políticas públicas comparadas de telecomunicações (brasil

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políticas públicas comparadas de telecomunicações (brasil
Universidade de Brasília
Centro de Pesquisa e Pós-Graduação sobre as Américas – CEPPAC
POLÍTICAS PÚBLICAS COMPARADAS DE
TELECOMUNICAÇÕES
(BRASIL-EUA)
Márcio Nunes Iorio Aranha Oliveira
Autor
Brasília, setembro de 2005.
UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
CENTRO DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO SOBRE AS AMÉRICAS (CEPPAC)
POLÍTICAS PÚBLICAS COMPARADAS DE
TELECOMUNICAÇÕES
(BRASIL-EUA)
Autor: Márcio Nunes Iorio Aranha Oliveira
Brasília, setembro de 2005.
UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
CENTRO DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO SOBRE AS AMÉRICAS (CEPPAC)
POLÍTICAS PÚBLICAS COMPARADAS DE
TELECOMUNICAÇÕES
(BRASIL-EUA)
Autor: Márcio Nunes Iorio Aranha Oliveira
Orientador: Prof. Dr. Benício Viero Schmidt
Tese apresentada ao Centro de Pesquisa e
Pós-Graduação sobre as Américas, do
Instituto de Ciências Sociais, da
Universidade de Brasília, como requisito
parcial para obtenção do título de Doutor.
Brasília, setembro de 2005.
UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS
CENTRO DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO SOBRE AS AMÉRICAS (CEPPAC)
TESE DE DOUTORADO
POLÍTICAS PÚBLICAS COMPARADAS DE
TELECOMUNICAÇÕES
(BRASIL-EUA)
Autor: Márcio Nunes Iorio Aranha Oliveira
BANCA EXAMINADORA:
Titulares:
Prof. Dr. Benício Viero Schmidt (UnB/CEPPAC) – Orientador
Prof. Dr. Danilo Nolasco C. Marinho (UnB/CEPPAC)
Prof. Dr. Henrique Carlos de O. de Castro (UnB/CEPPAC)
Prof. Dr. Gilmar Ferreira Mendes (UnB/FDD)
Prof. Dr. Abílio Afonso Baêta Neves (UFRGS)
Suplente:
Profª. Drª. Ana Maria Fernandes (UnB/CEPPAC)
À Flavia Maria.
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais e aos meus irmãos pelo apoio sempre presente.
Ao meu orientador, o Prof. Benício Viero Schmidt, pela confiança, diálogo e amizade.
Aos Professores do CEPPAC, pela oportunidade de conviver em um ambiente
verdadeiramente interdisciplinar de escol.
Ao Prof. José Geraldo de Sousa Junior, pelo incentivo em prestar o exame para ingresso
no programa de doutoramento do CEPPAC.
Ao Grupo Interdisciplinar de Políticas, Direito, Economia e Tecnologias das
Comunicações da UnB, na figura de seu coordenador, o Prof. Murilo César Ramos, pelo
espaço institucional que garantiu o contato com as temáticas mais atuais da regulação
em telecomunicações.
Aos alunos brasileiros, latino-americanos, africanos e asiáticos dos cursos de
especialização e de extensão da UnB em regulação de telecomunicações, pela riqueza
proporcionada em nosso convívio.
À UnB, à ANATEL e à UIT, pelo incentivo ao desenvolvimento de cursos e projetos na
área de telecomunicações.
RESUMO
O presente estudo comparado analisa as semelhanças, as diferenças e as ausências das
políticas públicas brasileira e norte-americana de telecomunicações no período entre os
dois momentos normativos decisivos do século XX em cada país – do Communications
Act de 1934 até o Telecommunications Act de 1996 nos EUA e do Código Brasileiro de
Telecomunicações de 1962 até a Lei Geral de Telecomunicações de 1997 no Brasil.
Dita análise afasta a noção que permeou o início da pesquisa de que os dois modelos
estatais de políticas públicas de telecomunicações seriam distintos quanto à estrutura
estatal de controle setorial, à divisão conceitual de serviços de telecomunicações, à
atribuição de competências aos órgãos estatais e à contextualização do surgimento dos
órgãos reguladores nacionais. Pelo contrário, o estudo conclui pela comensurabilidade
entre as duas experiências nacionais a partir das modificações normativas brasileiras de
meados da década de 1990. Além disso, o estudo conclui pela ausência comum da
virtude política em prol da presença da finalidade social de provimento de serviços de
telecomunicações como orientadora das políticas públicas governamentais do setor.
Os passos tomados para o presente estudo partem da definição de certos pressupostos
conceituais: globalização informativa; virtude política; modernidade tecnológica; e a
diferença entre espaço público e corporação. A partir destes pressupostos, implementase a descrição dos modelos brasileiro e norte-americano de regulação das
telecomunicações, mediante abordagem do significado normativo de telecomunicação e
dos serviços de telecomunicações, bem como mediante abordagem histórica das fases
do setor e da estruturação estatal brasileira para controle das telecomunicações. Por
outro lado, o modelo norte-americano de regulação é descrito a partir dos principais
temas do setor identificados como representativos do modelo em batimento com os seus
equivalentes descritos no modelo brasileiro. Finalmente, no estudo, são pontuados os
principais temas suscitados na descrição dos modelos regulatórios de ambos os países e
inseridos na perspectiva comparada de detecção das semelhanças, das diferenças e das
ausências comuns.
Palavras-chave: política pública; telecomunicação; Brasil; EUA; virtude política;
regulação; estudo comparado.
ABSTRACT
This comparative research examines the similarities, differences and omissions of the
American and Brazilian public policies on telecommunications in the period between
the two major 1900’s normative telecommunications turning-points in each nation –
from the Communications Act of 1934 to the Telecommunications Act of 1996 in USA
and from the Código Brasileiro de Telecomunicações of 1962 to the Lei Geral de
Telecomunicações of 1997 in Brazil. It focuses on the conclusion that the two national
models of telecommunications public policies are not so different regarding state
structural control, conceptual division between telecommunications services,
competence assignment to state agencies and emergence of national independent
agencies. In fact, this research concludes by the commensurability between the two
national telecommunications regulatory experiences, mainly after the Brazilian
normative changes in the mid 1990’s. Moreover, this research concludes that civic
virtue is an ommission outdone by the social purpose labeled on public policies
concerning telecommunications services in both nations.
The steps taken in this research follows the definitions of some dogmatic notions:
informative globalization, civic virtue, technological modernity and the difference
between public space and corporation. From these notions, a description on American
and Brazilian telecommunications regulatory models is developed, focusing on the
normative meaning of telecommunications and telecommunications services. Moreover,
on one side, a historical approach on the development of telecommunications and on the
state structure to control this field in Brazil is performed. On the other side, the
American regulatory model is described by comparison with the main topics detected in
the previous analysis of the Brazilian telecommunications system. Finally, this research
identifies and examines the similarities, differences and ommissions of the most noted
topics that emerged from the comparison between the national regulatory systems.
Key words: public policy; telecommunication; Brazil; USA; civic virtue; regulation;
comparative research.
RESUMEN
Esta investigación comparativa examina las semejanzas, las diferencias y las omisiones
de las politicas públicas americana y brasileña de telecomunicaciones en el período
entre las dos principales transformaciones normativas de las telecomunicaciones en lo
siglo XX en cada nación – desde la ley de las comunicaciones de 1934 hasta la ley de
telecomunicaiones de 1996 en los E.E.U.U. y desde la ley de telecomunicaciones de
1962 hasta la ley general de telecomunicaciones de 1997 en el Brasil. Esta investigación
fue hecha centrándose en la expectativa de que los dos modelos nacionales de las
politicas públicas de telecomunicaciones no serían tan diferentes con respecto al control
estructural del estado, división conceptual entre los servicios de telecomunicaciones,
atribución de competencia a los órganos de lo Estado y la aparición de agencias
independientes nacionales. En el contrario, esta investigación concluye por la
conmensurabilidad entre las dos experiencias nacionales reguladoras de las
telecomunicaciones especialmente después de los cambios normativos brasileños de los
años 90. Por otra parte, esta investigación concluye que la virtud publica es un
ommission vencida por el propósito social imputado a los servicios de
telecomunicaciones referidos en las politicas públicas en ambas las naciones.
Los passos tomados en esta investigación fueron inaugurados con la definición de
algunas nociones dogmáticas: globalización informativa, virtud publica, modernidad
tecnológica y la diferencia entre el espacio público e la corporación. Desde estas
nociones, fue hecho la descripción de los modelos brasileño e americano de regulación
en telecomunicaciones, a partir de lo significado normativo de telecomunicaciones y de
servicios de telecomunicaciones. Por otra parte, fue hecho un acercamiento histórico al
desarollo de las telecomunicaciones en el Brasil y a la estructura del estado brasileño
para controlar este campo. Por el otro lado, el modelo regulador americano fue descrito
mientras en correlación con los principales asuntos detectados en análisis del sistema
brasileño de regulación de las telecomunicaciones. Finalmente, esta investigación
identificó y examinó las semejanzas, diferencias y omisiones que surgieron de la
comparación de los sistemas reguladores nacionales.
Palavras llave: politica pública; telecomunicaciones; Brasil; E.E.U.U.; virtud política;
regulación; estudo comparado.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
1
1 SENTIDOS DA GLOBALIZAÇÃO: NOVIDADE CONCEITUAL,
GLOBALIZAÇÕES INFORMATIVA, DA INFORMAÇÃO E CULTURAL E A
SOCIEDADE MUNDIAL
4
1.1 INTRODUÇÃO
4
1.2 SENTIDOS E ORIGENS DA GLOBALIZAÇÃO
5
1.2.1 Globalização sob parâmetros determinantes políticos e econômicos
1.2.2 Globalização sob parâmetros sócio-culturais
5
10
1.3 GLOBALIZAÇÃO: CONCEITOS IMPRECISOS
16
1.4 GLOBALIZAÇÃO: PONTOS EM COMUM
17
2 MODERNIDADES TECNOLÓGICA E LIBERTÁRIA E A WELTANSCHAUUNG
DE PREVALÊNCIA DA LIBERDADE POLÍTICA: ELEMENTOS PARA O
ENCONTRO DA PERSONA TELECOMUNICACIONAL
21
2.1 INTRODUÇÃO
21
2.2 MODERNIDADES TECNOLÓGICA E DA LIBERTAÇÃO
23
2.3 LIBERTAÇÃO E LIBERDADE: A HERANÇA DAS REVOLUÇÕES
25
2.4 UNANIMIDADE DO POVO E VONTADE GERAL: A DESTRUIÇÃO DO
ESPAÇO POLÍTICO (A PERVERSIDADE DA NECESSIDADE FRENTE À
LIBERDADE)
27
2.5 NASCIMENTO DE UM NOVO ESPAÇO POTENCIALMENTE PÚBLICO E O
MEIO TELECOMUNICACIONAL
29
2.6 IDENTIDADE E HOMOGENEIDADE SÃO CONCEITOS EXCLUDENTES?
3 CORPORATIVISMO E ESPAÇO POLÍTICO
32
36
3.1 INTRODUÇÃO
36
3.2 CORPORAÇÃO E COOPTAÇÃO NO CORPORATIVISMO
36
3.3 CORPORATIVISMO TOTALIZANTE E REPRESENTAÇÃO DEMOCRÁTICA
39
3.4 INSTÂNCIAS DE ESPAÇO PÚBLICO
40
3.5 CONCLUSÃO
42
4 MODELO BRASILEIRO DE REGULAÇÃO DAS TELECOMUNICAÇÕES
46
4.1 INTRODUÇÃO
46
4.2 ESPÉCIES DE REGULAÇÃO E REGULAÇÃO SETORIAL
46
4.3 ESTRUTURAS DE REGULAÇÃO SETORIAL NO BRASIL
51
4.4 TELECOMUNICAÇÕES NO BRASIL – BREVE HISTÓRICO
68
4.4.1 Primeiros passos das telecomunicações no Brasil
4.4.2 Etapas das telecomunicações no Brasil pós década de 1940
4.4.2.1 PERÍODO DE ESTAGNAÇÃO (1946-1962)
4.4.2.2 PERÍODO DAS INVERSÕES ESTATAIS (1962-1967)
68
69
70
73
4.4.2.3 PERÍODO DE EXPANSÃO, MELHORAMENTO E INTEGRAÇÃO DO SISTEMA
(1967-1975)
75
4.4.2.4 PERÍODO DE TURBULÊNCIA (1975-1985)
77
4.4.2.5 O FUNDO NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES (FNT)
78
4.4.2.5.1 Ponto culminante da ingerência estatal no setor de telecomunicações
82
4.4.2.6 PERÍODO DE CRISE: EMBATES DA DESESTATIZAÇÃO (1985-1995)
84
4.4.2.6.1 Regulamentação do art. 66 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da
Constituição Federal de 1988
88
4.4.2.6.2 Forças em jogo: ampliação dos serviços privados de telecomunicações
89
4.4.2.7 PERÍODO DE REFORMAS NORMATIVO-OPERACIONAIS (1995-2002)
96
4.4.2.7.1 Participação da ANATEL no processo de desestatização do Sistema TELEBRÁS 98
4.4.2.7.2 Desestatização do Sistema TELEBRÁS
99
4.4.2.8 NOVOS HORIZONTES: CONTESTAÇÃO DO MODELO (2003-2004)
103
4.5 REGULAMENTAÇÃO DAS TELECOMUNICAÇÕES NO BRASIL
104
4.5.1 TELECOMUNICAÇÕES E SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÕES
106
4.5.1.1 Elementos conceituais de telecomunicação
108
4.5.1.1.1 TRANSMISSÃO
108
4.5.1.1.2 ELETROMAGNETISMO E TRANSMISSÃO ELETROMAGNÉTICA
109
4.5.2 CONCEITO DE SERVIÇO DE TELECOMUNICAÇÃO
111
4.5.3 SERVIÇOS DE VALOR ADICIONADO (SVA): EXCLUSÕES LEGAIS EXPRESSAS DOS
SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÕES
111
4.5.4 OUTROS SERVIÇOS CORRELATOS AOS DE TELECOMUNICAÇÕES
113
4.5.5 CLASSIFICAÇÃO DOS SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÕES
115
4.5.5.1 SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÕES QUANTO AO REGIME JURÍDICO:
PÚBLICO OU PRIVADO
117
4.5.5.1.1 REGIME JURÍDICO PÚBLICO E PRIVADO: CONTINUIDADE,
UNIVERSALIZAÇÃO E ESSENCIALIDADE
118
4.5.5.2 SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÕES QUANTO À ABRANGÊNCIA: DE
INTERESSE COLETIVO E RESTRITO
122
4.5.5.3 SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÕES QUANTO À MODALIDADE
123
4.5.5.4 SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÕES QUANTO À FORMA: TELEFONIA,
TELEGRAFIA, COMUNICAÇÃO DE DADOS E TRANSMISSÃO DE IMAGENS
124
4.5.5.5 SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÕES QUANTO AO ÂMBITO DE PRESTAÇÃO:
INTERNACIONAL, NACIONAL, REGIONAL, LOCAL E DE ÁREAS DETERMINADAS
125
4.5.5.6 SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÕES QUANTO À FINALIDADE
126
4.5.5.6.1 Serviço público-restrito
126
4.5.5.6.2 Serviço limitado
127
4.5.5.6.3 Serviço de radioamador
127
4.5.5.6.4 Serviço de radiodifusão
128
4.5.5.6.5 Serviço especial
129
4.5.5.6.6 Serviços por linha dedicada (espécie de serviço limitado)
132
4.6 ESTRUTURAÇÃO ESTATAL DE REGULAÇÃO DAS TELECOMUNICAÇÕES
NO BRASIL
133
4.6.1 Fundamentos da reestruturação da Administração Pública brasileira na década de 1990:
discussão ausente sobre o espaço público
4.6.2 Estrutura da ANATEL
4.6.3 Posicionamento institucional da ANATEL: contatos e atritos
5 MODELO NORTE-AMERICANO DE REGULAÇÃO EM
TELECOMUNICAÇÕES
134
135
142
151
5.1 O MODELO EM LINHAS GERAIS
151
5.2 O INÍCIO DO SETOR DE TELECOMUNICAÇÕES NOS EUA
153
5.3 INTERCONEXÃO E COMPETIÇÃO NAS TELECOMUNICAÇÕES DOS EUA:
O CONCEITO DE COMMON CARRIER
154
5.4 CONTROLE TARIFÁRIO NAS TELECOMUNICAÇÕES DOS EUA
160
5.5 SERVIÇO UNIVERSAL NAS TELECOMUNICAÇÕES DOS EUA
163
5.6 AGÊNCIAS REGULADORAS INDEPENDENTES NOS EUA E A FEDERAL
COMMUNICATIONS COMMISSION (FCC)
167
Surgimento das agências reguladoras no modelo norte-americano
5.6.1 As agências como espaços institucionais de composição de interesses
5.6.2 Deregulation
5.6.3 Federal Communications Commission – FCC
5.6.3.1 POSICIONAMENTO DA FCC NO QUADRO REGULATÓRIO NORTEAMERICANO
5.6.3.2 COMPETÊNCIA DA FCC
5.6.3.3 COMPOSIÇÃO DA FCC
6 SEMELHANÇAS, DIFERENÇAS E AUSÊNCIAS NOS MODELOS
BRASILEIRO E NORTE-AMERICANO DE REGULAÇÃO EM
TELECOMUNICAÇÕES
167
169
171
176
176
177
180
183
6.1 SITUANDO O ESFORÇO COMPARATIVO
183
6.2 SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS
184
6.2.1 Centralização de competência política e órgão regulador setorial
6.2.2 O esforço de guerra norte-americano
6.2.3 Influência de fatores internacionais
6.2.4 Infra-estrutura de telecomunicações como rede única e integrada de âmbito nacional
6.2.5 Monopólio de fato e de direito
6.2.6 Telecomunicações como ambiente competitivo
6.2.7 Predomínio da normatização frente à operacionalização dos serviços de telecomunicações
6.2.8 Caráter público da rede básica
6.2.9 Common carriers e interesse coletivo
6.2.10 Serviço universal
6.2.11 Formulação de política pública e sua aplicação
6.2.12 Relação entre agência reguladora e parlamento
6.2.13 Espaços de interesse parlamentar nas telecomunicações
6.2.14 Agências reguladoras
6.3 AUSÊNCIA
184
185
185
186
187
189
190
191
192
193
194
195
196
197
197
CONCLUSÃO
199
BIBLIOGRAFIA
200
LIVROS E ARTIGOS
200
MATÉRIAS JORNALÍSTICAS
207
PALESTRAS
209
JULGADOS
210
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ANATEL: Agência Nacional de Telecomunicações
AT&T: American Telephone & Telegraph Co.
BOCs: Bell Operating Companies
C.F.R.: Code of Federal Regulations
CBT: Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei 4.117/62)
CCB: Common Carrier Bureau
CMRS: Commercial Mobile Radio Services
CPE: Customer Premises Equipment (equipamento de propriedade do cliente)
FCC: Federal Communications Commission
FNPRM: Further Notice of Proposed Rulemaking
ITU: International Telecommunications Union
LECs: Local Exchange Carriers
LGT: Lei Geral de Telecomunicações brasileira (Lei 9.472/97)
MCI: Microwave Communications Inc.
NOI: Notice of Inquiry
NPRM: Notice of Proposed Rulemaking
PBXs: Private Branch Exchanges (evolução dos switches telefônicos)
R&O: Report and Order da FCC
SMC: Serviço Móvel Celular
SMP: Serviço Móvel Pessoal
STFC: Serviço Telefônico Fixo Comutado
U.S.C.: United States Code (ex.: 47 U.S.C. 201 – US Code, título 47, seção 201)
UIT: União Internacional de Telecomunicações
1
INTRODUÇÃO
As modificações introduzidas na estrutura estatal brasileira de regulação
das telecomunicações em meados da década de 1990 serviram para suscitar o interesse
sobre o tratamento dado ao setor nos EUA. Isto porque as inovações de ordem estrutural
– agência reguladora de telecomunicações – e normativa – Lei Geral de
Telecomunicações de 1997 – em muito se aproximam da experiência norte-americana
de regulação das telecomunicações. Dita semelhança transparecida nos modelos
brasileiro e estadunidense de regulação do setor de telecomunicações justificou
acusações1 de importação de institutos do modelo norte-americano incompatíveis com a
tradição jurídica brasileira, dentre eles, o de qualificação de grande parte dos serviços de
telecomunicações como serviços privados, bem como a submissão de serviços públicos
de telecomunicações a regime concorrencial.
A presente tese parte da insatisfação com a forma com que a discussão
sobre o modelo de políticas públicas brasileiras de telecomunicações está posta.
Costuma-se argumentar que o modelo brasileiro pressupõe, a partir de meados de 1990,
a importação de institutos jurídicos alheios a sua tradição, mas não há o exigível
aprofundamento para detecção da comensurabilidade entre os termos assemelhados nos
dois modelos, como também dos termos aparentemente distantes entre si.
A partir desta insatisfação inicial, busca-se, de um lado averiguar a
comensurabilidade dos modelos para proceder-se à comparação de ambos por meio de
suas semelhanças e diferenças. Por outro lado, procura-se averiguar a presença da
preocupação com a virtude política na conformação institucional de regulação do setor
de telecomunicações em ambos os países como âncora conceitual para a hipótese de ser
ela detectada como uma ausência comum dos dois modelos. Parte-se da hipótese inicial
de incomensurabilidade entre os modelos brasileiro e estadunidense de regulação de
telecomunicações. Daí a importância da eleição de um índice externo ao próprio setor –
a virtude política e sua ambientação nas novas estruturas de regulação estatal – como
critério de comparação entre as duas bases empíricas. Enquanto para a análise das
semelhanças e diferenças entre os modelos, é suficiente a percepção da
comensurabilidade, para a análise das ausências comuns, é imprescindível a referência a
uma âncora conceitual externa ao próprio setor: eis o espaço reservado ao conceito de
virtude política e à procura do espaço público na instituição estatal representativa das
revoluções dos modelos de políticas públicas de ambos os países.
O momento histórico próprio ao objetivo da pesquisa se confunde com o
momento de maior evidência da aproximação entre os modelos de políticas públicas de
ambos os países. Este momento é o da projeção das agências reguladoras no Brasil e nos
EUA. Isto ocorre devido ao fato de serem as agências reguladoras os arautos da
influência do modelo norte-americano de regulação de setores de atividades de interesse
1
A afirmação de que teria havido uma transposição das agências reguladoras norte-americanas para os
países de civil law, inclusive, para o Brasil vem em manuais de direito administrativo e constitucional
brasileiros e mesmo em estudos específicos sobre o tema regulatório. Conferir: CARVALHO, Ricardo
Lemos Maia L. de. As agências de regulação norte-americanas e sua transposição para os países da civil
law. In: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella (org.). Direito regulatório: temas polêmicos. Belo
Horizonte: Editora Fórum, 2003, p. 413-426.
2
público. Assim, o enfoque da tese está na introdução das agências reguladoras e em suas
relações institucionais com os demais atores políticos.
Para tanto, a tese foi dividida em três partes. A primeira delas, abarcando
os três capítulos iniciais, dedica-se à definição dos pressupostos conceituais. A segunda,
que envolve os dois capítulos seguintes, está voltada ao detalhamento dos modelos de
políticas públicas de telecomunicações do Brasil e dos EUA. A última parte,
representada pelo capítulo final, busca resgatar os temas tratados nos capítulos
anteriores mediante o esforço comparativo entre os modelos de políticas públicas dos
dois países.
Dentre os capítulos destinados aos pressupostos conceituais da tese, o
primeiro esclarece os sentidos do termo globalização tão caro às críticas pautadas na
indevida importação de instituições norte-americanas. Nele, procura-se desviar do lugar
comum o ganho conceitual da globalização informativa como novidade capaz de
viabilizar a convivência entre as modernidades libertária e tecnológica a serem tratadas
no capítulo seguinte. Sob um enfoque mais amplo, o sentido do capítulo está em
precisar conceitualmente de que globalização a tese tratará quando da análise da relação
entre as políticas públicas norte-americanas, mas, acima de tudo, quando da definição
do critério da virtude política como âncora conceitual das ausências comuns na
comparação dos modelos de políticas públicas brasileira e estadunidense: a detecção do
sentido informacional do termo globalização será uma das âncoras conceituais para
promoção da comparação pretendida na tese. Ainda no que diz respeito à parte de
pressupostos conceituais, o segundo capítulo demonstra o ganho de técnica
telecomunicacional como uma manifestação da modernidade tecnológica, no século
XX. O seu efeito mais amplo de globalização informativa é apresentado como
argumento para orientação de políticas regulatórias em telecomunicações em que o
valor da liberdade pública – modernidade libertária como virtude política – ombreie
com a atualmente homogênea crença na libertação do setor de telecomunicações dos
grilhões estatais. Ainda, no segundo capítulo promove-se à distinção entre as finalidades
de políticas públicas voltadas ao incremento de investimentos e de utilidades para
satisfação das necessidades da vida e aquelas voltadas à geração de um espaço
telecomunicacional público para servir de meio à satisfação da ação política; para servir
de espaço de visibilidade política. Finalmente, o último capítulo da parte de
pressupostos conceituais fixa o caráter agora não do meio telecomunicacional, mas das
instituições estatais reguladoras com pretensão de servirem como espaços públicos de
mediação das questões setoriais telecomunicacionais mediante o esboço histórico dos
conceitos de corporativismo e corporação e sua identificação, na primeira metade do
século XX, com a democracia representativa. Os dois modelos de políticas públicas
serão comparados a partir do norte estabelecido pelos conceitos trazidos na primeira
parte da tese.
A descrição do estado da arte sobre as políticas públicas brasileiras de
telecomunicações encontra-se no quarto capítulo da tese, na parte destinada ao
detalhamento dos modelos brasileiro e norte-americano de regulação das
telecomunicações. Nesse capítulo, aborda-se o histórico da regulação do setor no Brasil,
sua regulamentação e as estruturas estatais pertinentes, revelando-se índices tais como o
enunciado de abertura rumo a sociedade da informação frente ao conceito de
globalização informativa, como também, o de orientação da regulação estatal brasileira
sobre telecomunicações em direção à consolidação de espaço público como abertura de
espaço à virtude política ou não. No mesmo sentido, o capítulo quinto dispõe sobre o
3
modelo norte-americano de políticas públicas de telecomunicações com incursões na
questão da virtude política e a partir da configuração explanada no capítulo anterior
sobre as políticas públicas brasileiras. A pergunta motora do quinto capítulo, já em
antecipação ao último capítulo, foi a de se o modelo norte-americano de regulação em
telecomunicações poderia ser descrito com os parâmetros definidos no modelo
brasileiro e, se pudesse, se sofreria o mesmo distanciamento da virtude política
experimentada no Brasil. Neste ponto, o quinto capítulo inicia a análise de
comensurabilidade dos dois modelos e antecipa conclusões.
Ao capítulo sexto da tese restaram as comparações específicas em meio à
pauta fixada pelos pressupostos conceituais para detecção das diferenças, das
semelhanças e das ausências comuns.
4
1 SENTIDOS DA GLOBALIZAÇÃO: NOVIDADE
CONCEITUAL, GLOBALIZAÇÕES INFORMATIVA, DA
INFORMAÇÃO E CULTURAL E A SOCIEDADE MUNDIAL
1.1 INTRODUÇÃO
A utilização indiscriminada de certos conceitos dificulta a formação de
um horizonte de sentido partilhado entre o texto, o contexto e o leitor. Por isso, este
capítulo se propõe a este reconhecimento de horizontes, buscando maior precisão
conceitual de um lugar comum de abordagens comparativas de modelos de políticas
públicas nacionais: o termo globalização.
Para os fins desta tese, os conceitos de globalização informativa e
informacional auxiliarão na identificação de uma âncora conceitual comum para
comparação entre os modelos de políticas públicas estadunidense e brasileira em
telecomunicações.
Constitui objeto de preocupação deste capítulo o enfrentamento da
seguinte questão: independentemente do tema abordado na exposição, seja ele político,
jurídico ou econômico, em que sentido exatamente o termo globalização vem
empregado? Talvez fosse mais adequado perguntar: há algum conceito ou conjunto de
conceitos de globalização verdadeiramente compartilhado, que não se perca em imagens
mais ou menos obscuras, capaz de, ao fim, orientar um olhar crítico do leitor na
detecção de fenômenos incompatíveis entre si ou mesmo oposto a seu significado? Há
um significado, ou conjunto de significados, de matriz semelhante capaz de ancorar a
leitura em uma idéia compartilhada socialmente? Enfim, que origem terá a idéia de
globalização como prefigurada no pensamento do leitor e com que densidade histórica
haverá de se valer dito conceito para reclamar um espaço reconhecido no discurso das
ciências sociais?
Este capítulo abordará este sentido, não na tentativa de uniformizar o
conceito em questão, mas de detectar a novidade e a ancianidade de significados que o
termo globalização ressuscita e aos quais dá nova roupagem, retirando-se daí sua
importância não necessariamente em evidenciar fenômenos novos, mas em revelar
novas formas de velhos fenômenos e enriquecer, com isso, o arsenal discursivo que um
novo termo proporciona no seu incessante processo de modelagem social, lembrando-se
que o fato de ser plurívoco – que sirva de testemunha os 21 conceitos de paradigmas
encontrados na Estrutura das Revoluções Científicas de Thomas Kuhn2 – não o
desautoriza em sua pretensão de inovar enfoques, que por si só representam um
momento criativo do viver científico.
2
MASTERMAN, Margaret. A natureza do paradigma. In: LAKATOS, I.; MUSGRAVE, A. (Org.). A
crítica e o desenvolvimento do conhecimento. São Paulo: Editora Cultrix/Editora da Universidade de
São Paulo, 1979, p. 72-108.
5
1.2 SENTIDOS E ORIGENS DA GLOBALIZAÇÃO
“Globalização é, com toda a certeza, a palavra mais
usada – e abusada – e a menos definida dos últimos
e dos próximos anos; é também a mais nebulosa e
mal compreendida, e a de maior eficácia política”
(BECK,1999:44).
Sistematizar conceitos é uma tarefa árdua. Quando se trata de conceitos
pertinentes a um termo da moda, é, além de tudo, perigosa. Mas os benefícios desta
empreitada evidenciam-se no ganho de precisão terminológica exigível em estudos
extensos.
Categorizar os sentidos de globalização e suas origens é um bom ponto
de partida. Neste esforço, podem-se identificar basicamente dois tipos conceituais
claramente distintos por suas origens e formas de apresentação em autores
representativos.
Um dos tipos conceituais privilegia uma dimensão específica da
globalização centrada em abordagens política e econômica; privilegia a abordagem da
globalização como reflexo de um significado predominante e orientador dos demais. Já
o outro tipo conceitual centra-se em abordagens eminentemente sócio-culturais,
revelando exposições sobre a globalização como categoria multicausal, apresentando-se
como noção resultado de contribuições mais imprecisas, enfim, de síntese ainda
indeterminada de uma realidade complexa de transformação das relações políticas,
econômicas, sociais.
1.2.1 Globalização sob parâmetros determinantes políticos e
econômicos
Encarado como termo que abriga abordagens unilaterais predominantes
sob os pontos de vista político e econômico, a globalização, neste sentido, representa
orientações polarizadas pelos conceitos de Estado nacional e de sistema-mundo, e,
portanto, pautada em cogitações tão antigas quanto estes conceitos.
Wallerstein identifica o sistema-mundo (world-system) como unidade de
análise para compreensão das mudanças da sociedade. Ao definir o sistema-mundo
como sua ferramenta conceitual, Wallerstein procura fugir à crítica de que, ao se
estudar a modernidade a partir dos conceitos de Estado soberano ou de sociedade
nacional, estar-se-iam estudando “evoluções dentre de evoluções”3, ou seja, estar-se-iam
estudando unidades de análise que delimitariam artificialmente um sistema social. O
único sistema social capaz de refletir a modernidade seria, segundo Wallerstein, o
sistema-mundo. O sistema-mundo moderno de Wallerstein apresenta-se como uma
entidade econômica, e não política, que se define a partir da economia-mundo
3
WALLERSTEIN, Immanuel. The modern world-system I: capitalist agriculture and the origins of the
european world-economy in the sixteenth century. San Diego: Academic Press, 1974, p. 7. Do original:
“evolutions within evolutions”.
6
capitalista européia do final do século XV e início do século XVI.4 O significado do
sistema-mundo não se dá, portanto, pela remissão a um sistema que englobe todo o
planeta, mas porque “ele é maior que qualquer unidade jurídica ou politicamente
definida”5.
Dentre os significados abarcados por esta tipologia, há quatro mais
evidentes. O primeiro deles emprega a globalização como a forma especial de
aceleração da mobilidade mundial atingida com o declínio do modelo de Estado de
Bem-Estar Social do século XX. Designaria tanto a causa6 como a conseqüência7 deste
estado de coisas característico do enfraquecimento do Estado do Bem-Estar Social.
Neste sentido, a globalização refletiria o abandono do indivíduo à sua sorte em face do
enfraquecimento do poder e da vontade normatizadora estatal. Aqui, a globalização se
destaca do interesse específico de um grupo ou de um agregado econômico e se reveste
de vivência própria plasmada no arcabouço estatal, cujo convívio com as forças geradas
de suas fraquezas, não mais depende de sua vontade.
Assim, a globalização se institucionalizaria neste movimento de
definhamento estatal mediante queda das regulamentações ecológicas, sindicais,
assistenciais e fiscais, estas últimas principalmente em relação ao comércio
internacional, e este movimento já passa a ser atribuído a uma orientação de política
estatal de submissão a determinações de correntes, cujo poder não é mais passível de
oposição pelos Estados nacionais. Neste sentido, já se está adotando um outro enfoque
de globalização. Trata-se da política da globalização. Em termos mais precisos, quer-se,
com isso, dizer que o discurso da globalização é apropriado para designar uma postura
disseminada pelos Estados nacionais de submissão aos designos de um mercado
transnacional: é a reação estatal frente à ameaça, como também a ação estatal em
direção ao desejo de acompanhar o movimento de sua fragilização. Neste último sentido
estariam incluídas as propaladas políticas de desregulação de setores econômicos e de
subsistemas jurídicos – ecológico, trabalhista, assistencial, sindical, fiscal, sanitário,
educacional, energético, telecomunicacional, de consumo. Este segundo sentido do tipo
conceitual firmado em parâmetros determinantes políticos e econômicos é também
designado de forma mais ácida e menos abalizada como a globalização da política, em
que a economia subordinaria a política, bloqueando a tentativa desta última de
determinação de espaços jurídicos, sociais e ecológicos da economia. Uma visão mais
profunda, entretanto, do fenômeno, que foge do binômio simplificador Estado-mercado,
é expressa em Fredric Jameson ao analisar o fim da arte em Hegel e atualizá-la à
comparação entre modernismo e pós-modernismo. Sob este enfoque, a bem da verdade
já destacado de uma predominância da economia por seus pressupostos teóricos, mas
ainda preso à idéia de mercantilização da realidade em escala mundial, por intermédio
4
O sistema-mundo “sempre foi uma economia-mundo” (WALLERSTEIN, Immanuel. World-systems
analysis. Durham: Duke University Press, 2004, p. 23). Do original: “has always been a world-economy”.
5
WALLERSTEIN, Immanuel. The modern world-system I: capitalist agriculture and the origins of the
european world-economy in the sixteenth century. San Diego: Academic Press, 1974, p. 15. Do original:
“it is larger than any juridically-defined political unit”.
6
A causa é aqui encarada como a liberdade de atuação mundial por meio de igualdade de submissão
normativa entre investimentos nacionais e estrangeiros voltados a possibilitar um Estado regulador ou,
segundo alguns, de forma mais imprecisa, o retorno a um Estado mínimo.
7
Como conseqüência, vê-se a libertação, por parte do capital financeiro, das amarras do trabalho,
enquanto valor politicamente protegido, e das amarras do Estado nacional.
7
da desdiferenciação da pós-modernidade, teriam sido apagadas as fronteiras entre
cultura, política e economia.8
O outro lado da moeda de definhamento do Estado reflete o terceiro
sentido do presente tipo conceitual. Fala-se da autogestão da atividade econômica com
a decorrente possibilidade de imposição pelo mercado de rumos à atividade política e de
estabelecimento de limites, inclusive punições, aos Estados que não se alinharem ao
padrão de demandas econômicas. Este conceito é sensível internamente em Estados
federados desde sua criação, por intermédio do que se convenciou chamar de guerra
fiscal, mas a novidade do que se tenta qualificar como globalização está na posição e
grandeza dos players do mercado, que, por intermédio de pactos globais, seriam
capazes de gerar confrontos entre Estados nacionais ou mesmo entre locais de produção
em busca de menores tributos e facilidades de infra-estrutura. A esta capacidade de
negociação para além do poder político tradicional intra-estatal, costuma-se designar,
nas leituras de globalização, de subpolítica.9
Um quarto sentido do presente tipo conceitual é resultado da junção entre
a globalização como política da globalização, ou seja, como submissão da política
estatal aos desígnios do mercado mundial, e a globalização como subpolítica, ou seja,
como autogestão da atividade econômica por um poder de mercado supranacional. Há,
inclusive, proposta para terminologia própria neste caso, que refletiria um estado
ideológico encobridor das vantagens do conceito de globalização. Tem-se por
globalismo10 a expressão mais perfeita para a globalização econômica entendida como
institucionalização do mercado mundial. Refere-se à globalização como ideologia de
fortalecimento do mercado em detrimento do controle estatal comumente referida como
neoliberal; como de predomínio do aspecto econômico isolado de seu contexto, e que
vozes dissonantes acusam de não ter nenhuma relação com o Consenso de
8
A novidade pós-moderna é exaltada como “uma desdiferenciação de campos, de modo que a economia
acabou por coincidir com a cultura, fazendo com que tudo, inclusive a produção de mercadorias e a alta
especulação financeira, se tornasse cultural, enquanto que a cultura tornou-se profundamente econômica,
igualmente orientada para a produção de mercadorias. (...) Devemos, portanto, adicionar uma qualificação
significativa a essa identificação do pós-modernismo com a concepção do belo de Kant e Hegel, que tem
a ver com a educação, com a esfera pública e com a era da informática e da cibernética. Isso nos leva a
enfatizar um desenvolvimento histórico marcante do nosso tempo, ou seja, a imensa expansão da cultura e
da mercantilização em todos aqueles campos – a política e a economia, por exemplo – dos quais elas eram
corretamente diferenciadas na vida cotidiana do período moderno. O grande movimento de
desdiferenciação da pós-modernidade apagou tais fronteiras (e, (...) mescla a cultura e a economia ao
mesmo tempo em que transforma a economia em várias formas de cultura). É por isso que parece
apropriado enfatizar a imensa aculturação geral da vida cotidiana e social no nosso momento pósmoderno, que justifica descrições proféticas da nossa sociedade como a sociedade do espetáculo ou da
imagem. (...) O retorno do belo no pós-moderno [é descrito como] a colonização da realidade por formas
visuais e espaciais, que é também a mercantilização dessa mesma realidade intensamente colonizada
numa escala mundial” (JAMESON, Fredric. ‘Fim da arte’ ou ‘fim da história’?. p.73; 87-88. In: Idem. A
cultura do dinheiro: ensaios sobre a globalização. Petrópolis: Vozes, 2001, p. 73-93).
