A relação entre investimento, poupança e taxa de juros

Transcrição

A relação entre investimento, poupança e taxa de juros
A relação entre investimento, poupança e taxa de juros:
um panorama do debate sobre financiamento
de longo prazo
Frederico S. P. F. Valente1
Resumo
Deste a publicação da obra maior de Keynes, A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da
Moeda, em 1936, os economistas encontram-se diante de duas abordagens opostas da relação
entre investimento, poupança e taxa de juro, bem como de seus efeitos sobre a questão do
financiamento do investimento produtivo de longo prazo. Este trabalho apresenta um
panorama desse debate, visando mostrar como que a visão keynesiana enfatiza as restrições
financeiras sobre a demanda por investimentos, em contraste com a visão convencional, que
focaliza o comportamento dos poupadores como condição para a realização dos
investimentos.
Palavras-chave: Keynes; Teoria Geral; Financiamento de longo prazo.
Introdução
Desde a publicação da obra maior de Keynes, A Teoria Geral do
Emprego, do Juro e da Moeda, em 1936, os economistas encontram-se diante
de duas abordagens opostas a respeito da relação entre investimento,
poupança e taxa de juro, bem como de seus efeitos sobre a questão do
financiamento do investimento produtivo de longo prazo. A primeira delas é
a visão convencional baseada na hipótese da poupança prévia. A idéia geral é
simples: para que haja investimento, é necessário garantir previamente a
poupança correspondente. Já a segunda forma de abordar o problema foi
originalmente proposta por Keynes e Kalecki, sendo mais tarde desenvolvida
pelos chamados pós-keynesianos.
De acordo com essa segunda abordagem, a poupança, ao invés de se
constituir como pré-requisito do investimento, seria seu resultado. Isso
porque numa economia monetária, a decisão de investir dependeria não da
disponibilidade de produto não-consumido, mas de financiamento, isto é,
acesso a meios de pagamento. A produção de bens de investimento seria
1 Economista formado pelo IE/UFRJ e mestrando em Teoria Econômica pelo Instituto de
Economia da Unicamp.
Leituras de Economia Política, Campinas, (12): 83-99, jan. 2006/dez. 2007.
Frederico S.P.F. Valente
efetuada em resposta a uma demanda por estes tipos de bens. Para tanto,
basta que o sistema financeiro seja capaz de gerar e colocar nas mãos dos
investidores os meios de compra necessários para que as encomendas possam
ser feitas junto aos produtores de bens de investimento.
Este trabalho busca mostrar, através da apresentação dos termos
gerais do debate, como a visão keynesiana enfatiza as restrições financeiras
sobre a demanda por investimentos, em contraste com a visão clássica, que
privilegia o comportamento dos poupadores como condição para a realização
dos investimentos. O texto que segue está organizado de acordo com esse
objetivo. Assim, as primeiras três seções apresentam as versões possíveis da
visão convencional baseada na teoria dos fundos emprestáveis. A idéia
central que liga estas versões relaciona-se aos pressupostos sobre o
comportamento dos poupadores que, mais ou menos diretamente, regularia e
restringiria a capacidade de investimento de uma economia. Em contraste
com essa idéia aparece a abordagem alternativa de Keynes baseada em sua
teoria da demanda efetiva e da preferência pela liquidez que será apresentada
na quinta seção deste texto. Por fim, além das considerações finais, recorre-se
ao expediente do apêndice para tornar mais abrangente o argumento deste
trabalho através de uma breve exposição da controvérsia teórica sobre a
“poupança externa” (déficit em transações correntes).
1 A visão clássica da teoria dos fundos emprestáveis
A noção geral da teoria clássica da taxa de juros pode ser descrita de
forma simples como se segue nas palavras de Keynes. Segundo este autor, a
visão clássica considera
(...) a taxa de juros como o fator que equilibra a demanda de investimentos com a
oferta para a poupança. O investimento representa a demanda por recursos para
investir, a poupança representa a oferta, e a taxa de juros é o preço dos recursos
investíveis que torna essas duas quantidades iguais. Da mesma forma que o preço de
uma mercadoria é fixado, necessariamente, ao nível em que sua procura seja igual à
oferta, a taxa de juros se regula, necessariamente, sob a ação das forças do mercado, no
ponto em que o montante de investimento a essa taxa seja igual ao montante de
poupança à mesma taxa (1936, p. 127).
O resultado desse argumento é que, como em qualquer análise de
oferta e demanda, existe um único ponto de equilíbrio em que demandantes e
ofertantes de fundos para investimento maximizam ao mesmo tempo lucro e
utilidade, respectivamente. O ponto importante aqui, no entanto, é perceber
84
Leituras de Economia Política, Campinas, (12): 83-99, jan. 2006/dez. 2007.
A relação entre investimento, poupança e taxa de juros
que se trata de uma escolha intertemporal entre estes agentes. O fato de que a
oferta de poupança e a demanda por fundos para investimento são
determinadas pela taxa de juros reflete tão somente essa característica básica.
Assim, no equilíbrio, a taxa de juros paga aos poupadores deverá ser idêntica
à produtividade marginal do capital, satisfazendo as condições de
maximização.
De acordo com essa perspectiva, a teoria clássica da intermediação
financeira tem então dois agentes representativos: poupadores (ofertantes de
capital), com preferências intertemporais dadas, e investidores (demandantes
de capital), com funções de produção e curvas de produtividade marginal do
capital bem definidas. Neste caso, o mercado de capitais e as instituições
financeiras são definidos, respectivamente, como lócus e agente pelos quais a
intermediação da poupança é realizada.2 Ou seja, de acordo com essa visão, o
sistema financeiro é um “intermediário passivo”, incapaz de determinar o
volume e a qualidade dos fundos de financiamento do investimento.
