a escola no mundo moderno - Associação Educacional Labor
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a escola no mundo moderno - Associação Educacional Labor
Proposta Pedagógica Labor fascículo 4 a escola no mundo moderno São Paulo 2001 labor4.p65 1 11/11/01, 22:24 © Associação Educacional Labor Direitos de publicação reservados pela - Rua Ministro Godói, 1213, São Paulo, SP, CEP 05015-001 A escola no mundo moderno / Associação Educacional Labor ; resp. Margarida M. P. Gioielli ... et al. São Paulo : EDUC, 2001. 42 p. ; il. ; 24 cm. (Proposta pedagógica Labor ; 4) ISBN 85-283-0246-6 1. Ensino. I. Gioielli, Margarida M. P. II. Associação Educacional Labor. III. Série. CDD 371 Direção da Educ Maria Eliza Mazzilli Pereira Produção editorial Maria do Carmo Guedes Preparação e revisão Sonia Rangel Finalização e acabamento Waldir Antonio Alves Equipe responsável Margarida M. P. Gioielli Sílvia Pompéia Daniella Michel Equipe de redação Margarida M. P. Gioielli Sílvia Pompéia Criação dos personagens Francisco S. Villela Pinto Revisão pedagógica Vanda Noventa Fonseca Edição de texto e imagens, projeto Lia Zatz e Guida Amaral Distribuição e vendas: E-mail: [email protected] Fax: (11) 3873-6133 As ilustrações deste fascículo foram elaboradas a partir das publicações de direito autoral livre, a seguir: Graphic Source, Silhouette Spot Illustrations, More Silhouettes, Sillhouettes of Children, Reading and Writing Silhouettes, Old-Time Silhouettes e Clip Art do Programa Corel Draw. labor4.p65 2 11/11/01, 22:24 Apresentação Apoiar o ensino fundamental exige, hoje, ter respostas concretas a problemas, entre outros, como o desajuste entre a escola e seus alunos e a situação de desamparo do professor em sala de aula. Idéias como essa aproximaram a PUC-SP e as autoras da Proposta Pedagógica Labor que a testaram, com apoio da FAPESP e da VITAE, em quatro escolas públicas de São Paulo. Originalmente elaborada por equipe de educadores com larga experiência junto a crianças com histórico de fracasso escolar, a Proposta Pedagógica Labor se consolida na forma de um conjunto de textos. Com apoio da ASSOCIAÇÃO EDUCACIONAL LABOR entidade sem fins lucrativos, que tem como objetivo apoiar a Proposta em escolas públicas , a EDUC publicou uma edição experimental liberada, então, para avaliação pela comunidade. Agora, com a avaliação positiva de professores, coordenadores pedagógicos, diretores e a aprovação do COMPED Comitê dos Produtores de Informação em Educação para integrar sua linha de publicações de apoio à formação inicial e continuada do professor, a EDUC lança, para um público mais amplo, a versão dos fascículos que compõem, hoje, a Proposta Pedagógica: 1. Relação escola-comunidade. 2. Teoria e prática. 3. Pequeno projeto didático. 4. A escola no mundo moderno. 5. Atividades da vida diária. 6. Avaliação. 7. Auto-estima. Trata-se, no entanto, de proposta aberta a revisão constante, já que apoiada na idéia de lidar com alunos e professores concretos. Sugestões serão bem-vindas: Associação Educacional Labor [email protected] ou EDUC Editora da PUC-SP [email protected]. 3 labor4.p65 3 11/11/01, 22:24 4 labor4.p65 4 11/11/01, 22:24 Era uma vez Os personagens dessas histórias são pura ficção. Qualquer semelhança com a realidade terá sido mera coincidência. Quando parece que as coisas estão indo melhor para Marina, a reação de colegas e problemas de disciplina com as crianças ameaçam sua paz. Que mundo complexo e difícil é este? Como lidar com ele? Veja como Marina acaba fazendo, por si mesma, uma descoberta interessante. O UM DIA QUE COMEÇOU MAL dia começou com uma rápida reunião dos professores das quartas séries, no horário da primeira aula. A diretora pedira que os alunos fossem dispensados da primeira aula; queria trazer algumas questões apresentadas pelos professores das quintas séries. Todo ano, mais cedo ou mais tarde, acontecia isso: os professores especialistas se queixavam do nível dos alunos da quinta série e eram as professoras da quarta que levavam a culpa. Desta vez, até as aulas de ciências de Marina foram questionadas. Veja bem, Marina, sei que seus alunos aprenderam muita coisa e aprenderam bem: a classe toda teve um aproveitamento bem acima do habitual. O que me preocupa é o tempo que foi gasto com um único ponto do programa. Um mês inteiro com um assunto só. Será que nesse ritmo você vai conseguir vencer todo o programa de ciências para a quarta série? Marina não gostava de ser criticada e logo se defendia com unhas e dentes. 5 labor4.p65 5 11/11/01, 22:24 E de que serve a gente correr com o programa, entulhar a cabeça das crianças com um monte de informações que elas não conseguem assimilar? No fim do ano, a gente pode dizer que passou o programa todo. Mas pode dizer que os alunos aprenderam mesmo? Eu dei esse ponto numa semana. E meus alunos não foram tão mal assim na prova comentou uma professora. Pois eu não ensinei só o conteúdo que estava no programa: meus alunos aprenderam a observar, a pensar, a verificar suas hipóteses, concatenar as idéias; eles aprenderam a fazer textos informativos e a usar seus conhecimentos no seu dia-a-dia. Isso é que é importante! Até uma lamparina a óleo você inventou de fazer com os alunos comentou a outra, irônica. De que serve uma lamparina? Para ensinar o quê? A diretora, conciliadora, não deixou se prolongar aquela discussão e a reunião terminou sem muitas conclusões, já que o tempo era curto. Marina, magoada e irritada, foi direto para a sua classe. Os alunos não ajudaram. Estavam especialmente irrequietos nesse dia; era sempre assim quando as aulas começavam um pouco mais tarde. Foi um custo segurá-los até o recreio. Por mais que a gente faça, essas crianças de hoje são difíceis: são muito dispersivas, desorganizadas. Não param quietas na carteira, não prestam atenção. Parece que têm ouvidos e olhos para tudo, menos para a lição. Na verdade, estão sempre alertas mas enxergam e ouvem as coisas pela metade, logo se distraem, a coisa mais difícil é se concentrarem. Na hora do recreio, a coisa piorou. Uma correria, uma agitação desenfreada, um barulho que deixava a todos enervados. Alguém fechou a porta da sala de professores, procurando amenizar o desconforto. 6 labor4.p65 6 11/11/01, 22:24 A cada ano as crianças parecem piores e essa piora é visível a olho nu! falou uma professora mais velha. Estão cada vez mais agitadas, mais barulhentas, parecem um bando de selvagens. A hora do recreio, que deveria ser de descanso, fica insuportável com essa gritaria e essa molecada desembestada. Estão espairecendo, coitados defendeu a Dora. Já ficaram tanto tempo quietos, parados, apertados na sala de aula... Não sei não. No meu tempo, a gente também ficava quieto e apertado na classe, mas era diferente na hora do recreio. A gente brincava, ria, conversava. Hoje, não. Se você olhar bem, vai ver que as crianças nem sabem brincar: só correm, esbarram umas nas outras, um pandemônio! Parece que o maior interesse que elas têm é fazer balbúrdia, bagunçar tudo. Marina acenou com a cabeça, concordando com a velha professora. Estava tensa e o recreio acabou sem que ela tivesse tempo de relaxar um pouquinho. A BRIGA Os alunos voltaram à classe suados e alvoroçados. Para cortar aquele clima de bagunça, Marina logo começou as atividades. Estava trabalhando a fixação da tabuada com um campeonato. Os alunos participavam com muito entusiasmo: primeiro, fazia todos lerem alto as tabuadas que tinha num quadro grande; depois, escondia o quadro e ia perguntando para um aluno por vez. Se o aluno acertava, sua fileira ganhava um ponto. Se ele errava, ela chamava qualquer aluno de outra fileira que levantasse a mão. Quando completava a rodada de todos os alunos, dava o jogo por terminado naquele dia e contava os pontos. Gostava de fazer essa atividade todo dia, de preferência depois do recreio, que era uma forma de prender a atenção dos alunos e quebrar o clima mais agitado que sempre acontecia quando eles voltavam. 