política de defesa, havia conflitos crassos com a realidade existente na Otan e na UEO. A Holanda, em particular, exprimiu seu receio de que a Otan pudesse ser enfraquecida pelo
plano.
- Em agosto de 1961, a Inglaterra havia apresentado o requerimento
de adesão às Comunidades, logo seguida pela Dinamarca, Noruega
e Irlanda. Por causa da posição da Inglaterra na Commonwealth e
de sua relação privilegiada com os Estados Unidos, ressurgiu o
conflito entre a concepção de uma zona de comércio para além do
continente europeu e a de uma Europa politicamente integrada.
A União Européia
41
A situação complicou-se ainda mais por causa da posição algo
ambígua da França, que defendia a supranacionalidade na versão
de Fouchet, mas que, por outro lado, com De GaulIe, tendia a preservar uma grande fatia de política nacional independente. Durante
os debates sobre o Fouchet I, a Bélgica e a Holanda defenderam
um sistema mais liberal, com a participação da Inglaterra, e opuseram-se à criação de uma secretaria da "União dos Estados", peçamestra da supranacionalidade. É certo que o medo de uma hegemonia
franco-alemã na Europa dos Seis desempenhou, aqui, um certo papel.
Esse receio não era de todo injustificado, como demonstrou a brusca interrupção das negociações em torno da adesão da Inglaterra,
provocada por De GauIle em 14 de janeiro de 1963. Quase ao mesmo
tempo, em 22 de janeiro de 1963, De GauIle promoveu assinatura
do tratado de amizade franco-alemão, no qual uma vez mais se
reforçava o princípio da soberania nacional dos Estados.
O Plano Fouchet 11, divulgado em 18 de janeiro de 1962, levava em conta as críticas ao Fouchet I e especificava as políticas que
estariam na competência da nova união. Enquanto a política de
defesa continuava vaga, pois continuava-se a não mencionar a
Otan, as políticas exterior, econômica e cultural foram explicitamente mencionadas no planejamento. As demais modificações,
como a proposta de um Comitê de Ministros, além do Conselho de
Chefes de Governo, ou o abandono do fortalecimento do Parlamento Europeu, inicialmente proposto, não bastavam para compensar as profundas divergências entre os seis Estados-membros.
Os planos Fouchet acabaram dando em nada.
Enquanto os planos Fouchet tratavam do futuro das Comunidades Européias, a política agrícola constituiu um campo concreto
no cenário político no qual as posições básicas - integração verslIs
soberania nacional - se confrontaram. A abrangência e o alcance
da política agrícola comum (PAC) decidida em 14 de janeiro de
1962 nunca puderam ser resolvidos de forma consensual, como,
por exemplo, para a garantia comum de preços mínimos. Em 1965,
a agenda do Conselho de Ministros previa a passagem do princípio
das decisões por unanimidade para o da maioria. No conjunto de
dezessete votos no Conselho (F 4; RFA 4; 14; B 2; H 2; L 1), doze,
isto é, a maioria de dois terços, deveriam bastar para decidir. Outras
42
Frank R. pfetsch
1.2
QUADRO
Metas e objetivos da CE
Melhoria do nível de vida
Pleno emprego
Expansão econômica
pesquisa e difusão dos
conhecimentos
normas
unificadas
de
segurança
fomento
dos investi·
mentos
abastecimento de mine·
rais e combustíveis
controles
exercfcio do direito de
propriedade
bustíveis
Ceca
CEE
Euratom/CEA
Fomento da indústria nuclear
mediante:
dos
Criação de um mercado co·
mum mediante:
Distribuição
racional
dos bens mediante:
•
•
•
supressão
aduaneiras
das
tarifas
e das restri·
ções
quantitativas
e
equivalentes
adoção de tarifas adua·
neiras comuns
politica comum
mércio exterior
de co·
•
•
garantia da livre circulação de pessoas, capitais e
serviços
política agrícola comum
•
•
com·
criação de um mercado
comum de energia nu·
clear
•
política comum de trans·
portes
•
fomento das
exteriores
•
introdução de um sistema comunitário de con·
corrência
•
•
coordenação das políticas
econômicas nacionais
•
uniformização
relações
garantia do abaste·
cimento do mercado
comum com carvão
e aço
•
•
•
43
A União Européia
garantia
do
livre
acesso à p rod ução
regulação de preços
aumento da capaci·
dade de produção
melhoria
das condi·
ções de vida e de
trabalho dos traba·
Ihadores
fomento do comér·
cio
fomento
timentos
dos
inves-
legal
ao fortalecimento das instituições comunitárias, em detrimento dos
Estados-membros, no que ficou conhecido como a "política da
cadeira vazia". Essa política queria demonstrar e reiterar que a
França não estava disposta a renunciar a seus direitos soberanos.
A política da cadeira vazia foi praticada por De Gaulle até o
assim chamado Compromisso de Luxemburgo, de 30 de janeiro de
1966. O Compromisso previa que, doravante, em todas as questões
consideradas essenciais para uma nação (intérêts tres importants),
os debates continuariam até que se pudesse tomar uma decisão
unânime. A partir de então, o Conselho de Ministros praticamente
deixou de tomar decisões por maioria. As atividades da Comunidade voltaram, no entanto, ao normal. Em 1 de julho de 1967,
a fusão das três comunidades, CEE, Euratom e Ceca, decidida em
1965, efetivou-se na Comunidade Européia. As metas e objetivos
da Comunidade Européia estão resumidos no quadro 1.2.
Comparativamente, o processo de unificação da Comunidade
Européia passou o pior momento de sua história a partir de 1962
(Plano Fouchet lI). Masc1et (1994: 62) descreve o período de
1962 a 1969 como "a etapa mais decepcionante de seu itinerário"
de integração. A França só veio a modificar sua posição após a
renúncia do general De Gaulle ao mandato de presidente da República, em abril de 1969. Em maio de 1967, De Gaulle vetara uma
vez mais a entrada da Inglaterra na CE. Mais tarde, ele chegou
mesmo a parecer disposto a sacrificar a Comunidade em benefício
de uma zona de livre-comércio e de uma união política de quatro
Estados: França, Alemanha, Itália e Inglaterra, malgrado sua concepção de uma Europa das pátrias.
Q
1.5 Ampliação
e estagnação
(1969-1985)
Fonte: Teske, 1990: 15.
proposições da comissão da CEE previam, ademais, que a Comunidade poderia vir a ter receita própria, para não depender exclusivamente das contribuições dos Estados-membros. Ambas as
propostas iam na direção de um projeto de comunidade cada vez
mais supranacional. A partir de 30 de julho de 1965, De Gaulle
passou a evitar sistematicamente as decisões que conduziriam
Em 1969, Charles de Gaulle deixou a cena política. Seu sucessor como presidente da República, Georges Pompidou, adotou uma
política européia mais moderada. O primeiro passo foi a desistência francesa de vetar a entrada da Inglaterra na CE e permitir que
outras iniciativas fossem adotadas na reunião dos chefes de Estado
e de governo em Haia, em dezembro de 1969. Isso ficou claro sobretudo na assim chamada primeira vaga de adesões, a partir de
44
Frank R. pfetsch
1973, que carreou para a CE a Inglaterra, a Dinamarca e a Irlanda.
Nos oito anos subseqüentes, a Comunidade compreendia, pois,
nove integrantes, até que a segunda vaga de adesões, nos anos
1980, promovesse a admissão da Grécia (1981), da Espanha e de
Portugal (1986).
