pdf - Direitos Culturais

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TOMBAMENTO: SISTEMATIZAÇÃO NO DIREITO PÁTRIO E NO
ESTADO DO PARANÁ1
TIPPING: SYSTEMATIZATION IN THE NATIONAL RIGHT AND IN
THE STATE OF PARANÁ
Renato Lovato Neto 2
Resumo: A tutela do patrimônio cultural parte da Carta Magna de 1988 para legislação
infraconstitucional e na análise desta proteção, o tombamento surge como o mecanismo mais
importante para sua concretização. O tombamento consiste em uma intervenção restritiva ao
direito de propriedade por parte do Estado e limita direitos parciais deste direito fundamental,
sem, contudo, inibir o proprietário do direito de usar, fruir e dispor de seu bem, mas sim
afetando direito o modo de realizar tais direitos. O tombamento surge como instrumento a ser
realizado por todos os entes federativos dentro de sua competência territorial e se consolida
como meio eficaz e próprio à tutela dos bens que se relacionam direta ou indiretamente à
identidade da sociedade, proteção esta extremamente necessária ao mundo moderno, a fim de
preservar a história e a cultura da sociedade passada e presente às presentes e futuras gerações.
O instituto do tombamento, no âmbito do Estado do Paraná, segue a sistemática ditada pelo
ordenamento pátrio, porém a sua efetivação está muito aquém do previsto, o que demonstra a
ineficácia da legislação e da atuação do Poder Público.
Palavras-chave: Patrimônio Cultural. Proteção Jurídica de Bens Culturais. Tombamento.
Intervenção na Propriedade Privada. Cultura.
Abstract: The protection of cultural heritage comes from the 1988 Constitution for
underconstitutional legislation and analysis of this protection, the tipping appears to be the most
important mechanism making this a reality. The preservation action consists in a restriction on
the right of property by the state and limits partial rights of this fundamental right, without,
however, inhibit the owner the right to use, enjoy and dispose of its good, but affects the ways
to accomplish such rights. The tipping arises as a tool to be performed by all federal entities
inside your territorial jurisdiction and strengthened as an effective and proper protection of the
assets that relate directly or indirectly to the identity of society, a protection that is muchneeded to the modern world, in order to preserve the history and culture of the society past and
present to the present and future generations. The institution of tipping in the State of Paraná
follows the systematic dictated by the national order, but its effectiveness is much less than
expected, which demonstrates the ineffectiveness of the legislation and the performance of the
government.
Keywords: Cultural Heritage. Legal Protection of Cultural Property. Tipping. Intervention in
Private Property. Culture.
1 INTRODUÇÃO
O anseio de concretizar o desenvolvimento econômico nos Estados modernos resultou no
abandono de determinados fatores fundamentais para o igualmente importante
desenvolvimento social.
1
2
Artigo elaborado como um compêndio da legislação vigente e da doutrina em relação ao tombamento.
Acadêmico do Curso de Direito da Universidade Estadual de Londrina – UEL, membro associado do CONPEDI.
Os processos que viabilizaram o crescimento econômico (ou seja, o desenvolvimento sem
preocupação social) ignoraram componentes tanto do meio ambiente natural como do artificial.
Destarte, algumas centenas de anos de uso irresponsável dos recursos naturais
(instrumentalizado pelo sistema capitalista e predatório de produção) resultaram na degradação
da água, ar, solo, fauna, flora, entre outros elementos naturais, assim como também no descaso
a um grupo especial de bens difusos, denominado patrimônio cultural – que, assim como o
meio ambiente natural, requer cuidado específico, com o objetivo de preservar a memória e a
herança histórica da humanidade.
A pesquisa objetiva ser um ponto de partida para qualquer pesquisa sobre o tema, seja
para a área do Direito Ambiental, seja para Administrativo, demonstrando tanto o lado do
patrimônio cultural sendo meio ambiente cultural como sendo objeto de incidência do instituto
do tombamento.
O tombamento surge em meio de outros instrumentos constitucionalmente previstos
como um dos mais antigos e eficazes instrumentos que sirvam à tutela de bens relacionados à
história e à cultura de um povo, e se consolida como mecanismo vastamente empregado interna
e externamente.
A realização do fim a qual o presente estudo se compromete pressupõe a assimilação
sistemática dos estudos de vários doutrinadores e suas respectivas análises do tombamento –
assim como o repertório legal vigente que os compõem.
Para alcançar a finalidade já exposta, o trabalho apresenta a conceituação de patrimônio
cultural e sua relação com o Direito Ambiental e com o Direito Administrativo. Assim sendo,
como se caracteriza como um trabalho com afinidade à ciência do direito, explora o tema da
proteção jurídica dos bens culturais, a quem compete esta proteção e o instrumento eficiente
per se disponível para tal, qual seja, o tombamento.
2 CONCEITO DE PATRIMÔNIO CULTURAL
O Decreto-Lei 25/37 define o patrimônio histórico e artístico nacional em seu artigo 1º
como “o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de
interêsse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por
seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico” (sic), trazendo
como elementos característicos o interesse público e a vinculação à história nacional.
A Constituição Federal de 1988 estabelece em seu art. 216 uma conceituação mais
abrangente e a par das demandas da sociedade contemporânea. Ora, a definição constitucional
engloba todas as formas de cultura, ou seja, não há nenhuma restrição a qualquer manifestação
da identidade cultural do povo brasileiro, além de alcançar todos os bens, independentemente
de terem sido criados por intervenção do ser humano, como bem ressalta Celso Antonio
Pacheco Fiorillo (Fiorillo, 2008, p. 253). Segue o artigo:
Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e
imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à
identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade
brasileira, nos quais se incluem:
I – as formas de expressão;
II – os modos de criar, fazer e viver;
III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às
manifestações artístico-culturais;
V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico,
arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
(...).
O bem integrante do patrimônio cultural pressupõe a existência do interesse público em
sua tutela, como também a vinculação (mesmo que indireta) com a identidade dos diversos
grupos sociais que constituem a sociedade brasileira (Fiorillo, 2008, p. 253).