9
BECK, Ulrich. O que é globalização? Equívocos do globalismo. Respostas à globalização. Trad.
André Carone. São Paulo: Paz e Terra, 1999, p. 17-18.
10
“Globalismo designa a concepção de que o mercado mundial bane ou substitui, ele mesmo, a ação
política; trata-se portanto da ideologia do império do mercado mundial, da ideologia do neoliberalismo. O
procedimento é monocausal, restrito ao aspecto econômico, e reduz a pluridimensionalidade da
globalização a uma única dimensão – a econômica –, que, por sua vez, ainda é pensada de forma linear e
deixa todas as outras dimensões – relativas à ecologia, à cultura, à política e à sociedade civil – sob o
domínio subordinador do mercado mundial” (Ibid., p. 27-28).
8
Washington.11 O globalismo assenta-se no fato de que a globalização econômica
eliminaria a distinção fundamental e cara aos Estados nacionais entre economia e
política. Aqui, o globalismo é subordinador das políticas públicas estatais na medida em
que estas representam a delimitação de fronteiras jurídicas, sociais e ecológicas, das
quais a atuação econômica depende para ser socializada e tornar-se legítima. É neste
sentido que a globalização adquire nos discursos dos seus opositores sua apresentação
como imperialismo da economia sobre os Estados nacionais. Este sentido linear e
extremo teve o condão de despertar polaridades. Certos grupos protecionistas são
identificáveis por polarização a dita expressão do movimento globalizador:
“Protecionistas pretos lamentam a decadência dos
valores e a perda de significado do nacional (...).
Protecionistas verdes identificam o Estado nacional
como um biótipo político ameaçado de extinção, protegem o
standard ambiental contra a opressão do mercado mundial
(...).
Protecionistas vermelhos tiram o pó das vestimentas
da luta de classes para todas as ocasiões; a globalização é
para eles uma variante da expressão ‘tínhamos razão’.
Festejam um renascimento do marxismo”12 e o fazem com
base em argumento resgatado de Marx ligado ao atingimento
dos limites espaciais de um capitalismo tardio.13
O quarto sentido do presente tipo conceitual pode ser resumido como a
divisão mundial do trabalho entre classes ou entre sociedades. Ele é o mais palpável em
discursos inflamados nacionalistas, mas carece de qualquer originalidade. Sua descrição
remonta a Marx14 sob o tema do capitalismo moderno e se desenvolve em Wallerstein15
11
Em debate comemorativo dos 50 anos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
(BNDES), o então Ministro da Fazenda do Governo Fernando Henrique Cardoso, Pedro Malan,
discordando dos presentes, defendeu a distinção entre orientações neoliberais e os princípios imaginados
por John Williamson, ex-professor da PUC-Rio, que teriam servido de base ao Consenso de Washington.
(MALAN, Pedro. Malan faz a defesa dos princípios do ‘Consenso’. In: Gazeta Mercantil, 16 de
setembro de 2002, p. A-5).
12
BECK, Ulrich. Op. cit., p. 28-29.
13
Algumas palavras de um seguidor do materialismo histórico são ilustrativas: “O conceito do ‘fim da
história’ [a que] Fukuyama dá voz é o resultado de limites espaciais novos e mais fundamentais, não o
resultado do fim da Guerra Fria ou do fracasso do socialismo, mas da entrada do capitalismo num terceiro
estágio novo e sua penetração em partes do mundo não colonizadas pela mercadoria, o que torna difícil
imaginar qualquer tipo de alargamento do sistema. Um Marx diferente (o dos Grundrisse mais do que o
do Capital) sempre insistiu que o socialismo não seria possível até que o mercado mundial tivesse
atingido seus limites e que tudo, inclusive a força de trabalho, tivesse sido mercantilizado universalmente.
Hoje nos encontramos muito mais próximos dessa situação do que nos tempos de Marx ou de Lênin.”
(JAMESON, Fredric. Op. cit., p. 91-92).
14
A ultrapassagem das fronteiras nacionais pela burguesia foi analisada por Marx e Engels e o antídoto
proposto na frase final do Manifesto Comunista (Working men of all countries, UNITE!) não é, em última
análise, sua negação, mas precisamente sua chancela agora pela união do proletariado. Transcrevem-se
trechos reveladores do discurso da época quanto à crise do localismo estamental feudal, quanto à
atribuição de um certo determinismo originário das necessidades do novo mercado e até mesmo quanto
ao processo de uniformização normativa ainda sob o manto dos Estados nacionais: “The discovery of
America, the rounding for the Cape, opened up fresh ground for the rising bourgeoisie. The East Indian
and Chinese markets, the colonization of America, trade with the colonies, the increase in the means of
exchange and in commodities generally, gave to commerce, to navigation, to industry, an impulse never
before known, and thereby, to the revolutionary element in the tottering feudal society, a rapid
development. [aqui se visualiza a perplexidade com um mercado mundial e com a rapidez das mudanças
9
na abordagem do sistema capitalista mundial iniciado no colonialismo do século XVI.
A referência a empecilhos ao comércio mundial causados por diferenças culturais e
políticas entre os Estados nacionais, embora pontual, ainda é mais antiga.16 São
tão constantes nos discursos atuais da globalização] The feudal system of industry, under which industrial
production was monopolized by closed guilds, now no longer sufficed for the growing wants of the new
markets.(...) Modern industry has established the world market, for which the discovery of America paved
the way. This market has given an immense development to commerce, to navigation, to communication
by land. (...) The need of a constantly expanding market for its products chases the bourgeoisie over the
whole surface of the globe. It must nestle everywhere, settle everywhere, establish connections
everywhere. The bourgeoisie has through its exploitation of the world market given a cosmopolitan
character to production and consumption in every country. To the great chagrin of reactionists, it has
drawn from under the feet of industry the national ground on which it stood. All old-established national
industries have been destroyed or are daily being destroyed. They are dislodged by new industries, whose
introduction becomes a life and death question for all civilized nations, by industries that no longer work
up indigenous raw material, but raw material drawn from the remotest zones; industries whose products
are consumed, not only at home, but in every quarter of the globe. In place of the old wants, satisfied by
the productions of the country, we find new wants, requiring for their satisfaction the products of distant
lands and climes. In place of the old local and national seclusion and self-sufficiency, we have
intercourse in every direction, universal interdependence of nations. (...) The bourgeoisie, by the rapid
improvement of all instruments of production, by the immensely facilitated means of communication,
draws all, even the most barbarian, nations into civilization [o termo poderia ser hoje facilmente
substituído por ‘globalização’] (...) The bourgeoisie has subjected the country to the rule of the towns. It
has created enormous cities, has greatly increased the urban population as compared with the rural. (...)
[daqui se poderia enfatizar a tentativa de identificação de uma sociologia da globalização como fundada,
dentre outras coisas, na sociologia das grandes metrópoles] Just as it has made the country dependent on
the towns, so it has made barbarian and semi-barbarian countries dependent on the civilized ones (...)
[The bourgeoisie] has agglomerated populations, centralized means of production, and has concentrated
property in a few hands. The necessary consequence of this was political centralization. Independent, or
but loosely connected provinces, with separate interests, laws, governments and systems of taxation,
became lumped together into one nation, with one government, one code of laws, one national class
interest, one frontier and one customs tariff [este discurso de uniformização é perfeitamente aplicável aos
olhares de globalização econômica, substituindo-se as províncias por nações e ‘one nation’ por ‘one
market’].” (MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifesto of the communist party. p. 69-72. In:
FERNBACH, David (org.). Karl Marx: the revolutions of 1848. Political writings. Vol. 1, New York:
Vintage Books, p. 62-98).
15
Dentro da lógica do globalismo, “Wallerstein substitui, de forma radical, a idéia de sociedades
individuais fechadas e separadas umas das outras pela idéia oposta de um sistema mundial em que todos –
todas as sociedades, todos os governos, todas as empresas, todas as culturas, classes, famílias e indivíduos
– precisam estar situados em uma divisão de trabalho. Segundo Wallerstein, este sistema mundial único
que favorece o quadro de desigualdades sociais em escala mundial é realizado pelo capitalismo. A lógica
interna do capitalismo o leva necessariamente a ser global. [§] Surgida na Europa do século XVI, a
dinâmica capitalista absorveu e transformou profundamente novos “continentes” tradicionais, espaços,
nichos de vida social. ‘Todo o globo opera dentro deste quadro e segundo a máxima de uma divisão
obrigatória e universal do trabalho, a qual chamamos economia capitalista mundial’ (...) Ao mesmo
tempo, multiplicam-se e aprofundam-se os conflitos do sistema mundial, pois este sistema não produz
apenas riquezas extremas, mas também pobrezas extremas (...) O surgimento de crises temporárias,
segundo Wallerstein, conduz a reestruturações que tornam mais concentradas a desigualdade e a divisão
de poder. E ao mesmo tempo crescem as contradições do sistema mundial. (...) A lógica interna do
sistema capitalista produz, portanto, integração e decomposição mundial.” (BECK, Ulrich. Op. cit., p. 6869). A esta conceituação de globalização Beck opõe, dentre outros, o seguinte argumento: “se a
globalização tem início com a descoberta e a conquista do novo mundo por Cristóvão Colombo, então
todo o resto é apenas um capítulo específico do final do século XX. Isto é: o quadro conceitual proposto
por Wallerstein não permite uma determinação histórica da transnacionalidade.” (Ibid., p.70).
16
Referindo-se ao constrangimento imposto aos negociantes holandeses de pisar o crucifixo quando em
viagem ao Japão para provar que não se ameaçava a religião imperial japonesa, vide: VOLTAIRE,
10
justamente estes sentidos do presente tipo conceitual que deixam um sabor amargo na
boca ao parecerem simplesmente reavivar com nova roupagem os mesmos fenômenos
há muito estudados.17
1.2.2 Globalização sob parâmetros sócio-culturais
A globalização também pode representar o reconhecimento de
sociedades de conhecimento e de informação, para cuja defesa se alega que, a partir da
evolução das telecomunicações, restaria eliminado o monopólio de comunicação
interestatal, minando com isso a ortodoxia nacional-estatal por intermédio de uma
distinção entre duas fases da política internacional: a era da política internacional
caracterizada pelo monopólio do cenário internacional por parte dos Estados nacionais;
e a era da pós-política internacional, em que os Estados nacionais estariam obrigados a
dividir o cenário do poder global – e não a sair de cena18 – com organizações
internacionais, companhias transnacionais e movimentos políticos e sociais
transnacionais, argumentando-se, assim, com uma necessária autorização silenciosa do
Estado nacional para a globalização em um novo medievalismo19 centrado na figura de
Estados transnacionais e direcionado por uma subpolítica transnacional, que abrigaria
diversos atores díspares, como organizações transnacionais (Banco Mundial, Igreja
Católica, Associação Internacional de Sociologia, McDonald’s, Volkswagen, cartéis do
tráfico de drogas, máfia, a nova Internacional das ONGs) e comunidades transnacionais
(fundadas na religião – como, por exemplo, no Islã –, no saber, em estilo de vida – pop
–, no parentesco, nas orientações políticas – boicotes de consumo) em uma arena em
que digladiam por uma agenda política permeada de questões transnacionais (alterações
climáticas, drogas, AIDS, conflitos étnicos, crises financeiras, catástrofes) e de eventos
transnacionais (Copa do Mundo, Guerra do Golfo, disputa eleitoral estadunidense),
enfim, uma política mundial policêntrica, em que haveria um jogo sem cartas marcadas
– uma tensão permanente –, opondo-se à teoria de que a última palavra estaria sempre
com o mercado.
A visão dos sentidos deste tipo conceitual aproxima-se dos sentidos
atribuídos antes ao primeiro tipo conceitual analisado neste estudo por partirem de um
fator norteador dos demais, embora tenham se afastado dos últimos por atribuírem a dito
fator uma relação polarizada de tensão e de instabilidade permanente: riqueza global –
François Marie Arouet de. Cândido. 2aed., trad. Maria Ermantina Galvão, São Paulo: Martins Fontes,
1998, p. 21.
17
Esta característica de ausência de novidade em torno dos conceitos de globalização centrados na questão
econômica, nessa “nova versão da velha ordem mundial” (CEVASCO, Maria Elisa. Prefácio. p. 15. In:
JAMESON, Fredric. A cultura do dinheiro: ensaios sobre a globalização. Petrópolis: Vozes, 2001, p.
7-16), não passa despercebida.
18
Segundo Ulrich Beck, “o Estado nacional não envelheceu simplesmente; ele ainda resistirá, e não
apenas para garantir geopolítica e a política interna, os direitos políticos essenciais etc., mas também para
dar forma ao processo de globalização e regulá-lo transnacionalmente. Estados nacionais são, portanto,
Estados fortes, cujos poderes de conformação política nascem a partir de respostas cooperativas à
globalização (...) porém apenas e tão-somente na medida em que a política estatal souber compreender e
utilizar a globalização como um rejuvenescimento.” (BECK, Ulrich. Op. cit., p. 192; 200).
19
Ibid., p.199.
11
pobreza local; mobilidade do capital – imobilidade dos trabalhadores20; capitalismo –
diminuição de postos de trabalho; evolução tecnológica – fosso tecnológico; segurança
de investimentos – enfraquecimento do Estado nacional; consciência ecológica –
desvantagens econômicas nacionais; indústria cultural mundial – exposição de culturas
locais. Têm seus argumentos fundados na escola inglesa da cultural theory, contraargumentando a idéia corrente de uma McDonaldização do mundo, refutando, portanto,
o significado de homogeneização mundial. Seria o entendimento de globalização como
um processo antigo, mas com efeitos distintivos recentes oriundos da preponderância de
causas que se sobressaem.
Fala-se, neste sentido, em uma sociedade mundial multicausal na linha
weberiana de pluralismo teórico que abrigue aspectos variados no mesmo olhar de
estudo. A globalização significaria um movimento contingente e dialético entre global e
local numa contraposição receptiva entre estes aspectos21 pertencente ao campo
temático de uma sociologia da globalização22, defendendo-se que a idéia de espaços
isolados seria fictícia, pregando, com isso, a transcendência das fronteiras agora não sob
o enfoque econômico, mas de convivência cultural nos seus diversos sentidos –
econômico, político, social. Sob este enfoque, adquire sentido falar em sociedade
mundial representada pelo conjunto das relações sociais que não estão integradas à
política do Estado nacional ou que não são determinadas por ela, mas por outros fatores,
notadamente, a mídia mundial como teias de comunicação interativas e
interdependentes. Aos Estados nacionais não são reservados espaços de atuação
regulamentar de controle econômico das empresas em si de informação, cuja discussão
descansa no primeiro tipo conceitual de globalização descrito, mas em espaços de
interferência no conteúdo da informação em si. A noção de sociedade mundial
incorporada à noção de meios de identificação entre as esferas locais suscita um efeito
social de compartilhamento de destinos, que permite a manifestação de fenômenos que
ultrapassam as fronteiras nacionais para se apresentarem como externos às políticas
nacionais:
“formas de produção transnacionais e concorrência no
mercado de trabalho, jornais televisivos globais, boicotes
transnacionais de compradores, modos transnacionais de
vida, crises e guerras ao menos percebidas como ‘globais’,
utilização pacífica e militar de poder atômico, destruição
ambiental etc”.23
A globalização, neste sentido, significa um processo em que os Estados
nacionais sofrem interferências cruzadas de atores transnacionais em sua soberania,
identidade, redes de comunicações, enfim, em suas chances de poder como um processo
irreversível iniciado no próprio surgimento dos Estados nacionais. Este sentido é
apontado como o sentido viável à interferência política, por deslocar do centro da
discussão política a lógica do globalismo – a centralidade da questão econômica. Trata-
20
Sobre a relação entre os proprietários ausentes ou elites extraterritoriais e o restante da população
local, vide: BAUMAN, Zygmunt. Globalização: as conseqüências humanas. Trad. Marcus Penchel,
Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1999.
21
BECK, Ulrich. Op. cit., p.157.
22
Ibid., p. 65.
23
Ibid., p. 30.
12
se da “pluridimensionalidade da globalidade”24 entendida a globalidade como um
momento que se nega a ceder para um estágio de estabilidade; que se nega a ceder para
um Estado mundial como “condição ineludível do intercâmbio humano neste fim de
século [XX].”25
Para esta corrente, a globalização é um processo contraditório. Toda
globalização seria, a despeito de um movimento de des-localização, sempre uma relocalização.26 Adota-se, inclusive, uma nova terminologia de fato pouco sonora: a
“glocalização”27, significando uma nova consideração do elemento local28, pois não se
concebe nesta teoria a idéia de sociedades individuais isoladas dentro de seus
respectivos espaços culturais. É da sua natureza um processo imanentemente dialético
de globalização – uma globalidade. A estratégia das multinacionais de não-construção
de fábricas em todas as partes do mundo, mas de tornarem-se parte de cada uma das
culturas, está expressa no termo localização global e ressalta o caráter de aproximação
cultural local demandado no âmbito da globalização.29 Enfim, a partir dos enfoques
deste segundo tipo conceitual, a globalização potencializaria a diversidade, mas
necessariamente qualificada por conexões. A dinâmica de centralização – de capital, de
poder, de conhecimento, de riqueza, de tecnologia – geraria descentralização; geraria o
que Beck propõe chamarem-se diferenciações inclusivas30. Com base nisso, tudo passa
a interessar. Mesmo o que se encontra fora do espaço territorial nacional deixa de ser
entendido como o outro e passa a ter o sentido de nós mesmos, fenômeno visível na
detecção tardia dos chamados direitos difusos, cuja característica provém da
impossibilidade de sua apropriação exclusiva pelo particular, ou mesmo de sua proteção
por um só Estado; por um só espaço territorial. Há, a partir desta visão, um necessário
redirecionamento dos cidadãos para o eixo global-local, cuja novidade advém de três
olhares: espacial, de ultrapassagem das fronteiras; temporal, de sua aceleração; e de
densidade social das redes de comunicação, que se tornam mais reais a cada
manifestação informativa e que coloca em posição paritária diversos acontecimentos do
globo.
Este tipo conceitual origina-se em uma plêiade de justificativas, que
partem da ampliação geográfica e da crescente interação do comércio internacional, da
conexão global dos mercados financeiros e do crescimento do poder das companhias
transnacionais e permeiam temas como os da ininterrupta revolução dos meios
tecnológicos de informação e comunicação, da exigência universal por direitos
humanos, da pluralidade de atores da política mundial, da pobreza mundial, da
destruição ambiental e de conflitos transculturais localizados.31
24
Ibid., p. 30. A segunda parte do livro de Beck está direcionada ao estudo da pluridimensionalidade, das
ambigüidades e dos paradoxos da globalização.
25
Ibid., p. 38.
26
“Global quer dizer – numa tradução menos abstrata – ‘em vários lugares ao mesmo tempo’, ou seja,
translocal [translocal entendido não como sem localização, mas como aquele que compreende o local:
Ibid., p. 125]” (Idid., p. 90).
27
Ibid., p. 66.
28
A “globalização [como visto pela cultural theory] não significa uma globalização unilateral, automática
e unidimensional – uma das inesgotáveis fontes de mal-entendidos neste debate. Dentro do âmbito da ‘gworld’ trata-se muito mais de uma nova consideração do elemento local”(Ibid., p.90).
29
Obrigação de re-localizar as tradições des-tradicionalizadas dentro do contexto global, do diálogo, do
intercâmbio e do conflito translocais (Ibid., p. 91-92).
30
Ibid., p. 99.
31
Ibid., p.30-31.
13
A sociedade mundial de que se trata nos sentidos deste tipo conceitual,
sociedade esta sem Estado mundial e sem governo mundial, evidencia uma convivência
global desorganizada no seu culto à diversidade e à indeterminação na ausência de um
poder hegemônico ou regime internacional econômico ou político e, ao mesmo tempo,
de ausência de identificação do sujeito com um lugar determinado da modernidade até
hoje cultuado como nacional. Fala-se, então, de uma sociedade topoplural32 nãoterritorial, não-integrada, não-exclusiva, algo bem distinto das concepções do primeiro
tipo conceitual exposto voltadas à descrição de um movimento uniformizador. Estas
últimas têm seu ponto fraco em ignorar as contratendências, como a influência de
culturas não-ocidentais no Ocidente. Como resultado dos sentidos do segundo tipo
conceitual de pluridimensionalidade, há uma tensão constante entre as manifestações da
globalização (sociais, econômicas, ecológicas, políticas, culturais) que se contrapõem
umas às outras. Este sentido serve à análise do próprio olhar sociológico, revelando uma
relativa fragilidade da concepção de sociedades modernas como sociedades apartadas
umas das outras por intermédio de sua clausura nos espaços dos Estados nacionais, de
onde nutrem sua homogeneidade interna assentadas que estão na padronização
normativa e no encararem-se em sua identidade nacional nos estritos limites de um
container social estatal33, dando vazão ao questionamento de uma sociologia da
globalização como aquela não atrelada à identificação territorial nacional, cujas
manifestações ainda incipientes estariam em “pesquisas sobre migração, passando pela
análise internacional de classes, pela política internacional e pela teoria da democracia,
chegando à cultural theory e à sociologia das grandes metrópoles”34.
Este sentimento de sociedade mundial pode ser dissecado em várias
dimensões que o geram: globalização informativa; globalização da informação;
globalização ecológica; globalização econômica do segundo tipo conceitual;
globalização da cooperação ou da produção no trabalho; globalização cultural;
globalização política; globalização das biografias.
O aspecto tecnológico da globalização como sociedade mundial é
traduzido pelo termo globalização informativa como rede global de informação,
representando a perda da soberania de informação por parte dos Estados nacionais. Os
ganhos tecnológicos do século XX derrubaram a possibilidade de monopólio estatal de
fluxo informativo além fronteiras. O exemplo do discurso do ex-presidente soviético
Boris Yeltsin em Moscou, do alto de um tanque, contra os comunistas sublevados, que
não foi transmitido pelas estações de rádio soviéticas, ainda nas mãos dos antigos
comunistas, mas pela CNN via satélite, é revelador.35 Trata-se de conceito centrado no
instrumental da sociedade mundial e não nela própria. É a globalização referida por suas
vias de comunicação mundial independentemente do conteúdo destas informações, seja
televisivo ou por rádio fechado ou difusor, seja por sinais analógicos ou digitais, por
terra, por espectro ou por recursos de órbita, por fax, telefone ou outro meio multimídia.
Este sentido de globalização idolatra os meios de transmissão, que possibilitam a
instantaneidade dos eventos e está intimamente ligado, embora não se confunda, com a
globalização da informação. Enquanto o primeiro revela a globalização como meio de
32
“Vida comunitária transnacional significa proximidade social apesar da distância geográfica. Ou:
distância social apesar da proximidade geográfica” (Ibid., p. 185). Esta novidade, entretanto, somente se
vulgariza com os novos meios de transporte de bens, pessoas e informação.
33
Sobre a chamada teoria do container social, vide: Ibid., p. 52-58.
34
Ibid., p. 56.
35
Ibid., p. 41.
14
interconexão global, este segundo conceito traduz o objetivo de livre circulação da
informação como pressuposto da globalização cultural mais a frente esmiuçada.
As telecomunicações, portanto, apresentam-se como fundamento destes
dois primeiros tipos conceituais – globalização informativa e da informação – e
constituem “o sistema nervoso central da sociedade global”36.
Como parte da chamada sociedade mundial, há a descrição da
consciência ecológica em seu sentido mais amplo principalmente a partir da
comprovação da indivisibilidade entre saúde ambiental (coletiva) e individual,
estampada nas cartilhas de encontros internacionais no termo sustained development
(desenvolvimento sustentável). Por intermédio do recurso à esta globalização ecológica,
chega-se ao conceito de sociedade mundial de risco37 e à criação forçada de uma
subpolítica internacional assentada nas evidências ecológicas de compartilhamento de
destinos38, num incremento da mútua dependência transnacional e, portanto, para além
das fronteiras estatais.
A globalização econômica do segundo tipo conceitual tem sentido
distinto do globalismo exposto anteriormente. Aqui, ela não está denotando a ideologia
norteadora da subpolítica transnacional de predomínio de mercado, mas exatamente
algo logicamente anterior a isto: a consciência social paulatinamente concretizada de
interdependência entre os agentes econômicos, a interdependência destes frente às
políticas de governo, como também a interdependência entre as políticas econômicas
estatais, resultando na visualização de uma sociedade mundial por intermédio da
interdependência de sua dimensão econômica.
Outro aspecto da sociedade mundial, agora menos ligado às idéias e mais
ligado a estrutura, está na globalização da cooperação ou da produção no trabalho.
Decorrente das facilidades de tráfego de dados, paulatinamente o trabalho vai-se
desvinculando do aspecto presencial e a transferência de mão-de-obra torna-se muito
menos onerosa para a cadeia de serviços.39 Plasma-se a consciência de que condições
diferenciadas de custos sociais em outro país podem interferir na decisão empresarial de
fechamento/abertura de unidades em determinados espaços estatais e conseqüente
aumento/diminuição do índice de empregos nacionais.
Um quinto sentido à globalização encarada sob parâmetros sócioculturais está na globalização cultural, que vem associada à transformação das culturas
e representada, de um lado, por uma hipótese de convergência da cultura global, de
símbolos culturais e de formas de convivência, como uma McDonaldização de um
36
AKWULE, Raymond. Global telecommunications: the technology, administration and policies.
Boston: Focal Press, 1992, p. 2. Do original: “the central nervous system of global society”.
37
Por sociedade de risco, entende-se “uma fase no desenvolvimento da sociedade moderna, em que os
riscos sociais, políticos, econômicos e individuais tendem cada vez mais a escapar das instituições para o
controle e a proteção da sociedade industrial” (BECK, Ulrich; GIDDENS, Anthony; LASH, Scott.
Modernização reflexiva. Trad. Magda Lopes. São Paulo: Editora Unesp, 1995, p. 15).
38
Sobre as questões que envolvem esta subpolítica internacional ecológica, vide: BECK, Ulrich. O que é
globalização? Equívocos do globalismo. Respostas à globalização. Trad. André Carone. São Paulo:
Paz e Terra, 1999, p. 77-84.
39
Este exemplo é interessante: “São vinte e uma horas e dez minutos; no aeroporto berlinense de Tegel,
uma voz amável e impessoal anuncia aos passageiros já cansados pela espera que sua aeronave com
destino a Hamburgo finalmente pousou na pista. Quem fala é Angelika B., que está na Califórnia, sentada
diante de seu teclado. O serviço de comunicação do aeroporto berlinense é transmitido online desde a
Califórnia depois das dezoito horas locais, por razões tão simples quanto evidentes: em primeiro lugar, lá
não se paga adicional por serviço noturno, e em segundo, os custos salariais (indiretos) desta atividade
são muito inferiores aos da Alemanha” (Ibid., p. 43).
15
mundo de mercadorias, mediante unificação de estilos de vida, de símbolos culturais e
de formas transnacionais de convivência, enquanto, por outro lado, dita globalização
vem definida pela progressiva apresentação das culturas locais em âmbito mundial,
revelando uma dupla via da globalização, que reconheceria a diversidade e a abertura
recíproca e permitiria ver-se o mundo como uma imagem plural e verdadeiramente40
cosmopolita do outro e de si mesmo. É neste sentido que se enfatiza uma sociedade
mundial sem Estado mundial41, ressalvadas críticas à sua possibilidade, críticas estas
embasadas na necessidade de sistemas uniformes para defesa de direitos humanos
justamente em virtude da construção de uma rede societária desterritorializada.42 A
presença de culturas transnacionais em lugares não partilhados por suas tradições43 é
clara evidência das novas questões trazidas por uma sociedade culturalmente mundial.
No mesmo contexto de orientação do discurso por intermédio da idéia de
sociedade mundial, pode-se falar em globalização política como a afirmação de que as
decisões de determinado Estado nacional têm: a) que buscar sua sociedade fora do
território;44 b) que contemporizar ou reagir à subpolítica descrita no primeiro tipo
40
Introduziu-se aqui o “verdadeiramente” para esclarecer que este “cosmopolita” não está à procura de
nichos culturais para polarização mundial como defende Huntington.
41
Por sociedade mundial sem Estado mundial entende-se “uma sociedade que não está politicamente
organizada e na qual novas oportunidades de poder e de intervenção surgem para os atores transnacionais,
que não possuem legitimidade democrática. Isto significa a abertura de um novo espaço transnacional da
moralidade e da subpolítica, tal como ela se manifesta, por exemplo, nos boicotes de compradores, mas
também em questões de comunicação e crítica transcultural.” (Ibid., p. 58).
42
Entendendo-se a globalização como um processo de edificação de uma rede societária
desterritorializada a partir da antiga compreensão de universalidade de direitos humanos, chega-se a outra
causa da ruptura das fronteiras pela equivalência de preceitos encarnadores de direitos humanos. A partir
deste enfoque, a rede societária desterritorializada (globalização) teria sido impulsionada pelo fator de
justiça e legalidade associado a fatores de segurança internacional e de ordem econômica internacional,
algo bem distinto do que se abordará como real novidade de uma sociedade transnacional. Seguindo-se o
raciocínio, a existência de uma rede societária desterritorializada demandaria a substituição, e não a
extinção, de instituições de controle. No estudo das relações internacionais, seriam testemunhas desta
tendência o surgimento das organizações internacionais voltadas a manutenção de equilíbrio geopolítico
entre nações (sistema westfaliano, representado mais recentemente pela Ligas das Nações e pela sua
sucessora, a ONU) e, principalmente, das instituições que surgiram no âmbito desta corrente nacional,
mas capazes de transcendê-la: os tribunais internacionais, inicialmente militares, que embora apoiados
por Estados, adquirem legitimidade por referenciarem-se a direitos tidos cada vez mais como
supranacionais; e a instituições financeiras internacionais voltadas a estabilização econômica mundial
expressas pelo conhecido Sistema Bretton Woods (Fundo Monetário Internacional, Banco Mundial).
Pode-se ver claramente que esta forma de se encarar a globalização não se confunde com o que vem
sendo exposto como tipo conceitual B, por privilegiar a tendência de instituições globais uniformizadoras.
Para uma exposição que compreende a globalização neste último sentido, vide: ARAGÃO, Eugenio José
Guilherme de. Globalização: um processo histórico de remotas origens e novos impactos. p. 43; 47; 51.
In: Ser Social, Brasília, Departamento de Serviço Social/UnB, n. 8, 1o semestre de 2001, p. 43-58.
43
O exemplo a seguir pertinente a uma cultura africana transnacional é esclarecedor: “Do ponto de vista
daqueles que elaboram as danças e as máscaras do ‘carnaval africano’ em Nottingham, a África já não
possui um lugar geográfico. Para eles, a África designa uma visão, uma idéia que pode ser derivada a
partir de uma estética negra. E isto não serve, em última análise, ao objetivo de fundar, sustentar e
renovar uma identidade nacional africana para os negros na Grã-Bretanha. Esta (anti-) África é, no
sentido estrito da palavra, uma ‘comunidade imaginada’ (imagined community). Ela serve para romper e
anular a sensação de estranhamento dos grupos afro-caribenhos na Inglaterra. Portanto, ‘existe’ uma
África em Nottingham.” (BECK, Ulrich. Op. cit., p. 60).
44
Esta característica de manifestação política nacional para fora do Estado, que não implique
convencimento em relações tradicionalmente internacionais – e.g. política externa norte-americana –, é
visível na propaganda política mexicana em território norte-americano em face do peso político das
associações de migrantes que formam redes de apoio mediante oferecimento de serviços especializados,
16
conceitual; c) que reconhecer que o macrorregionalismo convive com
microrregionalismos necessários à manutenção da identidade cultural e à defesa de
interesses locais nas instituições centrais macrorregionais, pois o movimento de
superação de fronteiras nacionais ligar-se-ia a movimentos de regionalização e de subregionalização, como ocorre na União Européia.
Finalmente, a globalização das biografias traz a visão da globalização
nos seus efeitos individuais, na topopoligamia transnacional45, que faz com que as
contradições expressas na convivência global-local sejam evidenciadas não somente do
lado de fora da vida das pessoas em aspectos econômicos, políticos, ou de consciência
social, mas no centro da vida de cada um, que deixa de ser localizada simplesmente no
âmbito geográfico territorial nacional e se apresenta como assentada em distintas
localidades transnacionais. Este sentido é intimamente dependente dos discursos de
novidade do mass media, de superação do tempo e do espaço a partir de uma
programação de veiculação de espaços e tempos escolhidos e reproduzidos em escala,
fazendo com que residir em um lugar não signifique mais conviver nele e conviver em
um lugar não signifique ter nele domicílio. A globalização das biografias se utiliza de
uma vida como momento de síntese entre mundos antes separados pelo nacionalismo
metodológico da primeira modernidade, em que “sociedade e Estado cobrem um
mesmo espaço e são pensados, organizados e vivenciados como sendo um mesmo
limite”46.
1.3 GLOBALIZAÇÃO: CONCEITOS IMPRECISOS
A variedade de significados para os dois tipos conceituais do termo
globalização resulta em certos exageros quando dele se projetam conexões causais. O
ambiente propício a isto está localizado nos sentidos de globalização voltados à crítica
de orientações políticas nacionais e internacionais. No afã de posicionar-se
ideologicamente contra este ou aquele programa de governo, tem-se a pretensão de
contaminar este discurso político com aparência científica e o que se consegue atingir,
assim, por exemplo, é uma confusão entre históricos de questões econômicas com
históricos de conformação de direitos humanos na proteção de esferas individuais. Uma
demonstração de imprecisão que obscurece os sentidos de globalização está na
afirmação do conceito de globalização como forma especial de aceleração da
mobilidade mundial, de que a globalização seria a ruptura da “histórica aliança entre
economia de mercado, Estado do Bem-Estar Social e democracia, que legitimou e
integrou, até o presente momento, o modelo ocidental e o projeto do Estado nacional
para a modernidade”47. A predominância do sentido econômico atribuído à globalização
acaba por transformá-la em panacéia aglutinadora de quaisquer argumentos mesmo que
não interligados entre si. Em termos jurídicos, por exemplo, é o Estado do Bem-Estar
Social que rompe com a lógica de direitos absolutos supranacionais, trocando-os por
grupos de solidariedade, assistência advocatícia etc, grupos responsáveis pelo desenvolvimento de
espaços sociais transnacionais. (Ibid., p. 62-64). É sintomática a inexistência sequer de estudos que
indiquem algo semelhante na relação turcos-alemães.
45
Ibid., p. 135-136.
46
Ibid., p. 121.
47
Ibid., p. 25-26.
17
expressões normativas intra-nacionais dependentes do Estado nacional, transformando a
leitura dos enunciados normativos em expressões de atributos sempre relativos,
objetivos e caracterizados pela exigência de prestações positivas estatais de índole
concreta e de índole normativa para definição de suas extensões. Sob o ponto de vista
das transformações normativas e de concepção dos direitos, há nítido destaque, a partir
da adoção de modelos constitucionais analíticos petrificadores de núcleos essenciais de
direitos, entre a categorização dos direitos e a postura estatal de intervenção ou
abstenção frente ao mercado, muito embora não se esteja querendo com isso afastar a
íntima relação destas opções com os modelos normativos de distribuição de
competências estatais, estes sim, pertinentes à discussão de fundo sobre a transformação
da política de bem-estar. Este destaque entre aspectos jurídicos e econômicos da
globalização por si só faz aflorar o mal da tendência discursiva uniformizadora de
perspectivas trazida sob o viés do primeiro tipo conceitual ligado a aspectos puramente
econômicos de predomínio mundial do mercado.
Enfim, o termo globalização serve para facilitar afirmações ao remeter a
uma pluralidade de fatores em um único enunciado e justamente por isso acaba gerando
imprecisão do que se está atacando. As perguntas que o leitor é obrigado a fazer a cada
frase referida à globalização é: que origem histórica pauta a idéia de globalização
emanada do autor?; que sentido de globalização, dentre inúmeros, está sendo utilizado?;
que efeito de que conceito de que origem se trata? Isso, por si só, não invalida a
utilização do termo, mas certamente deposita no autor o ônus de esclarecer
antecipadamente com qual, ou, normalmente, com quais conceitos estará municiando
seu discurso.
1.4 GLOBALIZAÇÃO: PONTOS EM COMUM
A despeito dos excessos na utilização do termo globalização, este tem
certos índices comuns capazes de situar o leitor em pressupostos discursivos. A ruptura
das fronteiras dos Estados nacionais bem como a negativa de que se vive e interage
dentro dos espaços fechados e mutuamente delimitados destes Estados é uma constante
verificável nos diversos significados dos tipos conceituais sintetizados anteriormente. O
pressuposto comum é o da desnacionalização do Estado com o questionamento da
uniformização societária que o embasa. Em sentido amplo, globalização seria a
experiência cotidiana da ação sem fronteiras no espectro de espaços vivenciais –
economia, informação, ecologia, técnica, cultura, sociedade civil –, que transcendem as
distâncias em formas de vida transnacionais. Trata-se do desencaixe falado por Giddens
entre a atividade social e os contextos localizados.48
48
As três fontes, que, segundo Giddens, são dominantes do processo de radicalização da modernidade,
estão expressas: na separação entre tempo e espaço; no desenvolvimento de mecanismos de desencaixe;
na apropriação reflexiva do conhecimento. Entende-se por desencaixe dos sistemas sociais o
“deslocamento das relações sociais de contextos locais de interação e sua reestruturação através de
extensões indefinidas de tempo-espaço” (GIDDENS, Anthony. As conseqüências da modernidade.
