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Saneas SUMÁRIO ISSN 1806-4779 4 APRESENTAÇÃO Saneas é uma publicação técnica quadrimestral da Associação dos Engenheiros da Sabesp AESABESP DIRETORIA EXECUTIVA Eliana Kazue Irie Kitahara / Presidente Amauri Pollachi / Vice-Presidente Cecília Takahashi Votta / 1ª. Secretária Aram Kemechian / 2º. Secretário Choji Ohara / 1º. Tesoureiro Emiliano Stanislau de Mendonça / 2º. Tesoureiro DIRETORIA ADJUNTA Carlos Alberto de Carvalho / Diretor de Marketing Gilberto Alves Martins / Diretor Técnico Cultural Ivan Norberto Borghi / Diretor de Esportes Ivo Nicolielo Antunes Junior / Diretor de Pólos Hiroshi Ietsugu / Diretor de Pólos da RMSP Cecília Takahashi Votta / Diretor Social CONSELHO DELIBERATIVO Almiro Cassiano Filho, Cid Barbosa Lima Jr., Eduardo Augusto R. Bulhões, Getulio Martins, Gilberto Alves Martins, Ivo Nicolielo Antunes Junior, José Marcio Carioca, Luiz Yukishigue Narimatsu, Magali Scarpelini Mendes Pereira, Nelson Luiz Stábile, Nizar Qbar, Reynaldo Eduardo Young Ribeiro, Viviana Marli N. Aquino Borges, Wagner Luis Bertoletto, Yazid Naked CONSELHO FISCAL Benedito Felipe Oliveira Costa, Luciomar Santos Werneck, Oto Elias Pinto FUNDO EDITORIAL EQUIPE RESPONSÁVEL PELA SANEAS Getúlio Martins (Coordenador) Armando Flores, Cláudia Nakamura, Darcy B. Filho, Jairo Tardelli Filho, José Antônio de Oliveira Jesus, Luiz Carlos Helou, Paulo Ernesto Marques da Silva e Silvio Leifert 5 EDITORIAL 6 CARTAS PONTO DE VISTA 7 Qualidade da água: para onde vai o planeta Terra? 8 Qualidade da água: ação e desenvolvimento P&D 12 Disruptores endócrinos no ambiente MEIO AMBIENTE 15 Saúde global e sustentabilidade MATÉRIA DE CAPA 19 Qualidade da água, qualidade da vida TECNOLOGIA 26 Controle da água produzida para a região metropolitana ARTIGOS TÉCNICOS 29 Fluoretação da água e democracia 34 O aquecimento global e a agricultura JORNALISTA RESPONSÁVEL: Ana Holanda Mtb 26.775 REVISÃO: Lilian Mendes ARTE E PRODUÇÃO GRÁFICA: Formato Artes Gráficas ([email protected]) IMPRESSÃO: Editora Parma TIRAGEM: 3.500 exemplares CONEXÃO INTERNACIONAL 38 Os padrões de qualidade de água para a União Européia AESABESP Associação dos Engenheiros da Sabesp Rua 13 de maio, 1.642 – casa 1 01327-002 - São Paulo, SP Fone (11) 3284 6420 – 3263 0484 Fax (11) 3141 9041 www.aesabesp.com.br [email protected] ENTREVISTA 40 Responsabilidade social na empresa: um valor a ser agregado EMPREENDIMENTOS E GESTÃO 43 Desafios para uma gestão mais eficaz dos recursos hídricos RECONHECIMENTO 45 José Robero Nali PERSONAGENS DO SANEAMENTO 46 Vale a pena!!! 48 RESENHAS 50 PONTO FINAL Represa Pedro Beicht – Alto Cotia Foto: Odair Faria Saneas / agosto 2004 – 3 apresentação Mais perto do leitor É com grande satisfação que lançamos mais este número de SANEAS, que desta vez ocorre durante a realização do XV Encontro Técnico da AESABESP. Como você, leitor, pode notar, na continuidade do processo de revisão da linha editorial da revista, iniciamos uma alteração do projeto gráfico com a intenção de tornar sua leitura mais atraente, sem perder o caráter técnico e informativo. Neste tempo, desde que iniciamos nosso trabalho no fundo editorial de SANEAS, temos realizado uma série de reuniões, com discus- Reunião do Fundo Editorial da AESABESP: Darcy, Carlos, Paulo, Ana, Cláudia, Getúlio e Tonico sões que levam a ações que acreditamos estar contribuindo para alcançar nosso objetivo de nos aproximar de você, nosso leitor. Este fato é observado por seu retorno, seja através de cartas, seja por conversas que temos em encontros no trabalho. Mais uma vez agradecemos às pessoas, tanto da Sabesp, como de outras instituições, que colaboraram na elaboração dos artigos e matérias publicadas nesta edição. O tema eleito para matéria de capa desta edição é qualidade da água, qualidade da vida. Este tema dá seqüência às discussões abordadas pelas matérias de capa das duas edições anteriores, nas quais foram abordados os direitos e responsabilidades do saneamento e os efeitos regionais e locais das mudanças climáticas. Neste artigo relatamos iniciativas no Brasil e no exterior que buscam soluções e novos paradigmas para reverter a degradação da qualidade da água que onera cada vez mais o tratamento de sistemas de abastecimento. Na seção ponto de vista, trazemos o relato de dois grandes especialistas, sobre o tema qualidade da água. O limnólogo José Galízia Tundisi dá um panorama da situação da água em nosso planeta e o biólogo Aristedes Almeida Ro- 4 – Saneas / agosto 2004 cha discorre sobre ação e desenvolvimento na gestão deste recurso. A gestão dos recursos hídricos é abordada também na seção Empreendimento e Gestão, por nossa colega Corina Ribeiro. Dentro do tema pesquisa e desenvolvimento, abordamos os disruptores endócrinos, preocupação cada vez maior no tratamento de água para abastecimento. Sabendo que além de desenvolvimento tecnológico, é preciso mudar de atitude, a seção meio ambiente trata da saúde global e sustentabilidade através do sistema de planejamento The Natural Step - TNS. Em tecnologia você vai poder se interar das ações desenvolvidas para o controle da água produzida e distribuída na RMSP. Lembrando do papel da água de abastecimento na saúde pública, tratamos também da importância da fluoretação na saúde bucal. Dando seqüência ao tema da matéria de capa da edição passada, apresentamos artigo técnico sobre possíveis efeitos na agricultura decorrentes do aquecimento global. Inauguramos uma nova seção neste número; é a Conexão Internacional, na qual estaremos buscando relato de colegas que estejam em viagem no exterior. Neste número nossa colega Mara Ramos escreve sobre padrões de qualidade da água na União Européia. A responsabilidade social nas empresas é o tema de nosso entrevistado do mês, Sérgio Esteves. Coerente com o tema da matéria de capa, nosso homenageado do mês é o encarregado do Sistema Alto Cotia, José Roberto Nali, responsável pela operação e manutenção de um grande patrimônio histórico e ambiental. Em personagens do saneamento temos o relato do companheiro do Fundo Editorial Paulo Ernesto Marques, contando as incríveis histórias do saneamento no Vale do Paraíba. Na última seção, Ponto Final, Nilson Castello descreve o monitoramento de qualidade da água que a Sabesp realiza nos principais rios da RMSP. Finalmente, esperando estar nos aproximando cada vez mais de você leitor, reafirmamos nosso compromisso de trabalho na nova linha editorial de SANEAS. Agradecemos as cartas e sugestões recebidas, e esperamos contar com sua participação para tornar SANEAS um instrumento cada vez mais efetivo na discussão de temas envolvidos com o setor de saneamento, contribuindo, como dito no título da matéria de capa, para uma melhor qualidade de vida. editorial Custo da poluição das águas é pago por todos nós Eng. Eliana Kazue I. Kitahara Presidenta da Associação dos Engenheiros da Sabesp S e considerarmos que o ambiente é o conjunto de elementos naturais e sociais que se interrelacionam em um lugar e em um tempo determinado, compreendemos também que todos estes elementos (o universo, nosso planeta e o que nele existe de maneira natural: a água, o ar, o solo, a fauna, a flora, o clima) se encontram em permanente relação com os elementos sociais (seres humanos, suas construções e suas ações) e desde essa perspectiva se realizam as atividades que conduzem ao desenvolvimento. Das relações entre os seres humanos e a natureza surge uma série de resultados que podem ser positivos ou negativos.A natureza atua permanentemente com a sociedade e oferece a possibilidade de que o homem mantenha ou viva sua vida utilizando seus recursos. Há possibilidade do desenvolvimento sustentável buscando a satisfação das necessidades fundamentais da população e na sua elevação na qualidade de vida através do manejo racional dos recursos naturais, sua conservação, recuperação, melhoria e uso adequado. Infelizmente o que estamos vivenciando é um aumento da degradação do meio ambiente e conseqüentemente o aumento da poluição das águas. Os ecossistemas que garantem sua quantidade e qualidade estão sendo suprimidos, pois, explorar esses recursos está sendo o motor de desenvolvimento de muitos países, sobretudo na agricultura, geração de energia, indústria e transporte. O consumo mundial de água doce dobrou em 50 anos e hoje corresponde à metade dos recursos acessíveis, incluindo aqüíferos subterrâneos ou águas de degelo sazonal. Esse consumo desordenado tem apresentado graves reflexos na qualidade das águas com altos custos econômicos e sociais. Os profissionais responsáveis pelo tratamento e abastecimento de água de uma população diretamente afetada pela poluição estão estudando a implantação de equipamentos e processos avançados para garantir a qualidade da água de distribuição. Os custos estão se tornando cada vez mais altos e o preço final desta conta é pago por todos nós. Essa preocupação não é recente. Nesta edição é citado que em 1988, o ex-governador André Franco Montoro criou a Uniágua, vislumbrando que o excesso de esgoto e de dejetos industriais e agrícolas, jogados nos rios, afetaria o bolso do consumidor. A verdade é dura e crua, porém somos nós, seres humanos, que estamos colhendo o que plantamos. Rodrigo Victor, do Instituto Florestal, menciona que a relação da preservação do Cinturão Verde com a qualidade da água é direta. É preciso avaliar e questionar ações que viabilizam e facilitam a implantação de empreendimentos que possam alterar a capacidade de controlar o fluxo natural das águas.Citamos entre muitas ações irregulares o art.64 do PL2109 que altera o Código Florestal, liberando áreas de preservação urbanizadas para regularizar e incrementar ocupações desordenadas. Será que os políticos e autoridades que propõem e atuam nessas condições não estão conscientes dos problemas que nos cercam?Será que só pelo poder e dinheiro não pensam no futuro de suas gerações? A sociedade também precisa assumir sua responsabilidade sobre as questões ambientais de recursos hídricos, não apenas nos aspectos associados a degradação pela poluição e consumo excessivo, mas com a compensação de que sua participação está relacionada com a melhoria da qualidade de vida. Em outras palavras, se todo mundo fizer sua parte, no final o resultado é mais do que perceptível. Saneas / agosto 2004 – 5 Cartas C omo bibliotecária da Universidade do Vale do Paraíba, solicitamos a doação do material abaixo, para o acervo de nossa biblioteca da Faculdade de Engenharia e Arquitetura: - O Brasil privatizado II - Disposição de esgotos no solo - Saneas nº 16 e 17 Atenciosamente, Ana Elisabete M.Godinho Resposta: Cara Ana, as revistas serão enviadas conforme solicitado. Agradecemos sua atenção. L i algumas matérias na revista Saneas Vol 1 n 13 / 2002 e gostaria de saber se há a possibilidade de fornecimento de edições antigas e atuais da revista para nossa unidade de projetos aqui no Guarujá. As matérias foram ótimas e bastante elucidativas. Trabalhamos com projetos de planejamento e gestão dos recursos pesqueiros na zona costeira que estão visceralmente ligado a qualidade dos recursos hídricos nas bacias adjascentes, sobretudos aqueles recursos de manguezais e estuários. Nossa organização tem participado voluntariamente do CBH-BS que envolve nossa área de trabalho. Somos uma instituição sem fins lucrativos e gostaríamos de aumentar nosso acervo institucional voltado á gestão dos recursos hídricos Agradeço sua atenção e eventual apoio. Fabrício Gandini – Instituto Maramar para o Manejo Responsável dos Recursos Naturais Resposta: Caro Fábio, as edições da SANEAS podem ser acessadas no endereço: http://www.aesabesp. com.br Saneas Solicitações de assinatura da revista SANEAS deverão ser encaminhadas para a Associação dos Engenheiros da Sabesp no endereço eletrônico [email protected]. Deverão constar nome, E-mail, endereço, CEP, cidade e estado do assinante. Valor: R$ 90,00 por 6 edições Envie seus comentários, críticas ou sugestões para o Conselho Editorial da revista SANEAS - [email protected] 6 – Saneas / agosto 2004 S ou professora das disciplinas: Tratamento de águas e efluentes industriais. Gostaria de receber informativos e se possível, assinatura cortesia da SANEAS. Marisa Soares Borges. Doutoranda – programa de Pós-Graduação em Engenharia de materiais – PIPE. Curitiba, Paraná. Resposta; Cara Marisa, as assinaturas da SANEAS podem ser feitas no endereço: [email protected]. As edições digitais podem ser consultadas no endereço: http://www. aesabesp.com.br/saneas A partir da leitura dos artigos sobre a Bacia do Rio Paraíba do Sul do Dr. Paulo Canedo (UFRJ/Coppe), publicado na Revista Bio nº 29, e do artigo do Dr. José A. Marengo, publicado na Revista SANEAS N° 17 (Abril de 2004), gostaria que as revistas SANEAS e BIO buscassem esclarecimentos junto aos autores acima mencionados sobre as seguintes questões: 1) considerando que ambos prestaram depoimentos sobre a mesma bacia hidrográfica, à primeira vista não parece que as afirmações do Dr. Paulo Canedo são opostas àquelas feitas pelo Dr. José A. Marengo? 2) considerando os médio e longo prazos, as causas que afetam a disponibilidade hídrica na Bacia do Rio Paraíba do Sul são problemas específicos de ordem climática ou associadas a fatores antropogênicos? Atenciosamente, Darcy Brega Filho São Paulo, 06 de agosto de 2004 Resposta: Encaminhamos sua correspondência para os autores citados para suas manifestações. AGRADECIMENTOS Odair Marcos Faria, Rodrigo Braga Moraes Victor, Carlos Eduardo Palma, Lineu José Bassoi, Armando Perez Flores, Caetano Mautone, Ivanildo Hespanhol, Eduardo Mazzolenis de Oliveira, Gérard Moss e Sérgio Esteves. OPINIÃO PONTO DE VISTA Qualidade da água: para onde vai o planeta Terra? A José Galizia Tundisi Presidente do Instituto Internacional de Ecologia de São Carlos/SP, é membro titular da Academia Brasileira de Ciências, da Academia de Ciências do Estado de São Paulo, do Institute of Ecology (Alemanha), do International Network on Water and Human Health (Nações Unidas, Canadá); é membro titular da Academia de Ciências, 3o. Mundo. (Triestre), vice-presidente do International Lake Environment Committee (Japão) recebeu a medalha Augusto Ruschi da Academia Brasileira de Ciências (1986), o prêmio Bouthors Galli (1995 – Nações Unidas), o prêmio Anísio Teixeira (2002) do Ministério da Educação do Brasil e o prêmio Chico Mendes da Prefeitura Municipal de São Carlos - Brasil (2003); recebeu, em 1998, o título de Doutor em Ciências – Honoris Causa – pela Universidade de Southampton, Inglaterra. s recentes estatísticas de organizações internacionais mostram, um quadro extremamente preocupante em relação à qualidade da água. A deterioração e contaminação dos recursos hídricos superficiais e subterrâneos, atinge grandes proporções, afeta bilhões de pessoas e a economia de muitas regiões e países. Tanto os países industrializados e com economias consolidadas, como países com economias emergentes e em desenvolvimento apresentam a mesma situação: aumento constante da toxicidade em lagos, rios e estuários; aumento de eutrofização; ameaças contínuas à saúde humana provocada pelos efeitos de substâncias dissolvidas na água. Os custos para o tratamento da água, aumentam em progressão geométrica. E os efeitos diretos e indiretos da poluição à população humana, também ocorrem pelas mais diversas rotas e interações. A crise na qualidade da água é sem precedentes na história do planeta e na história da humanidade. Causas principais e as raízes do problema A crise global da qualidade da água tem suas raízes no crescimento da população humana (mais de seis bilhões atualmente), na extensa urbanização – metade da população do planeta vive em áreas urbanas, na extensa industrialização e na agricultura intensiva, as quais, produziram inúmeros impactos aumentando a con- centração de nutrientes, substâncias tóxicas e interferindo no funcionamento de rios, lagos, represas e estuários. As cinco causas bem conhecidas que afetam a qualidade da água (aumento da sedimentação, toxicidade, eutrofização, diminuição do volume, acidificação) atingem globalmente com maior ou menor intensidade, principalmente os sistemas aquáticos continentais. Dentre os cinco principais problemas, a eutrofização e a toxicidade são os mais preocupantes, pois têm uma repercussão na biota aquática e na saúde das populações humanas, tornando também inviável o abastecimento público e acelerando a deterioração. As principais causas estão amplamente relacionadas com a visão que imperou por muito tempo em dirigentes, administradores e políticos, além da população em geral: é a noção de que os recursos hídricos são infinitos, de que o ciclo hidrológico renova a qualidade, que a capacidade de auto-depuração é também infinita, e de que a tecnologia é soberana e tem condições de resolver qualquer problema referente à qualidade da água. Ou seja, de água com qualquer qualidade produz-se água de excelente qualidade. Esta visão “recurso infinito” e da “tecnologia eficiente” permeou as atitudes dos tomadores de decisão, técnicos e da população até recentemente (Tundisi, 2003). Além disso, quantidade e qualidade da água, foram sempre tratados de forma estanque e pouco integrada. Quantidade é necessária para a produção de energia e abastecimento, qualidade podia ser conseguida à custa de tecnologias avançadas e a escassez, seja devido à falta de água ou devido à poluição, era sempre tratada com a visão do “aqueduto romano”: vamos trazer água de boa qualidade de onde ela estiver (Shiklomanov, 1993). Outro aspecto que não foi previsto neste rumo à deterioração foi o enorme impacto que as tecnologias modernas e de grande porte tiveram sobre os recursos hídricos: grandes barragens, enormes volumes de efluentes industriais, fontes não pontuais muito dispersas e com grandes volumes provenientes de uma agricultura intensiva produziram impactos Saneas / agosto 2004 – 7 Ponto de Vista não só locais, como regionais e a grandes distâncias. Por exemplo, a “zona morta” no Golfo do México é devida à uma extensiva e intensiva utilização de fertilizantes nas fazendas ao longo do Rio Mississipi! Os efeitos são observados a milhares de quilômetros das fontes poluidoras. (Straskraba & Tundisi, 2000). Entretanto, somente na metade da década de 1960, é que as análises econômicas e sociais começaram a ser implantadas nos projetos de represas financiadas pelo Banco Mundial, o que mostrou a preocupação então com os impactos dos represamentos no ciclo hidrosocial e nas economias locais e regionais. (Falkenmark & Lindh, 1974a). Os novos paradigmas para o planejamento e gerenciamento de recursos hídricos Foi nos últimos dez anos do século 20 que o paradigma relativo às gestão de recursos hídricos começou a apresentar mudanças significativas e permanentes. Ainda nos encontramos em um estado de transição mas os principais pilares desta renovação estão lançados. São eles: • bacia hidrográfica como unidade de gerenciamento. • qualidade e quantidade como base para o gerenciamento de águas superficiais e subterrâneas. • gerenciamento preditivo, integrado e com a bacia hidrográfica como unidade ao invés de gerenciamento de resposta, setorial e localizado. • atuação permanente na educação sanitária e ambiental da população. Estamos ainda no início da aplicação destes novos paradigmas. Há outros pontos importantes que foram sendo paulatinamente abordados: • a questão dos “serviços” dos ecossistemas e os custos e valores desses “serviços” aos seres humanos (Constanza et al, 1997). • a cobrança pelo uso da água e o princípio do poluidor – pagador. • os avanços na gestão a partir do monitoramento da qualidade da água. • a utilização de cenários com base em modelagem matemática e ecológica (Gleick, 1997). • a diversificação e o barateamento dos sistemas de tratamento. 