A Cooperação Política Européia (CPE)
Também no campo da política exterior foram tomadas iniciativas. A reunião dos ministros do Exterior em 19 de novembro de
1966 tratou das possibilidades de uma cooperação política e lançou
as bases da CPE. Após o malogro de tentativas anteriores de uma
integração da política européia exterior e de defesa (CED, Planos
Fouchet), a CPE, na condição de cerne de uma política exterior
comum, tinha a despretensiosa meta de uma mera coordenação.
A evolução desse instrumento, concebido inicialmente como mecanismo de consulta, passou por Haia (dezembro de 1969), Paris
(outubro de 1972, projeto da "União Européia"), Copenhague (dezembro de 1973) e Londres (outubro de 1981).
Retrospectivamente, pode-se caracterizar a evolução da CPE
de duas formas. De um lado, a coordenação intensificou-se com
encontros cada vez mais freqüentes dos ministros do Exterior e
mesmo dos chefes de governo. De outro, a CPE foi sendo ampliada, ao longo dos anos, incluindo a política de segurança. Os mecanismos de funcionamento da CPE foram consagrados no Relatório
de Luxemburgo, elaborado pelo diplomata belga Étienne Davignon
por determinação dos ministros do Exterior dos Seis, também conhecido como Relatório Davignon e publicado em 20 de julho de
1970. As posições comuns em questões de relevância deveriam
doravante ser acertadas em consultas regulares. Essas posições
foram, a partir de então, definidas de comum acordo: as relações
com os Estados Unidos, o conflito no Oriente Médio, o diálogo
Europa-mundo árabe, as sessões da Conferência para Segurança e
Cooperação na Europa (CSCE), as relações econômicas entre Leste
e ,oeste, a política mediterrânea e a cooperação com os países ACP
(Africa, Caribe, Pacífico).
A União Européia
45
No quadro do Ato Único Europeu (AUE), a CPE foi inscrita
em 1986, nos tratados, como política externa e de segurança comum (Pesc). Ainda hoje as abreviaturas CPE e Pesc continuam a
ser utilizadas por vezes em paralelo. Nos anos 1970, a CPE pôde
utilizar com eficiência e êxito a estrutura dos ministérios do Exterior para realizar a CSCE e para definir as posições comuns em
questões internacionais. Na perspectiva de hoje, ela pode ser entendida como um elemento flexível de coordenação e harmonização das posições em questões de política externa. No entanto, a
CPE mostrou-se menos eficiente na gerência das crises. Uma análise histórica e institucional mais aprofundada da CPE encontra-se
no Capítulo 5 ("Políticas públicas").
Ampliação gradual da Comunidade Européia
A primeira vaga de ampliação em 1973 foi um marco na história das Comunidades Européias. A Inglaterra foi sem dúvida o país
de maior importância a aderir. Para o Reino Unido, a CE era interessante sobretudo por significar uma expansão do campo de sua
atuação política. No Livro branco sobre a adesão à Comullic!ade
Européia, em 1971 (ill Gasteyger, 1990: 289-293), o governo britânico publicou os argumentos apresentados 110 requerimento de
adesão. Entre eles, o interesse comum dos Estados-membros da CE
na segurança externa, na economia e no social. De acordo com seus
redatores, o poder e a influência de uma Comunidade Européia
ampliada seriam maiores que os de cada país separadamente. O desenvolvimento dos procedimentos comunitários também para as questões
de política exterior era apresentado como uma das metas da
Comunidade Européia que a Inglaterra não tencionava seguir
incondicionalmente. Nesse momento, as regras previstas pela UEO
representam o ponto máximo a que o governo britânico estava disposto a chegar. Também quanto à união econômica e monetária,
o Livro branco sobre a adesão deixava abertas todas as opções
futuras:
Mesmo se não aderirmos, nada impedirá que a Comunidade dos
.Seis progrida tanto no campo econômico como no político.
46
Frank R. pfetsch
Com isso, as opções que restarão aos governos futuros estarão
limitadas sem que tenham qualquer possibilidade de participar
do processo decisório (Arquivo Europeu, 1971: D 360).
Algumas partes do Livro branco inglês constituem ainda hoje
uma análise da Comunidade Européia digna de ser lida. Seus autores estavam diante da difícil tarefa de justificar, para uma cultura
jurídica desenvolvida ao longo de séculos e que produzira igualmente uma compreensão própria da política, o ingresso em uma
construção já parcialmente supranacional (cf. Fetscher, 1968). Para
revidar o principal argumento dos opositores britânicos à adesão, o
Livro branco remetia ao Compromisso de Luxemburgo, segundo
o qual as decisões em questões consideradas de interesse nacional
vital somente poderiam ser tomadas unanimemente. Apesar da
competência do Tribunal Europeu de Justiça em questões de direito
comunitário, afirmava-se a continuidade da vigência da commOl1
lawe do habeas cO/pus. Insistia-se também que a adesão continuada às cláusulas dos Tratados de Roma era voluntária.
Ainda antes de seu ingresso na CE, a Inglaterra reafirmou
expressamente suas reservas quanto à ampliação da tendência integracionista. Mesmo assim, a adesão da Inglaterra tinha motivos
sobretudo econômicos. Enquanto os objetivos políticos foram tratados de forma genérica, as metas econômicas foram expressas com
toda clareza:
Os custos da adesão à Comunidade - tal como apresentados no
Livro branco - são o preço que se teria de pagar para obter
vantagens políticas e econômicas. Essas vantagens mais do que
compensariam os custos, desde que saibamos aproveitar as
possibilidades de um mercado interno muito maior que se abrirá.
Se o fizermos, alcançaremos o que os Seis já conseguiram desde a
fundação da Comunidade: substancial incremento do comércio,
estímulo para o crescimento e para os investimentos, aumento
real dos salários e do nível de vida, mais do que nos últimos
anos ou que seria possível se ficarmos fora da Comunidade
(Arquivo Europeu, 1971: D 363).
A Inglaterra passou a ver os interesses comuns dos países da
CE em comparação com a rápida diminuição de sua influência na
A União Européia
47
Commonwealth. Só nos anos 1960 Chipre, Jamaica, Trinidad e
Tobago, Rodésia, Nigéria, Serra Leoa, 1!ganda, Quênia e Gâmbia
declararam independência. Também na Asia central e no Sudoeste
asiático a Inglaterra abandonara praticamente todos os seus protetorados. Já nos anos 1970 o volume das exportações do Reino
Unido - sempre de acordo com o Livro branco - para os Estadosmembros da CE era maior do que para os países da Commonwealth. Era preciso ser adivinho para nutrir a expectativa de uma
expansão adicional do comércio. A esperada integração dos. mercados comunitários representava igualmente uma oportull1~~de
ímpar de recuperar a importância cadente da Inglaterra na pO~It1Ca
comercial que, vista da perspectiva histórica, provavelmente nao se
repetiria.
Com a adesão da Dinamarca, da Irlanda e da Inglaterra, em
1º de janeiro de 1973, a Europa dos Seis tornava-se a Europa d~)s
Nove. Também a Noruega teria querido aderir, mas a populaçao
norueguesa manifestou-se~ no. pl~biscito de setet.?bro de 197~,
contra o ingresso na CE. A pnmeIra vaga de adesoes logo segUiu
nova série de negociações acerca da ampliação da CE, des.sa vez
em direção à Europa do sul, notadamente com o restabelec1l11el~to
da república na Grécia, em 1974. Cerca de três anos_ de nego~I~ções depois, em 1979, foi assinado o tratado de ~de~ao da GreCIa
à Comunidade, quando as negociações para a admIssao de Port~g:11
e da Espanha já se encontravam em curso. ~ tra.tado ~o.m a GrecIa
entrou em vigor em 1981. O discurso do pnmeIro-mll1Istro greg~,
Constantino Caramanlis, deixou claro que a motivação pa:a :ldenr
era fortemente política, mas também econômica, o que valIa Igualmente para os demais candidatos da Europa do sul.
