pdf - Direitos Culturais
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TOMBAMENTO: SISTEMATIZAÇÃO NO DIREITO PÁTRIO E NO ESTADO DO PARANÁ1 TIPPING: SYSTEMATIZATION IN THE NATIONAL RIGHT AND IN THE STATE OF PARANÁ Renato Lovato Neto 2 Resumo: A tutela do patrimônio cultural parte da Carta Magna de 1988 para legislação infraconstitucional e na análise desta proteção, o tombamento surge como o mecanismo mais importante para sua concretização. O tombamento consiste em uma intervenção restritiva ao direito de propriedade por parte do Estado e limita direitos parciais deste direito fundamental, sem, contudo, inibir o proprietário do direito de usar, fruir e dispor de seu bem, mas sim afetando direito o modo de realizar tais direitos. O tombamento surge como instrumento a ser realizado por todos os entes federativos dentro de sua competência territorial e se consolida como meio eficaz e próprio à tutela dos bens que se relacionam direta ou indiretamente à identidade da sociedade, proteção esta extremamente necessária ao mundo moderno, a fim de preservar a história e a cultura da sociedade passada e presente às presentes e futuras gerações. O instituto do tombamento, no âmbito do Estado do Paraná, segue a sistemática ditada pelo ordenamento pátrio, porém a sua efetivação está muito aquém do previsto, o que demonstra a ineficácia da legislação e da atuação do Poder Público. Palavras-chave: Patrimônio Cultural. Proteção Jurídica de Bens Culturais. Tombamento. Intervenção na Propriedade Privada. Cultura. Abstract: The protection of cultural heritage comes from the 1988 Constitution for underconstitutional legislation and analysis of this protection, the tipping appears to be the most important mechanism making this a reality. The preservation action consists in a restriction on the right of property by the state and limits partial rights of this fundamental right, without, however, inhibit the owner the right to use, enjoy and dispose of its good, but affects the ways to accomplish such rights. The tipping arises as a tool to be performed by all federal entities inside your territorial jurisdiction and strengthened as an effective and proper protection of the assets that relate directly or indirectly to the identity of society, a protection that is muchneeded to the modern world, in order to preserve the history and culture of the society past and present to the present and future generations. The institution of tipping in the State of Paraná follows the systematic dictated by the national order, but its effectiveness is much less than expected, which demonstrates the ineffectiveness of the legislation and the performance of the government. Keywords: Cultural Heritage. Legal Protection of Cultural Property. Tipping. Intervention in Private Property. Culture. 1 INTRODUÇÃO O anseio de concretizar o desenvolvimento econômico nos Estados modernos resultou no abandono de determinados fatores fundamentais para o igualmente importante desenvolvimento social. 1 2 Artigo elaborado como um compêndio da legislação vigente e da doutrina em relação ao tombamento. Acadêmico do Curso de Direito da Universidade Estadual de Londrina – UEL, membro associado do CONPEDI. Os processos que viabilizaram o crescimento econômico (ou seja, o desenvolvimento sem preocupação social) ignoraram componentes tanto do meio ambiente natural como do artificial. Destarte, algumas centenas de anos de uso irresponsável dos recursos naturais (instrumentalizado pelo sistema capitalista e predatório de produção) resultaram na degradação da água, ar, solo, fauna, flora, entre outros elementos naturais, assim como também no descaso a um grupo especial de bens difusos, denominado patrimônio cultural – que, assim como o meio ambiente natural, requer cuidado específico, com o objetivo de preservar a memória e a herança histórica da humanidade. A pesquisa objetiva ser um ponto de partida para qualquer pesquisa sobre o tema, seja para a área do Direito Ambiental, seja para Administrativo, demonstrando tanto o lado do patrimônio cultural sendo meio ambiente cultural como sendo objeto de incidência do instituto do tombamento. O tombamento surge em meio de outros instrumentos constitucionalmente previstos como um dos mais antigos e eficazes instrumentos que sirvam à tutela de bens relacionados à história e à cultura de um povo, e se consolida como mecanismo vastamente empregado interna e externamente. A realização do fim a qual o presente estudo se compromete pressupõe a assimilação sistemática dos estudos de vários doutrinadores e suas respectivas análises do tombamento – assim como o repertório legal vigente que os compõem. Para alcançar a finalidade já exposta, o trabalho apresenta a conceituação de patrimônio cultural e sua relação com o Direito Ambiental e com o Direito Administrativo. Assim sendo, como se caracteriza como um trabalho com afinidade à ciência do direito, explora o tema da proteção jurídica dos bens culturais, a quem compete esta proteção e o instrumento eficiente per se disponível para tal, qual seja, o tombamento. 2 CONCEITO DE PATRIMÔNIO CULTURAL O Decreto-Lei 25/37 define o patrimônio histórico e artístico nacional em seu artigo 1º como “o conjunto dos bens móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação seja de interêsse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico” (sic), trazendo como elementos característicos o interesse público e a vinculação à história nacional. A Constituição Federal de 1988 estabelece em seu art. 216 uma conceituação mais abrangente e a par das demandas da sociedade contemporânea. Ora, a definição constitucional engloba todas as formas de cultura, ou seja, não há nenhuma restrição a qualquer manifestação da identidade cultural do povo brasileiro, além de alcançar todos os bens, independentemente de terem sido criados por intervenção do ser humano, como bem ressalta Celso Antonio Pacheco Fiorillo (Fiorillo, 2008, p. 253). Segue o artigo: Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I – as formas de expressão; II – os modos de criar, fazer e viver; III – as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. (...). O