UNlCÓPIAS - Wilson Almeida
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UNlCÓPIAS - Wilson Almeida
14 UNlCÓPIAS Frank R. pfetsch )\)JL' '. ProlO: \~:;}\ GUIsa: ria. Comparações com formas de organização estatais existentes servem mais para evidenciar as diferenças do que para estabelecer semelhanças por analogia. Este livro expõe a história dessa associação regional única, aborda os interesses, as instituições e as políticas públicas dessa aliança entre Estados e trata das especificidades dessa construção integradora mediante a questão abrangente da identidade européia, como pressuposto importante do crescimento conjunto em direção a uma entidade política comum. As circunstâncias históricas particulares do surgimento da UE e as condições políticas específicas estão logo no início do livro. Os motivos e as forças propulsoras de cada Estado são tratados separadamente. Os interesses convergentes de cada Estado-membro são então analisados no contexto marcado por seus respectivos interesses nacionais históricos. Estudam-se, ademais, as expectativas de cada país com relação a uma associação regional, pois é a partir delas que se pode explicar a motivação para associar-se de tal maneira. Para que se entenda o caráter específico da União, descreve-se e explica-se seu complicado sistema constitutivo e sua estrutura institucional, mediante recurso freqüente aos modelos mais familiares dos sistemas políticos nacionais. O caráter dual da União, por um lado construto comunitário e supranacional e, por outro, entidade intergovernamental-interestatal, é exposto em suas instituições, processos e políticas públicas. A questão importante da identidade européia é tratada em capítulo à parte, pois dela também depende o futuro da União. O capítulo seguinte aborda as políticas públicas mais importantes da União: a agrícola, a econômica e a monetária, a exterior e de segurança, bem como a cooperação em matéria de justiça e política interior; por fim, analisa-se a polítisa de reformas tal como se encontrava no início do ano de 1997. E nesta que se preparam os conteúdos das ações políticas futuras e se processam os interesses nacionais perante a União. A legitimação democrática e a capacidade de atuação constituem o cerne do debate sobre a reforma da União, sobretudo com respeito à expansão com mais uns doze países candidatos. Uma União Européia com 27 membros será por certo outra realidade qualitativa do que a comunidade original dos seis fundadores. Heidelberg, verão de 1997 Dlsclplma: :1, S~, .. ,:.•.•. N°. Pas\a: t, Capítulo 1 N°.Fls:_~' 1 . emestre \':..,\ \';-';:. Condições históricas da fundação e do desenvolvimento A Europa dispõe de muitas formas de organização estatal. Com o fito de garantir a paz, constatam-se dois tipos distintos de projetos de Europa, que admitem também a constituição de formas mistas: - As alianças federativas clássicas, que têm o equilíbrio europeu por fundamento ou que o querem instituir, entendem os Estados nacionais como unidades que permanecem soberanas. A assim chamada teoria realista das relações internacionais vê nessas alianças uma garantia da manutenção da paz (Morgenthau, 1966; Kissinger, 1994). A formação de contrapoderes deve impedir que um Estado se torne demasiado forte e domine outros. Um segundo projeto pode ser caracterizado como interdependênmediante integração. Os Estados transferem a uma terceira instância certos direitos soberanos. A ótica da interdependência pode ser encontrada na escola liberal das relações internacionais (Keohane,1984). da A União Européia foi organizada no sentido da segunda perspectiva. Apenas os projetos com esse conteúdo podem ser considerados predecessores da integração européia na forma da Comunidade Econômica Européia (CEE)/Comunidade Européia (CE)/União Européia (UE). Historicamente, essa linha sempre se esforçou por restringir, pela integração, o papel dominante de uma nação. 2\. ".-..' 16 Frank R. pfetsch Até meados do século XX as experiências históricas da Europa foram marcadas pelo modelo dos Estados nacionais. Só com a fundação da Sociedade das Nações a perspectiva da integração tornouse realidade prática, fracassando, porém, por causa de inúmeras dissonâncias. 1.1 Marcos históricos A União Européia, que se apresenta hoje como um multifacetado construto político, interdependente e integrado, por certo teve muitos projetos precursores. A Comunidade Européia da Idade Média caracterizava-se até certo ponto pela comunidade de religião (a Igreja Católica) e de língua (o latim). Com os cismas religiosos, as guerras de religião e o surgimento dos Estados absolutistas, essa unidade desfez-se, passando a ocorrer uma série de guerras intraeuropéias desde então. Pode-se considerar como o primeiro defensor de uma concepção fundada no equilíbrio de poderes o duque francês Maximiliano de Béthune SulIy (1560-1641), conselheiro e ministro de Henrique IV. Já em começos do século XVII SulIy projetou, em seu gralld dessein, a imagem de um equilíbrio europeu entre quinze Estados igualmente fortes, como garantia da paz. De acordo com essa concepção, seria fundada na Europa uma federação na forma de uma república cristã e sob a liderança da França. Em 1610, no entanto, o próprio Sully acabou vítima das intrigas européias, ao ser demitido do cargo de ministro das Finanças e cair em desgraça, após o assassinato de Henrique IV por Maria de Médicis. Pouco mais tarde foi o jurista holandês Hugo Grotius (1583-1645) que tratou de uma união dos Estados e dos povos, em sua obra principal De jure belli ac pacis libri tres (Três livros sobre o direito de guerra e paz). Sua teoria das soberanias equivalentes angariou-lhe o epíteto de "Pai do direito das gentes". Um pensador francês, cujas teorias Jean-Jacques Rousseau virá a discutir intensivamente, surpreende pela terminologia moderna. O abade de Saint-Pierre (1658-1743) fala, já em 1713, de uma associação federativa de Estados europeus soberanos. Guiados pelo racionalismo e pelo progresso, escreve Saint-Pierre, os prínci- A União Européia 17 pes europeus convencer-se-iam de uma "federação européia" instituída contra a hegemonia absolutista de Luís XIV. Esse projeto prevê a constituição de uma aliança permanente ("República européia") e a realização de encontros regulares em uma assembléia ou congresso federal. O projeto de Saint-Pierre prevê, em seus cinco artigos, uma garantia mútua do status quo territorial e constitucional, uma presidência em rodízio na assembléia federal, uma espécie de segurança coletiva no caso de infração ao tratado e "decisões européias colegiadas por maioria" (Saint-Pierre, abade Ch.-I. Castel de, Projet pour rendre Ia paix perpétuelle en Europe, 1713). Um manuscrito de Rousseau, "Sobre a federação como meio de combinar as vantagens das pequenas repúblicas com as dos grandes Estados", perdeu-se. Pode-se considerar como certo, todavia, que Rousseau ficou impressionado com a tese federalista de Saint-Pierre. Rousseau não se dá por satisfeito, porém, com a motivação do príncipe para renunciar a direitos de soberania, admitida por Saint-Pierre. Em seu Jugement sur te projet de Ia paix perpétuelle (1761), Rousseau afirma que a ambição dos príncipes de exp,andir seus territórios e de aumentar seu poder interno é incompatível com um projeto federativo. A única possibilidade de criar estruturas federativas, segundo Rousseau, estaria numa revolução que, por sua vez, é altamente problemática. Uma outra posição pró-federação do século XVIII encontra-se em Immanuel Kant. Em seu escrito Sobre a paz perpétua (1795), a representação de uma "organização federal da Europa com Estados republicanos" baseia-se em dois artigos fundamentais, que devem preservar o Estado de paz: 1) A constituição civil de cada Estado deve ser republicana; 2) O direito internacional deve estar baseado em um federalismo de Estados livres. A exigência do utópico francês conde de Saint-Simon (17601825), em 1814, de fundar uma comunidade européia com um parlamento supranacional, também tinha caráter normativo. SaintSimon, cujo nome próprio era Claude-Henri de Rouvroy, defende, em seu ensaio A reorganização da sociedade européia, um "poder universal", que deveria promover o progresso e a "comunidade européia" (cf. Theimer, 1988: 20-23). Um outro precursor francês da idéia européia é o escritor Victor Hugo (1802-1885), que desenvolveu também intensa ativi- 18 Frank R. PFetsch dade política. Parlamentar em diferentes instituições em sucessivas etapas (Câmara de Paris, Assembléia Nacional, Senado), Victot' Hugo proclamou, na qualidade de presidente do segundo Congresso Internacional pela Paz, em 1849, os "Estados Unidos da Europa". No século XX, sobretudo depois da Primeira Guerra Mundial, os projetos de uma Europa unificada ganharam uma nova dimensão. O Movimento Pan-Europeu, fundado pelo conde austríaco Coudenhove-Kalergi (1894-1972), promoveu, entre outras iniciativas, no âmbito do Congresso Pan-Europeu de 1926, uma grande difusão da idéia da Europa. Também no jornalista, advogado e político francês Aristide Briand (1862-1932) encontra-se, em paralelo ao engajamento no Tratado de Locamo e no Pacto BriandKellogg, a visão de uma "união federal européia", que reuniria os diversos Estados em uma união ampla. Durante a Segunda Guerra Mundial, a idéia de uma Europa federativa parecia ser, para os políticos europeus impotentes diante de Hitler, um meio de impedir novas guerras. O presidente do Conselho de Ministros francês, Léon Blum, afirmava, em 14 de outubro de 1939: As soluções em que nós, socialistas, pensamos, são as que trariam a Alemanha para uma organização européia - uma organização que daria garantias efetivas contra o retorno de agressões violentas e que asseguraria os elementos de uma segurança efetiva e de uma paz duradoura. Caminhamos assim sempre para as mesmas fórmulas, para a mesma conclusão: a independência das nações no seio de uma Europa federativa e desarmada (Gasteyger, 1994: 32). A resistência alemã também não apostou apenas no afastamento de Hitler e na derrubada do nacional-socialismo. O pastor alemão Hans Schõnfeld anunciou, em 31 de maio de 1942, em Estocolmo, o programa da "oposição alemã para a Alemanha e a Europa", que previa a interdependência econômica de uma nação alemã, vivendo com "autonomia administrativa responsável", mediante uma "estreita cooperação entre nações livres". Segundo Schõnfeld, isso culminaria em uma "federação européia de nações livres", com um governo e um exército comuns, incluindo a participação da Grã-Bretanha, da Polônia e da "nação checa" (Gasteyger, 1994: 33). A União Européia 19 ~evando-se em conta as etapas esquematizadas até aqui, podese artIcular os impulsos da unificação européia em duas linhas de motivação: a busca de equilíbrio e a meta do comprometimento: i f i • I , .~ I I j iI 1. ~ alianças, no sentido clássico do equilibrio, destinavam-se a eVItar o aumento do poder de uma determinada potência dominante. Assim, por exemplo, o duque de Sully agiu contra o cerco da França pelos Habsburgos, que se haviam instalado media~te um~ política ~ucessória bem-sucedida, na Espanha: nos Palses BaIXOSe na Austria. Também as reflexões do abade de Saint-Pierre se voltavam contra a dominação de vários Estados por uma só potência. 2. Con~eqüentemente, a etapa seguinte do projeto de unificação conSIste no comprometimento de uma potência dominante em estrut~ras abrangentes. Como exemplo, temos aqui a proposta de Bnand de uma "união federal européia" e as reflexões de Blum. As propostas do general De Gaulle, tempos mais tarde, de. u~a aliança com a União Soviética, tinham também por objetivo uma domesticação suave das tendências expansionistas de Stalin. ; Com o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, inicia-se uma nova fase na política européia, embora não se possa traçar uma linha de de~arca.ção exat~. A concretização dos projetos de integração europem fOI favoreclda não apenas pela vontade de determinados políticos, mas também pela necessidade política, com o patrocínio dos Estados Unidos e sob a pressão crescente das ameaças de Moscou. Até a Segunda Guerra Mundial, os projetos europeus limitavam-se às relações comerciais bilaterais ou a alianças militares no mais das vezes efêmeras. Os requisitos de índole normativa, tal como propostos por Kant, Victor Hugo ou Saint-Simon, com o pressuposto da renúncia voluntária à soberania, alienaram-se da realidade política do poder, e podem, com isso, ser qualificados de idealistas. Apr?ximando-se a criação da primeira organização européia transnacI?nal, a ~omunidade Européia do Carvão e do Aço (Ceca), um terceIro motivo da integração européia vem juntar-se à busca de equilíbrio e de comprometimento: a prosperidade econômica. " 20 A União Européia Frank R. PFetsch Em conjunto, esses motivos constituíram, nos anos 1940 e 1950, a massa crítica que possibilitou uma conformação institucional da velha idéia da unidade européia. Em complemento aos motivos fundamentais da busca de equilíbrio e do comprometimento das potências dominantes têm-se os fatores seguintes: 3. As duas principais potências vencedoras da Segunda Guerra Mundial tinham pretensões de dominação tradicionais fora do território central da Europa. Como reação à ameaça de perda da posição da Europa, surgiu a concepção de uma "terceira força", além dos Estados Unidos e da União Soviética. 4. Os projetos europeus foram considerados pelos políticos alemães e por outras personalidades da vida pública também como instrumentos de solução da divisão da Alemanha. 5. O nacionalismo dos países europeus, que levou a duas guerras mundiais, tornara-se amplamente obsoleto após 1945 e predispôs os Estados da Europa ocidental e, em parte também da oriental, às formas de organização transnacional. 