Cabe acrescentar que o rol de bens passíveis de serem considerados como patrimônio
cultural listado na Constituição Federal não é exaustivo. Destarte, outras formas de expressão
da identidade nacional podem ser determinadas como bens dignos de tutela por parte do poder
público, bastando que haja o interesse público em sua proteção.
A proteção dessa espécie de patrimônio viabiliza a transmissão da herança cultural das
gerações passadas preservada para as gerações presentes e futuras, transferência esta
assegurada como dever do Estado pela Constituição Federal, no caput do artigo 215, ao dispor
que “o Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da
cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais”.
O patrimônio cultural consiste na gama de bens móveis e imóveis (incluindo bens
imateriais) que abrange museus, obras de arte, bibliotecas, imóveis históricos, hinos, danças,
entre outros elementos e expressões culturais que partilham de particular identificação com a
história do homem e que representam a interação entre o meio ambiente natural e o social do
homem, que resulta nas diversas formas de manifestação presentes em todos os meios sociais.
3 PROTEÇÃO JURÍDICA DO PATRIMÔNIO CULTURAL
O artigo 216, §1o, da Constituição de 1988 determina que:
Art.216. (...)
§1o O poder público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o
patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância,
tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação.
(...).
Por meio do supracitado parágrafo, a Carta Magna preocupa-se em – além de delegar ao
Poder Público o poder-dever de proteger o patrimônio cultural – definir a natureza jurídica de
bem difuso do patrimônio cultural ao estender a toda a comunidade o dever de preservar os
bens assim denominados.
O artigo 225 caput da Constituição da República Federativa do Brasil ainda assegura a
responsabilidade e cooperação intergeracional quanto à proteção do meio ambiente, ao dispor
que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e impõe ao Poder Público e
à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Portanto, com o artigo 225, a Constituição Federal delega o dever de proteger o meio ambiente
natural e cultural não apenas para a comunidade presente, mas também para as gerações que
estão por vir:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso
comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e
à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
(...).
4 TOMBAMENTO
O tombamento é o instrumento jurídico mais utilizado na proteção de bens culturais e um
dos mais antigos positivados no ordenamento jurídico nacional, regido pelo Decreto-Lei 25 de
30.11.1937.
A expressão “tombamento” deriva do direito português, que emprega a palavra “tombar”
para designar atos de registros, inventários ou inscrição nos arquivos do Reino, guardados na
Torre do Tombo (Meirelles apud Di Pietro, 2005, p.133), com a manutenção do termo pelo
legislador brasileiro elogiada por Meirelles (2008, p. 583), que entende que “começou, assim, a
preservar o nosso patrimônio lingüístico, dando o exemplo aos que vão cumprir a lei”.
O instituto do tombamento consiste no procedimento administrativo pelo qual o Poder
Público – com o objetivo de proteger o patrimônio artístico, histórico e cultural cuja
conservação seja de interesse público – impõe restrições parciais ao direito de propriedade,
através da inscrição de determinado bem em seu respectivo Livro do Tombo.
O processo de tombamento consiste em uma restrição parcial e nunca impede
totalmente o exercício do direito de propriedade, não cabendo então indenização por
tombamento de um bem. Se a proteção do patrimônio cultural pressupõe a neutralização total
dos direitos do proprietário, compete ao Estado desapropriar o território onde se encontra o
bem e indenizar o proprietário, a fim de compensar o prejuízo decorrente do tombamento e
decorrente desapropriação.
O artigo 4º da Lei do Tombamento de 1937 pressupõe que os bens culturais que se
caracterizam como partes integrantes do patrimônio cultural nacional devem ser inscritos em
um dos Livros do Tombo, com a previsão de quatro espécies:
Art. 4º.
(...)
1º) no Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico, as coisas
pertencentes às categorias de arte arqueológica, etnográfica, ameríndia e popular (...);
2º) no Livro do Tombo Histórico, as coisas de interesse histórico e as obras de arte
histórica;
3º) no Livro do Tombo das Belas-Artes, as coisas de arte erudita nacional ou
estrangeira;
4º) no Livro do Tombo das Artes Aplicadas, as obras que se incluírem na categoria
das artes aplicadas, nacionais ou estrangeiras.
(...).
A inexistência do tombamento não significa que o bem não seja considerado parte
integrante do patrimônio cultural nacional e que assim não seja passível de ser protegido pelo
Estado, ou seja, o tombamento, como já discorrido, não é o único instrumento de tutela do meio
ambiente cultural, e sim o único instituto que implica o registro do bem cultural no competente
Livro do Tombo (Fiorillo, 2008, p. 257) e que materializa determinados impedimentos ao
proprietário, detentor, possuidor e vizinhos do bem, consistindo, por fim, no meio mais
eficiente de proteção.
O tombamento pode ser instituído por lei (tanto Federal como Estadual ou Municipal),
com a vantagem de que esta espécie poderá apenas ser revogada por ato do Legislativo, com
respeito à competência legislativa de cada um dos entes federados. O dispositivo pode ser
contestado judicialmente por Ação Direta de Inconstitucionalidade, o que não caracteriza de
fato uma revogação, uma vez que lei inconstitucional é inválida e em nenhum momento apta a
produzir efeitos.
Machado (2004, p. 900) ressalta que não há qualquer vedação constitucional a que o
tombamento seja realizado por ato legislativo nem proibição de legislar-se casuisticamente
sobre o tombamento, tendo, assim, como vantagem o fato de que o desfazimento da medida tão
somente poderá ser realizado por atos do próprio Legislativo que deu origem ao tombamento,
existindo maior consenso de vontades na decretação do tombamento como em seu
cancelamento.