7 labor4.p65 7 11/11/01, 22:24 Mas, naquele dia, nem isso deu certo: um dos primeiros que ela chamou, o Fábio, não respondeu. Estava amuado, empacado que nem uma mula. Otávio, que era do mesmo time, não se conformou de perderem um ponto assim. Deixa eu responder, psora, que a gente não pode perder só porque ele está nervosinho! Marina não deu ouvidos. Não gostava quando um menino emburrava assim e era bom o Fábio ver que só tinha a perder com isso. Otávio ficou muito bravo. Pulou da carteira, correu até o colega, deu um cutucão e fez alguma provocação. Fábio se descontrolou: avançou em cima do outro com tudo. Foi uma luta rápida, mas violenta. Marina teve que segurar os dois e usar de toda a sua energia para apartá-los. Furiosa, levou, ela mesma, os dois brigões para a diretoria. Quando voltou, viu os alunos se sentarem correndo, fazendo pose de comportados. O clima era de alarme. Ela também ainda estava tremendo de raiva. Em silêncio, apagou a lousa e decretou: Acabou o jogo. Vocês não merecem que a gente se esforce pra dar uma aula interessante, agradável. É que o Fábio estava nervoso, professora arriscou uma menina, baixinho. No recreio, uma turma da sexta tava zoando com ele... E isso é motivo pra ele sair despejando em todo mundo? respondeu Marina, enervada. Não sei o que há com vocês. Estão cada vez mais agressivos, brigam e lutam por qualquer motivo, brigam até mesmo dentro da classe e não estão nem aí quando a gente manda parar. São mimados demais, cheios de não me toques, qualquer coisinha já fazem um barulhão. Mas para avançar nos outros, bater, xingar, não fazem cerimônia. Tudo dá em briga. Será que não receberam educação em casa? Os alunos ouviam o sermão de cabeça baixa, cara fechada. Amaralina tinha os olhos cheios de lágrimas. 8 labor4.p65 8 11/11/01, 22:24 Robson, lá no fundo da classe, resmungou: É sempre assim, os outros aprontam e quem não fez nada leva a culpa. Só sabem dizer: vocês isso, vocês aquilo. Que saco! Marina sentiu o sangue ferver. Tinha vontade de bater naquele menino. Cortou a ousadia do garoto com palavras tão ríspidas que todos se encolheram nas carteiras. Aproveitou a calma aparente dos alunos para passar um exercício demorado o suficiente para mantê-los ocupados até o fim da aula. Uma lição daquelas que os professores gostam, um monte de conteúdos para estudar em pouco tempo. Os alunos ficaram em silêncio, mas o clima era tenso, de tanto mau humor, que ela ficou o tempo todo de prontidão. A maioria da classe fingia que estava trabalhando. No fim da aula, ela comprovou: mais da metade nem completara a primeira parte do exercício. Não tem a menor dúvida: esses meninos de hoje são pre-gui-ço-sos. São comodistas e qualquer esforço, pra eles, é um enorme sacrifício. Querem aprender sem fazer força, querem conseguir as coisas sem qualquer trabalho. Às vezes, até se interessam por alguma coisa mas se cansam logo, perdem o interesse antes de chegar ao fim; na primeira dificuldade já querem desistir. Têm grandes sonhos, acham que vão conseguir tudo, mas perseverança é uma palavra que não existe pra eles. Parece que imaginam que o mundo é mágico, prontinho para a sua satisfação e quando se deparam com tarefas a cumprir, consideram um grande desaforo. E como resmungam, como se queixam de tudo! O sinal da saída soou, para alívio de todos; foi um custo para conter a impaciência dos alunos e garantir que a classe não debandasse numa correria pela porta afora. JOANA, A MERENDEIRA Quando passaram pela cantina, viram Fábio que, pacificado, lavava alguma coisa na pia. O Fábio é que se deu bem! cochichou uma menina. 9 labor4.p65 9 11/11/01, 22:24 Aquele comentário e o ar de satisfação do garoto mexeram com Marina. Entrou na cantina e Fábio se encostou na merendeira, como que pedindo proteção. O que você está fazendo aqui? perguntou, agressiva. Ele estava muito nervoso lá na diretoria falou D. Joana. Então, a diretora me deixou trazer ele aqui para tomar uma água. E ele estava me ajudando, não é, Fábio? O tom calmo e carinhoso da merendeira aumentou a indignação da professora. Mas agora já está na hora da saída. Vai pegar suas coisas e chispa daqui, que eu nem quero mais ver você hoje. Fábio saiu apressado e silencioso. É sempre assim! A gente manda um aluno malcriado, insuportável para a diretoria e ninguém faz nada: ficam agradando, consolando, como se a professora é que fosse a culpada. Por isso é que eles nunca se emendam! Não é isso, D. Marina respondeu D. Joana, conciliadora. É que ele estava mesmo muito nervoso, só queria bater no Otávio. Não dava pra deixar os dois juntos, nem na classe, nem na diretoria. Enquanto ele não se aquietasse, ninguém podia fazer nada. Pois é, esses alunos já não precisam se controlar: quanto mais agitados e agressivos eles ficam, mais a gente agrada. Para acalmar. E eles estão sempre piorando. É este mundo que a gente vive, D. Marina. Tem barulho demais, movimento demais, deixa a gente atordoada. Os meninos estão excitados por demais com toda essa agitação. Parece que eles precisam de fazer mais barulho ainda, pra se escutar... Quanto mais tumulto em volta deles, mais tumulto eles fazem. Cidade grande não é bom pra menino crescer, não tem sossego. Menino também sofre com isso. Ninguém percebe, mas eles andam nervosos. 10 labor4.p65 10 11/11/01, 22:24 Que nem os adultos. É muita excitação. D. Joana tinha uma fala mansa, carregada naquela música do sotaque mineiro. Sem saber por que, Marina também se sentiu um pouco consolada com aquela conversa. Como Fábio. Mas não podia continuar ali; tinha pressa. Só a senhora não perde nunca a sua tranqüilidade, né, D. Joana? Parece que tem um estoque pra distribuir... falou, despedindo-se. O resto do dia foi desgastante, na correria de sempre. Marina arrastava um peso pesado no coração. Era uma mágoa enorme, um desânimo por não ser compreendida pelos colegas, pelos alunos, por todos. Ninguém dá valor para o que a gente faz... A MÚSICA DE CHOPIN Marina chegou em casa cansada e com os nervos à flor da pele. Sentiu até um alívio quando encontrou a casa vazia. Seu marido estava viajando e os filhos jantariam fora, na casa do primo. Nem acendeu a luz. Sentou no sofá da sala e se deixou ficar, tentando acalmar o tumulto da sua cabeça. Podia aproveitar o tempo pra fazer tanta coisa atrasada, mas não tinha vontade de fazer nada. Sentia-se machucada, nervosa; este dia tão espinhoso a deixara assim. Havia ainda um espinho que doía mais: o olhar de ódio do Robson. O pior aluno da classe: agressivo, desobediente, resmungão. Insuportável. E nem adianta chamar a mãe para conversar, uma pobre coitada, só fica se lamentando, que em casa o filho é assim também, bate nos irmãos, não respeita ninguém. Marina se levantou da cadeira, tentando fugir desses tristes pensamentos. Acendeu a luz, foi beber água, pensou em ligar a TV pra se distrair. Em cima do aparelho, encontrou a fita que ganhara da filha no dia das mães e sorriu. Era uma boa gravação de Chopin. Meus filhos caçoam do meu gosto por música clássica, romântica, mas quando é pra me dar 11 labor4.p65 11 11/11/01, 22:24 um presente, escolhem o que eu gosto. Resolveu escutar a música, seu passatempo predileto. O piano começou baixinho, ela pensou em pegar uma costura ou o tricô, como era seu costume. Mas não fez nada: sentou-se e fechou os olhos, era uma música tão linda... foi escorrendo por dentro dela, mansa, macia, como um banho de água morna. Parou de pensar. Só ouvia. E sentia. Ficou ali um bom tempo. As notas doces e harmoniosas do piano eram um reconforto, devolviam-lhe a tranqüilidade. Como gostava daquilo! O corpo relaxou e os pensamentos ficaram leves. Lembrou-se de Ângela, sua ex-aluna. Ela, pelo menos, me deu valor. Sorriu. O encontro com Ângela fora, na verdade, um marco na sua vida. Nas lembranças da ex-aluna reconhecera uma outra Marina, mais feliz e mais criativa. E aquela Marina que andava meio adormecida, escondida pelos cantos da sua alma, voltara trazendo uma porção de coisas novas. Mas, hoje, a amargura tomara conta de tudo. Eram outros tempos. As crianças eram mais fáceis, mais tranqüilas. Por que essas crianças de hoje estão assim? Afinal, os biólogos dizem que elas nascem iguaizinhas às crianças de mil anos atrás. Se não nasceram diferentes, então foi a vida que as tornou diferentes. Que mundo é esse, que as deixa desse jeito? A fala da merendeira lhe veio à cabeça. Barulho demais, movimento demais, tumulto... D. Joana sempre vivera no interior de Minas; depois de viúva, viera ficar com os filhos, todos já morando na cidade. Quando começara a trabalhar na escola, já tinha a cabeça toda branca e era avó de muitos netos. Devia ser difícil para ela, viver no ambiente agitado da cidade grande. Mas nunca se queixava. Estava o tempo todo trabalhando quietinha, sempre calma, gentil. Humilde, mas cheia de inteligência, sensibilidade. 