universidade federal do rio de janeiro centro de ciências da saúde

Transcrição

universidade federal do rio de janeiro centro de ciências da saúde
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE
INSTITUTO DE ESTUDOS EM SAÚDE COLETIVA
MESTRADO EM SAÚDE COLETIVA
Nathalia Ramos da Silva
INTERAÇÕES EM UMA UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA:
um estudo sobre a gestão das emoções
RIO DE JANEIRO
2014
Nathalia Ramos da Silva
INTERAÇÕES EM UMA UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA:
um estudo sobre a gestão das emoções
Dissertação de Mestrado apresentada ao
Programa de Pós-Graduação em Saúde
Coletiva, do Instituto de Estudos em Saúde
Coletiva (IESC), da Universidade Federal do
Rio de Janeiro, como requisito para obtenção
do Título de Mestre em Saúde Coletiva.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Rachel Aisengart Menezes
RIO DE JANEIRO
2014
iii
Agradecimentos
Primeiramente gostaria de agradecer a Rachel Aisengart Menezes, minha
orientadora, não só pela competência e seriedade, mas por sua dedicação constante ao
longo dos dois anos de desenvolvimento desta dissertação. Agradeço a disponibilidade em
compartilhar seus conhecimentos, sua rica biblioteca e muitas vivências.
Às professoras Claudia Rezende e Jaqueline Ferreira, pelas importantes
contribuições para o desenvolvimento deste estudo.
Aos professores, Martha Moreira, Octavio Bonet e Veriano Terto, por seu aceite em
participar da banca examinadora.
Às colegas Ângela Speroni, Joyce Flores e Patrícia Barbosa, pelo companheirismo
nesta jornada.
À amiga Flavia Teixeira, um presente que recebi neste Mestrado, uma amizade
única, sem suas longas conversas não teríamos chegado até aqui.
Aos funcionários do IESC, Fátima Gonçalves, Nadja de Oliveira, Roberto Unger,
pela atenção e dedicação de sempre.
À Valdemir Santana, “o Dentinho”, pela ajuda com as cópias do material para
estudo.
À direção e às chefias da UTI do HUGG, pela disponibilidade e atenção, pela
confiança, ao permitir a realização desta pesquisa.
Aos profissionais e pacientes da UTI, por compartilharem suas emoções. Agradeço
especialmente à enfermeira Valéria Belo, que foi minha inspiradora, para desenvolver o
estudo que deu origem a esta dissertação.
À amiga Hildeliza Salles, pela incrível ajuda com seu inglês impecável.
Aos meus amigos, por entenderem minha ausência em muitos momentos.
Aos meus avós, Benícia Marinho e José Lourenço da Silva, pela torcida e carinho
de sempre.
Aos meus avós, Irene Ramos (in memorian) e Waldyr Ramos (in memorian), sei
que estarão torcendo por mim, seja onde estiverem.
Por último e não menos importante, aos meus pais, Eliane Ramos e Gerson
Marinho, e à minha irmã, Bruna Ramos, que são a base de tudo. Sem eles nada disso seria
possível. Especialmente à minha mãe, pelo tempo gasto lendo meu trabalho, corrigindo e
iv
ajudando a construir essa dissertação. Ao meu pai, pelas traduções e auxílios com os
ajustes nos programas de computador.
v
Um homem livre pensa em tudo menos na morte,
e sua sabedoria é uma meditação não sobre a morte, mas sobre a vida.
(Baruch Spinoza)
vi
RESUMO
SILVA, Nathalia Ramos. Interações em uma Unidade de Terapia Intensiva: um estudo
sobre a gestão das emoções. Rio de Janeiro, 2014. Dissertação (Mestrado em Saúde
Coletiva) – Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, Departamento de Medicina
Preventiva, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 2014.
Esta dissertação objetivou apreender a gestão das emoções dos profissionais de uma
unidade de terapia intensiva (UTI), de hospital público universitário da cidade do Rio de
Janeiro. A UTI é uma unidade hospitalar que foi criada para o atendimento de enfermos
muito graves, com risco de vida. Para tanto, este setor conta com assistência médica e de
enfermagem
ininterruptas,
com
equipamentos
específicos,
recursos
humanos
especializados e acesso a aparelhagem sofisticada, tanto destinada ao diagnóstico quanto à
terapêutica e manutenção da vida. Para realizar este estudo foi empreendida observação
etnográfica na UTI do HUGG, totalizando 356 horas de observação, das interações entre os
diferentes atores sociais: pacientes, seus familiares e profissionais de saúde. A rotina deste setor
é organizada de modo a manter controle das funções vitais do doente, que é monitorizado por
equipamentos eletrônicos. Trata-se de uma unidade que busca controlar a doença e a morte,
sempre que possível. Estudos empreendidos no setor evidenciaram um modo característico de
gestão das emoções, de equipes intensivistas. Há restrito espaço para a expressão de
sentimentos na unidade, mas certas situações provocam uma emergência emocional, tanto da
parte de enfermos, de seus familiares ou dos profissionais. Estes tipos de situações geralmente
provocam reações nas equipes: a morte de um paciente, quando não esperada; sobretudo
quando o enfermo é jovem ou quando ele permanece internado por muito tempo no setor, entre
outras. Como a rotina da unidade não deve ser perturbada, estratégias são construídas e
acionadas, para lidar com estas situações. O estudo evidenciou o recurso ao humor, quando
vii
eufemismos e brincadeiras emergem, para aliviar a tensão que porventura tenha se instalado no
ambiente da UTI, setor em que a morte é uma presença cotidiana.
Palavras-Chave: UTI. Emoções. Profissionais de Saúde. Vida/Morte. Decisões.
viii
ABSTRACT
SILVA, Nathalia Ramos. Interações em uma Unidade de Terapia Intensiva: um estudo
sobre a gestão das emoções. Rio de Janeiro, 2014. Dissertação (Mestrado em Saúde
Coletiva) – Instituto de Estudos em Saúde Coletiva, Departamento de Medicina
Preventiva, Faculdade de Medicina, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 2014.
The Intensive Care Unit (ICU) is a hospital unit where people are admitted for
varying lengths of time because their illness or injuries may be life-threatening and they
need intense support while they are treated, constant monitoring and 24-hour medical and
nursing assistance that cannot be performed on general wards. The routine of this unit is
organized in order to maintain the control of the vital functions in critically ill patients. For
these reasons, ICU are recognized as stressful environments. This study aimed to report the
healthcare professionals’ perceptions in the ICU in a university–affiliated hospital in the
city of Rio de Janeiro and their coping mechanisms to deal with the emotions when
patients die. This study was conducted to undertaken ethnographic observation in the
HUGG ICU, with the total of 356 hours of observation of the interactions among different
people: healthcare professionals, patients and their families. Studies undertaken in the unit
showed that everyone deals with death differently. Defensive distancing techniques
support continuing function but raise secondary adaptive problems. In spite of the limited
expression of feelings in this unit, some situations often causes reactions on people: the
patient’s death while not expected, especially when the patient is young or when he
remains for a long time in this unit, the constant health improvements and deteriorations,
trigger emotional emergency on patients, their families and professionals. In fact, emotions
of patient, family, ICU doctors, nurses, and other personnel occurs simultaneously,
interacting in subtle yet powerful ways. The study showed that the use of humor, with
ix
euphemisms and jokes, relieves tension that may have been installed in the ICU since they
have to deal with death and bereavement everyday.
Keywords: ICU. Emotions. Health Professionals. Life/Death. Decisions.
x
LISTA DE SIGLAS
AMIB – Associação de Medicina Intensiva Brasileira
CC – Centro Cirúrgico
CCBS – Centro de Ciências Biológicas e da Saúde
CCIH – Comissão de Controle de Infecção Hospitalar
CEP – Comitê de Ética em Pesquisa
CP – Cuidados Paliativos
CTI – Centro de Tratamento Intensivo
DPOC – Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica
FPTC – Fora de Possibilidades Terapêuticas de Cura
HD – Hemodiálise
HIV - sigla em inglês do vírus da imunodeficiência humana, causador da AIDS
HUGG – Hospital Universitário Gaffrée e Guinle
IOT – Intubação Orotraqueal
LCD – Display de Cristal Líquido, do inglês, Liquid Crystal Display
NEFRO – Nefrologia
PCR – Parada Cardiorrespiratória
TC – Tomografia Computadorizada
TQT – Traqueostomia
UTI – Unidade de Terapia Intensiva
VM – Ventilação Mecânica
VNI – Ventilação Não Invasiva
xi
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
13
1. A CONSTRUÇÃO DO OBJETO DE PESQUISA
20
1.1. PERSPECTIVA TEÓRICA: MODELOS DE MORTE
1.2 UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA: HISTÓRICO E FUNCIONAMENTO
1.3 TERAPIA INTENSIVA NO BRASIL
20
24
26
2. METODOLOGIA DE PESQUISA
31
2.1. DUPLA IDENTIDADE DA PESQUISADORA
33
3. A UNIDADE DE TERAPIA INTENSIVA DO HOSPITAL UNIVERSITÁRIO
GAFFRÉE E GUINLE
36
3.1 DESCRIÇÃO DO SETOR
3.2 ROTINA DE TRABALHO DA UNIDADE
36
40
4. SITUAÇÕES OBSERVADAS
43
4.1. A “HÓSPEDE” ALICE
4.2. “DE VOLTA PARA CASA”
4.3 “AQUI DENTRO”, “LÁ FORA”
4.3.1. “TUDO É MUITO DIFÍCIL LÁ FORA”
4.4 “SE PARAR, PAROU”: SPP
4.5. “A MULHER ERA UMA BRUXA”
43
49
57
66
72
81
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
85
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
90
GLOSSÁRIO
98
APÊNDICE I – LEVANTAMENTO BIBLIOGRÁFICO
102
xii
Introdução
Sou formada em Fisioterapia (UFRJ 2007) e desde então atuo em Unidades de
Terapia Intensiva (UTI)1. Em 2010 ingressei na UTI do Hospital Universitário Gaffrée e
Guinle (HUGG) da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) por
concurso público. Atualmente ocupo a posição de liderança da equipe da fisioterapia do
setor.
Conversas com colegas da equipe de enfermagem em plantões na UTI foram
fundamentais na elaboração do projeto desta investigação. Em diversas ocasiões,
enfermeiros compartilharam suas dificuldades emocionais, no acompanhamento do
processo do morrer. Eles também expressaram seu incômodo, com seus limites, por não
poderem modificar as condutas na assistência ao paciente “fora de possibilidades
terapêuticas de cura” (FPTC)2, com o objetivo de propiciar conforto no término de sua
vida. A partir destes relatos, defini o objeto de investigação, com o intuito de apreender a
gestão das emoções dos profissionais de UTI. Para tanto, analiso diversas situações
observadas no cotidiano dos intensivistas, com base em referencial teórico das ciências
sociais, especialmente da antropologia da saúde/doença, da morte e da sociologia das
profissões.
O presente estudo se insere no conjunto de estudos das ciências sociais dedicado à
apreensão das diferentes formas de gestão do fenômeno saúde/doença. As ciências sociais
têm desenvolvido relevantes contribuições no campo de investigações dirigido ao
entendimento dos processos saúde/doença (LANGDON et al., 2012, p. 63). O que a
perspectiva sociológica objetiva, nestes estudos, é uma busca de entendimento acerca dos
modos como se processa a afirmação da racionalidade biomédica, em contraste com as
dimensões holísticas das representações ou das vivências dos eventos da saúde/doença
(DUARTE, 2003, p. 177). Parte-se aqui do pressuposto de que, ao analisar as práticas e os
discursos de profissionais de saúde de determinado setor hospitalar, é possível alcançar
uma compreensão das representações de pessoa e indivíduo ali vigentes. Indo além,
considera-se que é possível apreender os valores atribuídos à vida/morte, saúde/doença e
sofrimento, pelos diferentes atores sociais envolvidos na gestão dos cuidados.
1
2
A partir daqui passo a me referir à Unidade de Tratamento/Terapia Intensiva como UTI.
Uso sempre FPTC em referência a “fora de possibilidades terapêuticas de cura”, a partir daqui.
13
O campo de estudos da antropologia da saúde3 se constituiu nos anos 1960 nos
Estados Unidos, como ramo aplicado da antropologia geral, fortemente associado à
epidemiologia e à clínica. Em linhas gerais, dedicou-se ao estudo da incidência e
distribuição das doenças, aos cuidados em instituições médicas, aos problemas de saúde e à
etnomedicina. Young (1982) apontou três razões sobre o desenvolvimento da Antropologia
Médica nos Estados Unidos: uma relacionada à emergência de um discurso antropológico
sobre a enfermidade; a outra ligada às novas oportunidades de trabalho, proporcionadas
pelos esforços dos clínicos, insatisfeitos com o reducionismo biológico, o que propiciou a
inclusão de antropólogos junto à clínica e nos programas de atenção primária e familiar.
Por último, o alto estímulo financeiro proporcionado aos cientistas sociais interessados nos
temas médicos (CANESQUI, 1994, p. 15).
Este campo busca rastrear as abordagens em torno da temática do sofrimento e da
emoção. Desde a constituição da área, tratava-se de questionar o estatuto das categorias
saúde, doença, dor e sofrimento. O corpo, o sofrimento e a emoção, ao invés de se
constituírem como objetos delimitados e circunscritos, como pretende o positivismo das
ciências biológicas e psicológicas, demonstraram, na perspectiva antropológica, sua
inelutável abrangência como fenômenos sociais, avessos à circunscrição. O campo nasce,
assim, do que se configurou como um embate com a (poderosa) área biomédica, e de uma
tentativa de se posicionar em relação às verdades produzidas com seu saber, e institui com
suas práticas. Uma boa parte do esforço fundante se concentrou na oposição ao
reducionismo biomédico e procurou em múltiplas frentes desconstruir a arraigada
percepção de uma “naturalidade” das experiências do adoecimento (e de suas terapêuticas)
(SARTI, 2010, p. 201).
No campo da Antropologia da Saúde não houve uma preocupação de definir
sofrimento, dor e emoção como objetos específicos de análise, mas de situá-los em uma
tentativa mais ampla de demarcação de uma perspectiva de análise antropológica das
3
Há uma polêmica acerca da nomenclatura do campo – antropologia médica, antropologia da saúde,
antropologia e saúde -, que reflete os dilemas desse campo híbrido, não apenas no Brasil (SARTI, 2010, p.
200). Na França, a Antropologia da Saúde ou da Doença é considerada uma disciplina bastante recente.
Tanto uma como outra denominação privilegiam o significado ou as representações da doença, sua
causalidade, as medicinas tradicionais e a medicina moderna. Embora esteja em expansão no Brasil o
interesse na pesquisa de temas relacionados à antropologia e saúde, inexiste ainda o consenso dos
antropólogos de constituir esta subárea de conhecimento. Tanto é que nos anos de 1970 e 1980 a temática
abordada pelos pesquisadores assumiu diversas denominações: antropologia da saúde, antropologia
nutricional, antropologia da ou e saúde e medicina, antropologia médica, o desvio, as aflições, perturbações
físico-morais, pessoa, corpo, sob as quais configuram-se distintos enfoques das relações da antropologia com
as ciências médicas ou interpretações sobre a doença (CANESQUI, 1994, p. 16).
14
perturbações e aflições de diferentes ordens, às quais estão associados esses fenômenos.
Nesse caso, em face das características do campo biomédico, ao qual se contrapõe essa
perspectiva e que, pelo imperativo da “objetivação”, fragmenta, recorta e esquadrinha seu
objeto, reduzindo-o, impôs-se a necessidade de uma estratégia analítica, que implicou um
olhar para a totalidade, por meio dos recursos da etnografia (SARTI, 2010, p. 205).
No Brasil, a pesquisa antropológica em saúde cresceu a partir de estudos sobre
vários temas, como medicina popular, “nervos”, cultura da psicanálise, mudança nas
práticas tradicionais, ideologias e representações, bem como saúde indígena. As primeiras
revisões bibliográficas sobre esse campo de conhecimento (QUEIROZ & CANESQUI,
1986a, 1986b CARRARA, 1994) identificaram as pesquisas como “antropologia da
medicina” ou das medicinas, quando considerado o foco em estudos das medicinas
populares, tradicionais, “religiosas”, “eruditas”, “medicina oficial moderna” etc., e
salientaram a necessidade de desenvolvimento de paradigmas capazes de analisar a
subordinação ao modelo capitalista de processos sociais locais associados à saúde. Essas
resenhas também afirmaram que paradigmas alternativos à abordagem biológica são
fundamentais. Compartilhando esta perspectiva, os antropólogos que pesquisaram o campo
da saúde indígena e dialogaram com a biomedicina e as políticas públicas argumentaram
em prol da importância dos fatores sociais e culturais na produção ritual do corpo, nos
padrões de doença e na cura (BUCHILLET, 1991; VERANI & MORGADO, 1991)
(LANGDON et al., 2012, p. 59).
Como todas as instituições públicas na cultura ocidental moderna, as que se
ocupam da medicina e da saúde sofrem os efeitos da “racionalização” instrumental,
baseada na segmentação dos saberes e domínios de prática. Tal organização tem implicado
na criação de serviços cada vez mais especializados, em que prevalece a atenção a
dimensões isoladas dos “doentes” ou das “doenças”. A segmentação dos domínios de saber
é um dos estímulos originais ao que se veio a chamar de “especialização” médica,
reproduzindo no nível das técnicas e da organização da prática médica, o efeito de
dissolução da totalidade da experiência da saúde/doença. As UTIs parecem representar a
forma mais aguda desta tendência, no radical isolamento a que submetem seus usuários,
em circunstâncias e condições frequentemente vividas ou representadas como
“desumanas” ou “despersonalizantes”. Parte das críticas crescentes a esse efeito se
fundamenta justamente na linguagem de defesa da “pessoa” ou da “personalização” – ou
15
seja, de uma atenção à totalidade ou singularidade do doente e de sua vivência (DUARTE,
2003, p.178).
Na sociedade ocidental moderna, os estudos antropológicos acerca dos processos
saúde/doença se associam ao conjunto dedicado à temática da Morte. Como outros
fenômenos da vida social, o processo do morrer pode ser vivenciado de distintas formas,
segundo os significados compartilhados socialmente em torno desta experiência. O morrer
não é um fato biológico, mas um processo construído socialmente. Neste sentido, a morte
não se distingue de outras dimensões do universo das relações sociais e, em cada momento
histórico, há uma produção de práticas e retóricas que constroem significados. Pode-se
afirmar que há uma via de mão dupla: o contexto modela os discursos e estes reconfiguram
o próprio contexto social (MENEZES, 2006, p. 18).
Além dos campos previamente mencionados, cabe acrescentar a perspectiva da
antropologia das emoções. A análise das emoções ganhou força na antropologia com o
desenvolvimento da abordagem interpretativa na década de 1970 nos Estados Unidos. As
emoções passam a ser tomadas como um idioma que define e negocia as relações sociais
entre uma pessoa e as outras. As emoções gozam de um status ambíguo como objeto de
estudo das ciências sociais. Sua representação pelo senso comum ocidental como um
fenômeno pertencente à esfera do individual e à esfera do natural parece ter contribuído
para situá-las no polo “excluído” das duas oposições fundadoras das ciências sociais:
indivíduo-sociedade e natureza-cultura (COELHO, REZENDE, 2011, p.7). O estudo
antropológico das emoções passou a enfatizar o elemento do contexto em que se
manifestam os conceitos emotivos, buscando ir além das relativizações para analisar sob
um ponto de vista pragmático as situações sociais específicas em que eles são expressos
(REZENDE, COELHO, 2010, p. 14).
O campo da Antropologia das Emoções estruturou-se não apenas com uma
variedade de estudos etnográficos, como também com um conjunto de questões teóricometodológicas que buscavam fornecer instrumentos para a comparação. Das relativizações
iniciais passou-se para um esforço maior em mostrar a dimensão micropolítica das
emoções e revelou como são mobilizadas em contextos sempre marcados por relações e
negociações de poder em vários níveis. Recentemente este tema apresenta uma
consolidação, como área autônoma de investigação e de elaboração teórica, com ênfases
diferenciadas sobre o foco da atenção e análise, uma vez que a dimensão emotiva é
16
considerada como uma esfera central, não somente na vida dos sujeitos, como da estrutura
que rege o funcionamento das instituições (REZENDE, COELHO, 2010, p. 15).
No Brasil, as emoções também aparecem em estudos das Ciências Sociais,
destacando-se os estudos de Roberto DaMatta, que analisam como as formas de expressão
das emoções se ajustam às diferenças entre espaços públicos e privados. Gilberto Velho
(1981, 1986) e Luiz Fernando Dias Duarte (1986) são apontados como figuras de
referência, por seus estudos sobre os modos particulares pelos quais as emoções são
expressas nas camadas médias e populares.
Claudia Rezende dedicou-se ao tema da amizade em perspectiva comparativa, entre
os universos londrino e carioca (2002a, 2002b), ressaltando a relação entre amizade,
emoção e hierarquia. Em estudos recentes, analisou a elaboração subjetiva da identidade
brasileira entre professores universitários que estudaram no exterior, destacando o aspecto
emotivo presente nessa construção identitária, além das emoções ligadas à experiência de
ser estrangeiro (2009). Maria Claudia Coelho explora a temática desde seus estudos sobre
idolatria, em que trabalhou a relação entre amor e fascínio na experiência do fã (1996,
1999), além de sua pesquisa sobre a dádiva no universo das camadas médias cariocas em
que a emoção foi abordada à luz de duas perspectivas: a tensão entre a obrigatoriedade e
espontaneidade (2006a). Mais recentemente, investiga a relação entre emoção e violência,
com foco em relatos de experiências de vitimização em assaltos a residências (2006b,
2009) (COELHO, REZENDE, 2011, p. 19). Estudos de Rachel Aisengart Menezes (2004,
2005, 2006) são dedicados à análise do morrer no hospital e aos modos de gestão das
emoções dos profissionais de saúde, frente à morte e ao sofrimento, a partir de suas
pesquisas etnográficas em duas unidades hospitalares públicas, uma UTI e um hospital de
cuidados paliativos, voltado ao atendimento de pacientes com câncer, considerados FPTC.
No campo da sociologia das profissões, teóricos (GOODE, 1969; MOORE, 1970;
WILENSKY, 1970; LARSON, 1977; FREIDSON, 1978) concordam que dois atributos
são fundamentais e inquestionáveis para definir uma atividade humana como
“profissional”: um corpo específico de conhecimentos e a orientação para o ideal de
serviços. Tais atributos são adotados por Machado (1991), em seus estudos sobre
profissões. A autora considera a medicina uma profissão, enquanto farmacêuticos e
enfermeiros são classificados como “semiprofissões”. Tal posicionamento é justificado por
não haver um corpo específico de conhecimentos nem um mercado de trabalho inviolável,
17
como ocorre com os médicos. Já a sociologia e a psicologia seriam categorias profissionais
em processo de profissionalização, que ainda não adquiriram status e perfil de uma
“profissão sólida” (MACHADO, REGO, 1996, p.123).
O estudo sobre e na UTI é desenvolvido a partir das perspectivas da antropologia da
saúde, da morte, das emoções e, também, da sociologia das profissões. A investigação
sobre esta unidade voltou-se a compreender como se produz, na prática cotidiana dos
profissionais de saúde de uma unidade hospitalar muito específica, a busca de resolução da
equação entre as duas dimensões constitutivas dessa mesma prática, diante de situações
que envolvem decisões de vida, morte e sofrimento. A UTI é um espaço social no qual a
dupla dimensão estruturante da prática médica – o cuidado e a competência – está
criticamente implicada no processo decisório (MENEZES, 2006 p. 20).
Os estudos de alguns pesquisadores constituem um referencial de extrema
relevância no desenvolvimento desta pesquisa. Assim, Glaser e Strauss (1965), em um
estudo que analisa as interações sociais na expectativa de morte, de moribundos, seus
familiares e profissionais de saúde, comparando as mobilizações dos atores envolvidos.
Jane Seymour (2001) em investigação realizada em duas UTIs na Inglaterra examina a
reificação da “morte natural” e enfoca a polarização entre morte tecnológica e “natural”.
Seu estudo investiga casos relacionados às experiências de pessoas próximas a doentes que
estiveram internados em UTI. Graça Carapinheiro (2005) analisa o hospital e, ao mesmo
tempo a medicina, os profissionais e os doentes, a fim de descobrir os conteúdos dos seus
saberes, os seus referentes simbólicos e os sentidos das suas práticas sociais, que tornam
possível compreender porque a realidade hospitalar se compõe de realidades sociais tão
diversas. Rachel Menezes (2006), em sua pesquisa etnográfica na UTI de um hospital
público universitário do Rio de Janeiro, analisa de que forma, na prática cotidiana dos
profissionais de saúde, são tomadas as decisões referentes à doença, sofrimento e morte
dos doentes internados.
Esta dissertação está dividida em três partes. A primeira explicita a construção do
objeto de pesquisa, com uma descrição das características de uma UTI, de sua estrutura
física e normas de funcionamento. Ainda nesta seção há uma apresentação da metodologia
utilizada, com uma reflexão sobre a dupla identidade da pesquisadora, ao empreender
investigação no local em que trabalha. Na segunda seção há uma descrição do início das
observações e da rotina de trabalho da UTI do HUGG. Em seguida são apresentadas
18
diversas situações, que foram observadas no cotidiano da unidade, com o objetivo de
refletir sobre a gestão das emoções dos atores sociais envolvidos no setor, com foco em
torno dos profissionais de saúde. Por fim, a dissertação é concluída com reflexões acerca
do processo vivenciado pela fisioterapeuta/pesquisadora, e sobre o término do período em
que atuou como investigadora.
19
1.
A construção do objeto de pesquisa
1.1.
Perspectiva teórica: modelos de morte
A morte é uma presença constante na UTI e os profissionais estão em contato
rotineiramente com o processo do morrer. Por vezes, os recursos técnicos, o saber e a
competência do intensivista são limitados, diante do avanço da enfermidade, sobretudo
quando a cura não é mais possível em alguns casos, como quando o paciente recebe o
diagnóstico de FPTC.
Ariès (2012), historiador pioneiro na investigação sobre as mudanças nas atitudes
coletivas frente à morte no Ocidente, pesquisou e descreveu os diferentes períodos
históricos, e as transformações que ocorreram no tempo. A partir desta abordagem, o autor
formulou modelos de morte, como tipos ideais weberianos 4. Nesta forma de modelização,
a “morte domada”, característica da Alta Idade Média, era ritualizada, comunitária e
enfrentada com dignidade e resignação. A morte era uma cerimônia pública, confiada à
Igreja, esperada no leito e organizada pelo próprio moribundo, que conhecia e presidia seu
protocolo. Por se tratar de um evento público, o quarto do enfermo era local em que se
entrava livremente. O moribundo morria cercado por familiares, amigos, vizinhos e
crianças. O ritual da morte era aceito e cumprido, de modo cerimonial, sem qualquer
caráter dramático ou gestos de emoção excessivos (ARIÈS, 2012, p. 39).
A “morte de si” surgiu nos séculos XI-XII e se estendeu até o século XIV. Foi
marcada pelo reconhecimento da finitude da própria existência da pessoa e coincidiu com
o surgimento de um sentimento mais pessoal e interiorizado da morte. A morte permanecia
no leito do moribundo, porém com um caráter dramático, com uma carga emocional que
antes não possuía. O enfermo prossegue no centro da ação, que não só preside como
anteriormente, mas também determina como deve ocorrer. Durante a segunda metade da
Idade Média se deu uma aproximação entre três categorias de representações mentais: as
da morte, do reconhecimento por parte de cada indivíduo de sua própria biografia e do
apego apaixonado às coisas e aos seres. A morte tornou-se o lugar em que o homem
melhor tomou consciência de si (ARIÈS, 2012, p. 57).
4
Um conceito formulado por Max Weber sobre um fenômeno, a partir de suas características mais gerais.
20
A partir do século XIX e até o século XX, a “morte do outro” se tornou dramática
e insuportável, dando origem a um processo de mudança que resultou no afastamento
social do moribundo e do término da vida. A morte é vista como uma ruptura e não mais
com familiaridade; passa a contar com agitação, decorrente de emoção, choro e gestos.
Essa expressão da dor dos sobreviventes se deve a uma nova intolerância em relação à
separação; a simples ideia da morte comove. As grandes mudanças ocorridas neste período
são: a complacência com a ideia da morte e a relação entre o moribundo e sua família. Os
familiares aceitam com dificuldade a morte do outro; não é mais temida a própria morte,
mas a do outro (ARIÈS, 2012, p. 67).
A partir do século XVI ocorreu, em processos concomitantes e convergentes, uma
expansão do poder médico institucional e a consolidação da família como núcleo de
relações afetivas. Este processo conduziu às famílias, no século XIX, a delegarem os
encargos dos cuidados dos moribundos às instituições médicas, então fortalecidas e
reorganizadas. Houve, pois, um deslocamento do lugar da morte: das casas, com a
participação da comunidade, para o hospital, lugar dos médicos. A partir da consolidação
da instituição hospitalar – medicamente administrada e controlada – iniciou-se um
processo de medicalização do social, que foi ampliado no século XIX, sendo extensa e
profundamente desenvolvido durante o século XX. A medicina, seu saber e sua instituição
tornam-se referências centrais no que se refere a saúde, vida, sofrimento e morte, surge o
modelo de “morte moderna” (MENEZES, 2004, p. 28).
A morte, tão presente e familiar no passado, torna-se vergonhosa e objeto de
interdição – a “morte interdita” -. Aqueles que cercam o moribundo tendem a poupá-lo e a
ocultar-lhe a gravidade de seu estado. Esse sentimento foi superado por outro,
característico da modernidade: evitar não somente ao moribundo, mas à sociedade, a
perturbação e a emoção excessivamente fortes, insuportáveis, causadas pela simples
presença da morte em plena vida feliz (ARIÈS, 2012, p. 84).