bem integrante do patrimônio cultural pressupõe a existência do interesse público em sua tutela, como também a vinculação (mesmo que indireta) com a identidade dos diversos grupos sociais que constituem a sociedade brasileira (Fiorillo, 2008, p. 253). Cabe acrescentar que o rol de bens passíveis de serem considerados como patrimônio cultural listado na Constituição Federal não é exaustivo. Destarte, outras formas de expressão da identidade nacional podem ser determinadas como bens dignos de tutela por parte do poder público, bastando que haja o interesse público em sua proteção. A proteção dessa espécie de patrimônio viabiliza a transmissão da herança cultural das gerações passadas preservada para as gerações presentes e futuras, transferência esta assegurada como dever do Estado pela Constituição Federal, no caput do artigo 215, ao dispor que “o Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais”. O patrimônio cultural consiste na gama de bens móveis e imóveis (incluindo bens imateriais) que abrange museus, obras de arte, bibliotecas, imóveis históricos, hinos, danças, entre outros elementos e expressões culturais que partilham de particular identificação com a história do homem e que representam a interação entre o meio ambiente natural e o social do homem, que resulta nas diversas formas de manifestação presentes em todos os meios sociais. 3 PROTEÇÃO JURÍDICA DO PATRIMÔNIO CULTURAL O artigo 216, §1o, da Constituição de 1988 determina que: Art.216. (...) §1o O poder público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação. (...). Por meio do supracitado parágrafo, a Carta Magna preocupa-se em – além de delegar ao Poder Público o poder-dever de proteger o patrimônio cultural – definir a natureza jurídica de bem difuso do patrimônio cultural ao estender a toda a comunidade o dever de preservar os bens assim denominados. O artigo 225 caput da Constituição da República Federativa do Brasil ainda assegura a responsabilidade e cooperação intergeracional quanto à proteção do meio ambiente, ao dispor que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e impõe ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. Portanto, com o artigo 225, a Constituição Federal delega o dever de proteger o meio ambiente natural e cultural não apenas para a comunidade presente, mas também para as gerações que estão por vir: Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. (...). 4 TOMBAMENTO O tombamento é o instrumento jurídico mais utilizado na proteção de bens culturais e um dos mais antigos positivados no ordenamento jurídico nacional, regido pelo Decreto-Lei 25 de 30.11.1937. A expressão “tombamento” deriva do direito português, que emprega a palavra “tombar” para designar atos de registros, inventários ou inscrição nos arquivos do Reino, guardados na Torre do Tombo (Meirelles apud Di Pietro, 2005, p.133), com a manutenção do termo pelo legislador brasileiro elogiada por Meirelles (2008, p. 583), que entende que “começou, assim, a preservar o nosso patrimônio lingüístico, dando o exemplo aos que vão cumprir a lei”. O instituto do tombamento consiste no procedimento administrativo pelo qual o Poder Público – com o objetivo de proteger o patrimônio artístico, histórico e cultural cuja conservação seja de interesse público – impõe restrições parciais ao direito de propriedade, através da inscrição de determinado bem em seu respectivo Livro do Tombo. O processo de tombamento consiste em uma restrição parcial e nunca impede totalmente o exercício do direito de propriedade, não cabendo então indenização por tombamento de um bem. Se a proteção do patrimônio cultural pressupõe a neutralização total dos direitos do proprietário, compete ao Estado desapropriar o território onde se encontra o bem e indenizar o proprietário, a fim de compensar o prejuízo decorrente do tombamento e decorrente desapropriação. O artigo 4º da Lei do Tombamento de 1937 pressupõe que os bens culturais que se caracterizam como partes integrantes do patrimônio cultural nacional devem ser inscritos em um dos Livros do Tombo, com a previsão de quatro espécies: Art. 4º. (...) 1º) no Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico, as coisas pertencentes às categorias de arte arqueológica, etnográfica, ameríndia e popular (...); 2º) no Livro do Tombo Histórico, as coisas de interesse histórico e as obras de arte histórica; 3º) no Livro do Tombo das Belas-Artes, as coisas de arte erudita nacional ou estrangeira; 4º) no Livro do Tombo das Artes Aplicadas, as obras que se incluírem na categoria das artes aplicadas, nacionais ou estrangeiras. (...). A inexistência do tombamento não significa que o bem não seja considerado parte integrante do patrimônio cultural nacional e que assim não seja passível de ser protegido pelo Estado, ou seja, o tombamento, como já discorrido, não é o único instrumento de tutela do meio ambiente cultural, e sim o único instituto que implica o registro do bem cultural no competente Livro do Tombo (Fiorillo, 2008, p. 257) e que materializa determinados impedimentos ao proprietário, detentor, possuidor e vizinhos do bem, consistindo, por fim, no meio mais eficiente de proteção. O tombamento pode ser instituído por lei (tanto Federal como Estadual ou Municipal), com a vantagem de que esta espécie poderá apenas ser revogada por ato do Legislativo, com respeito à competência legislativa de cada um dos entes federados. O dispositivo pode ser contestado judicialmente por Ação Direta de Inconstitucionalidade, o que não caracteriza de fato uma revogação, uma vez que lei inconstitucional é inválida e em nenhum momento apta a produzir efeitos. Machado (2004, p. 900) ressalta que não há qualquer vedação constitucional a que o tombamento seja realizado por ato legislativo nem proibição de legislar-se casuisticamente sobre o tombamento, tendo, assim, como vantagem o fato de que o desfazimento da medida tão somente poderá ser realizado por atos do próprio Legislativo que deu origem ao tombamento, existindo maior consenso de vontades na decretação do tombamento como em seu cancelamento. In contrario sensu, Carvalho Filho (2009, p. 764), declara que: O tombamento é ato tipicamente administrativo, através do qual o Poder Público, depois de concluir formalmente no sentido de que o bem integra o patrimônio público nacional, intervém na propriedade para protege-lo de mutilações e destruições. Trata- se de atividade administrativa, e não legislativa. (...) Ora, a lei que decreta um tombamento não pressupõe qualquer possibilidade de controle desse ato, (...) qualificada como lei de efeitos concretos, ou seja, a lei que (...) representa materialmente um mero ato administrativo. (grifo do autor) Meirelles (2008, p. 584), do mesmo modo, se coloca contrário à lei que decreta tombamento ao discorrer que “(...) o tombamento em si é ato administrativo da autoridade competente, e não função abstrata da lei, que estabelece apenas as regras para a sua efetivação”. Os autores do presente artigo compartilham o entendimento de Machado (2004, p. 900), por assegurar a ampliação da extensão da tutela do patrimônio cultural, permitindo tanto aos órgãos parlamentares e colegiados quanto à Administração Pública o apontamento de que determinado bem é merecedor da proteção despendida pelo tombamento, muito mais consoante aos princípios e às normas constitucionais – o que coloca à frente de discussões sem propósito quanto à natureza e competência dos atos do Poder Público a garantia dos direitos fundamentais e dos mandamentos da Carta Magna, tais como o direito à cultura e a função social da propriedade. Ademais, o procedimento mais usual para a efetivação do tombamento resulta de ato do Poder Executivo e é previsto na Lei do Tombamento de 1937. O tombo ainda pode provir de via jurisdicional, resultado da disposição do artigo 216 da Constituição Federal de 1988, que exige a participação do Poder Público com a colaboração de toda a comunidade na preservação do patrimônio cultural. 4.1 Modalidades Quanto ao procedimento ou constituição, o tombamento de bens públicos ou difusos se realiza de ofício, com previsão no artigo 5o do Decreto-Lei 25/37, e basta a notificação para a produção de efeitos: Art. 5º. O tombamento dos bens pertencentes à União, aos Estados e aos Municípios se fará de ofício por ordem do Diretor do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, mas deverá ser notificado à entidade a quem pertencer, ou sob cuja guarda estiver a coisa tombada, a fim de produzir os necessários efeitos. O tombamento de bens particulares pode ser voluntário ou compulsório, de acordo com o artigo 6º do Decreto-Lei 25/37, que dispõe que “o tombamento de coisa pertencente à pessoa natural ou à pessoa jurídica de direito privado se fará voluntária ou compulsoriamente”. A supracitada norma de 1937 prevê em seu artigo 7º que o tombamento do bem particular será voluntário quando o proprietário requerer o tombamento (a coisa deve ser compatível com os requisitos necessários para constituir parte integrante do patrimônio artístico e histórico nacional) ou quando concordar por escrito com a notificação que se lhe fizer para a inscrição do bem em qualquer dos Livros do Tombo. A Lei do Tombamento de 1937 dispõe, em seus artigos 8º e 9º, que o tombo será compulsório quando feito por iniciativa do Poder Público e o proprietário se recusar a anuir à inscrição da coisa ou não se pronunciar (anuência tácita), ou seja, o tombamento é efetivado mesmo contra a vontade do proprietário. Carvalho Filho (2009, p. 763) escreve que: Voluntário é aquele em que o proprietário consente no tombamento, seja através de pedido que ele mesmo formula ao Poder Público, seja quando concorda com a notificação que lhe é dirigida no sentido da inscrição do bem. O tombamento é compulsório quando o Poder Público inscreve o bem como tombado, apesar da resistência e do inconformismo do proprietário. O artigo 10 do Decreto-Lei 25/37 distingue o tombamento de bens particulares quanto à eficácia, podendo o tombamento (compulsório ou voluntário) ser provisório ou definitivo. Em seu parágrafo único, impõe que o tombamento provisório (decorrente da notificação do proprietário) produz os mesmos efeitos que o definitivo (inscrito em seu respectivo Livro do Tombo): Art. 10. O tombamento dos bens, a que se refere o art. 6º desta lei, será considerado provisório ou definitivo, conforme esteja o respectivo processo iniciado pela notificação ou concluído pela inscrição dos referidos bens no competente Livro do Tombo. Parágrafo único – Para todos os efeitos (...), o tombamento provisório se equipará ao definitivo. Carvalho Filho (2009, p. 763) destaca que o tombamento provisório ocorre enquanto está em marcha o processo administrativo que se inicia com a notificação e o definitivo se estabelece com a conclusão do processo, com a inscrição do bem no Livro do Tombo adequado – trazendo o autor ainda julgado do Superior Tribunal de Justiça que considera o tombamento provisório não como fase procedimental, mas como medida assecuratória de preservação do bem até a conclusão dos pareceres dos órgãos consultivos e a inscrição no Livro do Tombo 3, não obstante o jurista discorde da posição do STJ e conclua que, embora o tombamento provisório também englobe um caráter preventivo, na realidade constitui de fato fase processual, pois decretado é antes do final do procedimento total, que somente se encerra com o definitivo. Quanto à abrangência do tombamento a um ou vários bens, este pode ser individual (abrange apenas um bem determinado e singular) ou geral (alcança vários bens localizados em determinados limites previstos no ato). Ora, a supracitada classificação merece cair em desuso, na medida em que não reflete as características reais do tombamento e, assim, acordamos com os ensinamentos de Carvalho Filho (2009, p. 763) acerca do assunto: O tombamento, segundo nos parece, tem sempre caráter individual, vale dizer, os feitos do ato alcançam diretamente apenas a esfera jurídica do proprietário de determinado bem. O dito tombamento geral seria ato limitativo de natureza genérica e abstrata incongruente com a natureza do instituto. Quando várias edificações de um bairro ou uma cidade são alvo de tombamento, tal ocorre porque foi considerada cada uma delas per se como suscetível de proteção histórica ou cultural. (...) se um dos imóveis dentro do agrupamento não mais tiver a peculiaridade histórica que reveste os demais (...), tal imóvel não poderá ser tombado (...). 