São duas as implicações centrais desta visão para o problema aqui
discutido. Em primeiro lugar, segundo essa teoria, a retomada do
investimento e do crescimento econômico não é possível enquanto a
poupança realizada pela sociedade não for grande o suficiente para apoiar o
esforço de acumulação. Nesse caso, a única saída seria apelar para o uso de
recursos vindos do exterior, através da geração de déficits em transações
correntes (poupança externa).
A segunda implicação desta visão é que o melhor estímulo aos
poupadores é uma taxa de juros adequada em um mercado de capitais o mais
livre possível. Aqui está subjacente a idéia de ajustamento auto-regulador do
mercado de capitais. Keynes (1936, p. 128), em sua crítica à teoria clássica
da taxa de juros, caracteriza bem esse tipo de argumento, segundo o qual
“sempre que um indivíduo realiza um ato de poupança faz algo que,
automaticamente, reduz a taxa de juros e que essa baixa estimula,
automaticamente, a criação de capital e de que a baixa na taxa de juros tem
lugar, precisamente, na proporção que se necessita para estimular a produção
2 Esse argumento está apoiado na chamada hipótese dos mercados eficientes. Essa hipótese
sustenta a idéia de que o mercado de capitais é eficiente quando todas as informações relevantes
disponíveis para a tomada de decisões são veiculadas pelos preços dos ativos. Ou seja, essa hipótese
implica que, apesar da possível volatilidade de curto prazo dos preços de ativos financeiros, estes preços
variam ao longo do tempo de acordo com seus “fundamentos”. Assim, um mercado financeiro eficiente
seria aquele no qual há plena distribuição de informações entre poupadores, investidores produtivos e
intermediários financeiros. Cf. Lima (2003).
Leituras de Economia Política, Campinas, (12): 83-99, jan. 2006/dez. 2007.
85
Frederico S.P.F. Valente
de capital numa amplitude igual ao aumento da poupança; e de que isto é,
além do mais, um fenômeno de ajustamento auto-regulador que opera sem
necessidade de nenhuma intervenção especial ou de cuidados maternais por
parte da autoridade monetária. De maneira idêntica – e esta é uma crença
ainda mais generalizada, mesmo hoje –, cada ato adicional de investimento
fará, necessariamente, subir a taxa de juros, se não for compensado por uma
mudança na disposição para poupar”.
2 A teoria dos fundos emprestáveis na versão de Wicksell
A teoria apresentada acima trata da problemática da poupança e
investimento para uma economia que não é propriamente monetária,
sobretudo por não destacar nenhum papel especial para os bancos3. Foi Knut
Wicksell quem avançou no estudo do papel dos bancos no processo de
financiamento e seus impactos sobre a dinâmica das economias de mercado.
De fato, foi a partir de suas idéias que se desenvolveu o que ficaria conhecido
como teoria dos fundos emprestáveis, que representa a aplicação da visão
clássica, apresentada na seção anterior, para uma economia com um sistema
bancário capaz de criar moeda.
Nesta abordagem, os bancos podem interferir na quantidade de
fundos emprestáveis disponíveis para o investimento, na medida em que
podem criar moeda e comprar ofertas excedentes de títulos financeiros.
Segundo Wicksell,
(…) banks are not, like private persons, restricted in their lending to their own funds
or even to the means placed at their disposal by savings. By the concentration in their
hands of private cash holdings... they possess a fund for loans which is always elastic
and, on certain assumptions, inexhaustible. With a pure credit system the banks can
always satisfy any demand whatever for loans and at rates of interest however low
(Apud Amadeo, 1989, p. 162).
Para Wicksell, é justamente pelo fato de que os bancos não estão
restritos por seus próprios fundos (saving deposits) que estes podem
emprestar dinheiro – criar moeda e financiar – a uma taxa de juros (chamada
taxa de mercado) que pode ser maior ou menor que a taxa que iguala a
demanda por empréstimos e a oferta de poupança, que seria a taxa “normal”
ou “natural”. Existiria, contudo, somente uma taxa de juros capaz de
3 Uma boa discussão sobre o caráter propriamente monetário da economia moderna pode ser
encontrada em Carvalho (1992), especialmente no capítulo 3 – The concept of a monetary economy.
86
Leituras de Economia Política, Campinas, (12): 83-99, jan. 2006/dez. 2007.
A relação entre investimento, poupança e taxa de juros
equilibrar poupança ex-ante e investimento ex-ante, refletida na demanda de
títulos por parte das famílias e oferta de títulos pelas empresas. Desse modo,
Wicksell define a taxa natural de juros
(…) as the one at which the demand for loan capital and supply of savings exactly
agree, and which more or less corresponds to the expected yields on the newly created
capital (Apud Amadeo, 1989, p. 161).
Nesse sentido, Wicksell identificou a fonte dos desequilíbrios
macroeconômicos na relação entre a taxa natural de juros e a taxa de juros de
mercado, que é determinada no mercado de crédito pelo sistema bancário.
Nesse sentido, supondo que os bancos emprestem a uma taxa inferior à
natural, isso resultaria numa situação na qual o valor nominal do
investimento agregado é superior ao da poupança ex-ante. O resultado seria
uma expansão da demanda agregada equivalente à diferença entre o
investimento realizado e a poupança voluntária. Esse excesso de demanda no
mercado de bens se expressaria, então, num processo inflacionário ou
cumulativo, nos termos de Wicksell.