A morte no hospital não é mais uma cerimônia pública e ritualística presidida pelo
moribundo, em meio a seus parentes e amigos. Na maioria dos casos, o enfermo está
inconsciente. Ela se torna um fenômeno técnico, dividido, parcelado em pequenas etapas,
que substituíram e apagaram sua grande ação dramática (ARIÈS, 2012, p. 86). A visão da
equipe de saúde e dos familiares sobre esse processo pode variar, segundo diferentes
interpretações e percepções (SEYMOUR, 2001, p. 15).
21
Diante desse modelo, a morte passou a ser cada vez mais empurrada para os
bastidores da vida social, em um processo que integrou o impulso civilizador. Para os
próprios moribundos, isso significou que eles também passaram ser ocultados da vida
social, tornando-se isolados. Segundo Elias (2001, p.66), essa transformação no
comportamento social em torno do morrer acarretou uma série de mudanças, alterando
comportamentos e sentimentos, o que gerou um processo de internalização individual e o
consequente aumento do autocontrole.
O sentimento amplamente difundido nas sociedades ocidentais modernas com seus
membros altamente individualizados – de que cada um existe apenas para si mesmo,
independente de outros seres humanos e de todo o “mundo externo” – em geral acaba
prevalecendo, e com ele a ideia de que uma pessoa deve ter um sentido exclusivamente seu
(ELIAS, 2001, p. 65).
Em síntese, Elias (2001, p. 23) refere que a vida na sociedade medieval era mais
curta; os perigos, menos controláveis; a morte, muitas vezes mais dolorosa; o sentido de
culpa e o medo da punição depois da morte, a doutrina oficial. Porém, em todos os casos, a
participação de outros na morte de um indivíduo era mais comum. A partir do século XIX,
por vezes, sabe-se aliviar as dores da morte; as angústias de culpa são mais plenamente
recalcadas e talvez dominadas.
No século XX, a morte torna-se um tabu, de modo a acarretar uma interdição à
demonstração de sentimentos (ELIAS, 2001, p. 36). Uma morte aceitável é aquela que
pode ser tolerada pelos que sobrevivem. Ariès (2012, p. 87) afirma que a emoção deve ser
evitada, tanto no hospital quanto na sociedade, de modo geral, e só se tem o direito de
chorar quando ninguém vê nem escuta. Trata-se de um luto solitário e envergonhado, o
único recurso quando a morte se torna tabu. No entanto, sabe-se que no Brasil ainda
existem pessoas contratadas para expressar emoções em velórios e enterros – as carpideiras
-, o que evidencia as diferenças entre os contextos.
De acordo com Seymour (2001, p. 19), a principal característica do hospital do
século XX é o modo como ele assumiu o cuidado, na gestão do morrer dos pacientes,
juntamente com o controle e a definição da morte. A morte hospitalizada é caracterizada
pela perda da possibilidade de escolha individual, pela presença do medo, pelo isolamento
da família e amigos, pela ausência de cuidadores, pela preeminência da alta tecnologia e do
prolongamento do morrer.
22
De acordo com Seymour (2001), Menezes (2006) e Ariès (2012), a UTI é um local
exemplar do modelo da “morte moderna”, em que o processo de morrer é medicalizado,
controlado pela equipe de saúde, sem contar com a opinião do doente. A expressão dos
sentimentos é ocultada, tanto do paciente e seus familiares como dos profissionais, que
tendem a manter permanente autocontrole das emoções. Lofland (1978) apresenta seis
definições características do modelo de “morte moderna”: alta tecnologia da medicina,
detecção prévia da doença, definição complexa da morte, alta prevalência da doença
crônica, baixa incidência de doenças fatais e intervenção ativa no processo do morrer.
O modelo de “morte moderna” implica na percepção do enfermo, por parte dos
profissionais de saúde, como partes e não como um todo. A preeminência é concedida ao
tratamento médico, à cura e aos resultados de exames. Glaser e Strauss (1965)
identificaram uma trajetória incerta do processo de morrer de doentes internados em
hospitais. No entanto, esta não é uma questão valorizada no atendimento médico e no
trabalho da equipe da UTI.
A partir dos anos 1960 emergem críticas à excessiva racionalização da assistência
em saúde (GLASER e STRAUSS, 1965, 1968; ELIAS, 2001; MENEZES, 2006; ARIÈS,
2012), sobretudo ao modelo de morte presente no hospital – “morte moderna”. Diante das
críticas a essa racionalização surgem novas propostas, a fim de propiciar uma “boa morte”
dos enfermos. O modelo de “morte contemporânea” - assim denominado por estudiosos
das ciências sociais dedicados ao tema – consiste em resultado destas novas propostas de
assistência ao processo do morrer, como os cuidados paliativos e os programas de
humanização da assistência em saúde, alguns implantados em UTIs, a partir da
preocupação com a produção de uma morte humanizada e aceita socialmente por todos os
envolvidos – pacientes, familiares e equipe de saúde.
A “boa morte” está presente em unidades de cuidados paliativos. Ali a participação
do doente na escolha das condutas é central. O ideal é que a morte ocorra em casa, com
controle da dor e dos sintomas, na companhia da família. No modelo de “morte moderna”,
o paciente está isolado, solitário, e a morte é um processo impessoal, tida como “sem
dignidade” (SEYMOUR, 2001, p. 21).
Contrapondo-se ao modelo da “morte moderna”, eminentemente curativo, no qual
o doente é despossuído de voz, o modelo de “morte contemporânea” (MENEZES, 2004,
p. 37) valoriza os desejos do enfermo. O aspecto central é o diálogo entre os atores sociais
23
envolvidos no processo do morrer: uma vez explicados os limites da ação do médico e dos
desejos do doente, é possível a deliberação sobre o período de vida ainda restante, a
escolha de procedimentos e a despedida das pessoas de suas relações, com o suporte da
equipe multidisciplinar. No modelo de “morte moderna” o médico é o principal
personagem a tomar decisões, enquanto no modelo de “morte contemporânea” a
autoridade seria a própria pessoa. A tomada de decisões deste indivíduo depende de três
requisitos: o conhecimento do avanço da doença e da proximidade da morte, por
comunicação da equipe médica; a expressão dos desejos e sentimentos do paciente para as
pessoas de sua relação e, finalmente, a escuta e atuação dos que cuidam do doente. O
primeiro aspecto desse novo modelo é a consciência do indivíduo da proximidade de sua
morte (MENEZES, 2004, p. 40).
Do silêncio, ocultamento e negação passou-se à colocação da morte em discurso na
segunda metade do século XX, devido ao engajamento político, ideológico e social dos
indivíduos portadores do vírus HIV 5. De acordo com o ideário dos cuidados paliativos, os
sentimentos face à finitude devem ser expressos. As expressões “boa morte”, “morte
tranquila” e “morreu bem” passam a ser utilizadas amplamente pela literatura de difusão
do ideário dos cuidados paliativos, não se restringindo ao âmbito dos profissionais de
saúde (MENEZES, 2004, p. 37).
No século XXI os dois modelos de morte – a moderna e a contemporânea – podem
ser observados. A morte é um evento sempre presente na vida humana, mas em cada
momento histórico se apresentam novas configurações e possibilidades. Com a crescente
capacidade de prolongar a vida, com auxílio de tecnologia construída com esta finalidade,
atualmente é possível manter vivo um paciente com diagnóstico de morte encefálica, para
que possa ser realizado um transplante de órgãos.
1.2
Unidade de Terapia Intensiva: histórico e funcionamento
Os cuidados intensivos foram criados a partir do reconhecimento, por parte da
equipe de enfermagem, da importância do exercício de controle e vigilância sobre
5
De acordo com o Ministério da Saúde, HIV é a sigla em inglês do vírus da imunodeficiência humana.
Causador da AIDS - Síndrome da Imunodeficiência Adquirida -, ataca o sistema imunológico, responsável
por defender o organismo de doenças - http://www.aids.gov.br/pagina/o-que-e-hiv. Acesso em 19 de outubro
de 2012.
24
pacientes em situação de risco de vida. Para tanto, eles passaram a ser agrupados em áreas
específicas do hospital. A ideia era de que, assim, os enfermeiros poderiam se certificar de
que os doentes mais graves poderiam receber mais atenção, quando alocados na
proximidade do posto de enfermagem (SOCIETY OF CRITICAL CARE)6.
De acordo com o mito construído por profissionais de enfermagem, este tipo de
unidade teria origem no século XIX. A enfermeira Florence Nightingale seria a
responsável pela organização deste setor hospitalar. Em 1854, na Guerra da Criméia, ela
atuou como voluntária, quando conseguiu promover a redução da taxa de mortalidade dos
soldados feridos, com a realização de reformas no ambiente, após constatar a falta de
higiene do local. Nightingale contribuiu para que o hospital se transformasse em uma
“máquina de curar”, e se tornou uma figura central na ideia que conduziu à criação dos
cuidados intensivos (KRUSE, 2004, p. 57).
Em 1926 é criada a primeira unidade intensiva em Baltimore, Estados Unidos, pelo
neurocirurgião Dr. Walter E. Dandy, com três leitos pós-operatórios de neurocirurgia, no
Hospital John Hopkins. Segundo a Society of Critical Care7. Este serviço foi o
preconizador do modelo inicial e atual da UTI. Em 1947 e 1948, em decorrência da
epidemia de poliomielite na Europa e nos Estados Unidos, foram desenvolvidos os
ventiladores mecânicos8, na busca pela manutenção da vida das crianças afetadas pela
epidemia (SOCIETY OF CRITICAL CARE)9.
Os primeiros pacientes que usufruíram da assistência intensiva foram os soldados
feridos na Segunda Guerra Mundial e na guerra da Coréia. Pesquisadores ingleses e norteamericanos concluíram, ao fim dos anos 1960, que os gravemente enfermos possuíam
problemas fisiopatológicos comuns, e que suas sobrevidas dependiam do controle de uma
série de funções corporais. O controle destas funções corporais, aliado às novas drogas e
técnicas para tratamento da falência múltipla de órgãos e de septicemia constituíram as
6
http://www.myicucare.org/Pages/HistoryofCriticalCare.aspx. Acesso em 23/09/2012. Tradução de minha
autoria, como todos os trechos a seguir, salvo menção expressa.
7
http://www.myicucare.org/Pages/HistoryofCriticalCare.aspx. Acesso em 23/09/2012.
8
A ventilação mecânica (VM) ou o suporte ventilatório, consiste em um método de suporte para tratamento
de pacientes com insuficiência respiratória, por meio da utilização de aparelhos, os ventiladores mecânicos
artificiais. Tem por objetivos, além da manutenção das trocas gasosas, aliviar o trabalho da musculatura
respiratória que, em situações agudas de alta demanda metabólica, está elevado; reverter ou evitar a fadiga da
musculatura respiratória; diminuir o consumo de oxigênio, dessa forma reduzindo o desconforto respiratório;
e permitir a aplicação de terapêuticas específicas (CARVALHO, JUNIOR, FRANCA, 2007, p.54). O
ventilador mecânico é o aparelho utilizado na ventilação mecânica, também conhecido como respirador.
9
http://www.myicucare.org/Pages/HistoryofCriticalCare.aspx. Acesso em 23/09/2012.
25
“tecnologias de salvamento” que catalisaram o crescimento da terapia intensiva
(MENEZES, 2013, p. 415).
Na Segunda Guerra Mundial, os pacientes de pós-operatório passaram a ser
agrupados em salas de recuperação, a fim de garantir um atendimento mais eficaz, devido
ao número reduzido de profissionais de enfermagem. Em 1958, aproximadamente 25% dos
hospitais norte americanos com mais de 300 leitos contava com uma UTI. Os benefícios
deste tipo de organização do trabalho, dirigido ao atendimento destes enfermos resultaram
na disseminação destas salas para quase todos os hospitais, sobretudo a partir dos anos
1960 (SOCIETY OF CRITICAL CARE)10. No Brasil, essa modalidade de serviço surgiu
nessa mesma década, em hospitais de grande porte do Sul e Sudeste do país (MENEZES,
2006, p. 30).
Esta unidade representa, tanto no sentido simbólico quanto na prática, a
preocupação moderna com o controle de doenças. Sua meta consiste na cura, no
prolongamento e/ou manutenção da vida (MENEZES, 2013, p. 415). Desde o surgimento
dessa modalidade de serviço, da especialização e habilitação de profissionais para prestar
assistência intensiva, apresentam-se diversos questionamentos, sejam em torno das
consequências de uma internação no setor para doentes e seus familiares, sejam referentes
às condições de trabalho da equipe de saúde (MENEZES, 2013, p. 416).
De acordo com o Ministério da Saúde, no Brasil, UTI não é sinônimo de CTI
(Centro de Tratamento/Terapia Intensiva). Denomina-se Centro de Terapia Intensiva o
agrupamento, em uma mesma área física, de duas ou mais UTIs, incluindo-se, quando
existentes, as Unidades de Tratamento Semi-Intensivo (PORTARIA Nº 466, 1998).
1.3
Terapia Intensiva no Brasil
De acordo com o Ministério da Saúde brasileiro (1998), as UTIs são unidades
hospitalares destinadas ao atendimento de enfermos graves ou de risco 11, que dispõem de
10
http://www.myicucare.org/Pages/HistoryofCriticalCare.aspx. Acesso em 23/09/2012.
De acordo com RDC Nº 7, de 24 de fevereiro de 2010, risco refere-se à combinação da probabilidade de
ocorrência de um dano e a gravidade de tal dano - http://brasilsus.com.br/legislacoes/rdc/102985-7.html.
Acesso em 19/09/2012.
A definição de risco em saúde pública pode ser separada em duas perspectivas principais: a primeira, vista
como um perigo para a saúde das populações que são expostas a riscos ambientais, como poluição, lixo
11
26
assistência médica e de enfermagem ininterruptas, com equipamentos específicos próprios,
recursos humanos especializados e que tenham acesso a outras tecnologias destinadas ao
diagnóstico e à terapêutica.
O funcionamento de uma UTI requer alguns requisitos operacionais básicos,
segundo o Ministério da Saúde brasileiro: toda unidade deve contar com, no mínimo, cinco
leitos; 24 horas por dia de acesso aos serviços de laboratório, hemodiálise 12, cirurgia, entre
outros; existência de uma Comissão de Controle de Infecção Hospitalar (CCIH), para
prevenção e controle de infecções hospitalares. Além destas características, é preciso
contar com um manual de rotinas de procedimentos13 médicos, de enfermagem, de
manutenção dos aparelhos, de biossegurança etc. (PORTARIA Nº 466, 1998).
A infraestrutura física deve obedecer a determinadas exigências, como: ser uma
área própria dentro do hospital, de acesso restrito, porém com acesso facilitado ao centro
cirúrgico (CC), unidades de emergência e outras unidades intensivas; o posto de
enfermagem deve estar instalado de forma a permitir completa observação dos leitos, seja
visualmente ou por meio eletrônico, obedecendo à relação de um posto para cada dez
leitos; as paredes devem ser constituídas de material transparente, a fim de permitir a visão
contínua e à distância dos enfermos e monitores; quartos de isolamento providos de
antecâmara e lavatório exclusivo para uso da equipe; iluminação de luz natural e
posicionamento de relógios, de maneira que possa ser observado pelo paciente internado;
nuclear e resíduos químicos tóxicos. Neste contexto, a ameaça para a saúde é considerada como um risco que
é externo, ao longo do qual o indivíduo tem pouco controle. A segunda abordagem concentra-se na
consequência das escolhas de vida feitas por indivíduos e, assim, coloca em ênfase o autocontrole. Nesse
sentido, é imposto internamente, em função da capacidade do indivíduo para gerir a si mesmo. Um terceiro
uso menos comum do termo, refere-se a grupos sociais por não terem acesso suficiente aos serviços de saúde.
Neste caso, o risco refere-se à desvantagem social, que, dependendo da posição política, pode ser
representado como uma função de fatores externos, tal como renda, ou fatores internos, como a falta de
motivação, ou uma combinação de ambos. A estratégia de testes de diagnóstico tem sido adotada para lidar
com o risco na saúde, tanto externa quanto internamente imposta. A lógica do teste é que os padrões de risco
devem ser primeiramente determinados, para identificar aqueles que possuam o potencial para desenvolver
uma determinada condição patológica e, em seguida, tratada. Acredita-se que o exame diagnóstico possa
identificar a doença antes dos sintomas aparecerem, o que acarretaria em um tempo maior para tratar ou
prevenir a doença, ou alertar pessoas para o seu potencial de transmissão, tal como o HIV ou de uma doença
genética. Possuir um teste, de qualquer tipo, é conceituado como oferecer controle, uma maneira de “fazer
alguma coisa” na presença de um potencial de uma doença. A relação entre a definição do risco e da
estratégia de testes de diagnóstico é, portanto, sinergética: os indivíduos são estimulados a participar de um
teste, pois eles são considerados em risco de desenvolver uma doença ou condição patológica e as estatísticas
produzidas servirão para apoiar ou reformular as avaliações dos padrões de risco na população (LUPTON,
D., 1995, p.77).
12
Processo de filtração do sangue, efetuado por aparelhagem.
13
Termo amplamente utilizado por equipes de saúde. Refere-se à retirada de sangue ou outras condutas,
como punção arterial, dissecção de veia profunda, intubação e colocação de prótese respiratória.
27
redes de gás oxigênio e ar comprimido em todos os leitos (PORTARIA Nº 466, 1998). Por
último, é preciso uma equipe multiprofissional exclusiva e materiais e equipamentos
tecnológicos atendendo às quantificações exigidas na Portaria nº 466, 1998.
A UTI é um setor hospitalar que necessariamente deve contar com diferentes
categorias profissionais, como: médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, técnicos de
enfermagem, nutricionistas, residentes de diversas áreas, estagiários, faxineiros e outros
(MENEZES, 2006, p. 34). Assim como o hospital, esta unidade funciona 24 horas por dia,
sete dias por semana. Além destas características, trata-se de um setor que não existe fora
da instituição hospitalar. Para manter seu funcionamento adequado, a UTI necessita do
suporte de outros setores hospitalares.
O trabalho neste ambiente pressupõe a existência de uma equipe multiprofissional,
pois sem os cuidados especializados das distintas categorias profissionais não seria
possível seu desenvolvimento. Cada profissional tem uma tarefa específica, fundamental
para o funcionamento do setor. A unidade tem o objetivo de concentrar três componentes
críticos: os doentes mais graves, o equipamento técnico mais caro e sofisticado, a equipe
com conhecimento e experiência para cuidar desses pacientes e de lidar com essa
aparelhagem (MENEZES, 2006, p. 30).
Uma das principais características da moderna UTI é a preocupação com o domínio
da doença, a erradicação da morte de tempo incerto e o prolongamento da vida. Com seu
surgimento, a organização do hospital modificou-se: alguns tratamentos limitaram-se a esta
unidade, iniciando uma busca pela cura e pelo adiamento da morte, em muitos casos
(SEYMOUR, 2001, p. 10). Por ser um setor fechado e organizado de maneira a permitir
uma vigilância e controle permanentes dos pacientes internados, a UTI promove maior
segurança dos profissionais. Há um notável controle do tempo, com horários estabelecidos
para a realização dos banhos, administração dos medicamentos, realização de exames
complementares, visita dos familiares, descanso dos pacientes e da equipe etc.,
estabelecendo assim, uma rotina dentro do setor.
Para que um doente seja admitido na unidade é necessária avaliação pela equipe
médica, acerca de sua gravidade, por meio de um índice de prognóstico14 com a
classificação da severidade da enfermidade (RDC Nº 7, 2010). Na UTI Adulto esse índice
14
Previsão médica da evolução de uma doença.
28
é denominado APACHE II15 (PORTARIA GM/MS Nº 3432, 1998). Sem essa análise, ele
poderá não ser internado no setor, por não possuir os critérios estipulados para tal.
Para o Ministério da Saúde brasileiro (2010), o termo rotina compreende:
“na descrição dos passos dados para a realização de uma atividade ou
operação, envolvendo, geralmente, mais de um agente. Favorece o planejamento
e racionalização da atividade, evitam improvisações, na medida em que definem
com antecedência os agentes que serão envolvidos, propiciando-lhes treinar
suas ações, desta forma eliminando ou minimizando os erros. Permite a
continuidade das ações desenvolvidas, além de fornecer subsídios para a
avaliação de cada uma em particular”.
A UTI é baseada nessa rotina, com a aquisição de informações pelo profissional
com a educação continuada em saúde (RDC Nº 7, 2010) para que o trabalho da equipe seja
sempre o mais próximo da perfeição, sem erros e, com isso, manter o controle do setor, a
estabilidade clínica e hemodinâmica do paciente internado.
Nesta prática é concedida prioridade aos enfermos mais graves, com maior risco de
vida, que são avaliados antes dos demais pela equipe. Essa primazia também é observada
na realização de exames complementares – sobretudo no caso daqueles de maior
complexidade, como a tomografia computadorizada (TC). Devido à prioridade concedida a
seus pacientes, além do fato de possuir os equipamentos mais sofisticados e complexos e
do nível de profissionalização e capacitação especializada de suas equipes, a UTI constrói
uma imagem de um setor essencial ao hospital, posicionado hierarquicamente acima dos
outros serviços. De acordo com Menezes (2006, p. 50), o setor é considerado por alguns
profissionais da UTI por ela observada como o “topo do hospital”, o “suprassumo”.
Essa hierarquia também ocorre com os profissionais atuantes neste ambiente e se
manifesta como um “poder” sobre os demais colegas de outros setores do hospital. O
intensivista é visto por seus pares como um profissional completo, que engloba outras
especialidades. A partir desta abrangência de qualificação, é possível usar o superlativo
“super” para designar o profissional da UTI: um “superespecialista”. A expertise do
intensivista é afirmada pela extensão de sua bagagem de saber, por sua habilidade e perícia
técnica no manejo da aparelhagem moderna, como também pela desvalorização do colega
de outra especialidade: um “leigo” (MENEZES, 2000, p. 32).
15
O escore APACHE II (Acute Physiology and Chronic Health Evalution) é uma forma de avaliação e
classificação do índice de gravidade da doença, e tem como objetivo principal a descrição quantitativa do
grau de disfunção orgânica de pacientes gravemente enfermos, gravidade que é traduzida em valor numérico
a partir das alterações clínicas e laboratoriais existentes ou do tipo/número de procedimentos utilizados
(FREITAS, 2010, p. 22).
29
As diferentes categorias profissionais que atuam na UTI explicitam a existência de
uma identidade, comum a todos que ali trabalham: a de intensivista – condição que
prevalece, em face de outra possível classificação, que possa ocorrer entre os componentes
da equipe da UTI.
30
2. Metodologia de Pesquisa
Para desenvolver esta investigação, a metodologia qualitativa foi considerada a
mais adequada para atingir aos objetivos da pesquisa. Como método de coleta de dados, a
observação participante, a fim de apreender a gestão das emoções dos profissionais de
saúde da UTI. Inicialmente a ideia era utilizar, além da observação participante, entrevistas
com roteiro semiestruturado, como sugerido pela banca examinadora na qualificação do
projeto. Porém não foi possível realizar entrevistas, devido ao tempo prolongado da
aprovação do projeto pelo CEP, o que ocorreu somente em outubro de 2013. Como a
pesquisa já havia recebido autorização das chefias da UTI e da direção do hospital, as
observações foram empreendidas antes da liberação do parecer do CEP.
A importância da utilização da metodologia qualitativa reside na possibilidade de
“estudar o geral através do singular e estudar o singular na sua constituição histórica e
social, fazendo uma escavação no microcosmo para nele entrever o macrocosmo”
(PEREIRA, 1991, p. 117). Portanto, o objeto desse estudo não é o indivíduo em si, mas as
relações nas quais ele se encontra imerso: nas situações sociais das quais ele é, ao mesmo
tempo, produto e produtor. Nesse sentido, o exame das narrativas produzidas pelos sujeitos
consiste em uma forma de acesso às suas experiências (ALVES; RABELO; SOUZA, 1999,
p. 19), em uma dialética entre o polo do evento e o polo da significação, entre sentido e
referência, entre a singularidade e a subjetividade da experiência e a objetividade e a
intersubjetividade da linguagem, das instituições e dos modelos legitimados socialmente
(ALVES; RABELO, 1999, p. 173).
Como primeira etapa da pesquisa, foi realizado um levantamento bibliográfico
sobre a emergência das emoções na UTI 16. Há que se destacar que a maior parte da revisão
bibliográfica examinada sobre o tema é de autoria de profissionais da área de saúde, em
especial os de enfermagem. Não foi selecionado um recorte temporal na escolha dos
artigos, visto que o objetivo era justamente levantar o conjunto de estudos sobre o tema,
até os dias atuais. Para Víctora et al.(2000, p. 71), a análise de documentos é uma técnica
de coleta de dados que, apesar de não ser frequentemente aplicada na pesquisa qualitativa,
constitui importante fonte de informações.
16
Planilha com levantamento bibliográfico no apêndice I.
31
A observação foi iniciada em fevereiro de 2013, após autorização oficial das
chefias do hospital e da unidade. As observações foram realizadas durante quatro meses,
totalizando 356 horas. Busquei estar presente em diferentes períodos do dia, de forma a
captar o ritmo de trabalho, inclusive em plantões noturnos, vivenciando diversas situações,
a fim de apreender a gestão das emoções destes profissionais. Como profissional da
unidade, permaneci trajando jaleco, assim como os demais colegas da equipe.
Alguns intensivistas questionaram a metodologia do estudo, por não contar com
números e gráficos, apenas com observação. Quando eles tomaram conhecimento do título,
comentaram: “Ah, muito legal!”. O diário de campo também foi objeto de curiosidade dos
colegas que, ao perceberem que anotava alguma situação, reagiram da seguinte forma: “A
Nathalia tá anotando tudo!”, eles pediam para ler o que estava escrito.
Cada tipo de metodologia traz consigo um conjunto de pressupostos sobre a
realidade, bem como um instrumental, composto por diversos conceitos (Víctora et al.
2000, p. 33). Segundo as mesmas autoras (Víctora et al. 2000, p. 54), o método etnográfico
possibilita ao investigador compreender as práticas culturais em um contexto social mais
amplo, estabelecendo as relações entre fenômenos específicos e determinada visão de
mundo.
Resgatar a perspectiva etnográfica e trazê-la para o âmbito da saúde coletiva é uma
estratégia de qualificação da pesquisa qualitativa na área. A etnografia é entendida aqui
não como simples técnica de coleta de dados, mas enquanto uma forma de olhar, apreender
e interpretar a realidade. Um dos desafios na área da saúde é sua inserção em campos
estruturados, hierarquizados e “privados”, como são os serviços de saúde e, em particular,
alguns espaços, como a UTI. O que é peculiar à antropologia não é apenas sua metodologia
de investigação, mas a maneira como concebe as relações entre social e individual, entre
natureza e cultura, entre universal e particular. A preocupação constante com o sentido e o
significado, com o contexto e a situação na qual se inserem os comportamentos, com as
particularidades de cada cultura ou grupo e com os determinantes sociais que se impõem a
este (KNAUTH, 2010, p. 110).
A observação participante se remete à tradição antropológica e envolve um triplo
trabalho de percepção, memorização e anotação (BEAUD; WEBER, 2007, p. 93). A
observação etnográfica constitui o método antropológico por excelência, na medida em que
possibilita ao pesquisador apreender lógicas que modulam – e são moduladas – por
32
práticas sociais específicas. Para compreender os sentidos e significados de uma prática
social é imprescindível a inserção no universo nativo, com participação nos eventos do
contexto. No desenvolvimento deste tipo de trabalho, a sensibilidade e a subjetividade do
antropólogo encontram-se invariavelmente incluídas (GOMES; MENEZES, 2008, p. 2).
Portanto, implicar-se na pesquisa envolve, para o pesquisador, o duplo movimento de
identificação e estranhamento, transformando o “exótico em familiar” e o “familiar em
exótico” (DAMATTA, 1978). Assim, a tarefa primeira do antropólogo deve ser a busca
pelo progressivo distanciamento crítico de seus próprios valores (LERNIER, 2003, p. 27),
especialmente quando o universo pesquisado consiste em um campo conhecido.
2.1. Dupla Identidade da pesquisadora
Como fisioterapeuta da UTI do HUGG, além de ocupar uma posição de liderança
no setor, sou a profissional responsável por resolver questões burocráticas, de modo que
mantenho contato próximo com a direção do hospital. Por esse motivo, tenho fácil acesso
ao diretor. Como foi preciso autorização da instituição para desenvolver meu estudo,
procurei o diretor. Ele estava fora do Rio de Janeiro, em viagem. Tive então a oportunidade
de conversar com seu substituto eventual, o superintendente médico:
Pesquisadora: “Bom, gostaria de saber se poderia realizar a pesquisa do meu
mestrado aqui no hospital, na UTI. Trata-se da gestão das emoções dos
profissionais no cuidado de pacientes FTPC. Seriam observações e entrevistas
com os profissionais”.
Superintendente médico: “Você não está fazendo mestrado em fisioterapia?”
Pesquisadora: “Não, estou fazendo em Saúde Coletiva, no Fundão (UFRJ)”.
Superintendente Médico: “Claro que pode! Quando você for encaminhar ao CEP
e precisar de alguma declaração, me avise!”
Pesquisadora: “Ok! Muito obrigada!”.
Superintendente Médico: “Mais alguma coisa?”
Pesquisadora: “Não, só isso tudo!”
Superintendente Médico: “Qualquer coisa, estamos aqui!”
Pesquisadora: “Ok! Muito obrigada!”.
A partir da autorização da direção, procurei as chefias médica e de enfermagem,
para solicitar seus consentimentos. Na mesma semana consegui reunir as duas chefias,
33
apresentei os objetivos do estudo e explicitei a intenção de desenvolver a pesquisa na UTI.
A reação foi de curiosidade em relação à metodologia, seguida de aceitação. Expliquei
como seria efetuada a coleta de dados – observação participante e entrevistas - e solicitei
que comunicassem às equipes, para que todos tomassem conhecimento de que eu passaria
a assumir dois papeis no setor: de fisioterapeuta e pesquisadora. A chefia médica logo se
prontificou a ajudar, caso necessário, afirmando que não haveria problema em relação à
minha investigação. Prometi enviar o projeto por e-mail.