4.2 Efeitos A Lei de Tombamento de 1937 institui os efeitos do tombamento em seu Capítulo III, que atingem o proprietário, os proprietários de imóveis vizinhos e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Os efeitos em relação ao proprietário e ao possuidor consistem na restrição quanto ao modo de usar, fruir e dispor do bem, de forma a ser compatível com a preservação de sua identidade, bem como a manutenção e eventual recuperação do bem tombado (Marçal, 2009, p. 524). O referido capítulo prevê obrigações positivas do proprietário do bem tombado, isto é, o dever de atuação no sentido de conservar e proteger o patrimônio e, se não tiver meios para realizar tal fim, comunicar à autoridade competente. As obrigações negativas (não atuar ou abstenção) do proprietário resultantes do tombamento impedem o proprietário de destruir, demolir ou mutilar o bem tombado, assim como também não repará-los, pintá-los ou restaurá-los sem autorização do IPHAN. 3 RMS 8.252-SP, 2ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, julg. Em 22.10.2002. Destarte, além de obrigações positivas e negativas, o proprietário da coisa tombada fica sujeito à eventual fiscalização do bem pela autoridade competente, sendo obrigado a suportá-la e não impor empecilhos à sua realização. Os terceiros sofrem os efeitos do tombamento no sentido de que estes, que não são proprietários nem possuidores do bem tombado, não podem usufruir de seus próprios bens de modo a prejudicar o tombado (Marçal, 2009, p. 525). Os proprietários dos imóveis vizinhos sofrem restrições para a construção de edificações em sua propriedade, como prevê o artigo 18 da Lei de Tombamento: Art. 18. Sem prévia autorização do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, não se poderá, na vizinhança da coisa tombada, fazer construção que lhe impeça ou reduza a visibilidade, nem nela colocar anúncios ou cartazes (...). Machado (2004, p. 887) disserta e critica o dispositivo da Lei do Tombamento: Procurou-se proteger a visibilidade da coisa tombada, seja monumento histórico, artístico ou natural. O monumento ensina pela presença e deve poder transmitir uma fruição estética mesmo ao longe. Não só o impedimento total da visibilidade está vedado, como a dificuldade ou impedimento parcial de se enxergar o bem protegido. Nota-se que a vizinhança passou a ser tutelada a ponto de Pontes de Miranda ensinar: “aí está, a favor do titular do direito de propriedade da coisa tombada, direito de vizinhança, não previsto no Direito das coisas. Trata-se de direito público de vizinhança.” (...) Parece-nos tímida a proteção do bem tombado, pois só se lhe resguarda a visão, podendo a vizinhança deixar de apresentar homogeneidade com a coisa a ser alterada de modo prejudicial. Duas situações podem ocorrer: as adjacências do bem tombado já estão desfiguradas quando do tombamento, ou passam a ser transformadas após o tombamento. Ora, com a legislação (...) não se deram meios à Administração para impedir a alteração ou exigir a adaptação integrativa da vizinhança. (...) A legislação federal não mencionou a área onde incidem as limitações de não edificar e de não se colocarem cartazes ou anúncios. Agiu acertadamente, pois depende da topografia do terreno para se saber qual a metragem a ser observada. Contudo, há uma lacuna a ser preenchida, pois não se previu a obrigatoriedade de um plano urbanístico ou rural para apontar, em cada caso, a área abrangida. (...) Outra falta é a ausência de obrigação de ser transcrita a limitação no Cartório do Registro de Imóveis. Os efeitos em relação ao Poder Público configuram as providências que lhe caibam, como o dever geral de fiscalização e o custeio de obras e serviços necessários à preservação e manutenção do bem quando o proprietário não dispuser dos recursos para tanto e assim o comunicar ao Estado, que tem o direito de preferência para aquisição do bem privado na ocasião de sua alienação, que será nula se não for oferecido à Administração em tempo hábil (Marçal, 2009, p. 524). O IPHAN assume obrigações no sentido de conservar o bem quando o proprietário não puder fazê-lo ou providenciar para que seja feita a desapropriação do bem e, se não efetivar estes atos, o proprietário pode requerer o cancelamento do tombamento, como previsto no artigo 19 do Decreto-Lei 25/37. Ademais, a coisa tombada deve ser permanentemente fiscalizada e inspecionada sempre que julgado conveniente, como dispõe o artigo 20: Art. 20. As coisas tombadas ficam sujeitas à vigilância permanente do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, que poderá inspecioná-las sempre que for julgado conveniente, não podendo os respectivos proprietários ou responsáveis criar obstáculos à inspeção (...). Machado (2004, p. 889) discorre que o artigo 215 da Constituição Federal de 1988, ao colocar como dever do Estado o amparo da cultura, retirou a característica facultativa desta proteção, determinando-a como uma obrigação ao Poder Público e constituindo as bases de um poder de polícia do patrimônio cultural, onde a intervenção estatal configura um poder-dever indelegável à ação privada. Ademais, Machado (2004, p. 898) relata que o tombamento gera a co-responsabilidade do Poder Público que tenha tombado a coisa junto ao proprietário quanto à conservação (antes do prejuízo, preventivamente, e depois também) e reparação do bem, atribuindo dois requisitos para tal, quais sejam, de que o dano não tenha sido causado pelo proprietário – a legislação não determina se o Estado pode cobrar do proprietário a reparação do dano causado por ele, porém da interpretação sistemática do ordenamento resulta tal poder, como manifestação da competência do Poder Público de fiscalização – e que a reparação seja necessária (conforme o artigo 19, §1º, do Decreto-lei n.