6. Da perspectiva ocidental, o projeto "Europa" foi visto como contrapeso ao expansionismo soviético. No início dos anos 1950, quando esse perigo foi mais intenso, as potências ocidentais ainda viam o rearmamento alemão com reservas. Uma defesa eventual da Europa ocidental teria que começar, no entanto, no território alemão. Por isso, só uma aliança européia podia formar um verdadeiro contrapeso. Essas seis linhas de motivação, distingui das aqui pela análise, raramente apareceram, na realidade, de forma pura. Amiúde duas ou mais dessas metas foram formuladas por seus precursores políticos. Alguns exemplos podem mostrá-Io sumariamente. A evolução das grandes potências sediadas fora do espaço europeu tradicional de poder deram um novo impulso à integração européia. Com a emergência da União Soviética, cujo potencial militar representava uma ameaça para as potências da Europa central, a concepção de uma Europa como "terceira força" ganhou importância. "A idéia de uma 'terceira força' - de uma Europa cuja ordem social e cuja orientação da política exterior fosse eqüidistante dos Estados Unidos e da União Soviética e que, dessa forma, II I 21 pudesse servir de intermediária entre ambos - foi mais popular na Europa do pós-guerra do que qualquer outra idéia política" (Loth, 1980: 194). Alguns dos pensadores do período imediatamente posterior à Segunda Guerra Mundial projetaram para a Europa do futuro não apenas o papel de um contrapeso geoestratégico aos Estados Unidos e à União Soviética, mas também a realização de uma via socialdemocrática intermediária entre capitalismo e comunismo. A "organização européia" buscada por Blum tinha, por conseguinte, não apenas o objetivo da moderação da União Soviética, mas, igualmente, a perspectiva de sua inserção em um socialismo sem autoritarismo. Propostas semelhantes encontram-se no cientista político alemão Richard Lõwenthal, que descreveu a vinculação da Europa governada pelos socialistas com os países da Europa ocidental como um "poderoso tampão neutro" para evitar o choque entre as potências mundiais (Lõwenthal, 1947). Sob a perspectiva alemã, foram elaboradas propostas de uma "terceira via" em função do problema da Alemanha dividida. Tanto os democrata-cristãos quanto os social-democratas, no período imediatamente posterior à guerra, acharam atrativa a idéia de uma Alemanha pós-fascista como mediadora entre os blocos da Europa ocidental e da Europa do leste, cada vez mais em confronto. Podemos lembrar, aqui, da tese da função-ponte do presidente da União Democrata Cristã (CDU) da Alemanha oriental (inclusive Berlim), Jakob Kaiser (1888-1961). Kaiser, originário do movimento sindical cristão como seu vice Ernst Lemmer, é o autor da fórmula: "A Alemanha tem de ser a ponte entre o Ocidente e o Leste" (Kaiser, 1946: 17). O paralelo com as posições social-democratas encontra-se na idéia de Kaiser de um "caminho próprio [...] para uma nova ordem social". Tese semelhante foi sustentada em 1945 por Otto Grotewohl (1894-1964), então ainda presidente do Comitê Central de Berlim do Partido Social-Democrata de toda a Alemanha. Grotewohl preconizava que se "assumisse, na política interna, uma posição eqüidistante dos partidos burgueses e comunistas e, na política externa, o papel de mediador entre a União Soviética e as democracias burguesas ocidentais". Também a "terceira via" de Kurt Schumacher (18951952) buscava a eqüidistância dos dois blocos em formação. Por cau- Frank R. pfetsch 22 sa da "situação provisória alemã", porém, o caminh~ de Schumacher dirigir-se-ia mais para uma forma de "Estados Umdos da Europa" mais transnacional do que federativa (cf. Pfetsch, 1993: .148). Apesar de o Partido Social-Democrata (SPD) ter .adendo, afinal, à integração da Alemanha no Ocidente, o campo social-democrata do imediato pós-guerra contava com uma série de defensores .do papel intermediário ou mediador da Alemanha. O porta-voz socmldemocrata da Renânia-Palatinado, Hans Hoffmann, por exemplo, assim se pronunciou na Assembléia Constituinte: Não apenas por sua geografia, mas ~ambém~?~ sua atitude fundamental, a Alemanha é um país mtermedmno, uma terra de transições [...]. O princípio da liberdade pessoal com? eleme_nto essencial da democracia ocidental recobrou, para nos. alem~es, depois da experiência do Terceiro Reich, importância maIOr. Não deixamos, porém, de apreciar, na concepção de Estado dos países do Leste, a arte da subordinação dos indivíduos à von,ta~e geral, a disciplina que foi necessária na Alemanh~ e na R~~s~a [...] A grande oportunidade de a Alemanha ~er a IOt.ermedmna entre as democracias do Ocidente e do Onente fOi, contudo, desperdiçada por Hitler. Restou-nos a divisão. Almejamos ambas, liberdade e comunidade, e continuará sendo tarefa dos alemães encontrar a síntese entre as duas formas (segundo KIaas, 1978: 244). A experiência de duas guerras. estava por trá~ da posição de Winston Churchill, cujo famoso diSCurso em Zunque, :m 19 .de setembro de 1946, apresentou o projeto europeu de paz: [Re]cnar a família européia em uma estrutura regional tal que venha a chamar-se Estados Unidos da Europa" (in Gasteyger (ed.), 1994: 40). Esses "Estados Unidos da Europa", de que falou também Konrad Adenauer deveriam instituir-se, para Churchill, em uma organização regio~al das Nações Unidas e pela constituição d~ um Conselho da Europa no âmbito de um sistema federal. Os mteresses ?e uma política de poder, mesclados a um id~a1ismo ~u:o?eu, obViamente deixavam a Inglaterra e a Comumdade Bntamca fora do quadro institucional proposto: A União Européia 23 O primeiro passo para reconstituir a família européia tem de ser a parceria entre a França e a Alemanha. Somente dessa maneira a França poderá assumir novamente a liderança moral da Europa. Não haverá renascimento algum da Europa sem uma França e uma Alemanha espiritualmente grandes. A estrutura dos Estados Unidos da Europa, se for bem e legitimamente organizada, deve ser tal que a riqueza material de um determinado país não tenha tanta importância. As pequenas nações contam tanto quanto as grandes e honram-se pela contribuição para a causa comum (;11 Gasteyger (ed.), 1994: 40). O general De Gaulle, em 1945, ainda pensava numa aliança contra a Alemanha, ao propor um ensemble econômico reunindo a Inglaterra, a França, a Bélgica, a Holanda, a Itália e a Suécia. O tratado de aliança de Dunquerque, celebrado em março de 1947 entre a Inglaterra e a França e destinado à garantia mútua dos dois países contra a retomada, pela Alemanha, de uma política agressiva, falou uma linguagem ainda mais clara. Os interesses conflitantes dos aliados já haviam aparecido, com toda clareza, na conferência de Potsdam. Com o aparecimento da Guerra Fria, foi a União Soviética que assumiu o papel de uma contrapotência, anteriormente pertencente à Alemanha. Em março de 1946, em Fulton, nos Estados Unidos, Churchill profetizou pela primeira vez o surgimento de uma "cortina de ferro" entre Leste e Oeste. Já não era mais o fortalecimento da Alemanha que forçava os países da Europa ocidental a pensar em integração, mas a tendência expansionista continuada da União Soviética. Mesmo quanto à Alemanha, a integração posterior da República Federal com o Ocidente se deveu essencialmente à ameaça estalinista. A estratégia da "contenção" (containment), elaborada por George Kennan, presidente do Comitê Americano de Política Exterior, reuniu os países-chaves da Europa no projeto de pôr obstáculos ao avanço do comunismo. Um dos principais partidários europeus dessa política foi Konrad Adenauer. Já desde 1945 constam declarações de Adenauer sobre a necessidade de opor um bloco ocidental forte ao Leste europeu dominado pela Rússia (cf. Pfetsch, 1993: 144). É de 1946 a seguinte declaração de Adenauer: Frank R. pfetsch 22 A União Européia 23 o primeiro passo para reconstituir a família européia tem de ser sa da "situação provisória alemã", porém, o caminh~ de Schumacher dirigir-se-ia mais para uma forma de "Estados Umdos da Europa" mais transnacional do que federativa (d. Pfetsch, 1993: .148). , Apesar de o Partido Social-Democrata (SPD) ter.adendo, afinal, a integração da Alemanha no Ocidente, o campo socml-democrata do imediato pós-guerra contava com uma série de defensores .do papel intermediário ou mediador da Alemanha. O porta-voz socmldemocrata da Renânia-Palatinado, Hans Hoffmann, por exemplo, assim se pronunciou na Assembléia Constituinte: Não apenas por sua geografia, mas !ambém ~?~ sua atitude fundamental, a Alemanha é um país mtermedmno, uma terra de transições [...]. O princípio da liberdade pessoal com? eleme_nto essencial da democracia ocidental recobrou, para nos alemaes, depois da experiência do Terceiro Reich, importância maior. Não deixamos, porém, de apreciar, na concepção de Estado dos países do Leste, a arte da subordinação dos indivíduos à von,ta~e geral, a disciplina que foi necessária na Alemanh~ e na R~~s~a [...] A grande oportunidadede a Alemanha ~er a mt.ermedmna entre as democracias do Ocidente e do Onente fOI, contudo, desperdiçada por Hitler. Restou-nos a divisão. Almejamos ambas, liberdade e comunidade, e continuará sendo tarefa dos alemães encontrar a síntese entre as duas formas (segundo Klaas, 1978: 244). A experiência de duas guerras. estava por trá~ da posição de Winston Churchill, cujo famoso dISCurSOem Zunque, ~m 19 .de setembro de 1946, apresentou o projeto europeu de paz: [Re ]cnar a família européia em uma estrutura regional tal que venha a chamar-se Estados Unidos da Europa" (in Gasteyger (ed.), 1994: 40). Esses "Estados Unidos da Europa", de que falou também Konrad Adenauer deveriam instituir-se, para Churchill, em uma organização regio~al das Nações Unidas e pela constituição d~ um Conselho da Europa no âmbito de um sistema federal. Os lOteresses ~e uma política de poder, mesclados a um id~alismo ~u:0'peu, obvIamente deixavam a Inglaterra e a Comumdade Bntalllca fora do quadro institucional proposto: a parceria entre a França e a Alemanha. Somente dessa maneira a França poderá assumir novamente a liderança moral da Europa. Não haverá renascimento algum da Europa sem uma França e uma Alemanha espiritualmente grandes. A estrutura dos Estados Unidos da Europa, se for bem e legitimamente organizada, deve ser tal que a riqueza material de um determinado país não tenha tanta importância. As pequenas nações contam tanto quanto as grandes e honram-se pela contribuição para a causa comum (in Gasteyger (ed.), 1994: 40). O general De Gaulle, em 1945, ainda pensava numa aliança contra a Alemanha, ao propor um ensemble econômico reunindo a Inglaterra, a França, a Bélgica, a Holanda, a Itália e a Suécia. O tratado de aliança de Dunquerque, celebrado em março de 1947 entre a Inglaterra e a França e destinado à garantia mútua dos dois países contra a retomada, pela Alemanha, de uma política agressiva, falou uma linguagem ainda mais clara. Os interesses conflitantes dos aliados já haviam aparecido, com toda clareza, na conferência de Potsdam. Com o aparecimento da Guerra Fria, foi a União Soviética que assumiu o papel de uma contrapotência, anteriormente pertencente à Alemanha. Em março de 1946, em Fulton, nos Estados Unidos, Churchill profetizou pela primeira vez o surgimento de uma "cortina de ferro" entre Leste e Oeste. Já não era mais o fortalecimento da Alemanha que forçava os países da Europa ocidental a pensar em integração, mas a tendência expansionista continuada da União Soviética. Mesmo quanto à Alemanha, a integração posterior da República Federal com o Ocidente se deveu essencialmente à ameaça estalinista. A estratégia da "contenção" (containment), elaborada por George Kennan, presidente do Comitê Americano de Política Exterior, reuniu os países-chaves da Europa no projeto de pôr obstáculos ao avanço do comunismo. Um dos principais partidários europeus dessa política foi Konrad Adenauer. Já desde 1945 constam declarações de Adenauer sobre a necessidade de opor um bloco ocidental forte ao Leste europeu dominado pela Rússia (d. Pfetsch, 1993: 144). É de 1946 a seguinte declaração de Adenauer: 1946 1949 1946 47 1947 24 Frank R. pfetsch A União Européia A Ásia está às margens do Elba. Só uma Europa ocidental econômica e espiritualmente saudável, da qual ~ Alemanha não ocupada pela Rússia é um componen}e essencIal, pode deter a expansão do poderio e do espírito da Asia. Além das atitudes dos grandes estadistas europeus, sem cuja ação a convergência decidida de nações hostis dificilmente seria compreensível sob a perspectiva contemporânea, "o pensamento europeu foi sustentado também, nos sobretudo por organizações européias posições de vanguarda" (Gasteyger, pode ser identificada pela etiqueta de dro 1.1). primeiros anos após a ~erra, privadas [...] [que assumIram] 1990: 29). Essa "vanguarda" "movimentos europeus" (qua- QUADRO 1.1 Movimentos europeus do período do pós-guerra imediato Conselho do Movimento Europeu União dos Federalistas Europeus (paris) Comitê Colégio Européia Europeu daAlemão Europa de Unificado (Bruges, Parlamentares Bélgica) ou United (conde European CoudenhoveMovePrograma de Hertenstein depara Haia dos unidade federalistas européia europeus 1º Congresso Liga Européia apela Cooperação Econômica (dirigida Junho de 1946 Kalergi) ment (Londres; patrocinado Winston Churchill) pelo político belga Paul van por Zeeland) 25 "comunidade européia de base federativa", cujos princípios requerem uma "construção democrática de baixo para cima" e uma "proclamação européia dos direitos do cidadão". Essa "união européia" vincular-se-ia à Organização das Nações Unidas, e seus integrantes transfeririam "parte de seus direitos de soberania econômica, política e militar à federação por eles formada". A união seria aberta, de acordo com o programa, a todos os "povos de essência européia". A organização coordenadora dos federalistas era a Union Européenne des Fédéralistes (UEF), fundada em dezembro de 1946. Em seu primeiro congresso, realizado em abril de 1947 em Amsterdã, além de assumir a posição de que o futuro da Alemanha só seria pensável "no âmbito de uma Europa federal", a UEF adotou uma declaração programática: Não queremos uma Europa hesitante, vítima de interesses conflitantes, dominada por um capitalismo aparentemente liberal, que subordina os valores humanos ao poder do dinheiro, ou por um socialismo de Estado, que utiliza quaisquer meios para impor sua vontade às custas dos direitos humanos e do direito das sociedades. Queremos uma Europa como sociedade aberta, isto é, disposta à boa vizinhança com o Ocidente e com o Oriente, a cooperar com todos. As posições dos federalistas e de Winston Churchill distinguemse com toda clareza. Hoje em dia, os federalistas são classificados, em geral, como inspirados pelo idealismo de atitudes, enquanto a posição do primeiro-ministro britânico é qualificada de pragmática. Essas duas concepções básicas divergiam principalmente quanto ao caminho a ser encetado Em toda a Europa (ocidental) organizaram-se diferentes associações federalistas, que aderiram, conjuntamente, ao Programa de Hertenstein dos federalistas europeus, em setembro de 1946. Exemplos de movimentos nacionais são: a Europa-Union (Suíça), o Europeesche Actie (Holanda), o Movimento Federalista Europeo (Itália) e a Federal Union (Inglaterra). O Programa de Hertenstein, que tomou o nome da localidade em que se realizou o congresso, às margens do Lago dos Quatro Cantões, na Suíça, propugna uma para chegar-se à união européia. Churchill - como De Gaulle e Adenauer - mantinha como essencial a concepção dos Estados nacionais soberanos, que se reuniriam em um conselho europeu com fins consultivos e deliberativos. A ruptura entre os blocos do Leste e do Oeste europeus e a restituição gradual da soberania às zonas de ocupação aliadas na Alemanha ocidental eram consideradas inevitáveis. O Estado federal europeu defendido pelos federalistas pressupunha a inclusão e o controle da Alemanha. Quando o movimento europeu reuniu-se, em maio de 1948, no assim chamado Congresso de Haia, a realidade da tomada do poder 26 A União Européia Frank R. pfetsch pelos comunistas, em Praga, mais as tensões que precederam o bloqueio de Berlim, atingiram em cheio as nobres intenções dos federalistas europeus. Apesar disso, as posições das delegações nacionais no Congresso de Haia, a que pertenciam Uon Blum, Jacques