A Grécia adere à Europa convencida de que a s~lida:iedad~ européia representa para todas a~ partes. a consolJdaçao ~a. Independência nacional, a ~arantIa da !lb~rdade democratlca, a
aceleração do desenvolVImentoeco_nomlco.e o progresso. ec?nômico e social mediante cooperaçao multI1~te:aI.(...] ? Isol~lcionismo, as barreiras aduaneiras e a autarqUla,~nalcanç,:ve~sao
fases historicamente ultrapassadas da ação polJtl~o-ec~nomlcae
constituem uma forma passiva de contrapor-se a !"ealJdade.Os
problemas atuais da Europa e de toda a humal1ld~depressupõem a lógica dos grandes espaços e do~ wandes nu~eros para
serem corretamente solucionados. As dIficuldades nao podem
48
Frank R. Pfetsch
se; .superadas por isolacionismos concorrentes, mas, pelo contra!"lO,somente pela aceleração do processo de unificação (ArqUIvo Europeu, 1979: D 456).
Enquanto o Livro branco britânico havia sido concebido como
defes.a da decisão desejada pelo governo, a proclamação de Caramanhs assume um tom bem mais eufórico: a unificação da Europa
er~, a se~,.ver, "o ~a!or acontecimento da história do nosso continente , 9ue mfluencIara.a evolução de toda a humanidade". A Grécia,
contInuava C:arama~hs, estava decidida a "empreender as mudanç.as ~,~trutu:aIs_e as Inovações institucionais" que fossem necessánas .a reahzaçao da idéia de uma Europa unificada" (in Gasteyger,
1994. 296). En~en~endo-se, na Comunidade Européia, como mediadora para os Balcas .e para o espaço do Mediterrâneo, como "posto
avançado da fronteIra européia", como "balcão mediterrâneo do
mer~ado comum", a Grécia poderia contribuir, com sua grande
mannha mercante, para a "promoção da idéia de Europa".
Política monetária
, A CED, .os Planos Fouchet de união política ou em parte tambem a CP~ ,tInham em comum. um mesmo modelo. Os esforços de
alguns, ~ohtIcos europeus pela mtegração em determinados campos
da pohtIca foram coroados por decisões comuns, mas acabaram por
fracassar por caus.a .de certos governos, que não estavam dispostos
a dar o, ~asso decI~I~o da renúncia à soberania nacional. O campo
da pohtIca, monetana, no qual o espaço de decisão mesmo dos
~randes pmses da CE estava-se reduzindo por causa da crescente
mterdependência do capital internacional, definiu-se no final dos
anos ~960 como um setor novo da política européia, em que se
podena aprofundar a integração.
O assi~ ~hamado Plano Barre de 1969 foi o precursor do grupo. de .espec.Ia!Istas que se constituiu, em 1970, sob a presidência do
pn.~eIro-m!lll~tro luxem~u:guês Pierre Werner, para planejar a
uma~ e~on~mIca e monetana. O Plano Werner previa uma política
economIca Integrada como pressuposto de uma política monetária
co?!um, ~u.e se tornaria, após um período de transição, o cerne da
ullla~ P?htIca. O plano sintetizava diversas concepções de política
economIca (cf. Gaddum, 1994: 195):
A União Européia
49
- uma posição "econômica", representada sobretudo pela Alemanha e pela Holanda, que previa uma aproximação gradativa das
políticas econômicas nacionais como pressuposto de uma política
econômica e monetária comum ("teoria do coroamento", pois a
política comum seria o coroamento da convergência de princípios
anteriormente obtida);
- a França e a Bélgica esperavam que taxas fixas de câmbio fizessem pressão sobre a economia ("teoria da locomotiva").
o
Plano Werner foi adotado pelo Conselho da Europa, em
1971, sob a forma de uma variante diluída, que apenas recomendava a coordenação das políticas monetária e orçamentária. Em 1972,
os Seis - o ingresso dos novos membros só ocorreu em 1973 deliberaram criar o sistema monetário europeu, também conhecido
como "serpente monetária". Desde 1944 estava em vigor o sistema
monetário internacional de Bretton Woods, nome de uma pequena
localidade no nordeste dos Estados Unidos. De acordo com o sistema de Bretton Woods, a moeda-padrão mundial era o dólar americano, lastreado em ouro. Por diversas razões (dentre as quais o
crescente déficit comercial dos Estados Unidos e a vulnerabilidade
das economias nacionais à inflação importada), o sistema de Bretton
Woods e o princípio do lastro em ouro caíram rapidamente em
descrédito já no fim dos anos 1960. Ao desmoronar, em 1973, o
sistema monetário internacional causou dificuldades imprevistas
para a "serpente monetária". A banda de variação de 2,25% havia
sido projetada dentro do sistema de Bretton Woods, que previa um
índice de variação das diversas moedas de apenas 1% com relação
ao dólar americano. Com o abandono de Bretton Woods, as diversas moedas passaram a "flutuar" com relação ao dólar americano,
ou seja, passou a vigorar um sistema de taxas de câmbio flexíveis.
Com o desaparecimento da moeda-padrão, desapareceu também a
âncora de estabilização das paridades entre as moedas da CE entre
si, com o que rapidamente se evidenciou que a banda de 2,25% era
demasiado estreita. As novas inseguranças foram acentuadas pelo
choque do aumento brutal do preço do petróleo em 1973, ao qual
os países reagiram de forma muito diferente, induzindo-os a taxas
de inflação extremamente divergentes.
50
Frank R. pfetsch
A União Européia
51
Os novos membros da CE, Inglaterra e Irlanda, assim como a
Itália, ficaram fora da "serpente monetária". Depois de certo tempo,
só a Dinamarca, os Estados do Benelux e a Alemanha participavam
ainda da "serpente". O objetivo da união monetária, que obviamente não se conseguiu alcançar, foi cancelado em uma decisão
dos chefes de Estado e de governo em 1974. De forma algo mais
sutil do que nas tentativas anteriores, ficou claro, uma vez mais,
que faltou disposição aos governos nacionais para avançar no
processo de integração. Na "serpente monetária" permaneceram
apenas os países que se encontravam direta (Alemanha) ou indiretamente (Dinamarca, Benelux) na esfera de influência do Banco
Central Alemão. Como os governos desses países só podiam interferir limitadamente na política monetária, a "serpente monetária"
não significava abandono de qualquer tipo de competência. A deliberação de 1972, com base na variante diluída do Plano Werner, de
transformar o conjunto das diversas relações existentes em uma
união econômica e monetária até o fim da década, acabou reduzida
a uma política de meras declarações, por força da atitude reservada
da maioria dos Estados.
O denominador comum da fixação das paridades foi a recémcriada unidade monetária européia ECU (European Currency
Uni!). A ECU, semelhantemente ao direito especial de saque do
Fundo Monetário Internacional, é equivalente a uma cesta contendo
determinados valores fixos das moedas dos países da CE. A participação respectiva foi estabelecida com base na capacidade econômica e no desempenho do comércio exterior de cada país.