Nesse contexto, passei a ter dupla identidade: de profissional de saúde integrante da
equipe da UTI e de pesquisadora. Tal posicionamento demandou maior capacidade de
reflexão e de autocrítica, tanto na observação como na elaboração desta dissertação. Neste
tipo de trabalho de campo trata-se de transformar o familiar em exótico (DAMATTA,
1978, p. 28). Como profissional de saúde e integrante da equipe da UTI do HUGG, o
desafio consistiu em despir a roupagem de membro de uma classe e/ou de um grupo social
específico, para estranhar regras previamente conhecidas e familiares. Somente deste modo
é possível descobrir o exótico presente em cada pessoa, pelos mecanismos de legitimação.
Tal condição conduz ao encontro com o outro e, ao mesmo tempo, ao estranhamento.
Uma das mais tradicionais premissas das ciências sociais é a necessidade de uma
distância mínima que garanta ao investigador condições de objetividade em seu trabalho.
Afirma-se ser preciso que o pesquisador deva observar a realidade com “olhos imparciais”,
evitar envolvimentos que possam deformar ou distorcer seus julgamentos e conclusões.
Este movimento de relativizar as noções de distância e objetividade, se de um lado nos
torna mais modestos quanto à construção do nosso conhecimento em geral, por outro lado
permite-nos observar o familiar e estudá-lo sobre a impossibilidade de resultados
imparciais, neutros. Nesse nível, o estudo do familiar oferece vantagens em termos de
possibilidades de rever e enriquecer os resultados da pesquisa. O processo de estranhar o
familiar torna-se possível quando somos capazes de confrontar intelectualmente, e mesmo
emocionalmente, diferentes versões e interpretações existentes a respeito de fatos e
situações (VELHO, 1978, p. 36).
Descrever o outro com presumida neutralidade, sem emitir valores pessoais nem
esclarecer o processo de intercâmbio de experiências entre pesquisador e nativos é assumir
a crença na objetividade do cientista. O que está em jogo durante a pesquisa é tanto a
contenção e o controle da expressão dos sentimentos do pesquisador no campo, quanto o
34
uso de suas emoções na elaboração do texto (GOMES; MENEZES, 2008, p. 1). Como
profissional de saúde nesse ambiente hospitalar, a experiência tem servido como eficaz
garantia de autoridade etnográfica, uma presença participativa, um contato sensível com o
mundo a ser compreendido, uma relação de afinidade emocional com seus semelhantes, o
que é considerado por Clifford (2008, p. 36) como uma concretude de percepção.
Realizar a pesquisa etnográfica em um ambiente previamente conhecido, tanto no
sentido de ser uma profissional de saúde como por ser funcionária da instituição, foi uma
nova experiência, que acarretou uma abertura de horizontes e de percepções. Observar os
colegas sob a nova ótica gerou ricas reflexões sobre o trabalho em UTI.
35
3. A Unidade de Terapia Intensiva do Hospital Universitário
Gaffrée e Guinle
A Unidade de Terapia Intensiva em que foi realizada a pesquisa está localizada no
Hospital Universitário Gaffrée e Guinle (HUGG), que pertence à Universidade Federal do
Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Situa-se na zona norte da cidade do rio de janeiro,
entre os bairros da Tijuca e Praça da Bandeira.
O HUGG foi fundado em 1929 por Cândido Gaffrée e Guilherme Guinle, com o
nome de Fundação Gaffrée e Guinle. Na época era o maior hospital da cidade, contando
com 320 leitos. Em 1966 foi incorporado à Escola de Medicina e Cirurgia. A partir de
1968 passou a ser denominado Hospital Universitário Gaffrée e Guinle. Na ocasião foi
realizada uma grande reforma para adaptação como um hospital-escola. Em 05 de junho de
1979 passou a integrar a Universidade do Rio de Janeiro, atual UNIRIO, passando a fazer
parte de seu Centro de Ciências Biológicas e da Saúde (CCBS) 17. Atualmente o hospital
possui cerca de 200 leitos para internação e não oferece atendimento de emergência,
apenas ambulatorial.
3.1
Descrição do setor
No início do período de observação etnográfica a UTI do hospital estava em obras,
de modo que as primeiras observações foram realizadas em um espaço reduzido, com
menor número de leitos em relação ao habitual – antes com oito e na etapa com obras
apenas dois -, uma vez que profissionais e pacientes foram alocados na enfermaria de
Ortopedia, no primeiro andar do hospital. Pelo fato de contar com menor número de
pacientes internados, alguns profissionais da equipe de enfermagem foram remanejados
para atuar em outros setores.
O ambiente tinha formato retangular e não contava com divisórias entre os leitos
dos enfermos e a equipe. Havia uma porta na entrada, sempre fechada. Ao entrar era
17
http://www.unirio.br/imunoalerg/infraestrutura.html. Acesso em 27 de julho de 2013.
36
possível visualizar todo o setor. À esquerda havia duas mesas, com os prontuários18 e
papéis. As gavetas eram utilizadas para armazenar as medicações dos pacientes. Em um
pequeno canto, ao lado das mesas havia um “carrinho de parada19”, que foi improvisado
para preparação dos medicamentos. O espaço também contava com um armário, no qual
eram armazenados os soros.
À frente havia uma porta que dava acesso à única pia do local, utilizada para
lavagem das mãos. Este espaço contava com duas portas, uma de cada lado da pia: a da
esquerda, um local no qual os profissionais guardavam seus pertences. Já à direita havia
um vaso sanitário. Este local permanecia trancado com cadeado, para não ser utilizado.
Ao lado desta porta havia um sofá para a equipe e, ao lado estavam: o “carrinho de
parada”, um armário que apoiava o telefone, um carrinho com materiais como luvas, gazes,
álcool etc., uma bancada com uma televisão, outro carrinho que guardava a roupa de cama
e, no final, um ventilador mecânico extra.
Em frente a esse material havia dois leitos dos pacientes, sem divisórias, o que
possibilitava que os doentes conversassem quando isso era possível. Ao lado de um dos
leitos tinha um armário com mais materiais. Os leitos eram dispostos com a cabeceira para
a parede, e os pés dirigidos para os materiais encostados na parede em frente. Cada um
tinha uma mesa com o monitor de sinais vitais e uma cestinha com materiais para uso no
enfermo internado.
O ambiente contava com dois aparelhos de ar condicionados para refrigeração. A
equipe controlava a temperatura. A iluminação com lâmpadas fluorescentes era mantida
acesa, na maior parte do dia. À noite algumas luzes do setor eram apagadas para que os
enfermos pudessem dormir.
A permanência da UTI neste local foi de aproximadamente sete meses. Por se tratar
de um ambiente restrito, com poucos recursos para o funcionamento de uma unidade de
terapia intensiva, comportava somente dois doentes. Por esse motivo, uma parte da equipe
de enfermagem foi remanejada para outros setores, visto que a equipe da UTI é composta
para atender a oito pacientes graves – dois enfermeiros e cinco técnicos de enfermagem. A
18
O prontuário médico, de fato, prontuário do paciente, é o conjunto de documentos padronizados, ordenados
e concisos, destinados ao registro de todas as informações referentes aos cuidados médicos e paramédicos
prestados ao enfermo.
19
O “carrinho de parada” é um armário com rodas, no qual são armazenados os materiais e medicações
utilizados para reverter em uma parada cardiorrespiratória (PCR) e vai exigir procedimentos de socorro
imediatos. Conforme a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), a nomenclatura mais apropriada é
Carrinho de Emergência, http://cientifico.cardiol.br/. Acesso em 22/05/2013.
37
cada plantão um enfermeiro e três técnicos eram transferidos para as enfermarias,
escolhidos especialmente no caso de possuírem pacientes graves com demanda de
cuidados intensivos. O fato de a UTI funcionar com apenas dois leitos durante tanto tempo
impossibilitou a realização de diversas cirurgias, pois não havia condições para que os
pacientes permanecessem nas enfermarias no pós-operatório.
Com o término da obra, toda a equipe retornou para o terceiro andar do hospital, no
qual está localizada a UTI, em um ambiente reformado, com as paredes em tom de verde
claro, móveis nas cores bege e azul. Na entrada da UTI há uma grande porta de madeira
(mantida sempre aberta) e uma sala de espera para familiares dos internados na unidade,
com aproximadamente dez cadeiras, uma pia e uma janela, com visão para um jardim
interno do hospital.
Para entrar na UTI é preciso passar por uma porta “vai e vem” de plástico, que dá
acesso a um corredor, no qual há um banheiro para uso dos familiares; um espaço em que é
armazenado material, chamado de “arsenal”, que permanece trancado; além de armários
individuais, utilizados pelos funcionários para seus pertences. Ao lado do “arsenal” há
outra porta, semelhante à anterior, que dá acesso à UTI.
Ao passar pela porta de entrada da UTI há três portas à esquerda: a primeira, um
banheiro para os pacientes em condições de locomoção, ou o local no qual a equipe pega a
água para o banho no leito; a segunda, um expurgo20; e a terceira, um leito de isolamento
respiratório21. À direita, outro leito de isolamento respiratório. À frente há duas pias para
lavar as mãos, conectadas ao posto de enfermagem.
O posto de enfermagem tem formato retangular e é dividido em duas partes: uma na
qual os profissionais podem se sentar para escrever nos prontuários, composta por
bancadas, cadeiras, armários e gavetas utilizadas para armazenar materiais e roupas de
cama, com um telefone, um interfone, uma calculadora e um rádio. A outra é destinada à
realização de medicações dos pacientes, isolada por uma divisória com janelas de vidro e
duas portas pequenas “vai e vem” de madeira, para evitar a circulação de pessoas no local.
Também é composto por diversas gavetas e armários, uma extensa bancada e uma pia. Do
lado de fora, na outra extremidade, há mais duas pias para lavagem das mãos. De cada lado
do posto há um carrinho com materiais, como: luvas, gazes, esparadrapo, álcool etc.
20
21
Local em que são desprezadas as secreções dos pacientes, como urina, fezes e secreção traqueal.
Leito específico para pacientes com doenças transmissíveis pelo ar, como a tuberculose.
38
O posto está situado em um nível superior do restante (um degrau acima), para que
seja possível ver o que ocorre em nos leitos, inclusive os de isolamento, através das janelas
de vidro. Há cinco leitos do lado esquerdo e sete do direito. Nem todos os leitos são ativos.
No momento apenas oito são utilizados: quatro do lado esquerdo, sendo um leito de
isolamento respiratório e quatro do lado direito. Trata-se de uma estrutura semelhante à do
Panóptico de Bentham (Foucault, 2004, p. 166): uma organização com máxima
visibilidade do ponto central, possibilitando controle e vigilância permanentes.
O leito inativo do lado esquerdo está localizado no fundo da UTI, junto a uma
máquina para digitalização e visualização de raio-x, uma televisão de LCD presa à parede,
uma pequena geladeira para armazenamento de medicações, um “carrinho de parada” e
um armário com materiais de fisioterapia. Em dois leitos inativos do lado direito, também
ao fundo do setor, encontram-se armários com materiais diversos para ventilação mecânica
e ventilação espontânea22, soro para medicações, cadeira de rodas, balas de oxigênio para
realização de transporte de pacientes e bombas infusoras 23 extras conectadas à rede
elétrica. O outro leito inativo é para isolamento respiratório, na entrada da UTI, onde estão
os ventiladores mecânicos e camas extras, além de um aparelho de ultrassom.
Os leitos estão dispostos com as cabeceiras encostadas nas paredes e os pés
voltados para o posto de enfermagem, separados por cortinas de correr presas ao teto. Na
cabeceira de cada um há uma janela (que não abre) e uma grande quantidade de aparelhos
(bombas infusoras, um ventilador mecânico, um monitor de sinais vitais preso à parede),
ao lado, uma mesa com gaveta e uma cestinha plástica contendo materiais de uso cotidiano
como sondas, gazes, luvas etc.
Atrás do posto de enfermagem há uma pequena sala com janelas de vidro,
denominada pelos profissionais de “aquário”, com uma mesa, computador e impressora,
dois sofás, um negatoscópio 24 e um quadro de cortiça, no qual são afixados os pareceres
com pedido de vaga para internação na UTI, a folha de frequência dos acadêmicos de
medicina e avisos de congressos de terapia intensiva. Esta sala é utilizada pela equipe
médica para discussões dos casos dos pacientes internados, juntamente com a equipe de
fisioterapia e de enfermagem.
22
Modo normal de respiração.
Aparelho para a administração de medicamentos e alimentação.
24
Aparelho para a visualização de exames radiográficos (raios-x, tomografias).
23
39
De cada lado do “aquário” estão os dois quartos de descanso das equipes: do lado
esquerdo, o da enfermagem e do direito, o dos médicos e fisioterapeutas. Em frente ao
quarto da enfermagem, colado ao “aquário”, há um armário onde ficam os prontuários dos
pacientes.
Seguindo pelo lado esquerdo do “aquário” há um corredor: na primeira porta à
esquerda encontra-se a copa, com uma geladeira, um micro-ondas, um filtro de água, uma
pia e armários, onde são realizadas as refeições e lanches pelos profissionais, logo em
seguida, também à esquerda, há duas janelas de vidro para a colocação das roupas sujas;
em frente às janelas está a mesa da funcionária administrativa com um computador e um
armário. No final do corredor, presa à parede, há uma máquina para a realização do exame
de gasometria arterial25. Ao virar à direita existe um pequeno corredor, onde se localizam
os expurgos – limpo e sujo – para colocação de materiais que foram utilizados pelos
pacientes. À esquerda há uma porta de madeira (que permanece sempre trancada) que dá
acesso à roupa suja desprezada pelas janelas de vidro e outra porta que dá acesso à
enfermaria.
Ao entrar na UTI é possível perceber a baixa temperatura, produzida pelo ar
condicionado central; o ambiente é mantido sempre iluminado por lâmpadas fluorescentes;
as janelas são cobertas por filme, sempre fechadas (não é possível que sejam abertas; há
muitos ruídos, oriundos das vozes dos profissionais, dos aparelhos ligados, com seus
alarmes, do telefone do setor, dos celulares dos profissionais e do rádio ligado no posto de
enfermagem; os odores causados pela mistura de cheiros: materiais de limpeza, secreções e
medicações; e muitos dispensers de álcool gel presos às paredes do setor.
3.2
Rotina de trabalho da unidade
A UTI observada conta com um ambiente no qual circulam muitos profissionais:
médicos,
enfermeiros,
técnicos
de
enfermagem,
fisioterapeutas,
nutricionistas,
fonoaudiólogos, dentista, residentes, acadêmicos, funcionários da limpeza e funcionários
administrativos.
25
Exame que avalia a acidez (pH) e a pressão parcial do oxigênio e do gás carbônico no sangue.
40
A equipe de enfermagem funciona pelo sistema de plantões: três para o turno do dia
e três para o noturno. A maioria das enfermeiras é do sexo feminino, há dois enfermeiros
no plantão noturno. Entre os técnicos há uma divisão mais equilibrada, entre o número de
homens e mulheres.
Na equipe de medicina há 14 médicos, cinco mulheres e nove homens. O mesmo
ocorre com a equipe de fisioterapia: são oito fisioterapeutas, quatro mulheres e quatro
homens.
Cada plantão, diurno ou noturno, conta com um médico plantonista, um
fisioterapeuta, dois enfermeiros, cinco técnicos de enfermagem e um funcionário da
limpeza. O plantão diurno conta ainda com dois residentes de fisioterapia (um do primeiro
ano e outro do segundo), acadêmicos de medicina (em geral quatro) e enfermagem
(geralmente dois), o médico, o fisioterapeuta e o enfermeiro da rotina, dois funcionários
administrativos, um técnico de enfermagem diarista, além de cirurgiões e nefrologistas26
que vêm ao setor avaliar os doentes internados. Geralmente os plantões diurnos são mais
movimentados do que os noturnos e os finais de semana. A dentista tem dias específicos de
trabalho: terça e sexta-feira. Os nutricionistas e fonoaudiólogos não pertencem
exclusivamente à equipe da UTI, eles atendem todo o hospital e só estão presentes no
período diurno.
A rotina diária se inicia às sete horas da manhã, com a “passagem de plantão” da
enfermagem, da medicina e da fisioterapia, que conta com informes detalhados dos
pacientes internados e termina às 19 horas com o mesmo processo, para a equipe que chega
para “render” a que está de plantão.
No turno da manhã, os enfermeiros e técnicos dão banho nos pacientes, que é
dividido com a equipe noturna, em que cada plantão realiza a higiene na metade dos
enfermos internados. O banho geralmente é feito no leito. Enquanto isso, os médicos
avaliam os pacientes, ajustam as medicações prescritas e determinam quais doentes irão de
alta para a enfermaria e quais serão internados na UTI. A equipe de fisioterapia efetua seu
atendimento com ajustes na ventilação mecânica e atividade motora, como sentar e
caminhar. As equipes de nutrição, fonoaudiologia, cirurgia e nefrologia passam pelo setor
para avaliação dos enfermos. Os funcionários administrativos repõem os materiais nos
leitos, além de verificar se a equipe necessita de algum medicamento ou insumo que o
26
Especialidade referente ao funcionamento dos rins.
41
setor não possui. A responsável pela limpeza esvazia as lixeiras e se certifica da limpeza da
unidade.
À tarde, geralmente as modificações já foram realizadas nos doentes e as equipes
aguardam as internações que procedem do centro cirúrgico e transferem os pacientes que
estão de alta para a enfermaria. Os funcionários administrativos, o médico, fisioterapeuta e
enfermeiro da rotina não permanecem no setor, visto que seu horário de trabalho é
concluído no horário de almoço. Assim, nesse período há menor circulação de pessoas no
setor. Quando não há qualquer intercorrência, os intensivistas conversam, assistem
televisão, lancham.
Às 14 horas ocorre a visita dos familiares aos doentes internados, com duração de
uma hora. A visita é liberada pela enfermeira do plantão e é realizada por um familiar de
cada vez. Todos os familiares são orientados a lavar as mãos antes e após o contato com o
doente. Há ainda mais um horário de visita, às 19:30 horas, com duração de 30 minutos.
Ao se aproximar do término do plantão, a equipe de enfermagem se organiza para
“passar o plantão”: troca as fraldas e reposiciona os doentes nos leitos, realizam as
medicações do horário, anotam as evoluções nos prontuários e aguardam os colegas. Os
fisioterapeutas reavaliam os pacientes para verificar a necessidade de ajustes nos
parâmetros da ventilação mecânica ou aspirar a secreção traqueal. Às 19 horas ocorre
novamente a troca de plantão de todas as equipes e a rotina recomeça.
O perfil dos pacientes internados é variado: jovens e idosos, homens e mulheres,
brancos, negros e pardos (não há diferença significativa entre as categorias), de baixa
renda, geralmente estão internados para acompanhamento pós-operatório de cirurgias de
retirada de tumor (câncer), complicações de doentes com HIV 27 ou descompensação de
doenças crônicas como, por exemplo, DPOC28.
A seguir são apresentadas situações observadas na UTI do HUGG, com o objetivo
de analisar as interações e a gestão das emoções dos atores sociais envolvidos.
27
28
Sigla em inglês do vírus da imunodeficiência humana, causador da AIDS.
Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica. Obstrução fixa ao fluxo aéreo ou enfisema.
42
4.
Situações observadas
4.1. A “hóspede” Alice
Alice29, uma das doentes internadas, já era conhecida por alguns da equipe, por suas
internações anteriores. Ela estava conosco desde que a UTI entrou em obras e permaneceu
internada durante todo o processo. Então, além de apenas dois leitos, um deles não tinha
rotatividade, pois foi ocupado pela mesma paciente, Alice. Tal condição permitiu maior
proximidade entre equipe e a doente, em comparação com outros pacientes, que estavam
no leito ao lado.
Durante os últimos três meses na Ortopedia, os dois pacientes foram sempre os
mesmos: Alice e Paulo, o que fez com que eles desenvolvessem uma “amizade”. Eles
perguntavam um pelo outro, cumprimentavam-se, questionavam o que estava acontecendo.
Como o local era pequeno e com poucos pacientes, os profissionais estavam mais
próximos dos enfermos, comparativamente ao modo cotidiano de funcionamento e de
relacionamento na UTI.
À época, a equipe relatou que eles não eram pacientes, mas hóspedes, por estarem
há certo tempo internados e, por não serem doentes em condição de gravidade extrema,
que precisavam apenas de cuidados que não poderiam ser realizados na enfermaria. Eles
permaneciam acordados, com suas funções vitais estáveis, dependendo de ventilação
mecânica. Esse fato mobilizava a equipe, que expressava de distintas formas: medo de
morrer e da possibilidade de alta para a enfermaria, pois os profissionais da UTI
consideravam que a equipe da enfermaria não seria capaz de cuidar bem deles. Os
intensivistas faziam as vontades destes pacientes: escolha do horário para o banho, de
sentar, do atendimento pela fisioterapia; compravam refrigerantes para Alice, levavam
bolos e doces feitos em casa; além de outras coisas.
Alice, 60 anos, negra, portadora de DPOC e hipertensão pulmonar 30. Em sua
terceira internação nos últimos três anos, e nesta última ficou dependente da ventilação
29
Nome fictício, como todos os mencionados, com o objetivo de garantir sigilo das identidades.
Elevação acima dos níveis normais da pressão sanguínea na pequena circulação ou circulação pulmonar (designação dada à
parte da circulação sanguínea na qual o sangue é bombeado para os pulmões e retorna rico em oxigênio de
volta ao coração. Em síntese, é uma circulação coração-pulmão-coração).
30
43
mecânica. Enferma ativa, sentava-se fora do leito, andava pelos corredores do hospital,
comia por via oral, conversava mesmo sem a possibilidade de emissão de som, pois era
traqueostomizada31. Em frente ao seu leito havia uma televisão, doada por uma médica da
UTI.
Alice foi internada na unidade assim que a UTI entrou em obras, em setembro de
2012, e prontamente foi intubada 32, em decorrência da insuficiência respiratória 33 que
sofria. Não demorou muito tempo para que a equipe de saúde realizasse uma
traqueostomia, para facilitar o desmame34 da ventilação mecânica. Ela permaneceu na UTI
durante todo o período em que ficamos na enfermaria da Ortopedia, com apenas dois
leitos. Um leito era o dela, o que impossibilitava a internação de outros doentes, já que se
tratava de uma paciente sem condições clínicas de transferência para uma enfermaria. Por
se tratar de uma doente crônica, que necessitava de ventilação mecânica e de alguns
cuidados intensivos, seu caso passou a não ser mais discutido pela equipe, que questionava
o desmame e a ocorrência de alguma alteração, como febre. Durante a maior parte do
tempo de sua internação ela se encontrava acordada e cooperava com as demandas dos
profissionais. Muitas vezes ela “mandava”: por exemplo, ela determinava o horário em que
desejava tomar banho, dizia que queria tomar café antes de ser atendida pela fisioterapia,
escolhia o horário para sentar na cadeira, não queria ficar com a monitorização, etc. A
equipe geralmente acatava seus pedidos.
No atendimento a Alice os profissionais usualmente se mostravam animados,
sorriam, brincavam, faziam palhaçadas, conversavam sobre assuntos transmitidos pela
televisão. O acordar da paciente mobilizava o setor. Todos iam até seu leito para desejar
um bom dia a Alice.
Profissionais da unidade compravam refrigerante, doces, salgadinhos, geralmente a
pedido da doente, além de cortarem seu cabelo. A equipe permitia que ela trajasse sempre
uma camisola do hospital, que não é comumente usada pelos pacientes da UTI, somente
das enfermarias. Os intensivistas controlavam os programas de televisão que ela poderia
assistir: quando ocorriam desastres, tragédias, como o incêndio da boate Kiss, em Santa
31
Procedimento cirúrgico pelo qual é produzido um orifício na região anterior do pescoço, para permitir a entrada de ar na traqueia.
Colocação e fixação de um tubo dentro da traqueia do paciente (canal que liga a garganta ao pulmão), para
que o ventilador mecânico seja conectado.
33
Condição clinica na qual os pulmões não conseguem desempenhar adequadamente sua principal função, a
troca gasosa, o que significa que a captação de oxigênio e liberação de CO2 estão prejudicadas.
34
Processo gradual de retirada de aparelhagem para ventilação artificial (VM).
32
44
Maria (RS), a televisão era desligada ou o canal era alterado, sob a alegação de que não
seria a melhor opção para ela naquele momento.
A equipe de fisioterapia se mobilizava, ao perceber que Alice estava mais “pra
baixo” e triste. Algum fisioterapeuta então a levava para caminhar fora do setor, pelos
corredores do hospital e estacionamento. Como a enfermaria da Ortopedia está localizada
no primeiro andar, era fácil levá-la para andar ao ar livre e ver o dia fora da UTI. A
paciente relatava se sentir bem, ao ir ver o sol ou a chuva. No entanto, por se tratar de uma
doente acamada, sentia dores e cansaço ao caminhar. Alguns fisioterapeutas brigavam com
ela, para a realização de certos procedimentos, como aspiração traqueal35. Eles alegavam
que ela poderia se machucar e que não havia necessidade dela própria se aspirar, pois o
setor contava com muitos profissionais para ajudá-la.
Ela aprendeu a realizar determinados procedimentos, por sempre estar atenta aos
cuidados com ela e com outros pacientes. Por esse motivo, ela sabia se tal conduta estava
correta ou não, e o que seria melhor ou mais confortável. Como ela sempre observava a
rotina do setor, sabia o que acontecia, quem morria, quem ia de alta, quais profissionais
faltavam ao plantão, quem estava de férias etc. Assim, ocorreu um envolvimento dela com
toda a equipe, além dos intensivistas: com as copeiras que levavam sua comida, os técnicos
do laboratório que iam colher material para exames de outros doentes internados (já que
ela não necessitava de exames todos os dias) e os técnicos da radiologia. Algumas
situações provocavam risos, como quando ela observava um paciente levantar da cama e
tentar caminhar com dificuldade, ela expressou: “eu já passei por isso, dói muito e dá
muito medo!”.
Pelo tempo de internação na unidade e pela observação do dia-a-dia, desenvolveuse um vínculo da equipe com Alice. Os profissionais tinham grande preocupação com ela,
estavam sempre alerta para atender aos seus pedidos, faziam algumas vontades, além de
expressarem preocupação em relação à alta da UTI e ida para casa. Os intensivistas
comentavam:
“Não consigo parar de pensar que a Dona Alice vai morrer. Prefiro não
saber!”, disse uma enfermeira.
Presenciei o diálogo entre Alice e uma técnica de enfermagem. A paciente chorava.
Quando me aproximei para questionar o que estava acontecendo, Alice disse que não era
35
Retirada passiva das secreções por sonda, conectada a um sistema de vácuo.
45
nada demais, só estava triste. Insisti para que dissesse o que havia, mas ela não falou.
Quando me afastei, ela continuou a conversar com a técnica e chorar. Pouco depois a
técnica veio conversar comigo e relatou que a Alice estava triste, devido ao desligamento
de uma técnica de enfermagem, pois declarou que iria sentir saudades. Percebi que os
técnicos de enfermagem mantêm um contato mais próximo com os pacientes, em
comparação com a equipe médica e de fisioterapia, devido aos cuidados que realizam,
como banho, troca de fraldas, medicações, alimentação. Em decorrência deste
envolvimento com Alice, sua filha Joana tinha prioridade no setor, sendo permitido um
tempo maior do que o habitual de permanência durante a visita. Ela podia deixar alguns
pertences da Alice no leito, como escova para cabelos e dentes, perfume, hidratante,
óculos, espelho, comida, tudo a pedido da própria doente. Mesmo que ela chegasse
atrasada para o horário da visita, era concedida a liberdade de visitar sua mãe, sem que a
equipe reclamasse. Essa atitude só era permitida para a filha da Alice, jamais para
familiares de outros doentes.
Na inauguração da UTI após a obra, houve um momento de descontração para esta
paciente. A equipe de fisioterapia a levou para a nova unidade caminhando e, ao chegar na
porta da UTI, brincadeiras foram feitas com a doente:
“Vai para casa nova!”, disse uma enfermeira.
“Corta a fitinha de inauguração, Dona Alice!”, disse uma fisioterapeuta.
Após algumas semanas internadas na “nova UTI”, Joana procurou-me para
conversar sobre a ideia de levar sua mãe para casa. Ela perguntou sobre a maneira de
conseguir um home care36 pelo SUS e questionou se seria muito difícil. Disse a ela que
seria um longo processo judicial, mas que seria possível. Comentei então que conversaria
com o médico da rotina para saber quais procedimentos seriam necessários para iniciar o
processo, pois ela só teria condições de ir para casa com toda a aparelhagem, para suprir
suas necessidades físicas. Conversei com o médico da rotina sobre a possibilidade de dar
alta para Alice. Afirmei que era o momento de pensarmos mais nela do que em nós –
intensivistas -, de pensar no emocional da paciente e não nas condutas traçadas para ela.
Reiterei minha opinião, de que ela não teria condições de ir de alta, pela necessidade de
36
Também conhecido como assistência domiciliar. É uma modalidade continuada de prestação de serviços na
área da saúde, que visa à continuidade do tratamento hospitalar no domicílio. É realizado por equipe
multidisciplinar.
46
ventilação mecânica e de cuidados intensivos, mas que a doente precisava permanecer
próxima da família e, quem sabe, assim ela teria “melhor qualidade de vida”. Ele
concordou e disse que é o momento de pensar nos sentimentos de Alice e disse que iria
conversar com a filha, para resolver a situação burocrática. Ele conversou com Joana e
decidiram iniciar o processo para solicitação do home care.
Ao terminar o período de observação, Alice ainda permanecia internada na unidade.
Como logo após o término da coleta de dados entrei de férias, não acompanhei o processo.
No final do mês de maio, ainda de férias, recebi uma mensagem de texto de uma
residente de fisioterapia, que dizia que a Alice tinha ido de alta para a enfermaria e que
todos estavam muito contentes com a situação, sobretudo a enferma. Aguardavam o
julgamento do processo para o home care.