O processo cumulativo, tal como descrito por Wicksell, pode ser
expresso da seguinte forma: o aumento da demanda agregada originada da
expansão dos investimentos significa que uma parcela maior do produto
disponível é revertida em investimentos. A parcela do produto disponível
para consumo, então, se reduziria, gerando uma expansão dos preços spot dos
bens de consumo. Neste processo, a rentabilidade esperada dos bens de
capital tenderia a se elevar, na medida em que o retorno esperado do capital é
fortemente influenciado pelas oscilações de preços spot dos bens de
consumo. Assim, o investimento tenderia a se manter elevado, reproduzindo
o excesso de demanda agregada em todo o período – pelo menos enquanto
prevalecer a diferença positiva entre a taxa natural e a taxa de juros de
mercado. A sustentação desse processo, por sua vez, só poderia se dar a partir
da chamada “poupança forçada”, isto é, da diferença entre o consumo
desejado e efetivo das famílias (queda do consumo real) por meio da
elevação dos preços dos bens de consumo.
Por outro lado, Wicksell supôs a existência de um fator estabilizador
no processo descrito acima. A idéia era que o aumento nos preços causado
pelo diferencial de taxas de juros geraria a necessidade de criação adicional
de moeda para satisfazer a demanda transacional por esta. A conversão por
parte do público de depósitos em meio circulante e a resultante drenagem das
reservas bancárias induziriam os bancos a aumentar sua taxa de juros de
Leituras de Economia Política, Campinas, (12): 83-99, jan. 2006/dez. 2007.
87
Frederico S.P.F. Valente
empréstimos até que elas se igualassem à taxa natural.4 Em suma, para
Wicksell, o fator pelo qual a taxa de empréstimos – ou taxa de mercado –
converge finalmente para o nível de equilíbrio natural é a perda de reservas.
Esta acaba por afetar a oferta de empréstimos e de depósitos bancários, já que
os bancos se defrontam com a necessidade de elevar a taxa de juros para
proteger suas reservas.
Desta forma, fica claro que a análise de Wicksell propõe um papel de
relevo para o intermediário financeiro no processo de financiamento das
empresas. Porém, este papel acaba sendo somente o de gerar um
desequilíbrio macroeconômico entre demanda e oferta agregadas, sem
produzir, no entanto, um impacto sobre a oferta agregada. Isso porque, como
em qualquer modelo clássico, a renda continua sendo dada somente por
fatores reais, e o nível de emprego é determinado no mercado de trabalho. É
por isso que as implicações da teoria dos fundos emprestáveis de Wicksell
acabam sendo as mesmas que as apresentadas anteriormente para a visão
clássica.5
3 A teoria dos fundos emprestáveis na versão de Ohlin
A teoria dos fundos emprestáveis, na versão da escola sueca,
apresentada aqui tal como exposta por Ohlin, pretende ser uma alternativa
tanto à visão clássica quanto à abordagem de Wicksell.6 Contra a primeira,
Ohlin (1937, p. 221) argumenta que
(…) obviously the rate of interest cannot be determined by the condition that it
equalises the supply of and the demand for savings, or, in other words, equalises
savings and investment. For savings and investment are equal ex definitione, whatever
interest level exists on the market.
4 Segundo Wicksell, nesse processo “commodity prices rise continuously, business requires
greater cash holdings, bank loans increase without corresponding deposits, bank reserves, and often
bullion reserves, begin to fall and the banks are compelled to raise their rates somewhat, though this does
not prevent the continuos rise in prices, until the interest rates have reached the level of the normal rate”
(Apud Amadeo, 1989: 162).
5 De acordo com Carvalho (s/d: 26-7), “autores como Wicksell mostraram que embora a
dinâmica das modernas economias monetárias fosse mais complicada (e mais frágil, sujeita à ocorrência
de processos de desequilíbrios cumulativos), a atividade de investimento continuava, em ultima análise,
sujeita aos limites colocados pela disposição do público em poupar e colocar parcela do produto gerado
pela sociedade à disposição dos investidores. Mercados de crédito obscureciam o modo pelo qual este
processo fundamental operaria, mas não teriam o poder de transformá-lo”.
6 A teoria dos fundos emprestáveis tal como Ohlin apresenta é seguida também em grande
medida por Hicks e Robertson. Para um debate em torno da idéia desses autores, ver Keynes (1937b).
88
Leituras de Economia Política, Campinas, (12): 83-99, jan. 2006/dez. 2007.
A relação entre investimento, poupança e taxa de juros
Ou seja, a taxa de juros não é determinada por uma condição de
igualdade entre poupança e investimento, já que esta igualdade (em termos
macroeconômicos) é garantida sempre por definição.
Para Ohlin, tal como já anunciado em Wicksell, “the rate of interest
is simply the price of credit, and that it is therefore governed by the supply of
and demand for credit” (Ohlin, 1937, p. 221). Assim, os bancos também aqui
adquirem um papel especial na determinação do nível de atividades
econômicas, através de sua capacidade de conceder crédito. Porém, Ohlin se
distancia de Wicksell por não considerar válida a argumentação de uma taxa
natural de juros como âncora do sistema. Na visão de Ohlin é impossível
fixar uma taxa de juros “normal” ao sistema econômico, já que este pode
operar em diferentes níveis de atividade sob diferentes taxas de juros. Nas
palavras deste autor (idem, p. 223),
(…) the important thing to stress is that the distinction between ‘normal’ and ‘not
normal’ interest rates and savings [poupança desejada vs. poupança forçada] depends
on arbitrary assumption that one kind of economic development, e.g. a constant
wholesale price level, is ‘normal’.