Chaban-Delmas, Edgar Faure, François Mitterrand, Jean Monnet, Robert Schuman e Konrad Adenauer, entraram em choque. Os quase mil delegados de dezenove países provinham de Parlamentos nacionais, partidos políticos, sindicatos, igrejas e universidades (cf. Masclet, 1994: 4). A tese de que os debates tenham sido marcados pelo conflito entre as concepções social-federalista e conservadora-nacionalista da Europa (Gasteyger, 1990: 31) parece precipitada. Pelo menos o exemplo alemão permite demonstrar que o campo conservador assumiu posições mais federalistas e que os social-democratas tenderam a atitudes nacionalistas. Embora o conflito crescente entre o Leste e o Oeste europeus tenha restringido a ação dos federalistas, o movimento europeu produziu impulsos importantes para a constituição do Conselho da Europa, do Tribunal Europeu de Direitos Humanos e do Colégio da Europa em Bruges. Entre 1948 e 1949, a maioria das organizações européias listadas na quadro 1.1 fundiu-se no Movimento Europeu (European Movement), que ainda hoje defende o objetivo da fundação dos Estados Unidos da Europa. Levando-se em conta as etapas determinantes das condições do surgimento de uma comunidade européia, podem-se reconhecer três modelos de política européia, cujas características se exprimem em dominação, equilíbrio e interdependência/integração. a) O modelo da dominação, típico sobretudo das tendências hegemônicas da União Soviética, tornou-se obsoleto, após 1945, para os países da Europa ocidental. No âmbito do Plano Pleven (ver adiante), no entanto, a França ainda tentou, no início dos anos 1950, tornar-se a potência dominante da Europa ocidental no plano militar. b) A aliança entre os Estados nacionais europeus, como a concluída em Dunquerque pela França e Inglaterra (estendida aos países do Benelux em 1948, pelo Pacto de Bruxelas), corresponde à busca de equilíbrio. A contrapotência Alemanha logo foi substituída pela contrapotência União Soviética, como re- 27 sultado da consolidação do poder comunista na Europa central e do leste. c) O modelo da interdependência/integração tem muitos motivos. Fora da Alemanha, buscava-se sua vinculação; internamente, sua reunificação. Adicionalmente, os estadistas europeus pragmáticos viam numa Europa forte um contrapeso à União Soviética. Dessa forma, políticos de procedências as mais diversas, como Robert Schuman (vinculação), Jakob Kaiser e Kurt Schumacher (reunificação da Alemanha), Konrad Adenauer, George Kennan e Winston Churchill (contenção, terceira via), buscavam o mesmo fim de um construto estatal integrado r no subcontinente da Europa ocidental. O modelo da interdependência tem, além da européia, também uma variante norte-americana. Já em agosto de 1945 a Foreign Economic Administration (FEA) elaborou planos de uma Europa democrática. A administração internacional da região do Reno-Ruhr deveria tornar-se um "regime internacional" sem limitação no tempo. Uma fonte estadunidense atribuiu a esse regime o seguinte objetivo: "[Ele] funcionaria para produzir uma reestruturação geral do sistema político europeu, cujo resultado levaria os Estados nacionais a perder drasticamente sua importância como unidades [políticas]" (cf. Gerhardt, 1996: 28).1 O começo de tal regime teria de ser a reconstrução econômica, pois, como afirma um memorando do sociólogo americano Talcott Parsons em 17 de agosto de 1945, "uma economia em expansão facilitará, regra geral, a estabilidade política" (d. ibid. ).2 Em conseqüência, a Alemanha tinha de ser inserida em uma economia liberal de mercado. A idéia da Europa defendida por um grupo de jovens economistas e cientistas políticos no Departamento de Estado americano desde 1946 desembocou pouco mais tarde na perspectiva da unificação política da Europa presente no Programa de Recuperação Européia (European Recovery Program - ERP). 1 Em inglês no original: "[11] wo1l1d work inlo a general reslruclllring of lhe ElIropean political syslem as resllll of which nalional stales as IInits wOllld 2 come to have draslicalfy allered signijicance". (Tradução livre.) (N. do T.) Em inglês no original: "all expalldillg ecollomy wilf, ill general, facilitale polítical slabilíty". (Tradução livre.) (N. do T.) Frank R. pfetseh A União Européia As iniciativas de unificação européia precederam os primeiros passos institucionais da política, especialmente da política exterior e de segurança. Somente mais tarde, quando as questões do desenvolvimento econômico e de sua extensão a novos integrantes influenciam o programa da política européia, é que as perspectivas econômicas e a preocupação com a identidade européia passam ao primeiro plano. A supremacia da política está presente desde os fundamentos mais remotos da primeira organização supra nacional. A Comunidade Européia do Carvão e do Aço (1951) foi iniciada por Robert Schuman a partir de considerações sobre a necessidade de neutralizar o conflito histórico em torno da recuperação da região do Ruhr. preencheram o vácuo de poder, cuja nova divisão foi imposta pelas duas superpotências. O dualismo da Guerra Fria faz lembrar constelações históricas comparáveis, no continente europeu: nos séculos XVII e XVIII, a contraposição entre os Habsburgos e a França; no século XIX, entre a Prússia e a Áustria; na Primeira Guerra Mundial, entre as potências centrais e os países da Entente; e, durante a guerra recém-encerrada, entre as potências do Eixo (Alemanha, Itália) e os aliados da coligação anti-Hitler. O novo conflito pela precedência na Europa, entre as superpotências e seus aliados, viria a dominar a segunda metade do século XX. A prioridade dos Estados europeus, logo após 1945, foram a reconstrução que assegurasse o abastecimento básico e a criação de estruturas, para além dos nacionalismos, que impedissem o ressurgimento da catástrofe que se acabava de viver. O cientista político teuto-americano Carl Joachim Friedrich vê três razões para os Estados europeus terem escolhido esses objetivos, com efeitos diferentes no tempo (Friedrich, 1972: 7-25). Em primeiro lugar, sentia-se a carência de cooperação econômica. O progresso tecnológico requeria, segundo Friedrich, um mercado proporcionalmente vasto. Além disso, de acordo com um argumento já bem conhecido, a ascensão dos Estados Unidos e da União Soviética fez esvairse a prevalência européia, o que se exprimia também em indicadores econômicos. Uma terceira causa para a convergência da Europa é vista por Friedrich no desmantelamento dos impérios coloniais, pelo qual comunidades antigas (como a British Commonwealth ou a Communauté francesa) começaram a esfacelar-se e a perder importância. Com tudo isso, as potências européias puderam voltar-se mais intensamente para a própria política européia. A prioridade da reconstrução econômica, no pós-guerra, acarretou uma cooperação européia crescente. Nesse período surgiu a assim chamada "Europa econômica", apoiada sobretudo pelo Plano Marshall. Esse plano dispôs de 13 bilhões e 150 milhões de dólares norte-americanos (Logne, 1965: 219). O Plano MarshaIl fazia parte do Programa de Recuperação Européia (ERP), lançado em junho de 1947 pelo governo dos Estados Unidos (a aprovação pelo Congresso americano deu-se apenas em abril de 1948). Embora a execução e a administração do Plano MarshaIl estivessem em Washington, a cargo da Agência de Cooperação Econômica (Eco- 28 1.2 Fase de incubação (1945-1950) Até aqui foram apresentados os fundamentos idealizados para o processo de unificação européia iniciado nos anos 1950. Passa-se agora ao esboço das circunstâncias históricas do período do imediato pós-guerra. A fase entre o fim da guerra e os primeiros elementos manifestos do processo institucional de integração européia é entendida, aqui, como incubação de uma unidade européia que se aprofundará mais tarde. Quase todos os Estados europeus tiveram de sofrer a Segunda Guerra Mundial em seus próprios territórios. A autodestruição pela guerra acarretou o enfraquecimento da Europa tanto no campo dos vencedores quanto no dos vencidos. A Liga das Nações tinha tentado uma primeira experiência histórica de uma segurança mundial, mas principalmente européia. Com cerca de 50 milhões de mortos durante a guerra, essa tentativa foi mais que um fracasso. O velho sistema dos egoísmos dos Estados nacionais, é a opinião corrente, causou o desastre das duas guerras mundiais. A Europa estava arrasada, não só moralmente mas também política e economicamente. Em ambos os setores os Estados europeus perderam sua liderança para as "potências externas" dos Estados Unidos e da União Soviética. Na Europa do pós-guerra, a guerra sangrenta foi substituída, em poucos anos, pela Guerra Fria. Com o desaparecimento das rivalidades intra-européias, os Estados Unidos e a União Soviética 29 30 Frank R. PFetsch nomic Cooperation Administration - ECA), as propostas de distribuição dos recursos aos diferentes países beneficiários eram apresentadas pela Organização para a Cooperação Econômica Européia - OCEE (Organization for the European Economic Cooperation - OEEC). A OCEE foi fundada em 16 de junho de 1948, enquanto sua predecessora, a Comissão para a Cooperação Econômica Européia, existia desde julho de 1947. Com isso, a Europa econômica estava institucionalmente vinculada aos Estados Unidos. A inserção das economias populares européias no sistema econômico liberal mundial, incentivada sobretudo pelos Estados Unidos com o acordo monetário de Bretton Woods (1944) e com a fundação do Gatt (1947/48), coincidiu no tempo com a integração econômica européia. Do lado europeu, o Projeto Europa tomou sua primeira feição institucional com a fundação do Conselho da Europa. Essa organização européia deveria abranger todos os campos, exceto o da política de defesa. Os debates acerca da forma que o Conselho da Europa deveria tomar, no círculo dos políticos europeus, deixam entrever pela primeira vez as diversas concepções institucionais que influenciarão mais tarde a evolução das Comunidades Européias e da União Européia. Carlo Schmid (1896-1979), ele próprio membro do Conselho da Europa, conta em suas Memórias que os debates no Conselho da Europa estavam marcados por três grupos principais: os universalistas, os constitucionalistas e os funcionalistas. Os ulliversalistas entendiam a Europa como uma "Europa plena", incluindo os países do Leste e do Oeste europeus. Os COIlStituciollalistas exigiam uma constituição dos Estados Unidos da Europa, a ser elaborada e votada por uma Assembléia Constituinte, submetida a referendos em cada país e ratificada por um plebiscito geral da "nação européia". Osfimcionalistas, por fim, não consideravam que os requisitos para uma constituição européia estivessem dados. Primeiramente ter-se-ia que criar as condições materiais e políticas. Somente uma Europa econômica lançaria as bases de um Estado constitucional europeu (Schmid, 1979: 467-468). Essa última tendência acaba por assumir caráter oficial, com a fundação, em 1961, da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) (Organization for Economic Cooperation and Development - OECD), que sucedeu a OCEE. Durante a fase de incubação, pois, os planos especificamente europeus não A União Européia 31 foram itens prioritários da agenda. A integração econômica da Europa c~~eçou a tomar .forma por causa de considerações de natureza polItIca, em especIal da parte dos Estados Unidos. Do lado francês havia em primeira linha o objetivo de vincular a Alemanha a .um sistema :~ropeu. Esse motivo levou à constituição da Comumdade Europela do Carvão e do Aço, por iniciativa de Robert Schuman, cujo anúncio marca a transição da fase de incubação para a fase de fundação. Enquanto os interesses norte-americanos na rec~nstrução da Eu.r?~a tin~am a ver com um contrapeso à f?rmaçao do bloco sovletIco, a mtegração européia servia à polítIca francesa como garantia contra uma possível agressão alemã. ~ política alemã de Konrad Adenauer, por sua vez, via na integraçao ?a ~~ropa ocidental a possibilidade de recuperar a soberania e de V~a?III~ar,com o apoio de um Ocidente forte, no longo prazo, a reumÍ1caçao. 1.3 Fase de fundação (1950-1957) Numa comunicação do ministro francês das Relações Exteriores, Robert Schuman (1886-1963), ao Conselho de Ministros, em 9 de maio de 1950, justos cinco anos após o término da Segunda Guerra ~undial, foi anunciada a criação da Comunidade Européia do Carvao e do Aço (Ceca). A evolução de uma Europa para além dos nacionalismos delineia-se no horizonte da política européia. Os membros da Ceca eram a França, a República Federal da Alema.n~a, a Itália e o Benelux (Bélgica, Holanda e Luxemburgo). Ongmalmente, a Ceca deveria ter formado, com a Comunidade Européia ?e .Defesa (CEI?),. a Comunidade Política Européia (CPE), com o obJ~tIvo de constitUIr uma Europa federal. Esse projeto fracassou maIS tarde, quando a Assembléia Nacional francesa em agosto de 1954, rejeitou o debate sobre a CED e o assunto saiu da agenda européia. A Comunidade Européia do Carvão e do Aço (Ceca) A .Comunida~e ~uropéia do Carvão e do Aço (Ceca) é uma comumdade economlca transnacional integrada setorialmente que 32 Frank R. pfetsch existe ainda hoje dentro da CEIUE. A fusão dos setores nacionais respectivos da indústria pesada foi realizada em 1952, cerca de um ano depois da assinatura do tratado, em 18 de abril de 1951, em Paris. O objetivo principal da Ceca era a abolição gradual das tarifas aduaneiras e dos contingenciamentos, como instrumentos do comércio internacional entre os países integrantes da Ceca. Com a superação das restrições monetárias, instituiu-se um sistema de preço duplo, que, mediante instrumentos tarifários, fixou um preço para a importação de bens da indústria pesada e outro para a venda interna. No preâmbulo do tratado da Ceca são indicados os motivos de sua instituição: a paz mundial, uma Europa organizada como contribuição para a civilização, uma base comum para o desenvolvimento econômico, a elevação do nível de vida e a cooperação ao invés de rivalidades centenárias. Entre as finalidades da Ceca têm-se a constituição de um mercado comum para o carvão e o aço e uma divisão efetiva do trabalho. Além da proibição de tarifas aduaneiras e de contingenciamentos, o tratado da Ceca veda a discriminação de produtores estrangeiros e o recurso a subvenções nacionais e declara-se contra o monopólio no setor da indústria pesada. O tratado de Paris previu uma Alta Comissão como órgão executivo da Ceca, composta de nove membros. Oito desses membros são designados pelos governos e o nono é eleito por seus pares da comissão. Esse órgão supranacional, fundido em 1967 com a Comissão da Comunidade Européia, decidia por maioria de votos, em nome do interesse da Comunidade. A Alta Comissão, cujas decisões e recomendações possuíam caráter coativo, tinha sua sede em Luxemburgo. Outros órgãos da Ceca: a Comissão Consultiva (depois: Comissão de Assuntos Sociais e Econômicos3), a Assembléia (depois: o Parlamento Europeu) e o Conselho de Ministros Restrito (depois: o Conselho de Ministros da UE). A Assembléia compunha-se dos deputados designados pelos respectivos parlamentos nacionais. Os representantes dos governos, no Conselho de Ministros Restrito, deliberavam, regra geral, por maioria. 