A situação da Alice é análoga ao caso descrito por Menezes (2006, p. 85), sobre o
envolvimento de uma profissional com um paciente, em que uma enfermeira diz em
entrevista: “As minhas barreiras não foram suficientes e acabei levando o Carlos pra
minha casa. Aí eu chegava em casa e o meu marido perguntava: como é que foi o Carlos
hoje? Eu trouxe a minha filha pra conhecer o Carlos. Sabe, Carlos, essa aqui é minha
filha. E lembro da cara dele direitinho, do sorriso que ele dava, um sorriso sem dente. Ele
conheceu minha filha e eu conheci a esposa dele, as filhas, os filhos, os problemas,
tudinho. Eu me envolvi de tal jeito. E ele ficou no CTI durante tanto tempo que ninguém
aguentava mais o Carlos, ninguém queria prestar assistência ao Carlos. E me envolvi
tanto com ele que, mesmo eu sendo enfermeira plantonista, eu ia prestar assistência direta
a ele”. Outra situação semelhante é mencionada por Bonet (2004, p. 106), ao se referir a
um residente de medicina que se preocupava com o bem-estar do paciente de tal modo,
para além do cuidado estritamente médico. Ele havia dado alta para casa para o enfermo,
que apenas aguardava o resultado da biópsia. O residente considerou que o paciente estaria
melhor em casa do que no hospital (sua preocupação era pelo doente e não pelos custos
hospitalares). Dias depois ele comentou: “Dei-lhe alta até que saísse a biópsia, e chamou
a irmã (dele) porque sentia dores (...) disse a ela: ‘é bom trazê-lo porque a cama 28, na
qual ele estava, está desocupada’; mas, quando saiu, estava muito magro (...) voltou a se
internar. Na segunda, à noite, estava em minha casa, vendo televisão; liguei para saber
como estava, e me disseram que havia morrido”. No dia seguinte o residente comentou
47
que foi ao enterro do doente, situação inusitada, em se tratando de estudante de medicina
ou de médico.
***
Enquanto a UTI estava em obras e havia apenas dois leitos em funcionamento, uma
doente do sexo feminino, 33 anos, negra, estava internada na enfermaria de ginecologia,
em acompanhamento pós-operatório, de histerectomia37. A paciente estava grávida de seu
quinto filho, porém ele havia morrido. O parto foi induzido para a retirada do feto. Durante
a indução houve uma ruptura uterina e grande sangramento, o que provocou a decisão
médica de retirada do útero. A doente foi intubada e levada para a enfermaria em estado
grave, já que não havia leito vago na UTI. O médico do plantão geral pediu auxílio ao
médico plantonista da UTI, para dar assistência à enferma. Toda a equipe intensivista foi
mobilizada – médico, fisioterapeuta, enfermeira – e surgiram questionamentos sobre o
caso: “a paciente é muito nova, já tem quatro filhos, por que tantos filhos?”, “por que não
fizeram uma cesárea na paciente, já que era um feto morto?”. O médico explicou à equipe
que, geralmente, nesses casos não é feita a cesárea, para que a doente não fique com uma
cicatriz e não traga recordações daquele momento, por se tratar de um feto morto, além de
se tratar de um hospital público, caso tivesse sido na rede privada, talvez fizessem a
cirurgia. Importante ressaltar que naquele momento não havia apenas esta paciente grave
nas enfermarias, mas foi a que provocou mobilização da equipe da UTI. Todo o cuidado
possível foi fornecido à paciente: transfusão sanguínea, exames laboratoriais, hemodiálise,
retorno ao centro cirúrgico para lavagem da cavidade abdominal, pois ainda havia
sangramento. Todos os procedimentos foram conduzidos pela equipe da UTI, e não das
enfermarias. No início do plantão, ao ser “passado o caso” para o médico intensivista, foi
cogitada a ideia de dar alta para Alice, que estava internada há mais de cem dias na
unidade, mas ainda necessitava de cuidados intensivos, como a ventilação mecânica. A alta
não foi dada na ocasião, e a paciente jovem foi transferida para um hospital de referência
obstétrica dois dias depois.
Esse episódio evidencia a mobilização dos intensivistas, em relação a pacientes
jovens, principalmente ao cogitar a possibilidade de alta da UTI para uma enferma idosa,
mesmo sem condições clínicas de permanecer em enfermaria. Como afirma Lasagna
37
Cirurgia para extração do útero.
48
(1982, p. 83), o comportamento do profissional de saúde, em relação ao doente grave, é
influenciado pelo próprio paciente e sua doença. Um dos principais determinantes desse
comportamento é a idade: quanto mais jovem for o enfermo, maior o entusiasmo da
equipe. Casos semelhantes foram descritos por Menezes (2006, p. 68): um residente de
medicina, angustiado, com a solicitação de uma vaga de UTI para um jovem de 16 anos
diz: “Bem que podia acontecer uma desgraça com o senhor do leito 4. Ele podia ter uma
acidose38 daquelas que a gente não consegue controlar e... Seria uma desgraça para ele e
um bem para esse garoto que precisa da vaga”. O paciente do leito 4 tinha 50 anos. Outra
situação observada por Menezes (2005, p. 210): uma médica se referiu a um doente com
AIDS que tinha apresentado piora clínica, afirmando: “não vamos desistir deste doente:
ele é jovem, está reagindo e pode ser salvo”. O valor da juventude é geralmente reiterado
por profissionais de UTIs.
4.2.
“De volta para casa”
Com o término das obras e o retorno à UTI, a rotina foi reestabelecida e os
pacientes graves e instáveis que estavam nas enfermarias foram internados no setor. Com
isso, uma unidade que funcionava com apenas dois leitos, passou a trabalhar com oito.
Assim, a movimentação de pessoas aumentou, pois não havia mais necessidade de
remanejamentos de membros da equipe de enfermagem. Um médico comentou que não
aguentava “essa bagunça” e o fato de ser chamado em muitos momentos. Por esta razão,
afirmava precisar de “dar uma respirada lá fora” e descia até a cantina do hospital para
tomar um café. Alguns médicos e técnicos de enfermagem disseram que não queriam ter
retornado para a UTI, pois agora teriam mais trabalho, pois o número de pacientes
aumentou, em comparação com o período em que estavam na enfermaria da Ortopedia.
Alguns fisioterapeutas e médicos declaravam felicidade, por estarem de “volta pra casa”.
Ao atenderem um paciente que havia sido internado no setor, as residentes de
fisioterapia permaneceram além de seus horários, para avaliação e atendimento do
enfermo. Elas comentaram então que estavam nervosas, por não realizar um atendimento
de um paciente grave há muito tempo e, ao mesmo tempo, estavam animadas com a
38
É a diminuição do pH de todo o organismo, tornando-o ácido devido à baixa concentração
de bicarbonato no sangue.
49
situação. Esse sentimento de “animação”, tanto pelo fato de estar novamente no “ambiente
próprio”, em um local conhecido e “dominado” pelos profissionais do setor, como pela
possibilidade de cuidar de pacientes graves e instáveis, que não estavam internados na
enfermaria da Ortopedia (pois eram apenas dois pacientes crônicos, porém estáveis) foi
comentado diversas vezes, ao longo da semana.
Somente a funcionária administrativa não demonstrou a mesma “euforia”, pois ela
começou a trabalhar com a equipe intensivista quando a UTI ainda estava em obras.
Assim, ela não pôde presenciar situações com intercorrências com os pacientes. Portanto,
ao retornar ao setor, ela ficou espantada com a “confusão” durante a internação de um
doente grave. Sua atitude não demorou para se modificar, após cerca de três ou quatro dias,
quando a funcionária não se assustou mais com a rotina.
Durante a intubação de uma paciente, de 90 anos, portadora de doença pulmonar
crônica, o médico, a fisioterapeuta e a enfermeira realizavam o procedimento e todos os
técnicos de enfermagem observavam a intercorrência, com “olhar triste”, cabisbaixo. Um
técnico questionou-me se a paciente teria chances de sair da UTI e digo a ele que
provavelmente não, por se tratar de uma doente muito grave, com doença e idade
avançadas, o que interfere no desmame da ventilação mecânica. Ele pergunta se não seria
melhor pedir autorização para a realização de traqueostomia precoce (procedimento que
usualmente é efetuado após aproximadamente 12 dias de tubo orotraqueal39). Respondi que
sim, pois poderia facilitar a retirada da ventilação mecânica. Essa situação chamou minha
atenção, pois o “olhar triste” e “com pena” dos profissionais de saúde é raramente visível,
em se tratando de intubação de paciente. Geralmente esses eventos são realizados com
rapidez, com restrito espaço para expressão de emoções. A paciente morreu nesta mesma
noite.
Ocorreram situações que despertaram uma mobilização na equipe intensivista,
como no caso em que pacientes internados necessitam de intervenções cirúrgicas, o que
podia agravar seu quadro clínico, quando enfermos acordados e lúcidos necessitam de
auxílio para comer, mudar de posição no leito, etc.; quando não há melhora do paciente e a
morte ocorre, de forma não esperada – para os intensivistas. Situações como estas podem
provocar uma expressão de desconforto, da parte dos profissionais, que desabafam com
seus colegas. Em certa ocasião, ao chegar no plantão, um técnico de enfermagem
39
Intubação orotraqueal (IOT), consiste na colocação e fixação de um tubo (tubo orotraqueal) dentro da
traqueia do paciente (canal que liga a garganta ao pulmão) para que o ventilador mecânico seja conectado.
50
comentou com a enfermeira que não queria cuidar de determinado enfermo, por estar
muito próximo dele, pois no último plantão conversou com ele e tomou conhecimento de
certos dados sobre sua vida fora do hospital. O desejo do profissional foi expresso então:
quer que o paciente saia da UTI bem e, caso morra, sabe que sofrerá muito. Essa situação é
semelhante ao que Menezes (2005, p. 209) descreveu, quando uma enfermeira se referiu à
possibilidade de envolvimento emocional: “Quando eu vejo que a barreira está
diminuindo, levanto ela de novo: eu fujo”.
Esta declaração reflete o que Rabin e Rabin (1982, p. 179) referem, em relação à
forma de lidar com a morte. Não importa qual o tipo de relação existente entre profissional
e paciente, em geral, o intensivista apresenta dificuldades de aceitar a morte. De acordo
com Herzlich (1993, p. 10), o ocultamento da morte visa proteger a vida hospitalar, evitar a
angústia dos profissionais, o que não significa proteger o doente do sofrimento, no final de
sua vida. A angústia ou culpa de um profissional de saúde pode perturbar sua capacidade
de tomar decisões com objetividade. Cada profissional encontra sua própria maneira de
lidar com o sofrimento e com a morte de um paciente. Foram observadas duas formas de
gestão das emoções: uma atitude aparentemente impessoal, na relação com o paciente ou a
evitação de contato com o doente.
Para Deslandes (2002, p. 140) a postura forjada pelo profissional no cotidiano pode
se apresentar de dois modos: ficar insensível, diante da recorrência de tantas situações
semelhantes, ou ter a concreta necessidade de se acostumar, para não sofrer a cada novo
episódio. Entre a “frieza humana” da falta de solidariedade, e a “frieza profissional”
necessária para atuar, muitos desenvolvem uma “comoção seletiva”, o que permite ao
profissional se emocionar somente diante de algum tipo específico de situação ou de
doente, como crianças e jovens. De acordo com Menezes (2004, p. 170), a morte de
crianças e adolescentes, invertendo a sequência natural dos acontecimentos, é, na
sociedade ocidental contemporânea, particularmente triste, tendo em vista a valorização
desta faixa etária, constituindo o principal critério de “morte injusta”, que é especialmente
valorizada pela equipe, ao se tratar de uma situação familiar socialmente valorizada, como,
por exemplo, uma jovem mãe com bebê ou filhos pequenos. A mobilização emocional dos
intensivistas é consideravelmente maior quanto mais jovem for o enfermo (MENEZES,
2006, p. 69).
51
Bonet (2004, p. 106) menciona a fala de um residente de medicina, que expressa
esta “frieza profissional”: “à medida que passa o tempo, ‘cada vez mais você se torna
pior’. No princípio, quando morre um paciente seu, você chora; depois vai passando”.
Menezes (2001, p. 128) refere que esse distanciamento do drama vivido pelo doente e por
seus familiares faz parte da prática voltada ao “cuidado competente”, uma forma específica
de organização do tempo do profissional.
O tempo é um dos aspectos a serem levados em conta, na gestão das emoções do
profissional de saúde. Quando o intensivista “se envolve” com o drama vivido pelo
enfermo, ele passa a dedicar um tempo maior do que o “adequado”. Tal aspecto se
apresenta particularmente neste setor, pelo fato de se tratar de um ambiente que lida com
situações críticas, no limiar da vida e da morte, passíveis de extrema mobilização para os
profissionais. Essa aproximação do enfermo foi descrita por Menezes (2006, p. 85), em
uma situação em que um médico, ao “receber o plantão” e ouvir o relato do caso de um
menino de 11 anos com o mesmo nome de seu filho, reagiu: “Deus me livre, que caso
grave, e tem o mesmo nome do meu filho”. Essa identificação influenciou a tomada de
decisão de alterar a medicação: “Diminui o Fentanil40 para 50 por hora, para o menino
não chorar. Assim o pai não fica estressado, nem a gente, Deus me livre”.
Na UTI, a tecnologia dura – descrita por Merhy (1999) como referida aos
equipamentos, insumos, protocolos – associada aos riscos de vida, pela instabilidade crítica
da saúde dos pacientes, pode ser usada como justificativa para reduzir o processo de escuta
do outro. Entretanto, a tecnologia leve – das relações entre os sujeitos, o diálogo ativo, a
escuta atenta – não deveria ser desconsiderada, ao contrário, pode e deve existir
permeabilidade entre elas, sabendo-se que é a tecnologia leve que move as relações,
inclusive com equipamentos e suas leituras. Em ambiente intensivista, somente a
tecnologia não é capaz de responder às múltiplas variáveis que emergem das situações. Se
não houver articulação que favoreça o cruzamento da tecnologia dura ao projeto de
cuidado como reconhecimento da condição de sujeito, não construímos sujeitos, e não
cuidamos de sujeitos, mas apenas mantemos “estabilizados” corpos acoplados e
sustentados pela tecnologia dura (DUARTE; MOREIRA, 2011, p. 695).
Para alguns membros da equipe, lidar com emoções é “perda de tempo”. O trabalho
voltado às funções dos órgãos, às medidas, procedimentos técnicos e terapêuticos, é mais
40
Potente analgésico utilizado contra a dor.
52
valorizado do que o contato com sentimentos. Lidar com emoções dos pacientes pode
demandar um tempo e uma mobilização afetiva dos profissionais, que passam a ser
consideradas “interferências” ao bom andamento do trabalho. A delegação dos encargos da
morte à equipe deste setor hospitalar não fornece ao profissional os meios de elaboração do
contato com o sofrimento. Assim, apresenta-se um ônus. As equipes da UTI são formadas
de modo a se posicionarem a uma distância “adequada” do doente e de seu sofrimento. O
profissional não deve estar tão próximo, de modo a propiciar uma identificação com o
drama vivido nem tão distante, o que pode impedir um mínimo de contato necessário ao
desenvolvimento de uma interação entre médico e paciente (MENEZES, 2005, p.210).
Os profissionais de saúde são diariamente confrontados ao sofrimento alheio e
devem reprimir uma forte tendência à empatia com a situação dos doentes para não se
emocionarem. Um quadro de referências, parte integrante de seu ofício que, entretanto não
exclui o sentimento de proximidade ou de compaixão, indica aos profissionais a justa
medida da distância afetiva. Ele permite o reconhecimento do outro ao mesmo tempo em
que impede o absorvimento por suas aflições. A prática de alguns ofícios exige um sólido
autocontrole para que o profissional não se deixe levar pelo sofrimento do outro e
mantenha, até o fim, a atitude adequada, tampouco caindo na indiferença ou na rotina. São
ocupações que exigem uma aptidão ao trabalho emocional, o controle da afetividade
pessoal nos momentos em que o sujeito deve se esforçar para suscitar e manifestamente
ouvir a reclamação ou o pedido do outro, enviando-lhe uma imagem positiva (LE
BRETON, 2009, P. 145).
De acordo com Menezes (2006, p. 85), o envolvimento do profissional com o
doente e seu sofrimento, além de certo limite, é percebido como uma dissolução dos
limites necessários à atitude ideal, uma ameaça à sua atuação técnica. Nesse sentido, os
mecanismos de gestão das emoções são cruciais para garantir a eficiência do trabalho.
Assim, muitas vezes os profissionais procuram se distanciar dos pacientes para não
despertar as emoções que possam emergir no contato com eles.
Na rotina institucional do hospital moderno há restrito espaço para emoções –
sejam as da equipe, dos doentes e/ou dos familiares. Esta restrição de espaço para a
expressão de sentimentos é um sintoma das sociedades contemporâneas, nas quais
frequentemente as pessoas constroem uma autoimagem de mônadas isoladas, o “homo
clausus” (ELIAS, 2001, p. 63).
53
De acordo com Rezende e Coelho (2010, p. 98), a expressão dos sentimentos, na
etnopsicologia ocidental moderna, é considerada como um domínio sujeito às regras
sociais que regulam quando, como e para quem manifestar emoções. Em contrapartida, o
sentimento seria uma reação da ordem do natural ou mesmo biológico, que pode ser
diferenciada das normas sociais. Seria, portanto, um fenômeno ao mesmo tempo
individual, no sentido de particular de cada um, e comum a todos os seres humanos.
Fundamental nessa visão é a concepção de que a pessoa possui uma dimensão interna e
privada, que se distingue de sua apresentação pública. As emoções localizam-se assim
nessa interioridade e surge a ideia de uma distinção entre o sentimento sentido e o
sentimento expresso. O que é sentido e pensado no privado é verdadeiro enquanto o que é
apresentado em público pode ser falso. Cria-se, portanto, uma tensão entre sentir e
expressar. Por sua vez, como afirma Sennett (1988), as expressões autênticas dessa
interioridade são valorizadas, principalmente quando acontecem em público.
A emoção expressa pode estar em dissintonia com o sentir já que o indivíduo não
deseja expor-se e pretende responder aos seus companheiros por intermédio de uma série
de sinais que exprimem outra situação. Pode haver vantagem em representar outro
sentimento por razões de conformidade, de preservação da própria imagem, enquanto
estratégia pessoal, no objetivo de alcançar favores de alguém, para não se expor, para não
machucar o outro etc. Ao manifestar os sinais aparentes de uma emoção que não sente, o
indivíduo se insere em meio às expectativas coletivas ou constrói seu personagem de
maneira apropriada a suas intenções. A face social sobrepõe-se, de certa forma, à
interioridade do sentimento (LE BRETON, 2009, p. 142).
As mesmas circunstâncias determinam comportamentos afetivos sensivelmente
diferentes se o indivíduo está sozinho em seu quarto ou em meio a um grupo de pessoas
próximas ou desconhecidas. A ressonância das emoções é, portanto, variável, assim como
o regime de sinais individuais cuja exibição ou pronúncia ela causa. Em nossas sociedades,
a linha que divide o público e o privado, em termos de relacionamento com o corpo e com
a afetividade, é claramente delimitada. Sozinho em sua casa, o homem pode entregar-se ao
choro ou às lamentações num período de tristeza; em meio a desconhecidos, ele se esforça
para se controlar. De acordo com diferentes públicos que presenciam ou que participam
ativamente, a emoção pode tomar formas e intensidades variadas, seja ela compartilhada
ou não (LE BRETON, 2009, p. 162).
54
O ambiente da UTI foi construído para a cura dos pacientes, sendo o trabalho da
equipe centrado na técnica, nos procedimentos de cuidado ao enfermo, nas tecnologias e
nas rotinas institucionais. Assim, prioriza-se a objetividade, em detrimento do espaço para
os sentimentos. O que importa para a rotina institucional é a realização das condutas de
maneira correta e, caso o profissional se envolva emocionalmente, ela poderá ser afetada.
O que ocorre na UTI é semelhante ao que Mauss (1979) afirma, em seu artigo “A
Expressão Obrigatória de Sentimentos”. Segundo o autor, as expressões orais dos sentimentos
consistem em fenômenos sociais marcados, de caráter coletivo. Trata-se de uma obrigação para
determinado grupo. A forma de expressar a emoção não é espontânea. Antes, trata-se de uma
linguagem, uma ação simbólica. Na terapia intensiva, o modelo de comportamento dos
profissionais indica a “obrigação” de não expressar o sofrimento, para não perturbar a rotina do
setor. Deste modo, a maneira adequada de expressão no setor é o silêncio. Toda a equipe deve
se posicionar da mesma maneira. A medicina é compreendida por diversos autores como
constituída por uma dupla dimensão, que pode ser nomeada de diversas formas:
“competência-cuidado”, “objetividade-subjetividade”, “racionalidade-experiência”, “sabersentir”, entre outras (MENEZES, 2001, p. 118). Não são pólos facilmente articuláveis e ao
mesmo tempo são intrínsecos e inerentes à prática médica, o que conduz necessariamente a
uma tensão, compreendida como estruturante dessa mesma prática. Mary-Jo Del Vecchio
Good e Byron Good (1993) enfocaram a dupla dimensão da medicina, em pesquisa
realizada com estudantes, na qual os temas do “cuidado” e da “competência” representam
uma tensão cultural desenvolvida durante o período de aprendizado. A “competência” é
associada à linguagem das ciências básicas, ao conhecimento, à técnica, ao fazer e à ação,
enquanto o “cuidar” é expresso na linguagem dos valores, das relações, da compaixão e
empatia, isto é, o “não-técnico”, vinculado às “humanidades”. Ao longo de sua formação,
os estudantes entram em contato com esta dupla dimensão e nos estágios práticos eles
serão confrontados com os modos como os profissionais resolvem a difícil equação entre
“cuidado” e “competência”. Mas somente o saber e a competência não dão conta da
abrangência da prática médica, pois a experiência, o sentir e a subjetividade do profissional
também são extremamente relevantes no atendimento ao doente (MENEZES, 2001, p.
118).
Para Testa (1992), a transformação do paciente em objeto não é um fato isolado e
circunstancial, mas a constatação de que qualquer paciente é, ao mesmo tempo, objeto e
55
sujeito. A enfermidade de origem biológica, que afeta órgãos definidos, faz com que se
destaque o caráter objetual do indivíduo e, portanto, o tratamento desse particular objeto. A
objetualização incontrolada, todavia, produz consequências negativas para o paciente e o
profissional de saúde, sendo a subjetividade e a socialidade importantes para a eficácia do
tratamento. O autor insiste que considerar o paciente em sua condição de objeto é uma
necessidade parcial da atenção ao paciente, mas a objetualização absoluta leva a
sofrimentos de pacientes e profissionais (DUARTE; MOREIRA, 2011, p. 697).
Bonet (2004, p. 118), em sua etnografia da aprendizagem médica, constatou as
delimitações do “profissional” e do “humano”, ou do “saber” e do “sentir”, como dois
conjuntos de representações separadas, que se manifestam de forma permanente nas
práticas cotidianas do serviço. Para se constituir como um campo de saber científico, a
“biomedicina” – baseada nessa construção dualista, o que se denominou “tensão
estruturante”, - afastou três totalidades: o médico, o paciente e a relação entre eles,
deslocando para o inconsciente os aspectos emocionais dessas totalidades porque não se
encaixavam no discurso criado sobre o processo de saúde-doença. Mas, no dia-a-dia, o que
foi reprimido encontra uma brecha pela qual se manifesta, fazendo sentir seus efeitos na
prática biomédica.
A UTI pode ser considerada um local em que a tensão estruturante da medicina – o
“cuidado” e a “competência” – apresenta-se de forma particularmente explícita, tendo em
vista a importância da tecnologia nesse setor (MENEZES, 2001, p. 118). Segundo
Menezes (2005, p. 211), as formas de gestão emocional utilizadas pela equipe da UTI,
referentes ao modelo de morte presente neste ambiente hospitalar – o modelo de “morte
moderna” -, são: a fragmentação, quando os profissionais se referem ao doente por meio
de partes de seu corpo, de seus parâmetros, órgãos e funções, por exemplo, “o paciente do
leito um”, “o HIV”, “o fígado do leito dois”; e a medicalização, pelo uso de medicamentos,
como os calmantes ou de categorias médicas em relação ao sofrimento, como a psiquiatria.
A rotina das equipes é organizada de forma a silenciar a expressão emocional dos
atores sociais envolvidos. Desse modo a morte, tão presente, é silenciada, banalizada,
regulada e rotinizada. As palavras morte e morrer são evitadas e os eufemismos são
largamente utilizados pela equipe intensivista: “está descendo a ladeira”, “está indo
embora”, “está no finzinho”, “não há mais o que fazer”, “está afundando”, “está entregue a
56
Deus”, “não vai durar muito”, “parou, tentaram reverter mas não deu”, “não vai passar de
hoje”, “alta celestial”, além de “faleceu” (MENEZES, 2006, p. 83).
No momento em que o “saber” não dá respostas esperadas, o “sentir” adquire força
e é então que os dramas sociais explodem, os médicos conseguem perceber a ilusão da
separação entre profissional e humano, ou entre o saber e o sentir (BONET, 2004, p. 118).
Quando os sentimentos não são relacionados à morte, geralmente os profissionais
compartilham com todos da equipe. Caso esteja envolvido algum paciente grave, com risco
de morte, as emoções tendem a ser ocultadas o máximo possível, e não sendo
compartilhadas entre os profissionais, mas apenas com os mais próximos, sejam eles da
própria categoria e/ou equipe ou não.
4.3
“Aqui dentro”, “lá fora”
A rotina da UTI é baseada no modelo de interdisciplinaridade, em que a equipe
busca uma abrangência e qualidade na assistência prestada ao paciente, com articulação
entre os profissionais, em que cada especialidade saiba seu local de atuação, sem
prejudicar ou se sobrepor à atuação do colega. Exige que a equipe médica se transforme
em equipe de saúde. Porém, o que ocorre na prática é a multidisciplinaridade, oriunda da
justaposição de disciplinas com o intuito de atuar sobre certos elementos comuns dentro de
uma realidade compartilhada (RIOS, 2011, p. 117).
Entretanto, uma hierarquia se destaca na UTI: “médico-demais profissionais de
saúde”. Esta forma de organização simbólica não permite que o diálogo ocorra sem
divergências, gerando conflitos entres os profissionais, uma vez que os médicos detêm o
“poder” do setor e os outros integrantes da equipe preconizam que o serviço seja
organizado de modo interdisciplinar. Essa hierarquia se apresenta em diversas situações,
especialmente quando são discutidas condutas terapêuticas em relação a enfermos FPTC.
No entanto, na UTI também há situações em que há uma valorização dos profissionais,
como nas seguintes:
Um médico questionou a possibilidade de dar alta da UTI para uma paciente, e
respondi que talvez não fosse o melhor momento, pois ela ainda necessitava de cuidados
intensivos e não os teria na enfermaria. Ele concordou com minha opinião e a alta não foi
57
dada. Após esse questionamento, perguntei a ele se não haveria indicação de prescrição de
medicação antidepressiva para a enferma, uma vez que ela estava internada há muitos dias,
lúcida e mal adaptada ao ventilador mecânico quando acordada, o que impossibilitava seu
desmame. Ele também concordou com a conduta41.
Quando uma das equipes – enfermagem ou fisioterapia – solicita ao médico que
prescreva alguma medicação para um doente, geralmente se trata de analgésicos42, para
que possam realizar as condutas sem que o enfermo sinta dor, ou sedativos 43, para auxiliar
na adaptação ao ventilador mecânico ou para que o doente fique menos agitado, o que
perturba a rotina do setor. Tais demandas usualmente são bem recebidas e geralmente
atendidas. Nesses casos há uma valorização do que é dito.
Ao perceber alguma alteração no tubo ou na traqueostomia do paciente, os
fisioterapeutas comunicam ao médico a ocorrência. Nesses casos faz-se necessária uma
rápida intervenção, para evitar prejuízos ao doente. Em todas as situações observadas, os
médicos realizaram a conduta prontamente, o que demonstra confiança na avaliação
técnica e clínica dos profissionais.
Entre os profissionais da rotina - especialmente os médicos e de fisioterapia, já que
a rotina de enfermagem se concentra em resolver problemas burocráticos do setor e nem
sempre está na assistência – há um diálogo, para saber o que ocorreu com os pacientes
internados. O médico da rotina afirma aos plantonistas que a rotina da fisioterapia tem
conhecimento de detalhes minuciosos dos doentes, pelo fato de estarem presentes por
maior tempo dentro da unidade.
O médico de plantão recebe várias sugestões, mas nem todas as opiniões são
aceitas, pois dependerá do médico de plantão, do profissional que está contestando e do
enfermo em questão. Alguns médicos tomam decisões sem a concordância das demais
categorias profissionais, como no caso de expor se o paciente tem chances de cura ou se
simplesmente é “conforto” (como é chamado o paciente FPTC nesta UTI). Nestes casos,
não importará a opinião dos demais, visto que o médico chegou a conclusões de que o
doente não terá chances de melhora. Este tipo de situação pode gerar conflitos entre
membros da equipe. Nada é exposto pelos demais profissionais, todos acolhem a decisão,
podem até não concordar, mas não entram em discussão. Geralmente os intensivistas
41
Técnica utilizada para o tratamento.
Medicamento contra a dor.
43
Substâncias com o intuito de acalmar o paciente, muitas vezes causando sonolência.
42
58
expressam sua indignação para seus pares. A frustação foi relatada por Seymour (2001, p.
62), em uma situação em que o médico solicita que a sedação da paciente seja reduzida,
para que ele possa evoluir o desmame de ventilação mecânica. As enfermeiras não
concordam com a conduta, mas elas não se dirigem ao médico para afirmar sua opinião,
mas conversam dentro do grupo da enfermagem.
Nesta UTI, quem monitoriza e realiza alterações nos parâmetros da ventilação
mecânica é a equipe de fisioterapia. Contudo, se houver discordância, é o médico o
profissional que toma a decisão. Assim, por vezes há conflitos entre médicos e
fisioterapeutas, por divergência em relação a condutas. Em certas ocasiões, medidas são
tomadas pela equipe médica e não são comunicadas verbalmente às demais, principalmente
à enfermagem. Como exemplo, alta de doentes internados na UTI, suspensão de
medicações ou dieta da prescrição 44 do enfermo, pedidos de internação etc.. Nestes casos
os profissionais expressam irritação:
“Ninguém lê minhas evoluções45? Tá escrito lá”, disse um médico.