Este resultado só é possível porque Ohlin parecia concordar com
Keynes na idéia de que o ajustamento entre poupança e investimento se dava
a partir de variações nos níveis de renda e não via taxa de juros. Ou seja, a
discussão em Ohlin não parte de um nível de renda disponível dado, como
nas outras visões apresentadas até aqui. De fato, ele argumentava que a
poupança sempre se ajustava ex-post ao nível de investimento.7 O problema
então era explicar num mesmo corpo teórico como a taxa de juros é
determinada e como ocorre o processo de financiamento do investimento.8
7 Na verdade, Ohlin questionava até mesmo a originalidade de Keynes neste aspecto. Segundo
ele (1937: 236), “the central thesis in Keynes’ theory is that the volume of employment depends upon the
volume of investment. As most theories of business fluctuations, in their explanation of changes in
employment, concentrate attention on this latter point is not new. The novelty lies in his construction of an
equilibrium, governed by the quantity of money, the propensity to consume, the marginal efficiency of
capital, and the liquidity preference”. Neste contexto, a maior crítica de Ohlin a Keynes era a hipótese
deste de constância da propensão a consumir, que supostamente dava um caráter estático à teoria.
8 Uma outra tentativa de seguir na mesma linha mas tentando compatibilizar os resultados com a
teoria da preferência pela liquidez de Keynes foi feita por Tsiang (1956). Esse autor procura identificar as
teorias da oferta e demanda por crédito e oferta e demanda por moeda (teoria da preferência pela liquidez),
como sendo duas maneiras diferentes de abordar o mesmo problema. Assim, a teoria de Keynes, apesar de
parecer revolucionária, de fato não traria nenhum elemento novo à discussão. Entretanto, Kregel coloca a
discussão numa outra perspectiva (que pode ser encarada como uma resposta a Tsiang). Segundo este
autor (1988, p. 242): “we must conclude that the novelty of the multiplier cannot be separated from the
Leituras de Economia Política, Campinas, (12): 83-99, jan. 2006/dez. 2007.
89
Frederico S.P.F. Valente
Essa questão foi colocada por Ohlin (Idem, p. 224-25) da seguinte
forma: “what governs the demand and supply of credit”? A resposta é a que
se segue:
(…) two ways of reasoning are possible. One is net and deals only with new credit,
and the other is gross and includes the outstanding old credits. The willingness of
certain individuals during a given period to increase their holdings of various claims
and other kinds assets minus the willingness of others to reduce their corresponding
holdings gives the supply curves for the different kinds of new credit during the period.
Naturally, the quantities each individual is willing to supply depend on the interest
rates. In other words, the plans are in the nature of alternative purchase and sales
plans. Similarly, the total supply of new claims minus the reduction in the outstanding
volume of old ones gives the demand – also a function of the rates of interest – for the
different kinds of credit during the period. The prices fixed on the market for these
different claims – and thereby the rates of interest – are governed by this supply and
demand in usual way.
Dessa forma, Ohlin argumenta que a oferta líquida de crédito é
representativa do desejo dos indivíduos de aumentar “their holdings of claims
and assets” a partir das variações nas taxas de juros. Contra esse argumento,
Keynes (1937b, p. 244) diria que:
(…) the net supply of credit, thus defined, is exactly the same thing as the quantity of
savings; and the conclusion is exactly the same as the classical doctrine, over again, to
the effect that the quantity of savings depends on the rate of interest.
De fato, Ohlin sustenta a idéia de que a oferta de crédito pelos bancos
depende dos savings deposits, que por sua vez dependem da taxa de juros. É
por isso que Carvalho (1997, p. 461) concluiria que,
theory of liquidity preference without losing what Keynes considered to be his main difference form the
traditional theory the determination of the rate of interest by monetary factors representing the direct
influence of money on real factors, rather than vice versa”. O ponto essencial para Kregel era defender a
idéia de Keynes de que “it is changes in liquidity preference that will bring changes in the rate of interest;
it is the change in the rates of interest which affect the prices of capital assets and their marginal
efficiencies, the change in marginal efficiency leading to decisions to increase or decrease holdings of
capital goods, i.e., to investment decisions. Changes in investment in their turn affect the rate of return on
capital assets as they set in motion the multiplier process which produces the savings required to balance
the changes in investment. It is in this sense that money is a 'real' phenomenon: changes in the price of
money, the rate of interest, will bring about changes in the rates of return on capital goods and thus cause
investment and income adjust. At the same time, this argument shows clearly that Keynes's theory of
interest is simply the other side of the multiplier medal” (Idem, p. 237). Portanto, ainda de acordo com
Kregel (1984 p. 142), “the contrast between loanable funds and liquidity preference thus represents
different conceptions of the nature of the price and quantity constraints on the expansion of output. In the
former it is real saving and real relative prices; in the latter it is liquidity and relative money prices, with
the money rate of interest playing the dominant role”.
90
Leituras de Economia Política, Campinas, (12): 83-99, jan. 2006/dez. 2007.
A relação entre investimento, poupança e taxa de juros
(…) faithful to the Wicksellian spirit, Ohlin’s approach was thus to postulate that the
rate of interest was determined by the supply and demand for credit, and, thus,
ultimately, by productivity and thrift.
4 A teoria da produção e do juro em Keynes e o estatuto teórico dos conceitos
finance e funding
Ao elaborar o que ficou conhecido como a teoria da preferência pela
liquidez, Keynes criticou duramente a tradição clássica da teoria dos fundos
emprestáveis, segundo a qual a taxa de juros é o “preço” que equilibra a
demanda por recursos para investir (determinada pela produtividade potencial
do investimento) e a propensão de abster-se do consumo imediato. Para
Keynes, a taxa de juros deve ser definida como uma recompensa por se abrir
mão da liquidez, logo, da riqueza na forma monetária, uma vez que a moeda
é o ativo com maior prêmio de liquidez dentre todos os ativos.9
A taxa de juros, ao invés de ser a recompensa pela “espera”, pelo
adiamento do consumo, é, segundo Keynes, a recompensa por não
entesourar.10 Nesse sentido, a taxa de juros é o que se ganha não porque se
poupa, mas porque se aplica esta poupança em outros ativos que não a
moeda. Portanto, em Keynes, a determinação da taxa de juros é tomada como
um fenômeno eminentemente monetário, a partir da preferência pela liquidez
dos agentes e das políticas de gestão da moeda por parte da autoridade
monetária.