Trad. Raul Fiker, São Paulo: Editora Universidade Estadual Paulista, 1991, p. 29). A globalização é,
então, definida como “a intensificação das relações sociais em escala mundial, que ligam localidades
distantes de tal maneira que acontecimentos locais são modelados por eventos ocorrendo a muitas milhas
de distância e vice-versa.” (Ibid., p. 69).
18
Aqui uma distinção importante para os fins deste estudo. Quando se fala
em neutralização da distância como causa da queda das fronteiras, esta não está
localizada no colonialismo, mas no século XX, por intermédio do domínio tecnológico
de transporte de bens e de informação – globalização informativa –, gerando o
reconhecimento de uma história artificialmente temporizada49; gerando a radicalização
da reflexividade50, que surte efeito na história das idéias, pois a consciência recente
desta transnacionalidade na mídia, no consumo, no turismo, no trabalho, no capital, na
comunidade, nos riscos ecológicos, que, por óbvio são todos fenômenos antigos, abrem
espaço para a percepção do outro transcultural na própria vida das pessoas, que se
transformam em terrenos férteis à circulação de uma indústria cultural global.
Portanto, há pontos relevantes decorrentes da sistematização dos sentidos
atribuídos ao termo globalização para a discussão das ciências sociais, que ultrapassam
as reações multifacetadas a seus inúmeros significados e vão além dos aspectos delas
decorrentes pertinentes à configuração da política e da economia – primeiro tipo
conceitual com suas inúmeras discussões sobre temas como politização do mercado,
desnacionalização da economia, exacerbação do fosso de distribuição de renda,
possibilidade de exportação, por empresas transnacionais, de postos de trabalho, dentre
outros – e às reações variadas de repúdio e prenúncio de cataclismas, de
renacionalização ou mesmo de otimismo no conserto dos malefícios causados pelo
modelo nacional de Estado, todas explicadas por um novo estado de polarização antes
centrado em bases territoriais e ideológicas relativamente bem definidas – direita x
esquerda51 – e agora fixado nos movimentos pró e contra-globalização em todos os seus
sentidos. Embora plurifacetário e muitas vezes redundante, o termo globalização vem
plasmando sentidos capazes de aguçar o esforço de distinção entre fenômenos
semelhantes.
Se não é possível identificar um único sentido para globalização, como
poucos termos o detém, poder-se-ia argumentar que seria ao menos possível identificar
o crescimento científico em focalizar seus significados, embora misturados
assistematicamente em um mesmo termo, desde que capazes de funcionar como pano de
fundo a uma comunicação, mas é precisamente esta postura que leva à utilização sem
pudor da globalização para todo tipo de crítica, elegendo-a como culpada do estado de
coisas e de todas as coisas não desejadas no presente; é a personificação do mal não
49
“Os diferentes tempos nas diversas regiões do mundo são compactados num único tempo mundial
normatizado e normativo, o que não se dá apenas porque a simultaneidade de eventos não-simultâneos
pode ser produzida pela mídia, tornando assim todo evento não-simultâneo e talvez local ou regional uma
parte da História Mundial. Isto se dá também porque a simultaneidade sincrônica se transforma em nãosimultaneidade diacrônica, podendo desta maneira produzir uma cadeia artificial de causas e efeitos”
(Ibid., p. 48).
50
“A reflexividade da vida social moderna consiste no fato de que as práticas sociais são constantemente
examinadas e reformadas à luz de informação renovada sobre estas próprias práticas, alterando assim
constitutivamente seu caráter” (GIDDENS, Anthony. Op. cit., p. 45).
51
Norberto Bobbio defende a persistência da atualidade da distinção entre direita e esquerda. Ao contestar
dita afirmação de ultrapassagem da dicotomia, permite que a díade direita-esquerda seja factível inclusive
para fora dos territórios nacionais e, portanto, útil à classificação ideológica dos movimentos de
globalização por permitir situá-los em meio a um espaço de maior ou menor aproximação aos ideais da
direita ou da esquerda à semelhança da circunstância comum entre Bobbio e alguns de seus críticos de
que cada cidadão se apresentaria como “um sujeito político ‘transversal’ com respeito ao esquema axial
direita-esquerda” (BOBBIO, Norberto. Direito e esquerda: razões e significados de uma distinção
política. Trad. Marco Aurélio Nogueira, São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista (UNESP),
1995, p. 22).
19
mais em nações, mas em idéias, apesar de sempre estarem por trás as nações que
albergam os avatares da globalização. Essa postura de atingidos por uma maquinação
internacional – ou mesmo supranacional –, faz com que tais discursos se desonerem de
encontrar os problemas nacionais no interior da própria nação e dos seus valores
historicamente construídos. O globalismo não pode servir de desculpa à paralisia
política e à procura pelos outros lados da questão dita global. A idéia por trás de se taxar
a globalização como causa difusa de todos os problemas é que leva à descrença da sua
utilidade científica muito em virtude dos malabarismos mentais que o emprego
desordenado de vários sentidos díspares faz transparecer.
Pelo contrário, o esforço que se deve fazer para encarar seriamente o que
há de novo no termo globalização pode ser encontrado na detecção de raciocínios
capazes de iluminar de uma nova forma os objetos da pesquisa social. É nesta direção
que se pode, por exemplo, detectar a importância do conceito de globalização cultural
associado ao de globalização da informação e ao de simultaneidade informativa ou
globalização informativa52 para a compreensão do diálogo inter- e intra-cultural
iniciado com a descoberta do Novo Mundo. A sociedade mundial exposta pode servir
de parâmetro na definição do outro não como um inimigo, ou amigo, ou inferior, ou
superior, mas como oportunidade de crescimento por meio do auto-conhecimento, por
meio da aproximação de olhares interculturais. Seria o termo que permitiria a
persistência desta temática antiga do diálogo intercultural; permitiria sua
contextualização no olhar presente de compartilhamento de destinos.
“Uma caricatura mostra os conquistadores espanhóis
adentrando o Novo Mundo com suas armas reluzentes.
‘Viemos até aqui’, diz o balão, ‘para conversarmos com
vocês sobre Deus, verdade e civilização’. E um grupo de
nativos perplexos responde: ‘Pois bem, o que o senhor deseja
saber?’ (...) A acidez deste humor se deve ao fato de que o
observador sabe mais do que aquilo que a situação revela,
mas o cartunista brinca com esta consciência. O observador
sabe qual o futuro real desta imagem. Ele sabe das
destruições e do derramamento de sangue que vitimou o
mundo graças ao despotismo da consciência que fechou os
olhos para o estrangeiro.”53
O conceito de sociedade mundial somente pode ser exposto quando os
seus integrantes percebem a si mesmo, embora diferentes e em meio a relações
específicas, partícipes de um mesmo mundo de forma reflexiva. A sociedade mundial
seria, portanto, um horizonte mundial que se abre quando a comunicação comprova sua
realidade – conceito de globalização informativa. “Por esta medida, a descoberta da
América, as Cruzadas ou a política cosmopolita do século XIX ainda não teriam sido
acontecimentos sócio-mundiais”54 e eis aqui um parâmetro para se encarar ditos
fenômenos. Por isso, a introdução deste novo olhar reflexivo pelo viés de um dos únicos
sentidos realmente inovadores da globalização pode ajudar a revelar significados
obscurecidos pela ausência de transparência mundial daquele diálogo intercultural do
qual somos todos produtos e que efetivamente impossibilita a sobrevivência de um
52
Sobre as conexões entre industrialismo, transformação das tecnologias de comunicação, reflexividade,
desencaixe de sistemas sociais e globalização cultural, vide: GIDDENS, Anthony. Op. cit., p. 81.
53
BECK, Ulrich. Op. cit., p. 142-143.
54
Ibid., p. 159.
20
separatismo fundado na idéia utópica de enclave – o Eldorado de Cândido55 – ou ilha
paradisíaca – a ilha de Utopia de Hitlodeu56 –, que flutuaria “muito alta, no meio do mar
violento de crueldades, misérias e opressões”57, capaz de levar o ser humano à virtude
pelo seu isolamento, como se pudéssemos, em face destas conquistas de ruptura da
artificialidade das fronteiras não por uma economia mundial, mas por uma consciência
compartilhada no tempo e no espaço de uma sociedade mundial reflexiva, ver o outro
sem enxergarmos a nós mesmos.
Tais considerações não demonstram outra coisa senão o caráter central
do aspecto telecomunicacional no contexto da globalização como sociedade mundial.
Ciente do papel da globalização informativa e da globalização da informação no
conjunto do segundo tipo conceitual exposto – o de sociedade mundial –, a política
pública de telecomunicações de um país tem, potencialmente, o poder de, interferindo
no destino e na destinação dos serviços de telecomunicações e do meio
telecomunicacional, fazer transparecer na consciência política do microrregionalismo da
sociedade nacional a virtude política como elemento diretivo do encontro de culturas e
de sua permanência na sociedade mundial.
Para os fins desta tese, será a liberdade política o elemento compartilhado
em uma sociedade pautada em diversidade cultural, mas unida politicamente em relação
ao pressuposto da convivência mundial. Para comparação de modelos de políticas
públicas nacionais de telecomunicações, é necessária a eleição de uma âncora
conceitual. Para os fins desta tese, ela estará na detecção do exercício desta liberdade
nas estruturas nacionais de decisão política. Esta virtude política será tratada no capítulo
seguinte.
55
VOLTAIRE, François Marie Arouet de. Cândido. 2aed., trad. Maria Ermantina Galvão, São Paulo:
Martins Fontes, 1998, p. 73-86.
56
MORUS, Thomas. A Utopia. 3aed., trad. Ana Pereira de Melo Franco, Brasília: Editora Universidade de
Brasília, 1992. A defesa que Morus faz de uma filosofia mais sociável e prática de reconhecimento do
teatro do mundo, pode ser interpretada, no diálogo com Rafael Hitlodeu, como a proposta de um
equilíbrio a ser alcançado na Europa a partir da visualização de um novo mundo capaz de sensibilizar,
pela perfeição, o movimento de transformação européia, podendo-se descrever Utopia como “um dos mais
terríveis libelos revolucionários do século dezesseis” (FRANCO, Afonso Arinos de Melo. O índio
brasileiro e a Revolução Francesa: as origens brasileiras da teoria da bondade natural. 3aed., Rio de
Janeiro: Topbooks, s/a, p. 135). A Utopia, aqui, é o ideal inalcançável, que permite revelar os defeitos de
convivência social impregnados na prática européia. Embora esteja representado na cultura ocidental
como ideal isolado em um espaço e garantido por seu hermetismo, o foco de Morus parece muito mais
voltado ao melhoramento moral do povo auxiliado por instituições pensadas e assimiladas naquilo que
elas revelam de factível numa dada realidade social bem presente.
57
Ibid., p. 139.
21
2 MODERNIDADES TECNOLÓGICA E LIBERTÁRIA E A
WELTANSCHAUUNG DE PREVALÊNCIA DA
LIBERDADE POLÍTICA: ELEMENTOS PARA O
ENCONTRO DA PERSONA TELECOMUNICACIONAL
2.1 INTRODUÇÃO
Abordada a relação entre os conceitos de globalização informativa,
informacional e cultural e de sociedade mundial reflexiva, deve-se dar mais um passo
para precisão conceitual e para orientação teleológica desta tese.
A partir da relação teórica entre os conceitos de modernidade tecnológica
e de modernidade libertária, propõe-se ressaltar a centralidade da globalização
informativa para superação da tradicional antinomia entre as duas modernidades.
Procura-se, neste capítulo, identificar a relação teórica entre o momento
tecnológico e o momento de liberdade política, ambos de representação da
Modernidade, a partir do pressuposto de que, com o Liberalismo58, a modernidade
passou a ser encarada como a Weltanschauung do mundo moderno.
A importância de uma sociologia histórica da modernidade entendida
como base de referenciação para construções teóricas voltadas à identificação de
propostas de conhecimento sobre o tema pesquisado é explicitada no chamado momento
a-teórico de Mannheim, segundo o qual, ao se procurar implementar análises cognitivas
de objetivações estéticas, religiosas ou éticas, enfim, de assuntos culturais e
históricos59, de fenômenos culturais capazes de envidenciar entidades sociais (allembracing entities), anseia-se por conhecimento teórico sobre algo que já possuímos;
sobre o dado; sobre algo a-teórico; sobre a substância primordial da experiência
(primordial stuff of experience) – a Weltanschauung – como ponto de partida de toda
postulação teórica. Ao se eleger o pensamento como um meio universal ou ferramenta,
que provê a linguagem pela qual ela mesma pode ser denunciada60, toma-se uma atitude
incompatível com uma postura contemplativa subjetiva de percepção da forma (formperception), inibindo-se, com a atitude metódica racionalista, uma compreensão
abrangente por cingir as entidades sociais em domínios precisamente delineados e
separados. Estas fronteiras, entretanto, não são naturais, pois decorrem tão-somente de
aproximações teóricas à cultura61, ou seja, daquilo descrito por Apel como “abstrações
constitutivas do objeto”62, que evidenciam “uma ‘teoria’ parcelada no controle das
58
Aqui entendido como o “triunfo da estratégia de reforma racional e consciente visando o inevitável
aperfeiçoamento da estrutura política” (WALLERSTEIN, Immanuel Maurice. Após o liberalismo: em
busca da reconstrução do mundo. Trad. Ricardo Anibal Rosenbusch, Petrópolis, RJ: Vozes, 2002, p.
248).
59
MANNHEIM, Karl. On the interpretation of Weltanschauung. p. 8. In: From Karl Mannheim. New
York: Oxford University Press, 1971, p. 8-58.
60
Ibid., p. 15.
61
Ibid., p. 9.
62
APEL, Karl-Otto. Transformação da filosofia. Vol. I, trad. Paulo Astor Soethe, São Paulo: Edições
Loyola, 2000, p. 14.
22
ciências particulares, como que distribuída em diversos lotes”63. Os métodos eleitos
pelas disciplinas culturais64, tal como ocorre com as ditas ciências naturais, predefinem
a medida dos respectivos objetos de análise e, portanto, somente a constante
referenciação do pesquisador a sua visão de mundo (Weltanschauung) de uma época – o
espírito de seu tempo (Zeitgeist) – lhe permite avaliar a pertinência de seu objeto.
“Mesmo uma disciplina especializada dentro das
ciências culturais não se pode permitir perder de vista a
totalidade pré-científica de seu objeto, já que ela não pode
compreender até mesmo o seu estreito tópico sem recorrer
àquela totalidade. Esta é a principal razão porque os estudos
históricos da cultura não se satisfazem com um método
especializado, analítico de pesquisa.”65
Ressalta-se, entretanto, que não se está, com isso, adotando a opinião de
Mannheim, da superioridade do reino teórico sobre os reinos estético, religioso ou
ético, pois a condição de preeminência do conhecimento teórico sobre as outras formas
de percepção da substância primordial da experiência – seja esta estética, religiosa ou
ética – afigura-se ela mesma como opção a-teórica. Ela, em si, é uma Weltanschauung
– algo que “descansa fora da província da teoria”66 –, portanto, insuscetível de
comprovação no campo teórico que, por natureza, é (de)limitado. A própria
argumentação de Mannheim, que pretende identificar a peculiaridade da natureza do
pensamento teórico na exclusiva pretensão de sobreposição de sua lógica em lugar das
demais formas de apreensão da experiência67, carece de fundamentação teórica.
A partir destas constatações, a questão crucial para a metodologia das
ciências culturais está em ver-se ciente das limitações que projeções – disciplinas –
derivadas de campos recortados da experiência impõem ao pesquisador e,
principalmente, questionar-se sobre a pertinência, mediante enfrentamentos constantes,
das propostas teóricas com o seu correspondente substrato a-teórico – o batimento dos
momentos racional e irracional68, aqui entendido o momento racional como o modo de
conhecer ocidental, kantiano, analítico e metódico pré-delimitado por contextos
irracionais do ser-aí (Dasein) heideggeriano –, propostas estas que sejam capazes de
traduzir sua Weltanschauung não para confirmá-la, mas para que se possa preservar a
análise cognitiva em patamares dignos de ombrear com as demais formas de percepção
da substância primordial da experiência, por intermédio do reconhecimento de que
formulações teóricas, que isolam em campo metódico visões da cultura, são capazes de
darem frutos por tornarem possível a resposta a questões passíveis de generalização.
Mais do que isso, a evidência de Dilthey de que todo conhecimento é empírico, mas
“está originariamente conectado e validado por nossa consciência (dentro da qual a
63
Id., ibid.
MANNHEIM, Karl. Op. cit., p. 10.
65
Ibid., p. 11. Tradução livre do original: “even a specialized discipline within the cultural sciences
cannot afford to lose sight of the pre-scientific totality of its object, since it cannot comprehend even its
narrow topic without recourse to that totality. That is the real reason why the historical studies of culture
could not rest content with a specialized, analytic method of research”.
66
Ibid., p. 12.
67
Ibid., p. 14.
68
MANNHEIM, Karl. Rationalism v. Irrationalism. In: From Karl Mannheim. New York: Oxford
University Press, 1971.
64
23
empiria ocorre)”69, revela a possibilidade de se ver o mundo humano como “o maior
fenômeno do mundo empírico”70 e, portanto, passível de ser teorizável mediante
conexões regulares. A consciência de que o “homem é o cidadão de muitos mundos ao
mesmo tempo”71 abre o importante espaço de formulação teórica esclarecedora das
simplificações experienciais produtoras de nossos mundos. As objetivações da cultura,
como elas se apresentam imediatamente aos olhos do pesquisador, “são veículos de
sentido e, portanto, pertencem a esfera racional (embora não à teórica!)”72, servindo
como meios de revelação da Weltanschauung como unidade global que repousa acima e
por detrás de todas as realizações de sentido (objetivações), não cabendo a uma
proposta teórica séria desvendar dita unidade global, mas traduzi-la(s) o melhor possível
no constante reconhecimento de sua infinitude e da perda de sentido que uma tradução
unifocal de uma unidade global sempre gera.
Por isso, este capítulo se propõe ainda a evidenciar, a partir de uma
possível aproximação do objeto pesquisado – os modelos brasileiro e estadunidense de
telecomunicações –, que a relação entre as modernidades tecnológica e libertária
autorizada pelo conceito de globalização informativa representa a preservação de um
espaço público complexo de interação de comunidades discursivas ligado aos conceitos
de globalização informacional e cultural com seu correspondente reflexo no espaço
geográfico dos Estados nacionais, apresentando a liberdade política como um conceito
central de comparação de políticas públicas telecomunicacionais.
2.2 MODERNIDADES TECNOLÓGICA E DA LIBERTAÇÃO
O conceito totalizante de Modernidade73, aqui entendido como a
aceitação da normalidade da mudança a partir do pressuposto do progresso inexorável
do mundo, apresenta-se insuficiente aos fins de precisão dos seus momentos. Tal visão
unidimensional acaba por impor o preconceito de uniformidade do período que se
estendeu de meados do século XV até, ao menos, o final do século XX. A própria
postura de identificação do ano de 198974 (queda do Muro de Berlim) como indicador
do fim da assim chamada geocultura (ideologia global) moderna é enganadora, pois faz
tábula rasa das diferentes modernidades em disputa por apresentar-se como a visão de
mundo moderna.
Partindo-se, pelo contrário, de concepções de modernidade –
representações conceituais do moderno –, pode-se verificar que sob o fenômeno
69
DILTHEY, W. An introduction to the human studies. (Prefácio, fragmento [1883]), p. 161. In:
RICKMAN, H. P. Dilthey: selected writings. Londres: Cambridge University Press, 1979, p. 159-167.
70
Ibid., p. 165.
71
MANNHEIM, Karl. On the interpretation of Weltanschauung. p. 14. In: From Karl Mannheim. New
York: Oxford University Press, 1971, p. 8-58.
72
Ibid., p. 17.
73
Modernidade aqui entendida como a “impressão de que o novo é bom e desejável, porque vivemos num
mundo de progresso em todos os níveis da nossa existência” (WALLERSTEIN, Immanuel Maurice. Op.
cit., p. 236). No âmbito político, significa a aceitação do “valor do novo e [da] normalidade da mudança”
(Ibid., p. 248).
74
Representativo, segundo Wallerstein, do fim de uma era político-cultural de “espetacular realização
tecnológica” (Ibid., p. 9).
24
aparentemente monolítico da Modernidade evidencia-se a convivência tensa de ao
menos duas ideologias75: a tecnológica; e a libertária.
De um lado, a modernidade tecnológica expressa a crença generalizada
da inexorabilidade do avanço do conhecimento técnico; de outro lado, o triunfo da
humanidade contra os privilégios vem apresentado como o espírito do tempo da
modernidade da libertação. Estas tendências viram-se, em teoria, conciliadas até a
Revolução Francesa, quando as incompatibilidades entre as duas modernidades
tornaram-se evidentes no antagonismo liberal76 entre um modelo de avanço tecnológico
metódico-causal circunscrito por um sistema capitalista internacional e a necessidade
de contenção das chamadas classes perigosas. A partir de então, a modernidade da
libertação passa a ser vista como uma conseqüência do crescimento da riqueza e a
escolha pela precedência de um dos lados – tecnológico x libertário – revela uma
questão crucial da política atual.
Esta questão foi identificada claramente por Tocqueville, cujo
pensamento ainda visível em sua época invertia os termos de hoje da precedência da
questão social sobre a questão política. O capítulo do qual foi tirada a citação a seguir é
ainda mais evidente e é intitulado ‘Como os franceses quiseram reformas antes de
querer liberdade’:
“Vejo que quando os povos são mal dirigidos
concebem com facilidade o desejo de governar-se a si
próprios, mas esta espécie de amor da independência gerado
por certos males particulares e transitórios trazidos pelo
despotismo nunca é durável; [os franceses] pensavam amar a
liberdade quando na realidade só odiavam o dono. O que os
povos feitos para serem livres odeiam é o próprio mal da
dependência (...) É verdade que com o tempo a liberdade
sempre traz, a quem sabe retê-la, uma vida remediada, o bemestar muitas vezes, a riqueza. Existem porém tempos onde ela
perturba momentaneamente o uso de tais bens e outros onde
só o despotismo permite seu gozo transitório. Os homens que
nela só apreciam estes bens nunca a conservaram por muito
tempo.”77
É bem verdade que a suposição de que a Modernidade possa ser expressa
em dois momentos reciprocamente excludentes traduz já, em si, uma opção conceitual
75
As ideologias são aqui inseridas como as respostas possíveis à Weltanschauung (visão de mundo)
moderna pautada pela normalidade da mudança; seriam “programas políticos destinados a lidar com a
modernidade” (Ibid., p. 86). O aprofundamento das respostas tecnológica e libertária, entretanto, não
significa resumir-se a visão de mundo moderna a tais coordenadas, tratando-se de mera opção de análise.
Não se olvida a possibilidade do mesmo fenômeno ser visto como abrangente de agora três correntes que
se formaram em seu interior e a partir de sua afirmação fundamental (a normalidade da mudança), como,
por exemplo, o da convivência ou do conflito entre as três grandes ideologias do século XIX:
conservadorismo, liberalismo e socialismo. Para uma análise mais aprofundada deste tópico, conferir:
WALLERSTEIN, Immanuel Maurice. Três ideologias ou apenas uma? A pseudobatalha da
modernidade. In: WALLERSTEIN, Immanuel Maurice. Op. cit., p. 81-100.
76
A postura liberal originária da Revolução Francesa de “convicção de que para a história seguir seu curso
natural era preciso engajar-se num reformismo consciente, contínuo e inteligente” (Ibid., p. 85) valorizava
a modernidade da tecnologia como representação mais perfeita do pensamento metódico-científico-causal
de mundo, mas temia a exacerbação da modernidade da libertação acusada de impor um ritmo de
mudanças demasiado acelerado (Ibid., p. 136 de seguintes).
77
TOCQUEVILLE, Alexis de. O Antigo Regime e a Revolução. 4ªed., trad. Yvonne Jean, Brasília:
Editora UnB, 1997, p. 160.
25
delimitadora. Por isso, tal opção, a partir deste ponto da análise, é colocada sob suspeita
no banco dos réus.
2.3 LIBERTAÇÃO E LIBERDADE: A HERANÇA DAS
REVOLUÇÕES
Há profundas diferenças entre os aspectos libertários atribuídos às
revoluções liberais da segunda metade do século XVIII.
A noção de revolução como o ato de fundação, no decurso da história, de
um novo princípio – de um hiato temporal – revela a preeminência do valor da novidade
própria à Modernidade. No entanto, a esta idéia se agregou um ganho conceitual de que
a revolução não se resume à libertação da tirania78 porque ligada intrinsecamente a uma
noção distinta: a de liberdade.79
Liberdade e libertação são fenômenos desvinculados, enquanto não se
afiguram adjetivações de revolução. A libertação, sob este enfoque, é o livramento do
indivíduo da opressão, da tirania, do despotismo de governos que exorbitaram dos seus
poderes, que infringiram direitos do sujeito-enquanto-sujeito. A liberdade, por sua vez,
é algo mais; é a condição de acesso de todos a um modo político de vida, que envolve o
rol de direitos do sujeito-enquanto-cidadão.
Destas, é a libertação que tem o seu sentido alterado para ver-se
vinculada à liberdade na medida em que os ditos direitos civis do sujeito-enquantosujeito, ou seja, os direitos de cunho negativo não se apresentam com o caráter de
novidade exigido para qualificação da modernidade da revolução. Os direitos civis não
78
A tirania é aqui entendida como o banimento dos cidadãos do espaço público. “A tirania, tal como as
revoluções a vieram entender, era uma forma de governo em que o governante, mesmo que governasse de
acordo com as leis do reino, tinha monopolizado em seu proveito o direito de ação, banira os cidadãos do
domínio público para a intimidade das suas próprias casas, exigindo-lhes que se ocupassem apenas dos
seus assuntos privados. A tirania, por outras palavras, privou as pessoas da felicidade pública, embora não
necessariamente do bem-estar privado, enquanto uma república concedia a todo o cidadão o direito a
tornar-se ‘um participante no governo dos assuntos a resolver’, o direito de ser visto em ação (...). [A
espera pelo momento de persuadir e ser persuadido] o aplauso, a expressão de aclamação, a ‘consideração
do mundo’” (ARENDT, Hannah. Sobre a revolução. Trad. I. Morais, Lisboa: Relógio D’Água Editores,
2001, p. 159-161. [Original: On revolution, 1963]).
79
A revolução, enquanto acontecimento histórico cronológico, é tida como o momento de libertação do
antigo capaz de abrir espaço para a fundação de um novo começo; “um novo princípio” (Ibid., p. 24).
Neste sentido, entende-se a revolução como o “hiato lendário entre o fim e o início, entre um já não e um
ainda não” (Ibid., p. 254), levando à impropriedade de atribuição de data à sua ocorrência, pois se assim
fosse, estar-se-ia fazendo o impossível, atribuindo-se “uma data ao hiato no tempo em termo de
cronologia, ou seja, de tempo histórico” (Idem, ibidem). Por outro lado, em termos de compreensão
histórica, as revoluções do século XVIII agregaram ao conceito revolucionário o princípio que nela
encontrou seu começo: “o aparecimento da liberdade: em 1793, quatro anos depois da eclosão da
Revolução Francesa, numa altura em que Robespierre pôde definir o seu governo como ‘o despotismo da
liberdade’ sem recear ser acusado de proferir paradoxos, Condorcet resumiu aquilo que todos já sabiam.
‘O adjectivo revolucionário só se pode aplicar à revolução cujo objectivo seja a liberdade’” (Ibid., p. 33).
Portanto, utilizando-se de uma visão compreensiva, a idéia de que a liberdade e a experiência de um novo
princípio devem coincidir tornou-se essencial para a definição das revoluções modernas, não bastando
para a caracterização da revolução os adjetivos de novidade, começo e violência (Ibid., p. 55).
26
agradam por seus próprios encantos.80 Por seu aspecto negativo – de limitação da
ingerência estatal nas esferas jurídicas dos indivíduos –, depositam sua fecundidade no
espaço que abrem para a ação política; para o fazer-se partícipe da cultura humana. O
discursar, o decidir, o negociar, o pensar e o persuadir somente se apresentam como
verdadeiras realizações do ser para com o contexto de sua sociabilidade quando esta
sociabilidade é aberta à sua persona-cidadã. Em virtude destas considerações, enquanto
adjetivações das revoluções modernas, os termos libertação e liberdade vêem-se
interdependentes, embora seja a liberdade a que ostente o valor diretivo do conceito
revolucionário.
“Para descrever o fenômeno da revolução, a violência é tão
pouco adequada como a mudança; só podemos falar de
revolução quando ocorre mudança no sentido de um novo
começo, onde a violência é empregada para constituir uma
forma de governo completamente diferente, para conseguir a
formação de um novo corpo político onde a libertação da
opressão visa, pelo menos, a constituição da liberdade”81
A dificuldade de compreensão da dissociação entre as modernidades
tecnológica e libertária, após a Revolução Francesa, decorre exatamente da ambigüidade
do conceito de modernidade da libertação. Enquanto ela significar o triunfo da
humanidade contra os privilégios do sujeito-como-sujeito, ou, em outras palavras, do
sujeito encarado em sua versão integral como titular dos tradicionais direitos civis de
status negativus, ela não entrará em choque com a modernidade tecnológica, pelo
contrário, estará em sintonia com ela por garantir os espaços de iniciativa individual.
Somente sob o enfoque da modernidade da libertação como o triunfo da humanidade
contra os privilégios do sujeito-enquanto-cidadão é que a Revolução Francesa marca a
ruptura entre as duas modernidades. O pensamento da contra-revolução passou a
satisfazer-se com a representação política como o momento mais próximo da confusão
possível entre legisladores e legislados e a dificuldade de persistência dos ideais
revolucionários de introdução de um novo modo político sucumbiram às demandas reais
relativas à questão social francesa: a “abdicação da liberdade perante a ditadura da
necessidade”82, algo que demorou mais tempo a ser implantado no modelo norteamericano, mas que finalmente se concretizou como uma ditadura da necessidade
artificialmente criada.83
Os dois sentidos revelados da libertação permitem dizer que foi a
urgência da libertação do jugo da necessidade que guiou a Revolução Francesa,
enquanto foi a libertação da tirania e a fundação da liberdade que regeu, ao menos em
um primeiro momento, a Revolução Americana.84 A libertação da necessidade sem o
seu vínculo moderno necessário à constitutio libertatis levou Roberspierre a chamar de
virtude o esforço de solidariedade dos representantes com a condição de felicidade
privada do povo, tomando o rumo de afastamento da felicidade pública ou, em outras
80
Ibid., p. 38.
Ibid., p. 40.
82
Ibid., p. 74.
83
Mais a frente, quando do esmiuçamento da visibilidade política como fundamento da conquista de
espaço público, este tema será esclarecido. Conferir, para tanto, o texto correspondente à nota 106, p. 45.
84
Ibid., p. 112.
81
27
palavras, da constituição do espaço político.85 A sobrevalorização do bem-estar social
encobriu o espetáculo principal: relegou-se ao futuro o alcance da felicidade pública da
liberdade política para engendrarem-se esforços unicamente na solução das
necessidades materiais da vida.
2.4 UNANIMIDADE DO POVO E VONTADE GERAL: A
DESTRUIÇÃO DO ESPAÇO POLÍTICO (A PERVERSIDADE DA
NECESSIDADE FRENTE À LIBERDADE)
O predomínio do desejo de libertação do jugo da necessidade por sobre
o alcance da liberdade política vem evidenciado pela inserção nas constituições liberais
da formulação do poder constituinte em nome do povo86 e não em nome da república. A
personificação do poder evidenciou sua força na tradução da antiga raison d’état pela
volonté generale de Rousseau, mais precisamente pela unanimidade da vontade geral do
povo como um expediente elaborado de substituição da vontade do rei por a de uma
multidão uniforme: “a vontade geral não era mais nem menos do que aquilo que ligava
muitos num só”87.
A semelhança entre as posturas monárquica e populista salta à vista
quando se perquire pelo fundamento desta unanimidade – o mesmo fundamento do
extremismo político do início do século XX: o inimigo nacional. Confiou-se no poder
unificador do inimigo nacional, porque comum à nação, mas em termos mais elaborados
que os adotados por Schmitt no seu conhecido decisionismo. O fundamento de
Rousseau residia na identificação do inimigo não no exterior da nação, mas no interior
de cada um de seus componentes como a soma total dos interesses particulares, que
deveriam ser superados em nome do todo. Assim, a opinião pública, que se insere no
modelo de liberdade política como a opinião publicamente acordada, passa a significar
um consentimento geral de esmagamento do âmbito privado e, com ele,
conseqüentemente, do próprio espaço público. A república do povo transforma-se em
um contrasenso em detrimento do significativo silêncio e solidão da mera república. A
república do povo é a forma de governo que deixou prevalecer o jugo da necessidade
por sobre a necessidade da liberdade e gerou a perda do sentido político das ações
desenvolvidas em torno da política. O jugo da necessidade traz consigo os termos
correlatos da felicidade privada e do bem-estar e encontra uma perfeita aliança com o
governo representativo, que mais do que um expediente técnico de governo de grandes
populações, é o meio eficaz de limitação do exercício político. Interesse e bem-estar
podem ser delegados e, portanto, representados. Ação política e opinião, não, pois estas
85
“Virtude significava ter em mente o bem-estar do povo, identificar os seus próprios desejos com os
desejos do povo – il faut une volonté UNE – e este esforço era dirigido antes de tudo à felicidade da maior
parte [não à felicidade pública]” (Ibid., p. 90-91).
86
“Pela primeira vez, a palavra [povo] abrangia mais do que aqueles que não participavam do governo,
não os cidadãos mas a camada inferior do povo. A própria definição nasceu da compaixão, e o termo
tornou-se equivalente de infortúnio e infelicidade – le peuple, les malheureux m’applaudissent...” (Ibid.,
p. 91).
87
Ibid., p. 94.
28
não se cristalizam antes do engajamento na discussão88; antes da participação efetiva
perante os argumentos, o que as projeta necessariamente para fora das limitadas
instituições de governo, como também para fora de instituições da sociedade civil
pretensamente reunidoras da virtude política.89 Neste ponto, a representação conflita
com a ação e participação.90 A invasão do domínio público pela sociedade corrói os
valores originariamente políticos e os substitui por valores sociais, que certamente estão
ligados a decisões políticas, mas quando se sobrelevam ao jogo político, anulam as
garantias de persistência do espaço de exercício da cidadania.91
“Este governo é democrático na medida em que o bem-estar
popular e a felicidade pública são os seus principais
objetivos; mas ele pode ser chamado de oligárquico no
sentido em que a felicidade pública e a liberdade pública se
tornaram, de novo, o privilégio de poucos.”92
Com isso, não se quer dizer que o Estado devesse abrir mão de
deliberações políticas de cunho social. Significa tão-somente que este não é um tema
que resuma a vida pública, ou seja, que a deliberação política de cunho social, quando
pretende representar o conceito global da vida pública, idolatra uma “sociedade que tem
pervertido todas as virtudes [políticas] em valores sociais”93, recaindo no grande erro da
Revolução Francesa de procurar “a emancipação do povo não qua cidadãos do futuro,
mas qua malheureux”94; de “confundir felicidade pública e bem-estar privado”95,
dando-se razão à afirmação de Tocqueville da primeira metade do século XIX de que
“quem procura na liberdade outra coisa que ela própria, foi feito para a servidão”96. A
política não é o espaço de libertação das necessidades da vida. Ela é justamente uma das
88
“Neste sistema, as opiniões do povo são certamente indetermináveis, pela simples razão de que não
existem. As opiniões são formadas num processo de discussão aberta e de debate público” (Ibid., p. 331).
Burke partilha do mesmo diagnóstico, embora receite outro tratamento: o de que a garantia dos mandatos
livres dos representantes seria o único meio de emanação de juízos ao invés de opiniões derivadas da
submissão servil e do populismo. A afirmação de Burke aos seus eleitores, em Bristol, sobre a
necessidade de manter o representante democrático afastado, em suas decisões, da vontade popular, é
esclarecedora: “Vosso representante deve a vós não somente sua indústria, senão seu juízo, e vos atraiço,
em vez de vos servir, se se sacrifica a vossa opinião” (BURKE, Edmund. Discurso aos eleitores de
Bristol. p. 20. In: A Representação. Brasília: Fundação Projeto Rondo e Ministério da Educação, s/a, p.
19-22).
89
“A opinião pública, devido à sua uninimidade, provoca uma oposição unânime, e deste modo mata as
opiniões verdadeiras em toda a parte (...). [A opinião pública unânime significa] a morte de todas as
opiniões” (ARENDT, Hannah. Sobre a revolução. Trad. I. Morais, Lisboa: Relógio D’Água Editores,
2001, p. 278-281).
90
Ibid., p. 336.
91
Liberdade pública, felicidade pública ou espírito público foram suplantados pela ausência da
recordação do ato fundador da república norte-americana: “O que deles restou neste país [EUA], após o
espírito revolucionário ter sido esquecido, foram liberdades civis, o bem-estar individual do maior
número e a opinião pública como a principal força que governa uma sociedade democrática igualitária.”
(Ibid., p. 272). No momento da pressão para deliberação de bem-estar, o votante atua sob “imprudente
coação com que um chantagista força a sua vítima à obediência [mais do que sob] o poder que provém da
ação e da deliberação conjuntas” (Ibid., p. 331).
92
Ibid., p. 332.
93
Ibid., p. 340.
94
Ibid., p. 135.
95
Ibid., p. 157.
96
TOCQUEVILLE, Alexis de. O Antigo Regime e a Revolução. 4ªed., trad. Yvonne Jean, Brasília:
Editora UnB, 1997, p .160.