8 – Saneas / agosto 2004 A situação no Brasil Há uma permanente atitude de discussão e de esclarecimentos sobre o problema da qualidade da água no Brasil, com maior ou menor intensidade em várias regiões, mas este processo já se iniciou e é extremamente salutar. A noção de que o Brasil tem de 12 a 16% da água do planeta, não tem sido suficiente nos dias de hoje para aumentar o otimismo, uma vez, que mesmo em regiões onde há abundância de água “per capita”, há uma avaliação de que a deterioração de saúde humana depende, e muito, de doenças de veiculação hídrica. No Brasil, há regiões com abundância de água “per capita” e regiões de escassez de água “per capita”, especialmente no Sudeste. A escassez “per capita” deve somar-se a escassez devido à má qualidade e ao risco também devido à má qualidade. É o caso da região Sudeste do Brasil, onde a concentração populacional e a urbanização, em conjunto com a industrialização e a agricultura intensiva, produziu impactos extremamente elevados na qualidade da água, provocando em muitos casos, uma “escassez por contaminação” e não só por demanda (ANA, 2002). Além dos descritos exemplos de doenças de veiculação hídrica no Nordeste (Guerrant et al,1996), há perda de qualidade da água em regiões ainda pouco impactadas. Por exemplo, no projeto “Brasil das Águas” www.brasildasaguas.com.br (um levantamento da qualidade das águas superficiais do Brasil por hidroavião), demonstrou-se que muitos lagos e rios do Pantanal estão eutrofizados e com alta concentração de material em suspensão. Ponto de Vista A situação no Brasil agrava-se nos grandes aglomerados urbanos, nas zonas periurbanas onde há acúmulo de problemas por questões de abastecimento e qualidade e com custos de tratamento elevados e em permanente elevação. E também na zona rural de muitas regiões há uma permanente ameaça à qualidade da água e à deterioração. Qual o futuro da qualidade da água? O estoque de recursos hídricos superficiais e subterrâneos de boa qualidade pode ser considerado um capital que é crítico ao funcionamento do planeta contribuindo para o bem estar e a melhor qualidade de vida da população, incluindo segurança coletiva. A preparação e a implementação de polí- ta de permanente implantação, especialmente no Brasil. A pesquisa científica em recursos hídricos tem avançado consideravelmente nas últimas décadas e, embora existam lacunas, há um acúmulo de conhecimento considerável. É necessário uma contínua e dedicada atenção à inovação tecnológica e a disseminação da informação científica acumulada de tal forma a transformar o conhecimento científico em produtos, serviços e novas tecnologias. Esse esforço deve ser mundial, e no caso do Brasil, devemos persistir com o projeto de ampliar a capacidade de gestão, incluindo aí a efetiva participação da comunidade através dos comitês de bacia e a busca permanente de novas formas de organização institucional e de inovações para a solução do problema. Melhor qualidade de água é sem dúvida, melhor qualidade de vida! Bibliografia ticas públicas é inovadora e essencial para reverter o quadro. Dentre essas políticas públicas podem ser considerados os principais e novos paradigmas já abordados e, além disso, um grande esforço de comunicação e disseminação de informações para o público em geral de forma maciça. Para atingir as grandes massas da população e disseminar permanentemente as idéias de economia de água, proteção dos mananciais e cuidados com a contaminação, o uso intensivo de meios de comunicação, através das mais diversas técnicas, é prioridade. Integração institucional, capacitação de gestores e tomadores de decisão, para dotálos de visão abrangente e sistêmica e atualizá-los com os últimos desenvolvimentos científicos é outro esforço de organização que em nível mundial está ocorrendo e que necessi- ANA – Agência Nacional das Águas – 2002. A evolução da gestão dos recursos hídricos no Brasil, Edição comemorativa do Dia Mundial das Águas. 64 pp. Constanza et al, 1997. The value of the world’s ecosystem services and natural capital. Nature. Vol. 387. 253-260 pp. Falkenmark, M. & Lindh, G. – 1974a. How can we cope with the water resources situation by the year 2050? Ambio, Vol. 3, Nos. 3-4. 114-122 pp. Gleick, P.H. 1997. Water 2050: Moving Toward a sustainable Vision for the Earth’s Fresh Water. Working Paper of the Pacific Institute for Studies in Development, Environment and Security, Oakland, California. Prepared for the Comprehensive Freshwater Assessment for the United Nations General Assembly and the Stockholm Environment Institute, Stockholm, Sweden. Guerrant, R.L.; Souza, M.A.; de Nations, M.K. – 1996. At the edge of development: health crisis in a transitional society (Carolina Academic Press) 449 pp. Shiklomanov, I.A. – 1993. “World fresh water resources”. In: Water in Crisis: A Guide to the World’s Fresh Water Resources. P.H. Gleick, Ed. (Oxford University Press, New York). 13-24 pp. Straskraba, M. e Tundisi, J.G. 2000. Diretrizes para o gerenciamento de lagos. Gerenciamento da Qualidade da água de represas. V. 9. 258pp. Tundisi, J.G. – 2003. Água no século XXI: enfrentando a escassez. RIMA/IIE. 248 pp. Saneas / agosto 2004 – 9 Ponto de Vista Ação e desenvolvimento na gestão do uso da água A importância da água para a vida é tema tão antigo quanto o aparecimento do ser humano na Terra. No Gênesis está escrito “no mesmo dia, todas as fontes irromperam das grandes profundezas e as janelas do céu foram abertas [...] prevalecendo as águas sobre a Terra”. Antigas civilizações, como sumérios e babilônios, consideravam a água como o mais valioso presente dos deuses; os chineses falavam da ajuAristides Almeida Rocha da que a água traz a milhares Diretor da Faculdade de Saúde de pessoas, sem nada exigir. Pública da USP. De fato Goethe, mais modernamente, enfatizava que tudo nasceu da água, tudo é mantido pela água. Contudo, paradoxalmente, ainda que essas considerações possam ser verdade absoluta, desde a Revolução Industrial ocorrida na Inglaterra na segunda metade do século 18, passando pelo 19 e acentuando-se no século 20, a sociedade tem comprometido o ambiente, aprimorando os processos tecnológicos, fundamentalmente para gerar conforto e bem estar. O homem está afetando os ecossistemas ar, solo e água, contrariando e esquecendo também das judiciosas ponderações de Tales de Mileto, ao reconhecer a água como fonte precípua de tudo que há no universo, ou que alguns alquimistas da Idade Média chegavam a acreditar que a água fosse a própria “substância fundamental” que tanto procuravam. A toda reação corresponde uma reação igual e de sentido contrário. Estas são forças de contrafacção, que no caso da água, começam também a surgir no século 20, inicialmente de modo incipiente, e depois, com maior intensidade, talvez menos pelas ações do homem afetando deleteriamente a qualidade, e mais por causar perda econômica, enfim diminuição de lucros. A própria Organização Mundial da Saúde, criada em 1945 sob o princípio de que a saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência de doença ou enfermidade, manifestou essa preocupação, ao estabelecer a década da água nos 10 – Saneas / agosto 2004 anos 70 e o ano internacional da água já no século 21, não a dissociando, portanto, da discussão ambiental. Essa premissa implica na necessidade da difícil tarefa de compatibilizar a aplicação dos conhecimentos tecnológicos e a manutenção das condições essenciais à sobrevivência, não só do homem, mas sobretudo, de todos os seres vivos ou do imenso ecossistema que é a Ecosfera. A magnitude do problema é tanto maior quando se leva em conta a dimensão que assumiram os projetos engendrados pela ação antrópica visando utilizar o meio ambiente, em particular, a água. É necessáriohaver maior escrúpulo ecológico na gestão ambiental. Um novo paradigma A Agenda 21, nesse sentido, conferiu sensível alteração conceitual no processo de plane- jamento e gestão dos recursos hídricos. O capítulo 4, referente ao eficiente uso dos recursos hídricos, assinala que a água doce é um recurso finito e indispensável à sobrevivência das espécies, incluindo Homo sapiens. Veja-se que, finalmente, estamos reconhecendo tudo aquilo que as civilizações antigas (muitas vezes consideradas menos evoluídas, por não terem conhecido vários processos tecnológicos e tampouco atingido a era da informática) já conheciam e praticavam, até que se chegasse à época cartesiana e reducionista. A partir das Conferências Internacionais sobre “Desenvolvimento das Águas e do Meio Ambiente” das Nações Unidas em 1992; “Avaliação e Gerenciamento de Recursos Hídricos” e da OEA em 1996; de um aprofundado e pormenorizado Relatório sobre os Recursos Ponto de Vista de Água Doce do Mundo, em 1997 e das ações do PNUMA/IETC, 2001, um novo paradigma para o gerenciamento dos recursos hídricos foi apresentado. Esse modelo reconhe que a água é essencial à vida, mas constitui um recurso finito e vulnerável e, portanto, deve ser protegido e a sua utilização feita com parcimônia. O gerenciamento exige uma integração sistemática baseada na percepção da água como parte integral do ecossistema, tida como recurso natural, bem social e econômico sendo que a quantidade e qualidade é que devem determinar a sua disponibilidade e utilização. Indubitavelmente, no uso dos recursos hídricos a prioridade deve relacionar-se não só ao atendimento das necessidades básicas (abastecimento de água potável) e proteção dos ecossistemas. Deve se lembrar que, em relação às bacias hidrográficas circundantes da Região Metropolitana de São Paulo, a história mostra ter acontecido exatamente ao contrário, trazendo como resultante a problemática conflituosa que até hoje impera, exigindo vultosos recursos para a reversão desse cenário. A água, evidentemente, tem um papel social e o gerenciamento dos recursos hídricos, que deve ser integrado (incluindo o solo e as águas), precisa abranger a bacia hidrográfica, acarretando a essas ações um ônus econômico. A cada cidadão deve-se prover uma quantidade mínima de água, pois é um bem social e econômico cujo valor é variável com o tipo de uso e qualidade propiciada. Portanto, deve haver uma contabilidade de valor social, ambiental e econômico. No processo de avaliação do valor econômico da água, portanto, além do valor do mercado, devem ser considerados fa- tores externos não só associados à conservação ambiental e à sustentabilidade dos recursos naturais, mas sobretudo às condições sociais dos usuários na bacia e sub-bacia.. O problema não será resolvido pela simples construção de ETA (Estações de Tratamento de Água), ETE (Estações de Tratamento de Esgoto) ou de quilômetros de emissários e interceptores. Não resta dúvida de que cabe ao Estado estabelecer parâmetros quali-quantitativos para as águas, estabelecer medidas compensatórias e de remediação de possíveis danos causados pelos agentes de degradação, poluição e contaminação. Contudo, as decisões, creio, não devem ser tomadas ao arrepio da sociedade. Essa prática oriunda de períodos ditatoriais não mais se coaduna com a moderna sociedade brasileira. O aparente conforto que sentem as autoridades constituídas e daqueles que, eventualmente, detêm o poder decisório nos escalões administrativos mais inferiores, acaba impondo, por vezes, certos ônus aos cidadãos, que são os que verdadeiramente mantêm o sistema e fazem girar a economia do país. Possivelmente, alguns ainda radicais poderão argumentar que o envolvimento de usuários no planejamento e implementação dos projetos sobre a água constituem entraves à boa resolução dos problemas. Entretanto, tendo convivido e participado nos vários segmentos, como funcionário de uma estatal do setor; como atuante na iniciativa privada de consultoria; como consultor e assessor de entidades internacionais, como representante da Universidade de São Paulo no CONSEMA e atualmente como professor universitário, sinto-me extremamente confortável em reconhecer que a sociedade civil muitas vezes representada nas ONGs está muito amadurecida para argumentar e defender os seus pontos de vista, pois quase sempre conhecem e reconhecem as peculiaridades do mundo à sua volta, bem como têm consciência de suas próprias dificuldades econômicas. Concluindo, entendo que para haver ação e desenvolvimento do gerenciamento do uso da água de forma satisfatória, visando precipuamente manter a qualidade, é necessário ter uma abordagem participativa envolvendo usuários, planejadores e políticos em todos os níveis. Creio firmemente que só assim estaremos parafraseando São Francisco de Assis, agradecendo ao Criador: “Seja louvado, ó Deus, pela água, tão necessária, versátil, preciosa e frágil”. ■ Saneas / agosto 2004 – 11 PESQUISA & DESENVOLVIMENTO O perigo dos disruptores endócrinos no ambiente Estudos em animais e seres humanos relacionam os agentes químicos a problemas como infertilidade, deformações genitais, câncer de mama e de próstata, além de desordens neurológicas em crianças Eliane Granuzzio Castilho , Profa. Dra. Elizabeth de Souza Nascimento Colaboradores: Rogério de Oliveira Andrade , Fábio Seghese e Kleber Vasconcelos Amedi Análise de contaminantes ambientais cuja presença pode trazer alterações reprodutivas em animais e humanos O s chamados disruptores endócrinos (EDCs) são uma nova categoria de contaminantes ambientais que interferem no sistema hormonal, sabotando as comunicações e alterando os mensageiros químicos que se movem, permanentemente, dentro de nosso corpo (SANTAMARTA, J., 2001) Esses compostos têm recebido especial atenção das agências reguladoras, a partir do momento em que surgiu a hipótese de existir uma relação Pesquisadora do Laboratório de Química Orgânica da Bioagri Ambiental. Mestre e Doutoranda em Toxicologia da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo –SP. Professora da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo-SP. Mestre em Análises Toxicológicas e doutora em Ciências dos Alimentos. Diretor de Negócios da Bioagri Ambiental. Biólogo UNICAMP. Gerente Comercial da Bioagri Ambiental. Engenheiro Florestal ESALQ-USP. Supervisor Comercial da Bioagri Ambiental. Químico especialista em Engenharia Ambiental USP-SP. 12 – Saneas / agosto 2004 Pesquisa & Desenvolvimento entre exposição aos EDCs e alterações reprodutivas nos animais e humanos (CARGOUËT, M et al, 2003; HOSOKAWA, Y et al, 2003). Em dezembro de 1996, foi realizado um Workshop em Weybridge, na Inglaterra, que definiu os disruptores endócrinos como sendo uma substância exógena causadora de efeitos adversos à saúde dos organismos ou a seus descendentes, em conseqüência de uma alteração na função endócrina (Swedish Environmental Protection Agency, 1998). Esses compostos incluem uma larga variedade de poluentes como os praguicidas, hidrocarbonetos poliaromáticos, ftalatos plastificantes e alquifenóis de uso industrial (textil, papel, produção de detergentes) e hormônios naturais e sintéticos de uso doméstico (LIU, R et al, 2004; BROSSA, L et al, 2003). Os hormônios estrogênicos, tais como o etinilestradiol, mestranol, entre outros, são amplamente prescritos para o controle da natalidade e reposição hormonal e, juntamente com hormônios naturais como o, 17 β estradiol, estrona e estriol são excretados pela mulher e consequentemente encontrados no esgoto doméstico (CARGOUËT, M et al; 2003; BROSSA, L et al, 2002). Entre as substâncias químicas que apresentam efeitos disruptores sobre o sistema endócrino figuram: - as dioxinas e os furanos, gerados a partir da produção de cloro e compostos clorados, como o PVC, os agroquímicos clorados, os produtos usados para branqueamento na produção de papel e a incineração de resíduos; - as PCB´s – atualmente proibidas. As concentrações em tecidos humanos permanecem constantes nos últimos anos, ainda que a maioria dos países industrializados tenham deixado de produzir esses compostos há mais de uma década. Admite-se que dois terços do total de PCB´s produzido mundialmente continua em uso nos transformadores e outros equipamentos elétricos e, por conseguinte, podem ser objeto de liberação acidental. A concentração de PCB´s nos tecidos animais pode aumentar em até 25 milhões de vezes, quando se considera sua ascensão na cadeia alimentar. - numerosos agroquímicos, alguns proibidos como o DDT e seus produtos de degradação, o lindane, o metoxicloro, e outros em uso, como os piretróides sintéticos, herbicidas triazínicos, kepona, dieldrin, vinclozolina, dicofol e clordane, entre outros. - o praguicida endossulfan, de amplo uso na agricultura, apesar de estar proibido em muitos países. - o hexaclorobenzeno, usado em sínteses orgânicas, como fungicida para tratamento de sementes e como conservante de madeira. - os ftalatos utilizados na fabricação de PVC. Na fabricação de PVC são utilizados em média 95% do DEHP (di-2etilexil-ftalato). - os alquilfenóis, antioxidantes presentes no poliestireno modificado e no PVC, assim como o produto de degradação dos detergentes; o pnonilfenol, pertencente à família de substância químicas sintéticas alquilfenóis. Os nonilfenóis são adicionados ao poliestireno e ao cloreto de polivinila (PVC) como antioxidante propiciando maior estabilidade e menor fragilidade aos plásticos formados. - o bisfenol-A, tem amplo uso na indústria alimentícia e na odontologia. É usado também na produção de resinas epóxi e policarbonatos, como estabilizador em PVC, como antioxidante em plásticos e é muito ativo como fungicida. (SANTAMARTA, J, 2001). Populações inteiras expostas a agentes químicos Estudos em animais e seres humanos relacionam os agentes químicos a inúmeros problemas como infertilidade, baixa contagem de espermatozóides no sêmen e deformações genitais; cânceres desencadeados por hormônios, como o câncer de mama e de próstata; desordens neurológicas em crianças, como hiperatividade e dificuldade de concentração, além de problemas no desenvolvimento e reprodução de animais silvestres. Muitas populações de animais silvestres já foram atingidas por tais compostos. Os impactos observados incluem disfunções tireoideanas em aves e peixes; diminuição da fertilidade entre aves, peixes, moluscos e mamíferos; queda na produção de filhotes entre aves, peixes e tartarugas; anomalias metabólicas em aves, peixes e mamíferos; anomalias comportamentais entre pássaros e mamíferos do sexo masculino; e comprometimento do sistema imunológico de pásSaneas / agosto 2004 – 13 Pesquisa & Desenvolvimento saros e mamíferos (SANTAMARTA, J., 2001). Segundo Colborn, autora do livro O Futuro Roubado, “estamos expondo populações inteiras a agentes químicos extremamente venenosos, como comprovam os estudos com animais. Agentes químicos que, em muitos casos, têm efeitos cumulativos. Atualmente, este tipo de exposição começa a acontecer tanto antes como durante o nascimento. Se não mudarmos nossos métodos atuais continuará acontecendo ao longo de toda a vida das pessoas que já nasceram. Ninguém sabe ainda quais serão os resultados deste experimento, já que não há nenhum paralelo anterior que possa nos guiar”. Atualmente, existe uma preocupação no desenvolvimento de métodos analíticos suficientemente sensíveis na determinação dos disruptores endócrinos em ambientes aquáticos, com limites de detecção na ordem de µg/L e ng/L. A literatura mostra que vários pesquisadores, em todo o mundo, detectaram muitos desses contaminantes em águas naturais e em efluentes de ETEs (BILA, et al, 2003) A ocorrência desses disruptores endócrinos em águas superficiais e de subsolo demonstra a necessidade de estudos que determinem os efeitos tóxicos frente ao meio ambiente e ao ser humano. Admite-se que, se a carga ambiental de alteradores hormonais sintéticos não for reduzida e controlada, exista a possibilidade de ocorrência de disfunções à saúde da população. O potencial de risco é elevado para animais silvestres e seres humanos devido à probabilidade de exposição repetida ou constante a numerosos agentes químicos sintéticos que sabidamente alteram o sistema endócrino. Alguns experimentos apresentam resultados que evidenciam alterações mesmo em níveis inferiores aos das concentrações ambientais atuais (COLBORN, et al, 2002). Conclusões É necessário o desenvolvimento de métodos mais sensíveis para a detecção de substâncias disruptoras na ordem de μg/L e ng/L. Também é importante conhecer melhor o efeito destas substâncias no meio ambiente e no ser humano, estabelecendo-se limites seguros para seu lançamento em efluentes e corpos receptores. O monitoramento da remoção destes com14 – Saneas / agosto 2004 postos em estações de tratamento de efluentes domésticos e águas de abastecimento público convencionais é importante para a definição e implantação de processos complementares ou novos sistemas de remoção. A Bioagri Ambiental está pesquisando, implantando e validando novas metodologias analíticas para a detecção e avaliação dos disruptores endócrinos em água, e em breve as estará colocando à disposição do mercado. Referências Bibliográficas COLBORN, T; DUMANOSKI, D; MYERS, J.P. Our Stolen Future. New York: Penguin Books, 1996. (Edição em Português: O Futuro Roubado, de Theo Colborn, Dianne Dumanoski e Pete Myers, 2002). BILA, D. M.; DEZOTTI, M. Fármacos no Meio Ambiente. Quim. Nova, vol.26, n.4, p.523-530, 2003. SANTAMARTA, J. A Ameaça dos Disruptores Endócrinos. Agroecol. E Desenv. Rur. Sustent., v.2, n.3, jul/set. 2001. CARGOUËT, M; PERDIZ, D.; MOUATASSIM-SOUALI, A.; TAMISIER-KAROLAK, S.; LEVI, Y. Assessment of River Contamination by Estrogenic Compounds in Paris Área (France). Science of the Total Environment, 2003 – disponível on line: www.sciencedirect.com. HOSOKAWA, Y.; YASUI, M.; YOSHIKAWA, K.; TANAKA, Y.; SUZUKI, M. The Nationwide Investigation of Endocrine Disruptors in Sediment of Harbours. Marine Pollution Bulletin, v.47, p.132-138, 2003. LIU, R.; ZHOU, J.L.; WILDING, A. Simultaneous