“A enfermagem é a última a saber das coisas”, disse uma enfermeira, ao tomar
conhecimento de que haveria uma internação.
“Eles diminuem e não avisam a ninguém”, disse uma enfermeira, ao perceber
que a vazão46 da medicação do doente foi modificada.
Este tipo de tensão, em decorrência desta modalidade de circunstâncias são comuns
na rotina da UTI, visto que a enfermagem necessita saber de muitas, senão de todas,
medidas realizadas ou modificadas em relação aos doentes, pois é ela quem administra o
setor. O profissional de enfermagem deve saber a que horas um paciente poderá ir de alta
ou será internado, já que quem prepara o leito para a internação ou prepara o enfermo para
a transferência para a enfermaria é a enfermagem. Além disso, é ele quem controla os
horários de visita, que tem a função de comunicar o momento em que poderá ser liberada a
entrada dos familiares no setor, e antes da liberação, deve conferir se os doentes estão
limpos e estáveis, para que não ocorra qualquer intercorrência durante a visita; manter a
ordem no setor, tanto dos profissionais que realizam procedimentos e necessitam de
materiais que são organizados e instrumentados pela enfermagem, como dos doentes, com
a função de vigiá-los, a fim de saber se estão estáveis, agitados, com febre ou chamando
44
Ato de dispor em papel as drogas e seu modo de usar, a dieta e outros cuidados a serem dados ao paciente; receita médica.
Escrita diária sobre o quadro clínico dos pacientes nos prontuários.
46
Quantidade volumétrica de um fluido, no caso a medicação, que escoa por uma seção de uma tubulação ou
canal, no caso a bomba infusora, por unidade de tempo.
45
59
por algum motivo; além de monitorar os equipamentos que estão no setor. Essa série de
tarefas da enfermagem é distinta daquelas dos médicos. Estes últimos profissionais detêm
o “poder” sobre o doente, enquanto a enfermagem é responsável pela ordem do setor, o
que inclui tanto os profissionais como os enfermos.
A enfermagem é o “coração” da UTI, ou quem sabe, do hospital (MENEZES, 2006,
p.50). O enfermeiro deve ter ciência de tudo o que é realizado dentro do setor. Por vezes
ele deve auxiliar o médico, deve realizar medicações; conter o enfermo no leito, para evitar
que ele arranque sondas, tubos e acessos venosos; auxiliar em procedimentos invasivos,
como punção venosa ou arterial47, com a finalidade de preparar o material para uso do
médico, desde as luvas do tamanho ideal até os instrumentos cirúrgicos; intubações
orotraqueais, em que são separados os materiais como o tubo, medicamentos, ambú 48; nas
paradas cardíacas, auxiliam inclusive na massagem cardíaca etc. Algumas medidas podem
ser realizadas por qualquer membro da equipe, mas geralmente elas constituem
responsabilidade do enfermeiro. No estudo etnográfico que empreendeu na Inglaterra,
Seymour (2001, p. 60) refere um trecho da entrevista com uma enfermeira: “eu sinto que a
equipe de enfermagem da UTI tem a responsabilidade total com tudo o que acontece ao
paciente, seja o cuidado de enfermagem, cuidado do bem-estar psicológico e clínico do
doente, além de cuidar dos familiares e todas as intervenções médicas que acontecem para
o enfermo, você se sente diretamente envolvidos com os pacientes”.
Ao realizar o banho dos pacientes, a enfermagem consulta o profissional de
fisioterapia, sobretudo quando o enfermo está sob os cuidados de fisioterapia respiratória e
necessita de ventilação não invasiva 49 (VNI), ou quando precisa trocar a fixação do tubo
orotraqueal (funções dos fisioterapeutas nesta UTI) ou, ainda, no caso de desmame, para
que não ocorra qualquer intercorrência durante o procedimento.
“Quando for dar banho nela (paciente), avisa a gente (fisioterapeutas) para
voltar ela para a VM”, digo ao técnico de enfermagem.
“Posso trocar o fixador ou vocês trocam?”, me pergunta um técnico de
enfermagem durante o banho do paciente.
47
Ato de puncionar; operação que consiste em penetrar em cavidade ou coleção líquida, com instrumento perfurado para retirada de
líquidos. Pode ser na veia ou na artéria.
48
Aparelho para ventilação manual.
49
Técnica na qual é colocada uma máscara adaptada ao rosto do paciente, que evita fuga de ar. A máscara
está ligada a uma máquina que gera um fluxo de ar, para facilitar a respiração e melhorar a oxigenação.
60
Há ainda outro tipo de relação, em que os intensivistas não conversam sobre
condutas. São momentos de descontração, conversas informais durante as refeições, entre
um atendimento e outro, comemorações de aniversários dos integrantes da equipe. Essa
convivência ocorre sem tensões, exceto quando alguém “invade” o espaço do colega da
equipe. Cada categoria possui um espaço físico pré-determinado dentro da UTI. Os
médicos, no “aquário”, junto com os fisioterapeutas, seus residentes e os acadêmicos de
medicina e os enfermeiros e técnicos no posto de enfermagem. Caso a dentista esteja
presente no plantão, ela poderá se reunir com qualquer equipe, sem causar incômodo. Os
demais profissionais que atuam no setor – nutricionistas, fonoaudiólogos, cirurgiões -, não
permanecem por muito tempo, apenas passam para avaliar os doentes e retornam para suas
salas, localizadas fora da UTI. As funcionárias da limpeza e administrativa permanecem
sempre com a equipe de enfermagem no posto.
Quando integrantes da equipe de enfermagem permanecem por muito tempo dentro
do “aquário” para utilizar a internet, pois só há computador neste local, alguns médicos
reclamam, dizendo que aquele espaço não é para ser desfrutado por outros, mas somente
por eles e pela equipe de fisioterapia. Alegam que o “aquário” é o único local de discussão
dos casos dos pacientes, para descanso e conversas: “é o lugar deles”. Alguns médicos
sugerem a retirada do computador do “aquário”, para não atrapalhar o ambiente, para o uso
de todos, mas isto nunca é exposto verbalmente para a enfermagem, somente para seus
colegas ou para os fisioterapeutas. De maneira distinta, quando médicos e fisioterapeutas
permanecem no posto de enfermagem, os enfermeiros não reclamam da presença dos
colegas no “seu espaço”. Nestas ocasiões, há conversas informais e brincadeiras. Por
ocasião da obra da UTI surgiram comentários sobre o espaço físico, pois alguns médicos
não concordaram com as mudanças realizadas pela chefe da enfermagem no posto de
medicações, mesmo sabendo que não seria para seu uso, mas para os técnicos e
enfermeiros. Há alguns médicos com uma postura diferente. Eles permitem que todos
utilizem qualquer espaço da UTI, seja o banheiro dos médicos, o computador, o “aquário”
etc., conduta que promove uma relação de proximidade entre as equipes. Nos plantões
destes médicos, geralmente há café da manhã e almoço pagos pelo médico, comemorações
de aniversários com direito a bolo, salgadinhos, bolas de enfeite, em que todos participam,
cantam parabéns, tiram fotos e as despesas são divididas, com exceção do aniversariante,
que poderá ser qualquer membro da equipe.
61
***
Nesta UTI, a equipe de enfermagem dificilmente discute ou argumenta com outras
categorias profissionais. Eles permanecem unidos a maior parte do tempo do plantão, seja
no momento do trabalho, no leito ou nas brincadeiras e conversas nos horários de
refeições. Raramente estão sozinhos e dificilmente convidam um médico para almoçar ou
lanchar.
Já a equipe de fisioterapia se mantém próxima da equipe médica, especialmente por
dividirem o mesmo quarto para descanso e utilizarem o mesmo banheiro, que é sempre
separado da enfermagem. A relação com os enfermeiros e técnicos de enfermagem é de
proximidade: conversam, brincam, almoçam, além de dividirem certos momentos de
expressão de emoções, como desabafo sobre situações difíceis vivenciadas no cotidiano,
sobretudo com pacientes jovens ou FPTC.
Há momentos de descontração entre as equipes, com brincadeiras. Este tipo de
situação é valorizado pelos intensivistas, pela capacidade de tornar o plantão “menos
pesado”:
“Fisioterapia que nada, trocar fralda faz muito mais exercício! Fisioterapia é
para os fracos!”, disse uma enfermeira, brincando com o paciente e com o
fisioterapeuta.
“O problema desta paciente é da fisioterapia, o problema dela é o desmame do
ventilador. É preciso ‘intensificar a fisioterapia’”. disse um médico rindo na
passagem de plantão.
“Tá ‘boicotando’ nosso trabalho?”, disse um fisioterapeuta ao técnico ao
administrar diazepam50 no paciente no momento em que ia sentar o enfermo.
“Gasometria!”, exclamou um médico com um estalar de dedos para que a
fisioterapeuta pegue a seringa para realizar o exame.
Além dessas falas rotineiras durante o trabalho, existem situações em que a
conversa é referente a qualquer assunto veiculado na mídia, como: política, novelas, reality
show, esportes, viagens, dietas, quando todos participam, riem, comentam e expõem suas
opiniões. Apesar de os intensivistas realizarem plantões fora da unidade, como nas
enfermarias e nefrologia, eles permanecem grande parte de seu tempo no setor: almoçam,
utilizam o banheiro ou apenas vão para conversar com os colegas e comentam o que
acontece nos setores “lá fora”.
50
Medicamento ansiolítico, anticonvulsivante, relaxante muscular e sedativo.
62
O panorama aqui descrito, da UTI do HUGG, se assemelha ao que é descrito em
estudos que relatam o cotidiano dos intensivistas, como de Glaser e Strauss (1982),
Moreira (1996), Seymour (2001), Carapinheiro (2005) e Menezes (2006). Segundo
Menezes (2006, p. 48), a prática da UTI pressupõe a existência de uma equipe
multiprofissional. No entanto, há um responsável no que se refere à vida do doente: o
médico, e é a sua posição que está mais diretamente em jogo. Para Freidson (1988), o que
diferencia a profissão médica das paramédicas é o grau de autonomia, prestígio, autoridade
e responsabilidade que a profissão médica detém. Há, assim, uma divisão do trabalho
organizada com uma hierarquia de autoridade, estabelecida e legitimada, não
permanentemente explicitada, uma vez que é necessário um trabalho coordenado entre as
equipes, que pode ser sabotado se a hierarquia se tornar explícita. Por essa razão, surgem
conflitos entre os profissionais que atuam em UTI.
Guimarães e Rego (2005) consideram que o trabalho em equipe é complexo e
apresenta importantes consequências para as corporações profissionais da área da saúde,
que se constituem como tal por possuírem características, historicidades e processos de
trabalhos que as distinguem das demais. Freidson (1970, 1994) afirma que os saberes
profissionais e suas especificidades referem-se à autonomia profissional, tema central para
o entendimento sociológico das profissões. A existência de conhecimentos próprios à
profissão remete ao trabalho especializado e a uma base epistemológica própria,
institucionalmente consagrada. A atuação em equipe multiprofissional prescreve uma
articulação entre todas as profissões, criando uma zona comum de troca de conhecimentos,
de certa forma na contramão do esoterismo corporativo, termo que descreve a
característica do saber exclusivo de cada profissão (MORETTI-PIRES et al., 2011, p.
1087). Para Moretti-Pires e colaboradores (2011, p. 1091), para a efetividade do trabalho
multiprofissional faz-se necessária uma reavaliação dos saberes e das competências
específicas de cada formação profissional, preservar limites e respeitar a divisão do
trabalho, sem desconsiderar a necessidade de ações em comum. Ainda segundo os mesmos
autores (2011, p. 1091), as sociedades atuais desenvolvem o pensamento de que o
profissional não é apenas um indivíduo capaz de resolver problemas concretos,
relacionados aos problemas do cotidiano da população, mas também um indivíduo detentor
de conhecimentos, que proporciona um poder de autorregulamentação, uma das maiores
63
ambições das profissões atuais, o que permite a cada profissional conhecer seus limites de
atuação.
Os médicos, em suas atividades cotidianas, instauram constantemente regras
implícitas e normas informais de funcionamento, o que estabelece, para os restantes dos
profissionais, relações permanentemente inseguras e equivocas com as regras e normas
hospitalares, quando pressionados, a cumprir simultaneamente umas e outras
(CARAPINHEIRO, 2005, p. 185). Assim, se só os médicos dispõem do saber de
diagnosticar e tratar, são eles que estabelecem “oficialmente” o fim do processo de
internação, a partir da análise de dados objetivos que comprovam que a situação clínica de
cada doente está controlada e que, portanto ele pode receber alta. No entanto, a versão
médica “oficial”, imperativa e indiscutível, pode não coincidir com a dos enfermeiros e de
outros profissionais de saúde. Para Carapinheiro (2005, p.188), esses desacordos tornam a
figura do médico uma autoridade científica indiscutível. A decisão dos enfermeiros é
demarcada pelos médicos, definem o que eles podem fazer e dizer aos pacientes e exercem
sobre a enfermagem o constante pedido de responsabilidades. Como plataforma de
mediação entre médicos e doentes, exige-se aos enfermeiros que desenvolvam não só um
trabalho técnico, mas também um trabalho de controle social sobre os doentes, na
manutenção da ordem e da disciplina concebida pela autoridade social dos médicos.
De acordo com Moreira (1996, p. 15), a prática de enfermagem é percebida pela
medicina como “menor”, por seu caráter “subalterno” e meramente “executador” de tarefas
e prescrições médicas e, ao mesmo tempo, busca a integridade das ações de cuidado ao
paciente. Estes profissionais apresentam uma singularidade, que é constituída por sua
prática e saber, o que representa uma centralidade nas equipes hospitalares, especialmente
na UTI, pelo fato de terem um contato mais próximo com os doentes internados, em
comparação com as outras categorias profissionais. Tal condição permite um controle
sobre os pacientes, além de manter a organização do setor. Quer se tratem de problemas
relacionados aos pacientes, administrativos ou burocráticos, o controle dos medicamentos
dos enfermos, o empréstimo de materiais para outros setores, a marcação de exames, entre
outras tarefas, constituem responsabilidade da equipe de enfermagem.
Em investigação empreendida na Inglaterra, Seymour (2001, p.64) observou que a
equipe de enfermagem, mesmo quando não concorda com as condutas realizadas, tende a
64
não se manifestar. Os enfermeiros se afastam e desabafam com colegas da enfermagem,
com fisioterapeutas ou, até com a própria pesquisadora, mas nunca com os médicos.
Já para Glaser e Strauss (1982, p. 150), no contexto por eles investigado, os
enfermeiros podem demonstrar sua discordância de forma aberta e exercer pressão direta
sobre os médicos nessas situações. Quando eles não tentam influenciar a decisão, eles
contestam sobre o poder paradoxal da medicina moderna: prolongar a vida por um bom
motivo ou nenhum? Essa experiência não foi vivenciada por mim, na relação com
enfermeiros, apenas com outros médicos do setor, cirurgiões, nefrologistas e até com
fisioterapeutas da unidade.
Há situações que acionam processos de negociação. Trata-se daquelas que ocupam
uma posição central no processo de trabalho organizado para o tratamento dos doentes e
que suscitam desacordos, discrepância de pontos de vista entre médicos e enfermeiros.
Nestes casos, há certa padronização e uma tendência a uma solução negociada entre as
duas categorias profissionais. Nesta relação surgem casos em que os enfermeiros com
experiência podem informar e/ou aconselhar um médico mais jovem sobre as iniciativas de
atuação médica, face às situações clínicas problemáticas e seu apoio pode não ser bem
aceito. Também, na sequência de um erro médico de prescrição, o enfermeiro que o
detectou pode tomar a iniciativa de corrigi-lo, atitude que pode ou não receber aprovação
da parte dos médicos (CARAPINHEIRO, 2005, p. 144).
Outra situação capaz de gerar conflitos entre estas duas categorias profissionais é
quando ocorre alguma urgência, em que o enfermeiro pode tomar a decisão de organizar
procedimentos terapêuticos para controlar a crise. Estes profissionais, por vezes sem tempo
para aguardar a autorização dos médicos, realizam manobras de reanimação no paciente,
como, por exemplo, passar um soro ou iniciar massagem cardíaca em doente com parada
cardiorrespiratória. Porém, caso o procedimento não seja eficaz, o enfermeiro pode ser
responsabilizado por atuar sozinho e, assim, ter permitido que o enfermo morresse. Por
essa razão eles não costumam ultrapassar a decisão médica e tendem a se recolher ao
campo cotidiano de tomada de decisões que está delimitado e restrito às intervenções
meramente executivas de ordens médicas de prescrição. Tais situações podem ocorrer com
qualquer profissional de saúde, não somente com os enfermeiros. No caso das UTIs, esse
modelo apresentado por Graça Carapinheiro (2005, p. 190) pode não se confirmar. A
autora afirma que, nas terapias intensivas por ela observadas, esse relacionamento pode ser
65
distinto, com melhor entrosamento entre as partes, o que promove satisfação intelectual de
enfermeiros e de outros profissionais de saúde. Esta situação foi observada por mim no
HUGG.
Segundo Menezes (2006, p. 49), há uma tendência, da parte de cada categoria
profissional, a se relacionar com seus pares. Apesar da existência de tantas diferenças e
tensões entre os diversos grupos que trabalham na UTI, há uma identidade profissional
singular, que perpassa todos os agentes de saúde envolvidos – a de intensivista. De acordo
com a Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB) 51, “intensivista é o nome dado
ao profissional dedicado ao atendimento do paciente internado em unidades emergenciais
tais como prontos-socorros e UTIs”.
4.3.1. “Tudo é muito difícil lá fora”
Um médico da UTI foi chamado pelo plantonista do plantão geral (médico que
atende as intercorrências nas enfermarias após a saída dos profissionais da rotina) para
ajudá-lo a conduzir o caso de uma menina de 15 anos internada com pielonefrite 52 e
pneumonia53 grave. Ao ser convocado para ir à enfermaria, o médico da UTI me chamou
para auxiliar na atenção respiratória à paciente (é importante lembrar que nas enfermarias
há uma equipe de fisioterapia). Ao chegarmos ao leito da doente estavam presentes uma
fisioterapeuta e uma residente médica daquela enfermaria. Sugeri que a conduta
fisioterapêutica fosse modificada, para melhor adaptação da paciente e o médico
prescreveu um novo antibiótico, deu orientações à residente sobre as condutas a serem
realizadas e conversou com os familiares da doente. Este caso demonstra a relação da
equipe intensivista com a das enfermarias, na qual as decisões dos profissionais da UTI são
respeitadas pelos colegas, sem contestações. Esses eventos ocorriam sempre que algum
doente agravava e não havia vaga disponível na UTI para internação.
Pelo fato de recorrer à equipe intensivista para auxiliar na assistência desses
pacientes, além de pedir materiais emprestados na UTI, como monitores, ventiladores
mecânicos e medicamentos, por vezes os profissionais das enfermarias eram considerados
pelos intensivistas como “não capazes” de cuidar de enfermos graves. Importante destacar
51
http://www.amib.org.br/conteudo.asp?cod_site=0&id_menu=53&men=53. Acesso em 01/11/2013.
Infecção dos rins, geralmente produzida por bactérias.
53
Inflamação do tecido pulmonar.
52
66
que a equipe intensivista só auxilia os pacientes graves das enfermarias caso eles tenham
alguma proposta terapêutica, ou seja, quando não são diagnosticados como FPTC e, em
especial, ao se tratar de doente jovem.
“Fui ver um paciente na 10ª enfermaria, que a residente não sabia o que fazer,
ajudei na parada (cardíaca) e na intubação. Depois de tudo feito, a residente me
disse que achava que não era para fazer nada, que o paciente era sem proposta
(FPTC). Quase bati na residente”, disse um médico.
Um médico disse que as enfermarias deveriam ter o material necessário
(medicamentos, ventiladores mecânicos, monitores) para atender pacientes graves que
ficam internados, e não ir buscar na UTI.
“Eles precisam ir à farmácia pegar, funciona 24 horas. Mas é mais fácil ir na
UTI”, disse a enfermeira.
“É isso que está acontecendo, e não temos como justificar na farmácia a
quantidade de medicamentos gastos com apenas dois pacientes internados, e
isso pode trazer problemas”, disse o médico.
“Olha aí! Compras da 10ª (enfermaria)!”, disse a enfermeira com a chegada de
outra enfermeira na UTI pedindo material.
A equipe relatou que as enfermarias não possuem condições para dar assistência
adequada para um enfermo grave:
“Tudo é muito difícil lá fora”, disse um médico.
“Eles (residentes de medicina) não sabem manejar esse tipo de doente”, disse
uma fisioterapeuta.
“Depois de tudo isso (grande tempo de internação na UTI), ele vai acabar
piorando e a vaga dele vai estar ocupada e vai morrer na enfermaria”, disse
uma enfermeira.
“Sabemos que ela vai morrer lá fora!”, disse uma enfermeira sobre uma
paciente traqueostomizada ir de alta para a enfermaria.
“A paciente tem condições de alta (da UTI), mas não no feriado, é preciso saber
cuidados de enfermagem para sobreviver na enfermaria. É contra a minha
religião dar alta hoje (véspera de feriado)”, disse um médico rindo.
Via de regra, a transferência de um paciente para a enfermaria provoca preocupação
no intensivista, em relação à qualidade da assistência que o doente passará a receber. A
UTI usualmente é descrita por seus profissionais como uma unidade “fechada”, por ser um
ambiente isolado do restante do hospital, com características específicas, como isolamento
do mundo exterior, iluminação artificial, entre outras. As expressões “aqui dentro” e “lá
fora” são muito utilizadas por equipes intensivistas de todo o país. Essa perspectiva faz
67
com que os intensivistas sejam criticados por seus pares, por formarem uma “elite”
institucional, e desfrutar de privilégios. Por vezes, o intensivista se considera um
profissional que sabe mais do que seus colegas, sobretudo acerca dos cuidados referentes a
estados físicos de grande gravidade. A UTI ocupa uma posição hierárquica superior,
relativamente aos outros setores do hospital no qual está inserida. Tal posicionamento é
justificado tanto pela existência de aparelhagem mais moderna e sofisticada quanto pelo
nível de especialização da equipe (MENEZES, 2013, p. 421).
Os médicos ligados à UTI, pela experiência que adquiriram na prática de certas
manobras de urgência, deslocam-se frequentemente aos outros setores hospitalares. Assim,
estes médicos vêem o seu poder aumentar, na medida em que os procedimentos técnicos
que produzem não sejam de rotina, utilizem equipamentos complicados e de manuseio
arriscado, um mínimo deslize pode comprometer a eficácia do procedimento e exija a
apropriação de conhecimentos muito recentes (CARAPINHEIRO, 2005, p. 201).
Quando a UTI estava em obras e alguns profissionais de enfermagem eram
remanejados e vivenciaram a rotina de outros setores, surgiram comentários sobre o
cotidiano das enfermarias:
“O pessoal do CTI precisa chegar nas enfermarias para dar ordem no setor!”,
disse uma técnica de enfermagem sobre conseguir realizar três banhos em uma
hora e a equipe da enfermaria não conseguir.
Eles relatavam que, pelo fato de serem remanejados para as enfermarias, passaram
a ser obrigados a cuidar dos pacientes mais graves, que deveriam estar na UTI e não
estavam por falta de leitos. Os demais profissionais afirmavam que, como eram
intensivistas, estavam prontos para cuidar “daquele tipo de doente”. Quando se tratava de
enfermo FPTC, os intensivistas reagiam da seguinte maneira:
“É uma sacanagem o que fazem com a gente, dão os pacientes mais graves pra
gente”, disse um técnico de enfermagem. “Ninguém ajuda! Colocam mais
pacientes pra gente e sempre muito grave”, disse uma técnica de enfermagem.
“Não quero ser remanejado, nos últimos plantões fiquei com dois pacientes
FPTC”, disse um técnico de enfermagem.
Durante o período de remanejamento, surgiam brincadeiras ao tocar o telefone, pois
era desta forma que a chefia de enfermagem comunicava para qual setor os profissionais
seriam deslocados:
68
“O ‘Big Fone’ vai tocar e dizer: Atenção, atenção! Você não pode falar com
ninguém! É merda! Você vai se ferrar na 10ª enfermaria!”, disse um técnico de
enfermagem relacionando o telefone a um episódio de reality show. Ele falava
com o mesmo tom de voz do programa de TV, Big Brother Brasil, transmitido
no primeiro semestre de 2013.
“O ‘Big Fone’ ainda não tocou”, disse uma técnica de enfermagem.
***
A enfermagem apresentava contato frequente com diversos setores do hospital:
radiologia, tomografia, laboratório, farmácia etc. Com alguns, o contato se dava por
telefone, como a lavanderia e a manutenção. Por vezes, o contato com o centro cirúrgico
(CC) provocava atrito com as enfermeiras da UTI, pela falta de comunicação entre os
setores, para transferência de pacientes, situação que “pega” a equipe despreparada para
internação de doente em pós-operatório e, às vezes, sem o preparo do leito com os
materiais necessários para a acomodação do enfermo, trabalho que é realizado pela equipe
de enfermagem:
Enfermeira: “Quem mandou subir?”.
Anestesista: “Ah! Falaram que podia vir!”.
Enfermeira: “Então quem te falou está mentindo. Pode voltar (para o CC)!”.
A nutrição pede auxílio para os fisioterapeutas, para pesar os doentes – os que têm
condições -, pois é necessário colocá-los de pé. Além das fonoaudiólogas, que necessitam
de comunicação constante com a equipe de fisioterapia, para evolução do enfermo. Já com
a equipe médica há tensão na comunicação com a radiologia, a farmácia, a tomografia,
além das equipes de nutrição e fonoaudiologia.
“Ela não faz favor, não encaixa paciente do CTI, não dá atenção a ninguém,
nem olha pra você”, disse uma médica sobre a radiologista de plantão.
“Marquei a TC54 ontem e não chamaram o paciente para fazer o exame. É um
absurdo!”, disse o médico.
Um médico comenta sobre a dificuldade de lidar com os nutricionistas,
principalmente da via oral (a nutrição dos hospitais geralmente é organizada em: oral,
enteral55e parenteral56), pois eles “desacatam” os médicos, e realizam suas condutas; da
dificuldade de liberar comidas (sólidas) para os pacientes e alega que eles só querem dar
54
Tomografia Computadorizada.
Alimentação por meio de sonda, que libera o alimento diretamente no intestino.
56
Alimentação por meio de cateter inserido na veia do paciente. Serve para complementar ou substituir
completamente a alimentação oral ou enteral.
55
69
sopa aos enfermos. Ele refere que, em todo hospital, a relação é a mesma. Completa que,
por vezes, no caso de dieta enteral e parenteral, a convivência é melhor, pois é coordenada
por médicos. Outra médica relata que ficou chateada com a postura da nutricionista, que
não acatou sua decisão de liberar a dieta oral para a paciente, e disse que precisava da
autorização da fonoaudióloga para a liberação.
Na relação com a farmácia, um médico reclama da “má interação com a UTI”, pois
não há liberação de alguns medicamentos prescritos, ou pela rejeição, para a compra do
medicamento, e solicita que o médico mude a medicação.
A equipe intensivista admira os profissionais que atendem suas necessidades
prontamente, como afirma Menezes (2006, p. 56): os contatos entre a UTI e outros setores
do hospital não são homogêneos e o intensivista estabelece distinções entre eles. Enquanto
alguns setores “não servem para nada”, outros são valorizados, especialmente quando a
UTI solicita exames ou pareceres de outra unidade e é rapidamente atendido. A relação
com a equipe cirúrgica é central na UTI. Os médicos intensivistas relatavam que os
cirurgiões staffs deveriam ir à UTI mais vezes, para acompanhar o doente, e não somente
os residentes.
“Eles operam e ‘jogam’ esses pacientes aqui pra gente olhar”, disse um médico.
“O paciente não tinha dono”, disse médico se referindo à equipe da cirurgia não
ir à UTI acompanhar o paciente.
Além disso, havia discordância entre condutas, por exemplo, quando o doente
apresentava infecção no pós-operatório de cirurgia abdominal. A equipe cirúrgica afirmava
que o foco era pulmonar e a equipe clínica afirmava que era “da barriga”. Essa divergência
era frequente: os intensivistas desejavam que se reabordasse o enfermo, e a cirurgia não.
“Tem um abscesso57 e eles não querem reabordar, o problema é o antibiótico”,
disse um médico ao ler a evolução58 da equipe cirúrgica que sugere a troca do
antibiótico.
“A prova de função pulmonar59 era ruim e vocês operaram? Agora precisamos
fazer milagres para tirar ele da VM. Não tinha como operar ele!”, disse um
médico da UTI para a residente da cirurgia.
“Estamos saturados desses pacientes insolúveis”, disse um médico.
57
Coleção de pus, geralmente produzida em geral por infecção bacteriana.
Anotações diárias, efetuadas por profissionais de saúde, sobre o quadro clínico dos pacientes, em seus
prontuários.
59
Técnica capaz de medir a capacidade pulmonar.
58
70
“Não tinha que ter operado ela, tinha que dar dignidade para a paciente morrer
em casa, com a família”, disse um médico.
“Não
é
uma
duodenopancreatectomia60,
e
‘atropelamentopancreatectomia’”, disse uma fisioterapeuta.
sim
uma
Quando o cirurgião considerava que o doente tinha condições de alta para a
enfermaria e a equipe da UTI não concordava havia tensão entre os profissionais:
“Quando a gente quer dar alta, eles não querem, e quando eles querem, a gente
não quer”, disse um médico da UTI que não queria dar alta para uma paciente
com menos de 24 horas de cirurgia.
“Eles estão colocando pressão para poder operar, por isso querem que dê alta”,
disse uma fisioterapeuta.
Em certa ocasião, um intensivista afirmou:
“Nem sempre a gente está com razão, a cirurgia não abordou e pela gente teria
reabordado várias vezes, mas eles estavam certos. Agora ele vai de alta”, disse
um médico da UTI ao saber que um paciente iria de alta para casa.