12 labor4.p65 12 11/11/01, 22:24 Marina gostava de ouvir suas observações, sempre surpreendentes: Eles andam nervosos que nem os adultos. É muita excitação. Marina sorriu. D. Joana, às vezes, usava uns termos antigos, sofisticados até... excitação... Levantou-se para pegar o dicionário. Queria ver bem o que significava essa palavra. Encontrou: • excitação: grande agitação; exaltação; irritação, exacerbação e... • excitar: estimular. Sorriu. Não é que faz sentido? Sábia velhinha, aquela... A gente pensa que as crianças gostam do barulho e do movimento, que elas é que fazem isso. Mas pode ser como D. Joana disse... Isso também faz mal a elas, não só aos adultos. A minha classe, por exemplo: voltou enervada do recreio, tal como eu. O Otávio, a Adriana tentaram me dizer que o Fábio estava sofrendo com o que lhe acontecera no recreio, por isso estava nervoso. Mas eu, nervosa também, nem quis ouvir. Culpei a todos pelo meu desconforto, acusando meus alunos quando pode ser que eles fossem, de fato, as maiores vítimas. Que será que aconteceu com o Fábio no recreio? Ele estava mesmo bem atormentado... Coitada da diretora: talvez, se eu estivesse no lugar dela, faria a mesma coisa, mandaria o Fábio ir se acalmar com D. Joana. É incrível como ela consegue dar conta dos alunos mais terríveis... A próxima vez que eu notar um menino muito agitado, nem vou mandar pra diretoria, já mando direto para ela. Marina já estava animada outra vez. Já retomara sua esperança. Esta música me faz bem... Devolveu minha tranqüilidade! A SURPRESA No dia seguinte, Marina chegou na escola carregando um pequeno gravador. Começou a aula com uma conversa incomum: Ontem, eu acho que fiz uma coisa muito errada e quero me desculpar com vocês. Principalmente com o Robson, porque ele tentou me avisar e eu não entendi. 13 labor4.p65 13 11/11/01, 22:24 A classe estava muda de espanto. Todos olhavam para o Robson, que se remexeu na carteira, desconfortável, a cara emburrada, olhando para a parede. O problema do Fábio no recreio, aquela briga, aquele alvoroço todo, foi muito chato pra mim, mas foi mais chato ainda pra vocês. Eu fiquei muito nervosa e vocês também ficaram nervosos. Só que eu fiquei me queixando de vocês, acusando todo mundo, sem ver que vocês não tinham culpa, tiveram que aguentar tudo, tanto quanto eu. Não foi isso que você quis me dizer, Robson? Robson quieto, encolhido. Você tinha razão, Robson. Eu devia acalmar a classe, em vez de ficar brigando e acusando vocês pelo que estava acontecendo. Quem acha, como eu, que o Robson tinha razão? Bernardo levantou o braço, devagar. Os outros olhavam, ainda sem coragem. Depois, Karen também. E os braços foram se levantando, um a um. Robson, ainda desconfiado. Olhando para a parede, a cara fechada. Pois é. Acho que eu não fui justa com vocês. Professor também erra de vez em quando. Mas o importante é perceber que errou pra poder consertar. O Robson quis me avisar, mas eu estava tão brava que nem entendi. Fiquei mais brava ainda. É verdade que o Robson falou de um jeito malcriado, mas ele também estava nervoso, não é, Robson? O menino abanou a cabeça, quase sem se mexer. Então, quando cheguei em casa, ontem, eu estava superaborrecida, cansada. Aí, comecei a ouvir uma música de que gosto muito, pra ver se me sentia melhor. É uma música muito linda, mansinha, doce, que faz bem à gente. Quando eu me acalmei, consegui entender o que o Robson tentou me falar. Aí, eu tive vontade de trazer essa música pra vocês ouvirem também. Porque ela é meio mágica. Acalma a gente e deixa os sentimentos bons aparecerem. Quem quer ouvir? Muitos braços se levantaram. Vou pedir pro Robson vir aqui, ligar o gravador. 14 labor4.p65 14 11/11/01, 22:24 O menino hesitou. Queria continuar emburrado no seu canto, mas a vontade de mexer no gravador, ligar o aparelho, foi maior. Marina recomendou que todos ficassem bem quietos para ouvir a música, pois ela era baixinha; que tentassem ouvir também seus sentimentos. O som macio do piano se espalhou pela classe, a meninada debruçada na carteira, ouvindo. Quando Marina desligou o gravador, cinco minutos depois, houve murmúrios de protesto. Marina recomendou que todos respirassem fundo, deixando o ar sair devagarinho. E prometeu um pouco mais de música depois do recreio. Para descansar. Foi um dia tão tranquilo que Marina decidiu repetir muitas vezes a experiência. Sempre justa, quis dividir seu sucesso com D. Joana. A senhora é quem tinha razão: as crianças de hoje sofrem com toda essa agitação. É preciso inventar algumas atividades só pra relaxar, pois isso faz muito bem a elas. E foi tão gostoso trazer uma coisa de que eu mesma gosto, pra partilhar com elas... Quando a gente traz uma coisa de que a gente gosta muito, sempre as crianças se agradam também. Parece que o gosto da gente pega. Que nem gripe. É isso! Contagia riu Marina. A senhora, D. Joana, entende muito de criança. É uma educadora nata. Devia ajudar a gente, dar suas idéias na reunião de professores. Qual! Uma matuta da roça, que nem eu... E a senhora não criou seus filhos? Não está aí, o tempo todo observando os alunos, lidando com eles, acalmando, dando conselhos? Todo mundo que trabalha numa escola está sempre educando. Todos devem fazer parte da equipe pedagógica da escola. 15 labor4.p65 15 11/11/01, 22:24 Qual! repetiu a merendeira, teimosa. A gente nem tem estudo! Como é que vai ficar lá com os professores. Só se for pra fazer feio! Pra fazer bonito, D. Joana, pra fazer bonito! A coisa anda tão preta que os professores nem sabem bem o que fazer: precisam da ajuda de todos, todos. A senhora fala assim porque, às vezes, os professores parecem meio convencidos, não dão a devida atenção. Eu, por exemplo, quando estou atacada, não escuto ninguém, vou logo respondendo na lata! Que é isso, D. Marina? A senhora sempre ouve. E sempre dá uma resposta boa. É só dar um tempinho... Marina riu com gosto. E deu um beijo na sábia merendeira. 16 labor4.p65 16 11/11/01, 22:24 Você pode ajudar na busca do entendimento mais amplo dessas questões e na descoberta de estratégias que ajudem a resolvê-las. Nossa conversa Vamos conversar, aqui, sobre algumas hipóteses que permitirão refletir sobre o que está acontecendo com nossas crianças, tão inquietas, dispersivas, agitadas e todas essas coisas, que tanto dificultam o trabalho dos professores. Onde estarão as causas dessa agitação? Na situação das famílias? Acontece somente em algumas escolas? Como será em outras cidades, em outros países? O mundo moderno não tem sido muito favorável para o ofício dos educadores. Apesar de uma tecnologia avançada, das facilidades como poder contar com as copiadoras, os vídeos e os jogos educativos, e mesmo os computadores , nosso mundo complicou bastante o trabalho dos pais e professores, da família e da escola, por vários motivos. Sabemos pouco a respeito da influência e das conseqüências da vida moderna na formação das nossas crianças e adolescentes; mas podemos perceber alguns problemas que vêm exigindo profundas mudanças na escola. E imaginar soluções. Escolhemos apresentar aqui, para discussão, quatro problemas ou complicadores que parecem dificultar o trabalho da escola e dos professores. Como não temos verdades conclusivas nem soluções experimentadas, expomos com simplicidade algumas constatações, alguns diagnósticos e algumas hipóteses de soluções para esses problemas, esperando que você, professor, ajude-nos a verificar a justeza dessas observações. 