Determination of Endrocrine Disrupting Phenolic Compounds and Steroids in Water by Solid-Phase Extration-Gas Chromatography-Mass Spectrometry. Journal of Chromatography A, v.1022, p.179-189, 2004. BROSSA, L.; MARCÉ, R.M.; BORRULL, F.; POCURULL, E. Application of on-line Solid-Phase Extration-Gas Chromatography-Mass Spectrometry to the Determination of Endocrine Disruptors in Water Samples. Journal of Chromatography A, v.963, p.287-294, 2002. BROSSA, L.; MARCÉ, R.M.; BORRULL, F.; POCURULL, E. Determination of EndocrineDisrupting Compounds in Water Samples online Solid-Phase Extration-Programmed-Temperature Vaporisation-Gas ChromatographyMass Spectrometry. Journal of Chromatography A, v.998, p.41-50, 2003. ■ MEIO AMBIENTE Saúde global e sustentabilidade Através da busca de soluções em relação a todos os princípios básicos da sustentabilidade, encontramos os caminhos mais sábios e tomamos as decisões mais inteligentes sobre os investimentos em benefício da saúde planetária. De outro jeito, seria como pilotar um avião utilizando apenas seus instrumentos, mas sem uma bússola. César Levy França Ciência e Decisões Políticas Certa vez, um político ansioso para tomar uma decisão sobre a toxina PCB (bifenila policlorada), procurou um grupo de cientistas dentro dos domínios da biologia, toxicologia, epidemiologia e fez a seguinte pergunta: - É verdade que PCB é um disruptor endócrino capaz de interferir no desenvolvimento fetal humano e também afetar a reprodutividade de focas e lontras, fazendo com que o útero destes animais fique colado durante seu crescimento, eliminando assim a capacidade de reprodução dessa espécie? - Sim, é verdade - respondeu um dos cientistas. - Não, isto não é verdade disse outro cientista - Não existem provas conclusivas sobre isto. Não existe análise que confirme esta afirCésar Levy França é mação. A reputação dos cienDiretor para Pesquisa tistas é prejudicada por este & Desenvolvimento da tipo de declaração... organização The Natural O debate continuou por aí... Step - TNS Brasil. Consultor com créditos de mestrado - Nosso grupo identificou em economia ecológica uma substância ainda mais pelo Schumacher College e perigosa do que PCB, mas Universidade de Plymouth ninguém nos escuta! - protesUK e estudos em psicologia tou um outro cientista. Gurdjiefiana; (Fundamentos para Desenvolvimento O político fez um gesto com Harmonioso do Homem na os ombros como quem quer diTerra). [email protected] zer: “e então, como é que fica?” e se preparou para deixar o local, pois concluiu que não seria possível se informar, nem assumir nenhuma posição política. Se o mesmo político fosse convencido a permanecer na sala e as questões sobre PCB formuladas novamente, abordando os problemas com base em princípios, então possivelmente os resultados seriam bem mais positivos. As questões seriam formuladas da seguinte maneira: - O PCB é uma substância encontrada naturalmente ou é estranha à natureza? A resposta seria: - Não. O PCB é produzido pelo homem... E todos os cientistas concordariam com isto. Haveria consenso e seria possível continuar: - O PCB é degradável na natureza? Ou seja, uma vez liberado em sistemas naturais, é rapidamente transformado em elementos que já existem na natureza, podendo ser absorvido e processado nos ciclos naturais? - Não, os profissionais do setor químico o desenvolveram com o objetivo de que fosse um composto muito persistente... - E isso significa que enquanto a sociedade continua a usar PCB em larga escala e sem controle rigoroso (caro e difícil), concentrações desta substância irão aumentar e produzir uma variedade de efeitos imprevisíveis na natureza? - Sim, isso está correto. Matéria não pode simplesmente aparecer ou desaparecer (leis da conservação), a matéria se dispersa facilmente (segunda lei da termodinâmica). E se estas substâncias são estranhas ou inexistentes na natureza, poucas emissões são necessárias para aumento dos níveis de concentração, mesmo quando muito distante das fontes emissoras. - Alguém deste grupo de especialistas pode levantar e oferecer previsões confiáveis sobre, onde na natureza, poderão ocorrer os aumentos mais significativos e também indicar os percentuais mínimos e seguros em relação à toxicidade de PCBs nestas áreas de ocorrência? - Isso é impossível devido à enorme complexidade da natureza. O melhor que podemos fazer é revelar as substâncias responsáveis por determinados impactos, uma vez ultrapassados alguns limites adotados como referência. Mas este processo é lento, difícil e realizado com muito esforço. E até serem implementados, diversos danos já foram causados... - Neste caso, podemos continuar utilizando PCB, porém de forma cuidadosa, em sistemas tecnicamente bem monitorados e capazes de garantir que estes não vão se dispersar na natureza? Saneas / agosto 2004 – 15 Meio Ambiente - Não, em longo prazo – pelo menos se almejamos construir uma sociedade que seja sustentável e possa continuar a prosperar. A propósito, a mesma regra pode ser aplicada para todas as substâncias que são persistentes e estranhas à natureza. A esta altura, o político havia vivido uma situação inusitada. No mesmo dia ele passou por dois debates completamente diferentes, ainda que com as mesmas pessoas e o mesmo tema. Obviamente, a segunda discussão foi a que proporcionou a informação de que precisava, o que comprova a necessidade não apenas do acesso à informações em quantidade, mas a importância de se colocar as perguntas de forma correta. Esta história nos mostra a necessidade de descobrirmos princípios fundamentais. Só assim podemos avaliar que tipo de informação é necessário para os momentos de decisão, assim como aquelas que não são. Com estes princípios podemos avaliar se a informação disponível é suficiente e se requer mais ciência em níveis mais detalhados e complexos. Sem o entendimento sobre como estruturar este conhecimento, ao invés de alcançar soluções, talvez estejamos nos afogando em informações. Planejando em sistemas complexos Em busca de consenso científico, a organização The Natural Step (TNS) sistematizou estes princípios através da “Estrutura de Referência – TNS”, organizando-os em cinco níveis hierárquicos distintos, interligados entre si, porém sem sobreposições: 1. nível dos sistemas: este nível está relacionado com os princípios que abrangem todo o funcionamento do sistema (neste caso, os ciclos biogeoquímicos da biosfera e seu relacionamento básico com os fluxos e práticas da sociedade humana), que são suficientemente estudados para chegar a: 2. definição básica de sucesso para todos os projetos dentro do sistema (neste caso, projetos para a sustentabilidade), tornando-se uma pré-condição a ser desenvolvida; 3. diretrizes estratégicas: neste caso, uma aproximação passo-a-passo da sustentabilidade seguindo as definições de sucesso (2). (Método – backcasting. pelo qual as condições futuras desejadas são visualizadas, e então são definidos os passos para realizar estas condições). 16 – Saneas / agosto 2004 Ao mesmo tempo, assegurando que os recursos financeiros e outros continuem a alimentar os processos para uma escolha apropriada; 4. ações concretas: são todos os movimentos concretos realizados para a transição rumo à sustentabilidade. Estes devem seguir as diretrizes estratégicas que por sua vez demandam; 5. instrumentos: capazes de monitorar sistematicamente as ações (4), para que estas sejam estratégicas (3), e levem rumo ao sucesso (2), no sistema (1). Em outras palavras, se não sabemos onde queremos chegar, por definição não podemos ser estratégicos. Abordaremos a seguir alguns destes níveis, agora elaborados com um pouco mais de detalhe: O nível dos sistemas Este nível contempla uma visão geral do sistema dentro do qual todo o planejamento acontece. Se desejarmos descrever o sistema “sociedade humana na biosfera”, precisamos descrever os ciclos naturais dirigidos pelo sol, as relações entre as espécies, o intercâmbio de recursos e resíduos entre a sociedade e os ecossistemas, etc. Os cientistas poderiam ajudar muito mais nos processos decisórios. Eles poderiam fornecer dados e informações sobre o sistema, ou como este funciona, e descrever os efeitos de práticas insustentáveis na sociedade e nos sistemas ecológicos. Poderiam também ajudar dando uma descrição de consenso sobre as condições gerais do sistema. Desta maneira, cientistas estariam ajudando aqueles que decidem a formar seus pareceres e lidar com os desafios do “funil” em que a sociedade atualmente se encontra. A partir disso, podemos chegar a uma conclusão importante. A questão da “saúde” pode ser definida em nível individual. Mas dentro de uma perspectiva sistêmica, é necessário também defini-la em nível global. A metáfora do “funil” permite identificarmos os mecanismos que levam a um agravamento da situação. Sustentabilidade não significa uma situação idealista e sem impactos. Precisamos, pelo menos, alcançar a abertura do funil, onde ainda haverá impactos negativos nos sistemas sociais e naturais, mas também haverá uma atitude restauradora. Com este objetivo, percebeu-se a necessidade de, primeiramente, entender os princípios básicos que possibilitaram a manutenção de Meio Ambiente PCB NOx CFC DDT um processo de 3.5 bilhões de anos de evolução dos ecossistemas. Um processo que gera os serviços e recursos naturais que necessitamos para manutenção da sociedade humana, (isto é: ar, água limpa etc). Através de um consenso científico, foi possível olhar esta questão dentro de uma perspectiva ampla e estruturar o conhecimento sobre as condições em que vivemos na Terra. Algumas leis da natureza, como a lei da conservação da matéria, a segunda lei da termodinâmica e a fotossíntese nos mostram que os seres humanos são uma espécie social por natureza. Enquanto indivíduos, necessitamos do apoio, das habilidades e do conhecimento profissional de cada um. Interdependência e diversidade são as pedras fundamentais do nosso tecido social. Para a manutenção deste tecido, precisamos reconhecer que juntos somos fortes, pois a sustentabilidade conta não apenas com ecossistemas saudáveis, mas também com um tecido social saudável. O nível sucesso No jogo de xadrez, o sucesso é determinado pelo princípio do xeque-mate. No jogo do “desenvolvimento sustentável na biosfera,” foram elaborados princípios básicos para a sustentabilidade social e ecológica. Estes princípios são conhecidos pelos setores econômicos e industriais como “Condições Sistêmicas da Natural Step”. O nome é uma referência à ONG The Natural Step, que os desenvolveu. Definir as condições e obstáculos em relação a este resultado desejado, que podemos chamar de sucesso, talvez seja um dos aspectos mais importantes. No entanto, é o menos explorado. Sabemos que o conceito de sustentabilidade se torna relevante somente à medida em que compreendemos a não-sustentabilidade. Assim, passa a fazer sentido projetar os princípios para sustentabilidade como restrições. Isto é, definir os princípios que determinam o que a sociedade humana não deve fazer no sentido de não destruir o sistema. A questão então passa a ser: quais são os principais fatores que levam à destruição do ecossistema, sociedade e biosfera? E, tendo em vista estes fatores de destruição, qual é a capacidade do ecossistema nos sustentar? A resposta para esta questão deveria ser procurada contra a corrente. Ou seja: rio acima, nas relações de causa-efeito, quando os erros básicos dos projetos sociais desencadeiam milhares de impactos negativos, que mais tarde surgem corrente abaixo, ou seja, rio abaixo. Abordar as relações de causa-efeito é a única forma de gerar compreensão e não apenas se enroscar com os problemas atuais. Com isso, podemos também evitar novos problemas que estão aumentando e surgindo. Neste nível inicial de abordagem existe pouca complexidade e podemos colocar as questões de forma correta: sem necessidade de conhecimento sobre todos os detalhes. A partir daí, se acrescentarmos um “não”, a tais princípios, estes podem se tornar condições para o sistema. Ou seja, “condições sistêmicas.” Baseado na combinação do conhecimento descrito sobre o nível sistemas (1), foi possível identificar três condições que levam à insustentabilidade. São elas: 1. O aumento sistemático de concentração de matéria introduzida continuamente na biosfeSaneas / agosto 2004 – 17 Meio Ambiente ra a partir de fontes externas: materiais minerados como metais e petróleo. 2 O aumento sistemático de concentração de matéria produzida dentro da biosfera: produtos químicos desenvolvidos intencionalmente e emissões provenientes de combustões e incinerações. 3. A destruição sistemática através de meios físicos, tais como pesca predatória e exaustão de aqüíferos. As três primeiras condições sistêmicas especificam como evitar a destruição da biosfera. Se acrescentarmos uma negação a estes três mecanismos básicos de destruição, temos a possibilidade de uma “Estrutura de Referência” para a sustentabilidade ecológica, identificando assim um conjunto de restrições. Baseado neste raciocínio, formulou-se o quarto princípio básico para os relacionamentos internos da sociedade, a quarta condição sistêmica. Assim, temos a seguinte composição: Na sociedade sustentável, a natureza não é submetida ao aumento sistemático de: I concentrações de substâncias extraídas da crosta terrestre II. concentrações de substâncias produzidas pela sociedade III. degradação por meios físicos. Nesta sociedade... IV ...as pessoas não são submetidas a condições capazes de exaurir sistematicamente os meios para que possam realizar suas necessidades fundamentais O primeiro passo a ser dado por uma organização, sociedade ou indivíduo que não deseja se tornar um problema para o sistema, é traduzir estas condições do sistema em objetivos relevantes. Uma forma ética de fazê-lo é acrescentar um “eliminar a contribuição” a estas frases: Objetivos da sustentabilidade 1. ...eliminar a contribuição relacionada ao aumento sistemático em concentrações de substâncias da crosta terrestre. 2. ...eliminar a contribuição relacionada ao aumento sistemático em concentrações de substâncias produzidas pela sociedade. 3. eliminar a contribuição em relação à degradação física sistemática da natureza. 18 – Saneas / agosto 2004 4. eliminar a contribuição em relação à exaustão dos meios e da capacidade humana de alcançar suas necessidades fundamentais em nível mundial. A partir do momento em que conhecemos a definição de sucesso, podemos ser estratégicos. Organizamos nossas ações e, consequentemente, escolhemos melhor quais instrumentos utilizar para implementação dos processos rumo à sustentabilidade no sistema em questão. Pensamento sistêmico e saúde global Compreender os princípios básicos de um sistema possibilita definir o “sucesso” de qualquer projeto a partir de uma perspectiva ampliada. Quanto maior e complexo for o sistema, mais importante será o desenvolvimento de uma forma de entendimento compartilhado, dentro de uma perspectiva ampliada no espaço e no tempo. Não há desafio maior ou mais complexo para a humanidade do que criar um mundo sustentável do ponto de vista social e ecológico. Compartilhar uma estrutura de referência nos possibilita compreender melhor o nível de detalhamento e com isso, não apenas resolver de fato os problemas, mas também evitá-los – até mesmo os problemas que ainda não conhecemos. Isso não significa que estudos epidemiológicos sobre as relações causais entre aspectos ambientais específicos e doenças sejam menos importantes do que estudos baseados em uma perspectiva global do sistema. Ao contrário, estas duas perspectivas estão interligadas e são inseparáveis. Exatamente por isso, a atual falta de equilíbrio de enfoque causa tantos danos. Detalhes sem estrutura é reducionismo, e estrutura sem detalhes é ingenuidade. É óbvio que os princípios do xeque-mate não são mais importantes do que jogar xadrez. Cada movimento em direção aos princípios básicos é um detalhe. Foi a análise do conhecimento detalhado sobre impactos que possibilitou a identificação das condições sistêmicas. É através da busca de soluções e visualizações em relação a todos os princípios básicos da sustentabilidade que encontramos os caminhos mais sábios e tomamos as decisões mais inteligentes sobre os investimentos em benefício da saúde planetária. De outro jeito, seria como pilotar um avião utilizando apenas seus instrumentos, mas sem uma bússola. Esta é a essência para o planejamento em sistemas complexos. ■ CAPA Qualidade da água, qualidade da vida Degradação do meio ambiente e aumento da poluição das águas tornam o custo do tratamento nos sistemas de abastecimento cada vez mais altos. O preço final desta conta é pago por toda a sociedade. Idéias para reverter este quadro não faltam. Estados Unidos e alguns países da Europa já trabalham dentro de conceitos como o de reúso e uso racional da água. No Brasil, alguns projetos dão sinal de que a conscientização das diferentes esferas sociais e políticas é o único caminho para preservar este líquido cada vez mais escasso. “E xiste uma relação direta entre o custo de tratamento de água e a preservação do verde”. A afirmação é de Rodrigo Braga Moraes Victor, coordenador da reserva da Biosfera do Cinturão Verde da Cidade de São Paulo e reflete parte do emaranhado de fatores que afetam –ou contribuem— na qualidade da água potável, que sai das torneiras. Faz parte desta extensa lista também mudanças climáticas, tratamento de esgoto, gestão e educação ambiental. Mais do que análise e adição de componentes químicos, a água que bebemos depende de um conjunto de ações que vão além dos laboratórios de química e dependem de uma dose de bom senso e de um trabalho em diferentes frentes: governo, iniciativa privada e sociedade. Quando a organização não governamental (ONG) Universidade da Água (Uniágua) nasceu, em 1988, a preocupação com a água potável já era latente. De olho nos índices de poluição dos mananciais, o idealizador da ONG, o ex-governador André Franco Montoro, vislumbrava que o excesso de esgoto e de dejetos industriais e agrícolas, jogados nos rios, afetaria o bolso do consumidor. “Quanto mais se polui a água, mais Saneas / agosto 2004 – 19 Matéria de Capa Floresta da Tijuca foi primeiro reflorestamento em favor da boa água Em 1840, o Rio de Janeiro já sofria com as conseqüências do desmatamento da região e das nascentes dos rios: o abastecimento de água na cidade estava comprometido. No lugar da mata, restava a cultura do café. Assim, em janeiro de 1862, o trabalho de reflorestamento começou. Para conseguir isso, seguiu-se a seguinte estratégia: as espécies de maior porte eram conservadas para oferecer sombra e proteção às mudas e, quando estas se desenvolviam, as árvores antigas eram derrubadas. Existia, também, um sistema de proteção da área contra incêndios e saques. Detalhe, o trabalho era todo feito com mão de obra humana, cerca de 19 pessoas, sem ajuda de maquinário, para cuidar de 600 hectares de terra. Os relatórios enviados à corte de D. João valem o registro: “Por este meio não só se pode modificar favoravelmente o clima de muitas regiões, temperando os excessivos calores e a secura do verão, e moderando até certo ponto a força das chuvas e a violência dos ventos, mas é também o modo mais simples e eficaz de tornar salubres e habitáveis regiões que d’antes o não eram.... É certo, além disso, que assim como o desmatamento imprevidente do solo, especialmente nos terrenos elevados, os empobrece por efeito de lavagem e arrastamento de terra vegetal pelas correntes que se formam na estação invernosa, assim também a criação de florestas é, em sentido contrário, o melhor meio de preparar e fertilizar o solo, pela camada de detritos vegetais que elas lhe prestam, e que, cada vez mais o enriquecem...” Fonte: Santos, R. F.1988. Aspectos da Ciclagem de Nutrientes Minerais em um Reflorestamento Misto (Campinas-SP). Tese de Doutoramento apresentada ao Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo. São Paulo. 