In contrario sensu, Carvalho Filho (2009, p. 764), declara que:
O tombamento é ato tipicamente administrativo, através do qual o Poder Público,
depois de concluir formalmente no sentido de que o bem integra o patrimônio público
nacional, intervém na propriedade para protege-lo de mutilações e destruições. Trata-
se de atividade administrativa, e não legislativa. (...) Ora, a lei que decreta um
tombamento não pressupõe qualquer possibilidade de controle desse ato, (...)
qualificada como lei de efeitos concretos, ou seja, a lei que (...) representa
materialmente um mero ato administrativo. (grifo do autor)
Meirelles (2008, p. 584), do mesmo modo, se coloca contrário à lei que decreta
tombamento ao discorrer que “(...) o tombamento em si é ato administrativo da autoridade
competente, e não função abstrata da lei, que estabelece apenas as regras para a sua efetivação”.
Os autores do presente artigo compartilham o entendimento de Machado (2004, p. 900),
por assegurar a ampliação da extensão da tutela do patrimônio cultural, permitindo tanto aos
órgãos parlamentares e colegiados quanto à Administração Pública o apontamento de que
determinado bem é merecedor da proteção despendida pelo tombamento, muito mais consoante
aos princípios e às normas constitucionais – o que coloca à frente de discussões sem propósito
quanto à natureza e competência dos atos do Poder Público a garantia dos direitos fundamentais
e dos mandamentos da Carta Magna, tais como o direito à cultura e a função social da
propriedade.
Ademais, o procedimento mais usual para a efetivação do tombamento resulta de ato do
Poder Executivo e é previsto na Lei do Tombamento de 1937. O tombo ainda pode provir de
via jurisdicional, resultado da disposição do artigo 216 da Constituição Federal de 1988, que
exige a participação do Poder Público com a colaboração de toda a comunidade na preservação
do patrimônio cultural.
4.1 Modalidades
Quanto ao procedimento ou constituição, o tombamento de bens públicos ou difusos se
realiza de ofício, com previsão no artigo 5o do Decreto-Lei 25/37, e basta a notificação para a
produção de efeitos:
Art. 5º. O tombamento dos bens pertencentes à União, aos Estados e aos Municípios
se fará de ofício por ordem do Diretor do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional, mas deverá ser notificado à entidade a quem pertencer, ou sob cuja guarda
estiver a coisa tombada, a fim de produzir os necessários efeitos.
O tombamento de bens particulares pode ser voluntário ou compulsório, de acordo com o
artigo 6º do Decreto-Lei 25/37, que dispõe que “o tombamento de coisa pertencente à pessoa
natural ou à pessoa jurídica de direito privado se fará voluntária ou compulsoriamente”.
A supracitada norma de 1937 prevê em seu artigo 7º que o tombamento do bem particular
será voluntário quando o proprietário requerer o tombamento (a coisa deve ser compatível com
os requisitos necessários para constituir parte integrante do patrimônio artístico e histórico
nacional) ou quando concordar por escrito com a notificação que se lhe fizer para a inscrição do
bem em qualquer dos Livros do Tombo.
A Lei do Tombamento de 1937 dispõe, em seus artigos 8º e 9º, que o tombo será
compulsório quando feito por iniciativa do Poder Público e o proprietário se recusar a anuir à
inscrição da coisa ou não se pronunciar (anuência tácita), ou seja, o tombamento é efetivado
mesmo contra a vontade do proprietário.
Carvalho Filho (2009, p. 763) escreve que:
Voluntário é aquele em que o proprietário consente no tombamento, seja através de
pedido que ele mesmo formula ao Poder Público, seja quando concorda com a
notificação que lhe é dirigida no sentido da inscrição do bem. O tombamento é
compulsório quando o Poder Público inscreve o bem como tombado, apesar da
resistência e do inconformismo do proprietário.
O artigo 10 do Decreto-Lei 25/37 distingue o tombamento de bens particulares quanto à
eficácia, podendo o tombamento (compulsório ou voluntário) ser provisório ou definitivo. Em
seu parágrafo único, impõe que o tombamento provisório (decorrente da notificação do
proprietário) produz os mesmos efeitos que o definitivo (inscrito em seu respectivo Livro do
Tombo):
Art. 10. O tombamento dos bens, a que se refere o art. 6º desta lei, será considerado
provisório ou definitivo, conforme esteja o respectivo processo iniciado pela
notificação ou concluído pela inscrição dos referidos bens no competente Livro do
Tombo.
Parágrafo único – Para todos os efeitos (...), o tombamento provisório se equipará ao
definitivo.
Carvalho Filho (2009, p. 763) destaca que o tombamento provisório ocorre enquanto está
em marcha o processo administrativo que se inicia com a notificação e o definitivo se
estabelece com a conclusão do processo, com a inscrição do bem no Livro do Tombo adequado
– trazendo o autor ainda julgado do Superior Tribunal de Justiça que considera o tombamento
provisório não como fase procedimental, mas como medida assecuratória de preservação do
bem até a conclusão dos pareceres dos órgãos consultivos e a inscrição no Livro do Tombo 3,
não obstante o jurista discorde da posição do STJ e conclua que, embora o tombamento
provisório também englobe um caráter preventivo, na realidade constitui de fato fase
processual, pois decretado é antes do final do procedimento total, que somente se encerra com
o definitivo.
Quanto à abrangência do tombamento a um ou vários bens, este pode ser individual
(abrange apenas um bem determinado e singular) ou geral (alcança vários bens localizados em
determinados limites previstos no ato). Ora, a supracitada classificação merece cair em desuso,
na medida em que não reflete as características reais do tombamento e, assim, acordamos com
os ensinamentos de Carvalho Filho (2009, p. 763) acerca do assunto:
O tombamento, segundo nos parece, tem sempre caráter individual, vale dizer, os
feitos do ato alcançam diretamente apenas a esfera jurídica do proprietário de
determinado bem. O dito tombamento geral seria ato limitativo de natureza genérica e
abstrata incongruente com a natureza do instituto. Quando várias edificações de um
bairro ou uma cidade são alvo de tombamento, tal ocorre porque foi considerada cada
uma delas per se como suscetível de proteção histórica ou cultural. (...) se um dos
imóveis dentro do agrupamento não mais tiver a peculiaridade histórica que reveste os
demais (...), tal imóvel não poderá ser tombado (...).