3 Preferiu-se utilizar a palavra "comissão" (equivalente ao alemão AlIssclllISS, termo oficial da UE empregado pelo autor) e não a palavra comité, utilizada na versão portuguesa dos documentos da UE e traduzida da terminologia francesa. O mesmo vale para a Comissão das Regiões. A União Européia 33 A Comunidade Européia de Defesa (CED) Como uma comunidade européia de defesa estava obrigatoriamente vinculada ao rearmamento da Alemanha, seus defensores no período do pós-guerra encontram uma vigorosa oposição. Em 1949, o socialista francês Léon Blum sustentara, como defesa contra a União Soviética e contra a Alemanha, a subordinação do exército alemão a uma comunidade européia de defesa. Um ano mais tarde, Winston Churchill referiu-se à possibilidade de admitir batalhões alemães em um exército europeu. O alto comissário americano para a Alemanha entre 1949 e 1952, John J. McCoy, propôs a formação de uma "European Defense Force" com tropas americanas, canadenses e alemãs (d. Loth, 1980: 269-275). O plano do gaullista francês René Pleven, que propôs em 24 de outubro de 1950 a integração de tropas alemãs em batalhões e regimentos (Plano Pleven), foi uma tentativa de restringir a inserção da Alemanha ao mínimo possível (cf. Loth, 1980: 275-281). O Plano Pleven continha forte "discriminação dos alemães, a manutenção dos Estados-maiores nacionais e dos ministros da Defesa de todos os países, exceto a Alemanha, para as operações externas ao pacto do Atlântico Norte, grandes obstáculos à participação alemã no Estado-maior conjunto referente aos batalhões integrados, um ministro europeu da Defesa, nos termos propostos, certamente indicado pela França [e com isso] a exclusão da Alemanha das instâncias decisórias da Otan e possivelmente [a] predominância da França na Organização" (ibid.: 276). A Assembléia Nacional francesa aprovou o Plano Pleven. Ele foi rejeitado, no entanto, pela maioria dos membros da Otan. A oposição entre as necessidades de segurança francesa e alemã só seria superada mediante uma comunidade supranacional (ibid.: 277). A pressão americana já obtivera, ainda antes do Plano Pleven, em setembro de 1950, numa reunião dos ministros do Exterior dos países ocidentais, uma posição conjunta sobre a contribuição da Alemanha para as forças armadas, no âmbito de uma comunidade de defesa. Logo após a assinatura do tratado geral para o encerramento da ocupação da Alemanha (Tratado da Alemanha), em maio de 1952, foi firmado em Paris o tratado para a fundação da Comunidade Européia de Defesa. Em lugar de um ministro da Defesa 34 Frank R. pfetsch europeu supranacional constituiu-se um comissariado de nove integrantes, cujas decisões dependiam de homologação pelo Conselho de Ministros Restrito. Além disso, a CED teria de ser ratificada pelos diversos Parlamentos nacionais. A CED vinha sendo organizada sem a participação britânica. A Inglaterra, contudo, havia estendido o Pacto de Assistência Mútua de Bruxelas à Alemanha. Com o fracasso do Plano Pleven, a França não conseguiu manter seu projeto de predominância. A idéia de uma "terceira força" malogrou, pois não se conseguira a independência da força de defesa com relação aos Estados Unidos. Mantiveram-se, todavia, dois motivos fundamentais do processo de unificação européia: de uma parte, a CED baniu, de início, o perigo de um renascimento das tendências Holanda nacionalistas na Alemanha, Deputados 268 Itália Alemanha Luxemburgo Bélgica França cuja contenção era interesse de primeira ordem para a França. De outra parte, o projeto de vinculação entre a Otan e a CED permitiria alcançar um potencial máximo de defesa para o mundo ocidental - o que era do interesse sobretudo dos Estados Unidos. As concessões feitas pelo governo francês à Alemanha, no entanto, eram vistas como exageradas tanto pela esquerda francesa (comunistas, tradicionais opositores da Alemanha) quanto pela direita (gaullistas, grande parte da indústria francesa). Em junho de 1954 a Comissão de Defesa da Assembléia Nacional votou contra a ratificação do tratado da CED e o Parlamento recusou colocar o tratado na ordem do dia, em 30 de agosto de 1954, por 319 contra 264 votos. Dessa forma soçobrou a Comunidade Européia de Defesa. Em termos de política de segurança, a Europa decidiu-se, um ano mais tarde, com a admissão da República Federal da Alemanha na Otan, pela opção transatlântica e, dessarte, pelos Estados Unidos. A Comunidade Politica Européia (CPE) O projeto de uma comunidade política européia foi ventilado, em 1952, em uma assembléia específica dos integrantes da Assembléia Conjunta da Ceca. A proposta aprovada pela assembléia conjunta em 10 de março de 1953 previa um Parlamento bicameral como órgão deliberativo central da Ceca, amplamente federalizada. O objetivo era a integração da Ceca e da CED em uma organização A União Européia 35 política comum. As competências da Comunidade seriam estendidas à política externa, à defesa, à integração social e econômica e à proteção dos direitos humanos. Institucionalmente, o Parlamento bicameral seria dividido em uma Câmara de Deputados, representando os cidadãos, e um Senado, representando os diversos Estados-membros. A Câmara dos Deputados seria eleita por voto direto, enquanto o Senado seria composto por deputados dos parlamentos nacionais. TABELA 1.1 Parlamento projetado para a Comunidade Política Européia 04 10 87 21 70 30 12 63 30 63 Câmara dos Senado A tabela 1.1 mostra como se previa a distribuição dos mandatos por país. O governo da CPE deveria ser exercido por um Conselho Executivo europeu, responsável perante o Parlamento, c cujo presidente seria eleito pelo Senado. Os doze integrantes do Conselho Executivo teriam um mandato com a mesma duração do dos parlamentares: cinco anos. Estavam previstos, ademais, como órgãos da CPE, um Conselho de Ministros composto de representantes dos governos nacionais e um Tribunal. Como o projeto da comunidade política européia estava previsto em conjunto com a Ceca e com a planejada CED, o malogro desta, em agosto de 1954, na Assembléia Nacional francesa, acarretou também o fim da CPE. A reunião dos ministros do Exterior, ao final de 1954, conseqüentemente, já não tinha a CPE em sua ordem do dia. Durante a fase de fundação da Europa, encontravam-se em concorrência duas concepções diversas. Nos anos 1950, na linha de continuidade da polêmica fundamental sobre os limites da integra- 36 Frank R. pfetsch ção, protagonizada no imediato pós-guerra pelos "federalistas" e pelos "pragmáticos", tem-se uma situação nova. Como se disse anteriormente, os pragmáticos acabaram por predominar, diante da ameaça efetiva representada pelo expansionismo agressivo do comunismo na Europa oriental. O peso determinante no processo decisório deslocou-se, pois, sobretudo no âmbito da Ceca, para o lado dos políticos europeus pragmáticos, como Konrad Adenauer ou Robert Schuman. Mesmo assim, ainda não se tinha uma decisão clara sobre a questão básica de até onde a integração dos "Seis" deveria ir. A dificuldade maior para os governos e os Parlamentos estava no grau de renúncia aos direitos nacionais de soberania, como ficou evidenciado na rejeição da CED pela França. Por princípio, a política alemã estava em uma situação toda especial. Mesmo depois da suspensão do estatuto de país ocupado no ano de 1952, a República Federal da Alemanha não chegou a ser um Estado inteiramente soberano, pois dispunha de uma "autoridade plena" que excluía as questões de defesa e de emergência. Como o fim da ocupação estava vinculado ao projeto da Comunidade Européia de Defesa, o malogro desta impôs que se encontrasse um outro caminho para engajar a República Federal da Alemanha no sistema de alianças ocidental. A ação política externa de Konrad Adenauer esteve fortemente orientada pela instituição de plena soberania. Havia, no entanto, na política alemã e mesmo dentro do governo democrata-cristão, um fosso de divergências, cujas bordas eram, de um lado, a visão de Adenauer de uma "Europa ocidental política" e, de outro, a posição de Erhard de uma "grande Europa econômica". Konrad Adenauer (1876-1967), chanceler federal alemão a partir de 1949 e acumulando as funções de ministro das Relações Exteriores de 1951 a 1955, defendia uma Europa politicamente integrada em torno do eixo Bonn-Paris. O fracasso da CED fez essa política sofrer um sério revés. Apenas um mês após a Assembléia Nacional francesa ter-se recusado a tratar da CED, tiveram lugar, essencialmente por insistência de Adenauer, duas conferências: a primeira em Londres (de 28 de setembro a 3 de outubro de 1954) e a segunda em Paris (de 9 a 23 de outubro de 1954), nas quais o Pacto de Bruxelas evoluiu para a União da Europa Ocidental (UEO), com a inclusão da Alemanha Federal e da Itália. Estava dado assim o primeiro A União Européia 37 passo para a admissão da Alemanha Federal na Otan. A Alemanha Federal aceitou determinadas restrições a seu rearmamento e renunciou à produção de armas atômicas, biológicas e químicas. O pacote completo, também conhecido como "Tratados de Paris", entrou em vigor em 5 de maio de 1955. Sua conseqüência imediata foi o restabelecimento da soberania da República Federal da Alemanha nos termos do direito internacional público (com uma exceção: a permanência de tropas aliadas em seu território). Os Tratados de Paris foram a realização dos objetivos de Adenauer: uma Europa ocidental politicamente integrada, cujo cerne era franco-alemão. Diversamente de Konrad Adenauer, Ludwig Erhard (1897-1977), ministro da Economia da Alemanha Federal de 1949 a 1963, defendia um "projeto europeu global [...] de liberalização das relações econômicas externas" (cf. Pfetsch, 1993: 159-161). Esse lema comercial da Escola de Friburgo do liberalismo econômico (ardo) não se coadunava com uma integração econômica baseada inicialmente apenas em seis Estados. Para Erhard (1994: 9): "A situação da Alemanha caracteriza-se, ademais, por necessitar de parcerias comerciais com todos os países. Não nos podemos contentar com o regionalismo, por amplo que seja". Enquanto o Plano MarshaIl, o Gatt (General Agreement on Tariffs and Trade), o Fundo Monetário Internacional ou o Banco Mundial foram criados como instituições abertas universais, a Europa dos Seis não havia sido pensada para crescer depressa ou para incluir muitos outros. Erhard, especialista em política econômica, sustentava, no entanto, o primado da economia: Do meu ponto de vista fica claro porém que não me inclino a ver na Europa o fim último e absoluto da ordem econômica. Aqui distinguem-se a política econômica e a política exterior. Para mim, a integração é apenas uma etapa, visível a olho nu, na qual se deve buscar a superação de todas as restrições ao comércio internacional. [...) Se tivermos a esperança de que nossos esforços pela integração econômica do continente sejam o primeiro passo para chegarmos igualmente, em tempo h<Íbil,a formas políticas comuns, então o espírito que inspira a ordem econômica européia será determinante também de uma política comum (Erhard, 1957: 309). 38 Frank R. PFetsch A União Européia As idéias de Erhard tiveram, na Europa ocidental, apoio dos governos da Inglaterra, dos países escandinavos e das repúblicas alpinas neutras (Áustria, Suíça). No entanto, quando a Inglaterra, a Noruega, a Áustria, a Suécia e a Suíça constituíram, em maio de 1960, a Associação Européia de Livre-Comércio (AELC/Efta), a integração dos países da Ceca com a Comunidade Econômica Européia já tinha tomado outro caminho. Desde o fracasso da CED, as negociações dos Tratados de Paris acerca do estatuto da Alemanha e diversas iniciativas da Ceca buscaram relançar o movimento europeu - a assim chamada relance européenne. Fiel à ortodoxia do movimento econômico liberal (Ordo), o ministro holandês do Exterior, Johan W. Beyen, afirmava em 1955: com maior dinamismo. Os Tratados de Roma haviam criado uma comunidade econômica que abrangia muitos setores, diferentemente do que acontecia com a indústria pesada ou atômica (a Euratom ocupava-se sobretudo do uso pacífico da energia nuclear). A união aduaneira instituída ao mesmo tempo liberalizou a maior parte do comércio intracomunitário e construiu gradativamente uma barreira alfandegária contra o resto do mundo (diversamente do que veio a fazer, dois anos mais tarde, a zona de livre-comércio Efta). O preâmbulo do tratado da CEE enuncia os objetivos da Comunidade: a integração sempre maior dos povos europeus, a meta do progresso econômico e social, a melhoria das condições de vida e de trabalho, a unificação e o desenvolvimento harmonioso das economias, assim como a preservação e a consolidação da paz pela aliança do poderio econômico. Como tarefas programáticas da CEE foram estabelecidas a criação de um mercado comum no prazo de doze anos e a harmonização gradativa da política econômica dos Estados-membros. Além da criação do mercado comum, foram adotadas diversas medidas que aboliram obstáculos à livre circulação de pessoas, capitais e serviços entre os Estados-membros e iniciadas as políticas comuns na agricultura, na concorrência e nos transportes. Foram criados os seguintes organismos comunitários: o Parlamento Europeu, o Conselho, a Comissão Européia, o Tribunal Europeu de Justiça, a Comissão Econômica e Social e o Tribunal de Contas Europeu (cujas características serão tratadas mais adiante, no capítulo sobre as instituições). As declarações de intenção dos seis Estados-membros da Comunidade implicaram, em vários campos da política, um grau de integração que requeria restrições aos direitos de soberania dos Estados nacionais. Na pessoa do general De Gaulle, de retorno à cena política desde fins de 1958, com a V República, a França elevou-se veementemente contra qualquer diminuição de seus instrumentos de poder. De Gaulle praticava a política de uma união européia de Estados, cuja intenção era fazer recuar as ambições supra-estatais. Para a prossecução de seus fins, De Gaulle não hesitava em utilizar as instituições européias. Em particular, opôs-se à federalização, à renúncia à soberania e à admissão da Inglaterra na Comunidade. Se quisermos chegar à integração política, precisamos abordar o problema desde o ângulo da economia global, pois é o poderio econômico que viabiliza a infra-estrutura necessária à manutenção da unidade política da Europa (citado segundo Gasteyger, 1994: 150-151). Os critérios da união aduaneira e de uma organização destinada à produção e à utilização de energia nuclear, a serem examinados pela cúpula de governos em 1957, foram encomendados ao ministro belga do Exterior, Paul Henri Spaak (1899-1972), que chefiou igualmente de 1950 a 1955 o Conselho Internacional do Movimento Europeu. As negociações, que reuniram especialistas em economia e representantes da OEEC e do Conselho da Europa, foram concluídas em Paris em fevereiro de 1957. Os tratados já haviam sido elaborados e firmados em Messina, na Sicília, em 1955. A assinatura dos tratados de fundação da Comunidade Européia do Átomo (Euratom) e da Comunidade Econômica Européia (CEE) foi efetivada em 25 de março de 1957, em Roma. Desde então, esses documentos são conhecidos como os "Tratados de Roma". 