20 – Saneas / agosto 2004 caro fica seu tratamento”, afirma o engenheiro Carlos Eduardo Palma, coordenador técnico da Uniágua. O prognóstico foi confirmado: em 1998, para tratar um milhão de litros de água provenientes do sistema Guarapiranga (apontada como um dos sistemas de águas mais poluído do estado de São Paulo), gastavam-se R$ 23,21. No ano passado, essa cifra saltou para R$ 54,03, de acordo com dados fornecidos pela Sabesp. A diferença recai também nas tarifas cobradas do consumidor. Os números dão a dimensão do impacto da degradação ambiental nesta região, que sofre, principalmente com a ocupação urbana desenfreada –e irregular—das áreas de mananciais. Natureza a favor -- A relação da preservação do Cinturão Verde com a qualidade da água é direta. “A floresta tem a capacidade de controlar o fluxo da água, como se fosse uma esponja e o solo faz com que esse líquido seja filtrado e depurado naturalmente. Como conseqüência, essa água chega com melhor padrão de qualidade no rio”, explica o engenheiro florestal Rodrigo Victor, da Reserva da Biosfera. Cinturão Verde é toda a área do entorno da região metropolitana e que tem, no estado de São Paulo, predomínio de Mata Atlântica. A relação entre o verde e a cidade é mantida por trocas e o entendimento desta simbiose é recente. “O Cinturão Verde gera para a cidade bens e serviços e a cidade gera para o Cinturão Verde pressão e degradação” conta Rodrigo Victor. Entenda-se por serviços ambientais todos os benefícios que se obtêm com os ecossistemas: provisão de água, o alimento, a lenha, a fibra da madeira, recursos genéticos. E essa relação se repete em qualquer lugar do Brasil. “É uma nova e recente forma integrada de se enxergar o espaço territorial”, conclui Rodrigo Victor. Mas o conhecimento da interação meio-ambiente e água já é antigo. Há mais de cem anos a região do Cantareira foi decretada como de utilidade pública, de conservação, por causa da importância da água. No Rio de Janeiro aconteceu o mesmo processo, quando D. João VI, na época do Império, mandou reflorestar a Tijuca. O intuito era recuperar a água de abastecimento para a cidade. Isso porque se percebeu que a qualidade e a quantidade de água fornecida para a cidade caíram depois do desmatamento (veja boxe “Floresta da Tijuca foi primeiro reflorestamento em favor da boa água”). A relação de chuvas e qualidade de água também é íntima. A ausência de chuvas é um dos Matéria de Capa de Qualidade da Água para Abastecimento Público (IAP), ótimo, bom e regular; 19%, ruim; e 13%, péssimo. “O motivo se dá, principalmente, pelo tratamento insuficiente de esgoto doméstico, que causa o desenvolvimento excessivo de algas nos corpos de água”, acredita Lineu José Bassoi, diretor de engenharia, tecnologia e qualidade ambiental da Cetesb. Atualmente, os principais gastos no tratamento de água estão ligados ao custo da adição de produtos químicos, como o carvão ativado e o permanganato de potássio, que são adicionados para tirar gosto e cheiro e degradar matéria orgânica. O uso do carvão é conseqüência direta do excesso de esgoto doméstico nas represas. Por dentro dos mananciais – No ano Este tipo de material orgânico eleva a quantidapassado, de acordo com dados da Companhia de de fósforo e nitrogênio na água. “Associada de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Ce- ao aumento da temperatura e luminosidade, a tesb), 68% dos pontos monitorados pela empre- proliferação de algas, que se alimentam destes sa no estado de São Paulo apresentavam Índice nutrientes, fica acelerada. E são elas que deixam fatores de redução no nível da água e a conseqüência disso é um menor volume para a diluição dos poluentes. Não é por acaso que hoje os menores custos de tratamento são nos Sistemas Rio Claro e Alto Cotia, que mantêm boa preservação ambiental, onde se registram os menores custos de tratamento de água. “Outro aspecto de economia é a questão relacionada às enchentes. Quando se tem uma região rodeada de florestas, a capacidade de segurar a água é maior”, acrescenta Rodrigo Victor. Na ausência do verde, uma das soluções é aprofundar a calha do rio e a construção de piscinões, que fazem o papel de barragens reguladoras. Reúso da água “Temos que mudar o paradigma. Caminhar cada vez mais longe para buscar água era o que os romanos faziam, por meio dos grandes aquedutos. E essa mudança está baseada em duas palavras chaves: conservação (da água) para evitar perdas por vazamento e roubo de água e reúso”. A idéia é do professor Ivanildo Hespanhol, presidente do Centro Internacional de Referência em Reúso de Água. O novo conceito passa por uma mudança de cultura que, historicamente, privilegiou o uso abundante da água. Economizar é uma lição a ser aprendida. A indústria, de acordo com o especialista, tem investido para uma redução do uso de água potável dentro do processo de produção. “No final, isso gera uma economia e tem também um papel social, já que contribui para o uso racional da água” acredita. A prática do reúso ainda está engatinhando por aqui. Não tem, inclusive, legislação. O Centro Internacional de Referência em Reúso de Água está discutindo junto ao Conselho Nacional de Recursos Hídricos a publicação, ainda neste ano, de uma resolução sobre reúso de água, que vai enfocar cinco categorias: agrícola, urbano não potável; industrial; aqüicultura (peixes) e recarga artificial de aqüíferos. Serão políticas de reúso, com padrões e códigos de práticas. O conceito de reúso é simples: a água é reutilizada, com finalidade não potável, antes de ser devolvida ao meio ambiente. “Isso é uma tendência e já estamos fazendo um manual de reúso só para os setores de produção. A indústria está começando a aderir, e isso vai chegar também nos municípios e domicílios”, explica Ivanildo Hespanhol. O reúso é viável e o retorno, rápido. A grande demanda deste processo, no Brasil, é exatamente na agricultura. Aliás, no mundo, 80% da água consumida é para agricultura. Por aqui, é em torno de 70%. E o exemplo vem de fora: países do Oriente Médio, norte da África, Alemanha, França e EUA têm no reúso uma prática habitual. Saneas / agosto 2004 – 21 Matéria de Capa cheiro e odor desagradável na água”, explica Armando Perez Flores, gerente da divisão de controle de qualidade de água da Sabesp, que admite que os sistemas mais comprometidos pela degradação ambiental e com problemas devido à proliferação das algas são o Guarapiranga, Alto Tietê e Rio Grande. O que a Sabesp tem feito, de acordo com Armando Flores, para tentar reduzir este impacto é subsidiar ações de planejamento e, assim, tentar reverter este quadro. “Nessas áreas um dos grandes problemas se refere ao esgoto doméstico. São áreas protegidas, mas ocupadas irregularmente e, por isso, não são providas de rede coletora de esgoto”, conta Armando Flores. Água limpa – Passam pelo crivo da análise da água parâmetros relacionados à contaminação bacteriológica, física (gosto, odor e cor) e químicos (componentes orgânicos e inorgânicos, como a presença de pesticidas, solventes, metais, sais dissolvidos), já que no rio chegam materiais provenientes da indústria, agricultura, além dos resíduos de esgoto doméstico. De acordo com dados oficiais, divulgados pela Sabesp, 85% do esgoto é coletado pela empresa. Destes, 76% recebem tratamento –a empresa atende 368 municípios do estado de São Paulo. “E na água bruta, onde parte do esgoto, tratado ou não, é despeja- Qualidade da água: quando cada um faz a sua parte do, controlamos quase 300 compostos”, afirma Caetano Mautone, gerente da divisão de laboratório central de controle da Sabesp. A verificação é feita tanto nos mananciais quanto nas Estações de Tratamento de Água (ETA), Estações de Tratamento de Esgotos (ETE) e na água que chega à torneira do consumidor. O excesso de zelo se justifica: a água contaminada pode causar uma série de danos para o organismo como a febre paratifoide, disenteria e cólera. Além disso, a poluição bacteriológica causa doenças, como poluentes químicos, como metais pesados, provenientes principalmente da indústria, têm efeito crônico no organismo, num processo cumulativo, que causa danos principalmente ao sistema nervoso. Para Ivanildo Hespanhol, professor titular da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo e presidente do Centro Internacional de Referência em Reúso de Água, a absorção de compostos inorgânicos, como metais pesados, por exemplo, poderá ser feita, nos próximos anos, por um sistema mais econômico do que o uso de carvão ativado: o sistema de membranas. “Acredito que dentro de cinco anos o sistema de abastecimento de água vai começar a usar este tipo de processo. Nos Estados Unidos isso já é comum”, exemplifica Ivanildo Hespanhol. Pelo sistema de membranas, a água passa por microfiltração, ultrafiltração, nanofiltra- Campanhas de racionalização do uso da água: re- petir nunca é demais. Este tipo de campanha ajuda a reduzir o desperdício. E isso tem relação direta com o nível dos mananciais e a maior ou menor dispersão dos poluentes. Incluem-se aí não apenas a população em geral, como também a indústria e aqueles que trabalham na agricultura. Conscientização ambiental e uso do solo para evitar o alto impacto nas águas dos rios: cada vez Visita monitorada na Sabesp concientiza alunos 22 – Saneas / agosto 2004 mais a população tem sido chamada para participar das decisões dos planos diretores, para evitar o crescimento e o zoneamento em uma área de manancial, por exemplo; e o aumento descontrolado de indústrias numa região já saturada; além da organização das atividades agrícolas. Educação ambiental: apenas por meio da formação é que será possível conseguir resultados positivos nesta área. A Reserva da Biosfera tem dado bons exemplos, como o trabalho feito com as comunidades na região do Cinturão Verde. A idéia é criar modelos de uso sustentável da terra e gerar, assim, inclusão social. Deste projeto estão sendo formadas pessoas para o ecomercado de trabalho (voltado para a conservação ambiental, como a reciclagem, agricultura orgânica etc). São 10 núcleos de educação eco-pro- Matéria de Capa ção e osmose reversa –que remove tudo, até vírus e sais. “Isso ainda é caro para as companhias de saneamento. Mas o valor está reduzindo e esses processos vão ser rapidamente competitivos”, acredita Hespanhol. Panorama paulista – O padrão seguido para estabelecer poluição e potabilidade de água é ditado pela Resolução Conama número 20/86, que estabelece os padrões de qualidade de acordo com seus usos (abastecimento público, irrigação etc). “Não se pode analisar todos os compostos porque são mais de um milhão. Então focamos aqueles relacionados ao risco para a saúde pública, ao comprometimento da fauna e da flora”, conta Eduardo Mazzolenis de Oliveira, gerente do Departamento de Tecnologia de Águas e Efluentes Líquidos da Cetesb. Apesar de toda a discussão em relação aos fatores que influenciam a qualidade da água, Eduardo Mazzolenis conta que o panorama paulista demonstra sinais positivos, mesmo que muito discretos. “Nos últimos quatro anos tivemos um período de seca muito forte em São Paulo e isso não só interfere na quantidade de água distribuída, mas também na qualidade. O ano passado foi um dos anos mais secos na Grande São Paulo, nos últimos 60 anos,” relata. A Cetesb considera que, o ano passado, em especial, foi um período fissional, com 250 jovens, de 15 a 21 anos. Por esta rede já se passaram mais de 500 jovens, que aprenderam práticas sustentáveis e conseguem fazer da conservação ambiental uma geração de renda. Hoje, o maior potencial do Cinturão Verde é o ecoturismo. Investimento na gestão ambiental: qualquer decisão que se toma numa determinada área de mata terá repercussão na região, como converter uma área de floresta em uma área de agricultura. Essa decisão pode, por um lado, causar o aumento na oferta de alimento, mas, por outro, problemas na qualidade de água. É preciso conhecer um pouco melhor essas inter-relações. Outro exemplo: a Reser- Estação de Tratamento de Esgoto reduz impacto da poluição crítico e a crença era de que a queda no volume de água nas represas tivesse conseqüências drásticas na piora da qualidade da água. “Mas não foi o quadro que percebemos”, conta Mazzolenis. O especialista credita o resultado das amostras de água dos mananciais paulistas –e cujo resultado está no relatório anual da empresa-- aos investimentos feitos pelos municípios e aos comitês de Bacia, que reúnem estado, municípios e sociedade civil para discutir o problema da qualidade e quantidade da água, planejamento e educação ambiental. De acordo com Eduardo Mazzolenis, foram investidos, apenas na Bacia do Piracicaba, quase R$ 200 milhões desde 1993, sendo cerca de R$ 80 milhões apenas em programas de tratamento de esgoto. Para a Cetesb, aconteceu, ainda, um auva da Biosfera tem um projeto, mento nos programas de controle de poluiligado ao programa internacioção das indústrias nos últimos anos. Por ounal “Avaliação Ecossistêmica do tro lado, nos municípios têm sido feito invesMilênio” –que tem como meta timentos para reduzir a poluição, por meio entender de que forma a altedo tratamento de esgoto nas cidades. E o Miração dos ecossistemas do planistério Público tem influenciado nisso. neta está afetando ou vai afetar Além disso, é preciso investir na gestão de o bem estar da população do qualidade de água, que não depende só de mundo. São mais de dois mil tratamento de esgoto, mas também da reducientistas envolvidos e o proção da poluição nas fontes difusas: água programa, que deve apresentar os veniente da chuva, que ‘varre’ as ruas e a utiliprimeiros números no próximo zada na agricultura. Em países como a Franano, é liderado pela Organizaça e a Holanda, por exemplo, a água da chução das Nações Unidas. O prova, que em seus primeiros 15 minutos leva jeto da Reserva da Biosfera tem consigo toda a sujeira e lixo para as galerias como foco entender quais são e para o rio, passa por um sistema de trataos principais serviços ambienmento em uma ETE. Na agricultura, o sistetais do Cinturão Verde e como ma de irrigação pode ficar contaminado por a população se beneficia dispesticidas e inseticidas. A utilização de proso. Estas informações poderão dutos mais biodegradáveis ajudaria esta água ser usadas, posteriormente, por a não chegar tão carregada em poluentes nos gestores de políticas públicas e rios e córregos. O meio ambiente e a sociedaempresários. de agradecem. Saneas / agosto 2004 – 23 Matéria de Capa Mapa das águas brasileiras: um bate-papo com Gérard Moss D Projeto audacioso: a bordo de um hidroavião, o objetivo de Moss é traçar um panorama da contaminação --ou não-- das águas do país esde outubro de 2003, o aviador Gérard Moss está percorrendo o país a bordo de um hidravião anfíbio, o Talha-mar, que teve parte de seu interior transformado em laboratório. A idéia de Moss é realizar um levantamento inédito da qualidade da água nos principais rios, lagos e reservatórios hídricos brasileiros, no audacioso projeto “Brasil das Águas” (www. brasildasaguas.com.br). Ao final da trajetória, que deve acontecer este ano, Moss terá percorrido o equivalente a duas voltas e meia em torno da Terra –cerca de 100 mil quilômetros. No caminho, Moss coleta a água e envia para instituições de pesquisa parceiras. Além disso, por onde passa, o aviador e Margi Moss, que viaja com ele, dão aulas de preservação da água em escolas de pequenas comunidades, como parte do projeto “Amigos da Escola”. Entre uma viagem e outra, Gerard Moss concedeu esta entrevista a Saneas e falou sobre esta experiência. Como e por que surgiu a idéia do Projeto Brasil das Águas? Tive a idéia após completar a volta ao mundo de motoplanador (2001). Há 15 anos que Margi e eu voamos pelo mundo - já estivemos em mais de 100 países -, em aeronaves leves, em geral voando a baixa altitude. Facilmente percebemos a deterioração do meio ambiente: desde a visibilidade prejudicada por fumaça até o desmatamento e as águas poluídas. E o Brasil é um país de águas. 2003 foi o ano internacional da água doce e quis fazer as duas coisas: chamar atenção às nossas águas, para sua preservação e uso racional; e fazer um levantamento da qualidade usando a mesma metodologia em todo o país. Obviamente, as águas nas regiões sul e sudeste são bem monitoradas, e a Agência Nacional de Águas também manda equipes para medir as águas no Brasil afora. Mas estes órgãos são limitados pelas distâncias e isso leva muito tempo. Apenas um avião pode alcançar, rapidamente, os cantos mais distantes sem precisar seguir os quilômetros de meandros de um rio.O projeto foi muito bem aceito pelas empresas e acabamos fechando patrocínio com a Petrobrás, a Embratel, a Companhia Vale do Rio Doce e a Agência Nacional de Águas. E uma equipe de pesquisadores escolheu mil pontos espalhados país, onde seria interessante coletar amostras. Como é feita a análise da água coletada? 24 – Saneas / agosto 2004 Matéria de Capa Temos a bordo uma sonda multi-paramétrica, que analisa fatores como pH, oxigênio dissolvido, temperatura etc, quase que instantaneamente. Além disso, coletamos uma amostra de aproximadamente 150 ml, que é subdividido em várias garrafinhas menores, que seguem para ser analisadas por vários pesquisadores. Quantos quilômetros e regiões do país já foram percorridos? Já percorremos mais de 50 mil quilômetros, ou seja, mais do que uma volta ao mundo na linha do equador. Estivemos no Sul, Sudeste, Centro-oeste, uma parte do Nordeste e parte do Norte. Quais as impressões do que foi visto? Recentemente estivemos justamente no chamado arco do desmatamento, desde São Felix do Xingu até Rondônia e me dá muita dor no coração ter que afirmar que a imensidão da Floresta Amazônica está cada dia menor. Francamente, acredito que dentro de muito pouco tempo - uma década talvez - o que resta desta floresta será restrito apenas às reservas indígenas e aos parques nacionais. O resto vira cinzas, para depois virar pasto de gado e finalmente soja. Menos as áreas sempre inundadas, claro, mas as áreas que passam pelo menos alguns meses secos também serão aproveitadas. Do ar, é mais difícil distinguir a poluição das águas. Caímos na tentação de pensar que águas transparentes são limpas, boas. Por exemplo, coletamos água do rio Mãe Luiza (SC) que, de cima, parece o paraíso... água azul, mesmo, transparente. Porém, é ácido! A água desse mesmo rio muda de cor no percurso de uns 15 quilômetros: de azul transparente à marrom turvo, à verde turvo, a laranja e amarelo. A poluição desse rio é provocada pelos resíduos do carvão na região. Em outros lugares, poderíamos estar sobrevoando rios muito turvos, cheios de sedimento, mas que contém água de boa qualidade, apenas aparenta ser suja. Recentemente, ao norte de Porto Velho, no sul do Amazonas, sobrevoamos rios de águas negras, puríssimas, sem interferência do ser humano. A poluição que é menos detectável do ar é resultado dos agrotóxicos. Passamos por grandes áreas no sul do Pará, no Mato Grosso, em Rondônia, onde o desmatamento é radical: derrubam todas as árvores, deixando quase nada nas margens dos rios. Quais são as diferenças entre as águas de áreas urbanas e rurais? Sabemos quais são os problemas de esgoto doméstico e industrial nas áreas urbanas. O milagre do Tietê - de poder converter as águas pretas e mal cheirosas do centro de São Paulo em águas azuladas e limpas no Baixo Tietê - deveria ser mais divulgado. Já conversei com paulistanos que não têm a menor idéia de que no Baixo Tietê as águas são limpas... e na verdade pouco se importam. A tragédia dos rios é que, no mundo inteiro, são considerados um conveniente meio de escoar lixo e dejetos. Ao sobrevoar tantos rios no interior do país, vemos cada vez mais como é importante que cada cidade trate seu esgoto. Na foto feita por Margi Moss (acima) é possível ver a Barragem Foz da Areia, no rio Iguaçu (SC) Como é o retorno das comunidades nas palestras “Amigos da Escola”? A educação e a conscientização da população são caminhos para uma melhor qualidade da água? É extremamente gratificante falar com as crianças. Primeiro, fiquei impressionado que elas já saibam muito sobre como economizar água, preservar. Isso significa que os professores estão fazendo um ótimo trabalho. Temos que direcionar as palestras de acordo com a realidade de cada região - não faz sentido falar com crianças do sertão sobre economia de água porque elas já entendem muito bem e não desperdiçam mesmo. Em todo o Brasil, as crianças parecem entender melhor do que os adultos que, se a gente não preservar a água, não vai haver no futuro. Felizmente, as crianças levam essa mensagem para casa e ensinam os pais. Normalmente, falamos com crianças de 10 a 14 anos. Algumas delas estão muito preocupadas. Eu também estou preocupado. Mas também fico feliz de ver quantas águas boas ainda temos no Brasil. Temos muita sorte. Essas águas são o ouro do futuro, uma riqueza enorme que o país deve lutar para preservar. ■ Saneas / agosto 2004 – 25 TECNOLOGIA P&D Controle da água produzida para a região metropolitana Para garantir a qualidade da água distribuída à população da Região Metropolitana de São Paulo, a Sabesp conta com um Laboratório Central, que efetua estudos minuciosos Rosemeire Alves, Preparação de amostras de MIB/GEO para injeção no equipamento A água é um elemento vital para a sociedade, uma matéria-prima que cada vez mais está se tornando escassa. O crescimento populacional da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) e a ocupação desordenada em áreas próximas a mananciais, resultaram na degradação dos recursos hídricos. O comprometimento da qualidade da água é ocasionado pelos materiais tóxicos presentes nos esgotos domésticos