Por outro lado, uma vez que a moeda não pode ser produzida
livremente pelo setor privado, quando sua demanda aumenta reduz-se a
demanda por outras coisas na economia. Esta é a outra face do princípio da
demanda efetiva proposto por Keynes: é a possibilidade de acumulação de
riqueza sob forma monetária que subtrai a demanda por outros meios de
acumulação, como bens de capital, cuja produção, se realizada, geraria renda
e novos empregos. Assim, um aumento na preferência pela liquidez tem
9 De acordo com Keynes (1936, p. 143), “a incerteza das futuras variações na taxa de juros é a
única explicação inteligível da preferência pela liquidez, que justifica a conservação de recursos líquidos”.
10 Segundo Keynes (1936, p. 122), “deveria ser óbvio que a taxa de juros não pode ser um
rendimento da poupança ou da espera enquanto tal. (...) Pelo contrário, a simples definição da taxa de juros
diz-nos, literalmente, que ela é a recompensa da renúncia à liquidez por um período determinado, pois a
taxa de juros não é, em si, outra coisa senão o inverso da relação existente entre uma soma de dinheiro e o
que se pode obter desistindo, por um período determinado, do poder de comando da moeda em troca de
uma dívida. (...) A taxa de juros não é o “preço” que equilibra a demanda de recursos para investir e a
propensão de abster-se do consumo imediato. É o “preço” mediante o qual o desejo de manter a riqueza
em forma líquida se concilia com a quantidade de moeda disponível”.
Leituras de Economia Política, Campinas, (12): 83-99, jan. 2006/dez. 2007.
91
Frederico S.P.F. Valente
como contrapartida uma redução na demanda por bens e serviços, sendo,
conseqüentemente, a causa do desemprego que Keynes chamava de
“involuntário”.
O ponto fundamental para Keynes, na verdade, era mostrar que a
decisão de produzir e empregar numa economia monetária está sempre
subordinada a uma avaliação por parte dos capitalistas sobre como aplicar
sua riqueza em um ambiente de incerteza, no qual a moeda é um ativo que
pode ser desejado enquanto tal. Foi a partir dessa idéia que ele demonstrou ao
longo da Teoria Geral que a determinação do emprego não se dá no mercado
de trabalho, mas sim no mercado de bens, pelas decisões de gasto dos
agentes.
Como as decisões relativas ao consumo costumam ser mais estáveis
ao longo do tempo, Keynes enfatiza a importância dos gastos em
investimento, os quais dependem de inúmeros fatores, cabendo destacar a
eficiência marginal do capital e as taxas de juros. E, na medida em que as
expectativas nas quais se baseiam estes investimentos se assentam em bases
extremamente precárias (ambiente de incerteza), é de se esperar que o
volume de investimentos flutue no tempo, de modo que o produto e o
emprego também estejam sujeitos a tais variações. Portanto, para Keynes não
há nenhuma garantia de que a economia tenda ao nível de pleno emprego, já
que a norma da economia não é determinada no mercado de trabalho.
Foi a partir dessa nova forma de encarar a teoria da produção e do
juro que Keynes desafiou frontalmente a visão clássica da relação entre
investimento e poupança e do papel da taxa de juros. Para Keynes, poupança
é antes o resultado que o pré-requisito para o investimento. A idéia é que,
numa economia de mercado, o quê e quanto será produzido são decididos de
acordo com as expectativas de demanda que os empresários tenham. A
escolha entre consumo e investimento é geralmente feita antes do produto ser
produzido, já que nas economias industrializadas, em geral, os bens têm uso
especializado segundo sua natureza. Assim, não é possível escolher entre a
utilização de uma máquina como bem de consumo ou de capital de acordo
com a taxa de juros vigente no momento. Ou seja, a definição do produto é
feita, segundo Keynes, antes que este seja efetivamente produzido. A
poupança será gerada como resultado do investimento, já que a forma que
este toma é a do conjunto de bens cujo destino não pode ser, por sua própria
natureza, o consumo. Portanto, o produto que será gerado em resposta à
92
Leituras de Economia Política, Campinas, (12): 83-99, jan. 2006/dez. 2007.
A relação entre investimento, poupança e taxa de juros
demanda de investimento será necessariamente produto não-consumível, isto
é, poupança.
Por outro lado, para iniciar o processo de investimento, tudo o que o
investidor produtivo necessita são meios de pagamento. Numa economia
monetária, este investidor pode obtê-los através de três meios básicos:
utilizando ativos monetários previamente acumulados, emitindo obrigações
ou tomando empréstimos de bancos. A diferença primordial do
financiamento do investimento em uma economia com um moderno sistema
bancário está neste último item, ou melhor, no fato de que os bancos têm
capacidade de criar meios de pagamento.