Modificações ou ajustes das paridades na cesta de moedas do
SME só podiam ser efetuados após deliberação comum no Conselho de Ministros. As diversas moedas oscilam dentro de certa tolerância. Ultrapassados determinados limites, os bancos centrais estão
obrigados a intervir. Essa política de intervenções devia manter a
flutuação do mercado de divisas dentro da banda de oscilação
(regra geral 2,25% da taxa fixa da ECU; a Inglaterra, a Itália e a
Espanha foram beneficiadas temporariamente com margens excepcionais de até 6%). O sistema de intervenções do SME entrou em
vigor em março de 1979, com efeito retroativo a 1º de janeiro, e
continua funcionando, embora com uma margem de 15% desde
1993. A união econômica e monetária montada nos anos 1990 é
Em 1978, o chanceler federal alemão Helmut Schmidt (nascido em 1918) e o presidente francês Valéry Giscard d'Estaing
(nascido em 1924) tomaram, na reunião dos chefes de Estado e de
governo, a iniciativa de criar o sistema monetário europeu. Diversamente da "serpente monetária", que era em princípio aberta, o
SME era um sistema restrito aos países da CE, de paridades fixas,
mas adaptáveis, entre as moedas.
examinada em pormenor no Capítulo 5 ("Políticas públicas").
A política monetária dos anos 1970 mostrou, com o malogro
da "serpente monetária" e do Plano Werner, que ainda não era chegado o tempo de uma integração maior no plano da política econômica e monetária. Alguns progressos parciais foram realizados por
meio de acertos institucionais, sem conseqüências políticas diretas.
TABEU1.2
Composição da ECU (Europeull Currellcy UIli! - Unidade
Monetária Européia) na entrada em vigor do SME (13/3/1979).
Composição da cesta de moedas (em %) e contravalor de uma
ECU em 13/3/1979
libra
libra
franco
lira
39
39
f10rim
Moeda
marco
luxemirlanfranco
franco
francês
italiana
holandês
dinamarauesa
0,66
coroa
3,1
9,5
19,9
1,1
9,2
1,148
5,80
7,09
2,72
0,4
10,5
desa
0,66
13,4
32,9
inglesa
belga
2,1
Progresso ins!itucional e euroesclerose
Os chefes de Estado e de governo decidiram, em 10 de dezembro
de 1974, em Paris, que se reuniriam regularmente a cada seis meses.
As reuniões de cúpula dos chefes de Estado e de governo passariam
a chamar-se doravante "Conselho Europeu". A presidência desse
grêmio deveria ser exerci da em rodízio semestral. O Conselho Europeu tornou-se promotor do desenvolvimento ulterior das instituições européias e referencial para as posições políticas dos governos
dos diversos Estados-membros. Uma evolução gradual do Compromisso de Luxemburgo acabou conduzindo à adoção parcial da
52
Frank R. pfetsch
deliberação por maioria. A unanimidade continuou requerida para
as questões vitais que fossem do interesse nacional dos Estadosmembros. A cúpula de Paris decidiu também pela eleição direta do
Parlamento Europeu (até então os deputados eram designados pelos
parlamentos nacionais).
Com a constituição de um grupo de trabalho sob a coordenação do primeiro-ministro belga Leo Tindemans (nascido em 1922),
a cúpula de Paris deu novo impulso à união política. O Relatório
Tindemans de 1975, em comparação com seus predecessores
malogrados, apresentou propostas pragmáticas. Sem fornecer um
projeto final integralmente elaborado, o Relatório Tindemans propôs a substituição da cooperação dos países integrantes da CPE por
uma política exterior comum. Para contornar os previsíveis bloqueios das decisões, Tindemans previu uma transição para a decisão por maioria também no Conselho de Ministros. O Relatório
não teve efeitos imediatos, pois o Conselho Europeu não adotou
suas conclusões.
Esse novo malogro "frio" de uma iniciativa fomentadora de
integração evidenciou a aparente imunidade da política comunitária contra tentativas de aprofundamento. De meados dos anos 1970
até a segunda metade dos anos 1980, tornou-se corrente falar de
uma "euroesclerose". A esclerose (rigidez doentia) resultou em parte
da própria ampliação. Tanto a Inglaterra quanto a Dinamarca não
esconderam, em momento algum, que se oporiam a qualquer projeto maior de federalização. A persistência do Compromisso de
Luxemburgo protegeu as instituições existentes de acertos que
conduzissem a uma integração maior.
Como o exemplo da Grécia mostrou, os requerimentos de adesão no final dos anos 1970, por parte dos países meridionais, tinham motivação sobretudo política. A transição para a democracia
após a supressão dos regimes autoritários tinha de ser assegurada e
rapidamente consolidada. À discrepância dos indicadores econômicos entre os "Nove", parcialmente devida ao choque do petróleo
de 1974, acrescentou-se a partir de 1981 também um desequilíbrio
entre o norte e o sul da CE.
A euroesclerose atacou principalmente as políticas públicas
que já conheciam alguma integração e menos os setores totalmente
novos. A política agrária provocou controvérsias cada vez mais
A União Européia
53
freqüentes. As negociações em torno do orçamento tornaram-se
cada vez mais difíceis e eram constantemente complicadas por
reclamações da Inglaterra. A união econômica parou de avançar.
Outras políticas públicas, como transporte, indústria ou desenvolvimento regional, também se paralisaram. À "rigidez" que contaminou esses setores contrapuseram-se inovações institucionais em
outros campos: o Conselho Europeu foi erigido em instância diretora; a eleição direta do Parlamento Europeu; o SME foi criado
como substituto da impossível união monetária.
Nos campos em que uma transferência de competências nacionais para os organismos comunitários seria realmente necessária
não aconteceu praticamente nada na década de 1970. A CPE
tinha pés de barro e dependia da boa vontade de cada Estadomembro. A continuidade da integração econômica teve de esperar
até a proposta de implantação do mercado interno, em 1985, por
Jacques Delors. A solene declaração de 1972, de transformar a
Comunidade em uma União Européia até o final da década, só foi
levada a efeito no início dos anos 1990, com os Tratados de
Maastricht.
1.6 Novo impulso (a partir de 1986)
A fase da euroesclerose e da inevitável estagnação foi superada pela adoção do Ato Único Europeu (AUE). Esse tratado, firmado em 28 de fevereiro de 1986 e que entrou em vigor em 1987,
pode ser considerado como a base dos Tratados de Maastricht de
1992 e da terceira vaga de adesões de 1995, com a admissão da
Suécia, da Áustria e da Finlândia. O AUE manteve a coordenação
intergovernamental da política externa e de outros campos da política: o Conselho Europeu, por exemplo, continuou sem poder firmar acordos internacionais. A CPE e o Conselho Europeu
ganharam, contudo, com o AUE, seu fundamento jurídico.
O novo impulso de integração já se delineava desde o início
dos anos 1980. Uma iniciativa conjunta dos ministros do Exterior
alemão Hans-Dietrich Genscher (nascido em 1927) e italiano Emilia Colombo (nascido em 1920), em 1981, propusera o fortalecimento da CPE (Iniciativa Genscher-Colombo). Cerca de dois anos
54
A União Européia
Frank R. PFetsch
depois, a reunião do Conselho Europeu em Stuttgart, durante a qual
os então dez Estados-membros reiteraram a meta de uma Europa
unificada, produziu a "Declaração Solene sobre a União Européia".