O relacionamento da equipe da cirurgia com a fisioterapia era diferente. O
profissional por vezes pedia ajuda em certos procedimentos, como traqueostomias e
drenagens de tórax61. Com a enfermagem, o cuidado é com a ordem do setor: não levantar
a grade da cama do paciente; não ter o cuidado de separar os materiais pérfuro-cortantes ao
terminar um procedimento, para que a enfermeira recolha a bandeja de instrumentos
cirúrgicos sem o risco de acidentes; não calçar a luva e vestir o capote62 para examinar os
pacientes, são atitudes que deixam a enfermagem contrariada.
“Assim não tem como! Se for para ter dois procedimentos, tem que ter
organização! Deixou tudo jogado aqui no leito três e já está no leito nove!”,
disse uma enfermeira ao cirurgião.
Uma equipe de cirurgia é admirada pelos intensivistas do HUGG: a torácica,
principalmente pelo fato de que a médica staff costumava ir à UTI acompanhar os doentes.
Ela também se mostrava disposta a ajudar em procedimentos, como traqueostomias.
Os confrontos com os outros setores hospitalares são frequentes, uma vez que a
competição é constante no ambiente hospitalar (MENEZES, 2006, p. 57).
60
Também chamada de procedimento de Whipple. Cirurgia que envolve o pâncreas, duodeno e estômago,
realizada para o tratamento de tumor na cabeça do pâncreas.
61
Esvaziamento de conteúdo líquido ou gasoso patologicamente retido na cavidade pleural.
62
Roupa utilizada por cima do jaleco.
71
As relações entre os profissionais, intensivistas ou não, depende do problema ou do
foco em pauta: quando o doente está envolvido, as tensões aparecem devido à hierarquia
presente no ambiente hospitalar: médicos-demais profissionais de saúde. Na UTI, em
certas situações é possível que os intensivistas valorizem outro profissional. Em momentos
de descontração, a hierarquia aparentemente desaparece. Há, também, preferência por
staffs, o que significa uma desqualificação das condutas realizadas por residentes.
Conclui-se, portanto, que o modelo interdisciplinar no qual a rotina do setor é baseada, na
prática, não é implementada, em decorrência da hierarquia, de forma que o trabalho se
baseia em equipe multiprofissional.
4.4
“Se parar, parou”: SPP
Na rotina da UTI há uma diferença entre o óbito e a parada cardiorrespiratória
(PCR): os termos se distinguem pela postura da equipe, em relação ao paciente internado,
para reanimá-lo ou não. Ao diagnosticarem um paciente como FPTC, os médicos tomam
certas decisões, como a de não mais “investir” no enfermo, não mudar de antibióticos, não
tratar novas infecções que porventura possam surgir. Eles comunicam a toda equipe que
“se o paciente parar, parou” (SPP). Caso ocorra uma parada cardiorrespiratória, a ordem é
de não realizar manobras de ressuscitação. Nesta UTI, este tipo de enfermo passa a ser
denominado de “conforto”. Assim é definido o óbito.
A comunicação aos profissionais é necessária, pois quem monitora os doentes é a
equipe de enfermagem. Estes profissionais informam ao médico os casos de parada
cardíaca ou qualquer intercorrência. Entretanto, quando o enfermo é considerado “viável”,
ele passa a receber todas as formas possíveis de tratamento e, em caso de parada cardíaca,
é prontamente reanimado. Assim é definida a PCR. Neste caso, os intensivistas realizam
todas as condutas para que o doente não morra, o que pode ter duração de cerca de até uma
hora de reanimação.
Em conversa com um colega, um técnico de enfermagem relatou que, para trabalhar
na UTI, é preciso estar sempre atento e preparado para “entrar em uma parada” a
qualquer momento, pois os pacientes são de alta complexidade.
A grande diferença entre os dois termos – óbito e parada – concerne à expectativa e
ao controle. No óbito a morte é esperada, aparentemente os profissionais não se abalam
72
quando ela ocorre. No segundo caso ela é evitada ao máximo, por meio do uso de
tecnologia e de medicamentos. Quando o doente morre, a equipe considera que foi uma
surpresa, que ocorreu algo inesperado. Neste tipo de situação é possível observar expressão
de sentimentos dos intensivistas. Quando um doente é diagnosticado como FPTC, a equipe
espera uma PCR, que não se trata de uma “parada”, mas de um óbito.
Em certa ocasião, enquanto conversava com dois técnicos de enfermagem, olhei
para o monitor de um paciente FPTC e percebi que a frequência cardíaca estava “zerada”.
Falei com um técnico: “acho que ele parou”. O técnico de enfermagem foi até o leito e
ajeitou os eletrodos de monitorização cardíaca para verificar se havia alguma interferência,
procurou o pulso no doente e constatou que não havia. O outro técnico foi ao “aquário”
comunicar à médica de plantão que o paciente havia “parado”. O técnico retornou, dirigiuse ao leito do paciente, fechou a cortina e disse: “ela (médica) pediu para esperar um
pouco, ela está terminando de passar os casos (dos doentes) com os acadêmicos (de
medicina)”.
Este episódio demonstra que os profissionais agem sem pressa quando um óbito
ocorre, pois não é preciso interromper a rotina do setor. Depois da constatação do
falecimento de um enfermo, faz-se necessário que a enfermagem prepare o corpo e que
comunique à família do doente. A seguir, deve decidir qual será o novo paciente a ser
admitido no setor.
A definição do paciente como “conforto” pode conduzir à manifestação de
diferentes tipos de emoção por parte dos profissionais de saúde. Por vezes, quando o
médico informa à equipe que o paciente é FPTC, alguns profissionais passam a não mais
atentar para a analgesia e sedação63 do enfermo, para que ele não sinta dor. Este aspecto é
valorizado pela equipe de enfermagem, já que no banho no leito, na troca de fraldas e nos
curativos os pacientes podem expressar desconforto. Afinal, são os profissionais da
enfermagem que estão presentes nesses episódios. Por vezes, alguns enfermeiros não
aceitam o diagnóstico e a conduta médica, o que provoca tensão na equipe. Para eles, o
essencial é que o paciente não sofra, não sinta dor, seja ele “viável” ou não. Este dado foi
relatado por Seymour (2001, p. 63), em entrevista com uma enfermeira staff acerca de uma
paciente idosa. Sua sedação foi retirada pela equipe médica, e a enfermeira achava que não
seria o certo para a doente, pois considerava importante que a paciente “morresse em paz”.
63
Ou sedativos. Substâncias para produzir alteração do estado de consciência do paciente, muitas vezes
causando sonolência.
73
A morte é, tanto para o médico como para o hospital, antes de tudo um fracasso
(HERZLICH, 1993, p. 7). Por esta razão torna-se conveniente que a morte perca sua
importância central e cesse de mobilizar recursos e energias, sobretudo nas atitudes
cotidianas da equipe face ao agonizante. Neste sentido, os profissionais de UTI devem
aprender estratégias de enfrentamento da tensão emocional, no contato com a morte e
sofrimento. Eles devem se comportar com autocontrole. A rotina das equipes do hospital é
organizada de forma a silenciar a expressão emocional dos profissionais, dos doentes e de
seus familiares. A morte tão presente na UTI – é silenciada, regulada e rotinizada, talvez
como uma tentativa de banalização desse fenômeno (MENEZES, 2001, p. 126).
Para Glaser e Strauss (1982, p.150), a enfermagem parece estar presa a um dilema,
entre o prolongamento da vida ou a aceleração do processo da morte. Geralmente, ela
tende a resistir ao prolongamento da vida de um paciente internado. Quando se trata de
doente diagnosticado como FPTC, esta situação é evidente. As duas categorias – médicos e
enfermeiros – apresentam diferentes perspectivas: o médico tende a explicitar uma visão
fragmentada e despersonalizada do paciente, “o corpo separado da pessoa”, com uma
postural impessoal (GOOD, 1994, p. 73); o enfermeiro tende a uma visão mais abrangente
da pessoa, com troca de sentimentos, em busca da promoção de um cuidado totalizante do
paciente. Além dos aspectos técnico e fisiológico, a enfermagem relata aos médicos os
dados subjetivos que observam dos enfermos internados, mesmo quando sedados, o que
não é priorizado pela medicina convencional (SEYMOUR, 2001 p. 55).
A discussão da “boa morte” na UTI é recorrente: para os intensivistas, há diferença
entre este conceito, em relação à “boa morte” dos cuidados paliativos (CP). Na terapia
intensiva, o “conforto” ao paciente é fornecido por meio da intubação orotraqueal, por
aparelhos de ventilação mecânica e sedativos, condição oposta da que é priorizada na
assistência em CP, sem manobras invasivas, apenas com analgesia. O discurso profissional
sobre a “boa morte” tornou-se um ponto de referência central para as ideias mais amplas
sobre o “momento natural de morrer” e a “forma de morrer”. Ele é caracterizado pelas
ideias da consciência da morte, de desenvolvimento da consciência de auto-identidade e de
preparação social e psicológica para a morte. No entanto, a aplicação destas ideias para os
óbitos ocorridos na UTI é, à primeira vista, complexa. Quando ocorre uma morte na UTI,
geralmente é marcada pela vulnerabilidade e dependência física do doente que, muitas
vezes, conta com uma aparente ausência de consciência do “eu”. Tal condição é resultado
74
da gravidade de seu estado biológico e, em parte, devido à indução de um estado
“artificial”, por drogas sedativas e analgésicas para aliviar a dor inevitável da doença e o
desconforto causados pelos tratamentos da terapia intensiva (SEYMOUR, 2001, p. 128)
A “boa morte” está presente em unidades de CP, com a participação do doente na
escolha das condutas. O ideal na assistência paliativa é que a morte ocorra em casa, com
controle da dor e dos sintomas, na companhia da família. No modelo de “morte moderna”,
a morte é hospitalizada, caracterizada pela perda da possibilidade de escolha individual,
pela presença do medo, pelo isolamento da família e amigos, pela ausência de cuidadores,
pela preeminência da alta tecnologia e do prolongamento do morrer. Nesta forma, o
paciente está isolado, solitário, e a morte é um processo impessoal, considerada como sem
dignidade (SEYMOUR, 2001, p. 19). Contrapondo-se a esse modelo, eminentemente
curativo, no qual o doente é despossuído de voz, o modelo de “morte contemporânea”
valoriza os desejos do enfermo. O aspecto central é o diálogo entre os atores sociais
envolvidos no processo do morrer: uma vez explicados os limites da ação do médico e dos
desejos do doente, é possível a deliberação sobre o período de vida ainda restante, a
escolha de procedimentos e a despedida das pessoas de suas relações, com o suporte da
equipe multidisciplinar. No modelo de “morte moderna” o médico é o principal
personagem a tomar decisões, enquanto no modelo de “morte contemporânea” a
autoridade seria a própria pessoa. A tomada de decisões deste indivíduo depende de três
requisitos: o conhecimento do avanço da doença e da proximidade da morte, por
comunicação da equipe médica; a expressão dos desejos e sentimentos do paciente para as
pessoas de sua relação e, finalmente, a escuta e atuação dos que cuidam do doente. O
primeiro aspecto desse novo modelo é a consciência do indivíduo da proximidade de sua
morte. De acordo com o ideário dos cuidados paliativos, os sentimentos face à finitude
devem ser expressos. As expressões “boa morte”, “morte tranquila” e “morreu bem”
passam a ser utilizadas amplamente pela literatura de difusão do ideário dos cuidados
paliativos, não se restringindo ao âmbito dos profissionais de saúde (MENEZES, 2004, p.
37).
Alguns militantes da proposta paliativista descrevem a “boa morte” como “uma
morte o mais próximo possível das circunstâncias em que a pessoa teria escolhido”
(CAMPBELL, 1990, p.2); “a morte com integridade, de acordo com a vida que a pessoa
levou” (KOMESAROFF et al., 1995, p.597). Se, no século XVI, descreveu-se a pessoa que
75
está morrendo como a figura poderosa, com o controle de seu leito de morte sobre as
pessoas próximas, no século XX, houve uma transferência de poder para o médico. No
século XXI, parece mover-se, novamente, em direção a um modelo participativo do
doente. Os conflitos atuais sobre os papéis e responsabilidades em torno da morte e do
morrer refletem os movimentos de mudança de poder (PETERSEN & WADDELL, 1999,
p. 298).
A “boa morte” significa um processo em que o doente terminal, a família e a equipe
profissional de saúde aceitam a morte que se aproxima e participam da tomada de decisões
compartilhada. Acima de tudo, esta maneira de morrer é dito ser digna e pacífica. Porém,
ela só pode ocorrer se o enfermo, a família e os profissionais, todos concordam com o que
acontece pouco tempo antes da morte. (PETERSEN & WADDELL, 1999, p. 170).
Na UTI não é possível a ocorrência da morte de acordo com este modelo.
Geralmente o paciente está inconsciente e a família não é abordada pelos profissionais para
ter sua opinião expressa, ela não participa da tomada de decisões, que se restringe aos
intensivistas, principalmente ao médico. Neste setor, o conforto é oferecido aos membros
da equipe, uma vez que, para o alívio dos profissionais, por vezes decide-se intubar o
enfermo e conectá-lo ao aparelho de ventilação artificial, de modo a não acompanhar e
testemunhar o doente em insuficiência respiratória. A enfermagem usualmente apoia a
realização dessas intervenções, para o “menor sofrimento do paciente”. Em certa ocasião,
um médico se referiu a um paciente internado com sedação, com noradrenalina64, tubo e
ventilador mecânico. Ele se irritou ao avaliar o doente, pois achava que o mesmo deveria
ser reoperado, para resolver a infecção e disse:
“Era para ter sido resolvido ontem, chamado a cirurgia e mandado abrir (a
barriga), ou então pára de fazer tudo, porque nora e sedação é tudo paliativo!”.
Este episódio evidencia a diferença entre os conceitos dos cuidados paliativos, na
UTI e em unidade paliativa. Os dados analisados por Seymour (2001, p. 152), em seu
estudo na Inglaterra, sugerem que é pela percepção do significado da tecnologia que são
determinadas as representações da “boa morte” na UTI. Essas percepções, por sua vez,
dependem das circunstâncias específicas nas quais o paciente é atendido, como a
tecnologia é empregada pela equipe clínica, e até que ponto os familiares são capazes de
compreender e aprovar tais ações.
64
Medicação utilizada para elevar a pressão arterial.
76
***
Durante o período de observação ocorreram algumas mortes de figuras públicas.
Diferentes formas de expressão de sentimentos ocorreram em dois casos. Praticamente no
mesmo dia dois homens morreram: o presidente venezuelano, Hugo Chavez, e o cantor da
banda Charlie Brown Jr., o Chorão. O primeiro faleceu em decorrência de um câncer na
região pélvica, aos 58 anos. O segundo morreu aos 42 anos, por overdose de cocaína. Os
comentários que surgiram então na UTI do HUGG foram diversos, sobretudo pelo espanto
em relação à morte do cantor, por ser jovem. Ninguém esperava que fosse ocorrer, mesmo
sabendo que o cantor fazia uso de drogas. Já em relação à morte de Chavez, todos
consideraram tratar-se de uma “morte esperada”, pois ele tinha um câncer.
“Foi uma surpresa!”, disse uma enfermeira, sobre a morte do cantor.
Esta situação evidencia a diferença entre uma “morte inesperada” e “esperada”,
para a equipe da UTI. Um câncer é uma doença grave, até o momento sem cura, é uma
morte aguardada pelos intensivistas, assim como no caso de paciente com AIDS 65. Nesse
caso, mesmo se o enfermo for jovem, a morte é esperada, pois ele é portador de uma
enfermidade grave. Geralmente os doentes que internam na UTI não aderem ao
tratamento66 de modo regular, não tomam os antirretrovirais 67, condição que conduz a uma
antecipação da morte.
Glaser e Strauss (1982, p. 133) afirmam a existência de três tipos de morte rápida: a
esperada, na qual fica claro para os profissionais que o paciente morrerá em algumas horas
ou, no máximo, em um ou dois dias. A segunda é a morte esperada, com a consciência que
o doente irá morrer. A equipe tem certeza de que o doente irá morrer, mas não se antecipa
para o pior. Por último, a morte inesperada, quando não se espera que o enfermo morra;
espera-se que o paciente se recupere e, ao contrário, ele morre rapidamente, para surpresa
dos profissionais e familiares. Em geral, a morte inesperada e a esperada apresentam
diferentes impactos, tanto para profissionais como para familiares.
Apesar de seu contato frequente com o processo do morrer, em certas situações
alguns intensivistas demonstraram tensão e dificuldade em aceitar a morte de algum
65
Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, causada pelo vírus HIV. É o estágio mais avançado da doença,
que ataca o sistema imunológico.
66
Adesão ao tratamento: quando a pessoa segue as recomendações do profissional de saúde, sejam elas
medicamentosas ou não.
67
Medicamentos para impedir a multiplicação do vírus HIV no organismo.
77
paciente. Os enfermos jovens ou aqueles que apresentaram uma “morte inesperada”
podiam provocar incômodo, sobretudo quando o paciente se encontrava com um quadro
clínico estável e, até, em condições de alta da UTI. Quando ocorrem estas situações no
setor, alguns profissionais expressaram sentimentos, especialmente aqueles que
permaneceram mais tempo em contato com o doente internado, como a equipe de
enfermagem e fisioterapia – o que não significa que alguns médicos não tenham
demonstrado suas emoções.
A equipe médica não permanece rotineiramente ao lado dos pacientes. No início do
plantão, os médicos avaliam o enfermo, modificam as medicações e as condutas, e não se
mantêm próximos aos doentes até o fim do turno. Diferentemente de outras equipes, que
devem realizar intervenções diversas vezes ao dia, como no caso da fisioterapia: retirada da
ventilação mecânica dos pacientes em desmame, realização de VNI, aspiração traqueal
para eliminar as secreções etc., e da enfermagem: troca de fraldas, curativos, banho,
mudança de decúbito68 no leito, para evitar o surgimento de feridas, alimentar os doentes
que comem por via oral etc. Essas condutas demandam uma presença constante em contato
ao enfermo, uma monitorização constante, para que não ocorra qualquer intercorrência. Os
médicos reconhecem a proximidade do enfermo, da parte de alguns profissionais:
“A enfermagem está mais próxima do doente e por isso podem dizer ao médico
se o paciente está urinando ou não”, disse um médico durante o round69.
“O contato da fisioterapia e da enfermagem com os pacientes é maior e, por
isso, a ligação é maior”, disse uma médica.
Essas equipes demonstram suas angústias ao ver um paciente morrer, ainda que se
trate de um doente FPTC, principalmente se ele for jovem ou apresentar uma “morte
inesperada”.
Quando um doente com AIDS recebe alta da terapia intensiva, a equipe espera que
ele sobreviva por alguns anos. Contudo, quando ele vem a falecer na enfermaria poucos
dias após a alta, esta situação é considerada como uma “morte inesperada”, provocando
surpresa nos profissionais. Este tipo de situação pode ser ilustrado pelo seguinte diálogo,
68
Modificação da posição do corpo, quando deitado.
De acordo com Dicionário Prático Collins (2001, p. 283) round significa rodada, ronda, visitas. No
contexto investigado refere-se a uma reunião de importância central na UTI. As informações dos pacientes
são relatadas de forma detalhada – desde a história da internação, evolução, até o exame físico e as dosagens
dos medicamentos do dia. Procede-se uma avaliação e discussão sobre o estado do paciente e as decisões são
tomadas: pedidos de exames, pareceres de outros serviços do hospital ou alterações da terapêutica e dos
medicamentos (MENEZES, 2000, p. 36).
69
78
ocorrido entre eu, uma fisioterapeuta, o médico da enfermaria. O tema da conversa era um
paciente jovem, portador do vírus HIV, que havia recebido alta há poucos dias:
Fisioterapeutas: “Como ele está?”
O médico responde: “Morreu!”
Fisioterapeutas: “Como?”
O médico contesta: “Vocês queriam o quê? Ia morrer!”
Fisioterapeutas: “Mas não agora!”
Quando a situação ocorre com um paciente FPTC ou com um doente com uma
“morte esperada”, os comentários são os seguintes: “vai morrer”, “esse paciente não sai”,
“dos oito leitos, nove vão morrer”, “ele está com olho de peixe morto, não passará de
amanhã”, “esse é highlander70”, “se piorar, não é para ficar inventando”, “não é para
ficar nem olhando muito”, “tem um prognóstico horrível, não vou fazer nada para
atrapalhar”, “pra ficar ruim, precisa melhorar um pouco”, “se intubar reza, não sai
mais”. Essas falas consistem em eufemismos para a morte, o que também foi observado
por Menezes (2001, p. 126), em sua pesquisa. Esta maneira de expressão evidencia
angústia frente à morte, condição gera uma produção de mecanismos de defesa71. O uso de
eufemismos pode ser uma estratégia para se afastar do drama vivido pelo enfermo e/ou por
seus familiares.
70
Refere-se a um filme cujo herói é um guerreiro imortal. Trata-se da pessoa que, a despeito de todo o
investimento terapêutico, não apresenta melhora nem piora, durante certo tempo prolongado. Em geral, ele
resiste, apesar da decisão médica de interromper o tratamento (MENEZES, 2006, p. 79).
71
Os mecanismos de defesa do ego entram em ação com a finalidade de proteger o ego do indivíduo e
reduzir / aliviar a tensão interna. Representam a parte inconsciente do ego. São eles: Repressão: operação
psíquica que tende a fazer desaparecer da consciência um conteúdo desagradável ou inoportuno (ideia, afeto)
– recalcamento. Formação reativa: duas atitudes ambivalentes e antagônicas, onde: uma se torna inconsciente
e a outra aparece supervalorizada (consciente). Exemplo; amor X ódio. Regressão: retorno do indivíduo a
estágios anteriores do seu desenvolvimento pulsional. Negação: consiste em negar parte da realidade externa
desagradável ou indesejável à consciência, por meio de uma fantasia de satisfação do desejo ou pelo
comportamento. Introjeção: relacionada à identificação. O indivíduo faz passar de “fora” para “dentro”
objetos e qualidades inerentes ao outro. Projeção: enquanto mecanismo de defesa consiste em atribuir ao
outro, características que o sujeito recusa ou rejeita em si. Os desejos são retirados da consciência e
colocados no outro. Isolamento: consiste em isolar um pensamento ou comportamento, de forma que sua
ligação com os demais seja quebrada. Ocorre um breve vazio mental por certo período (pausa ou silêncio).
Anulação: uma ação cuja finalidade é invalidar ou anular um possível dano que o indivíduo,
inconscientemente, imagina que seus desejos possam causar. Deslocamento: uma carga psíquica é deslocada
(transferida) de uma representação mental para outra. Esse mecanismo de defesa encontra-se muito presente
nos sonhos. Racionalização: tentativa inconsciente de forjar razões capazes de conciliar os desejos reprimidos
com as exigências da censura. O indivíduo procura apresentar uma explicação do ponto de vista lógico, ou
aceitável do ponto de vista moral, para uma atitude, uma ação, uma ideia, um sentimento, de cujos motivos
verdadeiros não se apercebe. Sublimação: os impulsos instintivos sexuais e/ou agressivos sofrem uma
“dessexualização”, sendo descarregados para objetos ou objetivos socialmente aceitos (LAPLANCHE, J. &
PONTALIS, J.B., 1983).
79
Os intensivistas estão em contato constante com a morte, ainda que façam todo o
possível para que ela não ocorra, por meio do uso de medicamentos e aparelhos de alta
tecnologia. Menezes (2006, p. 78) conclui em seu estudo em UTI que os recursos técnicos,
o saber e a competência do profissional de UTI são limitados, diante do avanço da
enfermidade, sobretudo quando a cura não é mais possível.
Em muitos momentos surgiram brincadeiras entre os intensivistas, especialmente ao
se tratar de situações tensas, associadas a mortes. Durante um round, em que um
acadêmico de medicina relatava o caso de um doente internado com câncer, ele comentou
a localização do tumor, concluindo sua frase da seguinte maneira: “saiu do bom, para
morto”. O tumor era de vias biliares, quadro clínico com péssimo prognóstico. Todos os
presentes reagiram com risos.
Em outra ocasião, um profissional atendeu a uma ligação de um funcionário da
capela do hospital, questionando a presença de familiares de um paciente que havia
morrido de madrugada. No entanto, outro doente havia falecido há poucos minutos na
unidade. Perguntei ao médico se poderia avisar ao funcionário da capela para retirar o
corpo. O médico respondeu da seguinte maneira: “a capela tá pró-ativa hoje!”. Todos os
presentes riram deste comentário. Brincadeiras surgiram em torno de um aparelho para dar
banho nos pacientes no leito, uma ducha. Os profissionais apelidaram o objeto de
“Michael”, em homenagem ao cantor Michael Jackson, pois o aparelho chegou à unidade
na época em que o cantor morreu. Na inauguração da UTI outro aparelho foi comprado,
pois haveria mais leitos, e foi nomeado de “Chorão”, pois foi no dia da morte do cantor.
Esses episódios demonstram o uso de estratégias pelos profissionais, em momentos
tensos, relacionados à morte. Segundo Menezes (2001, p. 126), o humor é uma forma de
expressão e de gestão das emoções neste ambiente. A partir da perspectiva da psicanálise,
o humor tem sido compreendido como revelador de verdades – às vezes extremamente
difíceis – que só podem vir à tona por meio de chistes ou de metáforas. Como a morte é
encarada, no modelo “moderno”, como fracasso, por vezes observa-se comentários jocosos
ou piadas de humor negro, relacionados a situações tensas (MENEZES, 2005, p. 212).
De acordo com Apte (1985, p. 115), o humor é principalmente verbal, embora muitas
vezes seja acompanhado de gestos e outras modalidades não-verbais, ele se apresenta através de
piadas, provérbios, enigmas, rimas, contos, anedotas e lendas. No mundo ocidental, a forma
mais popular de humor são as piadas, seguido por enigmas e rimas, como se pode observar na
80
UTI.
Expressões como “trambiclínicas”, “PIMBA – Pé Inchado Mulambo Bêbado
Atropelado”, “mulambulatório” são utilizadas como um referencial tanto às condições de saúde
do indivíduo e da população brasileira, como às próprias condições de trabalho do profissional
de saúde (MENEZES, 2001, p. 128). Segundo Peterson (1998, p. 673), as gírias médicas têm a
função de promover harmonia entre os profissionais de saúde, manter uma distância entre
profissionais e pacientes e diminuir as tensões produzidas pelo trabalho médico. Este autor
demonstra, em seu estudo sobre as gírias médicas cariocas, que elas criam novos significados na
relação de médicos, não só com pacientes, mas também para a sua própria aquisição de
conhecimento clínico e experiência, sobretudo, para o sistema público de saúde. Deslandes
(2004) aponta que a linguagem é um instrumento que reúne diversas dimensões: de gênero,
poder, classe social. Essas dimensões refletem uma cultura e constroem as relações e
interações no ambiente de saúde (DUARTE; MOREIRA, 2011, p. 690).
Os intensivistas evitam ao máximo o uso da palavra morte, ainda que se trate de um
evento muito presente, em sua rotina na UTI. Brincadeiras, metáforas e eufemismos são
frequentemente utilizados por estes profissionais, para amenizar o sentimento de frustração e
impotência em diversas situações, como quando ocorre uma morte, sobretudo não esperada.
4.5.
“A mulher era uma bruxa”
Os pacientes categorizados como FPTC ou muito graves, com risco iminente de
morte mobilizavam os intensivistas, que se manifestavam da seguinte maneira: “ele está
pedindo pista”, “não quero que ele morra ‘que nem uma pipa72’”, “é preciso começar a
fazer macumba, mágica para poder melhorar o paciente”, “pegue seu banquinho e saia de
mansinho”, “ela é um ser anaeróbio 73”. Alguns profissionais, ao ouvirem essas falas,
achavam graça na forma de expressão. Ao mesmo tempo, muitos se lembravam do caso da
médica de Curitiba (PR), Virgínia Soares de Souza (Revista Piauí, Junho, 2013), que foi
presa em 19 de fevereiro de 2013, acusada de provocar mortes na UTI do Hospital Evangélico.
Inicialmente esta médica foi acusada por uma fisioterapeuta da unidade, por “antecipação de
óbitos”. Ela relatou que a doutora mandava administrar um coquetel de sedativos e de
72
73
Refere-se a um paciente com edema, inchado.
Organismos que vivem sem ar ou sem oxigênio.
81
bloqueadores neuromusculares74, o chamado “kit morte”, além de manipular os padrões de
oxigênio dos aparelhos respiratórios, de modo que, na maioria dos casos, a morte do doente
ocorria em poucas horas. Ainda segundo a fisioterapeuta Karina Casser, o motivo era a
liberação de leitos na UTI, para acomodação de novos pacientes. A maioria dos funcionários da
unidade discordava desta prática, mas muitos eram coniventes, “por obediência à chefe”.
De acordo com notícias na mídia, Karina realizou diversas ligações para a Ouvidoria
Geral do Estado do Paraná, em março de 2012, para dar queixa da Dr.ª Virgínia. Após oito dias
de ligações, a Promotoria de Proteção à Saúde Pública de Curitiba foi acionada. Por meio de
certidões de óbito, promotores confirmaram nomes, dia e horário das mortes dos pacientes
mencionados na denúncia. O Núcleo de Repressão aos Crimes contra a Saúde, da Polícia Civil,
passou a investigar o caso. A investigação correu em segredo de Justiça.
Em janeiro de 2013 a Promotoria realizou gravações telefônicas dos números da casa,
do celular e do ramal da Dr.ª Virgínia do hospital. Nas gravações, a doutora conversa com
médicos, enfermeiros, diretores do hospital e com familiares dos doentes. As expressões
utilizadas pela médica chamaram a atenção dos policiais: “infelizmente, a missão nossa é
intermediá-los do trampolim do além”, “preciso desentulhar a UTI”, “a UTI tem de girar”,
“está quase lá”, “desligar o paciente”, “com a cabeça tranquila para assassinar”. Para os
investigadores, havia material suficiente para incriminá-la.