Para Keynes, de fato, a maior restrição financeira inicial ao
investimento não é a existência ou não de poupança prévia, mas sim a
disposição ou não dos bancos de expandirem o crédito para saciar a demanda
por moeda para realização de gastos autônomos adicionais. É a partir dessa
discussão que a questão do finance é introduzida por Keynes. Segundo este
autor (1937a, p. 663), finance “mean[s] the credit required in the interval
between planning and execution [dos investimentos]”. Keynes continua sua
argumentação dizendo que,
(…) the finance required during the interregnum between the intention to invest and
its achievement is mainly supplied by specialists, in particular by the banks, which
organize and manage a revolving fund of liquid finance” (1937a, p. 666).
Uma vez que a demanda por finance,11 por parte das empresas nãofinanceiras, seja atendida, principalmente pelos bancos, a realização dos
investimentos que deram origem àquela demanda expande a renda agregada
e, com ela, a própria poupança. Esse aumento da poupança, por sua vez, é
necessariamente igual ao dos investimentos realizados, já que a parcela do
consumo agregado fica inalterada. Portanto, de acordo com a perspectiva
keynesiana, o investimento jamais pode ser restringido por insuficiência de
poupança. Na verdade, o que pode restringi-lo é a insuficiência de moeda ou,
dizendo de outra forma, o “excesso relativo” de preferência por liquidez dos
11 No que diz respeito à relação entre demanda por finance e taxa de juros, a questão se coloca da
seguinte forma: no momento em que se concretiza a decisão de investir, há uma demanda de liquidez, o
que pode concorrer para elevar a taxa de juros, dependendo da disposição dos possuidores de riqueza (em
especial os bancos) em se tornarem menos líquidos. Sobre isto Keynes (1937b: 247) diz que “a pressure to
secure more finance than usual may easily affect the rate of interest through its influence on the demand
for money; and unless the banking system is prepared to augment the supply of money, lack of finance may
prove an important obstacle to more than a certain amount of investment decisions being on the tapis at
the same time”.
Leituras de Economia Política, Campinas, (12): 83-99, jan. 2006/dez. 2007.
93
Frederico S.P.F. Valente
bancos e investidores privados, não compensado pela oferta de crédito
público.12
Finalmente, é preciso tomar cuidado para não extrair conclusões
equivocadas deste raciocínio, sem dúvida contra-intuitivo. O argumento de
que a disponibilidade de poupança não é um pré-requisito do investimento
não implica dizer que é indiferente para a economia o comportamento do
poupador. Isso porque se o volume de poupança não tem como ser uma fonte
de dificuldades para o investimento, a forma em que ela existe pode muito
bem sê-lo.
Todo argumento parte do fato básico do investimento ser uma
decisão freqüentemente de duração média ou longa. Isto significa que a
amortização dos investimentos consumirá um certo número de períodos de
produção. Dessa forma, uma empresa que financiou seu investimento não
poderá saldar os compromissos financeiros incorridos para a realização de
investimentos em períodos curtos. Ou seja, o perfil do financiamento deve ser
compatível com o perfil de retorno do investimento. A empresa precisa
também se assegurar de que mais tarde poderá substituir estes meios
temporários de financiamento por outros mais adequados à longa vida dos
ativos que está adquirindo. É aqui que a poupança pode exercer um papel de
relevo na teoria keynesiana, justamente através desta discussão do funding
dos investimentos. No entanto, também aqui não se trata de poupar ou não,
mas de oferecer os canais de financiamento de longo prazo adequados (na
linguagem usual, de consolidar as dívidas de curto prazo em funding
adequado).
As implicações desta concepção keynesiana vão de encontro às
recomendações de política a partir da visão clássica. Trata-se agora de
impulsionar o investimento, porque este trará consigo a poupança necessária.
Não importa qual seja a propensão a poupar da sociedade, já que o volume
poupado será sempre igual ao investido. Por outro lado, deve-se evitar
aumentos de taxas de juros, porque os investimentos seriam reduzidos, bem
com a poupança, mesmo que os poupadores estivessem dispostos a poupar
mais do que antes. Além disso, o estímulo ao investimento deve vir
12 De acordo com Davidson (1986, p. 110), “the solution to any scenario in which liquidity
constraints limit investment no matter how much the public desires to save out of income ex ante, ex post,
or ex anything else is for the monetary authority to provide, via the banking system, all the liquidity the
public desires. Ultimately, in a monetary economy, where money matters, that is, money is never neutral,
it is liquidity constrains and never an income (or savings) constraint that limits expansion before full
employment”.
94
Leituras de Economia Política, Campinas, (12): 83-99, jan. 2006/dez. 2007.
A relação entre investimento, poupança e taxa de juros
acompanhado de um esforço de modernização institucional que permita criar
um sistema financeiro à altura das necessidades da economia, promovendo a
conciliação entre os demandantes últimos de ativos (poupadores) e os
ofertantes últimos (as empresas), com a elasticidade da oferta de crédito
garantida por um sistema bancário eficiente e funcional13.
Considerações finais
Na primeira seção do texto foi apresentado como, na teoria da
intermediação financeira neoclássica, o volume de investimento e de
poupança são determinados simultaneamente, sendo a taxa de juros a variável
de ajuste neste mercado. Esta relação de simultaneidade se deve à crença do
nível de produto ser determinado ao nível do pleno emprego, graças à lei de
Say. Para manter-se o equilíbrio macroeconômico, um aumento no
investimento só poderia ocorrer se houvesse um aumento concomitante da
poupança, seja porque a remuneração pelo capital (a taxa de juros) se
elevaria, seja porque os poupadores mudariam suas preferências
intertemporais.