Uma comissão sob a presidência do irlandês Iren James Dooge
recebeu a tarefa de planejar a reforma das instituições européias.
O Relatório Dooge, apresentado ao Conselho Europeu em 1984,
não caiu em esquecimento, como ocorrera com boa parte de seus
predecessores. O relatório final de março de 1985 veio a tornar-se
a base das negociações do Ato Único Europeu (AUE).
A iniciativa dos governos em direção do AVE foi acompanhada
de uma outra também do Parlamento Europeu. Uma Comissão
Parlamentar sob a presidência do deputado italiano Altiero Spinelli
havia começado a preparar desde 1981 um projeto de tratado da
União Européia (cf. Toulemon, 1994: 58-60). Composto de 81
artigos, esse projeto foi votado pelo Parlamento Europeu, em fevereiro de 1984, como se tratasse de uma Assembléia Constituinte.
Ele previa - semelhantemente à CPE dos anos 1950 - a federalização da CE e a transferência de competências, sobretudo em política
externa e de defesa, para os organismos europeus. O Conselho Europeu e um Parlamento formariam, de acordo com esse projeto, o
Legislativo europeu. A Comissão, enquanto órgão executivo, seria
investida pelo Parlamento, como ocorre nos diversos Estados
nacionais.
Spinelli, que assumira o mandato de deputado europeu pela
lista dos comunistas italianos, previra também um mecanismo interessante para a ratificação do projeto que levou seu nome (cf.
Toulemon, 1994: 60). O projeto estaria aprovado se dois terços da
população de toda a Comunidade votasse "sim" em um referendo.
Os Estados cujos governos não aceitassem ratificar o tratado receberiam a proposta de um contrato de associação. Esse mecanismo
deveria evitar, de um lado, que um único país pudesse bloquear o
processo (pensava-se particularmente na Inglaterra) e, ele outro
lado, tencionava, mediante a legitimação pelo voto popular, impedir que ocorresse regressão no processo de integração e cooperação. Embora o projeto de Spinelli não tenha sido levado muito a
sério, teve a virtude de movimentar, às vésperas do AUE, com a
aprovação pelo Parlamento Europeu, o debate fundamental acerca
do futuro do processo de unificação européia.
55
O AUE entrou em vigor no dia 1º de julho de 1987. O teor do
tratado do AUE reflete a nova dimensão da integração política. No
preâmbulo fica estabelecido que a União Européia que se busca
está baseada "na totalidade das relações entre os Estados [europeus]". O "aprofundamento das políticas comuns" dá-se com consciência "de se engajar a falar sempre com uma só voz e a agir
unida e solidariamente". O objetivo da União Européia aparece
uma vez mais no artigo º:
1
ARTIGO1º AVE
As Comunidades Européias e a Cooperação Política Européia
têm por objetivo contribuir em conjunto para fazer progredir
concretamente a União Européia. [...]
O efeito integrador do Ato pode ser apreendido em três diferentes planos.
Em primeiro lugar, o AUE dá um novo impulso à política econômica da Comunidade. Um mercado comum deveria estar instalado até o final de 1992. A concepção desse mercado interno previa
quatro liberdades: de pessoas, de bens, de capital e de serviços.
A energia motara proveio do novo presidente da Comissão desele
janeiro de 1985, Jacques Delors. Para esse título do AUE, ele. fez
publicar em junho de 1985 um Livro branco contendo 276 medidas
relativas ao mercado interno, representando o roteiro para se chegar a esse mercado comum. Em princípio, o mercado interno requeria a ampliação da competência comunitária nos campos da
pesquisa e desenvolvimento (P&D), meio ambiente, política social,
política regional e política econômica e monetária. A dinâmica da
integração econômica ganhou notável impulso por causa da consciência intracomunitária crescente de que o desenvolvimento europeu estava ameaçado de ficar para trás em comparação com os
Estados Unidos e com o Japão. O Relatório Cecchini, encomendado pela Comissão em 1988, desempenhou aqui também um certo
papel. Esse relatório concluiu que a não-realização do mer~ado
interno acarretaria um crescimento menor, um desemprego maIOr e
inflação mais alta (the cost ojnon-Europe: o custo da não-Europa).
Em segundo lugar, o AUE induziu uma maior eficiência institucional dos organismos comunitários. Na maior parte das ques-
56
Frank R. pfetsch
tões relativas ao mercado interno, o Conselho de Ministros podia
decidir por maioria. As competências executivas da Comissão Européia foram ampliadas. Também ao Parlamento Europeu foram
reconhecidas mais prerrogativas do que até então. De um lado, de
acordo com o art. 8º do AVE, a admissão de novos membros e a
celebração de tratados internacionais (tratados de associação) passaram a depender da aprovação do Parlamento. De outro, aumentou a participação do Parlamento na adoção de normas de direito.
Para o campo de aplicação do mercado interno foi definido um
procedimento de colaboração entre o Executivo (Comissão e Conselho de Ministros) e o Legislativo, segundo o qual o Parlamento
poderia influenciar a adoção de normas de direito aplicáveis ao
mercado interno mediante dois turnos de votação (d. Schmuck,
1994: 189-190). De acordo com o texto do AVE, todavia, a maioria
do Conselho de Ministros poderia derrubar resoluções do Parlamento. O AVE criou ainda um "Tribunal de Primeira Instância da
CE" (Tribunal de Instância), vinculado ao Tribunal Europeu de
Justiça (TEJ), em outubro de 1988. A criação desse tribunal serviu
sobretudo para desafogar o TEJ, mas reforçou o objetivo de um
direito válido para toda a Europa em questões do mercado interno.
Por fim, o AVE reorganizou também a composição do Conselho
Europeu. A prática, existente de fato, de assegu,rar aos chefes de
governo a assistência dos ministros do Exterior e de um integrante
da Comissão, foi transformada em norma jurídica no art. 2º do AVE.
Em terceiro lugar, o AVE possibilitou que a integração fizesse
progressos 110 campo da política externa. As Declarações de Luxemburgo (Relatório Davignon, 1970), de Copenhague (2º Relatório
CPE de 1973) e de Londres (1981) foram inscritas como normas.
As questões de defesa foram mencionadas, pela primeira vez, em
um documento oficial europeu. Em Bruxelas foi criada, na presidência rotativa da CE, uma secretaria da CPE, de cuja atividade a
Comissão também participou.
O tratado do Ato Único Europeu foi o primeiro de uma série
de muitos outros passos concretos na via da integração. Em primeira linha foram as diversas iniciativas do presidente da Comissão,
Jacques Delors, nos mais diferentes campos da política, que prepararam as reformas institucionais. O Pacote Delors I, elaborado e
apresentado pela Comissão Européia em 1987, conduziu à reforma
A União Européia
57
da política agrária, à reformulação da política de infra-estrutura e à
reestruturação do orçamento. O pacote constituiu a ordem do dia
da sessão do Conselho Europeu em 11 e 12 de fevereiro de 1988
em Bruxelas. Para superar a crise financeira européia, deliberou-se
nessa reunião que os Estados-membros teriam de transferir para a
Comunidade, além de percentuais do imposto sobre o valor agregado e das receitas aduaneiras, 1,4% do produto interno bruto. As
despesas com agricultura foram limitadas em resolução do Conselho e o Fundo de Infra-estrutura foi recapitalizado.