29
necessidades da vida97 na sua representação política (de persona); é o chamamento para
o desempenhar de mais um papel.98
2.5 NASCIMENTO DE UM NOVO ESPAÇO POTENCIALMENTE
PÚBLICO E O MEIO TELECOMUNICACIONAL
O problema político fundamental não parece estar, portanto, na opção por
uma ou outra vertente de deliberação para promoção de interesses de privados, ou
mesmo, de uma coletividade, e de seu bem-estar, mas no chamamento à formação de
opiniões; na abertura de espaço público, cuja existência é inviável no parlamento, para
discussão aberta e para o debate político capaz de gerar opiniões dos cidadãos; capaz de
fazê-los próximos à felicidade pública.
É na constatação desta necessidade política que a modernidade
tecnológica, ou mais precisamente um determinado ganho de técnica pode vir ao
encontro deste horizonte perdido. A constatação de insuficiência das instituições físicas
de congregação corporativa, mesmo que alcançado o grau mais elevado de
representação política, para exercício da felicidade pública evidencia que a opção por
uma comunidade física de interlocução política deve ceder à possibilidade de uma
comunidade virtual de argumentação política mais próxima, em razão de sua menor
limitação espacial, de uma comunidade ideal de argumentação política.
97
Atente-se para o fato de que a concepção da liberdade política como uma necessidade da vida, não
significa resumi-la a uma necessidade, pois, em termos hegelianos, o aspecto de necessidade de que se
reveste a liberdade política não elimina, ao contrário, possibilita a consciência da liberdade política como
uma decisão do querer em integrar verdadeiramente uma comunidade política de iguais, ou seja, não é
uma submissão à contingência, mas um reconhecimento da igualdade. Ser, ao mesmo tempo, uma
submissão às contingências e uma emancipação é o conteúdo de fundo da noção de liberdade em sua
natureza dialética hegeliana. Quando a consciência da liberdade política amadurece, vendo a realidade das
coisas como reflexos de uma comunidade de iguais, surge a liberdade emancipada das contingências
como razão que passa a definir e julgar a necessidade dos bens do mundo. Entendendo que nenhum bem é
absolutamente necessário em face da infinita extensão da unidade, “a razão (...) dá à vontade o poder de
eleger o que esta queira” (PECCI, Giocchino [Papa Leão XIII]. Literae encyclicae: libertas. Santa Sé: s/e,
1888, § 3º. Obtido na página eletrônica oficial do Vaticano em 15 de fevereiro de 2004. On-line:
http://www.vatican.va/holy_father/leo_xiii/encyclicals/documents/hf_l-xiii_enc_20061888_libertas_it.html. Do original: “La
ragione (…) concede alla volontà il potere di scegliere ciò che preferisce”). A liberdade, então, passa a ser
o reconhecimento da possibilidade da opção; da desvinculação entre os objetos materiais e a satisfação da
necessidade da alma. Enfim, quando a liberdade se apresenta, em si, como necessidade de compartilhar a
realidade, é porque já está liberta dela.
98
O trecho a seguir é esclarecedor da necessária salvaguarda do domínio político da questão social: “Todo
o domínio tem a sua original e mais legítima fonte no desejo do homem se emancipar a si próprio das
necessidades da vida, e os homens alcançaram tal libertação por intermédio da violência, forçando os
outros a suportarem o fardo da vida por eles. Isto foi o âmago da escravatura e foi apenas o aparecimento
da tecnologia, e não o aparecimento das idéias políticas como tais, que refutou a velha e terrível verdade
de que apenas a violência e o domínio sobre os outros poderia tornar alguns homens livres. Nada,
podemos dizê-lo hoje, poderia ser mais obsoleto do que tentar libertar a humanidade da pobreza [não da
miséria] por processos políticos; nada seria mais vão e mais perigoso. (...) O resultado [da Revolução
Francesa] foi que a necessidade invadiu o domínio político, o único domínio em que os homens podem
ser verdadeiramente livres.” (ARENDT, Hannah. Op. cit., p. 139).
30
As telecomunicações, como agregado de conhecimento técnico das
aquisições metódico-causais-científicas, podem desempenhar o papel de meio para um
espaço político, onde a persona exercite a discussão, a persuasão, a argumentação,
enfim, e a conseqüente formação de opiniões. Sem se adentrar no perigoso caminho de
uma pretensa descoberta da salvação política em um meio valorativamente inerte, o fato
é que a mera cogitação da utilização de seu espaço potencialmente público pela
liberdade política justifica a preocupação com o papel outorgado à regulação deste
espaço. Daí a centralidade desta discussão conceitual para a tese em sua pretensão de
comparação de modelos reguladores das telecomunicações entre Brasil e Estados
Unidos da América. Fala-se, portanto, de uma regulação dirigida pelo valor da liberdade
pública ao invés de orientada à crença da pura libertação de grilhões estatais – a
extremação dos direitos civis da liberdade de informação, de imprensa, de associação,
de investimentos... –, enfim, uma regulação que transforme o veículo aberto da rede
telecomunicacional em um veículo virtuoso de integração política por meio de um
chamamento interno à persona política de cada qual.
Para não se incorrer em idolatria, insiste-se no seguinte ponto: o meio
telecomunicacional não é substituto do espaço público, que demanda deliberação, mas
um seu fomentador. Ele é a democratização possível da política sem que ela se
transforme em ‘une volonté UNE’; é a seara aparentemente mais adequada, que foi
aberta pelos tempos modernos tecnológicos, à formação das opiniões.
“As opiniões surgirão por toda a parte em que os homens
comuniquem livremente uns com os outros e tenham direito
de possuir as suas idéias políticas; mas estas idéias, na sua
infindável variedade, parece terem também necessidade de
purificação e de representação.”99
No ‘direito de possuir as suas idéias políticas’ está um dos fins claros a
serem preservados no meio telecomunicacional. Em outras palavras, a segunda assertiva
de Hannah Arendt na transcrição acima não é contraditória com o contexto de sua obra.
Ela indica a necessidade de preservação de uma dimensão destacada da pessoa integral
para que esta persona possa ser representada em público. Para os fins desta tese,
interessa a persona telecomunicacional, que exercita sua virtude política para formação
de opiniões, que regarão o espaço público institucional pautado em uma outra
representação concebida em termos tradicionais de representação indireta. O espaço
telecomunicacional obviamente não vem substituir o espaço de elitização política, mas
viabilizar a política para aproximá-la da via representativa por intermédio do
alastramento da discussão pública. Para que seja político, entretanto, em meio ao
domínio privado, resta um papel de primordial importância ao Estado, ou às suas
associações, de regular o espaço público telecomunicacional, revigorando uma função
governamental há muito esquecida nos assuntos internos: a de possibilitar aos cidadãos
espaços públicos, ou seja, reconhecer as “sedes de liberdades e protegê-las”100. O meio
telecomunicacional pode se afigurar como a alternativa ao sistema representativo de
delegação administrativa ou de delegação de poder pelo voto para a possibilidade do
exercício político pari passu à deliberação política institucional, cumprindo a função de
renovação da face política dos seres hoje nacionais em um processo infinito de
99
Ibid., p. 280.
Ibid., p. 314.
100
31
discussão e de argumentação. Aqui está a possibilidade do cidadão ser persona política,
de agir por si próprio e de participar nos negócios públicos, enfim, da sua plena
“comparticipação no poder público”101, no dia-a-dia do fenômeno político, e não só nas
eleições. A partir do enfoque analisado, a modernidade tecnológica pode deixar de
padecer de sua sina de perdição do indivíduo perante o jugo das necessidades; da crença
no “rápido e constante crescimento econômico, isto é, de uma expansão constantemente
crescente do domínio privado”102.
A dicção constitucional brasileira de 1988 abre espaço ao espaço público
não-institucional103, revelando a possibilidade de salvação da persona-cidadã da letargia
e do desprezo pelos negócios públicos, pois proporcionou a liberdade pública não só ao
corpo de representantes, mas ao povo em si.104 Não se restringiu a dar direitos civis aos
cidadãos, mas propôs-se a abrir a oportunidade de serem republicanos e agirem como
cidadãos nos assuntos em que se apresentam como pólos de discussão política.
Ainda envidando esforços no esclarecimento da posição diferenciada da
persona telecomunicacional, a sua importância está na identificação de atributos que a
diferenciem enquanto ator político. Em termos jurídicos, está-se a falar da diferença de
regimes na distinção de imputação normativa ao sujeito-enquanto-cidadão e ao sujeitoenquanto-sujeito de direitos negativos, o que, em termos filosóficos, seria a distinção
entre a persona e o sujeito integral. A não-redução da política à natureza105 evidencia a
necessidade de um jogo de discurso próprio ao ambiente telecomunicacional e mais
precisamente ao ambiente tido como ambiente público telecomunicacional, algo
claramente divisado na divisão jurídica de titularidades da tradição continental-européia,
na qual se insere o direito administrativo brasileiro, mas também visível na tradição
anglo-americana do rule of law mediante atribuição conjuntural de função pública a
empresas e serviços relativos às telecomunicações como será visto nos capítulos de
descrição dos modelos regulatórios dos dois países pesquisados.
Mais do que isso, dita não-redução da política à natureza significa a
identificação de um sujeito telecomunicacional que figura o sujeito real por detrás dele,
embora não se confunda com ele. O sujeito real deve ser pré-político e o espaço aberto
à persona (máscara) do sujeito real no mundo político tem a dimensão comunicacional
dos fins que o seu universo de sujeitos permite. E o fim para o qual um espaço público é
formado está mais precisamente na revelação da persona antes relegada à obscuridade.
A existência do domínio público depende da extinção da invisibilidade do sujeitoenquanto-sujeito para o mundo político mediante a sua representação política (persona)
como sujeito-enquanto-cidadão. O espaço público apresenta-se como o lugar onde as
pessoas podem se tornar visíveis e ter significado e é a modernidade tecnológica na sua
dimensão informativa que permite antecipar-se este novo espaço de visibilidade
101
Ibid., p. 311.
Id., ibid.
103
O art.1º anuncia como fundamentos da República Federativa do Brasil, dentre outros, a cidadania e o
pluralismo político, que iluminados pelo enfoque da liberdade política, podem florescer sem o gosto
amargo de um preâmbulo unicamente debitário dos interesses do povo, do fim assecuratório de exercício
dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade
e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos.
104
A dicção constitucional dos princípios fundamentais é clara: “Art. 1º. (...) Parágrafo único. Todo o
poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta
Constituição” – grifos nossos. Por detrás do jogo de palavras aparentemente demagógico, está a assertiva
de que há espaço para a liberdade política.
105
ARENDT, Hannah. Op. cit., p. 132.
102
32
política. Daí falar-se linhas atrás da ditadura da necessidade artificialmente criada no
modelo norte-americano: esta artificialidade reside na compreensão de que a
necessidade econômica está, na verdade, assentada na necessidade real de se encontrar
um “substituto social da importância política”106, que simule a visibilidade pública por
intermédio do acúmulo de bens materiais e do poder econômico, transformando os
cidadãos (citoyens) no homem privado do século XIX (bourgeois).107 Neste contexto, a
função do Estado seria o de regular a paixão de se distinguir e de ser visto no âmbito
público.
2.6 IDENTIDADE E HOMOGENEIDADE SÃO CONCEITOS
EXCLUDENTES?
A paixão pela distinção tão cara à liberdade pública depende do
pressuposto da identidade. Sem um elo de ligação inicial, torna-se questionável o
cultivo da ambição política. Os mecanismos da identidade nacional, do sufrágio
universal(1) e do Estado do Bem-Estar Social(2), cujos reflexos no ambiente
internacional advieram nos programas de autodeterminação dos povos(1) e de
desenvolvimento econômico(2), respectivamente de Woodrow Wilson e de Lenin,
Roosevelt, Truman e Kennedy, possibilitaram a convivência de duas nações, não nos
termos de precedência da questão social em que Wallerstein recai108 – nação rica e
nação pobre –, mas nos termos de liberdade pública – nacional visível e nacional
invisível politicamente. Esta modernidade tecnológica sem modernidade libertária, esta
última compreendida como liberdade pública, somente poderia advir, segundo certas
teorizações, do inimigo nacional interno109, do inimigo nacional externo, da
identificação de blocos internacionais livre e comunista110.
A proposta de que a identidade somente poderia advir da identificação da
diferença, entretanto, é um dogma111 que o momento da globalização informativa vem
contestar.
106
Ibid., p. 153.
“Na verdade, a abundância e o consumo interminável são os ideais dos pobres; eles são a miragem no
deserto da miséria (...). O secreto desejo dos pobres não é ‘A cada um segundo as suas necessidades’, mas
‘A cada um segundo os seus desejos’” (Ibid., p. 170-171).
108
WALLERSTEIN, Immanuel Maurice. Op. cit., p. 140 e seguintes.
109
Em grande medida, a abordagem de Rousseau rendeu-se à sobrevalorização de apenas um lado do
fenômeno: o lado subjetivo: “ao entender a vontade apenas na forma definida da vontade individual (o
que mais tarde Fichte também faz), e a vontade geral não como o racional em si e para si da vontade que
resulta das vontades individuais quando conscientes, a associação dos indivíduos no Estado torna-se um
contrato cuja base é, então, a vontade arbitrária, a opinião e uma adesão expressa e facultativa dos
indivíduos, de onde resultam as conseqüências puramente conceituais que destroem aquele divino, em si e
para si, das absolutas autoridades e majestades do Estado.” (HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich.
Princípios da Filosofia do Direito. Trad. Norberto de Paula Lima. Adaptação e Notas de Márcio
Pugliesi. São Paulo: Ícone, 1997, p. 206).
110
WALLERSTEIN, Immanuel Maurice. Op. cit., p. 143.
111
A identidade sentida pelos hommes de lettres para com os malhereux era advinda de semelhança, não
necessariamente da oposição a um inimigo comum. Era a semelhança do desejo de sair da obscuridade e
isso impulsionou a Revolução Francesa. Posteriormente, foi a identidade pela diferença geradora da
107
33
A globalização informativa e seu contexto conceitual de sociedade
mundial revelam a possibilidade de identidade sem diferenciação, ou ainda, a
impossibilidade da diferenciação em uma humanidade una. Abre-se aqui um parêntese
em razão da sedução pelo tema. O reconhecimento da proposta de Pierre Lévy de uma
revolução contemporânea das comunicações serve aos fins deste estudo para a
antecipação de certas conclusões. A partir da proposta de que a identidade de um grupo,
com o advento da revolução das comunicações, depende “mais da qualidade e da
intensidade da sua conexão consigo mesmo do que da sua resistência em comunicar-se
com o seu meio”112, bem como a partir da compreensão das noções de centro e de
periferia em termos de uma rede mundial113, permite-se antecipar, em termos teóricos,
como uma das funções da regulação estatal de meios telecomunicacionais, a
viabilização de centros comunicacionais em preferência à abertura de espaços de
exploração periférica do sistema. A correspondência entre os temas da liberdade
pública e da revolução comunicacional autoriza identificar-se como função reguladora
estatal o direcionar-se a utilidade da rede telecomunicacional para os meios que
privilegiem a participação ativa (a ação nos termos de Hannah Arendt); o figurar do
sujeito como parte do todo. A opção pela priorização dos meios que encarnem a
possibilidade de reciprocidade da discussão entre os partícipes revela a precedência do
valor político (público) sobre as dimensões de interesses privados dos players do
mercado telecomunicacional. Pode-se, inclusive, arriscar a priorização dos meios de
interação aberta multipolar, inicialmente próprias do ciberespaço, por sobre os demais
meios de difusão de informação (esquema em estrela) e de interação meramente bipolar
(esquema em rede), pois somente os primeiros têm o condão de gerar opiniões.114
Somente os primeiros são capazes de entrelaçar múltiplos fluxos de informação,
tornando-se centros de poder, e de poder no sentido público, de co-participação num
compaixão pela questão social o que ocasionou a derrota da revolução. Conferir, à respeito: Ibid., p. 152153.
112
LÉVY, Pierre. A revolução contemporânea em matéria de comunicação. In: MARTINS, Francisco
Menezes; SILVA, Juremir Machado da. Para navegar no século XXI: tecnologias do imaginário e
cibercultura. Porto Alegre: Sulina/EDIPUCRS, 1999, p. 202.
113
Qualquer atividade de orientação ativa da utilidade do meio telecomunicacional como espaço público
deve dirigir-se, naturalmente, para fazer de uma rede telecomunicacional nacional um centro da rede
telecomunicacional mundial; um “nó de fluxos, lugar geográfico ou virtual onde tudo está ‘próximo’,
acessível (...) [ao contrário de uma periferia, de] uma extermidade de rede. Zona de interações de curto
alcance e de baixa densidade, sendo os contatos mais distantes difíceis e custosos. O centro é densamente
interconectado consigo mesmo e com o mundo” (Ibid., p. 203).
114
A distinção de Pierre Lévy ilumina as ponderações do texto. Para ele, há os meios de comunicação que
funcionam em “esquema em estrela, ou ‘um para todos’. Um centro emissor envia mensagens na direção
de receptores passivos e sobretudo isolados uns dos outros. Certo, o dispositivo de mídia cria
comunidade, pois um grande número de pessoas recebe as mesmas mensagens e partilha, em
conseqüência, certo contexto. Mas não há reciprocidade nem interação (ao menos no interior do
dispositivo), e o contexto é imposto pelos centros emissores” (Ibid., p. 206). Estes seriam, para o autor, o
rádio e a televisão. Já o correio e o telefone desempenhariam “um esquema em rede, ponto a ponto, ‘um
para um’, no qual, ao contrário da irradiação de mídia, as mensagens podem ser endereçadas com
precisão e, sobretudo, trocadas com reciprocidade. Mas, em oposição ao dispositivo estelar, o esquema
em rede não cria comunidade, ou ‘público’, pois, a partilha de um contexto em grande escala é, no caso,
muito difícil” (Ibid., p. 207). Finalmente, caberia ao ciberespaço a condição mais proeminente de
conjugação entre a reciprocidade na comunicação e a partilha de um contexto. A divisão do autor é, sob o
ponto de vista técnico, extremamente simplista e obediente ao determinismo do tipo de comunicação, mas
é útil para o objetivo de orientação geral de políticas públicas do setor de telecomunicações.
34
empreendimento de discussão e argumentação115 devidamente garantido a todos.116
Fecha parêntese.
A já comentada crise de afastamento entre a modernidade tecnológica e a
modernidade libertária está centrada na concepção de que a persistência da modernidade
tecnológica sem modernidade libertária somente se manteria mediante os intrumentos
de segregação advindos do Estado nacional. Entretanto, é justamente a ultrapassagem
das fronteiras nacionais pela globalização informativa o que fornece o substituto à
identidade nacional, tão importante para o molde de oposição entre as modernidades
quanto inútil ao modelo de mútuo fortalecimento entre elas. A homogeneidade
perseguida no Estado nacional, impossibilitada não só pela virtude política117 como por
uma humanidade una, faz entrever que o fundamento da identidade possível está
precisamente na paixão pela distinção em meio a um espaço público orientado
valorativamente a este fim de fomento da liberdade política, permitindo-se o resgate da
virtude de políticas públicas e dos ambientes institucionais definidores de tais políticas.
Estas políticas, para preservação do poder político, devem estar orientadas a esta união
de interesses entre a modernidade tecnológica e de libertação, cabendo-lhe, mais do que
um controle técnico, o mais relevante papel de conscientização política de compreensão
do processo político como um valor em si capaz de gerar a identidade necessária à
sustentação da própria modernidade tecnológica. Neste sentido, as modernidades podem
ser interdependentes: a modernidade da libertação encontrando o caminho pavimentado
da modernidade tecnológica e vice-versa. No entanto, nesta interdependência,
permanece a liberdade pública como um norte de orientação de todo o sistema. Daí, a
modernidade tecnológica ser meio e não fim em si mesma. Por isso, a questão tão
suscitada no meio político brasileiro de distinção entre a formação de políticas públicas
e de atuação técnico-administrativa das agências reguladoras ter sua fundamentação
primeira nestas considerações de visão de mundo moderno. A formação de políticas
públicas pretende institucionalizar o exercício da virtude política, enquanto a atuação
técnico-administrativa pretende qualificar as decisões das agências reguladoras como
decisões de implementação daquilo definido politicamente. Nos dois capítulos
destinados à descrição dos modelos de regulação das telecomunicações no Brasil e nos
EUA, far-se-á a crítica a esta divisão fixada na legislação, mas alheia à realidade de
formação da vontade política. O enunciado normativo de que às agências reguladoras
cabe tão-somente a implementação de opções políticas tomadas no parlamento ou no
ambiente ministerial não impede o diuturno exercício de funções políticas por tais
instituições.
115
Sob o enfoque da geração de espaço público, pode-se compreender a seguinte afirmação que atribui
poder a um centro virtual: “um aparelho de televisão é um receptor passivo, uma extremidade de rede,
uma periferia. Um computador é um instrumento de troca, de produção e de estocagem de informações.
Ao canalizar e entrelaçar múltiplos fluxos, torna-se um centro virtual, instrumento de poder” (Ibid., p.
203).
116
Assim, outro norte da regulação estatal em setor comunicacional estaria na garantia do acesso e
participação abertas que eliminem a tratamento tutorial dos “cidadãos como menores; mais do que isso,
como menores isolados” (Ibid., p. 210).
117
“Poderemos então dizer que a experiência especificamente americana havia ensinado aos homens da
Revolução que a ação, podendo embora ser iniciada em separado e decidida por indivíduos isolados por
motivos diversos, apenas pode ser levada a efeito através do esforço conjunto, em que a motivação de
indivíduos isolados – por exemplo, o fato de serem ou não um ‘grupo indesejável’ – não conta, de tal
modo que a homogeneidade do passado e da origem, o princípio decisivo da nação-estado, não é
requerida” (ARENDT, Hannah. Op. cit., p. 214).
35
A par destas questões, foi a descrença no alcance do desenvolvimento
econômico pela afirmação política que possibilitou deslocar-se a atenção dos países
periféricos do sistema mundial de Wallerstein para a questão da afirmação cultural, que
encontra no meio telecomunicacional o espaço de idealização política.
Por tudo isso, e como derradeira observação deste capítulo, o fenômeno
de regulação como concebido a partir da década de 1990 no Brasil – um sistema
afastado propositalmente do Congresso e do Governo – não é menos democrático que a
proposta inversa, pois pode ser o caminho para um espaço público ainda mais capaz de
retirar da escuridão a persona de cada sujeito desejosa de exercitar, em sua plenitude, e
quando assim o entender, sua virtude política. Não há, assim, relação necessária entre a
concentração de funções nos órgãos representativos tradicionais do Estado, de um lado,
e a virtude política, de outro. Esta existe enquanto reconhecimento do sujeito como
cidadão; como membro de uma unidade. Ela não está adstrita a órgãos de representação
indireta tradicional; pelo contrário, ela simplesmente espera encontrar o espaço público
a ela reservado em qualquer instituição estatal.
O problema que permanece para enfrentamento está na hipótese destas
constatações estarem substituindo a condição representativa congressual e
governamental por mecanismos corporativos não-estatais. Com isso, sai a modernidade
do banco dos réus e toma o seu lugar a condição de difusividade corporativa-cooptativa
que se esboça com a presença de novos espaços institucionais de discussão política
como o são as agências reguladoras das telecomunicações no Brasil e nos EUA.
36
3 CORPORATIVISMO E ESPAÇO POLÍTICO
3.1 INTRODUÇÃO
Neste capítulo, procura-se situar, no contexto da virtude política, as instituições
estatais responsáveis pela mediação da discussão pública setorial em telecomunicações
– no Brasil, a Agência Nacional de Telecomunicações, nos EUA, a Federal
Communications Commission – por intermédio da noção de corporativismo e
corporação, reconhecendo-se, assim, a distinção fundamental entre instituições
mediadoras da existência política como seu fim último e instituições mediadoras da
existência política como meio de alcance do bem-estar dos seus membros. As primeiras,
dentre as quais, neste estudo, inserem-se as agências independentes ou reguladoras do
Brasil e dos EUA, são norteadas por um projeto emancipatório dos interesses
corporativos, enquanto, as últimas, entendidas aqui como corporações, representam um
momento desta emancipação política, mas ainda separadas do momento político
nacional como interesses particulares de coletividades inseridas na sociedade civil.118
Mediante a constatação de que as corporações, com seu caráter de unificação de
seus associados a um fim comum, aproximam-se das instâncias políticas estatais por sua
característica de nivelamento dos partícipes como membros da instituição, mas se afasta
delas por seu fim último de condensação de interesses particulares exclusivos de grupos
funcionalmente bem delimitados, a noção de corporação e corporativismo serve como
meio de elucidação do que há de essencial no conceito de espaço público a caracterizar
instituições estatais que se candidatem a servir como espaço de discussão política
focada em setores, como o de telecomunicações.
A presente abordagem conceitual serve ao fim de delimitar quais aspectos da
organização e da estrutura das agências reguladores devem nortear a comparação
proposta entre as políticas públicas de telecomunicações.
3.2 CORPORAÇÃO E COOPTAÇÃO NO CORPORATIVISMO
A pretensão de situar o corporativismo, no contexto da tese, vem
delimitada pela convicção de que não se trata de uma ideologia experimentada em
determinado momento histórico, ou mesmo, em um único território, mas, de um extrato
de ideologias lapidadas nas distintas realidades sociais nacionais exaltadas e, até certo
ponto, restauradas no final do século XIX e na primeira metade do século XX119,
pautadas em princípios comuns que remontam a uma noção de corporação.
118
“Os interesses particulares das coletividades que fazem parte da sociedade civil e se encontram situadas
fora do universal em si e para si do Estado são administrados nas corporações” (HEGEL, Georg Wilhelm
Friedrich. Princípios da Filosofia do Direito. Trad. Norberto de Paula Lima. Adaptação e Notas de
Márcio Pugliesi. São Paulo: Ícone, 1997, p. 243).
119
Afirmando o período citado como o pertinente ao ciclo histórico do corporativismo, vide: PAIM,
Antônio. Pensamento e ação corporativa no Brasil. p. 121. In: SOUZA, Francisco Martins de. Raízes
teóricas do corporativismo brasileiro. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1999, p. 119-174.
37
Costuma-se representar o corporativismo a partir de sua orientação
teleológica no ideal de superação do conflito por intermédio da “eliminação da
concorrência no plano econômico, [da] luta de classes no plano social e [das] diferenças
ideológicas no plano político”120, mas o corporativismo não se resume a esta orientação,
transparecendo também elementos conceituais que foram, a partir de sua cogitação,
agregados ao pensamento ocidental, dentre eles, a noção de corporação e sua posição
institucional nacional.
Como ponto de partida para identificação da idéia de corporação, tem-se
o caráter societário de agrupamentos de homens unidos por um laço funcional comum
capaz de desenhar em suas mentes o compartilhamento de destinos, “uma solidariedade
orgânica entre os homens, produzindo uma crescente integração dos círculos
sociais”121 e, portanto, uma consciência de unidade, de conjunto, e do conseqüente
desejo de alcance do reconhecimento pelos seus pares de seus méritos e de sua devoção
à causa comum da instituição que somente se apresenta como tal por intermédio da
presença de seus membros.122
A corporação, por princípio, tem vocação clara, pois decorre da reunião
de pessoas ou entidades com similitude funcional que se identificam por necessidades
comuns; daí ser função da corporação protegê-los contra acidentes particulares por um
lado, e de desenvolver neles as aptidões para dela fazerem parte.123 Ela, no entanto,
revela uma imanência próxima à de instituições que transparecem conjugação entre
unidade e particularidade124: ela reconhece seus membros como tais,
independentemente de outra demonstração exterior que não o fato de deterem a
qualidade de vínculo funcional comum; de orientar sua conduta para fins comuns desta
120
Id., ibid.
REALE, Miguel. Corporativismo e unidade nacional. p. 240. In: ______. Obras políticas: 1ª fase –
1931-1937. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1983, p. 235-242 (Cadernos da UnB).
122
Afirmando que as sociedades de artesãos e de operários são úteis à conscientização dos seus membros
sobre seu lugar social, vide: PECCI, Giocchino [Papa Leão XIII]. Literae encyclicae: quod apostolici
muneris. Santa Sé: s/e, 1878, § 15. Obtido na página eletrônica oficial do Vaticano em 15 de fevereiro de
2004.
On-line:
[http://www.vatican.va/holy_father/leo_xiii/encyclicals/documents/hf_lxiii_enc_28121878_quod-apostolici-muneris_it.html]. “Infine, siccome i seguaci del Socialismo
principalmente vengono cercati fra gli artigiani e gli operai, i quali, avendo per avventura preso in uggia
il lavoro, si lasciano assai facilmente pigliare all’esca delle promesse di ricchezze e di beni, così torna
opportuno di favorire le società artigiane ed operaie che, poste sotto la tutela della Religione, avvezzino
tutti i loro soci a considerarsi contenti della loro sorte, a sopportare la fatica e a condurre sempre una
vita quieta e tranquilla.”. Tradução livre: “Por último, desde que os seguidores do socialismo são
recrutados principalmente entre os artesãos e os operários, os quais, estando talvez presos ao enfado do
trabalho, são facilmente atraídos por morder a isca da promessa de riquezas e de bens, assim torna-se
oportuno favorecer as sociedades artesanais e operárias que, postas sob a tutela da religião, acostumam
todos os seus sócios a se considerarem contentes com a sua sorte, a suportarem a fadiga e a levarem uma
vida sempre quieta e tranqüila”.
123
“Esta função [de representar concretamente o universal imanente à corporação] atribui à corporação o
direito de gerir os seus interesses sob a vigilância dos poderes públicos, admitir membros em virtude da
qualidade objetiva da opinião e probidade que têm e no número determinado pela situação geral,
encarregando-se de proteger os seus membros, por uma lado, contra os acidentes particulares e, por outro
lado, na formação das aptidões para fazerem parte dela. Numa palavra, a corporação é para eles uma
segunda família, missão que é indefinida para a sociedade civil em geral, mais afastada como esta está
dos indivíduos e das exigências particulares” (HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Princípios da
Filosofia do Direito. Trad. Norberto de Paula Lima. Adaptação e Notas de Márcio Pugliesi. São Paulo:
Ícone, 1997, p. 202).
124
O espírito corporativo significa “a associação do particular ao universal” (Ibid., p. 243).
121
38
totalidade; de ocupar, enfim, um lugar social.125 Por isso, em Hegel, a corporação, ao
lado da família, “constitui a segunda raiz moral do Estado, que está implantada na
sociedade civil”126.
Também se apresenta como espaço regrado concentrador dos recursos
necessários a prover as contingências de seus membros, assim como amenizador dos
interesses individuais em fórmulas com pretensão de universalidade, que, em seu
sentido de conjunto, tornam possível a convivência com grupos caracterizados por
finalidades opostas.127 Enfim, afigura-se como instituição que reflete a identidade de
grupos unidos por fins funcionais comuns e que, mediante tal diferenciação e formação
de nichos, serve a fins de isolamento para viabilização da convivência com o Outro,
mesmo que isso signifique a defesa de interesses contrários aos dos seus próprios
membros.
Exatamente neste ponto a corporação revela seu caráter derradeiro: a
cooptação. Não há cooptação onde apenas se acena com a proteção dos interesses
inerentes ao associado, pois este já abraça tais interesses como seus. A cooptação ocorre
quando o associado, a despeito de ver apenas parte de seus interesses diretamente
refletidos na corporação, assimila os demais interesses que ela desenvolveu enquanto
instituição, tomando partido da causa corporativa como causa particular. A cooptação,
então, se desenvolve mediante uma força institucional, que impõe um rol de
pressupostos às causas particulares de seus membros, o que explica a existência de
posicionamentos da corporação prejudiciais aos interesses imediatos de seus membros,
mas partilhados como causa comum. Esta causa deixa de defluir da reunião das causas
particulares e passa a decorrer da vivência institucional da própria corporação; novos
interesses são criados em nome do reconhecimento estatal da corporação. Assim, como
um agregado necessário ao conceito de corporação, além das idéias de laço funcional
comum de seus membros, de apoio às contingências, de conjugação entre unidade e
particularidade, o caráter cooptativo apresenta-se como uma noção corretiva do norte
corporativo rumo não só à potencialização dos interesses de seus membros, mas à
construção do interesse da própria instituição.
Este é um elemento de claro afastamento entre os conceitos de
corporação e de espaço público. Na corporação, a construção do interesse da própria
instituição vai além de sua vocação de servir de meio à reunião de seus membros. Ela
incorpora a generalização dos interesses de seus membros e projeta esta universalidade
125
“Na corporação, não só encontra a família um terreno firme, pois a capacidade que lhe assegura a
subsistência é uma riqueza estável (...), como ainda lhe são reconhecidas tal subsistência e tal riqueza, isto
é: o membro de uma corporação não precisa procurar estabelecer, em outras demonstrações exteriores, o
valor dos seus recursos e do seu sucesso. É reconhecido, ao mesmo tempo, que ele pertence ao todo, que é
ele mesmo um membro da sociedade em geral e que o seu interesse e esforço se orientam para fins não
egoístas desta totalidade. A sua honra está, portanto, no seu lugar social.” (Ibid., p. 202).
126
Ibid., p. 203.
127
Reconhecendo a corporação como espécie de associação civil caracterizada pelo apoio a seus membros
e pela viabilização da convivência de grupos com interesses opostos, vide: PECCI, Giocchino [Papa Leão
XIII]. Literae encyclicae: rerum novarum. Santa Sé: s/e, 1891, § 36. Obtido na página eletrônica oficial
do Vaticano em 15 de fevereiro de 2004. On-line: [http://www.vatican.va/holy_father/leo_xiii/
encyclicals/documents/hf_l-xiii_enc_15051891_rerum-novarum_it.html]. “Finalmente, a dirimere la
questione operaia possono contribuire molto i capitalisti e gli operai medesimi con istituzioni ordinate a
porgere opportuni soccorsi ai bisognosi e ad avvicinare e udire le due classi tra loro.” Tradução livre:
“Finalmente, para solução da questão operária, muito poderão contribuir os capitalistas e os próprios
operários com instituições destinadas a oferecer oportuno socorro aos necessitados e a aproximar e unir as
duas classes entre si.”.
39
como uma particularidade no meio estatal. Já as instituições inclinadas à noção de
espaço público perderiam seu objeto se se rendessem à construção de interesses próprios
que não o de manutenção do espaço público de negociação. Outra distinção entre os
conceitos de corporação e de espaço público advém da presença, na corporação, de uma
igual consideração dos seus membros enquanto atores funcionais, enquanto, nas
instituições de representação e participação políticas, denominam-se como membros
todos com capacidade política reconhecida, estejam ou não desempenhando função
específica; sua única função é a de fazer parte. Por meio destas distinções, pode-se
evidenciar com maior clareza o evento histórico totalizante da primeira metade do
século XX.
3.3 CORPORATIVISMO TOTALIZANTE E REPRESENTAÇÃO
DEMOCRÁTICA
Compreender o ambiente político, como ambiente comum, significa lidar
com a possibilidade de se estabelecerem espaços de tolerância da diversidade ou, por
outro lado, de eliminação da diferença. Desta última opção, aproximou-se o ideal
corporativo, na primeira metade do século XX, pela proposição de substituição do
sistema representativo de partidos políticos por um sistema representativo de
corporações128. A migração proposta a partir do corporativismo católico129 pautado na
doutrina dos corpos naturais e da democracia orgânica para o corporativismo fascista,
em que “o cidadão dá lugar ao produtor”130, expressa-se em sua doutrina totalizante, ao
pretender resumir a totalidade da vida política e social a interesses criados por relações
funcionais institucionalizadas nas corporações. Quando se passa a entender as
corporações como a única base legítima do poder político, já se está imerso no ideal
totalizante daquilo a que Manoïlesco chamou corporativismo puro131 e que faria do
parlamento, para Mussolini, “uma coisa um pouco mais séria”132.
128
“Quer haja uma ou duas câmaras corporativas, os membros do Parlamento não poderiam ser, como já o
demonstramos, senão os representantes das corporações” (MANOÏLESCO, Mihaïl. O século do
corporativismo: doutrina do corporativismo integral e puro. Trad. Antônio José Azevedo Amaral.
Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1938, p. 252).
129
Sobre a doutrina dos corpos naturais: “os católicos procuram fixar certas distinções [do corporativismo
fascista]: seu modelo passa a ser o da chamada democracia orgânica que pretende seja mantida a
democracia mas não com base nos partidos políticos. O ponto de apoio dessa democracia são os
chamados ‘corpos naturais’. Entre estes, as corporações continuam desfrutando um lugar de peso, mas
compreende e admite outras formas de organização profissional e repousa ainda nas famílias.” (PAIM,
Antônio. Pensamento e ação corporativa no Brasil. p. 123. In: SOUZA, Francisco Martins de. Raízes
teóricas do corporativismo brasileiro. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1999, p. 119-174).
130
BARTHÉLEMY, Joseph. La crise de la démocratie représentative. Paris: Marcel Giard, 1928, p. 23.
131
Segundo Mihaïl Manoïlesco: “o fascismo, na sua fase pós-revolucionária, tornou-se positivo e realizou
uma obra construtiva de valor universal, que foi a organização corporatista. Esse corporativismo é
essencialmente caracterizado por traços fascistas e adapta-se às condições políticas do fascismo e às
exigências da vida italiana [§] Daí redunda a necessidade de elaborar uma doutrina autônoma, se
quizermos destacar do fascismo italiano o que ele encerra de universal” (p.XV). Mas, para Manoïlesco, o
universal do fascismo – o corporativismo – exprime algo totalitário: “o ponto fundamental da doutrina [é]
a integração orgânica de todas as forças nacionais” (p.XVI). A idéia totalitária é resumida, enfim, no que
o autor chama de corporativismo puro: “o corporativismo é puro por julgar que as corporações
econômicas e não-econômicas constituem a base e a única legítima, sobre a qual se devem estabelecer o
40
Enfim, aquilo que o conceito de corporativismo carrega que ultrapassa a
condição de composição do corpo social mediante unidades de interesses e passa a se
infiltrar no aspecto representativo, fazendo com que se veja a sociedade como um
simples agregado de corporações, é produto da inclinação ideológica fascista da
primeira metade do século XX.