4.2 Efeitos
A Lei de Tombamento de 1937 institui os efeitos do tombamento em seu Capítulo III,
que atingem o proprietário, os proprietários de imóveis vizinhos e o Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional (IPHAN).
Os efeitos em relação ao proprietário e ao possuidor consistem na restrição quanto ao
modo de usar, fruir e dispor do bem, de forma a ser compatível com a preservação de sua
identidade, bem como a manutenção e eventual recuperação do bem tombado (Marçal, 2009, p.
524).
O referido capítulo prevê obrigações positivas do proprietário do bem tombado, isto é, o
dever de atuação no sentido de conservar e proteger o patrimônio e, se não tiver meios para
realizar tal fim, comunicar à autoridade competente.
As obrigações negativas (não atuar ou abstenção) do proprietário resultantes do
tombamento impedem o proprietário de destruir, demolir ou mutilar o bem tombado, assim
como também não repará-los, pintá-los ou restaurá-los sem autorização do IPHAN.
3
RMS 8.252-SP, 2ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, julg. Em 22.10.2002.
Destarte, além de obrigações positivas e negativas, o proprietário da coisa tombada fica
sujeito à eventual fiscalização do bem pela autoridade competente, sendo obrigado a suportá-la
e não impor empecilhos à sua realização.
Os terceiros sofrem os efeitos do tombamento no sentido de que estes, que não são
proprietários nem possuidores do bem tombado, não podem usufruir de seus próprios bens de
modo a prejudicar o tombado (Marçal, 2009, p. 525).
Os proprietários dos imóveis vizinhos sofrem restrições para a construção de edificações
em sua propriedade, como prevê o artigo 18 da Lei de Tombamento:
Art. 18. Sem prévia autorização do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional, não se poderá, na vizinhança da coisa tombada, fazer construção que lhe
impeça ou reduza a visibilidade, nem nela colocar anúncios ou cartazes (...).
Machado (2004, p. 887) disserta e critica o dispositivo da Lei do Tombamento:
Procurou-se proteger a visibilidade da coisa tombada, seja monumento histórico,
artístico ou natural. O monumento ensina pela presença e deve poder transmitir uma
fruição estética mesmo ao longe. Não só o impedimento total da visibilidade está
vedado, como a dificuldade ou impedimento parcial de se enxergar o bem protegido.
Nota-se que a vizinhança passou a ser tutelada a ponto de Pontes de Miranda ensinar:
“aí está, a favor do titular do direito de propriedade da coisa tombada, direito de
vizinhança, não previsto no Direito das coisas. Trata-se de direito público de
vizinhança.” (...) Parece-nos tímida a proteção do bem tombado, pois só se lhe
resguarda a visão, podendo a vizinhança deixar de apresentar homogeneidade com a
coisa a ser alterada de modo prejudicial. Duas situações podem ocorrer: as adjacências
do bem tombado já estão desfiguradas quando do tombamento, ou passam a ser
transformadas após o tombamento. Ora, com a legislação (...) não se deram meios à
Administração para impedir a alteração ou exigir a adaptação integrativa da
vizinhança. (...) A legislação federal não mencionou a área onde incidem as limitações
de não edificar e de não se colocarem cartazes ou anúncios. Agiu acertadamente, pois
depende da topografia do terreno para se saber qual a metragem a ser observada.
Contudo, há uma lacuna a ser preenchida, pois não se previu a obrigatoriedade de um
plano urbanístico ou rural para apontar, em cada caso, a área abrangida. (...) Outra
falta é a ausência de obrigação de ser transcrita a limitação no Cartório do Registro de
Imóveis.
Os efeitos em relação ao Poder Público configuram as providências que lhe caibam,
como o dever geral de fiscalização e o custeio de obras e serviços necessários à preservação e
manutenção do bem quando o proprietário não dispuser dos recursos para tanto e assim o
comunicar ao Estado, que tem o direito de preferência para aquisição do bem privado na
ocasião de sua alienação, que será nula se não for oferecido à Administração em tempo hábil
(Marçal, 2009, p. 524).
O IPHAN assume obrigações no sentido de conservar o bem quando o proprietário não
puder fazê-lo ou providenciar para que seja feita a desapropriação do bem e, se não efetivar
estes atos, o proprietário pode requerer o cancelamento do tombamento, como previsto no
artigo 19 do Decreto-Lei 25/37. Ademais, a coisa tombada deve ser permanentemente
fiscalizada e inspecionada sempre que julgado conveniente, como dispõe o artigo 20:
Art. 20. As coisas tombadas ficam sujeitas à vigilância permanente do Serviço do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, que poderá inspecioná-las sempre que for
julgado conveniente, não podendo os respectivos proprietários ou responsáveis criar
obstáculos à inspeção (...).
Machado (2004, p. 889) discorre que o artigo 215 da Constituição Federal de 1988, ao
colocar como dever do Estado o amparo da cultura, retirou a característica facultativa desta
proteção, determinando-a como uma obrigação ao Poder Público e constituindo as bases de um
poder de polícia do patrimônio cultural, onde a intervenção estatal configura um poder-dever
indelegável à ação privada.
Ademais, Machado (2004, p. 898) relata que o tombamento gera a co-responsabilidade do
Poder Público que tenha tombado a coisa junto ao proprietário quanto à conservação (antes do
prejuízo, preventivamente, e depois também) e reparação do bem, atribuindo dois requisitos
para tal, quais sejam, de que o dano não tenha sido causado pelo proprietário – a legislação não
determina se o Estado pode cobrar do proprietário a reparação do dano causado por ele, porém
da interpretação sistemática do ordenamento resulta tal poder, como manifestação da
competência do Poder Público de fiscalização – e que a reparação seja necessária (conforme o
artigo 19, §1º, do Decreto-lei n.º 25/1937), não podendo a Administração se recusar a proceder
a obra ou o serviço alegando ausência de recursos – a desnecessidade caracteriza a única
justificativa para a não realização.
Por fim, Meirelles (2008, p. 587) disserta que os bens tombados somente podem ser
desapropriados para a manutenção do próprio tombamento, o que restringe mesmo as entidades
maiores de expropriar bens tombados por entes menores enquanto não for cancelado o
tombamento.