1.4 Fase de consolidação e de crise (1958-1969) Quando os Tratados de Roma entraram em vigor, em janeiro de 1958, já existiam a Ceca, a Euratom e a CEE, conhecidas como Comunidades Européias. Destas, foi a CEE que se desenvolveu 39 40 Frank R. Pfetsch Uma conferência de cúpula em Bonn, em julho de 1961, confiou a uma comissão presidida pelo francês Christian Fouchet (1911-1974) a tarefa de elaborar um plano de expansão da integração política. O primeiro Plano Fouchet, de 2 de novembro de 1961, previa uma "união de Estados" (Zl1IiOIl d'États) baseada no "respeito à personalidade dos povos e dos Estados-membros". A união seria, pois, uma aliança de países independentes, sem instituições jurídicas próprias. As instituições previstas pelo Plano Fouchet I eram um Conselho composto pelos chefes de governo, uma Assembléia Parlamentar européia e uma Comissão, com atribuições meramente administrativas, sediada em Paris. A competência da união incluiria política exterior, segurança e defesa, nos campos em que o interesse fosse comum. Ademais, pertenceria à competência da união promover a cooperação científica e cultural bem como a política de defesa dos direitos humanos, das liberdades fundamentais e da democracia. O Plano Fouchet I provocou fortes objeções, sobretudo quanto à supranacionalidade anunciada, quanto à política comum de defesa e quanto à adesão da Inglaterra às Comunidades (cf. Masc1et, 1994: 41). - Com respeito à supranacionalidade, advertiu-se quanto à falta de especificação da transição parcial para a regra da decisão por maioria. Ela não deveria conduzir a uma revisão dos Tratados de Roma, de acordo com as críticas da Assembléia Européia. Para enfatizar as intenções do projeto de Fouchet, fez-se a proposta de rebatizar a "União dos Estados" em "União dos Povos". - No caso da política de defesa, havia conflitos crassos com a realidade existente na Otan e na UEO. A Holanda, em particular, exprimiu seu receio de que a Otan pudesse ser enfraquecida pelo plano. - Em agosto de 1961, a Inglaterra havia apresentado o requerimento de adesão às Comunidades, logo seguida pela Dinamarca, Noruega e Irlanda. Por causa da posição da Inglaterra na Commonwealth e de sua relação privilegiada com os Estados Unidos, ressurgiu o conflito entre a concepção de uma zona de comércio para além do continente europeu e a de uma Europa politicamente integrada. A União Européia 41 A situação complicou-se ainda mais por causa da posição algo ambígua da França, que defendia a supranacionalidade na versão de Fouchet, mas que, por outro lado, com De GaulIe, tendia a preservar uma grande fatia de política nacional independente. Durante os debates sobre o Fouchet I, a Bélgica e a Holanda defenderam um sistema mais liberal, com a participação da Inglaterra, e opuseram-se à criação de uma secretaria da "União dos Estados", peçamestra da supranacionalidade. É certo que o medo de uma hegemonia franco-alemã na Europa dos Seis desempenhou, aqui, um certo papel. Esse receio não era de todo injustificado, como demonstrou a brusca interrupção das negociações em torno da adesão da Inglaterra, provocada por De GauIle em 14 de janeiro de 1963. Quase ao mesmo tempo, em 22 de janeiro de 1963, De GauIle promoveu assinatura do tratado de amizade franco-alemão, no qual uma vez mais se reforçava o princípio da soberania nacional dos Estados. O Plano Fouchet 11, divulgado em 18 de janeiro de 1962, levava em conta as críticas ao Fouchet I e especificava as políticas que estariam na competência da nova união. Enquanto a política de defesa continuava vaga, pois continuava-se a não mencionar a Otan, as políticas exterior, econômica e cultural foram explicitamente mencionadas no planejamento. As demais modificações, como a proposta de um Comitê de Ministros, além do Conselho de Chefes de Governo, ou o abandono do fortalecimento do Parlamento Europeu, inicialmente proposto, não bastavam para compensar as profundas divergências entre os seis Estados-membros. Os planos Fouchet acabaram dando em nada. Enquanto os planos Fouchet tratavam do futuro das Comunidades Européias, a política agrícola constituiu um campo concreto no cenário político no qual as posições básicas - integração verslIs soberania nacional - se confrontaram. A abrangência e o alcance da política agrícola comum (PAC) decidida em 14 de janeiro de 1962 nunca puderam ser resolvidos de forma consensual, como, por exemplo, para a garantia comum de preços mínimos. Em 1965, a agenda do Conselho de Ministros previa a passagem do princípio das decisões por unanimidade para o da maioria. No conjunto de dezessete votos no Conselho (F 4; RFA 4; 14; B 2; H 2; L 1), doze, isto é, a maioria de dois terços, deveriam bastar para decidir. Outras 42 Frank R. pfetsch 1.2 QUADRO Metas e objetivos da CE Melhoria do nível de vida Pleno emprego Expansão econômica pesquisa e difusão dos conhecimentos normas unificadas de segurança fomento dos investi· mentos abastecimento de mine· rais e combustíveis controles exercfcio do direito de propriedade bustíveis Ceca CEE Euratom/CEA Fomento da indústria nuclear mediante: dos Criação de um mercado co· mum mediante: Distribuição racional dos bens mediante: • • • supressão aduaneiras das tarifas e das restri· ções quantitativas e equivalentes adoção de tarifas adua· neiras comuns politica comum mércio exterior de co· • • garantia da livre circulação de pessoas, capitais e serviços política agrícola comum • • com· criação de um mercado comum de energia nu· clear • política comum de trans· portes • fomento das exteriores • introdução de um sistema comunitário de con· corrência • • coordenação das políticas econômicas nacionais • uniformização relações garantia do abaste· cimento do mercado comum com carvão e aço • • • 43 A União Européia garantia do livre acesso à p rod ução regulação de preços aumento da capaci· dade de produção melhoria das condi· ções de vida e de trabalho dos traba· Ihadores fomento do comér· cio fomento timentos dos inves- legal ao fortalecimento das instituições comunitárias, em detrimento dos Estados-membros, no que ficou conhecido como a "política da cadeira vazia". Essa política queria demonstrar e reiterar que a França não estava disposta a renunciar a seus direitos soberanos. A política da cadeira vazia foi praticada por De Gaulle até o assim chamado Compromisso de Luxemburgo, de 30 de janeiro de 1966. O Compromisso previa que, doravante, em todas as questões consideradas essenciais para uma nação (intérêts tres importants), os debates continuariam até que se pudesse tomar uma decisão unânime. A partir de então, o Conselho de Ministros praticamente deixou de tomar decisões por maioria. As atividades da Comunidade voltaram, no entanto, ao normal. Em 1 de julho de 1967, a fusão das três comunidades, CEE, Euratom e Ceca, decidida em 1965, efetivou-se na Comunidade Européia. As metas e objetivos da Comunidade Européia estão resumidos no quadro 1.2. Comparativamente, o processo de unificação da Comunidade Européia passou o pior momento de sua história a partir de 1962 (Plano Fouchet lI). Masc1et (1994: 62) descreve o período de 1962 a 1969 como "a etapa mais decepcionante de seu itinerário" de integração. A França só veio a modificar sua posição após a renúncia do general De Gaulle ao mandato de presidente da República, em abril de 1969. Em maio de 1967, De Gaulle vetara uma vez mais a entrada da Inglaterra na CE. Mais tarde, ele chegou mesmo a parecer disposto a sacrificar a Comunidade em benefício de uma zona de livre-comércio e de uma união política de quatro Estados: França, Alemanha, Itália e Inglaterra, malgrado sua concepção de uma Europa das pátrias. Q 1.5 Ampliação e estagnação (1969-1985) Fonte: Teske, 1990: 15. proposições da comissão da CEE previam, ademais, que a Comunidade poderia vir a ter receita própria, para não depender exclusivamente das contribuições dos Estados-membros. Ambas as propostas iam na direção de um projeto de comunidade cada vez mais supranacional. A partir de 30 de julho de 1965, De Gaulle passou a evitar sistematicamente as decisões que conduziriam Em 1969, Charles de Gaulle deixou a cena política. Seu sucessor como presidente da República, Georges Pompidou, adotou uma política européia mais moderada. O primeiro passo foi a desistência francesa de vetar a entrada da Inglaterra na CE e permitir que outras iniciativas fossem adotadas na reunião dos chefes de Estado e de governo em Haia, em dezembro de 1969. Isso ficou claro sobretudo na assim chamada primeira vaga de adesões, a partir de 44 Frank R. pfetsch 1973, que carreou para a CE a Inglaterra, a Dinamarca e a Irlanda. Nos oito anos subseqüentes, a Comunidade compreendia, pois, nove integrantes, até que a segunda vaga de adesões, nos anos 1980, promovesse a admissão da Grécia (1981), da Espanha e de Portugal (1986). A Cooperação Política Européia (CPE) Também no campo da política exterior foram tomadas iniciativas. A reunião dos ministros do Exterior em 19 de novembro de 1966 tratou das possibilidades de uma cooperação política e lançou as bases da CPE. Após o malogro de tentativas anteriores de uma integração da política européia exterior e de defesa (CED, Planos Fouchet), a CPE, na condição de cerne de uma política exterior comum, tinha a despretensiosa meta de uma mera coordenação. A evolução desse instrumento, concebido inicialmente como mecanismo de consulta, passou por Haia (dezembro de 1969), Paris (outubro de 1972, projeto da "União Européia"), Copenhague (dezembro de 1973) e Londres (outubro de 1981). Retrospectivamente, pode-se caracterizar a evolução da CPE de duas formas. De um lado, a coordenação intensificou-se com encontros cada vez mais freqüentes dos ministros do Exterior e mesmo dos chefes de governo. De outro, a CPE foi sendo ampliada, ao longo dos anos, incluindo a política de segurança. Os mecanismos de funcionamento da CPE foram consagrados no Relatório de Luxemburgo, elaborado pelo diplomata belga Étienne Davignon por determinação dos ministros do Exterior dos Seis, também conhecido como Relatório Davignon e publicado em 20 de julho de 1970. As posições comuns em questões de relevância deveriam doravante ser acertadas em consultas regulares. Essas posições foram, a partir de então, definidas de comum acordo: as relações com os Estados Unidos, o conflito no Oriente Médio, o diálogo Europa-mundo árabe, as sessões da Conferência para Segurança e Cooperação na Europa (CSCE), as relações econômicas entre Leste e ,oeste, a política mediterrânea e a cooperação com os países ACP (Africa, Caribe, Pacífico). A União Européia 45 No quadro do Ato Único Europeu (AUE), a CPE foi inscrita em 1986, nos tratados, como política externa e de segurança comum (Pesc). Ainda hoje as abreviaturas CPE e Pesc continuam a ser utilizadas por vezes em paralelo. Nos anos 1970, a CPE pôde utilizar com eficiência e êxito a estrutura dos ministérios do Exterior para realizar a CSCE e para definir as posições comuns em questões internacionais. Na perspectiva de hoje, ela pode ser entendida como um elemento flexível de coordenação e harmonização das posições em questões de política externa. No entanto, a CPE mostrou-se menos eficiente na gerência das crises. Uma análise histórica e institucional mais aprofundada da CPE encontra-se no Capítulo 5 ("Políticas públicas"). Ampliação gradual da Comunidade Européia A primeira vaga de ampliação em 1973 foi um marco na história das Comunidades Européias. A Inglaterra foi sem dúvida o país de maior importância a aderir. Para o Reino Unido, a CE era interessante sobretudo por significar uma expansão do campo de sua atuação política. No Livro branco sobre a adesão à Comullic!ade Européia, em 1971 (ill Gasteyger, 1990: 289-293), o governo britânico publicou os argumentos apresentados 110 requerimento de adesão. Entre eles, o interesse comum dos Estados-membros da CE na segurança externa, na economia e no social. De acordo com seus redatores, o poder e a influência de uma Comunidade Européia ampliada seriam maiores que os de cada país separadamente. O desenvolvimento dos procedimentos comunitários também para as questões de política exterior era apresentado como uma das metas da Comunidade Européia que a Inglaterra não tencionava seguir incondicionalmente. Nesse momento, as regras previstas pela UEO representam o ponto máximo a que o governo britânico estava disposto a chegar. Também quanto à união econômica e monetária, o Livro branco sobre a adesão deixava abertas todas as opções futuras: Mesmo se não aderirmos, nada impedirá que a Comunidade dos .Seis progrida tanto no campo econômico como no político. 46 Frank R. pfetsch Com isso, as opções que restarão aos governos futuros estarão limitadas sem que tenham qualquer possibilidade de participar do processo decisório (Arquivo Europeu, 1971: D 360). Algumas partes do Livro branco inglês constituem ainda hoje uma análise da Comunidade Européia digna de ser lida. Seus autores estavam diante da difícil tarefa de justificar, para uma cultura jurídica desenvolvida ao longo de séculos e que produzira igualmente uma compreensão própria da política, o ingresso em uma construção já parcialmente supranacional (cf. Fetscher, 1968). Para revidar o principal argumento dos opositores britânicos à adesão, o Livro branco remetia ao Compromisso de Luxemburgo, segundo o qual as decisões em questões consideradas de interesse nacional vital somente poderiam ser tomadas unanimemente. Apesar da competência do Tribunal Europeu de Justiça em questões de direito comunitário, afirmava-se a continuidade da vigência da commOl1 lawe do habeas cO/pus. Insistia-se também que a adesão continuada às cláusulas dos Tratados de Roma era voluntária. Ainda antes de seu ingresso na CE, a Inglaterra reafirmou expressamente suas reservas quanto à ampliação da tendência integracionista. Mesmo assim, a adesão da Inglaterra tinha motivos sobretudo econômicos. Enquanto os objetivos políticos foram tratados de forma genérica, as metas econômicas foram expressas com toda clareza: Os custos da adesão à Comunidade - tal como apresentados no Livro branco - são o preço que se teria de pagar para obter vantagens políticas e econômicas. Essas vantagens mais do que compensariam os custos, desde que saibamos aproveitar as possibilidades de um mercado interno muito maior que se abrirá. Se o fizermos, alcançaremos o que os Seis já conseguiram desde a fundação da Comunidade: substancial incremento do comércio, estímulo para o crescimento e para os investimentos, aumento real dos salários e do nível de vida, mais do que nos últimos anos ou que seria possível se ficarmos fora da Comunidade (Arquivo Europeu, 1971: D 363). A Inglaterra passou a ver os interesses comuns dos países da CE em comparação com a rápida diminuição de sua influência na A União Européia 47 Commonwealth. Só nos anos 1960 Chipre, Jamaica, Trinidad e Tobago, Rodésia, Nigéria, Serra Leoa, 1!ganda, Quênia e Gâmbia declararam independência. Também na Asia central e no Sudoeste asiático a Inglaterra abandonara praticamente todos os seus protetorados. Já nos anos 1970 o volume das exportações do Reino Unido - sempre de acordo com o Livro branco - para os Estadosmembros da CE era maior do que para os países da Commonwealth. Era preciso ser adivinho para nutrir a expectativa de uma expansão adicional do comércio. A esperada integração dos. mercados comunitários representava igualmente uma oportull1~~de ímpar de recuperar a importância cadente da Inglaterra na pO~It1Ca comercial que, vista da perspectiva histórica, provavelmente nao se repetiria. Com a adesão da Dinamarca, da Irlanda e da Inglaterra, em 1º de janeiro de 1973, a Europa dos Seis tornava-se a Europa d~)s Nove. Também a Noruega teria querido aderir, mas a populaçao norueguesa manifestou-se~ no. pl~biscito de setet.?bro de 197~, contra o ingresso na CE. A pnmeIra vaga de adesoes logo segUiu nova série de negociações acerca da ampliação da CE, des.sa vez em direção à Europa do sul, notadamente com o restabelec1l11el~to da república na Grécia, em 1974. Cerca de três anos_ de nego~I~ções depois, em 1979, foi assinado o tratado de ~de~ao da GreCIa à Comunidade, quando as negociações para a admIssao de Port~g:11 e da Espanha já se encontravam em curso. ~ tra.tado ~o.m a GrecIa entrou em vigor em 1981. O discurso do pnmeIro-mll1Istro greg~, Constantino Caramanlis, deixou claro que a motivação pa:a :ldenr era fortemente política, mas também econômica, o que valIa Igualmente para os demais candidatos da Europa do sul. A Grécia adere à Europa convencida de que a s~lida:iedad~ européia representa para todas a~ partes. a consolJdaçao ~a. Independência nacional, a ~arantIa da !lb~rdade democratlca, a aceleração do desenvolVImentoeco_nomlco.e o progresso. ec?nômico e social mediante cooperaçao multI1~te:aI.