Ainda segundo notícias veiculadas pela mídia, a médica apresentava uma postura
arrogante, não possuía amizades, cobrava trabalho dos demais profissionais, principalmente da
enfermagem, o que gerava comentários entre as equipes, que a apelidaram de “bruxa”, tanto por
seu comportamento quanto por sua aparência física. Além disso, ela confiava em alguns
profissionais da UTI. Testemunhas afirmavam que ela cultivava “um grupinho”, “os
preferidos”. Aos demais, não dirigia a palavra. Quando o fazia, era para chamar a atenção: “não
quero ver bunda em cadeira”, “olha aqui, ô, primor de inteligência”. O superintendente do
hospital, o pastor Olegário Teixeira da Costa, declarou: “ela tratava mal as pessoas, é verdade,
mas é uma questão de temperamento, cada um tem o seu. Com os doentes nunca houve
reclamação. Ao contrário. Muitas vezes, vi familiares pedindo para ela desistir de tentar salvar
um parente, deixá-lo ir em paz, e ela tentando todas as alternativas”.
Cinco dias após a prisão da médica, a polícia voltou atrás. Segundo notícias, ela não
dissera “com a cabeça tranquila para assassinar”, mas “com a cabeça tranquila para
74
Medicamento que causa a paralisia dos músculos esqueléticos.
82
raciocinar”. O procurador Marco Antonio Teixeira afirmou então que o conjunto de conversas
era pesado e evidenciava a intenção de provocar a morte dos pacientes, independente das
palavras “assassinar” ou “raciocinar”. Nos relatos em juízo de testemunhas, havia frases como:
“eu ouvi dizer”, “era consenso no hospital”, “soube que”, “o grande comentário é”. Mas a
essa altura, Dr.ª Virgínia era “um monstro”. Ela permaneceu presa por um mês.
Durante o processo, comentários de colegas de profissão surgiram, em defesa da
médica. A presidente da Sociedade de Terapia Intensiva do Paraná, Cintia Grion, considerou ter
havido criminalização das falas analisadas fora de contexto. Seu advogado, Elias Assad,
afirmou que as acusações foram feitas por leigos, que se impressionaram com o que se passa em
ambiente de UTI, além de terem sido motivadas por vingança pessoal, contra os desacatos ditos
pela médica. Para o ortopedista Manuel Ruedas Guerrero, seu companheiro de trabalho no
Hospital Evangélico: “pegaram o que existe de mais sensível, que é a morte, com o que há de
mais obscuro, que é uma UTI: portas fechadas, a tênue linha entre vida e morte. E uma mulher
que era uma bruxa”. Para ele, é possível que as acusações contra a médica tenham outras
razões: “ela é grossa, é racista, é mal-educada, é implicante, é desrespeitosa, é feia. Se for isso,
acusem-na, processem-na por racismo ou assédio moral. Mas falar que ela matava? Qual seria
o seu interesse? Financeiro? Loucura?”.
Após ser libertada, em entrevista, a médica disse que só queria saber o motivo de suas
supostas ações: “sou uma psicopata que montou, ao longo de 25 anos, uma quadrilha de outros
psicopatas, que aderiram sem ganho algum? Nesses anos todos, 400 médicos não acharam
nada errado? Ou, se acharam, ficaram calados porque sou extremamente poderosa? Isso é
sensacional!”. Segundo a médica, o que a promotoria chamou de “kit morte” constituem
procedimentos corriqueiros, usados em UTI em pacientes de extrema gravidade, na tentativa de
melhorar o estado do doente, jamais com a intenção de criar uma situação inversa. Ainda em
entrevista, Virgínia comentou o caso de uma menina que havia sido atacada por um cachorro, e
estava em morte cerebral documentada: “não se prolonga um sofrimento desses, isso é
desesperar uma família. Mas nós, latinos, temos essa cultura de deixar tudo, respirador, droga,
e isso é um crime porque a pessoa não está mais lá”.
A doutora foi acusada de “antecipar a morte” de um paciente de 65 anos, acamado
desde 1996, pois havia sofrido sete derrames. Ele fora reanimado durante 100 minutos, depois
de ter sofrido uma parada cardíaca. Segundo Virgínia, o prontuário deste paciente é a maior
testemunha de que tudo foi feito para salvá-lo. No inquérito constava uma foto deste senhor
83
pescando. A doutora afirmou então: “Deve ser de 1995. Então o que parece é que ele chegou lá
andando e morreu do nada” 75. Virgínia comentou com a jornalista que nem todo paciente cujo
coração pára tem que ser reanimado: “Tem doente que até não tem que ir para a UTI. Mas, se
você tenta explicar isso, acontece o que aconteceu comigo: ‘ela deixou ele morrer’, ‘ela
acelerou a morte’. Não! O doente já estava tecnicamente morto. Ninguém acelera nada”.
Não se trata aqui de defender a médica, mas de utilizar seu caso para refletir sobre o
processo de tomada de decisões em UTI. Quando trechos de falas são mencionados, fora de
contexto ou presenciadas por leigos, os relatos adquirem diferentes sentidos. Assim, podem
veicular significados associados a cenas e situações drásticas. Um médico, ao comentar esse
caso, afirmou que nós, intensivistas, falamos o mesmo que ela. Para os profissionais de
UTI essa linguagem é comum, mas para quem não trabalha neste ambiente pode ser um
absurdo, quando fora do contexto do setor, como: “deixa morrer”, “não vou fazer nada”,
“tem paciente mais viável lá fora (nas enfermarias)”. Mesmo com a lembrança desse caso, o
assunto era abordado com descontração no setor:
“Fala baixo, porque podem gravar e vai todo mundo preso”, diz um médico.
“Fala baixo, se alguém ouvir pode ser perigoso”, diz outro médico.
“Cuidado para não ser presa, hein! Igual à médica!”, diz um médico.
Durante o período de observação, o tema provocou polêmica entre os intensivistas.
Ao mesmo tempo, a permanência do assunto na mídia acarretou uma tomada de
consciência, por parte dos profissionais, de que sua linguagem poderia ser interpretada de
diferentes maneiras. Na época, todos os profissionais com quem conversei sobre este caso
não concordaram com a prisão da médica, com base em suas falas em conversas
telefônicas gravadas. Para eles, todos os profissionais do HUGG também poderiam ser
presos pelo uso daquela linguagem.
A delegação dos encargos da morte ao intensivista é capaz de gerar angústia, em
torno da decisão acerca de quem irá morrer ou sobreviver. Pelo fato de este profissional de
saúde deter o controle sobre a morte de um paciente, é possível que surjam críticas e
especulações, especialmente com os médicos, o que conduz ao surgimento de julgamentos,
como no caso da “bruxa” Dr.ª Virgínia.
75
Este paciente, na UTI do HUGG, talvez nem tivesse sido reanimado pela equipe, por se tratar de um enfermo
totalmente dependente, com “prognóstico reservado”.
84
5. Considerações Finais
Como profissional de saúde de UTI, não esperava dar conta e observar tantos detalhes
de meu trabalho cotidiano. O medo de não conseguir realizar a observação era grande, por se
tratar de um ambiente extremamente familiar. Este questionamento surgiu antes e durante o
período de observação, inclusive foi um tema debatido na qualificação. Inicialmente achei que
faria relatos do dia a dia, sem “ver com outros olhos” ou “ver de fora”. No entanto, aos poucos
percebi que meu olhar se transformou. Passei a enxergar o contexto com um olhar diferente e
mais distanciado, em relação à perspectiva da biomedicina.
Estudar o familiar, principalmente no próprio ambiente de trabalho, requer um exercício
de reflexividade contínuo, pois a exposição a determinadas situações do setor; das equipes,
discussões, contradições, sentimentos; das condutas; dos pacientes, pode conduzir à sensação de
traição nos colegas. Acrescente-se que, após o término do estudo, é preciso retornar ao mesmo
local apenas como fisioterapeuta, e não mais como pesquisadora. Situação análoga ocorreu
com Maria Cristina Senna Duarte (2011), em sua pesquisa em UTI pediátrica na cidade do Rio
de Janeiro. Neste caso, a pesquisadora chefiava a unidade e foi necessário colocar em
suspensão perspectivas, valores e ideias anteriores, para deixar emergir o sujeito e sua
relação com os objetos, como se mostravam nos momentos de observação participante e de
entrevistas (DUARTE; MOREIRA, 2011, p.689).
No período de observação e na redação desta dissertação, estas questões se mostraram
centrais, no que tange ao que ocorre na UTI. Após meu retorno, desempenhando novamente
apenas o papel de profissional de saúde, determinadas atitudes e comentários de colegas, que
anteriormente ao período de observação eram rotineiros, passaram a provocar em mim certo
incômodo. Percebi que palavras ditas em um plantão sobre um paciente, por exemplo, podem
ser mal interpretadas por pessoas leigas ou pelas que não estão inseridas no contexto da
unidade, de modo que passei a me policiar em relação ao que falo. Além disso, como durante
as observações não poderia haver um julgamento de valor da minha parte, passei a
redimensionar as concepções de “certo” e “errado”, pois percebi que tudo depende do contexto,
e não necessariamente da minha opinião. Assim, o que pode ser certo na UTI do HUGG pode
não o ser, em outra UTI.
A principal transformação que observo em mim diz respeito à emergência de meus
sentimentos, no contato com os pacientes e em momentos próximos da morte. O fato de ler,
85
refletir e escrever sobre a morte, o morrer e acerca do paciente terminal fez com que minha
visão sobre a UTI mudasse. Hoje, quando auxilio em uma parada cardiorrespiratória, e o doente
morre, não considero que isto seja mais um simples procedimento e que a vida volte logo ao
normal. Fico triste, choro ou sinto raiva, por não ter conseguido fazer com que o enfermo
sobrevivesse, mesmo sabendo que toda a equipe, inclusive eu, se empenhou ao máximo para
que isso acontecesse. A percepção de insucesso é frustrante, mas agora busco vivenciar aquele
momento com a consciência de que todos nós, da equipe intensivista, fizemos de tudo para
salvar aquele paciente, mas isso não significa ignorar ou “virar uma pedra” sem sentimentos.
Agora, trata-se de entender que, no local em que trabalho, há contato frequente com doentes
graves e com a eventualidade da morte.
A UTI é considerada uma “unidade fechada”, tanto em seu espaço físico, com janelas e
portas fechadas, ar condicionado central, luzes artificiais, mantendo o ambiente externo “lá
fora”, como pela “superespecialização” de sua equipe profissional, que lida com equipamentos
de alta tecnologia para o cuidado de pacientes graves. Por tais características, a equipe
intensivista é considerada “melhor” do que a de outros setores do hospital, tanto pelos
intensivistas como pelos profissionais de outros setores do hospital.
A rotina da UTI é organizada pela equipe, com a função de manter o maior controle
possível sobre as condições clínicas e funções vitais do doente, que é mantido em constante
monitoramento, por equipamentos eletrônicos, pela equipe de enfermagem. Trata-se de evitar a
morte, sempre que possível. Devido às especificidades da UTI, as relações entre a equipe
intensivista com os profissionais dos demais setores hospitalares podem ser tensas, pela
hierarquia entre os serviços. Dentro do setor, mesmo com a rotina estabelecida em equipe
multiprofissional, há forte distinção entre “médicos e demais profissionais de saúde”. A palavra
e a decisão do médico têm preeminência sobre as demais opiniões. Porém, quando outro setor
do hospital está envolvido na tomada de decisões, a escolha do intensivista, seja ele de qualquer
categoria profissional, tende a prevalecer.
Os intensivistas “se acham melhores” do que os demais profissionais, por possuírem
uma carga de conhecimentos teóricos e uma experiência prática “mais avançada”, por cuidarem
de pacientes graves, com risco de morte, e atuarem em procedimentos que geralmente só
acontecem dentro da unidade, como intubações e reanimação de paradas cardíacas. Por vezes,
este posicionamento conduz a conflitos, mas ao mesmo tempo, também se apresenta como um
86
suporte para os outros setores hospitalares, como quando não há vagas para internação e um
doente grave permanece em enfermaria.
A principal preocupação dos intensivistas é referente ao atendimento que o paciente terá
na enfermaria, visto que os profissionais que lá atuam são considerados pelos intensivistas como
“não possuindo capacidade técnica para lidar com esse tipo de pacientes”, inclusive quando o
doente apresenta condições de alta da unidade, mas ainda necessitam de maior vigilância. Essa
preocupação faz com que, muitas vezes, enfermos permaneçam mais tempo internados na UTI.
Os intensivistas atuam neste ambiente especializado, com doentes de alta gravidade, de
modo que estão em constante contato com a morte. Porém, no setor, o processo do morrer é
denominado de diferentes maneiras: como óbito e como PCR. Esta diferenciação acarreta
formas distintas de ação, assim como de expressão – ou não – de sentimentos. O óbito é
entendido como uma morte esperada, quando todos os profissionais aguardavam que aquele
enfermo morresse em algumas horas ou em poucos dias. A equipe não faz nada para reverter o
quadro. Os profissionais não expressam sofrimento quando a morte de fato ocorre. Já na PCR,
os intensivistas fazem todo o possível para que o paciente sobreviva, utilizam todos os recursos
da unidade. Quando o doente sobrevive, há grande satisfação da equipe. Ao contrário, quando a
morte ocorre, os profissionais referem a existência de sentimentos de fracasso, insucesso,
impotência. Por vezes, eles consideram tratar-se de uma morte inesperada.
A partir dessas definições, é possível diferenciar a visão da “boa morte” na UTI, vista
pelos profissionais como aquela em que se deve amenizar o sofrimento do paciente que está
morrendo com analgésicos, sedativos e intubações, conectado a aparelhos de ventilação
mecânica e monitores, sem a presença dos familiares, apenas dos profissionais, até que o óbito
ocorra. Diferente da “boa morte” dos cuidados paliativos, em que nenhum procedimento
invasivo é realizado, apenas analgesia, para que o doente não sinta dor e a presença constante da
família com o enfermo.
A mobilização de sentimentos na UTI varia de acordo com o doente e com o que
acontece com ele. A morte inesperada é uma situação capaz de provocar a emergência de
sentimentos, por parte da equipe intensivista. Por vezes, quando o enfermo envolvido é jovem
observa-se o surgimento de desconforto na equipe, pelo fato de aquele indivíduo “ter muita
coisa para viver ainda”. No caso de internação prolongada no setor, pode se desenvolver um
processo de identificação entre o intensivista e o enfermo, o que pode gerar preocupações com o
momento da alta para enfermaria e/ou para casa, se terá ou não os cuidados necessários. Por
87
vezes o profissional estabelece uma amizade com o paciente e passa a comprar comidas,
presentes, a ter longas conversas com o doente e com seus familiares, o que não é comumente
feito com outros pacientes internados. Essa situação ocorreu com a paciente Alice e sua filha
Joana: a equipe se mostrou muito mobilizada com o fato de a enferma permanecer por um
longo período internada na UTI. Por ocasião de sua alta para a enfermaria, a equipe se
preocupou e considerou que ela poderia não receber os cuidados necessários.
Quando ocorre este tipo de envolvimento, alguns profissionais utilizam recursos para
lidar com a emergência de sentimentos em momentos difíceis, como o uso de eufemismos e de
brincadeiras para aliviar o clima tenso. Brincadeiras com uso do nome de artistas que já
morreram eram frequentemente utilizadas no setor. Aparelhos passaram então a receber
apelidos, como “Chorão” e “Michael”. Os eufemismos, como “ele está pedindo pista”, “se
intubar reza, não sai mais”, “ele está com olho de peixe morto”, “pegue seu banquinho e saia
de mansinho” eram utilizados frequentemente pelos intensivistas como meio de afastamento do
sofrimento associado à morte e ao processo do morrer. Quando uma médica de Curitiba, Dr.ª
Virgínia Soares de Souza, foi presa e acusada de antecipar óbitos em uma UTI, o uso destas
frases passou a ser menos frequente, e surgiram comentários como o seguinte: “fala baixo,
porque podem gravar e vai todo mundo preso”.
As emoções não são frequentemente demonstradas neste setor. Os profissionais evitam
um contato mais próximo com o doente e com seus familiares, como modo de evitar
envolvimento emocional. Na UTI, a expressão de emoções é considerada como uma
perturbação à rotina da unidade, que pode atrapalhar a atuação técnica dos profissionais. Por
esse motivo, a não expressão se torna uma obrigatoriedade para os intensivistas. Quando não é
possível um autocontrole emocional e as emoções afloram, por vezes os profissionais
desabafam com os colegas de sua confiança, sejam eles da mesma categoria profissional ou não.
Recentemente surgiram programas de humanização da assistência hospitalar,
especialmente em UTIs. Contudo, apesar da implantação desta proposta, o modelo de morte
moderna ocorre neste setor, em pleno século XXI. Na UTI investigada, observa-se uma
tentativa de mudança desse modelo, por exemplo, na identificação dos pacientes por seus
nomes e não mais por números, no aumento da quantidade de períodos de visitas de familiares
durante o dia, na permissão de permanência de parentes no setor, em alguns casos. Tais
modificações no modelo de morte moderna, tão presente em UTIs, não significam a
implementação, na prática, do modelo de morte contemporânea, mas representam formas
88
inovadoras de gestão do processo do morrer e da rotina de trabalho no local exemplar do
modelo de morte moderna.
Ainda são necessárias muitas mudanças, para que a assistência em UTIs se torne
efetivamente “humanizada”, principalmente aquelas referentes ao processo de formação dos
profissionais de saúde. Desde a graduação, estudantes da área da saúde aprendem a pensar no
enfermo como um objeto, constituído por partes, e não como um indivíduo. Considero que, se
ocorrerem transformações no ensino das formações do campo da saúde, é possível que muitas
características do modelo de morte moderna se modifiquem.
Atualmente atingiu-se um patamar de desenvolvimento tecnológico no qual é possível
certo domínio e regulação do processo do morrer. O médico é figura central neste cenário.
Cabe ampliar os debates em torno da gestão da morte e das possibilidades de expressão de
sentimentos na unidade de terapia intensiva, talvez como possibilidade de evitar – ou, pelo
menos reduzir - o sofrimento de todos os atores sociais envolvidos no acompanhamento do
término de uma vida – o que evidencia a fragilidade da existência humana.
89
Referências Bibliográficas
ALVES, P.C. B.; RABELO, M.C.M. Significação e metáforas na experiência da
enfermidade. In: RABELO, M.C.M.; ALVES, P.C.B.; SOUZA, I.M.A. Experiência de
doença e narrativa. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1999, p. 171-185.
APTE, M. L. Humor and laughter: an anthropological approach. London: Cornell
University Press, 1985.
ARIÈS, P. História da morte no Ocidente: da Idade Média aos nossos dias. Rio de
Janeiro: Nova Fronteira, 2012.
AURELIANO, W. A. Espiritualidade, saúde e as artes de cura no contemporâneo:
indefinição de margens e busca de fronteiras em um centro terapêutico espírita no sul do
Brasil. 2011. 446f. Tese (Doutorado) - Programa de Pós Graduação em Antropologia
Social. Universidade Federal de Santa Catarina, Santa Catarina, 2011.
BEAUD, S.; WEBER, F. Guia para a pesquisa de campo: produzir e analisar dados
etnográficos. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007, p. 93-150.
BONET, O. Saber e sentir: uma etnografia da aprendizagem da biomedicina. Rio de
Janeiro: Fiocruz, 2004.
BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância Sanitária. Portaria nº466, de 04
de junho de 1998, DO 106-E, de 05 de junho de 1998. Disponível em:
<http://sna.saude.gov.br/legisla/legisla/uti/>. Acesso em: 20 set. 2012.
BRASIL. Resolução – RDC nº 7, de 24 de fevereiro de 2010. Disponível em:
<http://brasilsus.com.br/legislacoes/rdc/102985-7.html>. Acesso em: 19 set. 2012.
BUCHILLET, D. A antropologia da doença e os sistemas oficiais de saúde. In: ____(org.).
Medicinas tradicionais e medicina ocidental na Amazônia. Belém: MPEG/CEJUP/UEP,
1991. p. 21-44.
CAMPBELL, A. An ethic for hospices, paper presented at The Australian Hospice and
Palliative Care Conference, Adelaide, 22 nov. 1990.
CANESQUI, A. M. Notas sobre a produção acadêmica de antropologia e saúde na década
de 80, In: ALVES, P. C.; MINAYO, M. C. S. (org.). Saúde e doença: um olhar
antropológico. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1994.
CARAPINHEIRO, G. Saberes e Poderes no Hospital. Porto: Afrontamento, 2005.
CARRARA, S. Entre cientistas e bruxos: ensaio sobre os dilemas e perspectivas da análise
antropológica da doença. In: ALVES, P. C.; MINAYO, M. C. S. (org.). Saúde e doença:
um olhar antropológico. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1994.
90
CARVALHO, C. R. R., TOUFEN JR, C.; FRANÇA, S. A. Ventilação mecânica:
princípios, análise gráfica e modalidades ventilatórias (III Consenso Brasileiro de
Ventilação Mecânica). Jornal Brasileiro de Pneumologia, v. 33, supl. 2, p. S54-S70. 2007.
CLIFFORD, J. Sobre a Autoridade Etnográfica – In Gonçalves, José Reginaldo S. (org.).
James Clifford. A Experiência Etnográfica. RJ: Ed. UFRJ, págs.: 17-58, 2008.
COELHO, M. C. Emoção, gênero e violência: experiências e relatos de vitimização.
Revista Brasileira de Sociologia da Emoção, v.5, n.13, p.36-53, 2006b.
________ . A experiência da fama: individualismo e comunicação de massa. Rio de
Janeiro: FGV, 1999.
________ . Linguagens e sentimentos: o discurso amoroso nas cartas de fãs. Cadernos de
Psicologia, n.5, p.33-40, 1996.
________ . Narrativas da violência: a dimensão micropolítica das emoções. ENCONTRO
DA APONCS, 33, 2009. Anais... Caxambu, 2009.
________ . O valor das intenções: dádiva, emoção e identidade. Rio de Janeiro: FGV,
2006a.
COELHO, M. C., REZENDE, C. B. Cultura e sentimentos: ensaios em antropologia das
emoções. Rio de Janeiro: FAPERJ, 2011.
COLLINS dicionário prático. São Paulo: Disal, 2001.
CUNHA, C. C. “Jovens vivendo” com HIV/AIDS: (Con)formação de sujeitos em meio a
um embaraço. 2011. 295f. Tese (Doutorado) - Programa de Pós Graduação em
Antropologia Social. Museu Nacional. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro, 2011.
DAMATTA, R. O ofício do etnólogo, ou como ter ‘anthropological blues’. In: NUNES, E.
O. (org.). A aventura sociológica. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1978.
DESLANDES, S. F. Frágeis deuses: profissionais da emergência entre os danos da
violência e a recriação da vida. Rio de Janeiro: Fiocruz, 2002.
DUARTE, L. F. D. Da vida nervosa nas classes trabalhadoras urbanas. 2.ed. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 1986.
________ . Indivíduo e pessoa na experiência da saúde e da doença. Ciência & Saúde
Coletiva, v.8, n.1, p. 173-183. 2003.
DUARTE, M. C. S., MOREIRA, M. C. N. Autonomia e cuidado em terapia intensiva
pediátrica: os paradoxos da prática. Interface: comunicação, saúde, educação, v.15, n.38,
p.687-700, 2011.
91
ELIAS, N. A solidão dos moribundos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
FOUCAULT, M. Vigiar e punir. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004.
FREIDSON, E. Professional dominance. Chicago: Aldine, 1970.
________ . La profesión médica: um estúdio de la sociologia del conocimiento aplicado.
Barcelona: Península, 1978.
________ . Professionalism reborn: theory, prophecy and policy. Cambridge: Polity
Press, 1994.
FREITAS, E. R. F. S. Perfil e gravidade dos pacientes das unidades de terapia intensiva:
aplicação prospectiva do escore APACHE II. Revista Latino-Americana de
Enfermagem, v. 18, n.3, p. 7, maio-jun./2010.
GLASER, B.; STRAUSS, A. Awareness of dying. Chicago: Aldine, 1965.
________ . Time for Dying. Chicago: Aldine, 1968.
GLASER, B. G.; STRAUSS, A. L. Patterns of dying. In: BRIM JR., O. G. et mal. (eds.)
The dying patient. New Jersey: Transaction Books, 1982.
GOMES, E. C.; MENEZES, R. A. Etnografias possíveis: “estar” ou “ser” de dentro. Ponto
Urbe: revista do núcleo de antropologia urbana da USP, Ano 2, versão 3.0, Jul./2008.
GOOD, B., GOOD. M. D. V. Learning medicine: the construction of medical knowledge at
Harvard Medical School. In: LINDEBAUM, S., COCH, M. (eds.) Knowledge, power
and practice: the anthropology of medicine and everyday life. California: University of
California Press, 1993. p. 81-107.
GOOD, B. J. Medicine, rationality, and experience. United Kingdom: Cambridge
University Press, 1994.
GOODE, W. J. The theoretical limits of professionalization. In: ETIZIONI, A. (ed.). The
semiprofessions and their organization. New York: Free Press, 1969.
GUSMÃO, J. L.; MION JR., D. Adesão ao tratamento: conceitos. Revista Brasileira de
Hipertensão, v.13, n. 1, p. 23-25, 2006.
GUIMARÃES, R.G.; REGO, S. Perspectivas teóricas sobre medicina e profissão médica:
uma proposta de enfoque antropológico. Ciência & Saúde Coletiva, v. 10, n.esp., p.7-17,
2005.
HERZLICH, C. Os encargos da morte. Rio de Janeiro: UERJ/IMS, 1993.
92
KNAUTH, D. A etnografia na saúde coletiva: desafios e perspectivas. In SCHUCH, P.,
VIEIRA M. S., PETERS, R. Experiências, dilemas e desafios do fazer etnográfico
contemporâneo. Porto Alegre: UFRGS, 2010.
KOMESAROFF, P., NORELLE LICKISS, J., PARKER, M. & ASHBY, M. The
euthanasia controversy: decision making in extreme cases. The Medical Journal of
Australia, v. 162, p. 594-597, 1995.
KRUSE, M. H. L. Os poderes dos corpos frios: das coisas que ensinam às enfermeiras.
Brasília, DF: ABEn, 2004.
LANGDON, E. J., FOLLÉR, M. L., MALUF, S. W. Um balanço da antropologia da
saúde no Brasil e seus diálogos com as antropologias mundiais. Anuário
Antropológico/2011-I, p. 51-89, 2012.
LAPLANCHE, J.; PONTALIS, J.B. Vocabulário de psicanálise. São Paulo: Martins
Fontes, 1983.
LARSON, M. The rise of professionalism: a sociological analysis. California: University
of California Press, 1977.
LASAGNA, L. Physicians’ behavior toward the dying patient. In: BRIM JR. et al. (eds.)
The dying patient. New Jersey: Transaction Books, 1982.
LE BRETON, D. As paixões ordinárias: antropologia das emoções. Petrópolis, RJ:
Vozes, 2009.
LEIRNER, Piero de Camargo. Hierarquia e individualismo em Louis Dumont. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 2003.
LOFLAND, L. The craft of dying. Beverley Hills, CA: Sage, 1978.
LUPTON, D. The imperative of health: public health and the regulated body. Londres:
SAGE Publications, 1995.
MACHADO P. S. O sexo dos anjos: representações e práticas em torno do gerenciamento
sociomédico e cotidiano da intersexualidade. 2008. 265f. Tese (Doutorado) - Programa de
Pós Graduação em Antropologia Social. , Instituto de Filosofia e Ciências Humanas.
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2008.
MACHADO, M. H. Sociologia de la profesiones: um nuevo enfoque. Revista Educación
Médica y Salud, Washington, v. 25, n. 1, 1991.
MACHADO, M. H.; REGO, S. Essencialidade da profissão médico e serviços de saúde.
Cadernos Fundap, 1996. Disponível em:
http://www.fundap.sp.gov.br/publicacoes/cadernos/cad19/Fundap%2019/ESSENCIALIDA
DE%20DA%20PROFISSAO%20MEDICA%20E%20SERVICOS%20DE%20SAUDE.pd
f. Acesso em: 01 fev. 2013.
93
MAUSS, M. A Expressão obrigatória de sentimentos. In: OLIVEIRA, R. C. (org.) Marcel
Mauss: antropologia. São Paulo: Ática, 1979.
MENEZES, R. A. Difíceis decisões: uma abordagem antropológica da prática médica em
CTI. Physis: Revista de Saúde Coletiva, RJ, v. 10, n. 2, p. 27-49, 2000.
________ . Etnografia do ensino médico em um CTI. Interface: comunicação, saúde,
educação, v.5, n.9, p.117-30, 2001.
________ . Em busca da boa morte: antropologia dos cuidados paliativos. RJ:
Garamond: Fiocruz, 2004.
________ . Profissionais de saúde e a morte: emoções e formas de gestão. Teoria e
Sociedade, n. 13, v. 1, p. 200-225, jan.-jun. 2005.
________ . Difíceis decisões: etnografia de um centro de tratamento intensivo. Rio de
Janeiro: Fiocruz, 2006.
________ . Trabalho em CTI: ônus e bônus para profissionais de saúde. In: TEIXEIRA, A.
C. B.; DADALTO, L. (coord.) Dos hospitais aos tribunais. Belo Horizonte: Del Rey,
2013.
MERHY, E.E. O ato de governar as tensões constitutivas do agir em saúde como desafio
permanente de algumas estratégias gerenciais. Ciência e Saúde Coletiva, v.4, n.2, p.30514, 1999.
MIRANDA, N. V. H. R. Gênero e sexualidade na produção do cuidado: etnografia de
uma unidade de saúde da família. 2012. 104f. Dissertação (Mestrado) - Programa de Pós
Graduação em Saúde Coletiva. Instituto de Medicina Social. Universidade do Estado do
Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2012.
MOORE, W. The professions: roles and rules. New York: Russel Sage Foundantion,
1970.
MOREIRA, M. C. N. Os profissionais de enfermagem e seus emblemas: identidades e
distinções na construção de uma cultura profissional. 1996. 202f. Dissertação (Mestrado) Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 1996.
MORETTI-PIRES, R. O.; LIMA, L. A. M.; MACHADO, M. H. Sociology of professions
and dentistry academics’ perceptions about the Community Health Agent in Oral Health.
Interface: Comunicação, Saúde, Educação, v.15, n.39, p. 1085-95, out.-dez. 2011.