e industriais. Com o aumento da freqüência de ocorrência de novos problemas de qualidade da água, e a diminuição do intervalo de tempo necessário para resolver tais problemas, torna-se imprescindível o entendimento das origens e complexidade da poluição como um todo, para que se possa desenvolver novos estudos no que diz respeito ao tratamento de nossas águas, para melhor viabilizá-la para consumo humano. Na seqüência, os problemas de qualidade da água mais comuns em reservatórios1: • poluição orgânica clássica. • eutrofização: produção excessiva de matéria orgânica dentro de um reservatório, devido a altas entradas de nutrientes. • grande contaminação por nitratos e problemas higiênicos associados. • acidificação: queda do pH com conseqüente liberação de metais; pode ser ocasionada por chuvas ácidas e acompanhada por transferências de massas gasosas contaminadas. • problemas de turbidez, derivados do excesso de material em suspensão. • salinização devido à aplicação excessiva de fertilizantes ou pela irrigação de solos em regiões áridas ou semi-áridas. • contaminação por bactérias ou vírus. • doenças hidricamente transmissíveis. • contaminação por metais pesados. • agrotóxicos ou outros produtos químicos: acumulam toxinas nos sedimentos e em seres vivos. • depleção dos níveis e volumes hídricos. Química e encarregada do laboratório de Físico-Química da Sabesp, na RMSP. 26 – Saneas / agosto 2004 Tecnologia Para garantir a boa qualidade da água distribuída à população da Região Metropolitana da São Paulo – RMSP, a SABESP (Cia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo), tem um Departamento de Controle de Qualidade, que é responsável pelo monitoramento da qualidade da água produzida na RMSP. As análises são realizadas pelo Laboratório Central, que efetua os estudos para o completo controle da qualidade da água. O Laboratório Central está dividido em três segmentos: Laboratório de Análises FísicoQuímicas (Compostos Orgânicos e Inorgânicos), Laboratório de Materiais de Tratamento e Reagentes e Laboratório de Microbiologia (Análises Bacteriológicas e Hidrobiológicas). Cada laboratório é responsável por um determinado tipo de análise, desde a água bruta que vem dos mananciais, até os produtos químicos utilizados nas oito Estações de Tratamento de água da RMSP. Com esses laboratórios, a SABESP vem encurtando cada vez mais o caminho do cumprimento total da Portaria 518/04, faltando atualmente, poucos parâmetros que já estão em processo de desenvolvimento. Um dos problemas de poluição que vem recebendo particular interesse devido a seu crescimento em várias regiões do Brasil é o de eutrofização, pois em águas eutróficas são produzidos volumes de algas, incluindo-se as cianobactérias que podem ser tóxicas, além de produzirem compostos que dão gosto e odor à água. Quando se é caracterizado um gosto e/ou odor em águas, é necessário que este seja qualificado e medido para que se busque uma solução. Uma análise rápida, de baixo custo e eficiente, quando realizada por pessoas treinadas adequadamente, é a Análise Sensorial. A portaria 518 não exige este parâmetro como padrão de potabilidade, mas como de aceitação e a sugere como um bom controle organoléptico, pois a presença de gosto e odor, pode fazer com que o consumidor questione a segurança da água levando-o a procurar outras fontes de abastecimento, muitas vezes menos seguras, pois ele espera que a água que sai da torneira, seja agradável para beber, lembrando que o único odor obrigatório em qualquer água tratada, é o de cloro, fator este de segurança para o consumidor. A Sabesp vem realizando esta análise há cerca de 10 anos, sendo pioneira no Brasil em utilizá-la em águas, pois antes seu uso era restrito a indústrias de bebidas, perfumes, etc. A aná- lise foi introduzida no Brasil por dois químicos da empresa, Caetano Mautone e Maureen Sakagami, que receberam todo o treinamento no Canadá. A análise é rápida e de baixo custo, pois precisa-se apenas de uma boa dose de sensibilidade, aliados a um treinamento de cerca de oito meses para que o analista desenvolva um bom vocabulário para suas sensações gustativas e/ ou olfativas. Na época, em meados de 1992, já havia uma preocupação com dois odores característicos que vinham aparecendo sutilmente em algumas águas. Estes odores eram de terra e mofo, que hoje sabe-se tratar dos compostos metilisoborneol e geosmina, respectivamente. Estes compostos são produzidos pela proliferação de algas e não são tóxicos, porém produzem uma sensação desagradável ao paladar do consumidor. Atualmente, devido ao aumento contínuo da poluição em nossas águas, estes compostos já não aparecem tão “sutilmente” quanto no começo da década de 90, tendo aparecido até mesmo em águas que jamais tiveram registradas em seus históricos problemas com gosto e odor. Análise de MIB e GEO no sistema GC/MS e Purge and Trap Sessão de Painel Sensorial – Testes de Gosto e Odor realizados pelas painelistas (analistas treinadas para testar gosto e odor) Gabriela, Rosângela e Sandra, da direita para a esquerda. Saneas / agosto 2004 – 27 Tecnologia Aqui vemos um ótimo exemplo da importância de caracterização e acompanhamento constante de um manancial ou reservatório para que no futuro tenha-se as armas ideais para combater inimigos tão complexos, como são os diversos compostos advindos da poluição. O Laboratório de Orgânica da Sabesp pode hoje, não só qualificar tais compostos por meio da Análise Sensorial, como também quantificálos, auxiliando nos estudos de processos de remoção dos mesmos junto às diversas Estações de Tratamento. Esta análise recebe o nome de MIB/GEO. Este laboratório é um dos poucos que realiza a análise no Brasil, sendo único no estado de São Paulo. Esta análise exige minuciosas técnicas de preparação das amostras, sofisticados equipamentos de extração, bem como equipamentos de alta tecnologia instrumental. É possível detectar tais compostos em um cromatógrafo gasoso acoplado a um espectrômetro de massa (sistema GC/MS) com duas técnicas distintas de extração: SPME (solid phase micro-extraction) e Purge and Trap. PUBLICIDADE 28 – Saneas / agosto 2004 A implantação do Laboratório de Orgânica em 1997 era uma necessidade que a empresa tinha em ampliar seus procedimentos de análises laboratoriais, visando sempre garantir a qualidade de vida da população. Países desenvolvidos como o Japão, através do projeto Jica, e a Alemanha, através do projeto GTZ, costumam manter acordos diplomáticos com países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil, investindo em avanços tecnológicos em empresas públicas. Um desses acordos de cooperação técnica com a Alemanha, possibilitou o treinamento especializado para o corpo técnico e também na alta tecnologia empregada para uma melhor adequação do controle de contaminantes orgânicos. O Laboratório de Orgânica conta hoje com três sistemas de Espectrômetro de Massa acoplado a um Cromatógrafo Gasoso (GC/MS) que realizam análises de MIB/GEO e diversos voláteis, como BETX e Trihalometanos, dois Cromatógrafos Gasosos com Detectores Específicos (FID/TSD e TSD/ECD) para análise de pesticidas, um Cromatógrafo Líquido (HPLC) para PAHs (Hidrocarbonetos Aromáticos Polinucleares) e glifosato, além de um Analisador de Carbono Orgânico Total (TOC), sendo todos os equipamentos acoplados a amostradores automáticos. Já existe um projeto para aquisição de um LC-MS para análise de toxinas, em um trabalho conjunto dos biólogos do Laboratório de Hidrobiologia e dos químicos do Laboratório de Orgânica. Ambos vêm recebendo treinamento em tal análise com renomados pesquisadores brasileiros especialistas no assunto. Recentemente foram adquiridos também pelo Laboratório de Inorgânica, um Cromatógrafo de Íons responsável em analisar parâmetros como sulfeto, cianeto e muitos outros, otimizando muitos ensaios realizados antes em bancada, além de um ICP-MS que permitirá o cumprimento de toda a série de metais da resolução CONAMA 20. Com tudo isto, a SABESP está cada vez mais atendendo às exigências legais, relativas à qualidade da água para abastecimento público. A política de Recursos Hídricos tem por objetivo assegurar que a água, recurso natural essencial à vida, ao desenvolvimento econômico e ao bem-estar social, possa ser controlada e utilizada em padrões de qualidade satisfatórios por seus usuários e pelas gerações futuras em todo o território do Estado de São Paulo. ■ ARTIGOS TÉCNICOS Fluoretação da água e democracia Mais do que uma vontade política, a fluoretação das águas deve ser considerada como um direito de cidadania. Dados de Campinas (SP), Baixo Guandu (ES) e Curitiba (PR), nos últimos 50 anos, mostram o impacto de políticas públicas que levam em conta a saúde bucal da população Paulo Capel Narvai , Paulo Frazão , Roberto Augusto Castellanos Fernandez A experiência brasileira com fluoretação de águas de abastecimento público completa meio século e contém ensinamentos que precisam ser assinalados. A apresentação à Câmara dos Deputados, em 2003, do projeto de lei (PL) número 510, pedindo a revogação da Lei Federal 6.050, de 1974, enseja, entre outras, duas questões fundamentais sobre a fluoretação das águas como medida de saúde pública para prevenir cárie dentária. A primeira diz respeito ao valor da democracia para equacionar divergências e buscar o predomínio do interesse público na solução de conflitos. A segunda se refere à própria capacidade da fluoretação da água em se manter eficiente, eficaz e efetiva enquanto ação de alcance coletivo. A fluoretação das águas de abastecimento público é tida como uma medida preventiva da cárie dentária comprovadamente eficaz (McDonagh 2000) sendo, também, a de me- Cirurgião-dentista sanitarista. Doutor em Saúde Pública. Professor Associado da A partir da esquerda: Paulo Frazão, Roberto Catellanos e Paulo Capel Universidade de São Paulo. Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo Av. Dr. Arnaldo, 712. CEP 01246-904 – São Paulo, SP. Tel 3066-7782, Fax 3083-350. E-mail: [email protected] Cirurgião-dentista sanitarista. Doutor em Saúde Pública. Pesquisador Orientador no Programa de Pós-graduação em Saúde Pública da Universidade de São Paulo. Cirurgião-dentista sanitarista. Doutor em Saúde Pública. Professor Doutor da Universidade de São Paulo. Saneas / agosto 2004 – 29 Artigos Técnicos 10 8,6 7,3 8 CPO 5,9 6 5,0 4,9 3,7 3,7 4 2,2 2 1960 1950 1970 1980 Ano 1990 2000 2010 Figura 1. Evolução do índice CPO em escolares de 12 anos de idade. Baixo Guandu, ES, 1953-2003. 10 8,4 8 6,8 6,7 6 5,3 5,1 CPO 4,8 3,4 4 2,2 2 1955 1960 1965 1970 1975 1980 1985 1990 1995 2000 Ano Figura 2. Evolução do índice CPO em escolares de 12 anos de idade. Curitiba, PR, 1958-1996. 10 8 7,4 6,9 CPO 6 5,5 5,1 3,6 4 4,9 3,3 2,6 2 1960 1,3 1965 1970 1975 1980 1985 Ano 1990 1995 2000 2005 Figura 3. Evolução do índice CPO em escolares de 12 anos de idade. Campinas, SP, 1961-2002. 30 – Saneas / agosto 2004 lhor custo-benefício para a saúde pública (Burt 1989, Newbrun 1989). Quando a água contém os teores preconizados para prevenir a doença, a medida é segura para a saúde humana (WHO 1984, 1994). Nos Estados Unidos foi considerada uma das 10 maiores conquistas da saúde pública naquele país, no século XX (CDC 1999). No Brasil, o aumento da cobertura da fluoretação e o cumprimento da lei 6.050, que a torna obrigatória onde haja estação de tratamento da água (Brasil 1974), foram recomendados pelos participantes das três conferências nacionais de saúde bucal realizadas até o momento (CNSB 1986, CNSB 1993 e CNSB 2004). Em todos esses eventos houve reiteração da importância estratégica da fluoretação das águas no enfrentamento da cárie dentária como um persistente problema de saúde pública no Brasil. A “força preventiva” da fluoretação das águas, quando atua isoladamente, não é pequena, reduzindo em cerca de 60% a prevalência de cárie em dentes permanentes (Chaves 1977, Murray 1992). Mesmo quando outras medidas preventivas agem simultaneamente, há reconhecimento de que, ainda assim, é a fluoretação da água o método de maior abrangência (Peres & Rosa 1995, Featherstone 1999). Ademais, estudos recentes comprovam que a fluoretação das águas de abastecimento é uma medida que beneficia proporcionalmente mais àqueles que mais precisam dela, pois seu impacto preventivo é maior quanto maior a desigualdade social, tanto em dentes decíduos (Riley et al. 1999) quanto em dentes permanentes (Jones & Worthington 2000). Em 2003 os 50 anos do início da fluoretação das águas em Baixo Guandu, ES, foram oficialmente comemorados no município e no estado capixaba. Baixo Guandu foi o primeiro município brasileiro a ter flúor adicionado às águas de abastecimento público (Freire 1970, Grinplastch 1974). Na segunda metade do século XX a cobertura da fluoretação expandiu-se notavelmente em todo o país, evoluindo dos cerca de 6.000 beneficiados (população de Baixo Guandu em 1953) para aproximadamente 62,5 milhões em 1995 (Narvai 2000). Em Baixo Guandu, a obtenção de reduções na prevalência de cárie semelhantes às observadas em nível internacional (Viegas et al. 1987) permitiu derrotar o ceticismo quanto à eficácia e comprovar, também entre nós, a segurança da medida (Pinto 1993). Não obstante essas características, a fluoretação das águas desperta dúvidas e tem opositores (Amaral 1986, Amarante et al. 1993). Ar- Artigos Técnicos gumenta-se, entre outros, com os termos democracia, liberdade, insegurança, toxidez, veneno, compulsoriedade. A oposição à medida se expressa de modo ativo e passivo. Este artigo trata desses aspectos da oposição. Resultados Nas Figuras 1, 2 e 3 observa-se a evolução do índice CPO aos 12 anos de idade nos municípios de Baixo Guandu, Curitiba e Campinas, respectivamente. A evolução do índice CPO em Baixo Guandu mostra declínio no período de 1953 a 1963, com o CPO diminuindo de 8,6 para 3,7. Na segunda metade dos anos 60 e durante os anos 70 não houve registro do CPO o que viria a ocorrer em 1984, quando se constata elevação do valor (5,0). Em meados dos anos 90 o valor é máximo (5,5), declinando desde então. Em 2003 o valor do CPO é de 2,2. Em Curitiba o índice CPO registra 8,4 em 1958 e declina progressivamente até atingir 4,8 em 1968. Expressivo aumento é constatado em 1974, com o valor do CPO atingindo 6,7. Novo levantamento, realizado em 1989, mostra um 5 4 CPO Material e método São utilizados dados secundários sobre ocorrência de cárie dentária, medida pelo índice CPO, entre escolares de 12 anos de idade nas cidades de Baixo Guandu, Curitiba e Campinas, em diferentes momentos da segunda metade do século XX. Essas cidades foram escolhidas por serem, respectivamente: a primeira a fluoretar no Brasil (1953), a primeira capital estadual a adotar a medida (1958) e a primeira grande cidade do estado de São Paulo a fluoretar as águas (1962). Outra característica comum às três cidades é a disponibilidade de dados sobre epidemiologia de cárie empregando o índice CPO recobrindo o período em análise. O índice CPO é o instrumento preconizado pela Organização Mundial da Saúde para estudos epidemiológicos de cárie, de base populacional (WHO 1997). A idade de 12 anos é considerada uma idade-índice, indicativa da situação da doença em escolares. Para estimar o impacto epidemiológico da eventual interrupção da fluoretação das águas são analisados dados para escolares de 12 anos de idade do estado de São Paulo, provenientes do banco de dados gerado pela pesquisa “Condições de Saúde Bucal no Estado de São Paulo em 2002” disponibilizados pela Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo (SES 1999). 6 3 3,5 2,3 2 1 com sem Água Fluoretada Figura 4. Índice CPO em escolares de 12 anos de idade em municípios com e sem água fluoretada. Estado de São Paulo, 2002. Fonte: SES-SP/FSP-USP 2002. CPO de 5,1. A partir daí o declínio é consistente até atingir 2,2 em 1996. Em Campinas o índice CPO registra 7,4 em 1961. O menor valor obtido no início dos anos 70 revela expressivo declínio atingindo 3,3. A partir daí eleva-se até atingir 5,5 em 1986 quando a curva faz nova inflexão invertendo-se a tendência de aumento nos valores. Em 2002 o índice CPO atinge 1,3. Na Figura 4 observam-se os valores do índice CPO aos 12 anos de idade nos municípios do estado de São Paulo com e sem água fluoretada, em 2002. O CPO registra 2,3 para as cidades com acesso à água fluoretada contra 3,5 para os municípios sem o benefício (SES-SP 2002). Discussão A análise da evolução dos valores do índice CPO mostra, nos três municípios considerados, tendência de declínio na primeira década após o início da fluoretação das águas e de alta no período que vai dos anos 60 a meados dos anos 80 e retomada da tendência de declínio a partir desse período. Em Baixo Guandu a retomada da tendência de declínio é mais lenta, ocorrendo apenas nos anos 90. É notável a semelhança das curvas nas três cidades. Mas esse tipo de curva não é o esperado em situações onde a fluoretação das águas é iniciada — e mantida. A tendência é de constante declínio até que a “força preventiva” da medida se esgote, momento em que, mantidas inalteradas significativamente outras variáveis envolvidas na multicausalidade da cárie, a curva se mantém praticamente reta. O movimento ascendente é, portanto, teoricamente inesperado e indicativo Saneas / agosto 2004 – 31 Artigos Técnicos Nos três municípios, o índice CPO mostrou queda na primeira década após início da fluoretação de que algo anormal ocorreu. Embora não confirmadas pelas autoridades há indícios de que, nos anos 60 e 70, teria havido paralisação da fluoretação das águas nos três municípios, conforme declarações em off de funcionários das áreas de saúde e saneamento. Em Baixo Guandu a interrupção da fluoretação teria acontecido também nos anos 80 (Sinodonto 1995). Segundo Kozlowski & Pereira (2003) essa interrupção ocorreu entre 1970 e 1987. Com efeito, os valores obtidos para o índice CPO são indicadores expressivos de que houve problemas com a fluoretação das águas nesses municípios, sendo provável que tenha havido paralisações. Tal dedução é corroborada pelo fato de não ser possível detectar alterações expressivas em variáveis sabidamente associadas com o aumento da prevalência da doença como, entre outras, aumento no consumo de produtos açucarados ou piora nos níveis de escolaridade dos pais. É de conhecimento dos envolvidos com a fluoretação das águas que, frente a dificuldades econômicas ou necessidade de diminuir custos, essa medida é a primeira a ser cogitada para suspensão. Acresce que alguns profissionais da área de saneamento não crêem em sua eficácia preventiva; outros a consideram prejudicial à saúde humana. Assim, ainda que não expressem publicamente sua oposição à medida, agem para inviabilizá-la. Há, portanto, razões para admitir que, quando não há controle público, a fluoretação das águas pode ser interrompida sem que o fato seja percebido por seus efeitos imediatos. O período que vai de 1968 a 1988 foi marcado por importantes restrições às liberdades democráticas no Brasil, sendo freqüentemente desestimuladas, quando não duramente reprimidas, as manifestações públicas de contrarie- 32 – Saneas / agosto 2004 dade com decisões governamentais ou críticas ao desenvolvimento de políticas públicas. Nesse sentido, é compreensível que funcionários tenham preferido se manter no anonimato e se valer de declarações em off para se preservar de possíveis retaliações. Assim, parece razoável admitir a hipótese de que, em decorrência do contexto político marcado pela falta de liberdades democráticas, tenha havido paralisações na fluoretação das águas em vários municípios, a exemplo dos apresentados neste estudo. Com a retomada da democracia ressurgiram práticas de controle público das decisões de governo e tudo indica que tal retomada teve significativo impacto na expansão da fluoretação das águas de abastecimento público no Brasil. Com a democracia se fortaleceram também as práticas de vigilância sanitária e, quanto à fluoretação das águas, constata-se o surgimento de experiências baseadas no princípio do heterocontrole. Desse modo, à expansão da fluoretação, fortemente impulsionada nos anos 80, seguiram-se nos anos 90 do século XX, práticas de melhor controle público da medida (Narvai 2000). A vigência de liberdades democráticas no período pós-1988 foi importante ainda para assegurar o livre debate de aspectos relacionados com a fluoretação das águas. Assim, a apresentação do projeto de lei número 510, em 2003, à Câmara dos Deputados, propondo a revogação da lei 6.050/74 suscitou amplo e aprofundado debate sobre o assunto. O texto que justificava o PL reuniu e sistematizou os argumentos contrários à medida, entre os quais, questionamentos sobre a eficácia, eficiência, segurança, controle. A repercussão obtida pelo documento apresentado ao parlamento brasileiro ensejou que, num contexto democrático, novos argumentos fossem apresentados ao debate e, de certo modo, proporcionou a discussão não havida em 1974, quando a lei 6.050 foi aprovada por um congresso nacional manietado. Dentre as várias manifestações contrárias ao PL510/03 cabe mencionar o Parecer elaborado pelo governo federal e subscrito por dezenas de entidades das áreas de saúde e saneamento. O Parecer defende a continuidade da fluoretação das águas no Brasil, reitera sua segurança para a saúde humana, descarta a caracterização do flúor como “veneno” e, fundamentado em consistente base teórica, conclui reconhecendo a medida como “um direito básico de cidadania” (Brasil 2003). Os dados apresentados na Figura 4 indicam Artigos Técnicos ser correto reconhecer que, nas condições brasileiras, a fluoretação das águas deve mesmo ser considerada um direito de cidadania. Afinal, mesmo apresentando características socioeconômicas semelhantes, e mesmo que expostas a outras fontes de flúor (como dentifrícios, por exemplo), populações privadas do benefício da fluoretação das águas apresentaram um valor 34,2% maior para o índice CPO. Podese admitir que seria em torno dessa porcentagem o impacto epidemiológico da interrupção da fluoretação das águas no Brasil. Tal porcentagem está em conformidade com a estimativa de Silva (1997) para quem “em situações de paralisação da medida, o aumento na prevalência de cárie pode ser de 27% para a dentição decídua e de aproximadamente 35% para a dentição permanente, após cinco anos”. É com esse contexto epidemiológico como referência que se deveriam aprofundar as discussões sobre o uso de produtos fluoretados em saúde pública e suas relações com a política e a democracia. Referências 1. Amaral FP. Por que ‘enriquecer’ a água com flúor? In: Discriminação e mistificação em alimentação. São Paulo: Alfa-Omega; 1986. 