(...] ? Isol~lcionismo, as barreiras aduaneiras e a autarqUla,~nalcanç,:ve~sao fases historicamente ultrapassadas da ação polJtl~o-ec~nomlcae constituem uma forma passiva de contrapor-se a !"ealJdade.Os problemas atuais da Europa e de toda a humal1ld~depressupõem a lógica dos grandes espaços e do~ wandes nu~eros para serem corretamente solucionados. As dIficuldades nao podem 48 Frank R. Pfetsch se; .superadas por isolacionismos concorrentes, mas, pelo contra!"lO,somente pela aceleração do processo de unificação (ArqUIvo Europeu, 1979: D 456). Enquanto o Livro branco britânico havia sido concebido como defes.a da decisão desejada pelo governo, a proclamação de Caramanhs assume um tom bem mais eufórico: a unificação da Europa er~, a se~,.ver, "o ~a!or acontecimento da história do nosso continente , 9ue mfluencIara.a evolução de toda a humanidade". A Grécia, contInuava C:arama~hs, estava decidida a "empreender as mudanç.as ~,~trutu:aIs_e as Inovações institucionais" que fossem necessánas .a reahzaçao da idéia de uma Europa unificada" (in Gasteyger, 1994. 296). En~en~endo-se, na Comunidade Européia, como mediadora para os Balcas .e para o espaço do Mediterrâneo, como "posto avançado da fronteIra européia", como "balcão mediterrâneo do mer~ado comum", a Grécia poderia contribuir, com sua grande mannha mercante, para a "promoção da idéia de Europa". Política monetária , A CED, .os Planos Fouchet de união política ou em parte tambem a CP~ ,tInham em comum. um mesmo modelo. Os esforços de alguns, ~ohtIcos europeus pela mtegração em determinados campos da pohtIca foram coroados por decisões comuns, mas acabaram por fracassar por caus.a .de certos governos, que não estavam dispostos a dar o, ~asso decI~I~o da renúncia à soberania nacional. O campo da pohtIca, monetana, no qual o espaço de decisão mesmo dos ~randes pmses da CE estava-se reduzindo por causa da crescente mterdependência do capital internacional, definiu-se no final dos anos ~960 como um setor novo da política européia, em que se podena aprofundar a integração. O assi~ ~hamado Plano Barre de 1969 foi o precursor do grupo. de .espec.Ia!Istas que se constituiu, em 1970, sob a presidência do pn.~eIro-m!lll~tro luxem~u:guês Pierre Werner, para planejar a uma~ e~on~mIca e monetana. O Plano Werner previa uma política economIca Integrada como pressuposto de uma política monetária co?!um, ~u.e se tornaria, após um período de transição, o cerne da ullla~ P?htIca. O plano sintetizava diversas concepções de política economIca (cf. Gaddum, 1994: 195): A União Européia 49 - uma posição "econômica", representada sobretudo pela Alemanha e pela Holanda, que previa uma aproximação gradativa das políticas econômicas nacionais como pressuposto de uma política econômica e monetária comum ("teoria do coroamento", pois a política comum seria o coroamento da convergência de princípios anteriormente obtida); - a França e a Bélgica esperavam que taxas fixas de câmbio fizessem pressão sobre a economia ("teoria da locomotiva"). o Plano Werner foi adotado pelo Conselho da Europa, em 1971, sob a forma de uma variante diluída, que apenas recomendava a coordenação das políticas monetária e orçamentária. Em 1972, os Seis - o ingresso dos novos membros só ocorreu em 1973 deliberaram criar o sistema monetário europeu, também conhecido como "serpente monetária". Desde 1944 estava em vigor o sistema monetário internacional de Bretton Woods, nome de uma pequena localidade no nordeste dos Estados Unidos. De acordo com o sistema de Bretton Woods, a moeda-padrão mundial era o dólar americano, lastreado em ouro. Por diversas razões (dentre as quais o crescente déficit comercial dos Estados Unidos e a vulnerabilidade das economias nacionais à inflação importada), o sistema de Bretton Woods e o princípio do lastro em ouro caíram rapidamente em descrédito já no fim dos anos 1960. Ao desmoronar, em 1973, o sistema monetário internacional causou dificuldades imprevistas para a "serpente monetária". A banda de variação de 2,25% havia sido projetada dentro do sistema de Bretton Woods, que previa um índice de variação das diversas moedas de apenas 1% com relação ao dólar americano. Com o abandono de Bretton Woods, as diversas moedas passaram a "flutuar" com relação ao dólar americano, ou seja, passou a vigorar um sistema de taxas de câmbio flexíveis. Com o desaparecimento da moeda-padrão, desapareceu também a âncora de estabilização das paridades entre as moedas da CE entre si, com o que rapidamente se evidenciou que a banda de 2,25% era demasiado estreita. As novas inseguranças foram acentuadas pelo choque do aumento brutal do preço do petróleo em 1973, ao qual os países reagiram de forma muito diferente, induzindo-os a taxas de inflação extremamente divergentes. 50 Frank R. pfetsch A União Européia 51 Os novos membros da CE, Inglaterra e Irlanda, assim como a Itália, ficaram fora da "serpente monetária". Depois de certo tempo, só a Dinamarca, os Estados do Benelux e a Alemanha participavam ainda da "serpente". O objetivo da união monetária, que obviamente não se conseguiu alcançar, foi cancelado em uma decisão dos chefes de Estado e de governo em 1974. De forma algo mais sutil do que nas tentativas anteriores, ficou claro, uma vez mais, que faltou disposição aos governos nacionais para avançar no processo de integração. Na "serpente monetária" permaneceram apenas os países que se encontravam direta (Alemanha) ou indiretamente (Dinamarca, Benelux) na esfera de influência do Banco Central Alemão. Como os governos desses países só podiam interferir limitadamente na política monetária, a "serpente monetária" não significava abandono de qualquer tipo de competência. A deliberação de 1972, com base na variante diluída do Plano Werner, de transformar o conjunto das diversas relações existentes em uma união econômica e monetária até o fim da década, acabou reduzida a uma política de meras declarações, por força da atitude reservada da maioria dos Estados. O denominador comum da fixação das paridades foi a recémcriada unidade monetária européia ECU (European Currency Uni!). A ECU, semelhantemente ao direito especial de saque do Fundo Monetário Internacional, é equivalente a uma cesta contendo determinados valores fixos das moedas dos países da CE. A participação respectiva foi estabelecida com base na capacidade econômica e no desempenho do comércio exterior de cada país. Modificações ou ajustes das paridades na cesta de moedas do SME só podiam ser efetuados após deliberação comum no Conselho de Ministros. As diversas moedas oscilam dentro de certa tolerância. Ultrapassados determinados limites, os bancos centrais estão obrigados a intervir. Essa política de intervenções devia manter a flutuação do mercado de divisas dentro da banda de oscilação (regra geral 2,25% da taxa fixa da ECU; a Inglaterra, a Itália e a Espanha foram beneficiadas temporariamente com margens excepcionais de até 6%). O sistema de intervenções do SME entrou em vigor em março de 1979, com efeito retroativo a 1º de janeiro, e continua funcionando, embora com uma margem de 15% desde 1993. A união econômica e monetária montada nos anos 1990 é Em 1978, o chanceler federal alemão Helmut Schmidt (nascido em 1918) e o presidente francês Valéry Giscard d'Estaing (nascido em 1924) tomaram, na reunião dos chefes de Estado e de governo, a iniciativa de criar o sistema monetário europeu. Diversamente da "serpente monetária", que era em princípio aberta, o SME era um sistema restrito aos países da CE, de paridades fixas, mas adaptáveis, entre as moedas. examinada em pormenor no Capítulo 5 ("Políticas públicas"). A política monetária dos anos 1970 mostrou, com o malogro da "serpente monetária" e do Plano Werner, que ainda não era chegado o tempo de uma integração maior no plano da política econômica e monetária. Alguns progressos parciais foram realizados por meio de acertos institucionais, sem conseqüências políticas diretas. TABEU1.2 Composição da ECU (Europeull Currellcy UIli! - Unidade Monetária Européia) na entrada em vigor do SME (13/3/1979). Composição da cesta de moedas (em %) e contravalor de uma ECU em 13/3/1979 libra libra franco lira 39 39 f10rim Moeda marco luxemirlanfranco franco francês italiana holandês dinamarauesa 0,66 coroa 3,1 9,5 19,9 1,1 9,2 1,148 5,80 7,09 2,72 0,4 10,5 desa 0,66 13,4 32,9 inglesa belga 2,1 Progresso ins!itucional e euroesclerose Os chefes de Estado e de governo decidiram, em 10 de dezembro de 1974, em Paris, que se reuniriam regularmente a cada seis meses. As reuniões de cúpula dos chefes de Estado e de governo passariam a chamar-se doravante "Conselho Europeu". A presidência desse grêmio deveria ser exerci da em rodízio semestral. O Conselho Europeu tornou-se promotor do desenvolvimento ulterior das instituições européias e referencial para as posições políticas dos governos dos diversos Estados-membros. Uma evolução gradual do Compromisso de Luxemburgo acabou conduzindo à adoção parcial da 52 Frank R. pfetsch deliberação por maioria. A unanimidade continuou requerida para as questões vitais que fossem do interesse nacional dos Estadosmembros. A cúpula de Paris decidiu também pela eleição direta do Parlamento Europeu (até então os deputados eram designados pelos parlamentos nacionais). Com a constituição de um grupo de trabalho sob a coordenação do primeiro-ministro belga Leo Tindemans (nascido em 1922), a cúpula de Paris deu novo impulso à união política. O Relatório Tindemans de 1975, em comparação com seus predecessores malogrados, apresentou propostas pragmáticas. Sem fornecer um projeto final integralmente elaborado, o Relatório Tindemans propôs a substituição da cooperação dos países integrantes da CPE por uma política exterior comum. Para contornar os previsíveis bloqueios das decisões, Tindemans previu uma transição para a decisão por maioria também no Conselho de Ministros. O Relatório não teve efeitos imediatos, pois o Conselho Europeu não adotou suas conclusões. Esse novo malogro "frio" de uma iniciativa fomentadora de integração evidenciou a aparente imunidade da política comunitária contra tentativas de aprofundamento. De meados dos anos 1970 até a segunda metade dos anos 1980, tornou-se corrente falar de uma "euroesclerose". A esclerose (rigidez doentia) resultou em parte da própria ampliação. Tanto a Inglaterra quanto a Dinamarca não esconderam, em momento algum, que se oporiam a qualquer projeto maior de federalização. A persistência do Compromisso de Luxemburgo protegeu as instituições existentes de acertos que conduzissem a uma integração maior. Como o exemplo da Grécia mostrou, os requerimentos de adesão no final dos anos 1970, por parte dos países meridionais, tinham motivação sobretudo política. A transição para a democracia após a supressão dos regimes autoritários tinha de ser assegurada e rapidamente consolidada. À discrepância dos indicadores econômicos entre os "Nove", parcialmente devida ao choque do petróleo de 1974, acrescentou-se a partir de 1981 também um desequilíbrio entre o norte e o sul da CE. A euroesclerose atacou principalmente as políticas públicas que já conheciam alguma integração e menos os setores totalmente novos. A política agrária provocou controvérsias cada vez mais A União Européia 53 freqüentes. As negociações em torno do orçamento tornaram-se cada vez mais difíceis e eram constantemente complicadas por reclamações da Inglaterra. A união econômica parou de avançar. Outras políticas públicas, como transporte, indústria ou desenvolvimento regional, também se paralisaram. À "rigidez" que contaminou esses setores contrapuseram-se inovações institucionais em outros campos: o Conselho Europeu foi erigido em instância diretora; a eleição direta do Parlamento Europeu; o SME foi criado como substituto da impossível união monetária. Nos campos em que uma transferência de competências nacionais para os organismos comunitários seria realmente necessária não aconteceu praticamente nada na década de 1970. A CPE tinha pés de barro e dependia da boa vontade de cada Estadomembro. A continuidade da integração econômica teve de esperar até a proposta de implantação do mercado interno, em 1985, por Jacques Delors. A solene declaração de 1972, de transformar a Comunidade em uma União Européia até o final da década, só foi levada a efeito no início dos anos 1990, com os Tratados de Maastricht. 