Foi visto também que, na teoria dos fundos emprestáveis em sua
versão wickselliana, esta relação entre investimento e poupança pode mudar,
mas somente no curto prazo e com o custo de inflação ou deflação, ou seja,
numa situação de desequilíbrio macroeconômico que leva a um processo
cumulativo de instabilidade monetária. No longo prazo, a poupança continua
sendo a grande restrição à expansão do investimento. Já a teoria dos fundos
emprestáveis, na versão de Ohlin, não admite que o ato de poupar seja
idêntico ao de investir, mas sim que a decisão de poupar, junto com a decisão
de ofertar crédito, regula o investimento através da taxa de juros. Mas isso
resulta, em última instância, no mesmo: as condições de oferta da poupança
determinam as condições de realização do investimento.
Na apresentação da teoria de Keynes, entretanto, deve ter ficado claro
como este autor insistiu em diversas passagens da sua Teoria Geral do
Emprego, do Juro e da Moeda e em artigos posteriores a ela que o
investimento era a causa causans na determinação da renda e da poupança.
De fato, Keynes operou uma reversão de causalidade em relação à visão
convencional, que é conseqüência lógica de seu principio da demanda
efetiva.
13 Para discussão sobre as implicações da teoria keynesiana para proposições de políticas de
estímulo ao financiamento de longo prazo para o caso brasileiro, ver Hermann (2004).
Leituras de Economia Política, Campinas, (12): 83-99, jan. 2006/dez. 2007.
95
Frederico S.P.F. Valente
Esta reversão, por sua vez, deve indicar uma hierarquia de agentes
dentro dos mercados de financiamento, em economias monetárias, bastante
diferente da apresentada nos modelos neoclássicos. Em primeiro lugar, são os
bancos, e não os poupadores, os agentes fundamentais na determinação da
oferta agregada de fontes de financiamento do investimento e, portanto, na
transição entre uma escala mais baixa e uma mais alta de atividade. A
poupança, então, deve ser vista como resultado do investimento e não um
pré-requisito para o investimento. No entanto, deve-se ter claro que a
alocação das poupanças geradas no processo de multiplicação da renda é
importante no processo de administração dos problemas resultantes do
crescente descasamento de vencimentos ao longo do crescimento econômico.
Por fim, o volume e os prazos de financiamento do investimento devem ser
entendidos como resultantes das preferências por liquidez dos bancos e dos
aplicadores em títulos, ao invés das preferências intertemporais dos
consumidores.
Apêndice: A questão da poupança externa
Segundo Kalecki (1983a, p. 136):
(...) o problema crucial dos países subdesenvolvidos é o aumento considerável do
investimento, não a fim de gerar uma demanda efetiva – como é o caso de uma
economia desenvolvida mas com sub-emprego –, mas para acelerar a expansão da
capacidade produtiva indispensável para o rápido crescimento da renda nacional.
Uma forma tradicional de lidar com esse problema seja pela absorção
de capitais externos.14 De fato, é amplamente aceita a idéia de que a absorção
de capitais externos pelos países em desenvolvimento representaria um meio
de complementar os escassos recursos domésticos, a fim de elevar a
formação de capital e acelerar o crescimento econômico. Mesmo correntes de
pensamento que não vêem a poupança como uma variável limitante do
investimento aceitam esta proposição quando se trata da questão do
desenvolvimento econômico.15
A questão relevante aqui é o sentido de determinação dos fluxos de
capitais que formam a poupança externa (déficit em transações correntes).
Geralmente, os modelos de growth-cum-debt se baseiam na idéia de que a
14 Uma abordagem crítica a esse tipo de saída é encontrada em Kalecki (1983b, p.155-159).
15 Este parece ser o caso, por exemplo, de Foley (2001). Trata-se de reconhecer que ao abordar
uma economia nacional aberta como uma unidade financeira, Foley acaba por considerar a poupança
interna como uma restrição ao crescimento acelerado a ser financiado pela poupança externa (igual ao
déficit em conta corrente).
96
Leituras de Economia Política, Campinas, (12): 83-99, jan. 2006/dez. 2007.
A relação entre investimento, poupança e taxa de juros
dinâmica interna da economia é que determina sua necessidade de poupança
externa. Porém, adotando-se uma perspectiva mais propriamente keynesiana,
só se deve tomar a poupança como restrição quando a economia já estiver em
seu ponto de pleno emprego e, portanto, a elasticidade do produto for
efetivamente zero,16 tornando impossível que se cresça sem que o consumo
diminua. O fato é que a poupança externa pode crescer mesmo antes que se
atinja o pleno emprego. São duas as possibilidades: i) quando os preços
relativos favorecem a demanda por bens e serviços importados em detrimento
dos produzidos domesticamente,17 ii) quando o ciclo de liquidez internacional
estiver em sua fase expansiva.
De fato, o retorno do fluxo de capitais privados às economias latinoamericanas a partir da década de 90 tem se baseado no ciclo expansivo de
liquidez internacional guiado pelo fenômeno tradicional do money chasing
yield, conforme a caracterização de Minsky.18 O ponto central é que nas
economias em desenvolvimento, em geral, o dispêndio se expande na fase de
ingresso líquido de capitais e sofre violentas contrações quando o movimento
se inverte, na maioria das vezes subitamente. Ou seja, o início de um
processo de crescimento com endividamento é geralmente motivado não por
hiatos prévios de poupança dos países em desenvolvimento, mas pelas
condições extremamente favoráveis do mercado financeiro internacional. A
inflexão desse processo, por sua vez, vem de forma súbita e violenta,
lançando as nações devedoras na mais profunda crise.