2. Amarante LM, Jitomirski F, Amarante CLF. Flúor: benefícios e controvérsias dos programas de fluoretação. Revista Brasileira de Odontologia 1993, 50 (4): 22-30. 3. Brasil. Coleção das Leis de 1974: Lei Federal nº 6.050, de 24/05/1974. Brasília: Departamento de Imprensa Nacional; 1974. [Vol. III: p.107. Atos do Poder Legislativo. Leis de Abril a Junho]. 4. Brasil. Ministério da Saúde. Ministério das Cidades. Projeto de lei nº 510/03 – Parecer. Brasília: MS/MC; 2003. 5. Burt B. Cost-effectiveness of caries prevention in dental public health. Journal of Public Health Dentistry 1989; 49: 250-344. 6. [CDC] Centers for Disease Control and Prevention. 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Esse cenário, na realidade, complementa os estudos feitos anteriormente pelo próprio IPCC (1997), quando estimou um incremento na temperatura de 0,05°C por década, a partir das medições mais confiáveis que começaram a serem feitas nessa época. Verificou também que a precipitação havia aumentado de 0,5% a 1,0 % por década, até o final do século XX, principalmente no hemisfério Norte. Na região tropical, compreendida entre 10° de latitude Norte até 10° de latitude Sul, esse incremento na precipitação foi de 0,2% a 0,3%. Este relatório do IPCC é, entretanto, extremamente vago ao avaliar os possíveis impactos das alterações climáticas globais no comportamento dos cultivos agrícolas. Com referência à adaptação das plantas nas “latitudes médias” e o reflexo na produtividade, o relatório afirma apenas que a mudança climática levará a “respostas gerais positivas para variações menores do que alguns graus Celsius e respostas gerais negativas para mais do que alguns graus Celsius”. Análises inconsistentes como essas, por parte do IPCC, induziram as críticas severas por parte de Reilly et al (2001) e Webster et al (2001), a exemplo do que já acontecera anteriormente com o relatório IPCC de 1995, ava- liado por Gray (1997). Reilly et al (2001) mostram sérias incongruências no Third Assessment Report -TAR. Esse relatório afirma que centenas de cientistas contribuíram na sua elaboração, mas, na realidade, muitos deles listados como contribuintes não foram consultados. A mais séria crítica desses autores referese aos resultados fundamentais obtidos pelo TAR, que projeta uma mudança da temperatura global entre 1,4º C e 5,8º C para o final do século XXI, sem qualquer validação estatística. Posteriormente, Webster et al (2001), com base em avaliações probabilísticas da sensibilidade do modelo, chegaram à conclusão de que esses valores seriam 0,9º C e 5,3º C, respectivamente, ao nível de 95% de intervalo de confiança. Análises similares efetuadas por Wingley e Raper (2001) mostraram que, não havendo uma política de limitação dos efeitos antrópicos para minimizar o aquecimento global, o aumento da temperatura global entre 1990 e 2100, com cerca de 90% de probabilidade, seria entre 1,7º C e 4,9º C. Aumento da concentração de CO2 Considerando o cenário de aumento das temperaturas pode-se admitir que, nas regiões climaticamente limítrofes àquelas de delimitação de cultivo adequado de plantas agrícolas, a anomalia positiva que venha a ocorrer será desfavorável ao desenvolvimento vegetal. Quanto maior a anomalia, menos apta se tornará a região, até o limite máximo de tolerância biológica ao calor. Por outro lado, outras culturas mais resistentes a altas temperaturas, provavelmente, serão beneficiadas até o seu limite ([email protected]), ([email protected]) e ([email protected]) 34 – Saneas / agosto 2004 Efeito direto: aumento do dióxido de carbono na atmosfera afeta crescimento das plantas próprio de tolerância ao estresse térmico. No caso de baixas temperaturas, regiões que atualmente sejam limitantes ao desenvolvimento de culturas susceptíveis a geadas passarão a exibir condições favoráveis ao desenvolvimento das plantas, com o aumento do nível térmico devido ao aquecimento global. Um caso típico seria o da cultura cafeeira que poderá ser deslocada futuramente do Sudeste para o Sul do país. Outro aspecto a ser analisado no contexto do aquecimento global refere-se ao efeito direto nas plantas do aumento da concentração de dióxido de carbono na atmosfera, que tem sido intensamente estudado pelos especialistas em fisiologia vegetal. É bem conhecido o funcionamento, no que diz respeito à atividade fotossintética, da concentração do dióxido de carbono no crescimento das plantas. A concentração do CO2 na atmosfera, sendo próxim a de 300 ppm está bem abaixo da saturação para a maioria da plantas. Níveis excessivos, próximos de 1.000 ppm, passam a causar fitotoxidade. Nesse intervalo, de modo geral, o aumento do CO2 promove maior produtividade biológica nas plantas. Assad e Luchiari (1989), utilizando modelos fisiológicos simplificados, mostraram que essas variações são significativas nos cerrados brasileiros. Por exemplo, a temperatura média durante a estação chuvosa nessas regiões - de outubro a abril - é de 22º C, tendo um máximo de 26,7º C e um mínimo de 17,6º C. Supondo que um aumento da concentração de CO2 provocasse um aumento de 5º C na t emperatura, as plantas do tipo C4, como o milho e o sorgo, aumentariam a produtividade potencial em pelo menos 10 kg/ha/dia de grãos secos. Para as plantas tipo C3 -soja, feijão e trigo - esse aument o seria menor, da ordem de 2 a 3 kg/ha/dia de grãos secos. No Brasil, poucos estudos foram feitos sobre o reflexo das mudanças climáticas e seus impactos na agricultura. Assad e Luchiari Jr. (1989) avaliaram as possíveis alterações de produtividade para as culturas de soja e milho em função de cenários de aumento e de redução de temperatura. Siqueira et al (1994 e 2000) apresentaram os efeitos das mudanças globais na produção de trigo, milho e soja para alguns pontos do Brasil. Uma primeira tentativa de identificar o impacto das mudanças do clima na produção regional foi feita por Pinto et al (1989 e 2001), onde foram simulados os efeitos das elevações das temperaturas e das chuvas no zoneamento do café para os Estados de São Paulo e Goiás. Observou-se uma drástica redução nas áreas com aptidão agroclimática, condenando a produção de café nestas regiões. Cultura cafeeira deslocada para o Sul Procurando avaliar o efeito da variação das temperaturas sobre a agricultura nos próximos 100 anos, de acordo com as conclusões do Saneas / agosto 2004 – 35 Artigos Técnicos condição apto apto com irrigação restr. geadas restr. temp. elevadas inapta atual 97.848 km² 39,4% 706 km² 0,3% 57.428 km² 23,1% 39.604 km² 15,9% 53.013 km² 21,3% +1 °C 74.426 km² 30,0% 40 km² 0,01% 17.394 km² 7,0% 54.387 km² 21,9% 102.389 km² 41,1% +3°C 37.153 km² 14,9% 0,0 km² 0,0% 0,0 km² 0,0% 38.240 km² 15,4% 173.211 km² 69,7% +5,8°C 2.738 km² 1,1% 45 km² 0,02% 0,0 km² 0,0% 5.516 km² 2,2% 240.301 km² 96,7% Tabela 1. Áreas, em km² e porcentagem, disponíveis ao plantio de café no estado de São Paulo com condições climáticas distintas, atuais e simuladas para 15% de aumento das chuvas e de 1º C, 3º C e 5,8º C na temperatura. IPCC 2001, tomou-se como exemplo a cultura do café no Estado de São Paulo. Foram feitas simulações considerando variação nas áreas de cultivo consideradas como potencialmente aptas ao café arábica nas condições climáticas atuais, com temperaturas médias 1º C, 3º C e 5,8º C acima da média de 1990 e chuvas 15% maiores. Pode-se observar em simulações realizadas que as áreas de inaptidão para a cultura cafeeira em função das temperaturas máximas suportadas pelas plantas - 23º C de média anual - aumentam significativamente até o final do século, deslocando a cultura progressivamente para o Sul e para áreas mais elevadas, em busca de clima mais ameno. A incidência de geadas, por outro lado, diminui drasticamente. A Tabela 1 mostra que o potencial atual de cultivo econômico de café arábica no Estado de São Paulo corresponde a uma área de 97.848 km2, ou seja, 39,4% da área do Estado. São consideradas como restritas, por geadas, áreas correspondentes a 57.428 km2 e por temperaturas elevadas, 39.604 km2. Supondo 1º C de aumento médio da temperatura e 15% nas chuvas, a área apta para o café passa a ser de 74.426 km2, ou cerca de 10% menor do que a atual. A área restrita por geadas passa a ser de 17.394 km2 e por temperaturas elevadas aumenta para 54.387 km2. No caso de aumento de 3º C, as áreas com restrição diminuem para 38.240 km2, mas a faixa inapta cresce para 173.211 km2. No caso extremo considerado pelo IPCC, de 5,8º C de aumento da temperatura e 15% de chuvas, a área apta fica sendo de apenas 2.738 km2, ou 1,1% do 36 – Saneas / agosto 2004 Estado. As áreas restritas por temperaturas elevadas são caracterizadas por temperaturas médias anuais acima de 23º C. Estes resultados e a importância que o agronegócio tem atualmente no cenário sócio-econômico nacional incentivam a continuidade e o aprofundamento das análises sobre os efeitos de possíveis mudanças climáticas na agricultura brasileira, quer elas aconteçam ou não. Por esta razão, avaliação semelhante à que já foi apresentada para o café está sendo feita também para outras culturas agrícolas economicamente importantes para o Brasil, tais como milho, soja, trigo, arroz e feijão. Bibliografia Assad, E.D. e Luchiari Jr., 1989. A future scenario and agricultural strategies against climatic changes: the case of tropical savannas. In: Mudanças Climáticas e Estratégias Futuras. USP. Outubro de 1989. São Paulo. SP Gray, V. M. A. 1 997. Climat e Change ‘95: An Appraisal. Climat e Change 1995: The Science of Climat e Change. Edited by J. T. Houghton, L. G. Meira Filho, B. A. Callander, N. Harris, A. Kattenberg and K. Maskell. IPCC and Cam bridge Univ ersity Press. 18 pp. IPCC An introduction to simple climate models used in the IPCC second assessment report. ISBN 92-9169-101-1.47 pg. OMM/ WMO -PNUE/UNEP, February, 1997. IPCC. Intergovernmental Panel on Climate Change. 2001a. Working Group I. Third Assessment Report. Summary for Policy makers. 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Rua Pedro Cacunda, 331 - 2º andar - sala 5 - CEP 02046-090 - Jardim São Paulo - São Paulo - SP Tel. 55 11 6975-4393 / 55 11 5870-9929 / 55 11 5661-8021 e-mail: [email protected] / [email protected] CONEXÃO INTERNACIONAL Os padrões de qualidade de água para a União Européia Em 2000, a UE definiu a Diretriz Estrutural sobre Recursos Hídricos (2000/60/EC), que requer “água em boa qualidade” para todos os recursos hídricos europeus até 2015 Mara Ramos A União Européia - UE, criada em 1950, é formada por um conjunto de instituições que deliberam sobre questões específicas de interesse comum dos países membros europeus. A princípio, sua atuação era voltada ao comércio e economia, mas depois passou a tratar de assuntos ligados à liberdade, segurança e justiça, criação de empregos, desenvolvimento regional e proteção ao meio Mara Ramos é engenheira civil, ambiente. gerente da Divisão de Grandes Todas as decisões resultam Consumidores da Universidade em tratados e diretrizes, adode Negócio Sul da Sabesp tados por todos os participanna Região Metropolitana de tes da UE (veja quadro abaiSão Paulo. Ela está em Delft na Holanda fazendo curso de xo). Gestão de Recursos Hídricos no Em 1993 foi criada a AgênIHE - UNESCO. e-mail: cia Européia do Meio [email protected] biente, sediada em Copenhaguen (Dinamarca) com o objetivo de acompanhar as ações de proteção, conservação e sustentabilidade dos recursos ambientais, incluindo a água. Há atualmente três grandes vertentes das diretrizes de recursos hídricos na UE: Estados Membros da UE Alemanha, Áustria, Bélgica, Chipre, Dinamarca, Eslováquia, Eslovênia, Espanha, Finlândia, França, Grécia, Holanda, Hungria, Irlanda, Itália, Letônia, Lituânia, Luxemburgo, Malta, Polônia, Portugal, Reino Unido, República Checa, Suécia. Países candidatos: Bulgária, Croácia, Romênia, Turquia. 38 – Saneas / agosto 2004 • Política de Recursos Hídricos da União Européia de 1996; • Política de Preços e Gestão Sustentável das Águas de 2000; • Diretriz Estrutural sobre Recursos Hídricos de 2000. Em 2000, entrou em vigor a Diretriz Estrutural sobre Recursos Hídricos (2000/60/EC), uma das diretrizes mais importantes na área de recursos hídricos das últimas décadas, que estabeleceu a estrutura de planejamento, e agregou outras diretrizes já existentes sobre padrões de qualidade de água conforme citado no Quadro 1 na página ao lado. Essa diretriz requer “água em boa qualidade” para todos os recursos hídricos europeus até 2015, através de um sistema participatório de planejamento por bacias hidrográficas e suportado por diversas avaliações e monitoramento extensivo. Para atingir “a boa qualidade” dos corpos hídricos, que nesse contexto significa o atingimento dos padrões de qualidade de água, exploração sustentável das águas subterrâneas e mínimas alterações nos ecossistemas aquáticos, todos os países membros e candidatos devem adaptar o seu sistema de gestão de recursos hídricos aos requerimentos da Diretriz. Algumas metas estão definidas a curto, médio e longo prazo (Quadro 2). O caráter inovador dessa diretriz fica por conta da preocupação com a quantidade de água como um fator importante para a qualidade dos corpos hídricos, principalmente dos recursos subterrâneos, da mitigação dos efeitos das cheias e estiagens e o requerimento do uso das melhores tecnologias disponíveis em favor ao meio ambiente, no setor industrial. Todo o planejamento leva em conta as bacias hidrográficas, porém com a inclusão de Conexão Inernacional Quadro 1 Quadro 2 – Principais prazos da Diretriz Estrutural sobre Água da UE Diretrizes de acordo com as funções dos recursos hídricos: - Água potável (75/440/EEC, 79/869/CEE, 98/83/EC) - Águas piscícolas (78/659/EEC) - Água para mariscos (79/923/EEC) - Águas balneares (76/160/EEC) Diretrizes para substâncias específicas, que demandam ações dos países membros para a eliminação ou redução de substâncias específicas e uniformizam os padrões de emissões: - Substâncias perigosas (76/464/EEC, 82/176/EEC, 84/156/EEC, 83/513/EEC, 86/280/EEC) - Proteção de águas subterrâneas (80/68/EEC) Diretrizes relacionadas às fontes poluidoras, que demandam ações relativas à coleta e ao tratamento de esgotos, determinação e elaboração de planos de ação para zonas vulneráveis, regulam quantidades de pesticidas na agricultura e demandam a aplicação da melhor tecnologia disponível em grandes instalações industriais para atender as condições de padrões de qualidade ambiental: - Tratamento das águas residuais urbanas (91/271/EEC) - Nitratos (91/676/EEC) - Pesticidas (91/414/EEC) - Controle integrado de prevenção da poluição para grandes indústrias (96/61/EC) Outras Diretrizes, relacionadas a resíduos, ar, poluição marinha e proteção ambiental: - EIA – Estudos de Impacto Ambiental (85/337/EEC, 97/11/EC) - Acidentes industriais (82/501/EEC) - Informações ambientais (90/313/EEC) 2004 Cacterização das bacias hidrográficas, revisão de impactos e análise econômica 2006 Monitoramento operacional 2006 Plano de trabalho para o planejamento e participação pública no gerenciamento de bacias hidrográficas (a cada seis anos, 2012, 2018, etc) 2007 Panorama das principais questões (a cada seis anos, 2013, 2019, etc) 2008 Rascunho do plano de gerenciamento das bacias hidrográficas 2009 Plano de bacias hidrográficas e programa de ações (a cada seis anos, 2015, 2021, etc) 2010 Implementação das políticas de preço de água 2012 Programa de medidas operacionais (a cada seis anos, 2018, 2024, etc) 2015 Atingimento dos objetivos ambientais (com algumas exceções) Para consultar as diretrizes na íntegra, acesse: http://www.europa.eu.int/scadplus/scad_pt.htm Fonte: Adaptado de Mostert, 2003 águas subterrâneas, estuários e zonas costeiras, passando a se chamar distritos da bacias hidrográficas e conta com a participação pública nas discussões, tomadas de decisão e partilhamento de responsabilidades. A implantação dessa diretriz, com metas ambiciosas não é uma tarefa simples, principalmente para os países que aderiram há pouco a União Européia e requer discussões contínuas, acesso a informações e envolvimento das partes interessadas. Por esse motivo, os países membros optaram por adotar uma estratégia comum de implementação, que está sendo testada em 11 distritos de bacias hidrográficas como projeto piloto. 