17 labor4.p65 17 11/11/01, 22:24 PRIMEIRO COMPLICADOR: A ESCOLA P ERDE P RESTÍGIO Constatando: O mundo moderno, com suas rápidas transformações, suas numerosas conquistas, descobertas, seu montante inesgotável de informações, tem invadido e desorganizado a instituição escola, exigindo dela mudanças profundas, para as quais não estava preparada. Se, por um lado, o avanço tecnológico oferece recursos preciosos para o ensino, põe também em xeque as estratégias e os métodos tradicionais, exige espaço físico, aparato instrumental e preparo para o seu aproveitamento, condições difíceis para nossos recursos. Os meios de comunicação de massa, sobretudo o rádio e a televisão, desbancaram a escrita como principal forma de armazenar e comunicar informações a distância e desbancaram a escola da sua posição de principal centro dinâmico de informações. O mundo moderno, portanto, parece atacar o papel do professor, invadir seu espaço, enquanto exige da escola que ela seja cada vez mais abrangente, eficiente e inovadora. Tentando diagnosticar: Não há como negar, a tecnologia trouxe mudanças importantes no comportamento e no nível de exigência dos homens. Quem, hoje, na cidade, se dispõe a matar um frango e depená-lo para depois cozinhar? Enquanto nossas avós faziam isso com naturalidade, nós, mulheres de hoje, só conseguimos pensar na compra do frango limpo, ensacado e quase pronto. Da mesma forma, qual o professor que se prestará a elaborar um texto ou uma prova e copiá-lo à mão para cada um dos seus alunos, quando já conheceu o estêncil ou uma copiadora xerox? Assim, também, os alunos protestam ao ter que ficar assistindo uma aula expositiva, recebendo as informações 18 labor4.p65 18 11/11/01, 22:24 passivamente, quando fazem isso diante de uma TV de forma muito mais completa e com muito mais graça. Será que o tempo da cátedra, por mais que insistamos, não estará condenado? A TV, a mídia em geral, habituaram as nossas crianças a uma outra forma de receber informações, que supera em qualidade e eficiência a simples aula tradicional de um professor a exposição oral com escrita ou desenho na lousa. Não adianta o professor ficar revoltado ou deprimido com o comportamento dos alunos dentro da sala de aula: eles estão tão intolerantes ao ensino tradicional quanto nós estaríamos se quisessem nos obrigar a matar e depenar frangos, tal como faziam pacificamente nossas avós. Não adianta o professor clamar contra os defeitos e limites, a superficialidade e os perigos da TV. Comer um frango recém-abatido é mais gostoso e mais nutritivo, mas nem por isso nos conformamos em usar esses procedimentos. · Buscando soluções: O que a aprendizagem necessita, realmente, é de algo mais, que está fora do alcance da TV: a interação, a possibilidade de perguntar, corrigir, exercitar, manusear ou lidar com a realidade concreta, não-virtual. É esse o espaço do professor. A educação necessita da presença, do diálogo, do olho no olho, da atenção, do reconhecimento, da emoção e da confiança daquele que educa. Esse é o trabalho insubstituível do educador. Quem poderá, melhor do que ele, conhecer individualmente cada criança ou jovem, ajudá-lo a se descobrir, a encontrar um caminho próprio, sua presença fundamental na comunidade? O mundo mudou e vem exigindo também mudanças na função do professor: seu papel de transmissor de informações, de expositor, tende a diminuir, enquanto cresce seu papel de interlocutor, de fonte de estímulo, de condutor 19 labor4.p65 19 11/11/01, 22:24 da aprendizagem. O professor deixa de ser um simples ensinador e passa a ser um mestre, um planejador de situações de aprendizagem. Uma vez que a escola e os professores tomarem consciência desse seu papel mais importante, mais nobre e conseguirem adotar esse novo ponto de vista, então, as conquistas tecnológicas deixarão de ser um complicador e poderão se tornar um precioso apoio, instrumento para aqueles que quiserem e souberem usar. SEGUNDO COMPLICADOR: A ESCOLA É MAIS SOLICITADA Constatando: Há, hoje em dia, uma expectativa muito grande em torno da formação e da habilitação das crianças e dos jovens. Todo mundo quer que eles estejam solidamente preparados para enfrentar desafios e especialidades cada vez mais complexas. A família, principalmente a família-por-fora, de que temos tratado aqui mais especialmente, já não consegue assumir uma boa parte da formação dos seus filhos para o trabalho e a vida, por estar, ela mesma, incapacitada de assimilar e dominar todas essas mudanças. Assim, cada vez mais se considera que a escola é responsável pela formação desses jovens e é dela que se exige todo o esforço e toda a realização. E é a ela que se dirigem as críticas, quando o resultado não responde às expectativas. A escola e os professores vêm sendo mal vistos e mal atendidos por nossa sociedade. Professores e alunos se vêem mergulhados num mar de exigências e se sentem incapazes de corresponder a todas elas. Muitas vezes são atropelados pelas novas descobertas, novas teorias e métodos que são substituídos rapidamente, quando apenas começam a ser assimilados. 20 labor4.p65 20 11/11/01, 22:24 Tentando diagnosticar: Já acumulamos na nossa cultura uma quantidade infinita de informações. E estamos vivendo uma época em que o conhecimento da humanidade vem se ampliando numa velocidade vertiginosa. As inovações, as descobertas são constantes em todas as áreas da ciência e da tecnologia e as transformações se sucedem. Com as máquinas, o homem consegue fazer em poucos dias o que levaria anos para fazer sem elas. Essa experiência empolgante leva a nossa sociedade a acreditar que tudo pode acontecer dessa forma: rapidamente, conseguir grandes transformações. A nossa sociedade tem pressa. É voraz e competitiva. É volúvel e sem limites nas suas possibilidades. No entanto, há áreas em que o ritmo dos acontecimentos continua atrelado à lenta transformação da natureza: é o caso da agricultura e da educação. Não há máquina que consiga fazer uma semente de milho germinar e crescer em três dias; nem que consiga abreviar o tempo de gestação da mulher ou fazer um bebê começar a falar aos dois meses de idade. Assim como o agricultor, o educador tem que esperar o tempo da natureza, tem que enfrentar as intempéries, lidar com os imprevistos e com as particularidades de cada menino ou menina com quem trabalha. Da mesma forma que é impossível acumular numa só cabeça todas as informações de que já dispomos na nossa cultura, também é impossível desenvolver, em um mesmo aluno, todas as competências que se espera de um adulto completo. Por isso, muitas vezes o trabalho do educador é pouco valorizado, considerado de pouca eficiência. Se a escola se preocupa demais em estar atualizada, em seguir todas as correntes, as modas, em colocar tudo o que existe à disposição dos alunos, corre o risco de se perder num emaranhado de caminhos, numa instabilidade que, fatalmente, vai confundir alunos e professores. 21 labor4.p65 21 11/11/01, 22:24 Buscando soluções: Uma forma de levar os alunos a aproveitar a enorme riqueza de conhecimentos que a humanidade acumulou e está conquistando, é reduzir nossa preocupação de informá-los e dar maior importância a habilitá-los a buscar e usar as informações. Estimular suas próprias capacidades e talentos, desenvolver habilidades, formar atitudes, esta nos parece a função principal da escola de hoje. Um dos princípios da Labor é o de que: A função primordial da escola não é informar, mas, sim, formar aprendizes: oferecer instrumentos eficazes para que os alunos possam buscar informações, compreendê-las e utilizá-las, possibilitando-lhes que aprendam sempre. Assim, acreditamos que o mundo moderno pede uma radical mudança de postura ao professor. Antes, ele tentava desenvolver nos alunos habilidades cognitivas e atitudes que pudessem servir como instrumentos para adquirir informações sobre um tema. Hoje, ele deverá, sobretudo, usar um tema e as informações que estão disponíveis como instrumentos para desenvolver as habilidades e atitudes necessárias para o aluno se tornar apto para aprender sempre. Outro aspecto importante para formar os alunos com solidez e coerência é fazer escolhas e seguir essas escolhas com alguma estabilidade. Diferentes caminhos podem nos levar ao mesmo lugar. Mas muitos caminhos, juntos, não nos levam a lugar algum. A escola precisa ter um caminho básico, uma linha mestra, uma postura coerente para oferecer um ambiente de educação verdadeiro. TERCEIRO