Deve-se reconhecer que essa situação é própria de uma economia na
qual existe uma hierarquia nas contas do balaço de pagamentos, no sentido de
que é a conta de capitais que subordina a conta corrente. Nos modelo de
growth-cum-debt, no entanto, a determinação parece ser a inversa, já que a
conta capital é infinitamente elástica em relação aos déficits em conta
corrente. Para tanto, deve ser feita a suposição implícita de homogeneidade
na relação entre os países e o sistema financeiro internacional. Contudo,
como adverte Belluzzo (2005), a relação entre os países e o sistema
financeiro internacional é marcada por uma profunda heterogeneidade. Essa
16 De acordo com Kalecki (1983b, p. 144), “deve-se notar que apesar do pequeno volume do
equipamento de capital em relação à força de trabalho, nos países subdesenvolvidos, tal equipamento
existente é frequentemente subutilizado”.
17 Um detalhamento desse argumento pode ser encontrado em Carvalho (s.d.).
18 Ver Coutinho e Belluzzo (1996).
Leituras de Economia Política, Campinas, (12): 83-99, jan. 2006/dez. 2007.
97
Frederico S.P.F. Valente
heterogeneidade é fruto da existência de uma hierarquia entre as moedas
nacionais,
(...) que define condições muito distintas na organização e operação dos mercados
financeiros e cambiais. Tais diferenças determinam importantes assimetrias de poder
entre os bancos centrais, sobretudo em sua pretensão de manter a moeda nacional
‘atraente’ para a denominação e a aquisição de ativos financeiros públicos e privados.
Uma outra questão se refere ao dilema do endividamento externo
típico dos modelos de growth-cum-debt. O dilema é que, se num primeiro
momento o endividamento viabiliza uma maior taxa de investimento e,
portanto, de crescimento econômico, num segundo momento ele implica uma
carga adicional sobre o balanço de pagamentos, representada pelo serviço da
dívida, que de outra forma não existiria. Esse problema é agravado na medida
em que, no mundo de hoje, a própria instabilidade das taxas de juros tem seus
efeitos agravados pela volatilidade dos fluxos de capitais externos. Portanto,
assumir compromissos financeiros que tornam o balanço de pagamentos de
um país fortemente dependente destes fluxos implica endogeneizar a
instabilidade financeira externa.
Referências bibliográficas
AMADEO, E. J. Keynes’s principle of effective demand. Appendix C: the postwicksellian approach to monetary theory. Aldershot: Edward Elgar. 1989.
BELLUZZO, L. G. Liquidez, regimes cambiais e taxa de juro. Folha de São Paulo,
2005.
CARVALHO, F. C. Financial innovation and the post Keynesian approach to the
“process of capital formation”. Journal of Post Keynesian Economics, v. 19, n. 3,
1997.
________. Mr. Keynes and The Post Keynesian: principles of macroeconomics for a
monetary production economy. Aldershot: Edward Elgar. 1992.
________. Investimento, poupança e financiamento: financiando o crescimento com
inclusão social. s.d.
(Textos de discussão. IE/UFRJ). Disponível em:
www.ie.ufrj.br/moeda.
CHICK, V. A evolução do sistema bancário e a teoria da poupança, do investimento
e dos juros. Ensaios FEE, v. 15, n. 1, p. 9-23, 1994.
COUTINHO, L; BELLUZZO, L.G. Desenvolvimento e estabilização sob finanças
globalizadas. Economia e Sociedade, n. 7, 1996.
98
Leituras de Economia Política, Campinas, (12): 83-99, jan. 2006/dez. 2007.
A relação entre investimento, poupança e taxa de juros
DAVIDSON, P. Finance, funding, saving, and investment.
Keynesian Economics, v. IX, n. 1, 1986.
Journal of Post
FOLEY, D. Financial fragility in developing countries. New School University,
2001. Mimeografado.
HERMANN, J. Financiamento de longo prazo: revisão do debate e proposta para o
Brasil. In: SICSÚ, J.; OREIRO, J.; PAULA, L.F. (Org.). Agenda Brasil. Políticas
econômicas para o crescimento com estabilidade de preços. Manole, 2004.
KALECKI, M. A diferença entre os problemas econômicos cruciais das economias
capitalistas desenvolvidas e subdesenvolvidas. In: MIGLIOLI, J. (Ed.). Crescimento
e ciclo das economias capitalistas. São Paulo: Editora Hucitec, 1983a.
________. O problema do financiamento do desenvolvimento econômico. In:
MIGLIOLI, J. (Ed.) Crescimento e ciclo das economias capitalistas. São Paulo:
Editora Hucitec, 1983b.
KEYNES, J. M. The process of capital formation.
n. 195, 1939.
The Economic Journal, v. 49,
________. The “ex-ante” theory of the rate of interest.
v. 47, n. 188, 1937a.
The Economic Journal,
________. Alternative theories of the rate of interest. The Economic Journal, v. 47,
n. 186, 1937b.
________ (1936). A teoria geral do emprego, do juro e da moeda. São Paulo: Nova
Cultural, 1985.
KREGEL, J. The multiplier and liquidity preference: two sides of the theory of
effective demand. In: BARRÉRE, A. The foundations of Keynesian analysis.
Proceedings of a conference held at the University of Paris I – Panthéon-Sorbone.
New York: St. Martin’s Press, 1988.
________. Constraints on the expansion of output and employment: real or
monetary? Journal of Post Keynesian Economics, v. VII, n. 2, 1984.
LIMA, L. O. Auge e declínio da hipótese dos mercados eficientes. Revista de
Economia Política, v. 23, n. 4, 2003.
OHLIN, B. Some notes on the Stockholm theory of savings and investment II. The
Economic Journal, v. 47, n. 186, 1937.
TSIANG, S. C. Liquidity preference and loanable funds theory, multiplier and
velocity analysis: a synthesis. The American Economic Review, v. 46, n. 4, 1956.
Leituras de Economia Política, Campinas, (12): 83-99, jan. 2006/dez. 2007.
99

Documentos relacionados