O que parece essencial na distinção entre um modelo parlamentar
corporativista de existência política e um modelo parlamentar partidário-representativo
de existência política é o fato de que, no primeiro, “o indivíduo não tem um valor
meramente quantitativo (...) que o iguala a todas as outras unidades humanas. Possui
uma significação qualitativa que lhe confere valor político proporcional à função que
exerce na sociedade”133. Quando o sistema representativo, tal como o corporativismo
puro, passa a exprimir a pretensão de esgotar em si a existência política, assume um
viés totalitário, o que explica a facilidade de transposição do modelo representativo
tradicional para o de democracia orgânica do corporativismo totalizante, mediante a
substituição dos partidos políticos por uma representação corporativa. Embora com
menor grau totalitário, a representação partidária como ideologia que exclui outras
formas de manifestação da existência política no Estado não deixa de ter conteúdo
totalizante.
Eis um ponto central de preocupação para o presente estudo: a presença
de instâncias outras de existência política além da parlamentar segue um viés antitotalitário. Ao se possibilitar o exercício da virtude política mediante instâncias setoriais
de congregação de interesses – e.g. as agências reguladoras –, preserva-se a liberdade
política de fazer parte de determinada temática social, e permite-se a formação de uma
comunidade política mediante reconhecimento dos pares por seu interesse comum de
discussão tematizada.
3.4 INSTÂNCIAS DE ESPAÇO PÚBLICO
poder político e a suprema autoridade legislativa [§] De acordo com o conceito do verdadeiro
corporativismo, as corporações não promanam de qualquer autoridade estranha a elas, mas são a única
fonte donde procede todo o poder do Estado” (p.XVIII). A “verdadeira solução e a única possível é o
corporativismo puro, isto é, o sistema político em que a fonte do poder legislativo supremo é constituído
pelas corporações” (p.116). Esta postura totalitária é mitigada, de forma hesitante, no decorrer da obra:
“Na base da idéia corporativista, pusemos o princípio funcional. Destinam-se as corporações a constituir
o fundamento da organização social e bem assim a do Estado, para que elas exercitem um papel funcional
excedente em importância ao de outra forma de integração social e política” (p.93). In: MANOÏLESCO,
Mihaïl. O século do corporativismo: doutrina do corporativismo integral e puro. Trad. Antônio José
Azevedo Amaral. Rio de Janeiro: José Olympio Editora, 1938 – grifos nossos. Partindo-se, portanto, da
visão de que o corporativismo puro é a manifestação do que o fascismo encerra de universal, exime-se,
este estudo da diferenciação entre fascismo e corporativismo nos campos de atenção de Stepan: o político
e o ideológico. Vide: STEPAN, Alfred. Estado, corporativismo e autoritarismo. Trad. Mariana Leão
Teixeira Viriato de Medeiros. Rio de Janeiro: Paz e Terra, p. 73-77 (Coleção Estudos Latino-Americanos,
vol.17).
132
MUSSOLINI, Benito. La riforma elettorale. p. 199. In: HOEPLI, Ulrico (org.). Scritti e discorsi di
Benito Mussolini: L’inizio della nuova política. Vol. III, 28 ottobre 1922 – 31 dicembre 1923, p. 187203. O fascismo “vuole fare del Parlamento una cosa un po’ più seria, se non solenne, vuole, se fosse
possibile, colmare quell’hiatus che esiste innegabilmente fra Parlamento e Paese”.
133
MANOÏLESCO, Mihaïl. Op. cit., p. XVI).
41
Verificada a origem ideológica da proposição de assimilação, na esfera
representativa, das corporações, mas, mais do que isso, da proposição de identificação
entre os habilitados a figurarem no espaço público e as instituições corporativas, podese dar um passo adiante na medida em que o pressuposto de rechaço à ideologia fascista
firma o norte de análise das instituições que se candidatam a funcionarem como espaços
públicos alternativos ao parlamento, como é o caso das agências reguladoras.
A noção de corporação, pautada que é, dentre muitas, pela idéia de
proteção dos interesses dos seus membros, não se coaduna com a de espaço público,
justamente porque este último está predestinado a ser um espaço de suspensão das
particularidades em nome da igual consideração de todas as partes. O espaço público
serve como meio de contato entre as corporações, ou seja, entre interesses precisamente
focados, mas não serve somente a este fim. Ele também se apresenta como o local de
encontro de interesses ainda em processo de definição. Esse espaço somente não pode
prescindir da inclinação dos indivíduos em integrá-lo; da abdicação da condição
particular de cada qual em nome de uma condição de parte do todo.
Por isso, a concepção hegeliana do Estado como instância ética, como
meio de manifestação do que “deve ser assegurado de modo universal”134, dá o tom do
espaço político no universal que este detém: não se confundir com o interesse particular,
que não seja o interesse de se integrar no todo.
Existem esferas de universal a que o indivíduo é livre para se vincular. O
Estado é apenas uma delas. Ele não esgota o sentido da existência política. Seguindo-se
a linha de raciocínio de Hegel135, a existência política adquiriria sua mais perfeita
manifestação no Estado, mas não seria ele o único caminho de elevação do particular ao
universal. O indivíduo seria livre para decidir que esfera de universal deveria tomar seus
esforços. Não seria, portanto, a participação no Estado, ou mesmo, a representação
democrática as únicas vias de exercício da virtude política. A virtude seria projetada em
direção a um conceito mais geral: o de espaço público, esteja ele desenhado como poder
estatal geral (representação democrática), como poder estatal especial (órgãos estatais
de funções específicas), como poder institucional difuso (opinião pública), como poder
institucionalizado (participação democrática) ou mesmo, dentro de limites ainda mais
estreitos, como instituições aglutinadoras de universos menores dentro do Estado, como
é o caso das corporações.
Enfim, há instâncias de espaço público além da esfera representativa. Ela
é apenas um método de mediação de interesses em grau de generalização elevado e,
portanto, inclinada à politização de questões fundamentais. Dizer que se presta a
hospedar questões específicas significa ordenar-se o vício de limitação procedimental
das decisões parlamentares como fatalidade. O espaço público é um espaço construído
diuturnamente e depende de quem se habilite a criá-lo. A delimitação temática induz à
seleção do público interessado e viabiliza a especialização da virtude política enquanto
esta encarnar uma opção; uma opção sobre com o que se preocupar já que ela é, em si,
um compromisso de preocupar-se com o todo de que se faz parte.
134
HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Op. cit., p. 198.
O trecho a seguir é esclarecedor: “Na sua esfera corporativa, municipal etc. atinge ele [o indivíduo] a
sua real e viva vocação para o universal (§ 251). É livre, no entanto, pelas suas aptidões e sua capacidade,
para introduzir-se em qualquer das ordens (incluindo a classe universal). [§] Naquela opinião de que
todos devem participar nos assuntos do Estado, também se supõe que todos têm deles alguma sabedoria, o
que não deixa de ser insensato, embora seja dito muitas vezes. Na opinião pública (§316), todavia, pode
cada qual encontrar os meios de se exprimir e de fazer valer a opinião subjetiva que do universal possui.”
(Ibid., p. 255).
135
42
A proximidade entre as instituições estatais vocacionadas a setores de
atividades específicas – as agências reguladoras, por exemplo – e as corporações
pertinentes a cada setor não retira das primeiras a condição de espaços públicos. Tais
instituições não se confundem com as corporações exatamente porque estão
impregnadas de função pública de espaço de mediação dos interesses corporativos que
nela se manifestam. Rendem homenagem aos seus fins institucionais enquanto
enxergam as corporações não como tais, mas como partes do processo de formação da
decisão política.
Nesta linha de raciocínio, o ideal de Estado-Mínimo somente é aplicado
às atividades que não detêm o caráter de elevação das particularidades ao universal, pois
às que detêm – e nestas estão as atividades reguladoras setoriais, de administração
prestacional e ordenadora – aplica-se o raciocínio inverso: aquilo que interessa a todos
somente pode representar-se sem manipulações de particularidades preconcebidas como
prevalecentes, se inserido em uma instituição que interesse a todos por representar a
própria convivência social, e, em sentido imanente, a unidade entre o universal e o
particular. Daí partir-se, nesta tese, do pressuposto de que a esfera própria de
manifestação da discussão política setorial seja uma instituição reconhecedora da
paridade dos seus potenciais partícipes. Assim, uma instituição estatal que seja afastada
por determinação legal ou constitucional de interferência hierárquica do próprio
Governo encaixa-se melhor nesta finalidade que o próprio Parlamento, ou mesmo um
órgão ministerial do Poder Executivo.
A virtude de uma instituição reguladora setorial está exatamente em, não
sendo parte a não ser do dever de sua preservação como instância ética pautada em seu
fundamento de existir – a Constituição do Estado como “fim e (...) realidade em ato da
substância universal e da vida pública nela consagrada.”136 – firma-se como momento
de unidade exterior em que os interessados no setor – usuários, sociedade civil,
investidores, empresas, o próprio Governo etc. – não figurem lá com pesos distintos,
mas como partícipes, como membros, como iguais. Sua voz deve ser ouvida em razão
unicamente de fazerem parte dos interessados no setor.
3.5 CONCLUSÃO
As corporações seriam, portanto, espaços necessários de encontro de
interesses individualizados e de manifestação do resultado institucional deste convívio
no tempo, cumprindo a função de se evitar a confusão destes interesses corporativos
com a Idéia de união dos mesmos interesses em um espaço comum, não porque dele
sairá uma decisão que homenageie os interesses de determinados grupos, mas
exatamente porque nele se promove a submissão dos interesses de grupos a um valor
maior de compartilhamento da discussão, de destinos, enfim, do convívio humano. O
que Hegel demonstra é que o Estado somente se apresenta como unidade ideal se
partilhá-la com a diversidade concreta137, pois esta unidade ideal depende de um
136
Ibid., p. 155.
O Estado em Hegel não é um Absoluto em si, mas exatamente a representação da união de Idéias
imanentes ao que reúne. Sua virtude está em ser um espaço de reunião destas Idéias imanentes e não, de
carregar, em si, uma Idéia que prescindiria das partes. O sistema de Hegel é de pluralidade de forças para
presença do Estado: soberania de um lado; corporações de outro; elemento subjetivo do funcionalismo de
137
43
reconhecimento pelo sujeito da razão que está por trás das coisas, cujo método imanente
seria o dialético.138
Enfim, o Estado, como manifestação de interesses concretos de solução
da questão social ombreia com o espaço público do seu ser-em-si. Ou seja, o Estado,
significando o espaço de solução da questão social, ombreia com o Estado, significando
abertura de espaço ao público, de espaço à virtude política. Resumir-se o conceito de
espaço público ao de instâncias superiores decisórias do Estado implica uma totalização
do conceito em detrimento de seu sentido imediato: o de espaço pautado pela
perseguição incondicional de sua sobrevivência.
Assim, precisadas as relações entre as noções de espaço público,
corporação e instituições estatais setoriais, tem-se como pressuposto do estudo
comparativo a ser desenvolvido que as agências reguladoras e o regramento jurídico
estatal serão analisados como representações exteriores de um conceito ideal; de uma
Idéia em termos hegelianos. A Idéia de reconhecimento pela individualidade do caráter
essencialmente universal do ser-em-si, como conteúdo moral objetivo139; como algo que
identifica os entes partícipes de uma instituição como unidade; como voltados a um
mesmo objetivo de construção de um espaço público acessível por todos.
outro, cada qual com sua verdade imanente necessária ao conjunto (p. 246). O Estado, para Hegel, é a
representação mais evidente de uma instituição abrangente reunidora das sínteses oriundas da relação
entre o ser-em-si e o ser-para-si. Dizer que ele idolatra o Estado é uma afirmação falaciosa. Ele idolatra a
autoridade das leis morais (p.150), que estariam sedimentadas no Estado como conteúdo da moralidade
objetiva (da ética). Conferir, para tanto: Ibid., p. 150 e 246. Vide, também, nota 135, p. 54 desta tese.
138
O método dialético, em Hegel, é o método imanente ao ser (ou, o que é o mesmo para Hegel, imanente
ao pensamento). Significa deixar o pensamento a si mesmo, abandoná-lo a seu movimento próprio
(Selbstbewegung des Begriffs) de ver a experiência e entendê-la por seu oposto dirigida para o
reconhecimento ou conscientização da razão que dirige tudo. “O indivíduo, ou espírito subjetivo,
expressa-se como alma, enquanto dependente da Natureza; consciência (Bewusstsein), enquanto oposição
à Natureza; e Espírito, enquanto síntese com a Natureza pelo conhecimento” (p.22). A dialética, para
Hegel, é “o princípio motor do conceito – enquanto não é simplesmente análise, mas também produção
das particularidades do universal” (p.62). Não se trata de uma dialética negativa, como se pode encontrar
até em Platão, que se contenta em atingir, como seu útlimo fim, o oposto de uma representação. Em
Hegel, “a dialética superior do conceito consiste em produzir a determinação, não como oposição e limite
simplesmente, mas compreendendo e produzindo por si mesma o conteúdo e o resultado positivo, pois só
assim a dialética é desenvolvimento e progresso imanente. Tal dialética não é, portanto, a ação extrínseca
de um intelecto subjetivo, mas, sim, a alma própria do conteúdo, de onde, organicamente, crescem os
ramos e os frutos” (p.62). É algo que existe como razão da coisa. Conferir: HEGEL, Georg Wilhelm
Friedrich. Princípios da Filosofia do Direito. Trad. Norberto de Paula Lima. Adaptação e Notas de
Márcio Pugliesi. São Paulo: Ícone, 1997.
139
A pertença do que é subjetivo à uma realidade moral objetiva é fundamental para percepção pelo serpara-si da existência do ser-em-si. “A moralidade objetiva é a idéia da liberdade enquanto bem vivente,
que tem na consciência de si o seu saber e o seu querer e que, por meio de sua ação, tem a sua realidade.
Esta ação tem o seu fundamento em si e para si, e a sua finalidade motora na existência moral objetiva”
(p.149). A moralidade objetiva ou ética é a “substância concreta” (p.149) da subjetividade. As leis e
instituições são mantidas pela estabilidade alcançada pelos ciclos de diferenciações representadas no
conteúdo objetivo da moralidade, ou seja, na ética. Seria a manifestação da liberdade, como “vontade que
existe em si e para si”, como uma realidade objetiva (p.150). A “substancialidade moral” (p.154) presente
nas instituições é o outro lado da “particularidade” (p.154); é a representação da relação entre o ser-em-si
e o ser-para-si; entre o universal e o particular. “Nesta identidade da verdade universal e da particular,
coincidem o dever e o direito e, no plano moral objetivo, tem o homem deveres na medida em que tem
direitos, e direitos na medida em que tem deveres”(p.154-155). “A substância moral, como o que contém
a própria consciência refletida, unida ao seu conceito, é o espírito real de uma família e de um povo”
(p.155), in HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Op. cit.
44
A noção de agência reguladora, como instituição que resulta da
progressiva reconformação da existência política em torno a um setor específico, e,
portanto, utilizando-se um termo de Hegel, como substancialidade imediata do espírito,
pode apresentar-se em uma roupagem de viés corporativo totalizante, como espaço que
encarne uma facção de interessados – daí o fenômeno conhecido por captura do órgão
regulador, em que há a contaminação do espaço público pelos interesses particulares de
quaisquer dos partícipes como fins –, ou pode firmar-se na posição a ela designada de
espaço de suspensão das particularidades do Governo, do Congresso, da sociedade civil,
dos usuários, das empresas, em nome de uma persona destinada a ser parte de um
projeto maior de coexistência de interesses particulares, que são idealmente, assim,
afogados em um espaço catalisador para um fim comum de enriquecimento do conceito
que aquela instituição traz em si, embora revele-se, na experiência cotidiana e, portanto,
provisória, formal, destinada à superação, como manifestação de vontades dos serespara-si – das particularidades. A presença das corporações nos espaços públicos de
formação da decisão política setorial afigura-se necessária, mas não para o fim de
cooptação da instituição estatal. As corporações são, pelo contrário, a garantia de
vigilância.140
A presença de um espaço institucional é necessária exatamente porque se
parte da crença na virtude política como ser livre para ser parte – parte de uma unidade.
A instituição é a representação desta unidade política, em que os interesses privados das
partes somente encontram o “meio do universal”141 para se manifestarem. A presença de
um espaço institucional eleva a individualidade natural de cada parte a um saber
universal nos limites daquele espaço, auxiliando na formação de uma cultura de
indução da subjetividade à objetividade.142 Uma cultura que demonstre em si sua razão
de ser: o “pensamento do indivíduo na forma do universal”143, mediante o despir-se
cada qual de sua particularidade para abraçar o fim comum de parte do corpo.
A regulamentação estatal dos setores ditos regulados, dentre eles o de
telecomunicações, não se afigura, assim, como uma resposta estatal provisória fadada a
superação e exigida somente enquanto não for alcançado o bom funcionamento do
mercado. Desde que a regulamentação estatal esteja revestida do caráter de viabilização
da existência política dos interessados, ela está assentada em um valor perene, pois
140
“A preservação do Estado e dos governados contra o abuso do poder cometido pelas autoridades e
pelos funcionários imediatamente consiste, por um lado, na hierarquia e na responsabilidade e reside, por
outro lado, no reconhecimento das comunas e corporações, impeditivo de que o arbítrio individual se
confunda com o exercício do poder entregue aos funcionários assim completando, vindo de baixo, a
vigilância que, vinda de cima, é insuficiente quanto aos atos particulares de administração” (Ibid., p. 245).
141
Ibid., p. 171.
142
O trecho a seguir extraído de Hegel foi utilizado como fundamento para esta afirmação do texto a partir
da consideração da sociedade civil e do Estado como fases de um mesmo fenômeno: o da presença do
particular na unidade, mediante a progressiva conscientização da Idéia do particular não como sujeito
isolado, mas como parte de um todo. “Ao desenvolver-se até a totalidade, o princípio da particularidade
transforma-se em universalidade, pois só aí começa a sua verdade e a legitimação da sua realidade
positiva. Em virtude da independência dos dois princípios que reside no nosso ponto de vista da divisão
(...), esta unidade não é a identidade moral, objetiva, e não existe, portanto, como liberdade, mas como
necessidade: o particular é obrigado a elevar-se à forma do universal e nela procurar e encontrar a sua
estabilidade” (Id., ibid.). Aqui pode-se visualisar claramente a diferença conceitual da liberdade em
Hannah Arendt e em Hegel. Para ela, a liberdade política é uma necessidade de ser parte. Hegel
reconhece esta necessidade, mas a coloca como meio para alcance da verdadeira liberdade, como
consciência do ser-em-si e para-si perante a Idéia do universal e Absoluto.
143
Ibid., p. 182.
45
substitui uma circunstância objetiva de apresentação conjuntural do mercado por um
processo de participação do sujeito no exercício de sua liberdade, de sua virtude
política. Deixar que as coisas se acomodem por si sós, sem o esforço diuturno dos
interessados é declarar a escravização do sujeito a um rumo fixado por algo alheio a ele
e, portanto, também é uma opção ideológica de entrega do sujeito ao curso dos
acontecimentos, pressupondo-os produto do acaso. Não importa que as decisões geradas
no exercício da virtude política não sejam as melhores, pois ela nunca pretendeu que
assim fossem, nem mesmo no formato parlamentar da existência política.144 Trata-se da
emancipação do sujeito enquanto cidadão de “circunstâncias exteriores e combinações
remotas”145, que o escravizam em uma condição nada nobre de ser cujo destino não lhe
é próprio.
Ao se falar, nesta tese, de telecomunicações, não se está a qualificá-la
como meio de publicização da representação democrática. Esta é uma função menor das
telecomunicações. Elas exercem um fim muito maior de se configurar como meio geral
de mediação política, seja estatal ou não, e as agências reguladoras, como partes da
definição de política pública para o setor, são, em si mesmas, instituições que se
apresentam como meio de mediação política potencializada ou não pelas
telecomunicações que controlam. As agências, em si mesmas, também são instituições
de mediação política para conformação do setor segundo a presença da persona política
de cada qual. Quando a agência reguladora de que se trata é a agência que define os
moldes e o destino das telecomunicações, então a concatenação dos dois aspectos – de
consciência das telecomunicações como catalisadoras de virtude política e de presença
do espaço político na instituição de controle do setor – evidencia a centralidade da
questão política para comparação de políticas públicas praticadas no Brasil e nos EUA.
144
“A instituição representativa não se destina a fornecer, quanto aos assuntos do Estado, deliberações e
decisões que sejam as melhores, pois deste ponto de vista ela é apenas complementar; porque o seu
destino próprio é o de conferir direito ao fator de liberdade formal dos membros da sociedade civil que
não participam no governo, informando-os sobre os assuntos públicos e, sobre eles, convidando-os a
deliberar – aplica-se tal exigência de informação universal mediante a publicidade das deliberações das
assembléias” (Ibid., p. 258, §314).
145
“Mas o que, sobretudo, torna necessária uma fiscalização e direção universais é a dependência em que
se encontram amplos ramos industriais devido a circunstâncias exteriores e combinações remotas que não
oferecem uma visão de conjunto aos homens que a elas se acham vinculados e sujeitos” (Ibid., p. 196).
46
4 MODELO BRASILEIRO DE REGULAÇÃO DAS
TELECOMUNICAÇÕES
4.1 INTRODUÇÃO
A proposta de abordagem descritiva deste capítulo não pode fugir da necessária
focalização de certos aspectos em detrimento de infinitos outros. Em face disto, faz-se,
de antemão, a ressalva de que o termo regulação146 será utilizado como referência geral
a qualquer tipo de atuação estatal voltada ao direcionamento de um setor de atividades,
evidenciando, assim, o intuito de se esclarecer a conformação das políticas públicas
brasileira e estadunidense no setor de telecomunicações. No caso brasileiro, o enfoque é
concentrado na década de 1990 em virtude das alterações produzidas neste período. Já o
modelo estadunidense analisado no capítulo seguinte servirá como contraponto do
molde estrutural de regulação setorial adotado no Brasil e, portanto, ao invés do enfoque
em período determinado, servirá, ao contrário, como referência tópica a partir das
considerações levantadas da leitura do modelo brasileiro.
4.2 ESPÉCIES DE REGULAÇÃO E REGULAÇÃO SETORIAL
Entender-se regulação como intenção de direcionamento estatal é um primeiro
passo para sua precisão conceitual. O contexto de sua utilização refere-se à distinção
entre o que se costuma chamar, por um lado, de government by law, em que disposições
normativas com pretensão de durabilidade se apresentam como suficientes para
pautarem relações sociais em momentos históricos afastados entre si, e, por outro lado,
o que se convencionou chamar de government by policies, em que a pretensão de
regramento estatal de atividades deixa de render homenagem a um modelo tradicional
de preceitos abstratos e gerais para refletir maior aproximação entre os momentos
político e jurídico mediante conformação do regramento setorial por intermédio de
estruturas estatais de produção conjuntural de atos normativos – as agências reguladoras
–, refletindo, nos textos regulamentares, a diuturna reconfiguração do meio político.147
146
“Embora a etimologia sugira a associação da função reguladora com o desempenho de competências
normativas, seu conteúdo [da regulação] é mais amplo e variado (...) a regulação contempla uma gama
mais ampla de atribuições, relacionadas ao desempenho de atividades econômicas e à prestação de
serviços públicos, incluindo sua disciplina, fiscalização, composição de conflitos e aplicação eventual de
sanções” (MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Direito regulatório: a alternativa participativa
flexível para a administração pública de relações setoriais complexas no Estado Democrático. Rio
de Janeiro: Renovar, 2003, p. 45). Ainda, definindo regulação como forma de controle estatal, vide:
GARNER, Bryan A. (org.). Black’s Law dictionary. 8ªed., St. Paul: West Publishing Co., 2004, p. 1311.
147
“Não basta editar uma lei abstrata, genérica e distante, dizendo que nenhuma exploração da atividade
industrial pode ultrapassar certo limite de poluição, causando dano à saúde do vizinho. É preciso que o
Estado vá trabalhando com a realidade todo o tempo, para definir, nas situações que se põem, o que é ou
não uma emissão de poluentes aceitável; assim obter-se-á a paulatina diminuição da emissão de
poluentes. É preciso impor graus crescentes de restrições à emissão de poluentes, e para isso a lei é
insuficiente. Ninguém imagina que o legislador vá cuidar de regular o nível de emissão de poluentes do
47
Tal perspectiva de regulação como gerenciamento normativo da realidade
setorial, ou seja, como acompanhamento conjuntural de setores de interesse estatal
mediante interferência no seu dia-a-dia, não se apresenta como a única opção de atuação
do Estado voltada ao direcionamento de atividades. A regulação setorial propriamente
dita ombreia com outras formas de interferência estatal de níveis regional e geral, cuja
distinção é apresentada a seguir.
Entende-se como regulação regional o procedimento voltado ao controle de
atividades tendo em conta a divisão espacial federativa de poder político. Dita regulação
regional pode ser identificada, no sistema brasileiro, nos regimes especiais de
tributação.148 Neles, a intervenção por indução reflete uma regulação que leva em conta
a disposição espacial de poder político.149 Trata-se também de regulação regional o
chamado federalismo fiscal direcionado às regiões menos desenvolvidas com base na
distribuição de percentuais do valor de certos impostos a fundos de desenvolvimento
destas regiões.150
Já, a regulação geral destina-se a implementar o controle estatal sobre a
totalidade da economia independentemente da consideração de regiões ou setores151. A
regulação geral está desconectada de setores da economia, desligando-se de um rol de
prestações setoriais específicas, devendo, portanto, ser encarada como regulação de
áreas de interesse estatal, como é o caso das opções políticas geradoras do regime
jurídico do consumidor, da concorrência e do meio ambiente. Podem ser visualizadas,
no Brasil: em certos entes reguladores estaduais e municipais152; nos mecanismos de
controle da concorrência direcionados a todos os setores da economia153; nos
mecanismos de proteção do consumidor; nas propostas sobre agência reguladora do
meio ambiente154; e nos demais instrumentos fixadores de pautas em subsistemas
jurídicos155.
Finalmente, a regulação setorial diferencia-se das demais por operar em
determinados segmentos de atividades definidas convencionalmente como afins. Temas
bairro do Maracanã no ano de 1998; e, em janeiro de 99, editar outra lei para estabelecer que já é hora de
diminuir ainda mais o nível de emissão de poluentes; e, no meio do ano, considerando que aquele nível
eleito foi otimista demais, editar nova lei para voltar atrás. Alguém imagina que o legislador possa fazer
isso, dedicando-se, ele próprio, a um verdadeiro gerenciamento normativo da realidade?” (SUNDFELD,
Carlos Ari. Agências reguladoras e os novos valores e conflitos. p. 1293-1294. In: Anais da XVII
Conferência Nacional dos Advogados. Justiça: realidade e utopia. Vol. II, Rio de Janeiro: Ordem dos
Advogados do Brasil, 1999, p. 1291-1297).
148
CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA DE 1988, art.151, I.
149
Da mesma forma, as chamadas sanções premiais são intervenção por indução, mas não se caracterizam
como regulação regional e sim geral ou setorial dependendo do caso. Incentivos fiscais à indústria, em
geral, para investimento em meio ambiente não se configuram regulação regional, mas geral sobre o
subsistema ordenamental ambiental. Se tais incentivos fiscais fossem dirigidos à determinado setor, eles
se apresentariam também gravados do caráter de regulação setorial.
150
CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA DE 1988, art.159, I, c.
151
AGUILLAR, Fernando Herren. Controle social de serviços públicos. São Paulo: Max Limonad, 1999,
p. 214.
152
Como exemplo, vide, mais adiante, nota 223.
153
No Brasil, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE). No Reino Unido, a Monopolies
and Merger Commission (MMC). Nos EUA, a Federal Trade Commission (FTC).
154
Proposta de Carlos Ari Sundfeld na XVII Conferência Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil.
“Talvez já seja a hora de pensar, também, na criação de agências reguladoras do meio ambiente
independentes em relação ao Poder Executivo, para substituir os atuais órgãos incumbidos do assunto”
(SUNDFELD, Carlos Ari. Op. cit., p. 1291).
155
É o caso do Conselho Monetário Nacional e do Banco Central do Brasil.
48
como educação, saúde, telecomunicações, energia, petróleo, transportes, recursos
hídricos, dentre outros, justificam a referência setorial. Os exemplos históricos de entes
estatais voltados à regulação de setores, ou à regulação de atividades específicas de
setores, todos de interesse público, demonstram que este tipo de regulação não é recente
no Brasil: Comissariado de Alimentação Pública, criado em 1918, de funções
emergenciais voltadas a racionalizar as dificuldades de abastecimento advindas da
primeira guerra mundial; Instituto de Defesa Permanente do Café, criado em 1923 e
sucedido primeiramente pelo Conselho Nacional do Café, de 1931, e em seguida, pelo
Departamento Nacional do Café, de 1933, até o aparecimento da autarquia de
regulação econômica156 denominada Instituto Brasileiro do Café – IBC, em 1952157;
Instituto do Açúcar e do Álcool – IAA, também uma autarquia de regulação econômica,
criada em 1933158; Instituto Nacional do Mate, de 1938; Instituto Nacional do Sal, de
1940; Instituto Nacional do Pinho, de 1941; Departamento Nacional de Energia
Elétrica – DNAEE, de 1968159, cujas funções foram assimiladas pela ANEEL; Conselho
Nacional do Petróleo – CNP160. A eles, são acrescidas as atuais agências reguladoras
156
À época de criação destas autarquias, costumava-se distinguir, por inspiração do direito italiano, entre
autarquias econômicas, voltadas a regular a produção e o comércio, autarquias industriais, autarquias de
crédito, autarquias de previdência, autarquias corporativas, autarquias educacionais. FERREIRA FILHO,
Manoel Gonçalves. Reforma do Estado: o papel das agências reguladoras e fiscalizadoras. p. 254. In:
Fórum Administrativo, ano 1, nº 3, maio de 2001, p. 253-257.
157
O Instituto Brasileiro do Café (IBC) apresentava-se como entidade autárquica criada pela Lei 1.779, de
22 de dezembro de 1952. O art.1o, I, e da Lei 8.029, de 12 de abril de 1990, autorizou o Poder Executivo a
extinguir o IBC, o que se concretizou com o Decreto 99.240, de 7 de maio de 1990. Atualmente, o
Departamento do Café (DECAF) é responsável pelo planejamento, coordenação e supervisão das políticas
públicas concernentes ao setor cafeeiro e integra a Secretaria de Produção e Comercialização na estrutura
do Ministério da Agricultura e do Abastecimento.
158
O Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA) foi criado pelo Decreto 22.789, de 1o de junho de 1933. O
art.1o, I, d da Lei 8.029, de 12 de abril de 1990 autorizou o Poder Executivo a extinguir o IAA, o que se
concretizou com o art.1o, I, d do Decreto 99.240, de 7 de maio de 1990. O Decreto 99.288, de 6 de junho
de 1990, transferiu as atribuições do extinto IAA para a Secretaria de Desenvolvimento Regional da
Presidência da República (SDR/PR), que foi transformada em Secretaria do Ministério da Integração
Regional (MIR) pela Lei 8.490, de 19 de novembro de 1992. Com a Medida Provisória 987, de 28 de
abril de 1995, o Ministério da Indústria, do Comércio e do Turismo (MICT) assumiu os encargos do MIR.
Em 22 de dezembro de 1995, o art.2o, III, b do Anexo I do Decreto 1.757 criou o Departamento de
Açúcar e do Álcool integrante da estrutura do então MICT. Finalmente, a Medida Provisória 1.911-8, de
29 de julho de 1999 transferiu para o Ministério da Agricultura e do Abastecimento a competência sobre a
matéria de política sucroalcooleira, onde funciona o Departamento do Açúcar e do Álcool integrante da
Secretaria de Produção e Comercialização na estrutura do Ministério da Agricultura e do Abastecimento.
Atualmente, a política pública sucroalcooleira concentra-se no Programa de Equalização de Custos de
Produção nos Estados do Nordeste em detrimento de programas de incentivo específico de plantadores de
cana. Tal programa foi instituído pela Resolução nº 5, de 10/12/1998, do Conselho Interministerial do
Açúcar e do Álcool (CIMA), criado pelo Decreto sem número de 21/08/1997 revogado pelo Decreto atual
de regência do CIMA: Decreto 3.546, de 17/07/2000.
159
O DNAEE originou-se da Divisão de Águas (criada pelo Decreto 6.402, de 28/10/1940) do
Departamento Nacional de Produção Mineral – DNPM – (criado na Reforma Juarez Távora, em agosto de
1934) então pertencente ao Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio. Com a criação do Ministério
das Minas e Energia, em 1961, o DNPM foi vinculado a este ministério. Sua Divisão de Águas foi
transformada no Departamento Nacional de Águas e Energia – DNAE (Lei 4.904, de 17/12/1965) e teve
sua denominação alterada para Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica – DNAEE pelo
Decreto 63.951, de 31/12/1968.
160
O Conselho Nacional do Petróleo (CNP) foi criado pelo Decreto nº395/38 e teve suas atribuições
definidas pela Lei 2.004, de 03 de outubro de 1953.
49
federais161: AEB162; ANATEL163; ANEEL164; ANP165; ANVISA166; ANS167; ANA168;
ANTT169; ANTAQ170; ANCINE171. O modelo brasileiro tem semelhança com modelos
161
Deste rol de agências reguladoras está excluída a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), que
assimilou a terminologia aplicada às autarquias autônomas de regulação setorial, mas não detém suas
características distintivas. A ABIN não tem personalidade jurídica própria. É um órgão integrante do
Subsistema de Inteligência de Segurança Pública (art. 2o do Decreto 3.448/2000), criado no âmbito do
Sistema Brasileiro de Inteligência (SISBIN) da Presidência da República (arts. 1o e 3o da Lei 9.883/99),
sob supervisão interna da Câmara de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Conselho de Governo
(art. 5o da Lei 9.883/99) e sob controle externo do Congresso Nacional (art. 6o da Lei 9.883/99). Está sob
a direção monocrática de um Diretor-Geral (art. 8o da Lei 9.883/99), ao contrário do modelo das agências
reguladoras pautado em colegiados. Assemelha-se, contudo, às agências reguladoras no procedimento de
nomeação de seu Diretor-Geral, mediante indicação e nomeação pelo Presidente da República após
sabatina no Senado Federal (art. 11, parágrafo único da Lei 9.883/99). O Conselho Especial do
Subsistema de Inteligência de Segurança Pública, sob administração da ABIN, é vinculado ao Gabinete
de Segurança Institucional da Presidência da República (art. 3o do Decreto 3.448/2000) e tem o seu
Regimento Interno aprovado pelo Chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da
República, que é a via de interação da Agência com os interessados no exercício de seu direito a
autodeterminação das informações pessoais.
162
Agência Espacial Brasileira (AEB) foi instituída pela Lei 8.854, de 10 de fevereiro de 1994, com
competência, dentre outras, de estabelecer normas e expedir licenças e autorizações relativas às atividades
espaciais (art.3º,XIII) bem como aplicar as normas de qualidade e produtividade em tais atividades
(art.3º,XIV).
163
Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) foi instituída pela Lei 9.472, de 16 de julho de
1997, regulamentada pelo Decreto 2.338, de 7 de outubro de 1997, com função de disciplinamento e
fiscalização da execução, comercialização e uso dos serviços de telecomunicações e da implantação e
funcionamento de redes de telecomunicações, bem como da utilização dos recursos de órbita e espectro
de radiofreqüências. Tem fundo próprio submetido a sua exclusiva administração (Fundo de Fiscalização
das Telecomunicações – FISTEL), criado pela Lei 5.070, de 7 de julho de 1966.
164
Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) foi instituída pela Lei 9.427, de 26 de dezembro de
1996 com a finalidade de regular e fiscalizar a produção, transmissão, distribuição e comercialização de
energia elétrica, em conformidade com diretrizes do Governo Federal e com poderes regulamentados pelo
Decreto 2.335, de 6 de outubro de 1997. Sucedeu ao Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica
(DNAEE). Tem atribuição de celebrar e gerir contratos de concessão e de permissão no setor e de dirimir,
no âmbito administrativo, divergências entre concessionárias e consumidores.
165
Agência Nacional do Petróleo (ANP), instituída pela Lei 9.478, de 6 de agosto de 1997, teve suas
atividades regulamentadas pelo Decreto 2.455, de 14 de janeiro de 1998. Como autarquia reguladora da
indústria do petróleo, tem funções de normatização, contratação e fiscalização das atividades econômicas
integrantes da indústria do petróleo.
166
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) foi instituída pela Lei 9.782, de 26 de janeiro de
1999 e teve suas atividades regulamentadas pelo Decreto 3.029, de 16 de abril de 1999. Sua sigla foi
mudada de ANVS para ANVISA pela Medida Provisória 2.134-25, de 28/12/2000, produto de
modificação das prorrogações da Medida Provisória originária de número 1.814, de 26/02/1999.
Autarquia especial vinculada ao Ministério da Saúde, tem por objetivos, dentre outros, promover a
proteção da saúde da população, por intermédio do controle sanitário da produção e da comercialização
de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária, inclusive dos ambientes, dos processos, dos
insumos e das tecnologias a eles relacionados, bem como o controle de portos, aeroportos e de fronteiras.
167
Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) foi criada pela Lei 9.961, de 28 de janeiro de 2000,
também vinculada ao Ministério da Saúde e com a finalidade de promover a defesa do interesse público
na assistência suplementar à saúde, normatizando a atuação das operadoras setoriais, inclusive quanto às
suas relações com prestadores e consumidores, contribuindo para o desenvolvimento de ações em âmbito
nacional.
168
Agência Nacional das Águas (ANA) foi instituída pela Lei 9.984, de 17 de julho de 2000, vinculada ao
Ministério do Meio Ambiente, integrante do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recurso Hídricos.