Em junho de 1989 Jacques Delors apresentou um plano em
três etapas para implantar a união econômica e monetária determinada pelo AUE. O Conselho Europeu fixou a efetivação da primeira etapa da união monetária para o dia 1º de julho de 1990. Essa
fase (coordenação reforçada) deveria durar até a implantação do
mercado interno. A segunda fase (instalação do Banco Central Europeu) estava prevista para 1994-1996 e a terceira (efetivação da
união econômica e monetária) para 1997-1999. Também os critérios
de convergência, posteriormente inscritos nos Tratados de Maastricht,
já se encontravam esboçados no Relatório Delors (cf. Capítulo 5,
"Políticas públicas").
Como presidente da Comissão, Delors não estava sozinho em
seus esforços por levar adiante a unificação européia. Na primavera
de 1990, na seqüela das imensas mudanças por que passou a Europa depois da falência dos Estados socialistas do Centro e do Leste
europeu, a Alemanha e a França tomaram uma nova iniciativa de
"união política". O presidente francês François Mitterrand e o
chanceler federal alemão Helmut Kohl propuseram o fortalecimento
da legitimação democrática, instituições mais eficientes, unidade e
coerência das ações da União nos campos da economia e da moeda, assim como no da política externa e de segurança.
Em 19 de junho de 1990 foi assinado em Luxemburgo o segundo Acordo de Schengen - o primeiro datava de 1985 - pelo
qual se concretizou a livre circulação das pessoas mediante a supressão dos controles de identidade e das alfândegas nas fronteiras
internas. A Alemanha, a França e os países do Benelux foram os
primeiros signatários. Mais tarde aderiram ao acordo a Itália, a
Espanha e Portugal, logo seguidos pela Suécia, Dinamarca e Finlândia. O Acordo de Schengen definiu as medidas que os Estados
m
nça
58
Frank R. pfetsch
signatários tinham de adotar para a entrada em vigor das estipulações do tratado, que afinal se deu em 26 de março de 1995. Além
da supressão dos controles fronteiriços, o acordo previa uma maior
integração no campo da segurança interna, como, por exemplo, no
caso da política de migração e asilo, na luta contra o crime e as
drogas, na cooperação em questões de direito civil e penal, nas
investigações policiais e na colaboração aduaneira. A aplicação do
acordo em todos os Estados signatários encontra, todavia, ainda
hoje, dificuldades (cf. Capítulo 5, "Políticas públicas").
A sessão do Conselho Europeu em dezembro de 1990 em
Roma reafirmou uma vez mais a resolução geral de levar celeremente adiante a União Européia. Na primeira fase antes do Tratado
de Maastricht sobre a União Européia esboçavam-se duas concepções concorrentes da integração, conhecidas como o "esquema da
árvore" e o "esquema do templo". A Bélgica, a Holanda, a Alemanha
e a Itália queriam uma ampliação das competências dos organismos
comunitários com diferentes modalidades de decisão e execução.
FIGURA 1.1
As três colunas do Tratado de Maastricht (o "templo" da DE)
União Européia
Comunidades
justiça
interna
de
emPolítica
política
matéria
Pesc
CPU
exlerna
ee de
Cooperação
A União Européia
59
Tanto a política externa e de segurança quanto a política de
segurança interna deveriam integrar-se organicamente com instituições como a Comissão e o Parlamento, como se fossem os ramos de
uma árvore. As instituições comunitárias criadas pelos tratados
ganhariam significação maior em tal estrutura orgânica - nenhum
galho de árvore pode sobreviver, no longo prazo, separado do tronco.
Outros Estados-membros, como a França, a Inglaterra, a Dinamarca e os três países meridionais, Grécia, Espanha e Portugal,
preferiam a inclusão de novos campos da política segundo o modelo das colunas de um templo. A dimensão intergovernamental,
por exemplo, da política externa e de segurança prevalecia nessa
concepção. Nos resultados afinal fixados no Tratado de Maastricht,
a tendência dos "templários" ganhou da dos "botânicos". A União
Européia, tal como desenhada no Tratado de Maastricht firmado
após quase trinta anos de negociações em dezembro de 1991, pode
então ser representada graficamente sob a forma de um templo com
três colunas (cf. figura 1.1).
O Tratado da UE foi assinado em 7 de fevereiro de 1992. A ratificação pelos doze Estados-membros acabou sendo mais cheia de
obstáculos do que se pensava. Na Dinamarca, o povo recusou a
forma original dos Tratados de Maastricht em 2 de junho de 1992.
Só depois que algumas cláusulas especiais relativas à Dinamarca
foram incluídas no Tratado de União é que o povo dinamarquês o
aprovou, em um segundo referendo em maio de 1993 (cf. Capítulo 2:
"Os Estados da União Européia"). Mas ocorreram problemas também
no referendo francês e no processo de ratificáção na Câmara dos
Comuns britânica. A Alemanha foi o último país a ratificar o tratado, pois teve de esperar um acórdão do Tribunal Federal Constitucional, publicado apenas em 12 de outubro de 1993. O acórdão
enfatizou sobretudo a manutenção da autoridade do Parlamento
Federal nos procedimentos de transferência compulsória de soberania para os organismos comunitários, previstos pelos Tratados de
Maastricht. Os Tratados de Maastricht foram definitivamente ratificados pelo Parlamento Federal alemão em 1º de novembro de 1993.
Com a entrada em vigor dos tratados, a União Européia repousa sobre três colunas: as Comunidades Européias (Títulos lI, III e
IV do TUE), a política externa e de segurança comum (Título V do
TUE), sucessora da CPE, e a cooperação em matéria de política
interna e justiça (Título VI do TUE). A primeira coluna (CE), com
sua concepção supranacional, determina sobretudo a atuação con-
60
Frank R. pfetsch
junta na política econômica e monetária. A segunda e a terceira
colunas operam com base no princípio da atuação intergovernamental. O mecanismo de negociação estabelecido pelos Tratados
de Maastricht representa um compromisso que reflete a história da
unificação européia: o setor econômico, que desde o Plano Schuman,
a Ceca e a CEE constituía o cerne dos esforços de integração da
Europa, continuou sendo o setor mais evoluído entre todos, na transição para o supranacionalismo. Os campos da política externa, interna
e de segurança, desde o fracasso da CED em 1954, controversos,
continuaram sob responsabilidade dos respectivos governos.
A coluna da união econômica e monetária compõe-se de cinco
instituições: a Comissão Européia, o Conselho de Ministros, o Conselho Europeu, o Parlamento Europeu e o Tribunal Europeu de Justiça. Essa construção institucional, que de certo modo vale para a
política comunitária desde os Tratados de Roma de 1957, não sofreu
alterações significativas no AUE ou no Tratado da UE. No interior
dessa configuração institucional, contudo, pode-se constatar um forte
aumento da importância da Comissão, do Parlamento e do Tribunal.
QUADRO
1.3
Os sete títulos do Tratado da União Européia
Título I:
Título 11:
Disposições comuns
arts. A-F
Disposições modificando o tratado da CEE
ar!. G
Título II1:
Título IV:
Título V:
Título VI:
Título VII:
4
Disposições modificando o tratado da Ceca
art. H
Disposições modificando o tratado da CEA
art. I
Disposições relativas à política externa e de segurança
comum (Pesc)
arts. J, J.1-J.11
Disposições relativas à cooperação em matéria de
política interna e justiça (CPIJ)4
arts. K, K.1-K.9
Disposições finais
arts. L-S
A versão portuguesa nos documentos da UE utiliza a fórmula: "cooperação em
matéria de justiça e de assuntos internos", inspirada na expressão francesa. Seguiu-se aqui o texto original alemão e sua correspondência com os termos correntes no Brasil. (N. do T.)