º 25/1937), não podendo a Administração se recusar a proceder a obra ou o serviço alegando ausência de recursos – a desnecessidade caracteriza a única justificativa para a não realização. Por fim, Meirelles (2008, p. 587) disserta que os bens tombados somente podem ser desapropriados para a manutenção do próprio tombamento, o que restringe mesmo as entidades maiores de expropriar bens tombados por entes menores enquanto não for cancelado o tombamento. 4.3 Natureza jurídica Machado (2004, p. 894) resume as correntes doutrinárias que versam sobre a natureza jurídica do tombamento em seis teses, quais sejam, as de que consiste em uma limitação ao direito de propriedade, em uma servidão administrativa, em um domínio eminente do Estado, em resultado do bem cultural como um bem imaterial, em uma propriedade com efetivação de sua função social ou em um bem de interesse público: José Cretella Júnior (...) acrescenta (...) “as (limitações) (...) de Direito Público têm por objetivo a compatibilidade do direito do proprietário com os direitos subjetivos públicos do Estado”. (...) Celso Antônio Bandeira de Mello entende que “sempre que seja necessário um ato específico da Administração impondo um gravame, por conseguinte criando uma situação nova, atingiu-se o próprio direito e, pois, a hipótese é de servidão. (...) Hely Lopes Meirelles acentua que o “poder regulatório do Estado exerce-se não só sobre os bens de seu domínio patrimonial como, também, sobre as coisas e locais particulares, de interesse público (...)”. (...) Massimo Severo Giannini concebe “(...) a natureza de bem imaterial (...)” (...) bem cultural (...) “atinge a coisa como testemunho material de civilização, sobrepondo-se ao bem patrimonial que impregna a mesma coisa, não influindo o regime de propriedade (...) sobre os trações essenciais do bem cultural como objeto autônomo de tutela jurídica”. (...) Aldo Sandulli observa que a “função social da propriedade se traduz essencialmente na imposição ao titular do direito sobre a coisa de certa obrigação pessoal (mas ob rem), tal como de tornar socialmente útil a titularidade privada do próprio direito (...)”. (grifo nosso) Destarte, Machado (2004, p. 896) fundamenta a sua teoria de que o tombamento configura o bem como de interesse público no fato de que “o bem de propriedade privada pode adquirir institucionalmente a finalidade de interesse público (...), e sujeitar-se a um regime particular (...)”, e compartilha tal orientação com José Afonso da Silva. Ainda, Carvalho Filho (2009, p. 762) conclui que tombamento possui natureza diversa das mencionadas por Machado (2004, p. 894), a de instrumento especial de intervenção restritiva do Estado na propriedade privada. Ora, diverge esta de limitação administrativa, pois esta tem caráter geral, enquanto o tombamento tem caráter específico e concreto, tal como uma intervenção especial em determinado bem. Di Pietro (2005, p. 142), por sua vez, enquadra o tombamento em categoria própria, que não se alinha à simples limitação administrativa ou à servidão. A compreensão de Carvalho Filho nos parece muito mais propícia aos elementos típicos do tombamento, sendo ele específico em cada tombamento, atingindo singularmente o bem e seus vizinhos em cada caso concreto, bem como uma intervenção do Estado no direito fundamental à propriedade do proprietário da coisa tombada. Dessarte, discordamos da doutrina de Machado, na medida em que o bem tombado como bem de interesse público consiste em mera característica do próprio imóvel ou móvel, sem se relacionar diretamente com o âmago do instituto e sem revelar nenhuma particularidade quanto ao seu revestimento no campo jurídico, bem como de Di Pietro que, embora tencione no sentido de criar categoria individual ao tombamento dentre as restrições do Estado no direito de propriedade nada faz além de dizer que tombamento é tombamento. 4.4 Indenização O direito à indenização do proprietário advém da expropriação total dos direitos sob a propriedade do dito indivíduo, constituindo verdadeiro problema quando o tombamento resulta na limitação de direitos parciais que tangem o direito de propriedade, conforme Machado (2004, p. 914), que distingue dois casos para averiguar quando o proprietário de um bem tombado deve arcar sozinho com as despesas de ter sua propriedade limitada em benefício da sociedade: (...) quando a propriedade vinculada está inserida num contexto de outros bens vinculados ou limitados; (...) quando a propriedade é escolhida individualmente para ser vinculada, não havendo mais bens a serem preservados na vizinhança ou os bens existente na vizinhança estão sujeitos a outro regime jurídico. (...) A) (...) a propriedade imóvel, no caso, não está sendo sujeita a gravames e ônus de maneira desigual a outras situadas em igual situação. (...) ocorre a possível generalidade da limitação (...) e nada há a indenizar pelo Poder Público. (...) B) (...) uma propriedade é escolhida solitariamente para ser preservada. (...) Diante dos ônus da conservação de propriedades semelhantes e vizinhas, opta-se pela conservação de um só ou de poucos bens em relação ao conjunto existente. Ora, de imediato é de constatar que a limitação não está sendo geral no mesmo espaço geográfico. (...) Charles Debbasch aponta como prejuízo indenizável o prejuízo especial, isto é, “Aquele que deve atingir um número limitado de indivíduos. De outro lado, o prejuízo geral atingindo o conjunto de cidadãos ou uma categoria de cidadãos não é indenizável. Os cidadãos devem, com efeito, suportar cargas normais da vida social”. (grifo nosso) Assim, Machado (2004, p. 917) conclui que: Havendo um certo grau de especialidade na limitação ao direito de propriedade, abrese o direito à indenização do proprietário “a menos que o legislador lhe tenha expressa ou tacitamente retirado essa possibilidade”4. Ora, o legislador federal brasileiro não retirou expressa ou tacitamente a possibilidade de o proprietário ser indenizado em caso de tombamento. Bandeira de Mello (2010, p. 912), em posição semelhante à de Machado (2004, p. 917), reflete que: Como regra, o tombamento exige uma indenização ao particular cujo bem seja dessarte afetado. Sem embargo, quando abrange toda uma cidade ou quase toda (...), os imóveis não se desvalorizam e o tratamento a que se sujeitam os administrados é uniforme, inexistindo razão para que sejam indenizados, até porque, em muitos casos, ocorrerá valorização dos imóveis atingidos. Pelo contrário, na esmagadora maioria dos casos de tombamento pelo Patrimônio Histórico, quando são atingidos algum ou alguns especificados bens há uma individualização do bem objeto de ato imperativo da Administração, que traz consigo um prejuízo econômico manifesto para o proprietário e, assim sendo, é de rigor que este seja indenizado. 