169
Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), instituída pela Lei 10.233, de 5 de junho de 2001,
autarquia especial supervisionada pelo Ministério dos Transportes com independência administrativa,
autonomia financeira e funcional e mandato fixo de seus dirigentes (art.21,§2º) e competência para
50
de regulação setorial implantados em outros países. No Reino Unido: OFWAT172;
OFCOM173; OFGEM174. Nos Estados Unidos da América: ICC175; FCC176; FERC177. Na
Alemanha: Bundesnetzagentur178; dentre vários outros. O modelo também encontra
sintonia no ambiente internacional: UIT179; OMS180; FAO181; UNESCO182; UPU183;
regulação do transporte ferroviário de passageiros e cargas ao longo do Sistema Nacional de Viação
(art.22,I), de exploração da infra-estrutura ferroviária e arrendamento dos ativos operacionais
correspondentes (art.22,II), do transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros
(art.22,III), do transporte rodoviário de cargas (art.22,IV), da exploração da infra-estrutura rodoviária
federal (art.22,V), do transporte multimodal (art.22,VI) e do transporte da cargas especiais e perigosas em
rodovias e ferrovias (art.22,VII).
170
Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ), instituída pela Lei 10.233, de 5 de junho de
2001, autarquia especial supervisionada pelo Ministério dos Transportes com independência
administrativa, autonomia financeira e funcional e mandato fixo de seus dirigentes (art.21,§2º) e
competência para regular a navegação fluvial, lacustre, de travessia, de apoio marítimo, de apoio
portuário, de cabotagem, de longo curso (art.23,I), os portos organizados (art.23,II), os terminais
portuários privativos (art.23,III), o transporte aquaviário de cargas especiais e perigosas (art.23,IV) e a
exploração da infra-estrutura aquaviária federal (art.23,V).
171
Agência Nacional do Cinema (ANCINE), instituída pela Medida Provisória 2.228, de 6 de setembro de
2001, autarquia especial supervisionada pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio
Exterior com autonomia administrativa e financeira (art.5º,caput) e mandato fixo de seus dirigentes
(art.8º,caput) e competência para regular as atividades cinematográficas e videofonográficas (art.7º).
172
Office of Water Services (OFWAT), cujo Diretor (Director General of Water Services) vem definido
como o regulador econômico da indústria de água e esgoto da Inglaterra e do País de Gales na Parte I,
Artigo 1º, Parágrafo 1º, do Water Industry Act 1991 (WIA91), fixando preços pelos serviços de
fornecimento de água e de esgoto, fiscalizando a qualidade dos serviços, fiscalizando a saúde das
empresas do setor, incentivando a eficiência e a competição.
173
Precedida pela OFTEL (Office of Telecommunications), que fora criada pelo Telecommunications Act
de 1984, a Office of Communications (OFCOM), com formato definido pelo Communications Act de
2003, assimilou, dentre outras, as competências da OFTEL e hoje se apresenta como reguladora da
indústria de comunicações do Reino Unido, envolvendo serviços de televisão, rádio, telecomunicação e
comunicação sem fio.
174
The Office of Gas and Electricity Markets (OFGEM) surgiu da reunião do OFFER (Office of Electricity
Regulation) com o OFGAS (Office of Gas Suply), cujas bases normativas remontam ao Gas Act de 1986.
Trata-se do regulador da indústria britânica de gás e eletricidade.
175
Interstate Commerce Commission (ICC), festejada como a primeira agência reguladora federal norteamericana, foi instituída pelo Interstate Commerce Act de 1887 destinada a regular transportes em geral, à
exceção do transporte aéreo, tendo sido extinta em 1995.
176
Federal Communications Commission (FCC), instituída pelo Communications Act de 1934 e
qualificada como agência independente, responde pela regulação da comunicação interestadual e
internacional por rádio, televisão, par de cobre, satélite ou cabo.
177
Federal Energy Regulatory Commission (FERC), foi a sucessora da antiga Federal Power Commission
(FPC), que, embora existente desde 1920, adquiriu as características de uma agência governamental
independente a partir de 1930. Criada em 1977, a FERC é citada oficialmente como agência
governamental independente que regula a transmissão interestadual de gás natural, petróleo e eletricidade
dos Estados Unidos da América.
178
Regulierungsbehörde für Telekommunikation und Post (RegTP), trata-se da Autoridade Reguladora
para Telecomunicações e Correios da Alemanha, entidade reguladora dos setores de telecomunicações e
correios instituída a partir de 1996 com a correspondente Lei Geral de Telecomunicações (Regelungen
des Telekommunikationsgesetzes – TKG). Em 13 de julho de 2005, foi renomeada para
Bundesnetzagentur.
179
União Internacional de Telecomunicações (International Telecommunication Union – ITU).
180
World Health Organization (WHO) – Organização Mundial da Saúde (OMS).
181
Food and Agriculture Organization of the United Nations (FAO).
182
United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization (UNESCO).
183
Universal Postal Union International (UPU).
51
IAEA184, e está apoiado na divisão funcional ligada a conjuntos de temas unidos por um
conhecimento técnico-científico específico.
Das espécies de regulação anteriormente apresentadas, a que maior presença
institucional obteve na década de 1990, em âmbito federal, no Brasil, foi a setorial,
revelando a preocupação de reestruturação estatal e investimento em instituições
capazes de promover o preenchimento normativo de diretrizes regulatórias atualizáveis
no ritmo de alteração da própria atividade regulada. Visualizado o campo de atividades
que demanda intromissão estatal, seja pela natureza da atividade, seja pela finitude185 do
meio de sua manifestação, ou mesmo pelo dever estatal de otimização do potencial uso
de um bem público, as instituições reguladoras passaram a desempenhar papel nuclear
na dinâmica organizacional daquelas atividades.
Para os fins desta tese, o termo instituições reguladoras pareceu mais apropriado
para designar os instrumentos de que se utiliza o Estado no regramento de serviços, pois
a volátil nomenclatura existente inviabiliza qualquer tentativa de sistematização de
conceitos a longo prazo. Por força da novidade terminológica das agências reguladoras,
o resgate de estruturas administrativas do passado revelará aspectos mais precisos
quanto ao formato de regulação setorial adotado para as telecomunicações no Brasil.
4.3 ESTRUTURAS DE REGULAÇÃO SETORIAL NO BRASIL
A partir da década de 1930, surgiram, no Brasil, os assim chamados conselhos
econômicos resultantes da ampliação e da especialização das atividades estatais. A
origem186 da preocupação de criação de conselhos consultivos para fornecimento de
bagagem técnica às decisões políticas foi evidenciada na Constituição Federal brasileira
de 1934, que facultou a criação, por lei ordinária, de Conselhos Technicos e Conselhos
Geraes para assistirem os Ministérios, chegando mesmo a vincular a deliberação do
Ministro de Estado correspondente187. Embora a Constituição de 1934 previsse
expressamente o Conselho Superior de Segurança Nacional (art. 159) e o Conselho
Nacional de Educação (art. 152), a repercussão prática da novidade foi tímida,
resumindo-se à criação do Conselho Nacional de Educação pela Lei 174, de 1936, e à
184
International Atomic Energy Agency (IAEA) – Organismo Internacional de Energia Atômica (OIEA).
No setor de telecomunicações, o espectro de radiofreqüência e os recursos de órbita são exemplos de
bens finitos ou escassos.
186
Já na primeira metade do século XIX, os conselhos administrativos eram tidos como auxiliares dos
agentes políticos “para que a deliberação e a ação que [deles] resulta seja ilustrada e acertada; para que
esta melhor possa ser fiscalizada; para que a responsabilidade seja mais patente e justa” (URUGUAI,
Paulino José Soares de Souza, Visconde de. Ensaio sobre o direito administrativo. Fac-símile da edição
de 1960, Brasília: Imprensa Nacional, 1997, p. 126).
187
CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA DE 1934: “Art.103.Cada Ministerio será assistido por
um ou mais Conselhos Technicos, coordenados, segundo a natureza dos seus trabalhos, em Conselhos
Geraes, como órgãos consultivos da Camara dos Deputados e do Senado Federal. §1oA lei ordinaria
regulará a composição, o funccionamento e a competencia dos Conselhos Technicos e dos Conselhos
Geraes. §2oMetade, pelo menos, de cada Conselho será composta de pessoas especializadas, estranhas aos
quadros do funccionalismo do respectivo Ministerio. §3oOs membros dos Conselhos Technicos não
perceberão vencimentos pelo desempenho do cargo, podendo, porém, vencer uma diaria pelas sessões, a
que comparecerem. §4oÉ vedado a qualquer Ministro tomar deliberação, em materia da sua competencia
exclusiva, contra o parecer unanime do respectivo Conselho.” (CAMPANHOLE, Hilton Lobo;
CAMPANHOLE, Adriano. Constituições do Brasil. 13aed., São Paulo: Atlas, 1999, p. 712).
185
52
previsão, na Constituição de 1937 (arts. 57 a 63) do Conselho da Economia Nacional,
que não se repetiu nas constituições de 1946 (art. 148, caput) e 1967 (art. 57, VI),
inclusive Emenda Constitucional n.1, de 1969 (art. 160, V).
Da imprecisão semântica dos conselhos podem-se extrair, todavia, certos
elementos conceituais como o da colegialidade de funções, cuja definição weberiana se
dá por sua oposição à autoridade monocrática188. O plural, o corpo, o coletivo, a
reunião, enfim, a assembléia fazem parte do significado histórico dos conselhos. Tais
características incrementam o caráter institucional de convencimento e discussão,
chegando, no direito espanhol, a ser erigido à condição de princípio definidor da
natureza dos órgãos consultivos189. A colegialidade permite, assim, maior profundidade
das decisões, que é obtida às custas de maior grau de imprecisão e morosidade.190 Ela
divide a responsabilidade da decisão, atomizando-a em manifestações parciais.191
Pode-se dizer, portanto, que isenção, profundidade e morosidade identificam a
forma colegial de decisão. Entretanto, não depõem, a priori, contra ou a favor do
modelo de decisão colegial, mas indicam os limites e oportunidades para sua
manifestação. A presença dos conselhos pode ser vista como uma resposta estatal ao
desequilíbrio gerado pela especialização do ambiente privado sobre determinados
setores tidos por relevantes para o Estado. O conhecimento especial superior dos
interessados atores de um determinado setor da economia, que, por serem partes, são
naturalmente facciosos, somente pode ser contrastado mediante a presença de conselhos
econômicos no ambiente estrutural do Estado para nortearem sua atuação regulatória. A
existência dos conselhos segue uma constatação de Max Weber, de que o conhecimento
técnico dos privados é superior ao da burocracia pública. Daí a importância de uma
estrutura poderosa, especializada e independente para o exercício da atividade
regulatória, que tenha acesso ao conhecimento técnico produzido em nível dos
conselhos, ou mesmo, em nível acadêmico institucional.192
188
Max Weber utiliza o conceito de colegialidade como meio específico de mitigação da dominação. A
colegialidade de funções diferencia-se, no pensamento de Weber, da colegialidade de cassação. Nesta
última, persiste a decisão monocrática em meio a outras instâncias monocráticas de adiamento ou
cassação da decisão. Na colegialidade de funções, a autoridade monocrática é substituída pela autoridade
institucional, em que a vontade de um é substituída pela cooperação de alguns. Conferir, a respeito:
WEBER, Max. Economia e sociedade. Vol.I, Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1991, p. 178188.
189
Sobre o princípio da colegialidade, García-Trevijano Fos esclarece que “constitui (....) o último dos que
integram as bases fundamentais de toda organização administrativa. Dividíamos os órgãos em ativos,
deliberantes, consultivos e de controle. Teoricamente, todos eles podem ser unipessoais ou colegiados
com uma única exceção: a dos órgãos consultivos, que têm sempre natureza colegial (....). Os órgãos
ativos costumam ser – na administração geral do Estado – unipessoais. Os de controle costumam ser, ao
contrário, colegiados.” – tradução livre do original: FOS, Jose Antonio Garcia-Trevijano. Tratado de
derecho administrativo. Tomo II, Vol. I, 2ªed., Madri: Editorial Revista de Derecho Privado, 1971, p.
480.
190
Ao analisar os progressos do princípio burocrático monocrático, Weber aponta defeitos e virtudes da
forma colegial de decisão: “O trabalho organizado em forma colegial (...) condiciona atritos e retardações,
compromissos entre opiniões e interesses contraditórios, realizando-se, portanto, com menos precisão e
menos dependência de autoridades superiores e, por isso, de maneira menos uniforme e mais lenta”
(WEBER, Max. Economia e sociedade. Vol. II, Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1999, p. 212).
191
WEBER, Max. Economia e sociedade. Vol. I, Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1991, p. 183.
192
“Superior ao conhecimento especial da burocracia é apenas o conhecimento especial dos interessados
da economia privada, na área ‘econômica’. Isto porque, para eles, o conhecimento exato dos fatos de sua
área é diretamente uma questão de sua existência econômica: erros numa estatística oficial não trazem
conseqüências diretamente econômicas para o funcionário responsável, mas erros nos cálculos de uma
empresa capitalista causam-lhe perdas, ameaçando, talvez, sua existência. E também o ‘segredo’, como
53
Opõe-se a tal constatação de imprescindibilidade dos conselhos, sua imprecisão
terminológica e conseqüente aplicação casuísta.
No que tange à imprecisão terminológica, tem-se a divisão entre conselhos de
especialização, conselhos consultivos e instâncias colegiais controladoras. De um lado,
há as corporações de especialização, que são formadas dentro da estrutura burocrática
estatal por técnicos habilitados em razão de seus conhecimentos especiais. Ditas
corporações ombreiam com as corporações consultivas, que, na classificação de Weber,
são formadas por interessados privados no setor em pauta. Por outro lado, as instâncias
colegiais controladoras estão presentes nas conformações burocráticas da economia
privada, como o conselho fiscal de uma empresa.193 Dita classificação, no entanto, não
foi absorvida pela prática institucional brasileira, o que não impede a conclusão de que
há ao menos duas formas essencialmente distintas de manifestação dos conselhos: os de
produção de massa crítica para outros atores do processo decisório estatal; e os de
influência no processo decisório por parte do diálogo estabelecido entre o Estado e o
setor regulado, diálogo este inserido na instituição estatal dos conselhos, ou seja, na
possibilidade da interferência dos interessados na escolha dos temas e na solução dos
problemas referentes ao setor de atividades visado. Seguindo esta classificação, os
conselhos integrantes da estrutura estatal diferenciam-se das instâncias colegiais
controladoras presentes na economia privada pelo critério da força das decisões. Os
conselhos presentes na economia privada fornecem a própria deliberação perseguida,
enquanto os da esfera estatal refletem funções basicamente técnicas e opinativas.
Emerge destas constatações, que o conceito de conselho, embora tenha hoje
perdido sua dimensão inicial, tem sua contribuição de conceito geral do qual derivaram
outros atualmente festejados, como o de comissão e o de agência. Antes, os conselhos
exerciam função meramente consultiva, mas, com o tempo, alguns deles usurparam o
poder em face de sua especialização e de sua condição de complexos perenes frente a
autoridades efêmeras.194
A abertura conceitual do termo conselho acabou gerando o surgimento de outros
termos que denotam vinculação decisória para se contraporem ao aspecto consultivo
agregado aos conselhos hoje existentes. Isso não quer dizer que todos os conselhos do
Estado brasileiro estejam maculados com a função meramente consultiva195, mas esta é,
sem dúvida, a característica mais difundida196.
meio de poder, está mais seguramente guardado no livro comercial de um empresário do que na
documentação das autoridades. Já por isso, a influência oficial sobre a vida econômica, na era capitalista,
tem limites muito estreitos, e as medidas do Estado nesta área desembocam tão freqüentemente em
caminhos imprevistos e despropositados ou tornam-se ilusórias devido ao conhecimento especial superior
dos interessados” (WEBER, Max. Economia e sociedade. Vol. II, Brasília. Editora Universidade de
Brasília, 1999, p. 227).
193
Ibid., p. 228-229.
194
O trecho a seguir é esclarecedor da abertura conceitual sofrida pelo conceito de conselho: “Enquanto o
conhecimento especial em assuntos administrativos era exclusivamente produto de longa prática empírica
e as normas administrativas não eram regulamentos, mas componentes da tradição, o conselho dos
anciãos, muitas vezes com participação dos sacerdotes, dos “velhos estadistas” e dos honoratiores, era
tipicamente a forma adequada de tais instâncias, que inicialmente apenas aconselhavam o senhor, porém,
mais tarde, por serem complexos perenes diante dos soberanos alternantes, freqüentemente usurpavam o
poder efetivo. Assim, o senado romano e o conselho veneziano, bem como o areópago ateniense até sua
derrubada em favor do domínio dos ‘demagogos’.” (Ibid., p. 228).
195
São exemplos conhecidos de “conselhos” com função decisória, no Brasil, o Conselho Administrativo
de Defesa Econômica (CADE) e os Conselhos de Contribuintes. O Conselho Nacional de Desestatização
– CND, criado pela Lei 8.031/90 e integrado por cinco ministros de estado tem amplos poderes sobre todo
54
O aspecto consultivo dos conselhos inseriu neles a demanda de composição
plural para formação de consenso197. A participação de diversas tendências e interesses
erigiu-os a colaboradores e principais enriquecedores da discussão implementada em
outras instituições decisórias. Isto é melhor visualizado na recente criação de conselhos
no âmbito das agências administrativas, inclusive na Agência Nacional de
Telecomunicações.198
A procura por índices de diferenciação entre os conselhos e as agências esbarra
na consciência de que os critérios daí extraídos são muito mais apanhados de aspectos
formais reincidentes do que propriamente distinções de essência entre as duas
instituições. Não se pode esquecer a paulatina evolução conceitual dos conselhos,
desembocando na imprecisão dos termos que hoje designam as instituições estatais de
controle. Mas esta constatação não chega ao ponto de desmerecer divisões didáticas,
que existem para possibilitar a melhor visualização do contexto conceitual de conselhos
e agências.
Deste modo, no tocante ao funcionamento, os conselhos estão voltados à solução
de questões específicas em razão das quais houver sido suscitada sua reunião, enquanto
as agências possuem um quadro permanente destinado a funcionamento ostensivo. Por
isso, em geral, os membros de conselhos não se afastam de outras funções na esfera
pública ou privada, ao passo que se exige, dos membros de agências, especial dedicação
à atividade que lá desempenham.199 A personalidade jurídica de direito público interno é
da essência das agências administrativas, enquanto os conselhos, em geral,
consubstanciam-se em órgãos, portanto, centros de competências despersonalizados do
Estado. Enfim, a agência, enquanto terminologia, surgiu, no Brasil, na década de 1990,
respondendo a uma demanda de precisão terminológica das colegialidades funcionais de
caráter regulatório, que eram relegadas a adotarem os conceitos de conselhos ou comitês
e que, assim, não transpareciam, de imediato, suas referidas peculiaridades, sofrendo,
como sofriam, ingerência política acentuada.200 O caso do Conselho Nacional de
o processo de privatização, desde a escolha das atividades ou empresas a serem privatizadas até a forma
de privatização e o destino dos recursos. Eventualmente deliberam nas sessões, o presidente do Banco
Central e outros ministros de Estado. O presidente do Conselho é o Ministro do Planejamento e
Orçamento. Mesmo o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), com atribuição de propor
medidas relativas aos recursos energéticos ao Presidente da República (art.2o da Lei 9.478/97),
transpareceu vinculação das suas emanações por força do Decreto 2.455/98, que, ao estabelecer as
finalidades da Agência Nacional do Petróleo, vinculou-a às diretrizes emanadas do Conselho Nacional de
Política Energética (art.2o do Decreto 2.455/98), que foge à característica meramente consultiva em razão
de seu funcionamento periódico e função específica de propostas políticas energéticas. Não se quer dizer
com isso que suas decisões vinculam sem a necessária aprovação do Presidente da República.
196
A presença, na Constituição Federal brasileira de 1988, do Conselho da República e do Conselho de
Defesa Nacional como órgãos meramente opinativos é significativa.
197
Nem todos os exemplos são tão lúcidos assim. O Conselho Monetário Nacional (CMN) tem sua
composição restrita a 3 membros do Executivo exclusivamente, quais sejam: Ministro de Estado da
Fazenda; Ministro de Estado do Planejamento e Orçamento; Presidente do Banco Central. Funcionam
junto ao Conselho Monetário Nacional comissões consultivas estritamente técnicas (Normas e
Organização do Sistema Financeiro, Mercado de Valores Mobiliários e de Futuros, Crédito Rural, Crédito
Industrial, dentre outros).
198
A Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) comporta um Conselho Consultivo definido
como órgão de “participação institucionalizada da sociedade na Agência” (art.33 da Lei 9.472/97).
199
AGUILLAR, Fernando Herren. Controle social de serviços públicos. São Paulo: Max Limonad, 1999,
p. 226.
200
Sobre os conselhos, “continuava a operar, de direito ou de fato, o controle político, pela via de
supervisão ministerial e a competência do Congresso, definindo metas e a atribuição de recursos”
55
Telecomunicações (CONTEL) é exemplo de conselho criado com características
autônomas de comissão interministerial201, ou mesmo, de órgão similar à Federal
Communications Commission (FCC) norte-americana202, que foi sendo
progressivamente esvaziado e suplantado pela Administração direta do Estado.
Com isso, pode-se definir agência administrativa como uma autarquia203 especial
identificada como instituição estatal de regulação operacional ou normativa, que passou
a integrar os aspectos estruturais e organizacionais do Estado para fins de
especialização, celeridade e maior autonomia decisória. Tais características das agências
administrativas vêm mensuradas para que sua atuação, embora protegida da influência
variável da política de Governo, permaneça vinculada à política de Estado, pois os
aspectos de segregação da agência frente ao Estado somente se justificam para o alcance
da finalidade de sua existência, qual seja, a desobstrução do formalismo burocratizante
de seus procedimentos204, desde que instrumental ao cumprimento dos fins públicos que
qualificam uma autarquia.
As agências administrativas dividem-se em duas modalidades no Brasil:
agências executivas; e agências reguladoras. Destas, as agências reguladoras alcançaram
status evidente na organização (aspecto dinâmico) e estruturação (aspecto estático) do
Estado brasileiro de finais do século XX.
Previstas na segunda metade da década de 1990205, as agências executivas
significam um signo, sinal, insígnia, rótulo, enfim, um símbolo identificador da
(TÁCITO, Caio. Novas agências administrativas. In: Carta Mensal, Rio de Janeiro 45(529): 33-44, abril
1999, p. 36)
201
Considerando o CONTEL como comissão interministerial, vide: BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL
FEDERAL. Mandado de Segurança n. 19.227/DF, relator Min. Themístocles Cavalcanti, Tribunal Pleno,
unânime, j. 09/04/1969.
202
Murilo César Ramos analisa a semelhança entre o CONTEL brasileiro e a FCC norte-americana e
atesta o processo de centralização ministerial como o fator de extinção do órgão regulador das
telecomunicações no Brasil ao falar do “órgão colegiado criado pelo Código Brasileiro de
Telecomunicações, emulado, ainda que frouxamente, na Federal Communications Commission (FCC)
norte-americana. CONTEL que iria ser esvaziado progressivamente até sua extinção total nos anos 70,
substituído de fato e de direito por um Ministério altamente centralizador e concentrador de poder.”
(RAMOS, Murilo César. Saúde, novas tecnologias e políticas públicas de comunicações. In: PITTA,
Áurea Maria da Rocha (org). Saúde & Comunicação: visibilidades e silêncios. São Paulo: Hucitec,
1995. p. 69-70).
203
Expressão originária do italiano autarchia. O termo “foi usado pela primeira vez pelo publicista
italiano Santi Romano, em 1897, para identificar a situação de entes territoriais e institucionais do Estado
unitário italiano” (MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 5aed., São Paulo: RT, 2001, p.
77). O conceito basilar de autarquia está na personalidade jurídica dotada de auto-administração e
autosuficiência, conforme enuncia a doutrina italiana em face de sua etimologia: “A palavra italiana
‘autarquia’ traduz duas expressões gregas distintas e tem dois significados em virtude desta origem
distinta: em um primeiro significado, indica a condição de um sujeito que é capaz de bastar a si próprio,
de prover suas próprias necessidades (autosuficiência); no segundo, serve para indicar a posição de um
ente a quem é reconhecida a capacidade de se governar, de administrar os próprios interesses (autoadministração)” (ZANOBINI, Guido. Corso di diritto amministrativo. Vol. I, 8ªed., Milão: Dott. A.
Giuffrè Editore, 1958, p. 124). Tradução livre do original: “La parola italiana ‘autarchia’ traduce due
diverse parole greche e ha due significati, secondo che deriva dall’una o dall’altra di esse: in um primo
significato, indica la condizione di un soggetto che è capace di bastare a se stesso, di provvedere da sè ai
propri bisogni (autosufficienza); nel secondo, vale a indicare la posizione di un ente cui è riconosciuta la
capacità di governarsi da sè, di amministrare da sè i propri interessi (autoamministrazione)”.
204
TÁCITO, Caio. Op. cit., p. 37.
205
Lei 9.649, de 27 de maio de 1998, produto da Medida Provisória 1.549-28, regulada pelos Decretos
2.487 e 2.488, ambos de 2 de fevereiro de 1998.
56
regulação operacional descentralizada206. O nome ‘executiva’ expressa que suas
atribuições não são normativas, mas operacionais. Sua criação busca administrar
políticas públicas em matéria de serviços públicos, diferenciando-as das agências
reguladoras, que se preocupam também com o preenchimento normativo secundário a
partir das políticas públicas oriundas do processo legislativo primário. O foco das
agências reguladoras, portanto, é a regulação normativa. A diferença entre agências
executivas e reguladoras é, portanto, funcional.
Agências executivas são autarquias e fundações públicas federais207 que se
candidatam a receber a insígnia de agência executiva, mediante submissão a um
chamado contrato de gestão, onde se estabelecem metas a serem alcançadas mediante
apresentação de um plano estratégico de reestruturação e desenvolvimento e níveis de
qualidade na prestação de serviços a usuários. A formação da agência executiva implica
processo interno de autonomia208. O rótulo de agência executiva, no entanto, não
transforma a natureza da pessoa jurídica de direito público interno, que continua como
autarquia ou fundação pública209. O que ocorre é que estas autarquias ou fundações
públicas com status de agências executivas são destinatárias de mais um rol de normas
que estabelecem prerrogativas especiais derivadas da lei e que não derrogam o regime
publicista – e nem poderiam –, mas amenizam as limitações intestinas à própria
estrutura hierárquica da Administração Pública, refletindo-se, por exemplo, na maior
autonomia para abrir concursos, desde que haja vagas e recursos disponíveis, podendo
editar regras próprias de avaliação dos servidores para progressão funcional, além da
impossibilidade, por parte do Executivo, de contingenciamento de recursos. Em troca
destes benefícios, surgem deveres específicos da autarquia para com o poder central,
deveres estes derivados do contrato de gestão firmado. Por isso, a agência executiva, em
si mesma, não é exceção ao regime publicista, desde que compreendida a extensão do
que pode vir a ser tratado no contrato de gestão. As críticas210 dirigidas às agências
executivas, portanto, não revelam incoerência de concepção, mas evidenciam o risco da
utilização de seu conceito para ultrapassagem de fronteiras impostas pelo regime
publicista.
A novidade no sistema das agências executivas está na sua íntima conexão com
as propostas recentes de compromisso da própria entidade da administração indireta
com o poder central e de aferição de resultados como requisito de sua sobrevivência211,
206
AGUILLAR, Fernando Herren. Op. cit., p. 242.
Fala-se em autarquias e fundações públicas federais, pois a lei criadora das agências executivas é
federal. Isso não impede a criação de agências executivas semelhantes às federais no âmbito estadual e
municipal, desde que existam leis destes entes para embasarem o ato da Administração.
208
TÁCITO, Caio. Op. cit., p. 36.
209
Em razão de sua natureza jurídica de direito público interno, a ela se aplica o rol de características
publicistas, tais como: responsabilidade objetiva do poder; controle dos atos estatais; fundamentação dos
atos do poder; discricionariedade; publicidade; transparência; supremacia do interesse público; legalidade
estrita; processo de produção de atos do poder; dever de prestar contas; licitação etc. A respeito da
caracterização do regime de direito público, conferir a obra precisa, embora sintética e introdutória:
SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de direito público. São Paulo: Malheiros, 1992.
210
Quanto aos efeitos do decreto, qualificando autarquias ou fundações como agências executivas, Di
Pietro defende que “dificilmente se poderá ampliar a autonomia dessas entidades, por meio de decreto ou
de contrato de gestão [embora deixando em aberto à lei prevista no art.37, §8o da CF/88 a possibilidade
de ampliação de dita autonomia], porque esbarrarão os mesmos em normas legais e constitucionais” (DI
PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 11aed., São Paulo: Atlas, 1999, p. 388).
211
Nas agências executivas, predomina “o sentido de prévio compromisso e a aferição de resultados como
requisito de sobrevivência” (TÁCITO, Caio. Op. cit., p. 39).
207
57
algo caro à proposta, cuja tramitação se iniciou no Congresso Nacional em 2004, para
aplicação do contrato de gestão também a todas as agências reguladoras brasileiras. A
criação de uma agência executiva, enfim, por se tratar tão-somente de signo aposto a
uma entidade de direito público preexistente, depende de Decreto do Presidente da
República, após o processo previsto na Lei 9.649/98, cuja primeira concretização
ocorreu na qualificação do Instituto Nacional de Metrologia, Normatização e Qualidade
Industrial (INMETRO) como agência executiva por meio do Decreto sem número de 29
de julho de 1998.
Por outro lado, como instituições de regulação, em regra, setorial, as agências
reguladoras ou agências reguladoras e fiscalizadoras brasileiras212 surgiram como
mecanismos reguladores normativos, que operam com poderes de supervisão,
fiscalização e normatização213 de atividades, sendo dotadas de maior agilidade na
implementação de políticas públicas em razão de sua estrutura especializada. Foram um
novo passo no processo descentralizador214 da Administração Pública, que se
diferenciou dos anteriores pela visível postura de maior desvinculação de suas decisões
frente a pressões políticas, como também à tentativa de redirecionamento da política
regulatória para os interesses dos usuários dos serviços concedidos, permitidos ou
simplesmente fiscalizados. Aliás, a inserção dos serviços em um regime especial, que
partilha a competição com os desígnios sociais, fez com que as agências reguladoras
brasileiras desempenhassem três tipos de regulação: regulação dos serviços públicos,
que são titularizados pelo Estado; regulação das atividades econômicas, que são
titularizadas pelos particulares; e regulação social, mediante vinculação do setor ao
dever de generalidade dos serviços, de cumprimento da função social da propriedade
afetada ao serviço, ou mesmo, de potencialização do uso de bens públicos essenciais ao
serviço regulado.
A singularidade das agências reguladoras na estrutura administrativa do Estado
brasileiro não está isolada como política pública, mas inserida no flanco de um
movimento de objetivos mais abrangentes, cuja compreensão é exigida para formação
de visão multifacetada sobre este fenômeno estatal.
Por detrás da criação das agências reguladoras, há política pública voltada à
consecução de medidas que aumentem a atratividade do mercado brasileiro para o
financiamento de infra-estrutura. Em outras palavras, a introdução do modelo de
agências reguladoras na Administração Pública brasileira teria resultado da
212
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Reforma do Estado: o papel das agências reguladoras e
fiscalizadoras. In: Fórum Administrativo, ano 1, nº 3, maio de 2001, p. 253-257.
213
No Brasil, as agências reguladoras manifestam-se por diversos atos (súmula, aresto, ato, portaria,
consulta, resolução). Destes, somente a resolução tem propriamente caráter normativo qualificado como
um poder não-delegado e “temperado” (CUÉLLAR, Leila. As agências reguladoras e seu poder
normativo. São Paulo: Dialética, 2001, 142) ou mesmo como uma espécie de alargamento do poder
normativo do Executivo por intermédio de lei-quadro (loi-cadre) correspondente (BRUNA, Sérgio
Varella. Agências reguladoras: poder normativo, consulta pública e revisão judicial. São Paulo:
Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 73). Nos EUA, têm-se como exemplos da diversidade de atos
produzidos no âmbito das agencies norte-americanas dotadas de poder normativo: rules, adjudicatory
orders, licenses, policy statements, manuals, circulars, memoranda, advisory opinions, waivers,
recommendations, regulations (MASHAW, Jerry L. Gli atti sub-legislativi di indirizzo della pubblica
amministrazione nell’esperienza degli USA. p. 117. In: CARETTI, Paolo & SIERVO, Ugo de. Potere
regolamentare e strumenti di direzione dell’amministrazione: profili comparatistici. Bolonha: Il
Mulino, 1991, p. 111-140).
214
TÁCITO, Caio. Op. cit., p. 34.
58
identificação de um déficit de regulamentação traduzido nos seguintes aspectos215, cuja
concretização persegue: política tarifária definida e estável; marcos regulatórios mais
claros, que detalhem as relações entre os diversos atores de cada setor, seus direitos e
obrigações; mecanismo ágil e eficiente para a solução de divergências e conflitos entre
o poder concedente e a concessionária; garantias contra os riscos econômicos e políticos
dos investimentos em setores econômicos. Ditos aspectos teriam contribuído para a
criação de entes reguladores setoriais, dotados de atributos, que seriam os de
especialidade, imparcialidade e autonomia decisória. As novas características de maior
autonomia e promoção dos interesses dos usuários seriam assim esclarecidas na sua
motivação de aproximação ao mercado e de incentivo à competição, argumentos estes
que fugiriam à tradição jurídico-institucional brasileira216.
O modelo adotado na década de 1990, no Brasil, entretanto, não se rende a dita
simplificação. Nem mesmo a afirmação de semelhança entre dito modelo e o praticado
nas commissions217 norte-americanas218, inicialmente esboçadas nas chamadas railroad
commissions219, é convicente, já que o pressuposto existente no modelo brasileiro de
titularização de grande gama de atividades prestacionais pelo próprio Estado não
encontra, segundo uma abordagem jurídico-formal, similar no modelo norte-americano.
Pode-se, entretanto, afirmar que as agências reguladoras servem como modelo
regulador alternativo à regulação pelo próprio mercado ou à regulação por intermédio
de contratos administrativos. As agências reguladoras vieram neste contexto de
215
MORAES, Luiza Rangel de. A reestruturação dos setores de infra-estrutura e a definição dos marcos
regulatórios. In: PAULA, Tomás Bruginski de; REZENDE, Fernando (coordenadores). Infra-estrutura:
perspectivas de reorganização (Caderno de Regulação). Brasília: Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (IPEA), 1997, p. 12.
216
Fala-se, então, da dificuldade de assimilação do novo modelo de “instituições independentes e com
grande autonomia de ação” (Ibid., p. 5).
217
Parker assimila o conceito de commission ao de independent agency. Também registra a qualificação
de quarto poder atribuída às independent agencies norte-americanas pelos órgãos de cúpula dos poderes
Legislativo e Executivo. Conferir: PARKER, Reginald. Administrative Law. Indianápolis: The BobbsMerrill Company, 1952, p. 94: nota 62.
218
Deve-se atentar para a consideração de Caio Tácito sobre a impropriedade da aproximação exagerada
entre os conceitos de agências reguladoras do Brasil e as commissions dos EUA, pois ela seria “antes
terminológica do que real” (TÁCITO, Caio. Op.cit., p. 37). Há, entretanto, aproximações úteis à
compreensão das agências reguladoras: a) o interesse no estudo do conceito de public utility commission
regulation está na discussão e fixação do grau de interferência do Poder Judiciário nas suas decisões. A
análise dos limites dos clássicos cases envolvendo as commissions norte-americanas pode ser conferida
em: CAVALCANTI, Themistocles Brandão. Tratado de direito administrativo. Vol. II, 5ªed., Rio de
Janeiro: Livraria Freitas Bastos, 1964, p. 496-499. Desta discussão surge a extensão do poder revisório
judicial frente à discricionariedade do ato administrativo regulatório estatal; b) a origem da cogitação das
commissions aproxima-se muito do objetivo das agências reguladoras brasileiras, pois aquelas foram
introduzidas com intuito de otimizar o controle das atividades estatais delegadas, outorgando-se poderes
de regular e de controlar de forma contínua as concessões públicas por órgãos com conhecimento técnico
necessário ao direcionamento de determinados setores de atividade econômica; c) as commissions
também partilharam o momento histórico de retirada do Estado da interferência operacional na economia,
remetendo à função legislativa a definição de standards, cuja regulamentação ficaria a cargo de órgão
técnico especializado.
219
Estas primeiras comissões estaduais norte-americanas ainda não detinham caráter imperativo, mas
simplesmente de estudos e consultas. Tais comissões podiam ser vistas nos estados de Rhode Island
(1836), New Hampshire (1844), Connecticut (1853), Vermont (1855) e Maine (1858). Comissões de
caráter mandatório foram inauguradas em 1855, no estado de Minnesota e Massachussets. Somente em
1871, o estado de Illinois instituiu a primeira comissão com poderes de fixação de preços de serviços.
Conferir, a respeito: MELO, José Luis de Anhaia. Problemas de urbanismo: o problema econômico
dos serviços de utilidade pública. São Paulo: s/e, 1940, p. 101.
59
satisfação da demanda por prestação de serviços públicos e fiscalização de serviços
privados mediante regulação. Enfim, o modelo brasileiro de agências reguladoras
assimila, em uma mesma estrutura administrativa, duas formas de regulação de setores,
quais sejam: controle de andamento das atividades setoriais pelas agências;
transferência da prestação dos serviços públicos de um determinado setor para empresas
privadas e sua conseqüente regulação por intermédio de contratos administrativos.
O ano de 1995 foi decisivo para introdução do modelo de agências reguladoras
no Brasil e a Lei Geral de Concessões e Permissões (Lei 8.987, de 13 de fevereiro de
1995) foi um marco fundamental, que, coerente com o Plano Diretor da Reforma do
Aparelho do Estado proposto pelo Executivo em 1995, determinou, no seu art.29, I, ser
incumbência do poder concedente regular e fiscalizar o serviço concedido e, no art.30,
previu que a fiscalização do serviço seria feita por órgão técnico do poder concedente
ou por entidade com ele conveniada e, periodicamente, por comissão composta por
representantes do poder concedente, da concessionária e dos usuários. Um parêntese
para retomada do tema das comissões, que em nada se aproximam das commissions
norte-americanas, para que se evidencie que, no Brasil, elas têm caráter de ajuste
periódico dos interesses em jogo, possibilitando um ambiente interativo de construção
de soluções e de levantamento de problemas. Afiguram-se, portanto, em meio de
sensibilização da agência reguladora para questões relevantes na óptica dos partícipes
do processo, como também em meio para alcance de consenso na diversidade.