COMPLICADOR: A ESCOLA LIDA COM UMA CRIANÇA MAIS COMPLICADA Constatando: A mudança no perfil dos alunos que freqüentam a escola nessas últimas décadas é um consenso, pelo menos 22 labor4.p65 22 11/11/01, 22:24 entre os educadores no mundo ocidental. Fala-se muito do aumento da agitação, da desordem, da dispersão e falta de limites dentro da sala de aula; das dificuldades de atenção, concentração, interesse e esforço nos estudos; da postura menos respeitosa e mais exigente em relação à autoridade; da agressividade, da indisciplina, do aparente excesso de autoconfiança da criança moderna. Evidentemente, com esse novo perfil dos alunos, o trabalho do professor se torna muito mais difícil, vulnerável, penoso. A descrição dos alunos em escolas da cidade grande é a mesma, sejam eles ricos ou pobres, com pais severos ou liberais, de tal ou qual cidade ou país. As explicações podem ser diferentes, mas, se o fenômeno é o mesmo, as causas não seriam mais universais? Tentando diagnosticar: Na década de 60, o educador belga Louis Évely levantou algumas hipóteses mais abrangentes sobre as causas dessa maneira de ser das crianças de hoje. A vida moderna, marcada por uma tecnologia avançada, pela dispersão da família, pelo excesso de estimulação dos sentidos, pela pressa e pelas constantes mudanças seria responsável pelo quadro de agitação, falta de concentração, irritabilidade e comodismo da criança moderna. Há um excesso de estímulos que atingem as crianças no seu dia-a-dia, na hora de comer, de dormir, de brincar, etc. Os sons do rádio, dos carros e das máquinas em funcionamento; as imagens que passam velozmente na TV, nas janelas dos carros, nos outdoors, etc.; a constante mudança de ambientes, tudo isso desnorteia a criança, provoca excitação, anestesia a percepção e dirige o tempo todo sua atenção para fora, não lhe dando tempo para digerir as sensações. 23 labor4.p65 23 11/11/01, 22:24 Veja o que este educador escreveu, no livro Éduquer en séduquant: A criança precisa de tempo para descobrir o seu mundo, precisa repetir muitas vezes suas experiências para compreendê-lo. Quando é pequena precisa de ordem, de rotina e de constância para construir suas previsões, sua personalidade e seu conhecimento. Se a estimulação é importante para que a criança se desenvolva, possa exercitar suas capacidades e despertar para o mundo, o excesso de estimulação dificulta a verdadeira assimilação do conhecimento, agita e provoca irritação. A interação com o ambiente, que é fundamental para o desenvolvimento da criança, fica prejudicada tanto pela ausência de estímulos como pelo seu excesso. A criança moderna tem poucas chances de desenvolver sua capacidade de observação, de análise, de pousar demoradamente o olhar sobre as coisas que a rodeiam. Habituou-se ao olhar apressado, a passar pelas coisas sem ver e a ver sem enxergar; a ouvir sem escutar, a assistir sem interferir, sem deixar sua marca, sem experimentar. O exercício de concentrar atenção, de experimentar, de ver com as mãos, de modificar o que vê, que sempre foi o passatempo predileto da criança pequena, pelo menos até os 7, 8 anos, tornou-se muito menos freqüente pela concorrência de outras distrações, prejudicando o desenvolvimento de algumas capacidades essenciais. 24 labor4.p65 24 11/11/01, 22:24 Outra conseqüência do mundo moderno, pautado por uma avançada tecnologia, é a dificuldade de avaliar e conhecer a realidade. O mundo das máquinas é mágico, fantástico, artificial. Nunca o homem se sentiu tão poderoso e tão impotente como no nosso tempo. Sente-se poderoso porque, com suas máquinas, é capaz de realizar grandes prodígios, vencer distâncias, encurtar o tempo, multiplicar a produção. Sente-se impotente porque se habituou com as máquinas, planejou sua vida a partir delas e sabe que depende delas para tudo; sem elas, fica desorientado, não sabe o que fazer, percebe-se incapaz para resolver suas necessidades. Além disso, uma meta das mais importantes na nossa sociedade é a de facilitar as coisas, de realizar cada vez mais com menos esforço; para diminuir a ação do homem, os cientistas e inventores dedicam toda a sua energia. Valorizamos tudo que é automático, rápido, fácil. Se temos que rodar uma manivela para abaixar o vidro de uma janela, inventamos o vidro que desce automaticamente, diminuindo a nossa ação para um simples apertar de botão; se temos que nos levantar para mudar o canal da TV, inventamos o controle remoto, etc. A máxima do menor esforço está presente nas propagandas, nas novidades, nas nossas atitudes mais básicas. As crianças aprendem isso desde pequeninas. Não será por isso que rejeitam o esforço, esperam que tudo seja fácil e imediato, são comodistas? Finalmente, o que mais se pede à criança, hoje, é que ela fique quieta: com o espaço reduzido das moradias e os perigos das ruas nas cidades, a criança já não pode dar vazão à sua natural necessidade de movimento, de mexer nas coisas, de experimentar. No mundo moderno urbano, adultos e crianças dividem o mesmo espaço e ambos se atrapalham constantemente. À criança se pede que fique quieta, que se distraia e aprenda sem atuar, que seja inativa; ela aprende a restringir seus movimentos e sua curiosidade, a economizar trabalho e esforço e não compreende quando exigem dela o oposto. 25 labor4.p65 25 11/11/01, 22:24 Veja o que Louis Évely escreve: A vida moderna tenta substituir por toda parte o trabalho do homem pela ação de uma máquina. A máquina exerce um fascínio no homem justamente pela capacidade de realizar rápida e eficientemente uma quantidade incrível de trabalho. No entanto, as máquinas impedem nossas crianças de amadurecer. Muito cedo, elas se habituaram à mágica da tecnologia e ao conforto que ela proporciona. Seu mundo é pré-fabricado, o que está à sua volta está pronto ou quase pronto, o esforço para se conseguir grandes transformações é mínimo, freqüentemente se resume em apertar um botão. Ela acredita, naturalmente, que o esforço, o tempo para se conseguir a satisfação de um desejo, são sempre muito pequenos e custa a compreender que isto é necessário para desenvolver suas capacidades. No entanto, quando se trata de educação, aprendizagem e desenvolvimento das suas próprias capacidades, a máquina pouco pode fazer: o homem é um ser que se constrói. Uma criança só se torna um adulto com muito tempo e muito esforço. Por isso, a natureza a dotou de tanta curiosidade, tanto gosto pela atividade, pelas aventuras e as novidades. Éduquer en séduquant Louis Évely Pois é. Assim escreveu Louis Évely, quando muitos dos atuais professores nem sequer haviam nascido! De fato, os problemas que ele apresentou só aumentaram: nossos alunos parecem cada vez mais nervosos, distraídos, passivos. Marina os descreve assim e a maioria dos professores concorda com ela. Nosso mundo vem se tornando cada vez mais barulhento, movimentado, instável, sobrecarregado de estímulos cada vez mais variados e mais intensos. E nossos alunos têm um comportamento muito parecido com aquele descrito no dicionário como excitação: agitados, birrentos, agressivos, exaltados e exacerbados. Os problemas de comportamento e disciplina vêm ocupando o primeiro lugar nas preocupações de pais e professores; tomam um enorme espaço no tempo das aulas, nas reuniões pedagógicas, nas reuniões de pais e mestres, enfim, no cotidiano da família e da escola. Nos grandes 26 labor4.p65 26 11/11/01, 22:24 centros urbanos, têm adquirido uma dimensão de real gravidade. E, o que é mais doloroso, crescem e se agravam sem que os educadores consigam enfrentá-los, nem amenizá-los: pais, professores, diretores começam a se sentir perdidos, angustiados e impotentes. Buscando soluções: Como já dissemos, não temos soluções prontas nem suficientemente testadas; precisamos da colaboração e da criatividade de todos os professores que se preocupam com esta nossa criança moderna que precisa tanto de ajuda. Temos apenas algumas idéias e estratégias já usadas por professores que trouxeram alguns bons resultados. Ao sugerir soluções, Louis Évely faz importantes colocações: Inútil imaginar uma educação como em outros tempos, sem perceber as mudanças fundamentais que caracterizam os nossos tempos. Mais