2003 Identificação das bacias hidrográficas e identificação das autoridades competentes Fonte: Mostert, 2003 A decisão de incluir os recursos hídricos como assunto comum da UE e definir metas conjuntas a fim de estimular a discussão e preocupação com o meio ambiente foi uma importante decisão, já que a disponibilidade de água, poluição e suas consequências ultrapassam fronteiras. Referências A União Européia. Disponível em: http://www.europa.eu.int/. Mostert E., 2003. The European water framework directive and water management research. Disponível em http://www.elsevier.com/locate/pce. Doi:10.1016/S1474-7065(03)00089-5. ■ Saneas / agosto 2004 – 39 ENTREVISTA P&D Responsabilidade social na empresa: um valor a ser agregado S ergio Esteves é administrador de empresas, pós-graduado em Economia, Ecologia e Globalização.Atualmente, é diretor presidente da empresa paulista AMCE Negócios Sustentáveis, referência na área de consultoria em sustentabilidade e responsabilidade social corporativa. Como homem de negócios e presidente do Conselho Consultivo do centro de Estudos da Sustentabilidade da Fundação Getúlio Vargas, Sergio Esteves acredita que o conceito de responsabilidade social e ambiental se constrói por meio da transformação das pessoas. Como surgiu a AMCE e o conceito de sustentabilidade no Brasil? Na primeira metade da década de 90, em São Paulo, principalmente, começou a se discutir em alguns fóruns empresariais a questão do que deveria ser considerado responsabilidade das empresas em um cenário socioambiental que piorava a cada ano. Falava-se pouco sobre sustentabilidade, embora esse tema não fosse novo na época, e se discutia mais sobre qual deveria ser o escopo da responsabilidade das empresas: até onde ia o papel delas, do Estado, dos organismos internacionais e da sociedade civil organizada. Essa discus40 – Saneas / agosto 2004 são se prolongou, e se aprofundou, ao longo de toda a década de 90. Na segunda metade dos anos 90, várias dessas pessoas que participavam desses espaços de diálogo acharam que já era hora de começar a fazer algo mais concreto em relação à essa questão e decidiram incorporá-la de modo mais definitivo e pragmático em sua prática profissional. A idéia era passar a discussão dos fóruns para as empresas e destas para a sociedade. A AMCE foi criada exatamente nesse movimento, em 1997, e o Instituto Ethos logo em seguida, em 1998. Na época, eu trabalhava em uma empresa multinacional e levei a perspectiva da responsabilidade empresarial para a minha atuação. O caminho precisava ser construído à medida em que se caminhava. Embora tivesse sido uma espécie de autodidata neste tema por uns seis anos, eu intuia que precisava fazer alguns ancoramentos em processos de gestão estratégica e me candidatei então, em 1997, ao MBA Internacional na Universidade de São Paulo. No ano seguinte, fiz um aprofundamento em Ecologia, Economia e Globalização, na Inglaterra, no Schumacher College, um centro internacional de estudos ecológicos. Essas duas iniciativas, em parte por conta da minha procura por novas respostas dentro de um novo paradigma, me ajudaram a promover uma grande mudança em mim e, consequentemente, na minha prática profissional. Na época eu acumulava três funções em nível estratégico: recursos humanos, qualidade e a gerência nacional de um programa de gerenciamento ecológico desenvolvido a partir de uma proposta do físico Fritfof Capra. Em 1999, começou a ser mais divulgada no Brasil a proposta desenvolvida por John Elkington, co-fundador da consultoria inglesa SustainAbility, enfocando três dimensões para o resultado empresarial: a econômica, a social e a ambiental. A idéia era estabelecer uma linguagem empresarial para questões envolvendo sustentabilidade e responsabilidade corporativa e levar, assim, essa perspectiva de um modo mais pragmático para as empresas. Foi também no final de 1999, que Entrevista deixei a empresa em que trabalhava e vim para a AMCE. Optei por fazer essa mudança porque percebi que a minha profissão nas bases em que estava não servia mais a ninguém, nem a mim mesmo. Por outro lado, havia tudo por fazer na AMCE. Além disso, eu havia participado de alguns fóruns empresariais e tinha assumido comigo o compromisso de participar na ampliação e na consolidação do movimento pela sustentabilidade e responsabilidade das empresas. Qual a importância para uma empresa em ser socialmente responsável? Em primeiro lugar tem a ver com a promoção do desenvolvimento sustentável. Não me ocorre uma razão pela qual se deva apoiar empresas (seja pela oferta de capital, pela produção ou pelo consumo) que não tenham um compromisso de co-responsabilidade com o desenvolvimento sustentável. Em outras palavras, cada vez haverá menos espaço para empresas cuja atuação promove principalmente a concentração de renda. Por outro lado, os acionistas hoje estão desconfiados, diante de tantas evidências de que sempre é possível uma contabilidade que mostra apenas o que interessa aos gestores. Por conta disso, os acionistas, atualmente, querem bem mais doque números; querem governança, indicadores que não há passivos sociais e ambientais, evidências de gestão do risco e da reputação. Ética e transparência são assets cada vez mais valorizados no mundo globalizado. Há também um movimento articulado da sociedade, lento, mas gradual, que é capaz de criar diferenciação para as empresas que levam em consideração seus públicos e a sociedade. Claro que nem todas as empresas têm um interesse sincero em rever seu jeito de ser e se engajar nesse movimento pela sustentabilidade e responsabilidade corporativa. Por outro lado, já vi muitas iniciativas começarem pelos motivos equivocados e se transformarem em práticas virtuosas. Em minha opinião precisamos sempre acreditar que é possível mudar, mesmo que a “realidade” pareça ter força suficiente para impedir a mudança. Finalmente, acho que cabe comentar que clientes, fornecedores e colaboradores (público interno das empresas) não estão tão mais dispostos a criar valor para empresas que se dispõem a ser mais sensíveis e responsáveis no futuro, apenas depois que resolverem suas questões econômico-financeiras. Como uma empresa deve tratar a questão da sustentabilidade e da responsabilidade socioambiental? A questão da sustentabilidade e da responsabilidade corporativa está ligada a dois eixos: o primeiro é a capacidade que temos, como organização, de constituir e integrar redes de valores; e o segundo é o vinculo pragmático com uma agenda nacional de desenvolvimento. Há, entretanto, um dever de casa a ser feito, que envolve estabelecer onde se está e onde se quer chegar em relação a um conjunto de indicadores de performance, que dá condições de gestão e de reporte de resultados nos planos econômico, social e ambiental. Na AMCE temos pesquisado a relevância e trabalhado com indicadores que integram essas três perspectivas – e que chamamos de indicadores complexos. Definido um gap, pode-se chegar a uma estratégia de ação e começar o processo de mudança organizacional, que envolve considerar diversos planos: cultural, de infraestrutura, de posicionamento de marca, etc. Nesse processo, há muitas interações com inúmeros públicos, mas estas estão voltadas a prover referenciais para que a empresa possa estabelecer seus Os acionistas querem bem mais do que números; querem governança, indicadores que não há passivos sociais e ambientais, evidências de gestão do risco e da reputação. horizontes de mudança. Depois, como só é possível construir sustentabilidade e responsabilidade corporativa nas relações, é necessário trabalhar para constituir e integrar redes de valor, que são redes de empresas norteadas por um conjunto de princípios e valores capazes de promover a sustentabilidade e responsabilidade corporativa. Depois, há o eixo pragmático do vínculo das empresas (noção de co-responsabilidade) com os interesses nacionais. Há várias formas de fazer isso, desde considerar o artigo III da Constituição Federal, que aponta para um projeto de país, até considerar uma agenda nacional de desenvolvimento ou as metas do milênio propostas pela ONU. A Saneas / agosto 2004 – 41 Entrevista Fórum gratuito discute responsabilidade social A AMCE tem uma parceria com o Centro de Estudos de Sustentabilidade da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo e, mensalmente, as duas instituições promovem um Fórum Empresarial em que são debatidos temas relacionados à sustentabilidade e responsabilidade corporativa. O evento é gratuito e conta com a participação de empresários, executivos, representantes de organizações da sociedade civil e de governo. A idéia é envolver diferentes grupos nos diálogos sobre esses temas. Para se inscrever basta enviar um e-mail para lucianabuarque@amce. com.br solicitando integrar o mailing list do fórum. idéia básica é que não é mais possível assumir que basta ter um plano anual de crescimento para que as empresas participem do desenvolvimento sustentável. Sem intencionalidade, esse plano operacional ou plano de negócios pode não contribuir para o desenvolvimento sob condições consideradas satisfatórias e pode, potencialmente, até agravar alguns dos dilemas que afligem a sociedade contemporânea. Os planos das empresas podem – e devem--, cada vez mais, conectar-se a interesses legítimos da sociedade. Há setores mais conectados com a sustentabilidade e a responsabilidade social? Nosso país é muito grande e apresenta desigualdades intoleráveis. A comunidade empresarial tem uma co-responsabilidade na diminuição permanente dessas desigualdades e na construção de uma sociedade e de um mercado capaz de gerar desenvolvimento humano. Há setores que enfrentam mais desafios do que outros, como o setor siderúrgico, que deve desenvolver processos de monitoramento em relação à utilização de trabalho infantil, trabalho escravo e trabalho degradante ao longo de sua cadeia produtiva. Há setores que têm desenvolvido mais mecanismos de promoção da sustentabilidade e responsabilidade corporativa, como o setor financeiro, que tem compreendido bastante bem o sentido da co-responsabilidade na geração de ativos e passivos. Não acho possível destacar setores porque os níveis de dificuldade que cada um deles enfrenta para desenvolver um 42 – Saneas / agosto 2004 sentido de sustentabilidade e responsabilidade corporativa é diferente. Mas há empresas que estão adiante de seu tempo e assumiram essa perspectiva como um valor, não como um oportunismo. É bastante fácil identificá-las. As empresas estão conseguindo gerir suas estratégias de ação, na esfera social? Nenhuma estratégia de ação pode prescindir do estabelecimento de metas e de um sistema de gestão. Não se trata de fazer da perspectiva da sustentabilidade e da responsabilidade corporativa um negócio paralelo, mas do próprio jeito de fazer negócios da empresa. Portanto, não faz sentido ter um plano para sustentabilidade e outro para vendas e para crescimento. Na atuação da AMCE procuramos ajudar as empresas que são nossas clientes a estabelecer metas a partir de um diagnóstico com base em indicadores e a integrar essas metas em outras metas dos planos de negócios. Nosso entendimento é que é necessário pensar sustentabilidade ao pensar o negócio e não criar uma dispersão em relação aos objetivos da empresa pensando sustentabilidade como uma commodity que pode ser tratada e vendida separadamente. Afinal, o que se deve esperar da responsabilidade social das empresas? Uma ética bem construída com seus interlocutores; acionistas, fornecedores, clientes, público interno, concorrência. Depois, um sentido de co-responsabilidade com o desenvolvimento social e humano. Não há uma razão plausível para que uma empresa se envolva com sustentabilidade e responsabilidade social sem o sentido de ser co-responsável com o desenvolvimento social e humano. Não podemos tratar esse tema de uma maneira oportunista porque estaremos banalizando a maior mudança nos pressupostos de gestão de negócios já experimentada. Sustentabilidade e responsabilidade têm a ver com relações, tem a ver com mudar em nossas empresas no sentido da mudança que queremos ver no mundo empresarial. Não é uma questão intelectual, ou técnica, mas de valor. Implica assumir uma responsabilidade diante das futuras gerações, tanto em relação ao ambiente social como com relação ao meio ambiente. Implica assumir que o consumo possa ter como referência a equidade social; enfim, significa construir empresas a que gostaríamos de pertencer. ■ EMPREENDIMENTO & GESTÃO Desafios para uma gestão mais eficaz dos recursos hídricos Evento em Indaiatuba (SP) reúne pesquisadores do Brasil e exterior para discutir questões como biodiversidade, meio ambiente construído e ambiente e saúde Corina Alessandra B. Carril Ribeiro E mas urbanos (saneamento, moradia, transportes, etc...). A intervenção dos municípios dá-se com nível fraco e uma participação insuficiente da sociedade civil”. 1- A necessidade de uma gestão metropolitana dos municípios A gestão municipal aparece como sendo frágil, sem corpo técnico adequado, com ausência de um serviço de informações eficaz e de perfil clientelista. “Não existe uma estratégia de gestão metropolitana dos municípios em relação aos proble- 2- O funcionamento dos sub-comitês O debate sobre os recursos hídricos pela complexidade que possui e pelos interesses dos atores que atuam nesta questão, ainda é restrito ao corpo técnico das instituições. Os sub-comitês que poderiam representar um espaço de debate sobre a gestão dos recursos hídricos, com a participação do governo, sociedade, universidade, entre outros setores envolvidos, não estão funcionando de forma democrática e operam através de questões pontuais. Falta uma visão ampla dos principais problemas da gestão dos recursos hídricos. “Há uma visão de cima para baixo do papel dos comitês e sub-comitês. Predomina a participação dos representantes do governo”. “Os sub-comitês são organismos importantes, mas funcionam sob pressão. Um exemplo disso é a discussão sobre o término da licença da Sabesp em retirar e utilizar as águas da bacia do Piracicaba para o abastecimento público de São Paulo”. Além dos temas mais urgentes, os sub-comitês deveriam discutir outros assuntos a partir de uma agenda de debates construída pelos atores sociais. Os principais desafios dos subcomitês seriam enfrentar as seguintes questões: representatividade, comunicação, assimetria de conhecimento e de poder político. Outra problemática que se coloca para discussão é a persistência dos conflitos setoriais: Departamento de Água e Energia Elétrica DAEE, Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo - Sabesp, Municípios e Setores Hidroelétrico e Industrial. Sabemos que há iniciativas locais de gestão do solo por meio de programas de urbanização ntre 26 e 29 de maio último, ocorreu em Indaiatuba, o II Encontro da ANPPAS (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ambiente e Sociedade). Durante quatro dias, pesquisadores do Brasil e do exterior participaram dos grupos técnicos e mesas-redondas que discutiram temas importantes da ciência ambiental. Foram abordados diversos assuntos em que a questão ambiental foi relacionada a partir de vários aspectos locais: a produção teórica de pesquisas sobre o meio ambiente, biodiversidade, agricultura, energia, cidade e sustentabilidade, Corina é socióloga e mestranda em ambiente e saúde; manejo coCiências Ambientais – PROCAM- USP munitário, conhecimento lo([email protected]) cal, modernidade e riscos, relações internacionais, meio ambiente construído, turismo, história e justiça ambiental. Aspectos globais também foram abordados como as mudanças climáticas e a produção intelectual da América Latina sobre meio ambiente. O que mais nos chamou a atenção em participar foi a mesa redonda intitulada: “Gestão Compartilhada de Recursos Hídricos no Brasil – Qual a Inovação Possível?”, coordenada pelo Prof.Dr. Pedro Jacobi da USP (Universidade de São Paulo). Nela, foram apontados problemas e sugestões para uma gestão mais eficaz dos recursos hídricos. Apresentaremos quatro questões que foram abordadas: Saneas / agosto 2004 – 43 Empreendimento & Gestão de favelas, com a participação da comunidade, ONG´s e governo estadual. O desafio que surge é como articular as diferentes escalas: municípios; sociedade civil organizada e governo?. 3 - Cobrança pelo uso da água Comentou-se que existem leis avançadas, mas os atores sociais são atrasados. Há uma certa inviabilidade e incerteza quanto ao funcionamento dessa lei. As principais dificuldades estariam na interferência da cultura e prática política. Os gestores políticos carregam uma cultura anti-democrática. Dois pontos a serem ressaltados: questionase o destino dos recursos arrecadados com a cobrança, se realmente serão investidos na melhoria da água das bacias hidrográficas. Outro ponto que se coloca, é que a simples aplicação da cobrança ou multa pelo uso da água, não representa necessariamente uma mudança de comportamento, ou seja, não possui caráter educativo e transformador. As pessoas poderão até vir a economizar água, mas será menos por uma questão de consciência, do que de economia. A desconfiança da sociedade civil em relação ao governo, aparece em dois momentos: primeiro, em relação à destinação correta dos recursos e, segundo, para haver mudança de comportamento da população, o governo prefere adotar a cobrança de taxas e multas, e não necessariamente investir em educação, seja ela ambiental ou de nível básico. 4 - Falta de gestão participativa e integrada da Sabesp Segundo analistas, persiste uma visão ainda ruim sobre a Sabesp. Há falta de transparência em sua direção. A questão da água aparenta ser uma guerra não declarada aliada à uma rigidez institucional. “Difícil coordenação entre os planos estratégicos da Sabesp e as estratégias dos municípios”. “As pessoas que a dirigem passam a idéia de que são donas dela”. Isso nos traz um enorme desafio: como ser uma empresa pública que fornece água a 18 milhões de pessoas e gerenciar de forma democrática? Três saídas apontadas pelos pesquisadores: • Incentivar a gestão integrada uso do solo e recursos hídricos; • Melhorar a articulação e atuação dos municípios; • Facilitar a transmissão de informação entre as diferentes escalas (sociedade, poder municipal e estadual). Foram apontados problemas e soluções para o estabelecimento de uma gestão dos recursos hídricos mais eficaz. Esboçou-se um cenário de luta e negociação, em que cabe aos atores sociais construírem o tão sonhado planejamento (participativo e integrado) e que sua aplicação seja o resultado de um longo processo de discussão entre todos os envolvidos: a sociedade, o poder municipal e o estadual. ■ Ponha seu produto em destaque: anuncie na Revista Saneas 44 – Saneas / agosto 2004 RECONHECIMENTO José Roberto Nali A o chegar na Reserva Florestal do Morro Grande, em Cotia, tem-se a impressão de estar bem longe de São Paulo, tal a beleza da paisagem e a pureza do ar que se respira. É no meio desta mata, com mais de 10 mil hectares, rica em espécies vegetais e animais, que se encontram preservadas com excelente qualidade as represas Pedro Beicht e Cachoeira da Graça. Elas abastecem a Estação de Tratamento de Água Morro Grande, também dentro da reserva. Encarregado do sistema de tratamento de água, Nali pertence a um grupo de profissionais que, para além das questões do dia-a-dia, zelam por acervos de importância histórica, cultural e ambiental, como é o caso do sistema Alto Cotia. Ele tem papel fundamental na manutenção da reserva. Neto de italianos, filho de lavradores, Nali nasceu em Pereiras (SP), cidade próxima de Tatuí. Começou a trabalhar aos 13, ao lado do pai. E desde cedo, aprendeu a respeitar a natureza. “Meu pai construia cerca de arame farpado e, quando encontrava uma árvore no caminho, eu queria mudar o rumo da cerca, para não derrubá-la”, recorda-se. Nali entrou na Sabesp em 1975 para trabalhar como operador de filtros, sendo lotado no Sistema Alto Cotia que, na época, era administado pelo engenheiro Luiz Carlos Ribeiro. Boa parte do que faz, atualmente, aprendeu na prática, no dia-a-dia de trabalho. Hoje responde aos pedidos de produção de água do Centro de Controle Operacional da Região Metropolitana de São Paulo, e sabe como ninguém como operar as represas do sistema Alto Cotia. Ele conta que um dos momentos mais tristes de sua carreira foi quando os reservatórios desceram a apenas 5 % de sua capacidade. Além da produção da ETA, a grande paixão de Nali é a preservação da belíssima Mata Atlântica, que compõe praticamente toda a Reserva Florestal do Morro Grande. Lá, ele já plantou mais de 100 mil árvores, de 50 espécies nativas, para reconstituir as áreas destruídas – ao todo faltam aproximadamente 250 hectares a serem reflorestados. “Se não fos- Reconstituição florestal: Nali ao lado de um pé de ingá que plantou Vista parcial da ETA rodeada por mata atlântica. se pelos incêndios, coisa muito triste quando ocorre, a mata já estava toda recuperada”, diz. Ele mantém, ainda, um viveiro de plantas nativas, que desenvolveu para apoiar esta atividade. Com quase 30 anos de profissão, ele acredita que a qualidade da água se manteve sempre muito boa por causa da existência da mata preservada em toda a área de contribuição das represas. Conta também que o combate às atividades de caça possibilitou o aumento da fauna da região -- dá para ver com mais freqüência tucanos, quatis e até onças. O que não se conseguiu evitar foi a quase extinção dos palmitos da área, devido a uma pressão urbana cada vez maior e a uma fiscalização insuficiente. Problema que ele aponta como sendo muito grave e que, somente com uma maior conscientização de todos, será possível resolver. Entretanto, dentro do seu ambiente de trabalho, hoje todos se preocupam com a preservação da natureza. “Aqui o pessoal não corta árvore, só se planta”, afirma. Nali, com seu jeito simples e sábio de ser, agradece a oportunidade que a vida lhe deu de realizar seu trabalho. Nós agradecemos a ele e reconhecemos o grande valor de seu trabalho que deve servir como exemplo para todos. ■ Saneas / agosto 2004 – 45 PERSONAGENS DO SANEAMENTO Chegada de àgua da Nova Captação do Paraíba - Janeiro 2000 teiros que, ávidos, esperávamos que ele nos desse a honra de sua presença.. Pensava eu : que boa vida é ser gerente da Sabesp e ter todo mundo te agradando! Passei seis anos na sede da Superintendência naquele Departamento que, por coincidência, tivera como gerente anterior o próprio Luiz Sérgio que de gerente de Taubaté fora promovido ao Departamento Técnico que eu agora ocupava. Em 1995 fui para Taubaté como engenheiro e após três anos, com a aposentadoria do grande Frederico Testa, assumi esta Gerência que, por outra coincidência, foi onde conheci o Luiz Sérgio. Em 1998 Taubaté tinha um sistema de abastecimento de água sofrível. A falta de água era constante e no verão, havia um caos. O sistema do rio Una não suportava as necessidades da população, que crescia rápido. Além do mais, o sistema era, digamos, sensível. Uma chuva mais forte já carreava uma grande quantidade de areia e éramos obrigados a parar as bombas. As inundações, sempre freqüentes, tornavam nossa vida um pesadelo. Explicações eram buscadas em todas as desculpas possíveis. Rádios, jornais e televisões me entrevistavam diariamente. Pela primeira vez senti estresse. Não dormia. Qualquer toque do telefone e acordava sobressaltado já imaginando uma notícia ruim: Vale a pena!!! Paulo Ernesto Marques Silva E stou completando 15 anos de Sabesp. Em 21 de agosto de 1989 fui admitido na empresa como gerente do Departamento Técnico do Vale do Paraíba – SRV. Tinha tido um breve contato com a Sabesp entre 1983/84 quando trabalhei numa empreiteira -Said Abdala – que executava reformas nas duas Estações de Tratamento de Água de Taubaté. Naquela época era Gerente Divisional o Engº Luiz Sérgio da Silva. Lembro-me bem que quando ele visitava as obras causava um certo suspense entre nós. Esperávamos pela sua reação. Vai gostar ou não? O Luiz Sérgio chamava a atenção pelo seu porte e postura. Negro, magro e altíssimo, de maneiras elegantes e educadas, um sotaque carioca marcante, ele era realmente peculiar. Não me lembro de naquela oportunidade ter conversado alguma vez com ele. Não me atrevi. Nem mesmo durante alguns dos churrascos que ele participou, promovidos pela engenharia e por nós emprei- Engenheiro Civil e Pós -Grauado em Engenharia de Recursos Hídricos, UNITAU, e em Gerencia- mento de Serviços Municipais, University of Loughborough, Inglaterra. Está na Sabesp desde 1989. Foi Gerente do Departamento Técnico da UN Vale do Paraíba e desde 1998 é o Gerente da Divisão Taubaté. Casado com Heloísa Marques Silva tem 3 filhos : Thomás (21), Caio(20) e Raul(13). 