PEREIRA, L. M. L. Relatos orais em ciências sociais: limites e potencial. Análise &
Conjuntura, Belo Horizonte, v.6, n.3, p. 109-127, 1991.
PETERSEN, A.; WADDELL, C. Health matters: a sociology of illness, prevention and
care. Buckingham: Open University Press, 1999.
94
PETERSON, C. Medical slang in Rio de Janeiro, Brazil. Caderno de Saúde Pública, Rio
de Janeiro, v. 14, n. 4, p. 671-699, out.-dez, 1998.
PINHEIRO, D. A doutora. Revista Piauí: edição 81, ano 7. Rio de Janeiro: Alvinegra,
Jun./2013.
PITTA, A. Hospital: dor e morte como ofício. São Paulo: Hucitec, 1991.
PORTARIA GM/MS Nº 3432 de 12 de agosto de 1998. – DOU Nº 154 – Disponível em:
http://dtr2001.saude.gov.br/sas/PORTARIAS/PORT98/GM/PRT-3432.pdf. Acesso em: 17
set. 2012.
QUEIROZ, M. S.; CANESQUI, A. M. Contribuições da antropologia à medicina: uma
revisão de estudos no Brasil. Revista Saúde Pública, v. 20, n. 2, p. l4l-l5l, l986a.
QUEIROZ, M. S.; CANESQUI, A. M. Antropologia da medicina: uma revisão teórica.
Revista de Saúde Pública, v.20, n.2, p.152-164, 1986b.
RABIN, D. L., RABIN, L. H. Consequences of death for physicians, nurses, and hospitals.
In: BRIM JR. et al. (eds.) The dying patient. New Jersey: Transaction Books, 1982.
REZENDE, C. B. Os significados da amizade: duas visões de pessoa e sociedade. Rio de
Janeiro: FGV, 2002a.
________ . Mágoas de amizade: um ensaio em antropologia das emoções. Mana: Estudos
em Antropologia Social, v.8, n.2, p. 69-89, 2002b.
________ . Retrato do estrangeiro: identidade nacional, subjetividade e emoção. Rio de
Janeiro: FGV, 2009.
REZENDE, C. B., COELHO, M. C. Antropologia das emoções. Rio de Janeiro: FGV,
2010.
RIOS, I. C. Humanização da assistência à saúde – In: SANTOS, F. S. (ed.) Cuidados
paliativos: diretrizes, humanização e alívio de sintomas. São Paulo: Atheneu, 2011.
SARTI, C. A. Saúde e sofrimento. In: Duarte, L.F.D. (coord.). Horizontes das ciências
sociais no Brasil: antropologia. São Paulo: ANPOCS, 2010.
SENNETT, R. O declínio do homem público: as tiranias da intimidade. São Paulo:
Companhia das Letras, 1988.
SEYMOUR, J. E. Critical moments: death and dying in intensive care. Philadelphia, PA:
Open University Press, 2001.
SOCIETY OF CRITICAL CARE MEDICINE. Disponível em:
<http://www.myicucare.org/Pages/HistoryofCriticalCare.aspx>. Acesso em: 23 set. 2012.
95
TESTA, M. O hospital: visão desde o leito do paciente. Revista de Saúde Mental
Coletiva, v.1, n.1, p.47-54, 1992.
VELHO, G. Observando o Familiar - In Nunes, E. O. (org.). A Aventura Sociológica. RJ:
Ed. Zahar, p. 36-46, 1978.
_________. Individualismo e cultura: notas para uma antropologia da sociedade
contemporânea. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1981.
________ . Subjetividade e sociedade: uma experiência de geração. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 1986.
VERANI, C., MORGADO, A. Fatores Culturais Associados à Doença de Reclusão. In:
Carlos E. Coimbra Jr. (org.). Saúde de Populações Indígenas. Número Temático.
Cadernos de Saúde Pública, VII (4):515-538, 1991.
VÍCTORA, C. G.; KNAUTH, D. R.; HASSEN, M. N. A. Pesquisa qualitativa em saúde:
uma introdução ao tema. Porto Alegre: Tomo Editorial, 2000.
WILENSKY, H. The professionalization of everyone? In: GRUSKY, O.; MILLER, G. A.
(eds.). The sociology of organizations: basic studies. New York: Free Presses, 1970.
YOUNG, A. The Anthropologies of illness and sickness. Annual Review of Anthropology,
(11):257-85, 1982.
SITES ANALISADOS:
SOCIEDADE BRASILEIRA DE CARDIOLOGIA. Disponível em:
<http://cientifico.cardiol.br/>. Acesso em: 22 maio 2013.
DICIONÁRIO MÉDICO. Disponível em: <www.dicionariomedico.com>. Acesso em: 20
set. 2013.
CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DE SÃO PAULO. Disponível:
<http://www.cremesp.org.br/?siteAcao=PublicacoesConteudoSumario&id=57>. Acesso
em: 20 set. 2013.
BIBLIOTECA VIRTUAL EM SAÚDE. Dicas em saúde: o que é centro de terapia
intensiva? Disponível em:
<http://bvsms.saude.gov.br/bvs/dicas/189_centro_terapia_intensiva.html>. Acesso em: 20
set. 2013.
96
BRASIL. Ministério da Saúde. Departamento de Aids, DST e hepatites virais. O que é
HIV. Disponível em: <http://www.aids.gov.br/pagina/o-que-e-hiv>. Acesso em: 20 set.
2013.
CASSIOLATO, César; ORELLANA, Evaristo. Medição de vazão. Disponível em:
<http://www.smar.com/newsletter/marketing/index40.html>. Acesso em: 20 set. 2013.
DICIONÁRIO ONLINE DE PORTUGUÊS. Disponível em: <http://www.dicio.com.br >.
Acesso em: 20 set. 2013.
LISBOA, Sandra; DIAS, Luanda. NEVES. Prova de função respiratória: o que é e para
que serve? Disponível em:
<http://www.fiocruz.br/portaliff/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=171&sid=76>. Acesso
em: 20 set. 2013.
LIMA, Vanessa Girardi de et al. Insuficiência respiratória aguda. Disponível em: <http://ptbr.infomedica.wikia.com/wiki/Insufici%C3%AAncia_Respirat%C3%B3ria_Aguda>. Acesso
em: 20 set. 2013.
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE GOIÁS. Aspiração: a rotina na Santa
Casa. Disponível em:
<http://professor.ucg.br/SiteDocente/admin/arquivosUpload/12506/material/Aspira%C3%
A7%C3%A3o%20na%20Santa%20Casa%20de%20Miseric%C3%B3rdia%20de%20Goi%
C3%A2nia.pdf>. Acesso em: 20 set. 2013.
DICIONÁRIO INFORMAL. Decúbito. Disponível em:
<http://www.dicionarioinformal.com.br/dec%C3%BAbito/>. Acesso em: 20 set. 2013.
97
GLOSSÁRIO
ABSCESSO – coleção de pus, geralmente produzida por infecção bacteriana.
ACIDOSE - É a diminuição do pH de todo o organismo, tornando-o ácido devido à baixa
concentração de bicarbonato no sangue.
ADESÃO AO TRATAMENTO - quando a pessoa segue as recomendações do
profissional de saúde, sejam elas medicamentosas ou não.
AIDS – Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, causada pelo vírus HIV. É o estágio
mais avançado da doença que ataca o sistema imunológico.
AMBÚ – aparelho para ventilação manual.
ANAERÓBIO – organismos que vivem sem ar ou oxigênio.
ANALGÉSICO – medicamento contra dor.
ANTIRRETROVIRAIS - medicamentos para impedir a multiplicação do vírus HIV no
organismo.
ASPIRAÇÃO TRAQUEAL – retirada passiva das secreções por sonda, conectada a um
sistema de vácuo.
BLOQUEADOR NEUROMUSCULAR - medicamento que causa paralisia dos músculos
esqueléticos.
BOMBA INFUSORA – aparelho para administração de medicamentos e alimentação.
CAPOTE – roupa utilizada por cima do jaleco.
CARRINHO DE PARADA – armário com rodas, no qual são armazenados materiais e
medicações utilizados para reverter uma parada cardiorrespiratória (PCR).
DESMAME – processo gradual de retirada de aparelhagem para ventilação artificial
(VM).
DIAZEPAM – medicamento ansiolítico, anticonvulsivante, relaxante muscular e sedativo.
DIETA/NUTRIÇÃO ENTERAL – alimentação por meio de sonda, que libera o alimento
diretamente no intestino.
DIETA/NUTRIÇÃO PARENTERAL – alimentação por meio de cateter inserido na veia
do paciente. Serve para complementar ou substituir completamente a alimentação oral
ou enteral.
DOENÇA PULMONAR OBSTRUTIVA CRÔNICA (DPOC) – obstrução fixa ao fluxo
aéreo ou enfisema.
DRENAGEM DE TÓRAX - esvaziamento de conteúdo líquido ou gasoso
patologicamente retido na cavidade pleural.
98
DUODENOPANCREATECTOMIA – também chamada de procedimento de Whipple.
Cirurgia que envolve o pâncreas, duodeno e estômago, realizada para tratamento de tumor
na cabeça do pâncreas.
EVOLUÇÃO – anotações diárias, efetuadas por profissionais de saúde, sobre o quadro
clínico dos pacientes, em seus prontuários.
EXPURGO – local em que são desprezadas as secreções dos pacientes, como urina, fezes,
secreção traqueal.
FENTANIL - potente analgésico utilizado contra a dor.
GASOMETRIA ARTERIAL – exame que avalia a acidez (pH) e a pressão parcial do
oxigênio e de gás carbônico no sangue.
HEMODIÁLISE – processo de filtração do sangue, efetuado por aparelhagem.
HIGHLANDER- refere-se ao filme cujo herói é um guerreiro imortal. Trata-se da pessoa
que, a despeito de todo investimento terapêutico, não apresenta melhora nem piora, durante
certo tempo prolongado. Em geral, ele resiste, apesar da decisão médica de interromper o
tratamento.
HIPERTENSÃO PULMONAR - elevação acima dos níveis normais, da pressão
sanguínea na pequena circulação ou circulação pulmonar (é a designação dada à parte
da circulação sanguínea na qual o sangue é bombeado para os pulmões e retorna rico
em oxigênio de volta ao coração. Em síntese, é uma circulação coração-pulmão-coração).
HISTERECTOMIA – cirurgia para extração do útero.
HOME CARE – também conhecido como assistência domiciliar. É uma modalidade continuada
de prestação de serviços na área da saúde, que visa à continuidade do tratamento hospitalar
no domicílio. É realizado por equipe multidisciplinar.
INSUFICIÊNCIA RESPIRATÓRIA – condição clinica na qual os pulmões não
conseguem desempenhar adequadamente sua principal função, a troca gasosa, o que
significa que a captação de oxigênio e a liberação de CO2 estão prejudicadas.
INTUBAÇÃO OROTRAQUEAL – colocação e fixação de um tubo dentro da traqueia
do paciente (canal que liga a garganta ao pulmão), para que o ventilador mecânico seja
conectado.
MECANISMOS DE DEFESA - os mecanismos de defesa do ego entram em ação com a
finalidade de proteger o ego do indivíduo e reduzir / aliviar a tensão interna. Representam a
parte inconsciente do ego. Tirar os sublinhados Repressão: operação psíquica que tende a
fazer desaparecer da consciência um conteúdo desagradável ou inoportuno (ideia, afeto) –
recalcamento. Formação reativa: duas atitudes ambivalentes e antagônicas, onde: uma se
torna inconsciente e a outra aparece supervalorizada (consciente). Exemplo; amor X ódio.
Regressão: retorno do indivíduo a estágios anteriores do seu desenvolvimento pulsional.
Negação: consiste em negar parte da realidade externa desagradável ou indesejável à
consciência, por meio de uma fantasia de satisfação do desejo ou pelo comportamento.
Introjeção: relacionada à identificação. O indivíduo faz passar de “fora” para “dentro”
99
objetos e qualidades inerentes ao outro. Projeção: enquanto mecanismo de defesa consiste
em atribuir ao outro, características que o sujeito recusa ou rejeita em si. Os desejos são
retirados da consciência e colocados no outro. Isolamento: consiste em isolar um
pensamento ou comportamento, de forma que sua ligação com os demais seja quebrada.
corre um breve vazio mental por certo período (pausa ou silêncio). Anulação: uma ação
cuja finalidade é invalidar ou anular um possível dano que o indivíduo, inconscientemente,
imagina que seus desejos possam causar. Deslocamento: uma carga psíquica é deslocada
(transferida) de uma representação mental para outra. Esse mecanismo de defesa encontrase muito presente nos sonhos. Racionalização: tentativa inconsciente de forjar razões
capazes de conciliar os desejos reprimidos com as exigências da censura. O indivíduo
procura apresentar uma explicação do ponto de vista lógico, ou aceitável do ponto de vista
moral, para uma atitude, uma ação, uma ideia, um sentimento, de cujos motivos
verdadeiros não se apercebe. Sublimação: os impulsos instintivos sexuais e/ou agressivos
sofrem uma “dessexualização”, sendo descarregados para objetos ou objetivos socialmente
aceitos.
MUDANÇA DE DECÚBITO – modificação da posição do corpo, quando deitado.
NEFROLOGIA – nefrologista, especialidade referente ao funcionamento dos rins.
NEGATOSCÓPIO – aparelho pra visualização de exames radiográficos (raios X,
tomografias).
NORADRENALINA – medicação utilizada para elevar a pressão arterial.
PIELONEFRITE – infecção dos rins, geralmente produzida por bactérias.
PNEUMONIA – inflamação do tecido pulmonar.
PRESCRIÇÃO – ato de dispor em papel as drogas e seu modo de usar, a dieta e outros
cuidados a serem dados ao paciente; receita médica .
PROCEDIMENTO – termo amplamente utilizado por equipes de saúde. Refere-se à
retirada de sangue ou outras condutas, como punção arterial, dissecção de veia profunda,
intubação e colocação de prótese respiratória.
PROGNÓSTICO – previsão médica da evolução de uma doença.
PRONTUÁRIO – prontuário médico, de fato, prontuário do paciente, é o conjunto de
documentos padronizados, ordenados e concisos, destinados ao registro de todas as
informações referentes aos cuidados médicos e paramédicos prestados ao enfermo.
PROVA DE FUNÇÃO PULMONAR – técnica capaz de medir a capacidade pulmonar.
PUNÇÃO VENOSA/ARTERIAL – ato de puncionar; operação que consiste em penetrar
em cavidade ou coleção líquida, com instrumento perfurado para retirada de líquidos.
Pode ser na veia ou na artéria.
ROUND – Rodada, ronda, visitas. No contexto investigado refere-se a uma reunião de
importância central na UTI. As informações dos pacientes são relatadas de forma detalhada
– desde a história da internação, evolução, até o exame físico e as dosagens dos
medicamentos do dia. Procede-se uma avaliação e discussão sobre o estado do paciente e
100
as decisões são tomadas: pedidos de exames, pareceres de outros serviços do hospital ou
alterações da terapêutica e dos medicamentos.
SEDAÇÃO/SEDATIVOS – substâncias para produzir alteração do estado de consciência
do paciente, muitas vezes causando sonolência.
STAFF – profissional que possui estabilidade funcional, geralmente concursado que ocupa
posição hierárquica superior aos outros profissionais, que trabalham em regime de contrato
temporário.
TRAQUEOSTOMIA - procedimento cirúrgico pelo qual é produzido um orifício na
região anterior do pescoço, para permitir a entrada de ar na traqueia.
TUBO OROTRAQUEAL - tubo colocado na traqueia do paciente, durante intubação
orotraqueal, para que o ventilador mecânico seja conectado.
VAZÃO – quantidade volumétrica de um fluido, no caso a medicação, que escoa por uma
seção de uma tubulação ou canal, no caso a bomba infusora, por unidade de tempo.
VENTILAÇÃO ESPONTÂNEA – modo normal de respiração.
VENTILAÇÃO MECÂNICA – método de suporte para tratamento de pacientes com
insuficiência respiratória, por meio da utilização de aparelhos, os ventiladores mecânicos
artificiais.
VENTILAÇÃO NÃO INVASIVA - técnica na qual é colocada uma máscara adaptada ao
rosto do o paciente, que evita fuga de ar. A máscara está ligada a uma máquina que gera
um fluxo de ar, para facilitar a respiração e melhorar a oxigenação.
VENTILADOR MECÂNICO/ARTIFICIAL – respirador, aparelho utilizado na
ventilação mecânica.
101
APÊNDICE I – LEVANTAMENTO BIBLIOGRÁFICO
TÍTULO
AUTOR
CATEGORIA
PROFISSIONAL
REVISTA
ANO
Philip Burnard
Enfermagem
Intensive Care
Nursing
1987
José M. Ribeiro; Lilia B. Scharaiber
Saúde Coletiva
Cad. Saúde Públ.
1994
A difícil convivência com o câncer: um estudo das
emoções na enfermagem oncológica
Noeli Marchioro Liston Andrade
Ferreira
Enfermagem
Rev. Esc. Enf. USP
1996
Os Profissionais de Enfermagem e seus Emblemas:
Identidades e Distinções na Construção de uma Cultura
Profissional. Dissertação de Mestrado.
Martha Cristina Nunes Moreira
Psicologia
Escola Nacional de
Saúde Pública,
Fundação Oswaldo
Cruz.
1996
A percepção da equipe de enfermagem em situação de
morte: ritual do preparo do corpo pós-morte
Maria Cecília Ribeiro; Solange Baraldi;
Maria Júlia Paes da Silva
Enfermagem
Rev. Esc. Enf. USP
1998
Adriana Kátia Corrêa
Enfermagem
Rev. Esc. Enf. USP
1998
Marisa Antonini Ribeiro Bastos
Enfermagem
Rev. Esc. Enf. USP
2001
Coping with emotion in intensive care nursing
A autonomia e o trabalho em medicina
O paciente em Centro de Terapia Intensiva: reflexão
bioética
Etnografia: estratégia metodológica utilizada para
contextualizar o cenário cultural do CTI de um hospital
universitário
102
O que é paciente terminal
Pilar L. Gutierrez
Medicina
Rev. Ass. Med. Brasil
2001
Marisa Antonini Ribeiro Bastos
Enfermagem
Rev. Latino-Am.
Enfermagem
2002
Posicionamento dos enfermeiros relativo a revelação de
prognóstico de fora de possibilidade terapêutica: uma
questão bioética
Daniela Vivas dos Santos; Maria
Cristina Komatsu Braga Massarollo
Enfermagem
Rev. Latino-Am.
Enfermagem
2004
A morte no cotidiano dos profissionais de enfermagem de
uma Unidade de Terapia Intensiva
Ligia Aparecida Palú; Liliana Maria
Labronici; Leomar Albini
Enfermagem
Cogitare Enfermagem
2004
Suely Ferreira Deslandes
Saúde Coletiva
Ciência & Saúde
Coletiva
2004
Maria Cecilia Toffoletto; Suely S. Viski
Zanei; Edilene Curvelo Hora; Gisele
Puerta Nogueira; Ana Maria K.
Miyadahira; Miako Kimura; Kátia
Grillo Padilha
Enfermagem
Acta Paulista de
Enfermagem
2005
Maria Abadia Leite; Vanessa da Silva
Carvalho Vila
Enfermagem
Rev. Latino-Am.
Enfermagem
2005
Suely Ferreira Deslandes
Saúde Coletiva
Interface – Comunic.,
Saúde, Educ.
2005
Rosemary Silva da Silveira; Valéria
Lerch Lunardi; Wilson Danilo Lunardi
Enfermagem
Texto Contexto
Enferm.
2005
O saber e a tecnologia: mitos de um Centro de
Tratamento Intensivo
Análise do discurso oficial sobre a humanização da
assistência hospitalar
A distanásia como geradora de dilemas éticos nas
Unidades de Terapia Intensiva: considerações sobre a
participação dos enfermeiros
Dificuldades vivenciadas pela equipe multiprofissional na
Unidade de Terapia Intensiva
O projeto ético político da humanização: conceitos,
métodos e identidade
Uma tentativa de humanizar a relação da equipe de
enfermagem com a família de pacientes internados na
103
UTI
Filho; Adriane M. Netto de Oliveira
Kenneth Rochel Camargo Jr.
Saúde Coletiva
Physis: Rev. Saúde
Coletiva
2005
Beatriz Aparecida Ozello Gutierrez;
Maria Helena Trench Ciampone
Enfermagem
Acta Paul Enferm.
2006
Kátia Poles; Regina Szylit Bousso
Enfermagem
Rev. Latino-Am.
Enfermagem
2006
Dirce Stein Backes; Wilson D. Lunardi
Filho; Valéria Lerch Lunardi
Enfermagem
Rev. Esc. Enf. USP
2006
Rachel Duarte Moritz
Medicina
RBTI
2007
Número de horas de cuidados de enfermagem em
Unidade de Terapia Intensiva adultos
Ana Maria Tranquitelli; Maria Helena
Trench Ciampone
Enfermagem
Rev. Esc. Enf. USP
2007
Intensive Care Units cultures and end of life decision
making
Judith Gedney Baggs; Sally A. Norton;
Madeline H. Schmitt; Mary T.
Dombeck; Craig R. Sellers; Jill R.
Quinn
Enfermagem
J. Crit. Care
2007
Cuidado humanizado de enfermagem: o agir com respeito
em um hospital universitário
Ingrid de Almeida Barbosa; Maria Júlia
Paes Silva
Enfermagem
Rev. Bras. Enferm.
2007
Cuidado humanizado em terapia intensiva: um estudo
Joselany Áfio Caetano; Enedina Soares;
Enfermagem
Esc. Anna Nery R.
2007
A biomedicina
Profissionais de enfermagem frente ao processo de morte
em Unidades de Terapia Intensiva
Compartilhando o processo de morte com a família: a
experiência da enfermeira na UTI pediátrica
O processo de humanização do ambiente hospitalar
centrado no trabalhador
Como melhorar a comunicação e prevenir conflitos nas
situações de terminalidade na Unidade de Terapia
Intensiva
104
reflexivo
Enferm.
Luciene Miranda de Andrade; Roberta
Maria da Ponte
Serafim Barbosa Santos Filho
Saúde Coletiva
Ciência & Saúde
Coletiva
2007
A autonomia do paciente no processo terapêutico como
valor para a saúde
Jussara Calmon Reis de Souza Soares;
Kenneth Rochel Camargo Jr.
Saúde Coletiva
Interface - Comunic.,
Saúde, Educ.
2007
O enfermeiro frente ao paciente fora de possibilidades
terapêuticas oncológicas: uma revisão bibliográfica
Jacqueline Camilo da Costa; Kassandra
Lopes; Dienne Margaria Caetano
Rebouças; Ludmila do Nascimento
Rodrigues Carvalho; Juliana Furtado
Lemos; Orcélia P. Sales C. Lima
Enfermagem
Revista Vita et Sanitas
2008
Rosãngela Zampieri Pina; Luciane
Ferrira Lapchinsk; Jussara Simone
Lenzi Pupulim
Enfermagem
Cienc. Cuid. Saude.
2008
Roberto Carlos Lyra da Silva; Isaura
Setenta Porto; Nébia Maria Almeida de
Figueiredo
Enfermagem
Esc. Anna Nery R.
Enferm.
2008
Lúcia M. Beccaria; Roberta Ribeiro;
Giovanna L. Souza;
Nathalia Scarpetti; Lígia M. Contrin;
Roseli A.M. Pereira;
Ana Maria S. Rodrigues
Enfermagem
Arq. Ciênc. Saúde
2008
Perspectivas da avaliação na Política Nacional de
Humanização em Saúde: aspectos conceituais e
metodológicos
Percepção de pacientes sobre o período de internação em
Unidade de Terapia Intensiva
Reflexões acerca da assistência de enfermagem e o
discurso de humanização em terapia intensiva
Visita em Unidades de Terapia Intensiva: concepção dos
familiares quanto à humanização do atendimento
105
Waldir da Silva Souza; Martha Cristina
Nunes Moreira
Saúde Coletiva
Interface - Comunic.,
Saúde, Educ.
2008
Por uma etnografia dos cuidados de saúde após a alta
hospitalar
Edna Aparecida Barbosa de Castro;
Kenneth Rochel Camargo Jr.
Enfermagem; Saúde
Coletiva
Ciência & Saúde
Coletiva
2008
Percepção de enfermeiros sobre dilemas éticos
relacionados a pacientes terminais em Unidade de Terapia
Intensiva
Adriano Aparecido Bezerra Chaves;
Maria Cristina Komatsu Braga
Massarollo
Enfermagem
Rev. Esc. Enf. USP
2009
Geraldo Magela Salomé; Maria de
Fátima Moraes Salles Martins; Vitória
Helena Cunha Espósito
Enfermagem
Rev. Bras. Enferm.
2009
Mertieli Sulzbacher;
Anelise Vieira Reck;
Eniva Miladi Fernandes Stumm;
Leila Mariza Hildebrandt
Enfermagem
Scientia Medica
2009
Patrícia Gisele Sanches; Maria Dalva de
Barros Carvalho
Enfermagem
Rev. Gaúcha Enferm.
2009
Distanásia, eutanásia e ortotanásia: percepções dos
enfermeiros de Unidades de Terapia Intensiva e
implicações na assistência
Chaiane Amorim Biondo; Maria Júlia
Paes da Silva; Lígia Maria Dal Secco
Enfermagem
Rev. Latino-Am.
Enfermagem
2009
Humanização em Unidade de Terapia Intensiva adulto:
compreensões da equipe de enfermagem
Silvio Cruz Costa; Maria Renita Burg
Figueiredo; Diego Schaurich
Enfermagem
Interface – Comunic.,
Saúde, Educ.
2009
Luiz Augusto de Paula Souza; Vera
Ciências Humanas e
Interface – Comunic.,
2009
A temática da humanização na saúde: alguns
apontamentos para debate
Sentimentos vivenciados pelos profissionais de
enfermagem que atuam em unidade de emergência
O enfermeiro em Unidade de Terapia Intensiva
vivenciando e enfrentando situações de morte e morrer
Vivência dos enfermeiros de Unidade de Terapia
Intensiva frente à morte e o morrer
O conceito de humanização na Política Nacional de
106
Humanização
Lúcia Ferreira Mendes
da Saúde
Saúde, Educ.
Rosangela de Oliveira; Sônia Ayako
Tao Maruyama
Enfermagem
Rev. Eletr. Enf.
2009
Ruben Araújo de Mattos
Saúde Coletiva
Interface – Comunic.,
Saúde, Educ.
2009
Laura Johanson da Silva; Leila Rangel
da Silva; Marialda Moreira Christoffel
Enfermagem
Rev. Esc. Enf. USP
2009
Perfil e gravidade dos pacientes das Unidades de Terapia
Intensiva: aplicação prospectiva do escore APACHE II
Eliane Regina Ferreira Sernache de
Freitas
Fisioterapeuta
Rev. Latino-Am.
Enfermagem
2010
Estudo fenomenológico sobre a vivência da morte em
uma Unidade de Terapia Intensiva neonatal
Laureana Cartaxo Salgado Pereira
Silva; Cecília Nogueira Valença;
Raimunda Medeiros Germano
Enfermagem
Rev. Bras.
Enfermagem
2010
Kátia Maria Oliveira de Souza; Suely
Deslandes Ferreira
Psicologia Médica
Ciência & Saúde
Coletiva
2010
Severina Alice da Costa Uchôa;
Kenneth Rochel Camargo Jr.
Saúde Coletiva
Ciência & Saúde
Coletiva
2010
Marina Soares Mota; Giovana Calcagno
Gomes; Monique Farias Coelho; Wilson
Danilo Lunardi Filho; Lenice Dutra de
Sousa
Enfermagem
Rev. Gaúcha Enferm.
2011
Princípio da integralidade numa UTI pública: espaço e
relações entre profissionais de saúde e usuários
Princípios do SUS e a humanização das práticas de saúde
Tecnologia e humanização na Unidade de Terapia
Intensiva neonatal: reflexões no contexto do processo
saúde-doença
Assistência humanizada em UTI neonatal: os sentidos e
as limitações identificadas pelos profissionais de saúde
Os protocolos e a decisão médica: medicina baseada em
vivências e ou evidências?
Reações e sentimentos de profissionais da enfermagem
frente à morte dos pacientes sob seus cuidados
107
Janaína Gomes Perbone; Emília
Campos de Carvalho
Enfermagem
Rev. Bras. Enferm.
2011
Cuidando do paciente no processo de morte na Unidade
de Terapia Intensiva
Rudval Souza da Silva; Ana Emília
Rosa Campos; Álvaro Pereira
Enfermagem
Rev. Esc. Enf. USP
2011
A integralidade na formação dos profissionais de saúde:
tecendo valores
Gabriela Guerra Gonze; Girlene Alves
da Silva
Saúde Coletiva
Physis Revista de
Saúde Coletiva
2011
Autonomia e cuidado em terapia intensiva pediátrica: os
paradoxos da prática
Maria Cristina Senna Duarte; Martha
Cristina Nunes Moreira
Saúde Coletiva
Interface – Comunic.,
Saúde, Educ.
2011
A dialética humanização-alienação como recurso à
compreensão crítica da desumanização das práticas de
saúde: alguns elementos conceituais
Competência profissional do enfermeiro para atuar em
Unidades de Terapia Intensiva: uma revisão integrativa
Rogério Miranda Gomes; Lilia Blima
Schraiber
Saúde Coletiva
Interface - Comunic.,
Saúde, Educ.
2011
Silvia Helena Henriques Camelo
Enfermagem
Rev. Latino-Am.
Enfermagem
2012
End of life care in the intensive care setting: a descriptive
exploratory qualitative study of nurses' beliefs and
practices
Kristen Ranse; Patsy Yates; Fiona
Coyer
Enfermagem
Australian Critical
Care
2012
Perspective of physicians and nurses regarding end of life
care in the Intensive Care Unit
Emir Festic; Michael E. Wilson; Ognjen
Gajic; Gavin D. Divertie; Jeffrey T.
Rabatin
Medicina
J. Intensive Care Med.
2012
Sentimentos do estudante de enfermagem em seu
primeiro contato com pacientes
108