Não foi somente a Lei Geral de Concessões e Permissões que marcou o ano de
1995. As modificações constitucionais foram decisivas e transpareceram, basicamente,
não-discriminação entre capital nacional e internacional aliado à abertura para o
controle privado de atividades antes reservadas ao Estado, como a possibilidade de
concessão dos serviços locais de gás canalizado (Emenda Constitucional nº 5, de
15/08/95), a extinção do tratamento diferenciado dado às antes consideradas empresas
brasileiras de capital nacional (Emenda Constitucional nº 6, de 15/08/95), a retirada da
referência constitucional à predominância de armadores nacionais e navios de bandeira
e registros brasileiros e à reserva da navegação de cabotagem e da navegação interior às
embarcações nacionais (Emenda Constitucional nº 7, de 15/08/95), a possibilidade de
concessão, permissão e autorização de serviços de telecomunicações não mais taxados,
a priori, de públicos, juntamente com a previsão de criação de um órgão regulador do
setor (Emenda Constitucional nº 8, de 15/08/95) e a retirada da proibição dirigida à
União de conceder qualquer tipo de participação na exploração de jazidas de petróleo ou
gás natural simultaneamente à introdução da previsão de órgão regulador do monopólio
de pesquisa e lavra de jazidas de petróleo e gás natural, de refinação do petróleo, sua
importação, exportação e transporte (Emenda Constitucional nº 9, de 09/11/95).
Todas estas modificações implementadas pela política pública setorial fizeram
com que o sistema brasileiro de regulação migrasse do modelo de estruturas integrantes
dos respectivos Ministérios ou da Presidência da República, com dependência
orçamentária e decisória, para um modelo pautado na titularidade de instrumentos de
regulação e fiscalização setorial por parte de autarquias especiais, com orçamentos
próprios e relativa autonomia financeira do Poder Executivo.220
220
Caio Tácito enumera as características comuns às agências reguladoras: “constituídas como autarquias
especiais, destacam-se da estrutura hierárquica dos Ministérios e da direta influência da conduta política
do governo; gozam de autonomia financeira, administrativa e especialmente de poderes normativos
complementares à legislação; dotados de poderes amplos de fiscalização, operam como instância
administrativa final em litígios sobre matéria de sua competência; e respondem, fundamentalmente, pelo
60
Destas considerações preliminares resulta a identificação das agências
reguladoras brasileiras como formas de regulação setorial com personalidade de direito
público interno, e função normativa secundária, que excepcionalmente exteriorizam
caráter operacional, como no caso do mecanismo da intervenção, revelando a finalidade
de fiscalização da prestação dos serviços públicos concedidos ou permitidos, dos bens
escassos correspondentes e das atividades privadas afins.
As agências reguladoras brasileiras passaram por um processo de
especialização221. Elas transpareceram a especialização funcional exigida por seu objeto
de análise e, assim, compõem a equação de edificação do correspondente subsistema
jurídico222.
Existem, no Brasil, agências federais, estaduais ou municipais, de acordo com a
competência político-administrativa do poder concedente. Visualizando-as a partir da
especialização funcional, as agências federais apresentam-se, hoje, como setoriais,
remetendo-se aos setores de telecomunicações, energia elétrica, petróleo e gás natural,
vigilância sanitária, saúde suplementar, recursos hídricos, transportes terrestres,
transportes aquaviários, dentre outros. No campo estadual e municipal, é maior a
presença de agências de regulação geral, como a ADM223, embora convivendo com
agências setoriais, como a AMSS224 e a CSPE225, ou mesmo, multissetoriais226, tais
como ASEP227, AGERGS228, ARCE229, ARCON230, ARSEP231 e AGERBA232. O
cumprimento de metas fixadas e pelo desempenho das atividades dos prestadores de serviço, segundo as
diretrizes do Governo e em defesa do interesse da comunidade” (TÁCITO, Caio. Op. cit., p. 42).
221
Sobre o fenômeno de especialização das agências reguladoras, conferir: MORAES, Luiza Rangel de;
WALD, Arnoldo. Agências reguladoras. In: Revista de Informação Legislativa, Brasília 36(141): p.
143-171, janeiro/março 1999, p. 151.
222
O subsistema jurídico apresenta-se como um “conjunto de regras, normas, princípios, finalidades e
pressupostos adstritos a um dado setor da vida humana” (MARQUES NETO, Floriano Azevedo. A nova
regulação estatal e as agências independentes. p. 84. In: SUNDFELD, Carlos Ari (coord.). Direito
administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 72-98).
223
Agência Municipal de Desenvolvimento, criada pela Lei Municipal nº 1.565, de 30/12/1996, de
Niterói, com o intuito de formulação de políticas de desenvolvimento econômico-social do Município.
224
Agência Municipal de Serviços de Saneamento de Cuiabá (AMSS), criada pela Lei Complementar
nº41, de 23/12/1997. Embora tivesse caráter operacional, por ter reassumido os serviços de água e esgoto
de Cuiabá antes exercidos pela Companhia de Saneamento do Estado, o fim que motivou sua criação
como agência, substituindo a anterior Secretaria de Saneamento, foi o de regular e controlar as delegações
para prestação dos serviços públicos de saneamento no município de Cuiabá.
225
Comissão de Serviços Públicos de Energia, criada pela Lei Complementar nº 833, de 17 de outubro de
1997, do Estado de São Paulo, e inaugurada em 14 de abril de 1998 para exercer funções de regulação dos
serviços concedidos pelo poder concedente estadual com funções delegadas da Agência Nacional do
Petróleo ou da Agência Nacional de Energia Elétrica, mediante convênios.
226
Para uma exposição sobre as vantagens do modelo multissetorial das agências estaduais, vide:
CONFORTO, Gloria. Descentralização e regulação de gestão dos serviços públicos. Revista de
Administração Pública. Rio de Janeiro, FGV, 32(1):27-40, jan/fev 1998.
227
Agência Reguladora de Serviços Públicos Concedidos do Estado do Rio de Janeiro (ASEP-RJ), criada
pela Lei Estadual nº 2.686, de 12/02/1997, cabendo-lhe o exercício do Poder Regulador sobre as
concessões e permissões de serviços públicos nas quais o Estado do Rio de Janeiro figure, por disposição
legal ou pactual, como Poder Concedente ou Permitente.
228
Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do Rio Grande do Sul (Agergs),
criada pela Lei Estadual nº 10.931, de 09/01/1997, alterada pela Lei 11.292, de 23/12/1998, onde consta
expressa comunicação à Assembléia Legislativa do teor de audiência pública sobre avaliação dos
indicadores de qualidade dos serviços e de pesquisa de opinião (art.14, §1o).
229
Agência Reguladora de Serviços Públicos Delegados do Estado do Ceará (ARCE), criada pela Lei nº
12.786, de 30/12/1997, destina-se à direção, regulação e fiscalização dos serviços públicos delegados no
Estado (art. 3o da Lei estadual nº12.786).
61
modelo estadual tende a formar núcleos de competência setorial específicas em razão de
sua potencial relação de fomento com a União, já que, no modelo brasileiro, a atividade
reguladora vinculada à gestão dos serviços públicos pode ser transferida da União para
os Estados-Membros da Federação por intermédio de convênio233, em face no disposto
no art. 241 da Constituição Federal brasileira de 1988, com redação dada pela Emenda
Constitucional nº19/98, que autoriza a gestão associada de serviços públicos, bem como
a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à
continuidade dos serviços transferidos. A possibilidade de convênio, no entanto,
depende da existência de lei, autorizando a gestão associada dos serviços pretendidos,
como ocorre com o setor de energia elétrica, em que a lei regente234 permite a execução
das atividades complementares de regulação, controle e fiscalização dos serviços e
instalações de energia elétrica pelos Estados e pelo Distrito Federal, mediante convênio
de cooperação. O convênio, por sua natureza, não transfere a titularidade do serviço do
ente regulador – a União, no caso de telecomunicações –, que pode retomá-lo a qualquer
momento exigíveis as devidas compensações.
A partir do momento em que foram introduzidas no modelo regulatório
brasileiro, as agências reguladoras fizeram aflorar o conceito de otimização funcional,
que vem exigir dois requisitos para sua implementação235: autonomia da agência
reguladora; e escolha de instrumentos que incentivem a eficiência produtiva e alocativa.
Fala-se muito em independência da agência reguladora, cuja origem tem como
referência natural a distinção da doutrina norte-americana entre as regular ou oldline
230
Agência Estadual de Regulação e Controle de Serviços Públicos (ARCON), criada pela Lei estadual nº
6.099, de 30/12/1997, cuja função é de regular e controlar a prestação dos serviços públicos cuja
exploração tenha sido delegada a terceiros (art. 1o da Lei 6.099/97).
231
Agência Reguladora de Serviços Públicos do Rio Grande do Norte (ARSEP), criada pela Lei estadual
nº 7.758, de 09/12/1999, mediante transformação da Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado
do Rio Grande do Norte (ASEP-RN), criada pela Lei nº 7.463, de 02/03/1999, com finalidade de regular,
controlar e fiscalizar os serviços públicos delegados (art. 2o da Lei 7.758/99).
232
Agência Estadual de Regulação de Serviços Públicos de Energia, Transporte e Comunicações da Bahia
(AGERBA), criada pela Lei estadual nº 7.314, de 19/05/1998.
233
Os convênios são acordos entre entes públicos ou entre estes e privados para consecução de objetivos
comuns dentro de competências institucionais comuns para o alcance de resultado comum em um
ambiente de mútua colaboração entre os partícipes. Conferir: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella Di.
Parcerias na Administração Pública. Concessão, permissão, franquia, terceirização e outras
formas. 3aed., São Paulo: Atlas, 1999, p. 177-179. Assim, os convênios diferenciam-se dos contratos
pelos aspectos: a)estrutural, que se refere ao conteúdo da vontade expressa pelas partes. Nos contratos, as
partes visam a objetivo diverso, no acordo, ambas pretende alcançar o mesmo fim; b) funcional, pois
ligado ao interesse que se pretende satisfazer. No contrato, as partes compõem seus interesses; no acordo,
elas os unificam por serem comuns; c) teleológico, que diz respeito à satisfação específica do interesse
público. O contrato é finalístico. A Administração Pública é uma das partes, que obtém a satisfação do
interesse público mediante a prestação da outra parte. O acordo é instrumental, pois o atingimento do
interesse público se dá pela via da cooperação entre entidades públicas; d) patrimonial, referente à
transferência econômica, que está presente nos contratos e é estranha ao acordo de natureza pública.
Nestes últimos, os recursos continuam afetados ao interesse público que os motivou.
234
Lei 9.427, de 26/12/1996, art. 20, caput. O mesmo ocorre com o setor do petróleo, em que a Lei 9.478,
de 06/08/1997 prevê, no seu art. 8o, VII e XV a possibilidade de fiscalização das atividades integrantes e a
aplicação de sanções por Estados ou pelo Distrito Federal mediante convênio. De fato, a Comissão de
Serviços Públicos de Energia – CSPE, criada pela Lei Complementar 833/97, no Estado de São Paulo,
tem competências no setor de eletricidade, por delegação da ANEEL, no setor de petróleo e gás, por
delegação da ANP, e no setor de gás canalizado, como longa manus estadual, que é o poder concedente
deste serviço (art.25, §2o da CF/88). A lei brasileira de telecomunicações não abre tal possibilidade.
235
MORAES, Luiza Rangel de; WALD, Arnoldo. Agências reguladoras. In: Revista de Informação
Legislativa, Brasília 36(141): p. 143-171, janeiro/março 1999, p. 145.
62
agencies e as independent agencies236, mas para maior precisão terminológica, o ideal
seria a utilização do conceito de autonomia, mais condizente com a necessária
interpenetração estrutural do Estado.237 Tal autonomia não deve ser entendida como
arbítrio do colegiado decisório – autonomia sem vínculo finalístico. Ela é exatamente
definida pelo seu fim de promoção do interesse público visualizado
preponderantemente, quanto aos serviços, no interesse do usuário e da sociedade e,
quanto à política industrial, de um lado, na eficiência da atividade regulada e de outro,
na vinculação da atividade ao fim de incremento do espaço público. Estes fatores, sob
um ponto de vista jurídico, prevalecem sobre outros objetivos de maximização do lucro
e concentração de empresas em setores mais rentáveis do mercado, do ponto de vista
das prestadoras, e maximização das receitas fiscais, do ponto de vista do Estado.238
A autonomia característica das agências reguladoras não se restringe à idéia
abstrata de menor vinculação política. Ela demanda conformações estruturais e
organizações concretas, que se manifestam na personalidade de direito público interno,
na autonomia de objetivos, de instrumentos, orçamentária, financeira e na autonomia
decisória, que engloba o processo de indicação e inamovibilidade de seus membros e
irrecorribilidade das suas decisões.
O primeiro passo para visualização de um grau de independência das agências
está na sua natureza jurídica de pessoa de direito público interno, revelando, assim, seu
destaque da Administração direta como autarquia federal, estadual ou municipal,
conforme o ente político – União, Estados-Membros, Distrito Federal ou Municípios – a
que estiver ligada.
Argumentos como o descrédito do dirigismo estatal absoluto, a ineficiência e
comprometimento político das atividades desempenhadas pelas empresas estatais e as
pressões internacionais de abertura dos setores econômicos são carregados de préconcepções de mundo que valorizam um dos inúmeros aspectos exaltados no momento
histórico da opção pela introdução das agências reguladoras na década de 1990 no
Brasil. Eles teriam feito com que uma das características apontadas ou desejadas para as
agências reguladoras fosse a sua autonomia do poder concedente.
Na linha de raciocínio adotada nesta tese, pode-se alegar, sem o mesmo
voluntarismo das três propostas citadas, que a autonomia da agência é uma resposta
conceitual ao pressuposto de vigência de um espaço público, cuja presença somente
pode ser sentida quando este não se confunde com os interesses de Governo. Esta
constatação, entretanto, não propõe que tenha havido uma reação consciente do
ambiente sócio-político brasileiro à possível perda de espaço público, mas antes
reconhece que os acontecimentos históricos podem servir como base para correlações
conceituais e incremento do saber. Ao controlar o órgão regulador, a Administração
Direta do Estado faz prevalecer o interesse político sobre a eficiência e qualidade da
prestação do serviço, sobre o próprio interesse público de modicidade das tarifas e sobre
o interesse público no equilíbrio da relação. Apesar da fluidez das análises esboçadas,
236
PARKER, Reginald. Administrative Law. Indianápolis: The Bobbs-Merrill Company, 1952, p. 95.
“Independência é uma expressão certamente exagerada. No mundo jurídico, preferimos falar em
autonomia. Mas garantir a independência é fazer uma afirmação retórica com o objetivo de acumular o
desejo de que a agência seja ente autônomo em relação à Administração Pública, que atue de maneira
imparcial e não flutue sua orientação de acordo com as oscilações próprias do Poder Executivo, por força
até do sistema democrático.” (SUNDFELD, Carlos Ari. Agências reguladoras e os novos valores e
conflitos, p. 1296. In: Anais da XVII Conferência Nacional dos Advogados. Justiça: realidade e
utopia. Vol. II, Rio de Janeiro: Ordem dos Advogados do Brasil, 1999, p. 1291-1297).
238
MORAES, Luiza Rangel de; WALD, Arnoldo. Op. cit., p. 146.
237
63
sob quaisquer dos pontos de vista citados, a questão da autonomia de gestão da agência
reguladora apresenta-se como a pedra de toque do modelo idealizado no Brasil.
Independentemente do acerto ou equívoco das afirmações anteriores, o fato é
que a estrutura desenhada para regulação setorial, principalmente em telecomunicações,
no Brasil, permitiu a fixação de um esquema de forças quadripartite: a) produtor da
utilidade pública; b) usuário; c) Poder Público detentor da rede essencial à prestação do
serviço ou titular do monopólio de exploração e, finalmente; d) o próprio ente
regulador. O modelo brasileiro posicionou a agência reguladora em local eqüidistante
dos outros três atores do esquema de relativa autonomia. O ente regulador pode
sobrevalorizar um dos outros três componentes, mas o fará sob pena de perder sua
condição de espaço público de discussão e contato entre os atores setoriais e, portanto,
em detrimento da credibilidade perante os demais atores preteridos. O próprio esquema
de forças vem simplificado ao extremo, pois não contempla a distinção intestina de
interesses, por exemplo, aos próprios ditos usuários, já que há usuários efetivos e
potenciais; há usuários assinantes e eventuais. Por exemplo, os usuários efetivos detêm
o interesse natural de diminuição tarifária, que poderá levar a diminuir o ritmo de
expansão do serviço para aqueles que ainda não o alcançaram, contrastando, assim, com
o interesse dos usuários potenciais.239
A complexidade do esquema de forças e, em certos setores, como o de
telecomunicações, do expressivo peso do poder econômico, aumenta a preocupação
com o conhecido risco de captura da agência pelo setor regulado. O esforço em se
evitar que as agências passassem a fazer as vezes de meras promotoras do sucesso
econômico do setor regulado em detrimento dos valores públicos que as justificaram
não necessariamente resultou na conformação dos mecanismos de controle social
visualizados nas agências da década de 1990, mas serve como aceno de composição do
modelo de regulação setorial para um viés de publicização das discussões. Aqui, a
valorização do controle social240 previsto nas estruturas centrais de decisão das
agências reguladoras.241
No tocante à relação entre a agência reguladora e o Poder Público, existem
aspectos reveladores do seu grau de autonomia, que auxiliam na comparação do
modelo. São eles: o processo de indicação dos membros da agência e de seu
afastamento; autonomia orçamentária e financeira; garantia de inamovibilidade de seus
membros; irrecorribilidade das decisões de sua competência na esfera administrativa;
reserva de poderes normativos suficientes à adequação das metas setoriais à dinâmica de
cada atividade.
Iniciando por este último índice de autonomia, há a questão do chamado poder
normativo das agências reguladoras, que sofre sérios ataques sob a alegação de estarem
usurpando função reservada ao Poder Legislativo. Os termos enganam. Poder
239
Prezando pela modicidade das tarifas como a necessária ponderação entre todos os interesses em jogo,
inclusive o dos consumidores potenciais na ampliação da área de prestação do serviço e contra o que
chama de populismo regulatório, vide: MARQUES NETO, Floriano Azevedo. A nova regulação estatal e
as agências independentes. p. 86: nota 38. In: SUNDFELD, Carlos Ari (coord.). Direito administrativo
econômico. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 72-98.
240
A radicalização da transparência e da publicidade da atividade regulatória é a forma existente de
fazer frente à tendência de captura da agência pelos regulados. Vide: Ibid., p. 89.
241
Entendendo a estrutura organizacional das agências como fortes indicadores da autonomia do órgão
regulador, vide: PECI, Alketa; CAVALCANTI, Bianor Scelza. Reflexões sobre a autonomia do órgão
regulador: análise das agências reguladoras estaduais. p. 106. In: Revista de Administração Pública,
vol.34, nº.5, set/out de 2000, p. 99-118.
64
normativo da Administração Pública somente pode existir sob a égide da submissão das
atividades das agências reguladoras à lei. Poder normativo das agências reguladoras, no
ordenamento jurídico brasileiro, somente pode significar margem de negociação de
parâmetros, de regras, de disposições definidoras de expectativas individuais. É, ao
mesmo tempo, opção legislativa e necessidade administrativa, pois qualquer atividade
humana exige sub-definições normativas que permitam à legislação efetivar-se.
Acontece que, no campo da regulação setorial, a especificidade e velocidade das
transformações e o ideal de imposição de metas por sanções premiais amplia o campo
de negociação diária na relação regulador-regulado; exige mais espaço para
minudenciar o desenvolvimento e conexão das atividades reguladas. Não se pode,
contudo, extrapolar para a criação normativa pura, pois a constitucionalidade da lei
atributiva de poder normativo à agência reguladora correspondente dependerá da
previsão simultânea de “standards suficientes” capazes de afastarem a acusação de
“delegação pura e simples de função legislativa”242. O poder normativo, enfim,
exaltado nas agências reguladoras é simplesmente o espaço de opções políticas, como
não poderia deixar de ser. Diz respeito a espaços de decisão normativa no modelo de
harmonização dos poderes presentes em todo preceito abstrato e genérico, que se vê
maximizado em virtude da especificidade técnica e da extrema mobilidade de
conformação setorial. Esta conformação chamada de gerenciamento normativo da
realidade243 é característica de um Estado com alto intervencionismo estatal, que
envolve planejamento e replanejamento. É o Estado fazendo sua parte no jogo iniciado
pela tecnoestrutura empresarial.244 Ele também passa a pesar decisões para gerar
necessidades nos prestadores de serviços, direcionando indiretamente as prioridades de
investimentos privados e, portanto, fazendo política pública.
Ao lado da reserva de poderes normativos suficientes à otimização dos interesses
envolvidos na regulação setorial, existem outros índices úteis a evitar que a agência seja
sufocada pela exigüidade de espaço para promoção de estratégias setoriais.
Os títulos de independência de uma agência reguladora podem qualificá-la como
tal, de forma que uma agência reguladora é aquela definida pela independência
decisória, independência de objetivos, independência de instrumentos e independência
financeira. Destacando-se das nuanças cotidianas das políticas de governo, o Estado
242
“Quando reconheço ser constitucionalmente viável que elas [as agências reguladoras] desfrutem de um
tal poder [poder normativo], de modo algum estou sugerindo que elas produzam “regulamentos
autônomos” ou coisa parecida, pois todas as suas competências devem ter base legal – mesmo porque só a
lei pode criá-las, conferindo-lhes (ou não) poder normativo [§] A constitucionalidade da lei atributiva
depende de o legislador haver estabelecido standards suficientes, pois do contrário haveria delegação
pura e simples de função legislativa” (SUNDFELD, Carlos Ari. Introdução às agências reguladoras, p.
27. In: SUNDFELD, Carlos Ari (coord.). Direito administrativo econômico. São Paulo: Malheiros,
2000, p. 17-38).
243
SUNDFELD, Carlos Ari. Introdução às agências reguladoras, p. 28-29. In: SUNDFELD, Carlos Ari
(coord.). Direito administrativo econômico. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 17-38.
244
GALBRAITH, John Kenneth. O novo Estado Industrial. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1997.
Para Galbraith, a substituição do sistema de mercado pelo sistema de planejamento teria modificado a
estrutura de poder nas empresas e na sociedade em razão do aumento da escala de produção, do avanço
da tecnologia e do conhecimento interdisciplinar, que exigem elevado tempo de maturação dos
empreendimentos cada vez mais complexos. A decisão teria migrado da propriedade do capital para sua
gestão. O controle, agora, estaria nas mãos do administrador qualificado pelo conjunto de informações
necessárias à gestão do negócio mediante a criação de novas necessidades moldadas pelo aparato
propagandístico, derrubando por terra a soberania do consumidor. Tal inteligência organizada da
empresa constituiria sua tecnoestrutura, cujas decisões técnicas e impessoais – tecnocracia – acabariam
por suplantar a liberdade individual de direcionar o desenvolvimento.
65
implementa políticas públicas por intermédio das agências, mas estas não se podem
tornar instrumentos do jogo político em particular.245
A independência decisória consiste em dar condições para que a agência
reguladora resista às pressões de grupos de interesse, mediante procedimento
compartilhado de nomeação dos dirigentes com participação necessária do Executivo e
Legislativo246 e fixação de mandatos247 de longo prazo escalonados e não coincidentes
com o período eleitoral. Associado a isto, está a presença de regras legais definidoras
das formas de perda dos cargos de direção da agência, visando afastá-la, ao máximo, de
interferências indesejáveis por parte do Governo ou da indústria regulada248.
Este quadro se apresentava reproduzido, na Agência Nacional de
Telecomunicações, na proteção do mandato de seus dirigentes, que somente podiam
perdê-lo em razão de renúncia, condenação judicial transitada em julgado ou processo
administrativo disciplinar.249
A decisão colegiada produz, em tese, os efeitos já mencionados da colegialidade
de funções, atomizando a responsabilidade e impondo maior discussão e opção de
participação dos interessados na questão mediante mecanismos de consulta pública. As
decisões do colegiado não estão sujeitas à revisão na esfera administrativa, submetendose, entretanto, à cláusula pétrea brasileira de inafastabilidade da jurisdição.
Para o fechamento do modelo, as regras de preenchimento dos cargos de direção
das agências prevêem mecanismos de isenção dos seus ocupantes frente aos interesses
privados tutelados, tais como regras proibitivas de vínculos dos diretores das agências
com os setores regulados250 e regras de incompatibilidades de mandatos, que imponham
exclusividade na função dirigente da agência251. Um dos mecanismos de proteção da
245
A independência proposta “deve servir para que o órgão regulador seja um instrumento de política
governamental, e não um instrumento de política de um governo” (MARQUES NETO, Floriano
Azevedo. Op. cit., p. 87).
246
Adota-se o modelo de indicação e nomeação pelo Presidente da República após sabatina no Senado
Federal.
247
“O fator fundamental para garantir a autonomia da agência está na estabilidade dos dirigentes. Na
maior parte das agências atuais, o modelo vem sendo de estabelecer mandatos” (SUNDFELD, Carlos Ari.
Agências reguladoras e os novos valores e conflitos, p. 1297. In: Anais da XVII Conferência Nacional
dos Advogados. Justiça: realidade e utopia. Vol. II, Rio de Janeiro: Ordem dos Advogados do Brasil,
1999, p. 1291-1297).
248
MORAES, Luiza Rangel de; WALD, Arnoldo. Agências reguladoras. In: Revista de Informação
Legislativa, Brasília 36(141): p. 143-171, janeiro/março 1999, p. 146.
249
A previsão expressa da referida proteção estava contida no art. 26, caput, da Lei Geral de
Telecomunicações (Lei 9.472/97), mas foi revogado pela Lei 9.986, de 18 de julho de 2000. Para o caso
da ANEEL, a Lei 9.427/96 prevê a nomeação compartilhada dos diretores para mandatos não
coincidentes, não os protejendo expressamente da demissão ad nutum. Sobre a fragilidade, no Brasil, da
proteção do mandato com base em decisões do Supremo Tribunal Federal, vide: SILVA, Fernando
Quadros da. Agências reguladoras: a sua independência e o princípio do Estado Democrático de
Direito. Curitiba: Juruá, 2003, p. 130-134.
250
A Lei Geral de Telecomunicações proíbe, no seu art.29, que o conselheiro tenha interesse significativo,
direto ou indireto, em empresa relacionada com telecomunicações. Além disso, o conselheiro da
ANATEL não pode representar qualquer pessoa ou interesse perante a Agência no prazo de um ano após
ter ocupado o cargo (art.30).
251
Os diretores das agências não devem ocupar outras funções públicas ou privadas. O caso da Asep
(Agência Reguladora dos Serviços Públicos Concedidos) do Rio de Janeiro exemplifica o
comprometimento que o modelo de autonomia das agências procura evitar. Nela, o presidente da agência
pode desempenhar outras funções no governo do Estado do Rio de Janeiro justificadas por seus
defensores, ao menos no período inicial de sua instalação, pelas exigências de qualificação técnica e
recursos do Executivo estadual. A Agência Reguladora dos Serviços Públicos Concedidos do Estado do
66
agência contra a confusão entre interesses privados e os desígnios públicos reguladores
está na proposta de quarentena, que visa impedir o recrutamento imediato de dirigentes
das agências pelo setor regulado mediante custeio indenizatório do período em que os
ex-dirigentes das agências ficam tolhidos do pleno desempenho de suas atividades.252
Quanto à possibilidade de exoneração dos diretores das agências reguladoras, o
Supremo Tribunal Federal brasileiro pronunciou-se liminarmente sobre a questão,
posicionando-se pela impossibilidade de interferência unilateral legislativa na
exoneração de dirigentes de agência reguladora253, exigindo-se, no entanto, justo motivo
para afastamento de dirigente de agência pelo Chefe do Executivo em virtude da fixação
de mandato por lei e da forma complexa de nomeação com participação dos poderes
Executivo e Legislativo.
Independência de objetivos significa a determinação das finalidades da agência
em lei, afastando-a da hierarquia administrativa quanto à identificação de pautas de
conduta. Eventualmente, esta autonomia pode vir a ser ampliada mediante um contrato
de gestão.254
Ainda, a independência de instrumentos implica o fornecimento de um rol de
meios para que a agência reguladora possa dosar a aplicação de sanções com os
objetivos perseguidos. A presença de hipótese de multas, fixação de tarifas, extinção da
concessão, permissão ou autorização e intervenção na prestadora de serviço público
expressa esta preocupação com a disponibilidade de instrumentos eficazes para atuação
direcionada às peculiaridades de cada caso.
Finalmente, a independência financeira manifesta-se na presença de recursos
materiais e humanos compatíveis com as finalidades a serem atingidas pela agência
reguladora. Ela é alcançada, em geral, com a fixação de taxas de fiscalização, preços de
utilização de bens escassos e percentuais de tarifas para formação de fundos geridos
pelas agências. Mesmo assim, é improvável que tal independência sustente, por si só, o
funcionamento da estrutura exigida por uma agência, já que, na dinâmica brasileira de
orçamento indicativo, há possibilidade de contingenciamento de recursos pelo
Executivo, inclusive os das agências reguladoras.
Rio de Janeiro (Asep/RJ) passou por momentos complicados. “Com a mudança do governo [Marcello]
Alencar, quatro conselheiros (dos cinco existentes) foram exonerados pelo governador Anthony
Garotinho, que nomeou, em seguida, outros conselheiros. Em abril de 2000, denúncias de corrupção
abalaram a atuação do órgão regulador. A partir das denúncias em reportagem da revista Veja, o
presidente da agência foi acusado de participar de um esquema de propinas. Ele se licenciou enquanto o
Ministério Público apurava as denúncias. Outro conselheiro da agência, filiado ao Partido dos
Trabalhadores, abriu mão do cargo após crise que levou os petistas a abandonarem o governo de coalizão
com o PDT. Como conseqüência, a agência reguladora encontra-se quase paralisada (...) Os dados
comprovam isto: desde que foi criada, a agência não aplicou qualquer multa” (PECI, Alketa;
CAVALCANTI, Bianor Scelza. Reflexões sobre a autonomia do órgão regulador: análise das agências
reguladoras estaduais. p. 112. In: Revista de Administração Pública, vol.34, nº.5, set/out de 2000, p.
99-118).
252
Defendendo a tese de pagamento aos ex-dirigentes das agências por período mínimo de 12 meses após
o fim do mandato para indenizá-los da restrição do direito individual de trabalhar, vide: MARQUES
NETO, Floriano Azevedo. Op. cit., p. 85-86: nota 37.
253
ADIn1949-0/RS, relator Ministro Sepúlveda Pertence, Tribunal Pleno, por maioria suspendeu
liminarmente a eficácia do art.8o, da Lei 10.931, de 09/01/1997: “Art.8o. O Conselheiro só poderá ser
destituído, no curso do seu mandato, por decisão da Assembléia Legislativa”.
254
A independência de objetivos da ANEEL é ampliada mediante um contrato de gestão negociado e
celebrado entre a Diretoria e o Poder Executivo, como instrumento de controle e avaliação de
desempenho. (art.7o, da Lei 9.427/96). Tal previsão não existe para o setor de telecomunicações
brasileiro.
67
Há, ainda, dois conceitos que devem ser levados em conta para análise da
progressiva autonomia das agências reguladoras e seus limites. Diferencia-se
doutrinariamente autonomia de auto-regulação. A auto-regulação se caracteriza pela
gestão de uma atividade pelos próprios regulados255. Uma coisa é dar autonomia a um
ente de direito público interno, autarquia chamada agência reguladora, para que regule
um âmbito de atividades de sua competência; outra coisa é a gestão de atividades pelos
próprios regulados. No Brasil, o setor de comunicação de massa e o setor postal
resistem à regulação normativa centralizada acenando com os benefícios da autoregulação. A substituição da exo-regulação – regulação pelo Estado – pela autoregulação sofre críticas doutrinárias por levarem à “institucionalização de autênticas
corporações de ofício”256, o que afastaria das instituições de auto-regulação o aspecto de
espaços públicos.
O limite da autonomia de setores regulados apresenta-se no conceito de autoregulação, que não condiz com o poder de polícia exercido pelas agências
reguladoras257. Estas exercem regulação de caráter público258, mas inseridas em
ambiente autônomo. O fato de um ente público ter autonomia não desvirtua sua
característica de público, pelo contrário, a enfatiza mediante sua isenção de interesses
políticos momentâneos em nome de interesses políticos permanentes plasmados no
texto constitucional e reproduzidos na legislação infraconstitucional. A crítica à
progressiva autonomia das agências reguladoras seria pertinente se a independência
fosse total. Procura-se, com isso, fugir da tentativa de neutralidade regulatória, que não
pode existir, sob pena de se estar optando pela ideologia da desregulamentação
normativa do serviço público, vedada pela Constituição Federal de 1988. Esta discussão
surge também na chamada gestão privada de recursos ou fundos públicos. A tendência
de multiplicação deste fenômeno259 se dá através das chamadas organizações sociais e
dos contratos de gestão. É exatamente o contrato de gestão que vem proposto como
255
O Conselho de Auto-Regulamentação Publicitária é um exemplo vivo de auto-regulação. Apresenta-se
como organização não-governamental – sociedade civil sem fins lucrativos –, fundada em 5 de maio de
1980, constituída por entidades representativas das agências de publicidade, dos veículos de
comunicação, de anunciantes e de todas as demais entidades que aderirem ao Código Brasileiro de
Auto-Regulamentação Publicitária e se comprometerem a seguir as decisões do Conselho de Ética e do
Conselho Superior do Conar (art.9o do Estatuto Social do Conar), tendo por objetivos sociais, dentre
outros, zelar pela comunicação comercial, promover a liberdade de expressão publicitária e a defesa das
prerrogativas constitucionais da propaganda comercial (art. 5º, I e VI do Estatuto Social do Conar). O
desrespeito de suas recomendações dá ensejo a advertências, censuras públicas, suspensão ou eliminação
do quadro social (art.15 do Estatuto Social do Conar).
256
GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 3aed., São Paulo: Malheiros, 2000, p.
95. Mesmo que a auto-regulação tivesse bons resultados, nunca geraria mercado livre pois persistiria a
necessidade de exo-regulação estatal para desempenhar a função definida por Habermas como
compensação de disfunções no processo de acumulação. (idem, p. 96).
257
A escassa jurisprudência do Supremo Tribunal Federal brasileiro sobre o tema aponta a exigência de
natureza jurídica de direito público para o exercício de poder de polícia. A Representação nº 1.169/DF –
relator Min. Soares Muñoz, j.08/08/1984 (RTJ 111/87) – apresenta os conselhos federais de fiscalização
de profissionais liberais como autarquias corporativas. O Mandado de Segurança nº 22.643-9/SC –
relator Min. Moreira Alves, DJ 04.12.1998, Ementário nº1934-01 – determina a submissão dos Conselhos
Regionais de Medicina, como autarquias, à prestação de contas ao TCU.
258
Floriano Marques utiliza o termo regulação de caráter público para diferenciar da auto-regulação.
Conferir: MARQUES NETO, Floriano Azevedo. Op. cit., p. 83.
259
Não se trata de novidade no sistema. A gestão privada de recursos públicos já é praticada no sistema
jurídico brasileiro em casos como os dos serviços sociais autônomos (SEBRAE, SENAI, SESI, SESC
etc), dos contratos bancários e do instituto jurídico mais recente do contrato de gestão. Por isso, a questão
é de mensuração e não de possibilidade jurídica de sua implementação.
68
método de diminuição de autonomia das agências reguladoras pelo Governo Lula, sendo
tratado como forma de controle social.260
Estas características da introdução das agências reguladoras no modelo brasileiro
de regulação setorial agora devem ser contempladas a partir do conhecimento específico
do setor regulado objeto desta tese.
4.4 TELECOMUNICAÇÕES NO BRASIL – BREVE HISTÓRICO
4.4.1 Primeiros passos das telecomunicações no Brasil
O telégrafo foi o primeiro serviço de telecomunicações destinado a exploração
industrial no Brasil, que se apresentou como um dos pioneiros a entrar na era das
telecomunicações já no século XIX. Em 11 de maio de 1852, foi instalada a primeira
linha de telégrafo no Rio de Janeiro e, em 1855, um órgão estatal para o setor passou a
operar sob a insígnia de Diretoria Geral dos Telégrafos Elétricos. A partir de 1858,
tornava-se possível o uso público do telégrafo no Brasil.
Por sua vez, o primeiro telefone instalado no País, por sua vez, presenteado ao
Imperador Pedro II por aquele que, após inúmeras contendas judiciais, foi reconhecido
pelos tribunais norte-americanos como seu inventor, Graham Bell, passou a operar em
janeiro de 1877. As autorizações para prestação de serviços de telefonia foram
inauguradas com o Decreto nº 7.539, de novembro de 1879, quando um norteamericano chamado Charles Paul Mackie pôde prestar tais serviços no Rio de Janeiro e
Vitória por intermédio de empresa constituída em 11 de outubro de 1880, em Nova
York, intitulada Telephone Company of Brazil com representação no Brasil. As cidades
de São Luís (MA), Fortaleza (CE), Recife (PE), Maceió (AL), Salvador (BA), Campos
(RJ), Ouro Preto (MG), Santos (SP), Campinas (SP), Curitiba (PR), Porto Alegre (RS),
Pelotas (RS) e Rio Grande (RS) foram alcançadas poucos anos depois.
Outro ator entrou em cena em 1889, com a transferência dos serviços de
telefonia do Rio de Janeiro para a empresa alemã Brasilianische Elektricitäts
Gesellschaft, que recebeu concessão de 30 anos para exploração do serviço. Também
em 1889, foi outorgada concessão para a primeira linha interurbana no país entre as
cidades de São Paulo e Rio de Janeiro. Em 1907, a empresa alemã foi incorporada pela
Rio de Janeiro Telephone Company, com sede nos Estados Unidos.