46 – Saneas / agosto 2004 Personagens do saneamento enchente do Una, arrebentamento da sub-adutora da Volkswagen (podem imaginar o maior consumidor do interior sem água?), falta de energia elétrica, um vendaval que levou o telhado da Casa de Máquinas, uma tal de “mufla” dos cabos elétricos que não pode ter uma bolha de ar, um operador que se enganou com uma válvula e perdeu a reservação, uma galeria da prefeitura que ruiu e levou as nossas redes junto, uma peça fora do padrão que ninguém tem em estoque. Qualquer coisa. Por vezes era só minha mãe pedindo para eu passar lá em casa, pois afinal fazia tempo que ela só me via pela televisão. Promessas eram o que tínhamos. Paroles! Mas, não foi só isso. Em janeiro de 1999 iniciávamos a construção de uma nova captação, adutora e reformas nas estruturas existentes, uma obra de R$15 milhões de reais que seria a nossa redenção no abastecimento de água. Em exatamente um ano, no dia 8 de janeiro de 2000, chegava a água da Nova Captação do Paraíba à Estação de Tratamento trazendo, não uma brisa, mas um vendaval de esperança para nós e nosso povo. Nossa luta agora seria o tratamento de esgoto. Taubaté tem 110 anos de saneamento organizado. Conto a partir da primeira captação, adutora e redes que foram inauguradas em 1893 pelo Engº. Fernando de Mattos, o qual fundara a Companhia Norte Paulista e obtivera o privilégio por 50 anos de implantar e explorar o abastecimento de água potável do município. Interessante notar que seu primeiro sócio foi o Engº Joseph Bryant, que trabalhara na Companhia Cantareira, responsável pelo início do abastecimento da nossa capital – São Paulo. Devido a vários percalços, em 1916 o serviço de água passou para a Câmara Municipal e, mais tarde, à Prefeitura. A história é interessantíssima, mas voltemos a 1982 quando a Sabesp assumiu o Município. Naquele tempo todo houve apenas um projeto firme que visava o tratamento de esgotos de nossa cidade. Foi em 1903 e, aliás, um tanto curioso. Ali foi projetado e começou a ser executado um sistema de tratamento denominado Tanques Debdin. Com a chegada de uma epidemia de febre amarela na cidade as obras foram paralisadas por medida de precaução (pensava-se que, com o enchimento dos tanques, haveria a proliferação dos mosquitos transmissores). O Intendente (assim era chamado o prefeito) autorizou as ligações de esgoto que seriam descartadas sem tratamento, no Córrego do Convento Velho. Houve quem gritasse e esperneasse através dos jornais alegando que tal procedimento causaria a poluição do Córrego, que muito servia à população. Surgiu então o engenheiro Continentino Guimarães, aguerrido defensor do Intendente (e do seu emprego) que, escarnecendo dos defensores do Córrego, afirmou textualmente em carta enviada aos jornais: “Na capital paulista não existem tanques ou filtros. Entretanto, desde que a nossa capital está servida de esgotos, não consta que as matérias estercorais tenham produzido epidemias ou contaminado a quem quer que seja… as matérias estercorais fazem o percurso até a Ponte Pequena, no fim da avenida Tiradentes, onde ficam depositadas em tanques que não são de depuração. Na segunda fase são estas matérias levantadas por meio de bombas aspirantes-calcantes, até alcançar altura para serem lançadas no Tietê, a 500 ou 600 metros de distância. Todavia no vizinho bairro do Bom-Retiro, sítio muitíssimo próximo do ponto de despejo, com uma população muitíssimo mais densa que toda a cidade de Taubaté, nunca apareceu moléstia alguma endêmica ou epidêmica… Não será, portanto, o encarregado da construção dos esgotos em Taubaté, o único idiota que proceda mal neste mister, pois como ele procederam engenheiros competentes, e suas obras ainda não desmentiram seus autores.” Pois é, hoje todos sabemos quais as condições do Tietê. As do Convento Velho, guardadas as proporções, são idênticas. Grande Continentino! Nunca mais se falou de tratamento de esgotos aqui em Taubaté. Não houve plano diretor que o contemplasse. Agora estamos próximos de consegui-lo. Tem sido uma batalha enorme. Em 2002, celebrando o Dia Mundial da Água, proferi uma palestra sobre o saneamento em Taubaté. Noite de gala promovida em sessão solene da Câmara Municipal. Convidado especial para a abertura o prefeito Municipal. Emérito orador, na presença inclusive de nosso ex-vice-presidente do interior, Plínio de Mendonça, referiu-se à Sabesp como ingrata e mesquinha. Meu filho de 11 anos diz que nunca vai votar nele. Dias depois na sede da Volkswagen do Brasil, em cerimônia comemorativa à certificação ISO 14.000 daquela empresa, para minha surpresa, diante de todas as autoridades, fomos novamente criticados severamente pelo prefeito por não tratarmos os esgotos. A partir daí, tenho notado que nos eventos oficiais, quando passam a palavra ao prefeito, o pessoal se distancia de mim. Não faz mal, falta muito pouco para eu dar o troco. Enquanto isso penso que deva ser agradado num churrasco. Vale a pena !!!!! ■ Saneas / agosto 2004 – 47 Resenhas A Ditadura Encurralada Foi publicado re centemente o quarto e penúltimo volume da série do jornalista Elio Gaspari sobre os anos de chumbo no Brasil. Publicamos, na edição passada, resenha sobre os três primeiros volumes. Neste volume, tem-se a sensação de que a história se passa mais rapidamente pelos olhos do leitor, num ritmo envolvente e numa seqüência que liga fatos históricos com uma narração hipnótica, ficando difícil largar o livro e descansar a cabeça no travesseiro. Os personagens principais, os generais Geisel e Golbery, conhecidos no meio militar como Sacerdote e Feiticeiro, dominaram praticamente todo o cenário político. Segundo Gaspari, Geisel optou pela redemocratização porque não podia mais controlar os porões da ditadura. O general admitia tudo, até mesmo a tortura e os assassinatos, mas não suportava a indisciplina militar. Em uma clara contradição, Geisel queria caminhar para a democracia permanecendo ditador. Golbery, que, segundo Gaspari, chegou a ser cogitado como sucessor de Geisel foi o arquiteto da “lenta e gradual transição para a democracia”, frase repetida à exaustão durante esse triste período. O nome de Golbery só não foi adiante por dois motivos: pela frágil saúde do Feiticeiro e pela rejeição que despertava junto aos torturadores de farda. Alguns fatos narrados são de tirar o fôlego, como o do episódio da demissão do patrono da tigrada (nome dado aos torturadores do Exército), o general Silvio Frota. Ele foi chamado às pressas para uma reunião em Brasília, às vésperas de um fim de semana, e foi rapidamente substituído. Não havia tempo 48 – Saneas / agosto 2004 para uma reação da linha dura. O caso do jornalista da Rede Cultura,Vladimir Herzog e o do operário Manoel Fiel Filho, que tiveram trágico fim no DOI CODI da Rua Tutóia, em São Paulo, foram o estopim do basta ao General Frota. Mas, sem punições aos culpados. Até hoje. Por pouco, o Brasil não se afunda nas mãos de chumbo e coturnos da linha dura do Exército. Outro triste episódio narrado foi a invasão da PUC, em 1977, em São Paulo, onde se realizava um encontro da UNE. (Foi-me um violento choque na memória, pois eu, nessa ocasião, fiz parte da história. Eu fui um dos mais de 800 presos.) Começam as grandes movimentações e passeatas estudantis, chega a era Figueiredo e lentamente, o Brasil é devolvido a seus mais legítimos donos. Ainda falta o último volume. A Ditadura Encurralada - Elio Gaspari, Companhia das Letras, 2004. Sobre os Ombros de Gigantes Para quem gosta de história da ciência, aí vai uma excelente dica. Uma narrativa simples, concisa, direta, com fatos curiosos, que leva o leitor a fazer uma viagem no tempo. Como o próprio autor diz, a maioria das pessoas tem pela física um distanciamento respeitoso, para não dizer pânico. E é isso que se vê desmistificado, à medida que flui a história, o contexto e a ciência, sempre de maneira encadeada. O próprio nome da obra é referência a uma citação de Isaac Newton, que quando perguntado sobre como poderia ter enxergado tão longe, teria dito que só o fez por ter se apoiado em ombros de gigantes. Referia-se ao genial Galileo Galilei, quase queimado vivo pela Igreja Católica e por Reneé Descartes, o pai da Geometria Analítica e da Lógica Moderna. O texto é extremamente agradável, vai desde a filosofia aristotélica, que tinha a Terra como centro do Universo, até os confins da Teoria das Supercordas, que procura unificar todas as quatro forças da Física (a forte, a fraca, a gravitacional e a eletromagnética). Newton separava o espaço do tempo, como duas grandezas independentes. Einstein, num salto qualitativo da ciência, unifica as duas dimensões e propõe o espaço-tempo. Afirma que a Terra não é atraída pelo Sol pela força à distância (gravitação), como propunha Newton, mas pela deformação causada pelas massas do Sol e da Terra. Imagine uma cama elástica e duas massas apoiadas. Essas massas causariam uma deformação na cama elástica e provocariam o movimento. É mais ou menos assim que tem início a unificação do tempo e do espaço e nasce a teoria da Relatividade. Tendo em vista os excelentes resultados práticos da teoria da Relatividade no caso de grandes corpos e a luz, tentou-se elaborar uma teoria que englobasse o micro e o macro mundo. Até hoje os cientistas se digladiam. A Mecânica Quântica respondeu bem ao micro mundo, mas não pôde ser extrapolada para movimentos planetários, por exemplo. Surgem agora, em pleno século XXI, as Teorias do Tudo, a Teoria M, a Teoria das Supercordas. Elas supõem que no Universo haja onze dimensões. Ora, se com três dimensões já é difícil enxergar o mundo, imagine como onze! E por que seria um único Universo? Por que não Multiversos? È nesse cenário, dinâmico, envolvente e sutil que somos convidados a entrar. Um livro que aproxima o leigo da ciência sem se perder o respeito e a admiração por ela. Vale a pena! Sobre os Ombros de Gigantes – Uma História da Física – Alexandre Cherman, Ed. Zahar, 2004, 199 p. Musashi, o maior herói do Japão O livro “Musashi”, de Eiji Yoshikawa, é o maior fenômeno editorial da história do Japão, com mais de 120 milhões de exemplares vendidos e tem como personagem principal uma das maiores lendas de samurai: Miyamoto Musashi. Este romance baseia-se em um personagem real da história do Japão, que viveu aproximadamente entre 1584 e 1645, misturando realidade e ficção. A tradução do original japonês ao português chegou ao Brasil em 1999 pela Editora Estação Liberdade, aproximadamente 60 anos após a sua publicação, graças a subsídios de programas de apoio da Fundação Japão. No Brasil, “Musashi” já ficou presente nas listas dos mais vendidos (atualmente na 10ª edição). Apesar de ser uma obra extensa com mais 1800 páginas (dividida em 2 volumes), a sua leitura é extremamente ágil, pois as tramas deixam o leitor curioso com os encontros e desencontros dos personagens, recheados de desafios, duelos, amores e espionagens. O início do romance começa na Batalha de Sekigahara em 1600, na qual cerca de 150 mil samurais lutaram naquela que foi a mais importante batalha do Japão, cujo grande vitorioso foi o general Togugawa Ieyasu. Em 1603, Togugawa tornou-se o Xogum, cuja denominação significa “generalíssimo para a expulsão dos bárbaros”, após a realização da unificação do país. É nesta Batalha de Sekigahara que se encontram os amigos de infância Matahachi e Takezo (que posteriormente muda seu nome para Musashi), para lutarem juntos no exército perdedor e saírem milagrosamente vivos. A partir daí começa uma série de duelos e como também não podia deixar de ter, um amor platônico com a mocinha Otsu. Uma das primeiras lições recebidas por Takezo vem através do encontro com um mentor, chamado de monge Takuan. A lição que Takuan impõe a Takezo é ficar três anos enclausurado tendo como companhia somente os livros. Após esta primeira lição, Takezo recebe um novo nome: Musashi. E seu sobrenome vira Miyamoto, em homenagem a sua vila natal. Ao longo deste romance podese ter, além de uma verdadeira aula de história, uma perpectiva do pensamento do povo japonês, através dos seus costumes, atitudes e formas de encarar a vida. É intessante também notar que muitos conceitos derivados de um Sistema de Gestão ISO, como melhoria contínua de processos, estudo e aperfeiçoamento pessoal, encontram-se no pensamento japonês e tiveram grande recepção no Japão quando foram apresentados pelo Pai da Qualidade, W. Edwards Deming, ao contrário do que aconteceu nos Estados Unidos. Portanto a leitura de Musashi também pode ser interessante não apenas para se conhecer a cultura nipônica, mas também compreender de uma forma artística o embrião da Qualidade, seguindo o caminho da espada junto do samurai Musashi. O próprio Musashi escreveu o Livro dos Cinco Anéis, que é utilizado como leitura para empresários japoneses em busca de estratégias para a sobrevivência no mercado. Na jornada do samurai, Musashi é dominado por uma certa angústia de nunca se contentar com o estágio em que se encontra no domínio do manejo da espada. E com isso abate sucessivamente os seus perigosos oponentes de forma a se aperfeiçoar cada vez mais, ou ainda, a melhoria contínua. A postura de Musashi perante a vida é de ser um eterno aprendiz, buscando-se aperfeiçoar em diferentes situações e não só nos duelos. Musashi tem a humildade de aprender com quem quer que seja, mesmo que aparentemente não apresente condições à primeira vista. Numa situação, Musashi aprende com um menino, que se torna o seu discípulo, a olhar as condições do tempo e a se previnir para a estocagem de suprimentos. Ou mesmo numa situação banal, em que acaba pisando por distração em um prego e acaba tirando uma lição de vida. Em relação à importância dos estudos, há uma passagem em que Musashi aconselha seu amigo Matahachi com um discurso típico das famílias japonesas: para ser alguém na vida devemos estudar com esforço. Musashi: em mangá Para aqueles que terminam de ler o livro e sentem a necessidade de buscar novas aventuras de Musashi, cabe uma outra alternativa para saciar a vontade em outra fonte: os mangás (revistas em quadrinhos japonesas). Em 1998, foi lançado no Japão o mangá “ Va g a b o n d”, baseado no livro de Yoshikawa. Como o livro, já é um sucesso internacional e é publicado na Itália, Estados Unidos, França, Alemanha, Espanha e no Brasil pela Editora Conrad desde novembro de 2001. A história e os desenhos de “Vagabond” são de autoria de Takehiko Inoue, desenhista que ganhou os prêmios mais importantes de mangá do Japão. Quando se depara com um quadrinho nota-se a obsessão nipônica pelo detalhe, onde cada folhinha de árvore numa grande floresta é desenhada. No Brasil, as primeiras edições de “Vagabond” também trouxeram matérias especiais sobre assuntos correlacionados com a cultura japonesa. Desta forma “Vagabond” torna-se pura diversão e cultura ao mesmo tempo. Saneas / agosto 2004 – 49 PONTO FINAL Monitoramento da qualidade da água em São Paulo mente, das cargas afluentes e veiculadas no próprio rio Tietê e seus principais afluentes: Pinheiros, Tamanduatei, Aricanduva etc., sua importância relativa na carga total. Foi possível elaborar um perfil de cargas poluidoras ao longo do Nilson E. Castello rio Tietê, representadas pelas cargas da demanda bioquímica de oxigênio - DBO, tanto no período úmido como Governo do Estado de São politana de São Paulo. A dinâmica da qualidade da água no seco. Paulo com o apoio do Banco As coletas de amostras e medições Interamericano de Desenvol- num corpo hídrico é função de divervimento (BID), criou o Projeto Tietê, sos fatores físicos, químicos e biológi- de vazões foram realizadas de quatro no qual coube à Sabesp o papel de mi- cos, internos e externos. A temperatura em quatro horas dentro de um período de 24 horas, totalizando seis conimizar a poluição gerada pelos letas diárias, sendo que para cada esgotos municipais na região do coleta foram analisadas cinco vaAlto Tietê. A primeira etapa de riáveis selecionadas, permitindo obras foi concluída e a segunda, verificar a ocorrência de estabilique teve o seu início em 2002, tem dade de ciclos de variação diários como data prevista de conclusão ou a ausência deles, subsidiando o ano de 2005. Para a região como cálculo da carga média da popreendida entre os municípios de luição no ponto considerado. Mogi das Cruzes e Pirapora, foi Este monitoramento continuconcebido o plano de monitoraará a ser desenvolvido ao longo mento da qualidade das águas do do período de execução do Prorio Tietê. Esse plano tem como jeto Tietê o que possibilitará o objetivo medir os impactos, na aprofundamento das análises de qualidade das águas, advindos causa e efeito tanto do impacto da melhoria da infra-estrutura Nilson: conhecimento é fator para atingir a eficácia de melhoria da qualidade das sanitária previstas na segunda etapa do Projeto Tietê. Este monitora- do ar, fator externo, interfere na tempe- águas, devido às obras de saneamento, mento visa propiciar entendimento, in- ratura da água, e esta por sua vez inter- quanto das causas/fontes da poluição, formação e prognósticos da qualidade fere na velocidade das reações químicas remanescente nos corpos hídricos do das águas na região. Foi elaborada uma e biológicas. A chuva, outro fator exter- Alto Tietê. O aperfeiçoamento da calirede de monitoramento com 33 pontos, no, carreia a carga difusa acumulada bração do modelo matemático de quaonde dados de vazão são obtidos con- na bacia e aumenta a vazão do corpo lidade que já vem sendo utilizado para comitantemente ao processo de coleta hídrico, condicionando uma maior ve- definição dos cenários futuros também das amostras de qualidade das águas, locidade ao mesmo. Maiores velocida- é beneficiado por esta rede de monitofornecendo subsídios para o cálculo das des do corpo hídrico interferem tanto ramento. Todas as entidades e especialistas incargas de poluentes veiculadas no rio na reaeração da massa líquida como na Tietê e seus principais tributários. Nas sedimentação/ressuspenção de poluen- teressados podem ter acesso aos resultacinco primeiras campanhas realizadas, tes. Além de caracterizar a qualidade dos e dados do trabalho acessando o site abrangendo períodos de estiagem e de das águas antes e após a implantação da sabesp na internet (www.sabesp.com. tempo úmido a partir de 2002, foram da 2ª Etapa do Projeto Tietê, este mo- br), no link qualidade das águas da pácoletadas cerca de 800 amostras de nitoramento contribui para o entendi- gina do Projeto Tietê. O melhor conheágua, realizadas 572 medidas diretas de mento dos processos que interferem na cimento, tanto das fontes de poluição, vazão nos cursos d’água e mais de 6000 qualidade das águas do rio Tietê e de sua distribuição na RMSP, dos processos físicos, químicos e biológicos envolvidos análises de laboratório. Esses dados seus afluentes. Com base nas campanhas realizadas no processo de degradação e recuperaconstituem o maior e mais detalhado acervo existente de informações sobre a foi possível caracterizar as vazões e con- ção das águas contribui para o aumento qualidade das águas do Rio Tietê e seus centrações dos principais parâmetros da eficácia do Programa de Despoluição principais tributários na Região Metro- de medição da poluição e, principal- do rio Tietê – Projeto Tietê. ■ O Coordenador da Equipe de Planejamento do Projeto Tietê TGC-SABESP - Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (SABESP), Engenheiro Civil pela EESC-USP - 1979, Especialista em Engenharia em Saúde Pública e Ambiental FSP-USP - 1992, e-mail: [email protected], telefone: (11) 3388-6035. 50 – Saneas / agosto 2004