inútil ainda é tentar afastar a criança das conquistas tecnológicas imaginando que assim ela será preservada daqueles efeitos colaterais que lhe são prejudiciais. Nós acreditamos necessário renovar os métodos de educação. E renová-los constantemente. O educador deve sempre seguir a criança, observá-la, auscultá-la, adaptar-se a ela para poder adaptá-la mais eficazmente e mais vigorosamente a ele e às suas tarefas de amanhã (...). Acreditamos que nos encontramos diante de uma geração muito passiva e muito agitada. Na idade em que os recebemos, a melhor maneira de tratá-los, nos parece, é estimular sua atividade por cursos muito vivos, bastante iniciativa e responsabilidade, esportes e interesses variados, e uma disciplina firme mas consentida e mesmo desejada pela maioria dos alunos (...). A reserva de vida, interesse, atividade, natural nessa idade, pode ser o trunfo dos professores para responder ao comodismo da 27 labor4.p65 27 11/11/01, 22:24 vida moderna. A criança moderna sofre com a vida inativa e passiva a que está condenada e não sabe como dar vazão à sua necessidade de movimento, ação, criação. Cabe aos educadores despertar e encaminhar o desejo latente que os alunos só conseguem expressar através da turbulência e da pura agitação. A sociedade, ainda orientada para as questões filosóficas quando se fala de educação, continua discutindo o tema dentro da dicotomia: autoritarismo x liberalismo. Mas talvez a questão esteja exigindo respostas que nada têm de filosóficas ou que pouco têm a ver com o modo de ser dos educadores. Por exemplo: se o problema é realmente o excesso de estimulação, de excitação das crianças e adolescentes, não seria mais eficiente acalmá-los, inventar formas de amenizar a excitação, através de atividades de relaxamento, do que ficar o tempo todo exigindo silêncio ou punindo os desordeiros? Ao ouvir a música de que tanto gosta e ao se tranqüilizar, Marina entendeu o que D. Joana dissera: que seus alunos também sofriam. Ao levar até eles aquilo que a apaziguara, intuiu uma forma de conseguir o mesmo com seus alunos: com toda a simplicidade, partilhou com eles aquilo que a emocionava e lhe dava satisfação. Os resultados foram bons. Acreditamos que é necessário buscar formas de oferecer na escola um ambiente mais tranqüilo, mais relaxante para as nossas crianças agitadas. O próprio ambiente físico pode sofrer pequenas modificações que reduzam o barulho e a reverberação dos sons dentro da escola; os espaços ao ar livre poderiam incluir um pedaço de chão de terra e plantas para as crianças freqüentarem e onde possam desenvolver algumas atividades; o uso de voz baixa pelos adultos, procurando chegar perto dos alunos quando querem falar especificamente com 28 labor4.p65 28 11/11/01, 22:24 Alguns professores desenvolveram atividades que tiveram bom efeito para tranqüilizar os alunos: =atividades ao ar livre = atividades envolvendo mexer diretamente com terra (plantar, cavar, construir) =atividades com música em surdina =exercícios de respiração e relaxamento =atividades que mostrem o bom efeito da harmonia em um grupo (coral, coreografias, etc.) = atividades de artes envolvendo argila, massa de papel, pintura com pincel =atividades que permitam a expressão e elaboração dos sentimentos de cada um (criação dos alunos em artes plásticas, poesia, redação, música, dança, etc.) algum deles, em geral tem um grande efeito pacificador entre as crianças. Observamos também que quando se consegue tranqüilizar os alunos, sua capacidade de concentração e aprendizagem aumenta. Não seria então o caso de preparar um pouco os alunos para aquelas atividades que vão exigir mais concentração, mais exercício mental? Ao perceber o quanto seus alunos gostaram e relaxaram com a música que trouxera, Marina lhes prometeu repetir a dose logo depois do recreio. Sábia medida: após o alvoroço e a agitação do recreio, faria uma pequena pausa, permitindo que os alunos se acalmassem antes de voltar à aula e aos exercícios planejados. Alternar as atividades que acalmam com as que necessitam de esforço intelectual pode ser uma estratégia tão rica quanto alternar atividades mais práticas com aquelas mais teóricas, como sugerimos anteriormente. Talvez nessa alternância esteja um dos segredos mais importantes do sucesso de um professor. QUARTO COMPLICADOR: A ESCOLA SE ENCONTRA NUM MUNDO COMPLEXO E INSTÁVEL Constatando: Vivemos num mundo rico, dinâmico, plural. Os avanços das ciências, as constantes descobertas e invenções, a convivência muito estreita dos vários povos e das muitas culturas que se espalham no planeta tornaram 29 labor4.p65 29 11/11/01, 22:25 nossa sociedade muito pluralista e mutável. Há uma enorme diversidade de costumes, de crenças e opiniões num mesmo espaço social e nem sempre há boa harmonia entre eles; todo dia surgem novas teorias, novos valores que muitas vezes se contrapõem aos antigos. Este mundo complexo e em constante transformação pode ser muito difícil de compreender e, por vezes, deixa as pessoas desorientadas, instáveis, sem referências. A diversidade e a mudança de valores podem acabar esvaziando pessoas e instituições, podem mesmo deixá-las sem valores e sem parâmetros. Nosso mundo moderno é cheio de promessas e de oportunidades. Oferece um grande espaço para as pessoas crescerem e se aperfeiçoarem. Mas exige um grande esforço de reflexão, muita consciência, muita criatividade e intuição para que se possa fazer escolhas, tomar decisões, traçar caminhos individuais e coletivos. Tentando diagnosticar: A criança moderna, dispersiva e sem muita noção das suas potencialidades e dos seus limites, tende a se perder neste contexto tão complexo e muitas vezes contraditório. Nossos adolescentes e jovens, pouco acostumados a refletir, tendem a assimilar, mais ou menos, as idéias novas, sem muito critério, sem perceber suas contradições; 30 labor4.p65 30 11/11/01, 22:25 muitas vezes tendo dificuldade de discriminar o que é bom do que lhes pode ser prejudicial. A juventude moderna está profundamente marcada pela falta de valores, pela falta de perspectivas, pelo conformismo com um mundo que critica, despreza, mas não se sente capaz de mudar. Nosso mundo tem se preocupado muito em desenvolver a inteligência das suas crianças, mas tem sido imprudente e omisso no trato da sua sensibilidade. Louis Évely ainda vai mais longe: para ele, a falta de valores e de perspectivas é uma doença do nosso tempo: Acredito que não são os pais, nem as famílias, os maiores culpados. Não são as crianças, nem são seus pais que estão doentes. Nosso tempo é que está doente: não há fé, a dúvida tornou-se a opinião geral; não há segurança, vivemos sempre com medo do que nos pode acontecer amanhã; não há otimismo: o mau humor, a amargura, as profecias de desgraças parecem ter-se generalizado. Ora, para crescer, as crianças têm necessidade, antes de tudo, de fé, de segurança, de confiança. Cada família pode lutar o quanto quiser que não vai conseguir se proteger das correntes de opinião que estão em voga, da moda ou das ondas que afetam a sensibilidade contemporânea. Acreditamos que muitos dos problemas de comportamento e disciplina que tanto penalizam a escola e a família, são conseqüência da desorientação e falta de referências dos nossos alunos. Sem valores, sem crenças, eles ficam à mercê dos seus instintos mais primitivos, dos seus desejos do momento; para cada atitude que tomam, buscam uma justificativa no amplo repertório de opiniões que a nossa sociedade oferece; e, perdidos nesta diversidade de costumes, valores, crenças, acabam concluindo que tudo é possível e tudo é tolerável. São contraditórios, irrefletidos, não sabem bem o que querem e se deixam levar pela primeira idéia que aparece. Defendem a liberdade mas não sabem exercitá-la; querem que tudo seja permitido, estão cheios de desejos, mas 31 labor4.p65 31 11/11/01, 22:25 sem vontade. E isto, por mais contraditório que possa parecer, deixa-os muito vulneráveis a qualquer tipo de dominação. Mas o nosso mundo em transformação não atinge só os nossos alunos: também nós, professores e educadores, nos encontramos meio perdidos, sem saber com muita clareza o que podemos, o que devemos e o que