1.6 Novo impulso (a partir de 1986) A fase da euroesclerose e da inevitável estagnação foi superada pela adoção do Ato Único Europeu (AUE). Esse tratado, firmado em 28 de fevereiro de 1986 e que entrou em vigor em 1987, pode ser considerado como a base dos Tratados de Maastricht de 1992 e da terceira vaga de adesões de 1995, com a admissão da Suécia, da Áustria e da Finlândia. O AUE manteve a coordenação intergovernamental da política externa e de outros campos da política: o Conselho Europeu, por exemplo, continuou sem poder firmar acordos internacionais. A CPE e o Conselho Europeu ganharam, contudo, com o AUE, seu fundamento jurídico. O novo impulso de integração já se delineava desde o início dos anos 1980. Uma iniciativa conjunta dos ministros do Exterior alemão Hans-Dietrich Genscher (nascido em 1927) e italiano Emilia Colombo (nascido em 1920), em 1981, propusera o fortalecimento da CPE (Iniciativa Genscher-Colombo). Cerca de dois anos 54 A União Européia Frank R. PFetsch depois, a reunião do Conselho Europeu em Stuttgart, durante a qual os então dez Estados-membros reiteraram a meta de uma Europa unificada, produziu a "Declaração Solene sobre a União Européia". Uma comissão sob a presidência do irlandês Iren James Dooge recebeu a tarefa de planejar a reforma das instituições européias. O Relatório Dooge, apresentado ao Conselho Europeu em 1984, não caiu em esquecimento, como ocorrera com boa parte de seus predecessores. O relatório final de março de 1985 veio a tornar-se a base das negociações do Ato Único Europeu (AUE). A iniciativa dos governos em direção do AVE foi acompanhada de uma outra também do Parlamento Europeu. Uma Comissão Parlamentar sob a presidência do deputado italiano Altiero Spinelli havia começado a preparar desde 1981 um projeto de tratado da União Européia (cf. Toulemon, 1994: 58-60). Composto de 81 artigos, esse projeto foi votado pelo Parlamento Europeu, em fevereiro de 1984, como se tratasse de uma Assembléia Constituinte. Ele previa - semelhantemente à CPE dos anos 1950 - a federalização da CE e a transferência de competências, sobretudo em política externa e de defesa, para os organismos europeus. O Conselho Europeu e um Parlamento formariam, de acordo com esse projeto, o Legislativo europeu. A Comissão, enquanto órgão executivo, seria investida pelo Parlamento, como ocorre nos diversos Estados nacionais. Spinelli, que assumira o mandato de deputado europeu pela lista dos comunistas italianos, previra também um mecanismo interessante para a ratificação do projeto que levou seu nome (cf. Toulemon, 1994: 60). O projeto estaria aprovado se dois terços da população de toda a Comunidade votasse "sim" em um referendo. Os Estados cujos governos não aceitassem ratificar o tratado receberiam a proposta de um contrato de associação. Esse mecanismo deveria evitar, de um lado, que um único país pudesse bloquear o processo (pensava-se particularmente na Inglaterra) e, ele outro lado, tencionava, mediante a legitimação pelo voto popular, impedir que ocorresse regressão no processo de integração e cooperação. Embora o projeto de Spinelli não tenha sido levado muito a sério, teve a virtude de movimentar, às vésperas do AUE, com a aprovação pelo Parlamento Europeu, o debate fundamental acerca do futuro do processo de unificação européia. 55 O AUE entrou em vigor no dia 1º de julho de 1987. O teor do tratado do AUE reflete a nova dimensão da integração política. No preâmbulo fica estabelecido que a União Européia que se busca está baseada "na totalidade das relações entre os Estados [europeus]". O "aprofundamento das políticas comuns" dá-se com consciência "de se engajar a falar sempre com uma só voz e a agir unida e solidariamente". O objetivo da União Européia aparece uma vez mais no artigo º: 1 ARTIGO1º AVE As Comunidades Européias e a Cooperação Política Européia têm por objetivo contribuir em conjunto para fazer progredir concretamente a União Européia. [...] O efeito integrador do Ato pode ser apreendido em três diferentes planos. Em primeiro lugar, o AUE dá um novo impulso à política econômica da Comunidade. Um mercado comum deveria estar instalado até o final de 1992. A concepção desse mercado interno previa quatro liberdades: de pessoas, de bens, de capital e de serviços. A energia motara proveio do novo presidente da Comissão desele janeiro de 1985, Jacques Delors. Para esse título do AUE, ele. fez publicar em junho de 1985 um Livro branco contendo 276 medidas relativas ao mercado interno, representando o roteiro para se chegar a esse mercado comum. Em princípio, o mercado interno requeria a ampliação da competência comunitária nos campos da pesquisa e desenvolvimento (P&D), meio ambiente, política social, política regional e política econômica e monetária. A dinâmica da integração econômica ganhou notável impulso por causa da consciência intracomunitária crescente de que o desenvolvimento europeu estava ameaçado de ficar para trás em comparação com os Estados Unidos e com o Japão. O Relatório Cecchini, encomendado pela Comissão em 1988, desempenhou aqui também um certo papel. Esse relatório concluiu que a não-realização do mer~ado interno acarretaria um crescimento menor, um desemprego maIOr e inflação mais alta (the cost ojnon-Europe: o custo da não-Europa). Em segundo lugar, o AUE induziu uma maior eficiência institucional dos organismos comunitários. Na maior parte das ques- 56 Frank R. pfetsch tões relativas ao mercado interno, o Conselho de Ministros podia decidir por maioria. As competências executivas da Comissão Européia foram ampliadas. Também ao Parlamento Europeu foram reconhecidas mais prerrogativas do que até então. De um lado, de acordo com o art. 8º do AVE, a admissão de novos membros e a celebração de tratados internacionais (tratados de associação) passaram a depender da aprovação do Parlamento. De outro, aumentou a participação do Parlamento na adoção de normas de direito. Para o campo de aplicação do mercado interno foi definido um procedimento de colaboração entre o Executivo (Comissão e Conselho de Ministros) e o Legislativo, segundo o qual o Parlamento poderia influenciar a adoção de normas de direito aplicáveis ao mercado interno mediante dois turnos de votação (d. Schmuck, 1994: 189-190). De acordo com o texto do AVE, todavia, a maioria do Conselho de Ministros poderia derrubar resoluções do Parlamento. O AVE criou ainda um "Tribunal de Primeira Instância da CE" (Tribunal de Instância), vinculado ao Tribunal Europeu de Justiça (TEJ), em outubro de 1988. A criação desse tribunal serviu sobretudo para desafogar o TEJ, mas reforçou o objetivo de um direito válido para toda a Europa em questões do mercado interno. Por fim, o AVE reorganizou também a composição do Conselho Europeu. A prática, existente de fato, de assegu,rar aos chefes de governo a assistência dos ministros do Exterior e de um integrante da Comissão, foi transformada em norma jurídica no art. 2º do AVE. Em terceiro lugar, o AVE possibilitou que a integração fizesse progressos 110 campo da política externa. As Declarações de Luxemburgo (Relatório Davignon, 1970), de Copenhague (2º Relatório CPE de 1973) e de Londres (1981) foram inscritas como normas. As questões de defesa foram mencionadas, pela primeira vez, em um documento oficial europeu. Em Bruxelas foi criada, na presidência rotativa da CE, uma secretaria da CPE, de cuja atividade a Comissão também participou. O tratado do Ato Único Europeu foi o primeiro de uma série de muitos outros passos concretos na via da integração. Em primeira linha foram as diversas iniciativas do presidente da Comissão, Jacques Delors, nos mais diferentes campos da política, que prepararam as reformas institucionais. O Pacote Delors I, elaborado e apresentado pela Comissão Européia em 1987, conduziu à reforma A União Européia 57 da política agrária, à reformulação da política de infra-estrutura e à reestruturação do orçamento. O pacote constituiu a ordem do dia da sessão do Conselho Europeu em 11 e 12 de fevereiro de 1988 em Bruxelas. Para superar a crise financeira européia, deliberou-se nessa reunião que os Estados-membros teriam de transferir para a Comunidade, além de percentuais do imposto sobre o valor agregado e das receitas aduaneiras, 1,4% do produto interno bruto. As despesas com agricultura foram limitadas em resolução do Conselho e o Fundo de Infra-estrutura foi recapitalizado. Em junho de 1989 Jacques Delors apresentou um plano em três etapas para implantar a união econômica e monetária determinada pelo AUE. O Conselho Europeu fixou a efetivação da primeira etapa da união monetária para o dia 1º de julho de 1990. Essa fase (coordenação reforçada) deveria durar até a implantação do mercado interno. A segunda fase (instalação do Banco Central Europeu) estava prevista para 1994-1996 e a terceira (efetivação da união econômica e monetária) para 1997-1999. Também os critérios de convergência, posteriormente inscritos nos Tratados de Maastricht, já se encontravam esboçados no Relatório Delors (cf. Capítulo 5, "Políticas públicas"). Como presidente da Comissão, Delors não estava sozinho em seus esforços por levar adiante a unificação européia. Na primavera de 1990, na seqüela das imensas mudanças por que passou a Europa depois da falência dos Estados socialistas do Centro e do Leste europeu, a Alemanha e a França tomaram uma nova iniciativa de "união política". O presidente francês François Mitterrand e o chanceler federal alemão Helmut Kohl propuseram o fortalecimento da legitimação democrática, instituições mais eficientes, unidade e coerência das ações da União nos campos da economia e da moeda, assim como no da política externa e de segurança. Em 19 de junho de 1990 foi assinado em Luxemburgo o segundo Acordo de Schengen - o primeiro datava de 1985 - pelo qual se concretizou a livre circulação das pessoas mediante a supressão dos controles de identidade e das alfândegas nas fronteiras internas. A Alemanha, a França e os países do Benelux foram os primeiros signatários. Mais tarde aderiram ao acordo a Itália, a Espanha e Portugal, logo seguidos pela Suécia, Dinamarca e Finlândia. O Acordo de Schengen definiu as medidas que os Estados m nça 58 Frank R. pfetsch signatários tinham de adotar para a entrada em vigor das estipulações do tratado, que afinal se deu em 26 de março de 1995. Além da supressão dos controles fronteiriços, o acordo previa uma maior integração no campo da segurança interna, como, por exemplo, no caso da política de migração e asilo, na luta contra o crime e as drogas, na cooperação em questões de direito civil e penal, nas investigações policiais e na colaboração aduaneira. A aplicação do acordo em todos os Estados signatários encontra, todavia, ainda hoje, dificuldades (cf. Capítulo 5, "Políticas públicas"). A sessão do Conselho Europeu em dezembro de 1990 em Roma reafirmou uma vez mais a resolução geral de levar celeremente adiante a União Européia. Na primeira fase antes do Tratado de Maastricht sobre a União Européia esboçavam-se duas concepções concorrentes da integração, conhecidas como o "esquema da árvore" e o "esquema do templo". A Bélgica, a Holanda, a Alemanha e a Itália queriam uma ampliação das competências dos organismos comunitários com diferentes modalidades de decisão e execução. FIGURA 1.1 As três colunas do Tratado de Maastricht (o "templo" da DE) União Européia Comunidades justiça interna de emPolítica política matéria Pesc CPU exlerna ee de Cooperação A União Européia 59 Tanto a política externa e de segurança quanto a política de segurança interna deveriam integrar-se organicamente com instituições como a Comissão e o Parlamento, como se fossem os ramos de uma árvore. As instituições comunitárias criadas pelos tratados ganhariam significação maior em tal estrutura orgânica - nenhum galho de árvore pode sobreviver, no longo prazo, separado do tronco. Outros Estados-membros, como a França, a Inglaterra, a Dinamarca e os três países meridionais, Grécia, Espanha e Portugal, preferiam a inclusão de novos campos da política segundo o modelo das colunas de um templo. A dimensão intergovernamental, por exemplo, da política externa e de segurança prevalecia nessa concepção. Nos resultados afinal fixados no Tratado de Maastricht, a tendência dos "templários" ganhou da dos "botânicos". A União Européia, tal como desenhada no Tratado de Maastricht firmado após quase trinta anos de negociações em dezembro de 1991, pode então ser representada graficamente sob a forma de um templo com três colunas (cf. figura 1.1). O Tratado da UE foi assinado em 7 de fevereiro de 1992. A ratificação pelos doze Estados-membros acabou sendo mais cheia de obstáculos do que se pensava. Na Dinamarca, o povo recusou a forma original dos Tratados de Maastricht em 2 de junho de 1992. Só depois que algumas cláusulas especiais relativas à Dinamarca foram incluídas no Tratado de União é que o povo dinamarquês o aprovou, em um segundo referendo em maio de 1993 (cf. Capítulo 2: "Os Estados da União Européia"). Mas ocorreram problemas também no referendo francês e no processo de ratificáção na Câmara dos Comuns britânica. A Alemanha foi o último país a ratificar o tratado, pois teve de esperar um acórdão do Tribunal Federal Constitucional, publicado apenas em 12 de outubro de 1993. O acórdão enfatizou sobretudo a manutenção da autoridade do Parlamento Federal nos procedimentos de transferência compulsória de soberania para os organismos comunitários, previstos pelos Tratados de Maastricht. Os Tratados de Maastricht foram definitivamente ratificados pelo Parlamento Federal alemão em 1º de novembro de 1993. Com a entrada em vigor dos tratados, a União Européia repousa sobre três colunas: as Comunidades Européias (Títulos lI, III e IV do TUE), a política externa e de segurança comum (Título V do TUE), sucessora da CPE, e a cooperação em matéria de política interna e justiça (Título VI do TUE). A primeira coluna (CE), com sua concepção supranacional, determina sobretudo a atuação con- 60 Frank R. pfetsch junta na política econômica e monetária. A segunda e a terceira colunas operam com base no princípio da atuação intergovernamental. O mecanismo de negociação estabelecido pelos Tratados de Maastricht representa um compromisso que reflete a história da unificação européia: o setor econômico, que desde o Plano Schuman, a Ceca e a CEE constituía o cerne dos esforços de integração da Europa, continuou sendo o setor mais evoluído entre todos, na transição para o supranacionalismo. Os campos da política externa, interna e de segurança, desde o fracasso da CED em 1954, controversos, continuaram sob responsabilidade dos respectivos governos. A coluna da união econômica e monetária compõe-se de cinco instituições: a Comissão Européia, o Conselho de Ministros, o Conselho Europeu, o Parlamento Europeu e o Tribunal Europeu de Justiça. Essa construção institucional, que de certo modo vale para a política comunitária desde os Tratados de Roma de 1957, não sofreu alterações significativas no AUE ou no Tratado da UE. No interior dessa configuração institucional, contudo, pode-se constatar um forte aumento da importância da Comissão, do Parlamento e do Tribunal. QUADRO 1.3 Os sete títulos do Tratado da União Européia Título I: Título 11: Disposições comuns arts. A-F Disposições modificando o tratado da CEE ar!. G Título II1: Título IV: Título V: Título VI: Título VII: 4 Disposições modificando o tratado da Ceca art. H Disposições modificando o tratado da CEA art. I Disposições relativas à política externa e de segurança comum (Pesc) arts. J, J.1-J.11 Disposições relativas à cooperação em matéria de política interna e justiça (CPIJ)4 arts. K, K.1-K.9 Disposições finais arts. L-S A versão portuguesa nos documentos da UE utiliza a fórmula: "cooperação