4.3 Natureza jurídica
Machado (2004, p. 894) resume as correntes doutrinárias que versam sobre a natureza
jurídica do tombamento em seis teses, quais sejam, as de que consiste em uma limitação ao
direito de propriedade, em uma servidão administrativa, em um domínio eminente do Estado,
em resultado do bem cultural como um bem imaterial, em uma propriedade com efetivação de
sua função social ou em um bem de interesse público:
José Cretella Júnior (...) acrescenta (...) “as (limitações) (...) de Direito Público têm
por objetivo a compatibilidade do direito do proprietário com os direitos subjetivos
públicos do Estado”. (...) Celso Antônio Bandeira de Mello entende que “sempre que
seja necessário um ato específico da Administração impondo um gravame, por
conseguinte criando uma situação nova, atingiu-se o próprio direito e, pois, a hipótese
é de servidão. (...) Hely Lopes Meirelles acentua que o “poder regulatório do Estado
exerce-se não só sobre os bens de seu domínio patrimonial como, também, sobre as
coisas e locais particulares, de interesse público (...)”. (...) Massimo Severo Giannini
concebe “(...) a natureza de bem imaterial (...)” (...) bem cultural (...) “atinge a coisa
como testemunho material de civilização, sobrepondo-se ao bem patrimonial que
impregna a mesma coisa, não influindo o regime de propriedade (...) sobre os trações
essenciais do bem cultural como objeto autônomo de tutela jurídica”. (...) Aldo
Sandulli observa que a “função social da propriedade se traduz essencialmente na
imposição ao titular do direito sobre a coisa de certa obrigação pessoal (mas ob rem),
tal como de tornar socialmente útil a titularidade privada do próprio direito (...)”.
(grifo nosso)
Destarte, Machado (2004, p. 896) fundamenta a sua teoria de que o tombamento
configura o bem como de interesse público no fato de que “o bem de propriedade privada pode
adquirir institucionalmente a finalidade de interesse público (...), e sujeitar-se a um regime
particular (...)”, e compartilha tal orientação com José Afonso da Silva.
Ainda, Carvalho Filho (2009, p. 762) conclui que tombamento possui natureza diversa
das mencionadas por Machado (2004, p. 894), a de instrumento especial de intervenção
restritiva do Estado na propriedade privada. Ora, diverge esta de limitação administrativa, pois
esta tem caráter geral, enquanto o tombamento tem caráter específico e concreto, tal como uma
intervenção especial em determinado bem.
Di Pietro (2005, p. 142), por sua vez, enquadra o tombamento em categoria própria, que
não se alinha à simples limitação administrativa ou à servidão.
A compreensão de Carvalho Filho nos parece muito mais propícia aos elementos típicos
do tombamento, sendo ele específico em cada tombamento, atingindo singularmente o bem e
seus vizinhos em cada caso concreto, bem como uma intervenção do Estado no direito
fundamental à propriedade do proprietário da coisa tombada.
Dessarte, discordamos da doutrina de Machado, na medida em que o bem tombado como
bem de interesse público consiste em mera característica do próprio imóvel ou móvel, sem se
relacionar diretamente com o âmago do instituto e sem revelar nenhuma particularidade quanto
ao seu revestimento no campo jurídico, bem como de Di Pietro que, embora tencione no
sentido de criar categoria individual ao tombamento dentre as restrições do Estado no direito de
propriedade nada faz além de dizer que tombamento é tombamento.
4.4 Indenização
O direito à indenização do proprietário advém da expropriação total dos direitos sob a
propriedade do dito indivíduo, constituindo verdadeiro problema quando o tombamento resulta
na limitação de direitos parciais que tangem o direito de propriedade, conforme Machado
(2004, p. 914), que distingue dois casos para averiguar quando o proprietário de um bem
tombado deve arcar sozinho com as despesas de ter sua propriedade limitada em benefício da
sociedade:
(...) quando a propriedade vinculada está inserida num contexto de outros bens
vinculados ou limitados; (...) quando a propriedade é escolhida individualmente para
ser vinculada, não havendo mais bens a serem preservados na vizinhança ou os bens
existente na vizinhança estão sujeitos a outro regime jurídico. (...) A) (...) a
propriedade imóvel, no caso, não está sendo sujeita a gravames e ônus de maneira
desigual a outras situadas em igual situação. (...) ocorre a possível generalidade da
limitação (...) e nada há a indenizar pelo Poder Público. (...) B) (...) uma
propriedade é escolhida solitariamente para ser preservada. (...) Diante dos ônus da
conservação de propriedades semelhantes e vizinhas, opta-se pela conservação de um
só ou de poucos bens em relação ao conjunto existente. Ora, de imediato é de
constatar que a limitação não está sendo geral no mesmo espaço geográfico. (...)
Charles Debbasch aponta como prejuízo indenizável o prejuízo especial, isto é,
“Aquele que deve atingir um número limitado de indivíduos. De outro lado, o prejuízo
geral atingindo o conjunto de cidadãos ou uma categoria de cidadãos não é
indenizável. Os cidadãos devem, com efeito, suportar cargas normais da vida social”.
(grifo nosso)
Assim, Machado (2004, p. 917) conclui que:
Havendo um certo grau de especialidade na limitação ao direito de propriedade, abrese o direito à indenização do proprietário “a menos que o legislador lhe tenha expressa
ou tacitamente retirado essa possibilidade”4. Ora, o legislador federal brasileiro não
retirou expressa ou tacitamente a possibilidade de o proprietário ser indenizado em
caso de tombamento.