não seria conveniente fazer: vivemos com medo de sermos taxados de autoritários ou de permissivos demais, de castradores ou de ausentes, de incompetentes ou de injustos, de retrógrados ou de irresponsáveis. Somos assaltados por uma infinidade de pontos de vista, teorias, metodologias que mudam e são substituídas justo quando começavam a ser assimiladas. E quando nos defrontamos com a criança ou com o adolescente que não nos atende, que se comporta mal, que nos decepciona, muitas vezes nos sentimos inseguros, sem saber o quanto devemos nos impor e o quanto devemos atender àquela vontade que se opõe à nossa vontade. Para cada conflito, para cada comportamento inadequado das nossas crianças e adolescentes, há sempre uma dúvida pesando sobre nossos ombros de educadores, uma pergunta pairando sobre nossas cabeças: não poderíamos ter evitado? Nossa grande esperança é encontrar uma forma ou um método que resolva os nossos problemas, que facilite o nosso trabalho e garanta um bom entendimento com nossos alunos. Porém, estaríamos enganando a nós mesmos e aos nossos alunos se acreditássemos que o processo de educação pode ou deve ocorrer sem conflitos, manso e indolor, natural e não-diretivo. Educar não é nadar num mar de rosas, não é uma tarefa fácil. Educar significa promover crescimento, conduzir, fazer escolhas, muitas vezes remar contra a corrente; provocar desequilíbrios, abrir novos caminhos, propor desafios, assumir compromissos, 32 labor4.p65 32 11/11/01, 22:25 trabalhar com incertezas, correr riscos e.... quantas vezes! ter que encarar insucessos e erros de percurso. Buscando soluções: Nos três fascículos anteriores, tratamos de como o professor deve se aproximar dos seus alunos, buscar conhecê-los e compreendê-los para planejar um ensino que lhes seja mais adequado, despertando o seu interesse e possibilitando-lhes experimentar o prazer de aprender. Isto pode levar a crer que imaginamos que a tarefa principal do professor é agradar o aluno, fazer só o que ele gosta; ou que oferecemos um remédio infalível para se conseguir sempre um clima muito harmonioso e rico de aprendizagem na classe. Seria muita ingenuidade da nossa parte. E seria negar aos alunos sua condição de sujeitos que agem e interagem, que tomam iniciativas, inventam, decidem, querem e não querem. Acreditamos que muitos conflitos e muitas dificuldades de aprendizagem podem ser solucionados quando o professor consegue tornar o ensino significativo, interessante e útil para o aluno. Mas isso é só meio caminho andado; será ainda necessário desfazer preconceitos, enfrentar resistências, mudar hábitos, vencer a indolência, a desconfiança ou a falta de confiança em si, lidar com a provocação, a insubordinação. Não há respostas prontas e não há soluções milagrosas. É preciso inventar, criar, experimentar estratégias, ir construindo caminhos, acertando o passo. Então, precisamos da ajuda de todos, precisamos de muitas cabeças pensando, precisamos da criatividade, da intuição e do saber de todos. Marina, com a fala de D. Joana, de repente percebeu seus alunos de uma forma diferente: pela primeira vez, se perguntou se eles também não sentiam o mesmo desconforto que ela. Na sua simplicidade, D. Joana levou a 33 labor4.p65 33 11/11/01, 22:25 segura professora a perceber que todos estão no mesmo barco, todos partilham os problemas e todos podem desejar soluções: a merendeira, a diretora, os professores, os próprios alunos. Marina, com seu senso de justiça, reconheceu a importância da fala da humilde companheira, quis partilhar com ela seu pequeno sucesso e a satisfação que sentiu com ele. E disse uma coisa importante: todo mundo que trabalha numa escola está sempre educando. Todos devem fazer parte da equipe pedagógica da escola. É fundamental que, numa escola, todos participem do processo educativo. Ensino e educação são responsabilidades humanas e não só de uma categoria de pessoas; existiam muito antes de se pensar em escolas e, certamente, existirão sempre. A responsabilidade de educar cabe a todos: professores, diretores, funcionários, pais, até mesmo colegas. E quanto mais gente estiver disposta a pensar e a colaborar na tarefa de encontrar soluções novas para problemas novos, mais probabilidade haverá de se atingir este objetivo. Também é um princípio da Labor que: Qualquer pessoa detém um saber que pode transmitir aos outros: assim, numa escola, a equipe pedagógica se constitui de todas as pessoas que trabalham nela e não só dos professores; a escola pode ter a colaboração de pais de alunos, de pessoas da comunidade, de alunos, etc., quando for interessante para o crescimento dos alunos. Neste mundo moderno, instável e contraditório, para que a escola consiga exercer plenamente sua missão, precisa construir uma identidade própria. É fundamentada no conjunto dos seus educadores que a escola vai poder encontrar essa identidade. E é na reflexão conjunta desses educadores que pode definir metas, buscar caminhos, elaborar sua própria forma de lidar com situações envolvendo comportamentos e atitudes que considera importantes de desenvolver nos seus alunos. 34 labor4.p65 34 11/11/01, 22:25 A escola, como uma pequena comunidade onde diversas pessoas trabalham juntas, exercendo papéis diferentes, certamente tem suas normas, suas expectativas, exigências e proibições. Porém, acontece muitas vezes que essas normas não são conhecidas ou não são compreendidas e compartilhadas pelas pessoas que compõem a comunidade escolar, dando espaço para atitudes heterogêneas, discórdias, arbitrariedades. Marina, ao mandar para a diretoria seus alunos que brigavam, passou à diretora a responsabilidade de lidar com aquele problema. Porém, zangou-se ao constatar que a atitude da diretora não era aquela que ela esperava. Muitas vezes, a falta de confiança entre os adultos e sua insegurança quanto ao papel que devem exercer diante dos alunos, confundem mais do que educam. Mais do que nunca, a criança e o jovem de hoje necessitam de um ambiente organizado, estável e seguro para poder evoluir. Precisam de referências, de normas claras e do apoio firme dos adultos para que tenham condições de ver a si mesmos e ao seu mundo com mais nitidez e menos confusão. E, mais do que nunca, a escola deve reservar um tempo para que toda a comunidade escolar (inclusive alunos) reflita e decida sobre as normas essenciais que devem nortear o comportamento de educadores e educandos, pesando bem as medidas que serão tomadas, avaliando o quanto elas vão custar para serem concretizadas e mantidas. E, uma vez estabelecidas, respeitá-las com firmeza, persistência e serenidade. Para terminar esta já longa conversa, trazemos mais um trecho de Louis Évely, quando ele fala a respeito do dilema entre educação mais liberal ou mais autoritária: 35 labor4.p65 35 11/11/01, 22:25 O que falta ao nosso mundo é, talvez, uma concepção justa da obediência, uma conciliação entre o ideal de independência pessoal e aquele de solidariedade social. Não há entre autoridade e liberdade o conflito insolúvel que se imagina. Não há, pois, dois métodos de educação, um de autoridade, outro de liberdade entre os quais seríamos forçados a escolher. Toda educação começa pela autoridade com muito pouca iniciativa e termina pela iniciativa e responsabilidade com muito pouca autoridade. Autoridade e liberdade, disciplina e iniciativa devem ser as forças que compõem, de forma flexível e alternada, uma educação bem compreendida. O educador foi definido como uma vontade que se põe a serviço. Deixada a si mesma, a criança é dominada por seus instintos e seus caprichos. A intervenção da vontade forte do educador a libera. O problema, de fato, é regular essa intervenção do educador de acordo com as necessidades exatas do educando. Excessiva, a autoridade oprime, paralisa ou revolta. Insuficiente, a disciplina não apóia, mas transfere à criança um excesso de responsabilidade que a enerva e desencoraja. É por isso que a educação é uma arte: nada exige tanto cuidado e tato. 36 labor4.p65 36 11/11/01, 22:25 No seu caso como é? Responda e depois confira a interpretação que foi dada às suas respostas. Se quiser, confira como foi com seus colegas. Divirta-se! Como você