4 No original, Paulo Affonso Leme Machado cita Georges Vedel, na obra Droit Administratif. Meirelles (2008, p. 587), por sua vez, entende que o tombamento não resulta a priori em indenização, salvo se: (...) as condições impostas para a conservação do bem acarretam despesas extraordinárias para o proprietário, ou resultam na interdição do uso do mesmo bem, ou prejudicam sua normal utilização, suprindo ou depreciando seu valor econômico. Se isto ocorrer é necessária a indenização, a ser efetivada amigavelmente ou mediante desapropriação pela entidade pública que realizar o tombamento, conforme o disposto no art. 5º, “k”, do Dec.-lei 3.365/41, que considera dentre os casos de utilidade pública “a preservação e conservação dos monumentos históricos e artísticos” (...). Tombamento não é confisco. É preservação de interesse da coletividade imposta pelo Poder Público em benefício de todos (...). Figueiredo (2004, p. 305) assimila a possibilidade de indenização no mesmo sentido e, por fins de explanação, estabelece três hipóteses: a) o bem fica, mercê do tombamento, totalmente inútil ao particular, que , a par das obrigações de não fazer, deverá arcar com as de fazer (...); b) (...) o bem tombado ficar com sua utilização apenas parcialmente reduzida; c) (...) nenhum prejuízo ocorrer ao proprietário pelo tombamento. (...) chegamos às conclusões seguintes: 1. Se a propriedade privada for totalmente aniquilada, mercê do tombamento, por agredir esta situação o dispositivo constitucional de ampla proteção à propriedade (art. 5º, inciso XXII), somente com “restrições” ali apostas, entendemos configurar-se autêntico caso de desapropriação – na hipótese, “desapropriação indireta”, que se resolveria com a indenização correspondente. 2. Se a propriedade privada tiver diminuída sua possibilidade de utilização, deverá o Poder Público constituir uma servidão, indenizando o proprietário na proporção em que este for atingido pela medida do tombamento. Neste caso, estaremos diante de verdadeira servidão administrativa, ou seja, de suas conseqüências. 3. (...) o tombamento não prejudicou seu proprietário. Nada haverá a indenizar. Assim sendo, aderimos a uma síntese das propostas destes ilustres juristas, quer dizer, compreendemos o direito à indenização em caso de tombamento como fruto de despesas extraordinárias que o ato acarreta ao proprietário ou com a inutilização econômica do bem (quando o tombamento inibe o desenvolvimento de atividade econômica por parte do proprietário) e, como parâmetro para a efetivação desta indenização, o critério de especialidade do prejuízo, isto é, destas duas hipóteses de geração de direito à indenização, este somente se concretizará quando o prejuízo for individual e singular – sem dizer respeito a um grupo de bens localizados em determinado espaço que sofrem limitações e ônus equivalentes. 4.5 Patrimônio cultural e tombamento no Estado do Paraná A Constituição Estadual do Estado do Paraná de 1989 (CEPR/89) traz em seu bojo diversos dispositivos que refletem o objetivo de proteger o patrimônio cultural da Constituição Federal de 1988, que aqui serão relacionados de forma breve, tão somente com o fim de ressaltar o trabalho do Legislador estadual em sua função de proteger segmento tão importante para a sociedade de um modo geral. Em primeiro momento, quanto à competência, a CEPR/89 determina a competência comum do Estado para com a União e os Municípios de “proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos”, conforme o artigo 12, inciso III, que se relaciona diretamente ao artigo 23, inciso III da CF/88, enquanto o artigo 13, inciso VII da Carta do Estado prevê a competência concorrente com União para legislar sobre “proteção do patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico”, do mesmo modo do artigo 24, inciso VII, da Constituição Cidadã, enquanto a Constituição Estadual, novamente, recorre a CF (artigo 30, inciso IX) para declarar, em seu artigo 17, inciso IX, que compete aos Municípios “promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual”. O artigo 19, §1º, inciso III, da CEPR/89, coloca como requisito para a criação de novo município a preservação da continuidade e da unidade histórico-cultural do ambiente urbano e o artigo 191 versa que: Art. 191. Os bens materiais e imateriais referentes às características da cultura, no Paraná, constituem patrimônio comum que deverá ser preservado através do Estado com a cooperação da comunidade. Parágrafo único. Cabe ao Poder Público manter, a nível estadual e municipal, órgão ou serviço de gestão, preservação e pesquisa relativo ao patrimônio cultural paranaense, através da comunidade ou em seu nome. O diploma estadual, ao versar sobre o meio ambiente, no artigo 207, §1º, inciso XV, decreta que o Poder Público deve garantir o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado através de, dentre outras medidas, proteção do patrimônio de reconhecido valor cultural, artístico, histórico, estético, faunístico, paisagístico, arqueológico, turístico, paleontológico, ecológico, espeleológico e científico paranaense, prevendo sua utilização em condições que assegurem a sua conservação, e o artigo 226 escreve que: Art. 226. As terras, as tradições, usos e costumes dos grupos indígenas do Estado integram o seu patrimônio cultural e ambiental, e como tais serão protegidos. Parágrafo único. Esta proteção estende-se ao controle das atividades econômicas que danifiquem o ecossistema ou ameacem a sobrevivência física e cultural dos indígenas. O artigo 230, caput, da Constituição do Paraná prevê a criação de um Fundo Estadual de Cultura mediante lei que será formado com recursos extra-orçamentários e gerido pelo Conselho Estadual de Cultura vinculado à Secretaria de Estado da Cultura, sendo ele destinado ao atendimento de pesquisa, produção artístico-cultural e preservação do patrimônio. Ao lado da Constituição Estadual, há a Lei Estadual 1.211 de 16.09.1953, que dispõe sobre o patrimônio artístico e histórico do Estado do Paraná e regula o tombamento, sendo quase que completamente uma transmutação do Decreto-lei n.