A União Européia
61
Como o Ato Único Europeu, o Tratado da UE também é um
tratado-quadro, que reúne diversos elementos e tem uma função
estruturante. Formalmente, o tratado está dividido em um preâmbulo e sete títulos (ver quadro 1.3). A hierarquia das disposições
distribui os artigos de A a S entre os sete títulos. Cada artigo é subdividido em dispositivos, numerados seqüencialmente (por exemplo:
art. K,8 (2». Além disso, foram anexados ao tratado 17 protocolos entre os quais as cláusulas de exceção relativas à Dinamarca e o
estatuto do Banco Central Europeu - e 33 declarações.
O preâmbulo do Tratado da UE vai além das declarações genéricas dos tratados da CE. Além das proclamações de crença na
liberdade, na democracia, nos direitos humanos, na solidariedade
entre os Estados-membros, no progresso social e econômico, ele
enuncia também a cidadania comum da União, a identidade e a
independência da Europa e o princípio da subsidiaridade como os
fundamentos da União Européia. Nas cláusulas comuns, a UE é
caracterizada como "uma nova etapa da união cada vez mais forte
entre os povos da Europa" (art. A). Outras formulações do Título I,
destinadas a enfatizar a nova intensidade que o crescimento comum alcançou, são a "moeda única", a "preservação integral do
grau de desenvolvimento alcançado pela Comunidade", a "cidadania da União" (todas no art. B), o "quadro institucional único" (art. C)
e os "objetivos políticos comuns" (art. D). O princípio da subsidiaridade, um dos dispositivos mais importantes, está formulado na
nova redação do art. 3-B do Tratado da CE:
ARTIGO3-B TCE
A Comunidade atuará nos limites das atribuições que lhe são
conferidas e dos objetivos que lhe são cometidos pelo presente
Tratado.
Nos domínios que não sejam das suas atribuições, a Comunidade intervém apenas, de acordo com o princípio da subsidiaridade, se e na medida em que os objetivos da ação prevista não
possam ser suficientemente realizados pelos Estados-membros e
possam, pois, em virtude da dimensão ou dos efeitos da ação
prevista, ser mais bem alcançados, no nível comunitário. [...)
62
Frank R. pfetsch
A União Européia
Inovações institllcionais nos Tratados de Maastricht
Toda nova norma de direito criada pelo Tratado da UE foi
enunciada no próprio corpo do tratado ou inserida, pelas disposições dos Títulos lI-IV, no Tratado da CE. No âmbito da Comunidade, ou seja, da "primeira coluna", deram-se diversas inovações
referentes ao equilíbrio institucional, que passaram a influenciá-lo
em boa parte (cf. Capítulo 4):
- o Parlamento Europeu participa doravante da investi dura da Comissão da CE;
- por um procedimento específico inserido no art. 189-B do Tratado da CE, o Parlamento é associado ao Conselho Europeu no
processo decisório comum referente a determinados setores;
- o mandato da Comissão passa a coincidir com o do Parlamento
Europeu;
- é criada uma Comissão das Regiões, cuja audiência é obrigatória
para as decisões que afetem o desenvolvimento regional;
- a cidadania da União consagra o direito de ir e vir e de instalar-se
livremente dentro do território da Comunidade. São reconhecidos
aos cidadãos da CE a proteção diplomática quando em países terceiros e o direito eleitoral ativo e passivo nas eleições municipais
e européias, em seus respectivos lugares de residência dentro da
UE. Todo cidadão pode dirigir petição ao Parlamento Europeu
(ar1. 138-D TCE) ou queixar-se ao omblldsman, mediador nomeado pelo Parlamento (art. 138-E);
- a união econômica e monetária, sob a condição de determinados
critérios de convergência (excluídas a Inglaterra e a Dinamarca),
havia sido prevista para 1º de janeiro de 1997. No mais tardar em
1º de janeiro de 1999 todos os países que preenchessem os ditos
critérios de convergência - eventualmente apenas alguns dos
Estados-membros da CE - deveriam adotar uma moeda comum
com taxas de conversão fixas. O nome da moeda comum foi inicialmente mantido ECU (Ellropean Cllrrency Unir), que, além de
sua função como unidade contábil dos sistemas monetários europeus, era também conhecido como nome de uma antiga moeda
francesa.5 Pensou-se igualmente em outros nomes alternativos
ECU (écu) = escudo; nome igualmente da moeda portuguesa.
(N. do T.)
63
para a moeda única. Na reunião de cúpula do Conselho da Europa em dezembro de 1995 deu-se o acordo em torno de uma solução de compromisso: "euro", nome com o qual se poderia ainda
construir complementos com os designativos das diversas moedas européias: "euromarco", "eurofranco", "eurolira", etc. Se a
designação simples de "euro" virá a afirmar-se depende ainda do
futuro (cf. Capítulo 5, "Políticas públicas");
- o Banco Central Europeu foi projetado pelos governos como
independente, no protocolo sobre o estatuto do sistema europeu
de bancos centrais e do Banco Central Europeu. O BCE tem uma
diretoria composta de um presidente, um vice-presidente e quatro
outros membros, nomeada pelos governos do Estados-membros
de comum acordo com o Conselho Europeu, com o Parlamento e
com o Conselho do BCE (composto da diretoria deste e dos presidentes dos bancos centrais nacionais). Todos os membros da
diretoria são nomeados para um mandato de oito anos, sem possibilidade de recondução;
- onze Estados-membros da CE (com exceção da Inglaterra) queriam
que O Protocolo de Política Social levasse adiante a Carta Social
votada em 1989. O ar1. 1º do protocolo previa, entre outros, os
objetivos do aumento do emprego, melhoria das condições de
vida e de trabalho, proteção social adequada, diálogo social, alto
nível de emprego e combate à exclusão. Nesses campos, o Conselho Europeu tem competência para expedir instruções sobre os
requisitos mínimos (art. 2º). O art. 4º do Protocolo de Política Social inclui a possibilidade de os parceiros sociais europeus tornarem suas decisões obrigatórias.
A política social exemplifica a reorganização por que a Comunidade ("primeira coluna") passou. Para compatibilizar a complicada
compartimentação dos direitos nacionais com o direito comunitário
a entrar em vigor, o ar1. 2º do Protocolo de Política Social definiu
dois procedimentos para a realização dos objetivos comuns (d.
também Strohmeier (org.), 1994: 170-171). De acordo com o art.
189-C do Tratado da CE, o Conselho Europeu, em conjunto com o
Parlamento Europeu, decide por maioria qualificada sobre as questões
relativas à proteção social (saúde, segurança), às condições de trabalho, à formação e participação dos trabalhadores, à igualdade de
oportunidades de homens e mulheres, bem como à inserção profis-
64
Frank R. pfetsch
sional das pessoas excluídas do mercado de trabalho. De outra
parte, a decisão sobre as questões abaixo teria de ser unânime:
-
segurança e proteção social dos trabalhadores;
garantias ao término dos contratos de trabalho;
defesa dos interesses dos parceiros sociais, inclusive co-gestão;
condições de emprego para os cidadãos de terceiros países;
contribuições financeiras para o incentivo à criação de emprego.