vem lidando com a inquietação da classe, as brigas, os desmandos e desrespeitos? Confira, respondendo às questões deste teste. Lembre-se, é só um jogo, que vale principalmente pela oportunidade de agitar algumas idéias. Complete as frases A, B e C com as alternativas com as quais você concorda. A. Quando a classe está muito irrequieta e barulhenta, pode ser uma boa solução: ( ) 1. dar uma provinha relâmpago ( ) 2. colocar uma música alta e ir abaixando aos poucos ( ) 3. expulsar da sala dois ou três dos mais barulhentos ( ) 4. chamar a direção ( ) 5. gritar mais alto com os alunos, mandando todo o mundo calar a boca ( ) 6. fazer algo bem inusitado que prenda a atenção de todos e depois conduzi-los para uma nova atividade ( ) 7. convidar todos para irem para fora e propor uma atividade agitada que gaste sua energia, por uns 15 minutos, e depois retomar o assunto anterior ( ) 8. dar uma lição bem difícil e demorada ( ) 9. começar a contar uma história que prenda a atenção ( ) 10. propor uma atividade de relaxamento ( ) 11. interromper tudo e ficar quieto, olhando, até que eles percebam e se aquietem ( ) 12. avisar que vai dar um ponto negativo para quem não se comportar 37 labor4.p65 37 11/11/01, 22:25 ( ) 13. outras sugestões: a)_________________________________ b)___________________________________ c)_____________________________________ B. Na minha escola, muitos problemas de disciplina são resolvidos porque: ( ) 1. o(a) diretor(a) é muito respeitado(a) por professores e alunos ( ) 2. as regras da escola são bem conhecidas por todos ( ) 3. a equipe pedagógica é unida e toma decisões em conjunto ( ) 4. os professores têm uma relação amigável com os alunos ( ) 5. os atos de indisciplina nunca são desconsiderados, mesmo que não sejam graves ( ) 6. há uma boa confiança entre professores e outros educadores responsáveis pela disciplina ( ) 7. os pais conhecem e apóiam as normas e a forma como a escola lida quando elas são desrespeitadas ( ) 8. os educadores são exemplo de responsabilidade e respeito às normas ( ) 9. as regras e as sanções da escola são apresentadas e explicadas para os alunos ( ) 10. o ambiente é democrático, os alunos também são ouvidos ( ) 11. as normas da escola e a forma de lidar com os alunos são estáveis, não mudam de um dia para o outro ( ) 12. os educadores não se preocupam só em ensinar as matérias para os alunos; ocupam-se bastante em atividades para formar atitudes que levam a um bom convívio social C. Você considera que a televisão: ( ) 1. é mesmo muito útil, uma grande invenção ( ) 2. não deveria ser assistida pelas crianças ( ) 3. não deveria ser assistida por ninguém 38 labor4.p65 38 11/11/01, 22:25 ( ) 4. pode ajudar, mas só com os seus programas educativos (tipo TV Cultura) ( ) 5. não se pode contar com ela como fonte de aprendizado pois nunca se sabe o que vai passar nem a qualidade dos programas ( ) 6. é um fato de nossos tempos com o qual temos que nos conformar e, já que ela está aí, o melhor é aproveitar ( ) 7. deve ser assistida criticamente, e para isso devemos educar nossos alunos ( ) 8. é uma fonte de informações erradas, de maus exemplos, incentiva a violência ( ) 9. poderia ser alvo de alguma regulamentação por parte da sociedade ( ) 10. deveria sofrer censura do poder público RESPOSTAS AO TESTE Frase A: Se você assinalou mais de 3 dentre as alternativas 1,3,4,5,8 ou 12, pode ser que até consiga ter algum sucesso, mas poderá ser muito desgastante, especialmente por permitir um clima meio de guerra entre você e seus alunos! Se você assinalou mais de 3 dentre as alternativas 2,6,7,9,10 ou 11, significa que gosta de inovar, de ser criativo(a), de surpresas e, provavelmente, de se divertir com os alunos. Se você assinalou quase todas as alternativas, olha lá! Talvez seus alunos achem você meio volúvel, meio de lua: ora os surpreende com inovações, ora briga mesmo com eles! Se você não escreveu nada na alternativa 13 (outras), pode indicar pressa, uma certa preguiça na hora de preencher o Teste, ou um pouco de falta de imaginação... quem sabe falta de experiência?! Se você preencheu as 3 alternativas sugeridas pelos 3 espaços em branco, parabéns! Você tem bastante imaginação (ou será que é mais experiência?) e esteve levando este Teste bastante a sério! Neste caso, que tal mandar essas alternativas para a gente aumentar o repertório de sugestões e espalhar para os outros colegas? 39 labor4.p65 39 11/11/01, 22:25 Frase B: Se você assinalou menos que 3 alternativas: sua escola deve ser bastante vulnerável aos problemas de disciplina. Ou, talvez, eles ainda não sejam um problema mais sério. Que tal discutir com os seus colegas algumas das alternativas que você acharia interessantes para serem desenvolvidas? Se você assinalou de 3 a 6 alternativas: sua escola já tem uma base sólida para realizar um bom trabalho com os alunos e conseguir um ambiente harmonioso e saudável. Se você assinalou mais de 6 alternativas: se há problemas de disciplina na sua escola (isto pode ser inevitável em alguns períodos), ela conta com uma porção de recursos para enfrentálos. Parabéns! Frase C: Se você selecionou 3 ou 4 dentre as alternativas 2, 3, 8 e 10, cuidado: será que não há um certo exagero em considerar a TV como mãe de todos os vícios modernos? Se você selecionou tanto a alternativa 1 como a 6, cuidado: não se deixe levar pelo canto da sereia sem se perguntar até onde ela pode nos arrastar! Se você assinalou tanto a alternativa 4 quanto a 5, pense se não dá para aproveitar programas comuns que as crianças assistem e, através deles, discutir assuntos, valores, comportamentos, localizações geográficas, episódios históricos, costumes, etc. Se você assinalou, dentre outras, as alternativas 7 e 9, é sinal de que pensa em termos de direitos e deveres de cidadania também em relação aos meios de comunicação de massa. Que tal falar disso e atuar nesse sentido em sua escola? 40 labor4.p65 40 11/11/01, 22:25 Agora é a sua vez Leia e faça as duas partes. Você estará avançando na montagem do seu Pequeno Projeto Didático. O exercício, daqui para a frente, visa ajudar na montagem do seu Pequeno Projeto Didático (PPD). Neste fascículo 4, você terá o desafio de inventar dois tipos de atividades, descrevendo-as rapidamente. V ocê já deve estar começando a encaminhar o seu PPD, se se dispôs a seguir as sugestões do último fascículo. Deve ter feito uma opção inicial pelo tema ou assunto, identificado o objeto significativo e alguns objetivos pedagógicos que serão tratados através do PPD. Além disso, escolheu um nome para ele, não é? Agora, vamos caminhar mais um pouco com o seu PPD. Neste fascículo 4, tratamos de como se pode lidar com a educação nos tempos modernos, que nos parecem difíceis. Uma das formas de se lidar com isso é identificando assuntos ou atividades que tenham grande interesse para os alunos, ou com os quais você mesmo(a) se identifica muito, sente-se confortável, tem facilidade e gosta de ensinar. Você já pensou nisso? Pois bem. Agora vamos propor duas questões para você descobrir algumas pistas para dar o passo seguinte do PPD, que é a escolha das atividades. Primeira: Pense no tema escolhido para ser o seu PPD e tente identificar pelo menos três assuntos ou atividades direta ou indiretamente relacionados a ele que, parece-lhe, INTERESSARIAM MUITO SEUS ALUNOS. 41 labor4.p65 41 11/11/01, 22:25 Segunda: Pensando no mesmo tema, tente agora identificar pelo menos três assuntos ou atividades direta ou indiretamente relacionados a ele que VOCÊ IRIA GOSTAR muito de desenvolver com seus alunos. Assim, você já terá algumas idéias de atividades relacionadas com o objeto significativo e/ou com os conteúdos que você escolheu: é o passo 4 no planejamento do PPD. Ao pensar um conjunto de atividades para desenvolver com os seus alunos, você já pode imaginar em que ordem elas irão sendo feitas, como alternar atividades práticas com atividades de sistematização, etc. Outras idéias para que você possa planejar atividades virão no próximo fascículo. Ele tratará de um assunto meio diferente do usual: os conteúdos de Atividades da Vida Diária, que ganha o apelido de AVD, dentro da Proposta Labor. 42 labor4.p65 42 11/11/01, 22:25