Bandeira de Mello (2010, p. 912), em posição semelhante à de Machado (2004, p. 917),
reflete que:
Como regra, o tombamento exige uma indenização ao particular cujo bem seja
dessarte afetado. Sem embargo, quando abrange toda uma cidade ou quase toda (...),
os imóveis não se desvalorizam e o tratamento a que se sujeitam os administrados é
uniforme, inexistindo razão para que sejam indenizados, até porque, em muitos casos,
ocorrerá valorização dos imóveis atingidos. Pelo contrário, na esmagadora maioria dos
casos de tombamento pelo Patrimônio Histórico, quando são atingidos algum ou
alguns especificados bens há uma individualização do bem objeto de ato imperativo
da Administração, que traz consigo um prejuízo econômico manifesto para o
proprietário e, assim sendo, é de rigor que este seja indenizado.
4
No original, Paulo Affonso Leme Machado cita Georges Vedel, na obra Droit Administratif.
Meirelles (2008, p. 587), por sua vez, entende que o tombamento não resulta a priori em
indenização, salvo se:
(...) as condições impostas para a conservação do bem acarretam despesas
extraordinárias para o proprietário, ou resultam na interdição do uso do mesmo bem,
ou prejudicam sua normal utilização, suprindo ou depreciando seu valor econômico.
Se isto ocorrer é necessária a indenização, a ser efetivada amigavelmente ou mediante
desapropriação pela entidade pública que realizar o tombamento, conforme o disposto
no art. 5º, “k”, do Dec.-lei 3.365/41, que considera dentre os casos de utilidade pública
“a preservação e conservação dos monumentos históricos e artísticos” (...).
Tombamento não é confisco. É preservação de interesse da coletividade imposta pelo
Poder Público em benefício de todos (...).
Figueiredo (2004, p. 305) assimila a possibilidade de indenização no mesmo sentido e,
por fins de explanação, estabelece três hipóteses:
a) o bem fica, mercê do tombamento, totalmente inútil ao particular, que , a par das
obrigações de não fazer, deverá arcar com as de fazer (...); b) (...) o bem tombado ficar
com sua utilização apenas parcialmente reduzida; c) (...) nenhum prejuízo ocorrer ao
proprietário pelo tombamento. (...) chegamos às conclusões seguintes: 1. Se a
propriedade privada for totalmente aniquilada, mercê do tombamento, por agredir esta
situação o dispositivo constitucional de ampla proteção à propriedade (art. 5º, inciso
XXII), somente com “restrições” ali apostas, entendemos configurar-se autêntico caso
de desapropriação – na hipótese, “desapropriação indireta”, que se resolveria com a
indenização correspondente. 2. Se a propriedade privada tiver diminuída sua
possibilidade de utilização, deverá o Poder Público constituir uma servidão,
indenizando o proprietário na proporção em que este for atingido pela medida do
tombamento. Neste caso, estaremos diante de verdadeira servidão administrativa, ou
seja, de suas conseqüências. 3. (...) o tombamento não prejudicou seu proprietário.
Nada haverá a indenizar.
Assim sendo, aderimos a uma síntese das propostas destes ilustres juristas, quer dizer,
compreendemos o direito à indenização em caso de tombamento como fruto de despesas
extraordinárias que o ato acarreta ao proprietário ou com a inutilização econômica do bem
(quando o tombamento inibe o desenvolvimento de atividade econômica por parte do
proprietário) e, como parâmetro para a efetivação desta indenização, o critério de especialidade
do prejuízo, isto é, destas duas hipóteses de geração de direito à indenização, este somente se
concretizará quando o prejuízo for individual e singular – sem dizer respeito a um grupo de
bens localizados em determinado espaço que sofrem limitações e ônus equivalentes.
4.5 Patrimônio cultural e tombamento no Estado do Paraná
A Constituição Estadual do Estado do Paraná de 1989 (CEPR/89) traz em seu bojo
diversos dispositivos que refletem o objetivo de proteger o patrimônio cultural da Constituição
Federal de 1988, que aqui serão relacionados de forma breve, tão somente com o fim de
ressaltar o trabalho do Legislador estadual em sua função de proteger segmento tão importante
para a sociedade de um modo geral.
Em primeiro momento, quanto à competência, a CEPR/89 determina a competência
comum do Estado para com a União e os Municípios de “proteger os documentos, as obras e
outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais
notáveis e os sítios arqueológicos”, conforme o artigo 12, inciso III, que se relaciona
diretamente ao artigo 23, inciso III da CF/88, enquanto o artigo 13, inciso VII da Carta do
Estado prevê a competência concorrente com União para legislar sobre “proteção do
patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico”, do mesmo modo do artigo 24,
inciso VII, da Constituição Cidadã, enquanto a Constituição Estadual, novamente, recorre a CF
(artigo 30, inciso IX) para declarar, em seu artigo 17, inciso IX, que compete aos Municípios
“promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação
fiscalizadora federal e estadual”.
O artigo 19, §1º, inciso III, da CEPR/89, coloca como requisito para a criação de novo
município a preservação da continuidade e da unidade histórico-cultural do ambiente urbano e
o artigo 191 versa que:
Art. 191. Os bens materiais e imateriais referentes às características da cultura, no
Paraná, constituem patrimônio comum que deverá ser preservado através do Estado
com a cooperação da comunidade.
Parágrafo único. Cabe ao Poder Público manter, a nível estadual e municipal, órgão ou
serviço de gestão, preservação e pesquisa relativo ao patrimônio cultural paranaense,
através da comunidade ou em seu nome.
O diploma estadual, ao versar sobre o meio ambiente, no artigo 207, §1º, inciso XV,
decreta que o Poder Público deve garantir o direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado através de, dentre outras medidas, proteção do patrimônio de reconhecido valor
cultural, artístico, histórico, estético, faunístico, paisagístico, arqueológico, turístico,
paleontológico, ecológico, espeleológico e científico paranaense, prevendo sua utilização em
condições que assegurem a sua conservação, e o artigo 226 escreve que:
Art. 226. As terras, as tradições, usos e costumes dos grupos indígenas do Estado
integram o seu patrimônio cultural e ambiental, e como tais serão protegidos.
Parágrafo único. Esta proteção estende-se ao controle das atividades econômicas que
danifiquem o ecossistema ou ameacem a sobrevivência física e cultural dos indígenas.