Quanto mais um assunto estiver no âmbito de interesse nacional de um país, como no caso das negociações salariais na Alemanha, por exemplo, tanto menos haveria probabilidade de que ele
pudesse vir a ser regulado, por decisão majoritária, por algum colegiado comunitário. Quanto mais genérica e pouco coercivamente
fossem definidos os âmbitos de ampliação, tanto mais se aceitava
abrir mão da regra da unanimidade. A política social desenvolve-se concretamente, todavia - como em geral no caso de todos
os campos políticos da "primeira coluna" - em direção à supranacionalidade. Cada vez mais todo cidadão da UE goza, em qualquer dos países integrantes da UE, dos benefícios da proteção social:
os regimes sociais desvinculam-se gradativamente do território
nacional (Leibfried/Pierson, 1996: 196). Antes de o Conselho Europeu tomar qualquer decisão no campo da política social - citada
aqui novamente apenas como exemplo -, a Comissão, o Parlamento e a Comissão Econômica e Social, conforme o caso, têm de
ser ouvidos.
Os Tratados de Maastricht igualmente introduziram inovações
no campo da cooperação da União Européia:
- no campo da política externa e de segurança comum ("segunda
coluna"), como se mencionou anteriormente, a política de segurança, com o objetivo de formular uma política comum de defesa,
foi inscrita na agenda da unificação européia. No quadro institucional até então vigente da cooperação em assuntos de política
externa, a inovação tomou a forma do direito de iniciativa da
Comissão em matérias de decisão comunitária;
- no campo da justiça e da política interior ("terceira coluna"), o
art. K.1 do TUE previu, como de interesse comum, medidas refe-
A União Européia
65
rentes à política de asilo, à passagem pelas fronteiras externas da
UE, à imigração, à repressão às drogas, à repressão à fraude, à
cooperação judiciária em matéria cível e penal, assim como à cooperação aduaneira e policial.
"E a caravana passa ..."
Embora o Tratado de Maastricht - mais exatamente: o Tratado
sobre a União Européia - seja um passo decisivo para a Europa
política, é necessário indicar em que consiste a continuidade do
processo europeu de unificação. As dores do parto do processo de
ratificação, a aceitação de cláusulas de exceção para a Dinamarca e
a Inglaterra (defesa, política social, união econômica e monetária),
entre outros, dão testemunho de que continuam a subsistir idéias
diferentes sobre o desenvolvimento da Comunidade. Em muitos
campos, a "Europa de velocidades diferentes" é uma realidade.
Os principais promotores da unificação européia continuam sendo
os Estados nacjonais e seus respectivos governos. Em caso de
conflito de interesses dos governos com projetos comunitários em
determinados campos da política, a decisão é tomada amiúde
em benefício dos Estados nacionais.
Mesmo depois de Maastricht, a União Européia continua regida, nas questões de interesse nacional, pelo princípio da atuação
intergovernamental. Isso ficou especialmente· claro nas negociações em torno da formulação dos princípios e objetivos da União.
O art. A do Tratado da União deveria ter sido assim formulado:
"Este tratado marca um novo estágio no processo que conduz gradualmente à União com um objetivo federal".6 Objeções da Inglaterra obtiveram que a expressão "com um objetivo federal" fosse
retirada da redação final do tratado. Tampouco os novos fundos de
coesão (para as regiões mais desfavorecidas) e de investimento
(para o crescimento econômico) - ambos inovações reforçadoras
da integração - chegaram a reverter a tendência de resistência à
renúncia a direitos nacionais de soberania. As soluções dadas a
Ó
Em inglês no original: "This treat)' marks a new stage in the process leading
gmdllall)' to a Vnion with afederal goal". (N. do T.)
66
Frank R. pfetsch
outras questões, como por exemplo a das sedes das instituições
européias (como no caso do BCE, que após longas divergências
acabou sediado em Frankfurt/Meno, na Alemanha) ou a ampliação
da Comunidade em direção às novas democracias da Europa central e do leste, permitem reconhecer que o processo de unificação
européia ainda está longe de terminar. A vontade dos Estados nacionais e o peso próprio das instituições européias determinarão a
evolução ulterior da integração.
1.7 Conclusão
Passo a passo e em constante oscilação entre supranacionalidade e atuação intergovernamental, foram estruturadas instituições,
ampliadas competências, integrados novos membros, desenvolvida
a parlamentarização e transferidos novos campos políticos ao âmbito da Comunidade, que anteriormente só estavam organizados
em cada Estado ou se haviam institucionalizado em paralelo. Esse
processo gradual de enriquecimento e de integração conduziu a
alguma falta de transparência político-constitucional. É de se esperar que, com a consolidação econômica e política, surja um novo
perfil constitucional unificado. Apesar das conferências intergovernamentais a partir de 1996, o tempo parece ainda não estar maduro
para uma unificação constitucional maior.
O sistema organizacional europeu pode ser caracterizado mais
como a decisão de uma elite do que como um processo de baixo
~ara cin:a. Se os procedimentos tivessem sido mais amplos, uma
I?tegraçao com todo esse alcance te:ia sido provavelmente imposslvel. De outra parte, o processo de mtegração sempre contou com
grande aceitação da opinião pública. No entanto, a pressão para
uma abertura de maiores possibilidades de participação vai certamente
aumentar no futuro. Isso está claro nos resultados apertados que se
obtiveram em referendos nos Estados-membros da UE. A União
terá de se abrir ao cidadão.
A ampl.ia.ção constante tornou a Comunidade mais heterogênea
e menos eflcIente. A fraqueza da DE com respeito aos conflitos
na Europa do leste e do sul é patente. A concepção de uma "Europa de velocidades diferentes", a adoção das decisões por maioria e
A União Européia
67
a incorporação de questões de política externa e de segurança podem ser interpretadas como respostas à heterogeneidade crescente
da Comunidade. O retorno a um processo mais rígido de decisão
parece inevitável, se se quiser impedir que novas ampliações acarretem a ingovernabilidade.
As idéias que os Estados-membros têm da estrutura política da
União continuam divergindo tanto quanto antes e revelam suas
divergências quanto aos objetivos. O processo de formação da comunidade na Europa esteve e está caracterizado por visões utópicas
("Estados Unidos da Europa"), de um lado, e por uma política
pragmática - por exemplo, nos "Relatórios" encomendados pelas
instituições da CE/UE - de outro. Com base na experiência acumulada até agora, pode-se falar de uma "Europa carolíngea", pois
os Estados promotores da construção européia são a França, a
Alemanha, a Itália e os países do Benelux.
A energia motriz do processo europeu de unificação, no início,
foram sobretudo as considerações de ordem política. Após a "guerra
dos trinta anos" de 1914 a 1945, prevaleceu a vontade de promover
a paz pela cooperação e pela integração. O tempo transformou em
cooperação o conflito entre os Estados nacionais europeus. Institucionalmente, o processo de unificação começou no campo econômico, pois a primeira associação supranacional ocorreu no setor
econômico, com a produção de carvão e aço. Essa integração estava motivada, contudo, antes de mais nada, politicamente.
Esse novo tipo de instituição foi estendido a toda a economia,
embora nos anos 1950 tenham sido determinantes motivos de natureza estritamente econômica, como a criação de mercados maiores
ou a exploração das possibilidades de uma economia de escala.
Como não se instituiu uma área de livre-comércio, mas sim a Comunidade Européia, fica claro que a perspectiva de uma comunidade política jamais foi perdida de vista.
No Capítulo 2 ("Os Estados da União Européia"), examinarse-ão com mais vagar os países-membros da União Européia e seus
interesses com relação a ela.

Documentos relacionados