º 25/1937 e seus exatos mandamentos (toda a classificação de tombamento, os Livros do Tombo, os efeitos, os direitos e deveres do proprietário e do Poder Público, a abrangência aos bens vizinhos, vedações, sanções administrativas, entre outros) para o nível estadual, trazendo, aliás, muitos artigos com a exata redação da Lei de Tombamento. O compromisso na proteção do patrimônio cultural estadual no âmbito do Estado do Paraná se revela muitas vezes frágil e ineficaz, não obstante a vistosa legislação nos ditames do moderno ordenamento jurídico pátrio, estabelecido sobre a égide de uma Constituição Federal fundada em princípios, direitos fundamentais e proteção de direitos difusos e metaindividuais. Na verdade, muitos bens estão em estado precário de manutenção ou a sua recuperação serviu apenas para a prestação de serviços ou realização de obras superfaturadas, com vultosas quantias de dinheiro público sendo empregadas para a concretização de reformas toscas e mal planejadas. O Estado do Paraná transborda de exemplos de obras tombadas que não estão a par da conservação que merecem e que não tem nenhuma ou quase nenhuma utilização de fato, tais como o Cine Teatro Ouro Verde (sob os cuidados da Universidade Estadual de Londrina), que sofreu consecutivas reformas que custaram aos cofres públicos, sofria com problemas de infraestrutura e estava aquém das necessidades para receber grandes espetáculos com conforto para o público e artistas. O teatro, patrimônio cultural reconhecido pelo Estado do Paraná, foi fechado em 2002 para uma reforma pelo projeto “Velho Cinema Novo” da Secretária de Cultura do Estado do Paraná de acordo com relatório da Proplan (2012). Todavia, a reforma inviabilizou tecnicamente o espaço para abrigar a exibição de filmes, exigindo uma nova intervenção em 2003 segundo Agência Londrix (2012): Uma comissão vistoriou o local em agosto de 2003 e entre os problemas detectados estão uma deficiência no sistema de ar condicionado, o mau cheio exalado pelas madeiras utilizadas no assoalho, problemas na rede elétrica e poltronas cujos assentos soltam-se facilmente. Do problema de preservação do Cine Teatro Ouro Verde adveio um acidente com o sistema de eletricidade que culminou no incêndio que destruiu quase que totalmente a estrutura do espaço (Jornal de Londrina, 2012), meses após ser fechado para uma nova reforma, no final do ano de 2011. Cabe ainda destacar a situação do prédio da Secretaria de Cultura, igualmente tombado como patrimônio cultural pelo Município de Londrina, que constitui edifício historio projetado por João Batista Vilanova Artigas, que está fechado desde 2010 para reformas. As obras estão paradas, por falta de empresa interessada no empreendimento, e por falta de recursos, aguardando o suporte do Banco Interamericano de Desenvolvimento, conforme Cruz (2012). A cidade de Londrina, no norte do Estado do Paraná – segunda mais populosa cidade do Estado e terceira do Sul do Brasil –,muito peca quanto à manutenção e recuperação de seu patrimônio cultural, como se uma cidade de mais de três quartos de século de idade não tivesse um patrimônio histórico para velar e manter às gerações futuras, passando por cima de sua memória sem refletir sobre a importância desta preservação. 5 CONCLUSÃO A obra conclui que o conceito de patrimônio cultural está disposto expressamente na Constituição Federal, como todo bem material ou imaterial ligado à identidade, ação ou memória dos diferentes grupos na sociedade brasileira, bem como o interesse público para o Estado materializar a sua preservação. Portanto, dita descrição determina a abrangência e importância da preservação do grupo de coisas em teses e o situa terminantemente como um bem jurídico digno de tutela por todo o Direito pátrio, dada a sua relevância para a formação cultural das presentes e futuras gerações. A Carta Magna de 1988 prevê um poder-dever do Poder Público para a tutela do patrimônio histórico e cultural, quer dizer, não consiste em mera faculdade do Administrador, mas verdadeira obrigação. Ainda, o constituinte afirmou o trabalho conjunto entre o Estado e toda a sociedade com fim de preservar e recuperar ditos bens e, para isso, arrola alguns mecanismos, tais como o inventário, o registro, a vigilância, a desapropriação e, por fim e mais relevante e eficaz, o tombamento. A participação de toda a sociedade – prevista no artigo 215 da Constituição Federal de 1988 – proporciona, em conjunto com o Poder Público, os subsídios que viabilizam a tutela eficaz dos bens culturais. Portanto, importa que a comunidade tome parte em procedimentos que interfiram direta ou indiretamente na proteção desses bens difusos, uma vez que interessa sua preservação tanto para as presentes gerações quanto para as futuras, que terão também o direito de acesso às fontes culturais, direito fundamental este que pressupõe a conservação eficiente desse patrimônio no presente. O tombamento se consolida como o instrumento mais empregado e eficiente na sistemática do Direito Administrativo no Brasil, pois não determina a limitação total do direito de propriedade, não obstante restrinja o proprietário e a vizinhança a praticar atos que possam descaracterizar o bem. Assim sendo, tombamento se configura como uma restrição parcial (nunca total, sob pena de ser uma desapropriação indireta) do direito do proprietário despendida pela Administração Pública com a inscrição do bem em seu respectivo Livro do Tombo – podendo, é verdade, ser constituído não só por ato do Executivo, como também mediante lei e até por decisão judicial, embora haja discórdia em meio aos doutrinadores. Cabe ressaltar que a inexistência do tombamento do bem não significa necessariamente que o