O artigo 230, caput, da Constituição do Paraná prevê a criação de um Fundo Estadual de
Cultura mediante lei que será formado com recursos extra-orçamentários e gerido pelo
Conselho Estadual de Cultura vinculado à Secretaria de Estado da Cultura, sendo ele destinado
ao atendimento de pesquisa, produção artístico-cultural e preservação do patrimônio.
Ao lado da Constituição Estadual, há a Lei Estadual 1.211 de 16.09.1953, que dispõe
sobre o patrimônio artístico e histórico do Estado do Paraná e regula o tombamento, sendo
quase que completamente uma transmutação do Decreto-lei n.º 25/1937 e seus exatos
mandamentos (toda a classificação de tombamento, os Livros do Tombo, os efeitos, os direitos
e deveres do proprietário e do Poder Público, a abrangência aos bens vizinhos, vedações,
sanções administrativas, entre outros) para o nível estadual, trazendo, aliás, muitos artigos com
a exata redação da Lei de Tombamento.
O compromisso na proteção do patrimônio cultural estadual no âmbito do Estado do
Paraná se revela muitas vezes frágil e ineficaz, não obstante a vistosa legislação nos ditames do
moderno ordenamento jurídico pátrio, estabelecido sobre a égide de uma Constituição Federal
fundada em princípios, direitos fundamentais e proteção de direitos difusos e metaindividuais.
Na verdade, muitos bens estão em estado precário de manutenção ou a sua recuperação serviu
apenas para a prestação de serviços ou realização de obras superfaturadas, com vultosas
quantias de dinheiro público sendo empregadas para a concretização de reformas toscas e mal
planejadas.
O Estado do Paraná transborda de exemplos de obras tombadas que não estão a par da
conservação que merecem e que não tem nenhuma ou quase nenhuma utilização de fato, tais
como o Cine Teatro Ouro Verde (sob os cuidados da Universidade Estadual de Londrina), que
sofreu consecutivas reformas que custaram aos cofres públicos, sofria com problemas de infraestrutura e estava aquém das necessidades para receber grandes espetáculos com conforto para
o público e artistas. O teatro, patrimônio cultural reconhecido pelo Estado do Paraná, foi
fechado em 2002 para uma reforma pelo projeto “Velho Cinema Novo” da Secretária de
Cultura do Estado do Paraná de acordo com relatório da Proplan (2012).
Todavia, a reforma inviabilizou tecnicamente o espaço para abrigar a exibição de filmes,
exigindo uma nova intervenção em 2003 segundo Agência Londrix (2012):
Uma comissão vistoriou o local em agosto de 2003 e entre os problemas detectados
estão uma deficiência no sistema de ar condicionado, o mau cheio exalado pelas
madeiras utilizadas no assoalho, problemas na rede elétrica e poltronas cujos assentos
soltam-se facilmente.
Do problema de preservação do Cine Teatro Ouro Verde adveio um acidente com o
sistema de eletricidade que culminou no incêndio que destruiu quase que totalmente a estrutura
do espaço (Jornal de Londrina, 2012), meses após ser fechado para uma nova reforma, no final
do ano de 2011.
Cabe ainda destacar a situação do prédio da Secretaria de Cultura, igualmente tombado
como patrimônio cultural pelo Município de Londrina, que constitui edifício historio projetado
por João Batista Vilanova Artigas, que está fechado desde 2010 para reformas. As obras estão
paradas, por falta de empresa interessada no empreendimento, e por falta de recursos,
aguardando o suporte do Banco Interamericano de Desenvolvimento, conforme Cruz (2012).
A cidade de Londrina, no norte do Estado do Paraná – segunda mais populosa cidade do
Estado e terceira do Sul do Brasil –,muito peca quanto à manutenção e recuperação de seu
patrimônio cultural, como se uma cidade de mais de três quartos de século de idade não tivesse
um patrimônio histórico para velar e manter às gerações futuras, passando por cima de sua
memória sem refletir sobre a importância desta preservação.
5 CONCLUSÃO
A obra conclui que o conceito de patrimônio cultural está disposto expressamente na
Constituição Federal, como todo bem material ou imaterial ligado à identidade, ação ou
memória dos diferentes grupos na sociedade brasileira, bem como o interesse público para o
Estado materializar a sua preservação. Portanto, dita descrição determina a abrangência e
importância da preservação do grupo de coisas em teses e o situa terminantemente como um
bem jurídico digno de tutela por todo o Direito pátrio, dada a sua relevância para a formação
cultural das presentes e futuras gerações.
A Carta Magna de 1988 prevê um poder-dever do Poder Público para a tutela do
patrimônio histórico e cultural, quer dizer, não consiste em mera faculdade do Administrador,
mas verdadeira obrigação. Ainda, o constituinte afirmou o trabalho conjunto entre o Estado e
toda a sociedade com fim de preservar e recuperar ditos bens e, para isso, arrola alguns
mecanismos, tais como o inventário, o registro, a vigilância, a desapropriação e, por fim e mais
relevante e eficaz, o tombamento.
A participação de toda a sociedade – prevista no artigo 215 da Constituição Federal de
1988 – proporciona, em conjunto com o Poder Público, os subsídios que viabilizam a tutela
eficaz dos bens culturais. Portanto, importa que a comunidade tome parte em procedimentos
que interfiram direta ou indiretamente na proteção desses bens difusos, uma vez que interessa
sua preservação tanto para as presentes gerações quanto para as futuras, que terão também o
direito de acesso às fontes culturais, direito fundamental este que pressupõe a conservação
eficiente desse patrimônio no presente.
O tombamento se consolida como o instrumento mais empregado e eficiente na
sistemática do Direito Administrativo no Brasil, pois não determina a limitação total do direito
de propriedade, não obstante restrinja o proprietário e a vizinhança a praticar atos que possam
descaracterizar o bem. Assim sendo, tombamento se configura como uma restrição parcial
(nunca total, sob pena de ser uma desapropriação indireta) do direito do proprietário despendida
pela Administração Pública com a inscrição do bem em seu respectivo Livro do Tombo –
podendo, é verdade, ser constituído não só por ato do Executivo, como também mediante lei e
até por decisão judicial, embora haja discórdia em meio aos doutrinadores.