em matéria de justiça e de assuntos internos", inspirada na expressão francesa. Seguiu-se aqui o texto original alemão e sua correspondência com os termos correntes no Brasil. (N. do T.) A União Européia 61 Como o Ato Único Europeu, o Tratado da UE também é um tratado-quadro, que reúne diversos elementos e tem uma função estruturante. Formalmente, o tratado está dividido em um preâmbulo e sete títulos (ver quadro 1.3). A hierarquia das disposições distribui os artigos de A a S entre os sete títulos. Cada artigo é subdividido em dispositivos, numerados seqüencialmente (por exemplo: art. K,8 (2». Além disso, foram anexados ao tratado 17 protocolos entre os quais as cláusulas de exceção relativas à Dinamarca e o estatuto do Banco Central Europeu - e 33 declarações. O preâmbulo do Tratado da UE vai além das declarações genéricas dos tratados da CE. Além das proclamações de crença na liberdade, na democracia, nos direitos humanos, na solidariedade entre os Estados-membros, no progresso social e econômico, ele enuncia também a cidadania comum da União, a identidade e a independência da Europa e o princípio da subsidiaridade como os fundamentos da União Européia. Nas cláusulas comuns, a UE é caracterizada como "uma nova etapa da união cada vez mais forte entre os povos da Europa" (art. A). Outras formulações do Título I, destinadas a enfatizar a nova intensidade que o crescimento comum alcançou, são a "moeda única", a "preservação integral do grau de desenvolvimento alcançado pela Comunidade", a "cidadania da União" (todas no art. B), o "quadro institucional único" (art. C) e os "objetivos políticos comuns" (art. D). O princípio da subsidiaridade, um dos dispositivos mais importantes, está formulado na nova redação do art. 3-B do Tratado da CE: ARTIGO3-B TCE A Comunidade atuará nos limites das atribuições que lhe são conferidas e dos objetivos que lhe são cometidos pelo presente Tratado. Nos domínios que não sejam das suas atribuições, a Comunidade intervém apenas, de acordo com o princípio da subsidiaridade, se e na medida em que os objetivos da ação prevista não possam ser suficientemente realizados pelos Estados-membros e possam, pois, em virtude da dimensão ou dos efeitos da ação prevista, ser mais bem alcançados, no nível comunitário. [...) 62 Frank R. pfetsch A União Européia Inovações institllcionais nos Tratados de Maastricht Toda nova norma de direito criada pelo Tratado da UE foi enunciada no próprio corpo do tratado ou inserida, pelas disposições dos Títulos lI-IV, no Tratado da CE. No âmbito da Comunidade, ou seja, da "primeira coluna", deram-se diversas inovações referentes ao equilíbrio institucional, que passaram a influenciá-lo em boa parte (cf. Capítulo 4): - o Parlamento Europeu participa doravante da investi dura da Comissão da CE; - por um procedimento específico inserido no art. 189-B do Tratado da CE, o Parlamento é associado ao Conselho Europeu no processo decisório comum referente a determinados setores; - o mandato da Comissão passa a coincidir com o do Parlamento Europeu; - é criada uma Comissão das Regiões, cuja audiência é obrigatória para as decisões que afetem o desenvolvimento regional; - a cidadania da União consagra o direito de ir e vir e de instalar-se livremente dentro do território da Comunidade. São reconhecidos aos cidadãos da CE a proteção diplomática quando em países terceiros e o direito eleitoral ativo e passivo nas eleições municipais e européias, em seus respectivos lugares de residência dentro da UE. Todo cidadão pode dirigir petição ao Parlamento Europeu (ar1. 138-D TCE) ou queixar-se ao omblldsman, mediador nomeado pelo Parlamento (art. 138-E); - a união econômica e monetária, sob a condição de determinados critérios de convergência (excluídas a Inglaterra e a Dinamarca), havia sido prevista para 1º de janeiro de 1997. No mais tardar em 1º de janeiro de 1999 todos os países que preenchessem os ditos critérios de convergência - eventualmente apenas alguns dos Estados-membros da CE - deveriam adotar uma moeda comum com taxas de conversão fixas. O nome da moeda comum foi inicialmente mantido ECU (Ellropean Cllrrency Unir), que, além de sua função como unidade contábil dos sistemas monetários europeus, era também conhecido como nome de uma antiga moeda francesa.5 Pensou-se igualmente em outros nomes alternativos ECU (écu) = escudo; nome igualmente da moeda portuguesa. (N. do T.) 63 para a moeda única. Na reunião de cúpula do Conselho da Europa em dezembro de 1995 deu-se o acordo em torno de uma solução de compromisso: "euro", nome com o qual se poderia ainda construir complementos com os designativos das diversas moedas européias: "euromarco", "eurofranco", "eurolira", etc. Se a designação simples de "euro" virá a afirmar-se depende ainda do futuro (cf. Capítulo 5, "Políticas públicas"); - o Banco Central Europeu foi projetado pelos governos como independente, no protocolo sobre o estatuto do sistema europeu de bancos centrais e do Banco Central Europeu. O BCE tem uma diretoria composta de um presidente, um vice-presidente e quatro outros membros, nomeada pelos governos do Estados-membros de comum acordo com o Conselho Europeu, com o Parlamento e com o Conselho do BCE (composto da diretoria deste e dos presidentes dos bancos centrais nacionais). Todos os membros da diretoria são nomeados para um mandato de oito anos, sem possibilidade de recondução; - onze Estados-membros da CE (com exceção da Inglaterra) queriam que O Protocolo de Política Social levasse adiante a Carta Social votada em 1989. O ar1. 1º do protocolo previa, entre outros, os objetivos do aumento do emprego, melhoria das condições de vida e de trabalho, proteção social adequada, diálogo social, alto nível de emprego e combate à exclusão. Nesses campos, o Conselho Europeu tem competência para expedir instruções sobre os requisitos mínimos (art. 2º). O art. 4º do Protocolo de Política Social inclui a possibilidade de os parceiros sociais europeus tornarem suas decisões obrigatórias. A política social exemplifica a reorganização por que a Comunidade ("primeira coluna") passou. Para compatibilizar a complicada compartimentação dos direitos nacionais com o direito comunitário a entrar em vigor, o ar1. 2º do Protocolo de Política Social definiu dois procedimentos para a realização dos objetivos comuns (d. também Strohmeier (org.), 1994: 170-171). De acordo com o art. 189-C do Tratado da CE, o Conselho Europeu, em conjunto com o Parlamento Europeu, decide por maioria qualificada sobre as questões relativas à proteção social (saúde, segurança), às condições de trabalho, à formação e participação dos trabalhadores, à igualdade de oportunidades de homens e mulheres, bem como à inserção profis- 64 Frank R. pfetsch sional das pessoas excluídas do mercado de trabalho. De outra parte, a decisão sobre as questões abaixo teria de ser unânime: - segurança e proteção social dos trabalhadores; garantias ao término dos contratos de trabalho; defesa dos interesses dos parceiros sociais, inclusive co-gestão; condições de emprego para os cidadãos de terceiros países; contribuições financeiras para o incentivo à criação de emprego. Quanto mais um assunto estiver no âmbito de interesse nacional de um país, como no caso das negociações salariais na Alemanha, por exemplo, tanto menos haveria probabilidade de que ele pudesse vir a ser regulado, por decisão majoritária, por algum colegiado comunitário. Quanto mais genérica e pouco coercivamente fossem definidos os âmbitos de ampliação, tanto mais se aceitava abrir mão da regra da unanimidade. A política social desenvolve-se concretamente, todavia - como em geral no caso de todos os campos políticos da "primeira coluna" - em direção à supranacionalidade. Cada vez mais todo cidadão da UE goza, em qualquer dos países integrantes da UE, dos benefícios da proteção social: os regimes sociais desvinculam-se gradativamente do território nacional (Leibfried/Pierson, 1996: 196). Antes de o Conselho Europeu tomar qualquer decisão no campo da política social - citada aqui novamente apenas como exemplo -, a Comissão, o Parlamento e a Comissão Econômica e Social, conforme o caso, têm de ser ouvidos. Os Tratados de Maastricht igualmente introduziram inovações no campo da cooperação da União Européia: - no campo da política externa e de segurança comum ("segunda coluna"), como se mencionou anteriormente, a política de segurança, com o objetivo de formular uma política comum de defesa, foi inscrita na agenda da unificação européia. No quadro institucional até então vigente da cooperação em assuntos de política externa, a inovação tomou a forma do direito de iniciativa da Comissão em matérias de decisão comunitária; - no campo da justiça e da política interior ("terceira coluna"), o art. K.1 do TUE previu, como de interesse comum, medidas refe- A União Européia 65 rentes à política de asilo, à passagem pelas fronteiras externas da UE, à imigração, à repressão às drogas, à repressão à fraude, à cooperação judiciária em matéria cível e penal, assim como à cooperação aduaneira e policial. "E a caravana passa ..." Embora o Tratado de Maastricht - mais exatamente: o Tratado sobre a União Européia - seja um passo decisivo para a Europa política, é necessário indicar em que consiste a continuidade do processo europeu de unificação. As dores do parto do processo de ratificação, a aceitação de cláusulas de exceção para a Dinamarca e a Inglaterra (defesa, política social, união econômica e monetária), entre outros, dão testemunho de que continuam a subsistir idéias diferentes sobre o desenvolvimento da Comunidade. Em muitos campos, a "Europa de velocidades diferentes" é uma realidade. Os principais promotores da unificação européia continuam sendo os Estados nacjonais e seus respectivos governos. Em caso de conflito de interesses dos governos com projetos comunitários em determinados campos da política, a decisão é tomada amiúde em benefício dos Estados nacionais. Mesmo depois de Maastricht, a União Européia continua regida, nas questões de interesse nacional, pelo princípio da atuação intergovernamental. Isso ficou especialmente· claro nas negociações em torno da formulação dos princípios e objetivos da União. O art. A do Tratado da União deveria ter sido assim formulado: "Este tratado marca um novo estágio no processo que conduz gradualmente à União com um objetivo federal".6 Objeções da Inglaterra obtiveram que a expressão "com um objetivo federal" fosse retirada da redação final do tratado. Tampouco os novos fundos de coesão (para as regiões mais desfavorecidas) e de investimento (para o crescimento econômico) - ambos inovações reforçadoras da integração - chegaram a reverter a tendência de resistência à renúncia a direitos nacionais de soberania. As soluções dadas a Ó Em inglês no original: "This treat)' marks a new stage in the process leading gmdllall)' to a Vnion with afederal goal". (N. do T.) 66 Frank R. pfetsch outras questões, como por exemplo a das sedes das instituições européias (como no caso do BCE, que após longas divergências acabou sediado em Frankfurt/Meno, na Alemanha) ou a ampliação da Comunidade em direção às novas democracias da Europa central e do leste, permitem reconhecer que o processo de unificação européia ainda está longe de terminar. A vontade dos Estados nacionais e o peso próprio das instituições européias determinarão a evolução ulterior da integração. 1.7 Conclusão Passo a passo e em constante oscilação entre supranacionalidade e atuação intergovernamental, foram estruturadas instituições, ampliadas competências, integrados novos membros, desenvolvida a parlamentarização e transferidos novos campos políticos ao âmbito da Comunidade, que anteriormente só estavam organizados em cada Estado ou se haviam institucionalizado em paralelo. Esse processo gradual de enriquecimento e de integração conduziu a alguma falta de transparência político-constitucional. É de se esperar que, com a consolidação econômica e política, surja um novo perfil constitucional unificado. Apesar das conferências intergovernamentais a partir de 1996, o tempo parece ainda não estar maduro para uma unificação constitucional maior. O sistema organizacional europeu pode ser caracterizado mais como a decisão de uma elite do que como um processo de baixo ~ara cin:a. Se os procedimentos tivessem sido mais amplos, uma I?tegraçao com todo esse alcance te:ia sido provavelmente imposslvel. De outra parte, o processo de mtegração sempre contou com grande aceitação da opinião pública. No entanto, a pressão para uma abertura de maiores possibilidades de participação vai certamente aumentar no futuro. Isso está claro nos resultados apertados que se obtiveram em referendos nos Estados-membros da UE. A União terá de se abrir ao cidadão. A ampl.ia.ção constante tornou a Comunidade mais heterogênea e menos eflcIente. A fraqueza da DE com respeito aos conflitos na Europa do leste e do sul é patente. A concepção de uma "Europa de velocidades diferentes", a adoção das decisões por maioria e A União Européia 67 a incorporação de questões de política externa e de segurança podem ser interpretadas como respostas à heterogeneidade crescente da Comunidade. O retorno a um processo mais rígido de decisão parece inevitável, se se quiser impedir que novas ampliações acarretem a ingovernabilidade. As idéias que os Estados-membros têm da estrutura política da União continuam divergindo tanto quanto antes e revelam suas divergências quanto aos objetivos. O processo de formação da comunidade na Europa esteve e está caracterizado por visões utópicas ("Estados Unidos da Europa"), de um lado, e por uma política pragmática - por exemplo, nos "Relatórios" encomendados pelas instituições da CE/UE - de outro. Com base na experiência acumulada até agora, pode-se falar de uma "Europa carolíngea", pois os Estados promotores da construção européia são a França, a Alemanha, a Itália e os países do Benelux. A energia motriz do processo europeu de unificação, no início, foram sobretudo as considerações de ordem política. Após a "guerra dos trinta anos" de 1914 a 1945, prevaleceu a vontade de promover a paz pela cooperação e pela integração. O tempo transformou em cooperação o conflito entre os Estados nacionais europeus. Institucionalmente, o processo de unificação começou no campo econômico, pois a primeira associação supranacional ocorreu no setor econômico, com a produção de carvão e aço. Essa integração estava motivada, contudo, antes de mais nada, politicamente. Esse novo tipo de instituição foi estendido a toda a economia, embora nos anos 1950 tenham sido determinantes motivos de natureza estritamente econômica, como a criação de mercados maiores ou a exploração das possibilidades de uma economia de escala. Como não se instituiu uma área de livre-comércio, mas sim a Comunidade Européia, fica claro que a perspectiva de uma comunidade política jamais foi perdida de vista. No Capítulo 2 ("Os Estados da União Européia"), examinarse-ão com mais vagar os países-membros da União Européia e seus interesses com relação a ela.