bem não faz parte do patrimônio cultural brasileiro, estadual ou municipal, mas tão somente que o processo de tombamento não foi realizado com relação aquela coisa singular, seja por falta de interesse público, seja por falta de provocação do proprietário ou até por inércia do próprio Estado. A competência legislativa em relação ao tombamento é concorrente entre a União, os Estados-membros e o Distrito Federal e a material é comum entre todos os entes federativos – podendo o tombamento ser voluntário ou compulsório com relação aos bens privados e, no que tange coisas públicas, um ente maior pode tombar bens de entes menores, embora a recíproca não seja verdadeira e nem condizente com o pacto federativo, com ainda a divisão entre tombamento provisório (a partir da notificação do processo administrativo) e definitivo (com a inscrição no Livro do Tombo). Os efeitos do tombamento se alastram tanto ao proprietário como aos vizinhos e até ao Estado. O proprietário tem seu modo de usar, fruir e dispor de sua propriedade limitada no sentido de preservar as características do bem que o identificam com a história e cultura, enquanto, da mesma maneira, os proprietários de coisas vizinhas ao bem tombado não podem usufruir de seus bens de forma a prejudicar o tombado e o Poder Público tem a obrigação de fiscalizar e custear obras e serviços em determinadas circunstâncias, bem como tem o direito de preferência diante da alienação onerosa de coisa tombada. O cancelamento do tombamento pode se dar mediante recurso do proprietário ao Presidente da República, dispositivo muito criticado por sobrepor a decisão monocrática do Chefe do Executivo a um processo administrativo que segue todos os mandamentos do devido processo legal e que finda com a decisão de um órgão colegiado, técnico e especializado. Todavia, a previsão de recurso visa justamente garantir o due processo of law. A natureza jurídica do tombamento, após análise das diversas correntes presentes na doutrina pátria, se concretiza como a de instrumento especial de intervenção restritiva do Estado na propriedade privada, pois advém da atuação do Poder Público restringindo parcialmente os direitos inerentes à propriedade e se caracteriza como um mecanismo especial, sem ser qualquer tipo de subespécie de servidão ou qualquer outro instrumento do tipo. O trabalho revela que a indenização somente se torna cabível no tombamento quando ocorrerem custos extraordinários ao proprietário para a conservação e manutenção do bem ou quando inutilizar totalmente a sua exploração econômica, situação que, quando concretizadas, serão mensuradas a partir da sombra de análise da especialidade do prejuízo, onde o dano indenizável e tão somente o específico e singular. Em curta análise da Constituição Estadual do Estado do Paraná de 1989 e da Lei de Tombamento estadual, o compêndio conclui que, em termos de legislação, o Estado se encontra munido dos instrumentais necessários à conservação de seu patrimônio cultural, visto que ambos os diplomas estão em sintonia com a ordem constitucional, sendo a Lei de Tombamento estadual uma mera reprodução da legislação federal. Todavia, o ponto se torna controvertido quando se assimila a praxis no Estado do Paraná, onde o patrimônio histórico e cultural fora da capital está parcialmente abandonado, mal utilizado, servindo apenas com superfaturamento de obras e serviços ou o trinômio (que parece maquiavelicamente guiar toda e qualquer atividade administrativa no Brasil) simultaneamente presente. A proteção efetiva do patrimônio cultural resulta principalmente do compromisso do Poder Público em realizá-la, pois compete a ele zelar pelos interesses da sociedade e direcionar a atuação estatal no sentido de concretizar o bem comum. Destarte, não basta um vasto leque de normas jurídicas que protejam o meio ambiente cultural se não há a aplicação destas aos casos concretos. Importa que a tutela jurídica do patrimônio cultural evolua para que assegure a existência digna de qualquer indivíduo, direito fundamental de todo ser humano, em uma sociedade onde ele possa adquirir a todo o momento o conhecimento derivado do acesso livre constitucionalmente previsto às manifestações do rico universo cultural brasileiro, este tão carente de uma tutela que não permaneça apenas em textos legais, mas que se consolide em atuações materiais e eficazes – não apenas do Estado, como também dos cidadãos. REFERÊNCIAS AGÊNCIA LONDRIX. Cine Teatro Ouro Verde fecha novamente para reforma. Disponível em: <http://www.londrix.com/noticias.php?id=3739>. Acesso em 15 de julho de 2012. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 27ª ed. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., 2010 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 21ª ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2009. CRUZ, Susan. Município deve recorrer ao BID para concluir obras na Secretaria de Cultura em Londrina. O Diário, Londrina, 11 de maio de 2012. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 18ª ed. São Paulo: Atlas S.A., 2005. FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de Direito Administrativo. 7ª ed. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., 2004. FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 9ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008. JORNAL DE LONDRINA. Incêndio de grandes proporções destrói o Teatro Ouro Verde. Jornal de Londrin, Londrina, Cidades, 12 de fevereiro de 2012. Disponível em: <http://www.jornaldelondrina.com.br/cidades/conteudo.phtml?tl=1&id=1222894&tit=TeatroOuro-Verde-e-consumido-por-incendio>. Acesso em 15 de julho de 2012. MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 12ª ed. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., 2004 MARÇAL, Justen Filho. Curso de Direito Administrativo. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 34ª ed. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., 2008. PROPLAN. Casa de Cultura da UEL. Disponível em <http://www.uel.br/proplan/orgaos/orgaosrel2010/@CC_atualizacao_ate%2031122010.pdf>. Acesso em 15 de julho de 2012.
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