Cabe ressaltar que a inexistência do tombamento do bem não significa necessariamente
que o bem não faz parte do patrimônio cultural brasileiro, estadual ou municipal, mas tão
somente que o processo de tombamento não foi realizado com relação aquela coisa singular,
seja por falta de interesse público, seja por falta de provocação do proprietário ou até por
inércia do próprio Estado.
A competência legislativa em relação ao tombamento é concorrente entre a União, os
Estados-membros e o Distrito Federal e a material é comum entre todos os entes federativos –
podendo o tombamento ser voluntário ou compulsório com relação aos bens privados e, no que
tange coisas públicas, um ente maior pode tombar bens de entes menores, embora a recíproca
não seja verdadeira e nem condizente com o pacto federativo, com ainda a divisão entre
tombamento provisório (a partir da notificação do processo administrativo) e definitivo (com a
inscrição no Livro do Tombo).
Os efeitos do tombamento se alastram tanto ao proprietário como aos vizinhos e até ao
Estado. O proprietário tem seu modo de usar, fruir e dispor de sua propriedade limitada no
sentido de preservar as características do bem que o identificam com a história e cultura,
enquanto, da mesma maneira, os proprietários de coisas vizinhas ao bem tombado não podem
usufruir de seus bens de forma a prejudicar o tombado e o Poder Público tem a obrigação de
fiscalizar e custear obras e serviços em determinadas circunstâncias, bem como tem o direito de
preferência diante da alienação onerosa de coisa tombada.
O cancelamento do tombamento pode se dar mediante recurso do proprietário ao
Presidente da República, dispositivo muito criticado por sobrepor a decisão monocrática do
Chefe do Executivo a um processo administrativo que segue todos os mandamentos do devido
processo legal e que finda com a decisão de um órgão colegiado, técnico e especializado.
Todavia, a previsão de recurso visa justamente garantir o due processo of law.
A natureza jurídica do tombamento, após análise das diversas correntes presentes na
doutrina pátria, se concretiza como a de instrumento especial de intervenção restritiva do
Estado na propriedade privada, pois advém da atuação do Poder Público restringindo
parcialmente os direitos inerentes à propriedade e se caracteriza como um mecanismo especial,
sem ser qualquer tipo de subespécie de servidão ou qualquer outro instrumento do tipo.
O trabalho revela que a indenização somente se torna cabível no tombamento quando
ocorrerem custos extraordinários ao proprietário para a conservação e manutenção do bem ou
quando inutilizar totalmente a sua exploração econômica, situação que, quando concretizadas,
serão mensuradas a partir da sombra de análise da especialidade do prejuízo, onde o dano
indenizável e tão somente o específico e singular.
Em curta análise da Constituição Estadual do Estado do Paraná de 1989 e da Lei de
Tombamento estadual, o compêndio conclui que, em termos de legislação, o Estado se encontra
munido dos instrumentais necessários à conservação de seu patrimônio cultural, visto que
ambos os diplomas estão em sintonia com a ordem constitucional, sendo a Lei de Tombamento
estadual uma mera reprodução da legislação federal. Todavia, o ponto se torna controvertido
quando se assimila a praxis no Estado do Paraná, onde o patrimônio histórico e cultural fora da
capital está parcialmente abandonado, mal utilizado, servindo apenas com superfaturamento de
obras e serviços ou o trinômio (que parece maquiavelicamente guiar toda e qualquer atividade
administrativa no Brasil) simultaneamente presente.
A proteção efetiva do patrimônio cultural resulta principalmente do compromisso do
Poder Público em realizá-la, pois compete a ele zelar pelos interesses da sociedade e direcionar
a atuação estatal no sentido de concretizar o bem comum. Destarte, não basta um vasto leque de
normas jurídicas que protejam o meio ambiente cultural se não há a aplicação destas aos casos
concretos.
Importa que a tutela jurídica do patrimônio cultural evolua para que assegure a existência
digna de qualquer indivíduo, direito fundamental de todo ser humano, em uma sociedade onde
ele possa adquirir a todo o momento o conhecimento derivado do acesso livre
constitucionalmente previsto às manifestações do rico universo cultural brasileiro, este tão
carente de uma tutela que não permaneça apenas em textos legais, mas que se consolide em
atuações materiais e eficazes – não apenas do Estado, como também dos cidadãos.
REFERÊNCIAS
AGÊNCIA LONDRIX. Cine Teatro Ouro Verde fecha novamente para reforma. Disponível
em: <http://www.londrix.com/noticias.php?id=3739>. Acesso em 15 de julho de 2012.
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 27ª ed. São
Paulo: Malheiros Editores Ltda., 2010
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 21ª ed. Rio de
Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009.
CRUZ, Susan. Município deve recorrer ao BID para concluir obras na Secretaria de Cultura em
Londrina. O Diário, Londrina, 11 de maio de 2012.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 18ª ed. São Paulo: Atlas S.A.,
2005.
FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de Direito Administrativo. 7ª ed. São Paulo: Malheiros
Editores Ltda., 2004.
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 9ª ed. São
Paulo: Saraiva, 2008.
JORNAL DE LONDRINA. Incêndio de grandes proporções destrói o Teatro Ouro Verde.
Jornal de Londrin, Londrina, Cidades, 12 de fevereiro de 2012. Disponível em:
<http://www.jornaldelondrina.com.br/cidades/conteudo.phtml?tl=1&id=1222894&tit=TeatroOuro-Verde-e-consumido-por-incendio>. Acesso em 15 de julho de 2012.
MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 12ª ed. São Paulo:
Malheiros Editores Ltda., 2004
MARÇAL, Justen Filho. Curso de Direito Administrativo. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 34ª ed. São Paulo: Malheiros
Editores Ltda., 2008.
PROPLAN.
Casa
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Disponível
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<http://www.uel.br/proplan/orgaos/orgaosrel2010/@CC_atualizacao_ate%2031122010.pdf>.
Acesso em 15 de julho de 2012.

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