O início do século XX não correspondeu às expectativas geradas pelo
pioneirismo brasileiro na telefonia. A Rio de Janeiro Telephone Company foi, por sua
vez, incorporada, no Canadá, em 1912, pela Brazilian Traction Light & Power, que
criou, em 1916, sua subsidiária no Brasil intitulada Rio de Janeiro and São Paulo
Telephone Company. Esta última foi a primeira grande empresa de telefonia brasileira,
alastrando-se por vários municípios dos estados do Rio de Janeiro, de São Paulo e de
Minas Gerais. Esta subsidiária brasileira da canadense Brazilian Traction passou a se
260
Conferir, a respeito: BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. CASA CIVIL. Análise e avaliação
do papel das agências reguladoras no atual arranjo institucional brasileiro. Relatório do Grupo de
Trabalho Interministerial. Brasília, dezembro de 2003.
69
chamar, em janeiro de 1923, Companhia Telephonica Brasileira – CTB como um
“braço da operadora de energia elétrica Light”261.
O início da década de 1950 convivia com o pequeno avanço alcançado no setor
de telecomunicações no Brasil. A densidade telefônica era de 1 telefone para cada 100
habitantes262 e a exploração do serviço estava distribuído por pouco mais de 100
empresas, em sua maioria de âmbito local ou regional, algumas mantidas pelos
governos municipais. A Companhia Telephonica Brasileira – CTB detinha 78% dos
aparelhos instalados no eixo Rio-São Paulo, enquanto a ITT e a Bond and Share
detinham 12% dos aparelhos instalados, operando no Rio Grande do Sul e na Bahia.263
4.4.2 Etapas das telecomunicações no Brasil pós década de
1940
A partir da década de 1940, as telecomunicações, no Brasil, podem ser vistas em
cinco etapas divisadas por Ethevaldo Siqueira264: estagnação (1946-1962); inversões
estatais (1962-1967); expansão, melhoramento e integração do sistema (1967-1975);
turbulência (1975-1985); embates da desestatização (1985 até meados da década de
1990). A estas, pode-se acrescentar a etapa de reformas normativo-operacionais (19952001), em que a regulação do setor passa a comportar normatização centralizada em
colegiado especializado – a ANATEL. A partir de 2001, a ANATEL deu os primeiros
passos para traduzir em atos a horizontalização da normatização do setor de
telecomunicações, mediante adoção de modelos internacionais impulsionados pela
convergência tecnológica. Iniciou-se a fase de amadurecimento do setor, impulsionada
por fatores de globalização econômica, de reestruturação e racionalização normativa, de
compatibilização do ordenamento jurídico interno com os modelos internacionais de
regulamentação setorial, mas também pela crescente tensão entre regulador e
Administração Direta do Executivo, gerando alterações legais e infralegais no setor e
contingenciamento orçamentário da Agência por parte do Executivo.265
261
PADILHA, Marcos Lopes. Análise setorial: telefonia fixa em perspectiva. Vol.I, São Paulo: Gazeta
Mercantil, 2001, p. 15.
262
A título ilustrativo, a densidade telefônica, no Brasil, na década de 1990, apresentou-se com os
números a seguir: 1991 (7,1/100hab.); 1992 (7,8/100hab.); 1994 (8,6/100hab.); 1996 (10,4/100hab.); 1998
(13,6/100hab.); 1999 (16,8/100hab.); 2000 (23,1/100hab.); 2001 (28,2/100hab.); 2003 (42,38/100hab.).
(Fontes: BRASIL. ANATEL. Relatório Anual da ANATEL 2001. Brasília: Biblioteca Virtual da
Anatel,
2001.
[on
line]
Disponível
na
internet
via
WWW.
URL:
http://www.anatel.gov.br/BIBLIOTECA/PUBLICACAO/RELATORIOS/DEFAULT.ASP (Consultado
em 12.06.2004) e ITU. World Telecommunication Indicators Database. Genebra: UIT, 10 de maio de
2004. [on line] Disponível na internet via WWW. URL: http://www.itu.int/ITUD/ict/statistics/at_glance/basic03.pdf (Consultado em 12.06.2004).
263
PADILHA, Marcos Lopes. Op. cit., p. 16.
264
SIQUEIRA, Ethevaldo [et alli]. Telecomunicações: privatização ou caos. São Paulo: TelePress
Editora, 1993, p. 14-17. O autor divide a evolução das telecomunicações após 1940 nos seguintes
períodos: estagnação (1946-1962); reorganização (1962-1967); decolagem (1967-1975); turbulência
(1975-1985); crise (1985 em diante).
265
O Presidente da ANATEL confirmou o contingenciamento, até o dia 06/06/2005, de R$ 90 milhões dos
recursos orçamentários que já deveriam ter sido liberados pelo Executivo. Vide: AMARAL, Elifas
Chaves Gurgel do. Palestra de abertura intitulada “A Agência Nacional de Telecomunicações e o Setor
de Telecomunicações no Brasil: desafios atuais”. In: V Curso de Especialização em Regulação de
Telecomunicações. Brasília: Universidade de Brasília. 06 de junho de 2005. Em 25/08/2005, o
70
4.4.2.1 PERÍODO DE ESTAGNAÇÃO (1946-1962)
A Constituição Federal de 1946 (art.5o, XII)266 previu a competência da União
para exploração, direta ou mediante autorização ou concessão, dos serviços de
telégrafos, de radiocomunicação, de radiodifusão e de telefones interestaduais e
internacionais. Tendo-se em vista a tradição brasileira de repartição federativa de
competências, bem como a previsão da Constituição Federal de 1946 de atribuição de
gestão dos serviços de interesses locais aos Municípios por força do artigo garantidor da
autonomia municipal (art.28, II, b)267, concluía-se pelas competências Estadual e
Municipal, respectivamente, para prestação e controle268 dos serviços de telefonia
intraestaduais (intermunicipais) e intramunicipais. Com isso, os preceitos
constitucionais permitiram intensa ingerência dos interesses políticos locais no
planejamento empresarial dos investimentos no setor.
“O país passou a viver as conseqüências de uma desastrosa
demagogia tarifária, pois a aprovação das tarifas dependia de duas entidades
eminentemente políticas: as prefeituras e as câmaras de vereadores (...) Tem
início, assim, o que eu caracterizo como desprivatização, uma vez que, na
época, não havia praticamente nenhum interesse manifesto na estatização.”269
Escravo das flutuações políticas, os investimentos nas telecomunicações
minguaram, tornando-se obsoletos e sem perspectivas de ampliação. Um retrato das
características deste momento da história brasileira está a seguir esquematizado.
• inexistência de uma política nacional para as telecomunicações;270
orçamento da Agência, de R$ 377 milhões fazia frente a uma liberação de R$ 130 milhões até aquela
data. O déficit foi externado pela desativação do serviço de atendimento ao cidadão da ANATEL sob a
alegação de falta de recursos.
266
“Art.5.º Compete à União: XII – explorar, diretamente ou mediante autorização ou concessão, os
serviços de telégrafos, de radiocomunicação, de radiodifusão, de telefones interestaduais e internacionais,
de navegação aérea e de vias férreas que liguem portos marítimos a fronteiras nacionais ou transponham
os limites de um Estado;” (CAMPANHOLE, Adriano e Hilton Lobo. Constituições do Brasil. 13aed.,
São Paulo: Atlas, 1999, p. 474).
267
“Art.28. A autonomia dos Municípios será assegurada: II – pela administração própria, no que
concerne ao seu peculiar interêsse e, especialmente: b) à organização dos serviços públicos locais.” (Ibid.,
p. 480).
268
Quanto à fiscalização, há que se fazer uma ressalva. Embora os Municípios e Estados-membros da
Federação detivessem autonomia e âmbito de competência determinados (serviços de telecomunicações
estritamente locais ou regionais respectivamente), eles poderiam sofrer interferência normativa da União
em razão de sua interligação com redes de outros Estados-membros ou da própria esfera federal. Isso
ficou patente na determinação da competência do Conselho Nacional de Telecomunicações (CONTEL)
pela Lei 5.070, de 7 de julho de 1966, que criou o Fundo de Fiscalização das Telecomunicações,
estabelecendo em seu art.21 que lhe competia “a fiscalização dos serviços de telecomunicações, desde sua
implantação e ampliação, até seu efetivo funcionamento, resguardada a competência estadual ou
municipal quando sejam estritamente regionais ou locais e não interligados a outros Estados ou
Municípios.”
269
SILVA, José Antônio de Alencastro e. O Estado é incompetente. p.86. In: SIQUEIRA, Ethevaldo [et
alli]. Telecomunicações: privatização ou caos. São Paulo: TelePress Editora, 1993, p. 85-90.
270
O testemunho de 1952, a seguir, é esclarecedor: “No que diz respeito ao serviço de telefones, salvo
interesse imediato de cada município, quanto ao serviço local executado por concessão, o serviço
interestadual não sofre qualquer fiscalização ou ao menos orientação, gerando-se dessa lacuna situações
71
• poder concedente dividido entre União, Estados e Municípios;
• início da década de 1960: 1 milhão de telefones para uma população estimada
de 70 milhões de habitantes;271
• além da CTB, havia 1,2 mil companhias telefônicas, a maioria delas de pequeno
e médio portes, predominando as pequenas companhias telefônicas
familiares prestando serviços municipais obsoletos; 272
• 75% dos terminais concentravam-se na região centro-leste do país na área de
atuação da Companhia Telephonica Brasileira (CTB). “Na prática, os serviços
telefônicos no Brasil funcionavam apenas nas regiões Sudeste e Sul. Algumas
pequenas áreas da Bahia e de Pernambuco contavam com telefones. Nas
regiões Norte e Centro-Oeste, com exceção de Cuiabá (MT) e Goiânia (GO), os
serviços eram quase inexistentes”273;
• tarifas fixadas por critérios políticos e demagogicamente achatadas
principalmente por prefeituras e câmaras de vereadores, gerando
descapitalização das concessionárias e seu desinteresse pelo negócio;
• os equipamentos de telecomunicações eram oligopolizados: “desde o simples
aparelho telefônico, até as centrais telefônicas, tudo era comprado somente de
dois fornecedores. Segundo um acerto denominado ‘Acordo das Bahamas’,
assinado entre as multinacionais Ericsson e IT&T, o mercado brasileiro foi
dividido entre as filiais brasileiras daquelas multinacionais, a EDB (Ericsson
do Brasil) e a SESA (Standard Electric S/A)”274.
Antes da reorganização operada na primeira metade da década de 1960, os
serviços de telecomunicações estavam dispersos por mais de 900 pequenas empresas
familiares brasileiras, muitas delas pertencentes aos próprios municípios em que
atuavam275, que exploravam os serviços telefônicos locais no interior do país, mediante
concessões municipais, enquanto a Companhia Telephonica Brasileira (CTB) chegava a
deter cerca de 75% dos telefones existentes no Brasil com concentração nos centros
mais ricos dos estados do Rio de Janeiro, Guanabara, São Paulo, Minas Gerais e
Espírito Santo.276 Rio Grande do Sul, Paraná e alguns estados do Nordeste detinham
absolutamente esdrúxulas: ao mesmo tempo que companhias concessionárias de serviços telefônicos
negam-se ‘ad aeternum’ a permitir tráfego mútuo com serviços telefônicos ou radiotelefônicos oficiais, tal
sistema de permutação é estabelecido com companhias outras privadas, concessionárias dos mesmos
serviços e concorrentes dos departamentos oficiais; por outro lado, Estados há cujos serviços telefônicos
não são ligados aos congêneres de outros, por interesse de terceiros, com prejuízos de toda a sorte para os
usuários e quiçá mesmo, para os próprios Governos, que ficam, nessa matéria, inteiramente isolados dos
demais Estados. [§] Quanto às radiocomunicações, a despeito da legislação própria que honra a seus
autores, mas da qual se faz ‘tábula rasa’, o que ocorreu permite, sem dúvidas, classificar-se o país como
‘terra de ninguém’.” (MIRANDA, Líbero Oswaldo de. Os serviços de comunicações no Brasil. Rio de
Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional, 1955, p. 10-11). “As redes telefônicas espalham-se pelo
Brasil afora sem qualquer orientação superior (...) O tráfego mútuo entre as várias redes privadas no país,
constituindo assunto de alto interesse coletivo, depende, entre nós, da boa ou má vontade das respectivas
empresas, ou do maior ou menor interesse que para as mesmas advenha com a medida. É conhecido o
caso de um Estado da Federação que se encontra isolado dos demais no que tange a comunicações
telefônicas, isso por que não tem interessado à empresa monopolística vizinha, o tráfego mútuo; assim,
para uma ligação telefônica com a capital do país, com qualquer Estado ou com o exterior, o assinante ali
localizado precisa recorrer à cidade próxima do Estado vizinho, de onde obterá facilmente, qualquer
dessas ligações.” (MIRANDA, Líbero Oswaldo de. Op.cit., p. 50-51).
271
PADILHA, Marcos Lopes. Op. cit., p. 16.
272
Ibid., p. 16.
273
Ibid., p. 16.
274
VIANNA, Gaspar. Privatização das telecomunicações. 3aed., Rio de Janeiro: Notrya, 1993, p. 43.
275
A Lei 2.134, de 14 de dezembro de 1953, previa mecanismos de financiamento abertos pela União para
instalação e ampliação de serviços públicos, dentre eles os serviços de linhas telefônicas, urbanas,
intermunicipais, ou interdistritais, que viabilizaram a criação de empresas municipais de telefonia local.
276
“Nos centros mais ricos, como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Vitória, a exploração era
feita mediante concessões outorgadas pelos governos estaduais à uma sociedade anônima denominada
Companhia Telefônica Brasileira – CTB. Ela chegou a concentrar oitenta por cento dos telefones
72
contratos de concessão com a Companhia Telephonica Nacional, controlada pela
International Telegraph and Telephone (IT&T) de capital norte-americano, embora, tal
como a CTB, detivesse ínfima participação de capital brasileiro (0,000006%)277. O
motivo desta formatação nacional das poucas grandes empresas de telefonia do país, à
época, não decorria de imposição do ordenamento jurídico, mas interessava pela
obtenção de outras vantagens, tais como isenção de impostos.
As telecomunicações nos grandes centros urbanos eram ainda muito precárias no
início da década de 1960. As ligações interurbanas também encontravam grandes
obstáculos.278 Somente São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Brasília eram
interligados por enlaces de microondas.279 As demais comunicações interestaduais e
internacionais eram exploradas via rádio em alta freqüência (HF) e via cabos
submarinos por concessões da União a multinacionais conceituadas: a inglesa Western
Telegraph; as norte-americanas Radional e Radiobrás; e a italiana Italcable.
O telégrafo, por sua vez, era explorado pela União, por intermédio do
Departamento dos Correios e Telégrafos – DCT, então do Ministério de Viação e Obras
Públicas. Mais tarde, o Decreto-lei nº509, de 20 de março de 1969, determinou a
extinção do Departamento de Correios e Telégrafos – DCT mediante a transferência de
suas atribuições para a então criada Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT
do Ministério das Comunicações. Cabia ao DCT a construção, conservação e
exploração dos circuitos de telecomunicações de telegrafia e outros serviços públicos
de telecomunicações.280
Dentre os fatores que determinaram o insucesso do modelo de prestação de
serviços de telecomunicações do período de 1942-1962, podem-se destacar: a) ausência
de tradição na fiscalização da qualidade dos serviços de telecomunicações, que contava
com pessoal desaparelhado e desmotivado; b) ausência de estrutura administrativa apta
ao controle do setor e sua dispersão pelas três esferas federativas, inclusive as
deficiências dos contratos de concessão delas resultantes; c) tarifação determinada
politicamente, sem levar em conta projeções de expansão dos serviços e aumento de
custos.
existentes no país, bem como todas as interligações interurbanas da região na qual era detentora de
concessões locais. Constituída por sete acionistas, a CTB atendia assim à lei brasileira. Seu capital social
era de um milhão de cruzeiros. Seis acionistas eram pessoas naturais, todos brasileiros, possuidores cada
um de uma única ação, com valor de um cruzeiro. O outro acionista, pessoa jurídica, era a empresa
canadense Brazilian Traction, dona de 999.994 ações, com valor total de novecentos e noventa e nove
mil, novecentos e noventa e quatro cruzeiros” (Ibid., p. 41).
277
Ibid., p. 42.
278
A citação a seguir é esclarecedora da precariedade dos serviços de então: “Nos anos 60, uma ligação
interurbana, que atualmente pode ser feita de um telefone público, envolvia uma longa espera: era preciso
ligar para um telefonista, dar o número do telefone e o nome da localidade a ser contatada e os nomes de
quem ia falar e de quem ia ser chamado. Esse diálogo às vezes demorava algumas horas para se
transformar numa ligação. Havia um quadro de total deficiência, no qual eram interligadas poucas
capitais e apenas as cidades mais importantes do interior” (PADILHA, Marcos Lopes. Op. cit., p. 17).
279
Id. ibid.
280
Quando da criação da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT, estabeleceu-se a
transferência gradual dos serviços de telecomunicações então executados pelo Departamento dos
Correios e Telégrafos – DCT para a EMBRATEL. Enquanto isso não se ultimasse, a ECT estava
autorizada a celebrar convênios com a EMBRATEL para “construção, conservação ou exploração
conjunta ou separadamente [dos] circuitos-troncos que integram o Sistema Nacional de
Telecomunicações” (art. 16 do Decreto-lei nº 509, de 20 de março de 1969).
73
4.4.2.2 PERÍODO DAS INVERSÕES ESTATAIS (1962-1967)
A deficiência da telefonia, à época, o mais sensível representante do setor de
telecomunicações, gerou a reação implementada na década de 1960 mediante
reorganização da legislação brasileira do setor com o advento do Código Brasileiro de
Telecomunicações (Lei 4.117/62), que viabilizou a criação da Embratel em 1965.
Redirecionamento de aportes de capital de outros setores revelou a preocupação estatal
com as telecomunicações281, bem como a intervenção decretada pelo governo federal na
CTB em virtude da precariedade dos serviços telefônicos no Rio de Janeiro, que iria
resultar na compra das suas ações pela Embratel em 1966.
Foi esta época que marcou o início do processo de estatização do setor e de
concentração na esfera federativa da União. A Lei 4.117/62 previa a criação do
Conselho Nacional de Telecomunicações – CONTEL282 como órgão unificador das
políticas de telecomunicações mediante a criação do Plano Nacional de
Telecomunicações, veiculado pelo Decreto 52.859, de 18 de novembro de 1963.
O processo de centralização federativa dos serviços de telecomunicações
intraestaduais e intramunicipais foi formalizado com a Constituição Federal de 1967, de
24 de janeiro do mesmo ano, que, no seu art. 8o, inciso XV, reproduzido pela Emenda
Constitucional n.º 1, de 1969, não mais restringia a competência da União a telégrafos,
radiocomunicação, radiodifusão em geral e à telefonia interestadual e internacional
como fazia a Constituição Federal de 1946. O dispositivo constitucional de 1967
remeteu todos os serviços de telecomunicações à prestação direta pela União ou por
intermédio de concessões e autorizações a entes privados. O Decreto-lei nº 162, de 13
de fevereiro de 1967, instrumentalizou a centralização preconizada pela Constituição,
determinando a transição dos poderes concedentes estaduais e municipais para o poder
concedente federal.
Decreto-lei 162, de 13 de fevereiro de 1967
Art.1º Compete à União explorar, diretamente ou mediante autorização ou concessão, os
serviços de telecomunicações.
§1º A União substituirá automàticamente os podêres concedentes estaduais e municipais
em todos os serviços telefônicos, até então sob a jurisdição estadual ou municipal.
§2º Os direitos e obrigações das emprêsas de telecomunicações, coletivas ou individuais,
que tenham obtido concessão, autorização ou permissão de autoridades estaduais e
municipais para execução do serviço continuarão a ser regidos pelos atos e contratos,
expedidos pelas autoridades competentes ou com estas celebrados, ressalvada a
possibilidade de modificá-los, observadas as formalidades legais.
Art.2o Êste decreto-lei entrará em vigor em 15 de março de 1967, revogadas as disposições
em contrário.
281
Como exemplo, tem-se a Lei 4.452, de 5 de novembro de 1964, relativa ao Imposto Único sobre
Lubrificantes e Combustíveis Líquidos e Gasosos, que previu, no seu art.8º, a possibilidade dos Estadosmembros e do Distrito Federal de direcionarem até 50% de suas quotas de investimentos fixos advindas
do Fundo Rodoviário Nacional em instalações de telecomunicações, desde que aprovadas pelo Conselho
Nacional de Telecomunicações “para assegurar a sua coordenação com os investimentos federais no
setor”.
282
Lei 4.117, de 27 de agosto de 1962: “Art.29. Compete ao Conselho Nacional de Telecomunicações: c)
elaborar o plano nacional de telecomunicações e proceder à sua revisão (...)”.
74
Ao lado disso, o Decreto-lei 200/67, representativo da Reforma Administrativa
de então, criou o Ministério das Comunicações, revelando a percepção governamental
da importância das telecomunicações para os interesses nacionais.
A par do movimento de centralização de titularidade dos serviços de
telecomunicações na figura da pessoa de direito público interno da União, passos foram
implementados no sentido da estatização. Dentre os fatores que a impulsionaram,
estavam a meta de integração nacional dos ‘Objetivos Nacionais Permanentes’ dos
militares brasileiros e a ‘Doutrina de Segurança Nacional’ formulada pela Escola
Superior de Guerra e pelo Estado Maior das Forças Armadas, que colidiam com o fato
de que as concessões das telecomunicações estratégicas brasileiras – internacionais,
interestaduais e dos grandes centros urbanos – estavam nas mãos do capital estrangeiro.
O modelo então idealizado convergia para a experiência européia de telecomunicações
equacionado em uma rede contínua, única, de tecnologias compatíveis e interiorizadas
para a integração nacional refletida na previsão de um Sistema Nacional de
Telecomunicações (art.7o da Lei 4.117/62) a ser administrado pelo Conselho Nacional
de Telecomunicações – CONTEL, por intermédio de sua secretaria executiva, o
Departamento Nacional de Telecomunicações – DENTEL.
Dentre os fatos que marcaram a reorganização, de 1962 ao início da década de
1970, estão:283
• Promulgação do Código Brasileiro de Telecomunicações com a aprovação da
Lei 4.117, de 27 de agosto de 1962, pelo Congresso Nacional;
• Em 1962, o então Governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, promoveu
à estatização da CTN (Companhia Telefônica Nacional) do grupo IT&T,
mediante criação da empresa estatal CRT – Companhia Riograndense de
Telecomunicações;
• Em 1963, Carlos Lacerda, então Governador do Estado da Guanabara, criou
uma sociedade de economia mista intitulada CETEL (Companhia Estadual de
Telefones), dividindo a área de concessão entre ela e a CTB, cabendo à
primeira os bairros pobres e a área rural e, à segunda, o centro da cidade,
zona sul e os melhores bairros do Rio de Janeiro;
• Criação da Embratel, em 1965;
• Nacionalização da Companhia Telephonica Brasileira (CTB), em 1966, no Governo
Castello Branco, avaliada em US$96 milhões e adquirida pela Embratel;
• Criação de outras empresas estaduais, dentre elas, as dos Estados do Paraná,
Rio Grande do Sul e Goiás, como sociedades de economia mista, antes mesmo
da portaria do Ministério das Comunicações que criou as chamadas empresaspólo;
• Previsão, na Constituição Federal de 1967, de competência da União para os
serviços de telecomunicações em geral, não mais restringindo sua área de
atuação à telefonia interestadual e internacional (art. 8o, XV da CF/67)284
como fazia a Constituição Federal de 1946 (art. 5o, XII da CF/46);
• Reforma Administrativa implementada pelo Presidente Castello Branco, que,
com o Decreto-lei 200/67, criou o Ministério das Comunicações;
• Criação da Telebrás, em 9.11.1972, como holding do Sistema Telebrás,
persistindo uma única empresa privada no setor de telecomunicações: a
Companhia de Telefones do Brasil Central (CTBC), que chegou a cobrir, em 1993,
80 municípios brasileiros de Minas Gerais, São Paulo, Goiás e Mato Grosso do
Sul, com quase 400 mil linhas telefônicas instaladas.
283
SIQUEIRA, Ethevaldo [et alli]. Telecomunicações: privatização ou caos. São Paulo: TelePress
Editora, 1993, p. 14; 17. Conferir, também: SILVA, José Antônio de Alencastro e. O Estado é
incompetente. p. 87. In: SIQUEIRA, Ethevaldo [et alli]. op.cit., p. 85-90; e VIANNA, Gaspar.
Privatização das telecomunicações. 3aed., Rio de Janeiro: Notrya, 1993, p. 44-45.
284
“Art. 8º. Compete à União: XV – explorar, diretamente ou mediante autorização ou concessão: a) os
serviços de telecomunicações;” (CAMPANHOLE, Adriano e Hilton Lobo. Constituições do Brasil.
13aed., São Paulo: Atlas, 1999, p.384).
75
O mecanismo do autofinanciamento, já em prática no setor, foi regulamentado
pelo Conselho Nacional de Telecomunicações – CONTEL mediante a Resolução nº 5,
de 3 de março de 1966, definindo-se as regras para participação popular no capital das
empresas de telecomunicações voltada ao início ou ampliação de suas instalações.
Dentre as regras, estava a proibição de retribuição da participação acionária do usuário
por intermédio do mero direito de uso dos serviços, mesmo que este pudesse ser
alienado de forma onerosa (art. 3o da Resolução nº5/66).285 Isso abriu espaço a crescente
aquisição de capital controlador destas empresas pelos usuários, gerando, três décadas
mais tarde o bloqueio deste tipo de financiamento por não mais restarem margens de
negociação que garantissem o controle estatal das empresas do setor.
4.4.2.3 PERÍODO DE EXPANSÃO, MELHORAMENTO E INTEGRAÇÃO
DO SISTEMA (1967-1975)
A reorganização das telecomunicações começa a se refletir na estruturação
efetiva do setor a partir de 1967, quando se pôde notar relativa concentração de
investimentos e profissionalismo na orientação das telecomunicações por conhecedores
da área, dentre eles, os Ministros Hygino Corsetti, Euclides Quandt de Oliveira e
Haroldo Corrêa de Mattos, assim como o presidente da Telebrás por quase uma década,
o General José Antônio de Alencastro e Silva.286
A Embratel, em 1968, já havia interligado o Sul e o Sudeste do país por meio de
moderna rede de microondas, estendendo-a, três anos mais tarde, a todas as capitais de
Estados e Territórios brasileiros.287 Em agosto de 1968, implantou um sistema de
tropodifusão para integrar a região amazônica, que foi considerado o maior no gênero
em operação comercial do mundo e ainda assumiu, entre 1969 e 1973, a exploração dos
serviços internacionais à medida que expiravam os prazos de concessão das empresas
estrangeiras que os operavam288 até que, com o encerramento das atividades de
285
A exigência se explicava como garantia do consumidor dos serviços perante as concessionárias
privadas de telefonia, bem como incentivo à manutenção do investimento das concessionárias privadas de
telefonia do País, pois, até 1973, quando a Embratel finalizou o processo de aglutinação das mais de 800
concessionárias privadas de telefonia existente no Páis, o Fundo Nacional de Telecomunicações servia
unicamente aos sistemas de longa distância detidos pela Embratel. “O modelo tal qual foi desenvolvido,
pressupõe uma distribuição ‘racional’ dos fundos de investimento (...) entre as Concessionárias e/ou
serviços. Infelizmente, tal não tem sido observado até o momento pois normalmente, o FNT destina-se
aos investimentos em sistemas de longas distâncias e o ‘auto-financiamento’ para sistemas urbanos
apenas.” (HOLLANDA, Jayme Buarque de. Modelo simplificado do setor de telefonia. p. 62. In:
BRASIL. MINISTÉRIO DAS COMUNICAÇÕES. Empresa Brasileira de Telecomunicações
(EMBRATEL). Telecomunicações: alguns temas. Rio de Janeiro: Embratel, 1972, p. 53-65).
286
SIQUEIRA, Ethevaldo [et alli]. Op. cit., p. 14-15.
287
GARBI, Gilberto Geraldo. O futuro é a privatização. p. 105. In: SIQUEIRA, Ethevaldo [et alli].
Telecomunicações: privatização ou caos. São Paulo: TelePress Editora, 1993, p. 104-108.
288
Em agosto de 1971, ainda existiam mais de 800 concessionárias de serviços telefônicos no Brasil
decorrentes de concessões de serviços de telefonia principalmente em nível municipal. Vide: VIEIRA,
Claudio Reis. Telefonia integrada: proposição de um “Plano de Integração do Serviço Telefônico
Nacional”. p. 31. In: BRASIL. MINISTÉRIO DAS COMUNICAÇÕES. Empresa Brasileira de
Telecomunicações (EMBRATEL). Telecomunicações: alguns temas. Rio de Janeiro: Embratel, 1972, p.
32-52. “A política nacional de comunicações compreende a aglutinação dessas empresas, processo do
qual resultaria, basicamente, uma concessionária a operar em cada Estado ou região geo-econômica, além
da EMBRATEL, em caráter nacional. Tais unidades de caráter operacional seriam coordenadas pela
76
telegrafia da inglesa Western Telegraph, em 1973, a Embratel passou a ser a única
operadora de serviços internacionais do Brasil. Ela ainda inaugurou, em 1969, o sistema
de Discagem Direta a Distância – DDD entre São Paulo e Porto Alegre289 e, em 10 de
novembro de 1975, o sistema de Discagem Direta Internacional – DDI.290
A melhoria significativa dos serviços interurbanos e internacionais de
telecomunicações com a Embratel permitiu que o governo federal voltasse sua atenção
para os serviços locais, ainda muito negligenciados e deficientes. A criação da
Telecomunicações Brasileiras S.A. - TELEBRÁS, em 1972, pela Lei nº 5.792 e
implementada em 9 de novembro do mesmo ano, consolidou a política de exploração
das telecomunicações voltada a uma visão nacional integrada. Em 1974291, a
TELEBRÁS foi designada concessionária geral para exploração dos serviços públicos
de telecomunicações em todo o território nacional. De 2 milhões de linhas fixas, em
1973, o Brasil, em 20 anos passou a 12,4 milhões de linhas, aumentando a densidade de
terminais por 100 habitantes de 1,9, em 1973, para 8,1.
“Em 1980, entrou em atividade o cabo submarino Brasil-Estados
Unidos (Brus). As inaugurações do serviço de DDI de Portugal para o Brasil,
as Estações Terrenas de Altamira-Itaituba, Sinop e Alta Floresta na
Amazônia ocorreram em 1981.
A Rede Nacional de Televisão por Satélite (TV SAT) e o sistema de
cabos submarinos Atlantis foram inaugurados em outubro de 1982. Já em
1983 houve interligação dos computadores da Bolsa de Valores do Rio de
Janeiro e da Rede Nacional de Telex e a inauguração do Serviço
Internacional de Acesso a Informações Financeiras (Findata).
Também foram lançados os satélites de comunicações BrasilSat-I em
1985 e o BrasilSat-II em 1986, através dos quais se conseguiu a integração
total do território brasileiro, levando sinais de telefonia, telegrafia e televisão
a todas as regiões do País. A existência dos satélites possibilitou o
lançamento do Programa de Popularização e Interiorização das
Telecomunicações, destinado a levar ao maior número de localidades
brasileiras as facilidades de comunicações e proporcionar maior integração
entre cidadãos e suas comunidades.
Além disso, nos anos que antecederam à quebra do monopólio estatal,
registrou-se a retomada do crescimento e da qualidade na prestação dos
serviços de telecomunicações. O País iniciou as instalações do Sistema de
Telefonia Móvel Celular e de Rede Inteligente. No campo do
desenvolvimento industrial, em parceria com universidades e indústrias, a
Telebrás desenvolveu diversos produtos vinculados a tecnologias de
TELEBRÁS, empresa holding para planejamento em nível superior e centralização dos recursos de
financiamento e investimento.” (Id., ibid.).
289
Até então existiam algumas sub-redes regionais de telefonia interurbanas, embora “em termos
nacionais, o serviço pudesse ser quase considerado inexistente” (VIEIRA, Claudio Reis. Telefonia
integrada: proposição de um “Plano de Integração do Serviço Telefônico Nacional”. p. 41. In: BRASIL.
MINISTÉRIO DAS COMUNICAÇÕES. Empresa Brasileira de Telecomunicações (EMBRATEL).
Telecomunicações: alguns temas. Rio de Janeiro: Embratel, 1972, p. 32-52.). “Existem cerca de 800
empresas concessionárias de serviço telefônico, sendo que a grande maioria se restringe a núcleos
urbanos de pequena expressão. As grande empresas concessionárias, dentre as quais podemos destacar o
complexo da Companhia Telefônica Brasileira – CTB, abrangem os serviços urbanos em capitais dos
Estados e outras cidades, além de operarem redes interurbanas regionais consideráveis.” (ENNE, Antônio
José F.; FERRO, José Luís Losada. Transmissão de dados no Brasil. p. 186. In: BRASIL. MINISTÉRIO
DAS COMUNICAÇÕES. Empresa Brasileira de Telecomunicações (EMBRATEL). Telecomunicações:
alguns temas. Rio de Janeiro: Embratel, 1972, p. 181-191).
290
PADILHA, Marcos Lopes. Op. cit., p. 19-21.
291
Decreto 74.379, de 8 de agosto de 1974.
77
vanguarda, tais como: centrais de comutação telefônica digital, que permitem
grande variedade de serviços não disponíveis nas centrais convencionais;
fibras ópticas, que permite altíssima capacidade de transmissão de
informações; e sistema de comunicação de dados e textos, que possibilita a
interligação de terminais e computadores à rede telefônica.”292
4.4.2.4 PERÍODO DE TURBULÊNCIA (1975-1985)
De meados da década de 1970 a meados da década de 1980, as
telecomunicações, no Brasil, viveram seu período mais dinâmico e conturbado. Foi a
fase das conquistas do Sistema Telebrás, com expansão da cobertura dos serviços,
utilizando-se de uma infra-estrutura reconhecidamente avançada para a época, com o
uso de satélites, de fibras ópticas e com o apoio científico de um centro de pesquisa e
desenvolvimento tecnológico (CPqD) de reconhecida excelência sediado em
Campinas/SP. O patrocínio oficial estatal dos Congressos Brasileiros de
Telecomunicações de 1974, 1976, 1978 e 1980 merece especial destaque. Evidenciouse, por intermédio deles, a preocupação com a discussão pública e constante do modelo
em época conturbada da política nacional.293 No Governo Geisel, deu-se especial
atenção à indústria nacional de equipamentos de telecomunicações mediante
identificação, controle e redução das importações do setor.294 As características do
período, que possibilitaram o desenvolvimento experimentado, podem ser resumidas
nos seguintes itens:295
292
PADILHA, Marcos Lopes. Op. cit., p. 21-22.
A partir do terceiro Congresso Brasileiro de Telecomunicações, em 1974, até o sexto e último
Congresso Brasileiro de Telecomunicações, em 1980, houve o patrocínio, convocação, organização e
coordenação dos seus trabalhos pela TELEBRÁS, por determinação da Portaria n.º 227, de 1º de abril de
1974, do Ministério das Comunicações (Ministro Euclides Quandt de Oliveira), que fixou a realização do
III Congresso Brasileiro de Telecomunicações para julho do mesmo ano. O método adotado neste
primeiro congresso denotava a abertura de discussão pública que marcou a dinamização das
telecomunicações no Brasil: “Iniciada a coleta de sugestões de temas para o III CBTEL, notou-se a
impossibilidade de serem abordados em uma única semana a quantidade de temas propostos, a menos que
recebessem um tratamento prévio. [§] Se um tal tratamento fosse confiado a um pequeno grupo, os
resultados que se obteriam seriam diferentes dos colimados com a realização do Congresso, pois seriam
despidos da hetereogeneidade de análise e soluções características dos conclaves. [§] Assim, decidiu-se
pela realização de uma semana de Reuniões Preparatórias para as Comissões Técnicas, aberta aos
congressistas que dela desejassem participar, quando os temas apresentados seriam analisados e
preparados para serem levados ao Plenário do Congresso (...) Cerca de 250 proposições foram triadas,
analisadas, divididas, fundidas, ampliadas, rejeitadas, aprovadas e exaustivamente discutidas e estudadas
em busca de soluções que se transformaram em 128 propostas de recomendações ao Plenário do III
CBTEL (...) Participaram das Reuniões Preparatórias 325 congressistas inscritos, representando 75
entidades, além de cerca de 40 observadores ou auxiliares não inscritos.” (BRASIL. MINISTÉRIO DAS
COMUNICAÇÕES. TELEBRÁS. Anais do III Congresso Brasileiro de Telecomunicações. Brasília:
Telebrás, 1974, p. 43).
294
Dentre as medidas adotadas “merecem destaque a Portaria nº 102 do Ministério das Comunicações, que
exigiu a identificação e o uso das fontes nacionais de tecnologia; e a Portaria nº661, que levou as
multinacionais a desenvolver produção de centrais digitais, seguindo especificações técnicas feitas pela
Telebrás. Em 1978, pela Portaria nº662, foi dado ao Ministério das Comunicações o poder de coordenar a
redução das importações de equipamentos de telecomunicações.” (PADILHA, Marcos Lopes. Op. cit., p.
21).
295
OLIVEIRA, Euclides Quandt de. É preciso despolitizar. p. 94. In: Telecomunicações: privatização
ou caos. São Paulo: TelePress Editora, 1993, p. 91-94. Ainda: GARBI, Gilberto Geraldo. O futuro é a
privatização. p. 105-106. In: SIQUEIRA, Ethevaldo [et alli]. op.cit., p. 104-108; 10; 15-16.
293
78
• Existência de regramento normativo adequado elaborado com o auxílio de
especialistas da área;
• Fonte de recursos assegurada por fundo setorial e independência do orçamento
da União;
• Gerência técnica com continuidade e autonomia decisória dos operadores do
Sistema Telebrás, permitindo uma execução planificada e dinâmica de
objetivos em estrutura administrativa isenta de clientelismo;
• Entrosamento do setor com a política;
• Criação de imagem positiva junto ao público, mediante motivação dos
partícipes do Sistema Telebrás em razão do excelente desenvolvimento do
setor, possibilitando a criação de espírito de equipe;
• Introdução, na rede telefônica brasileira, do DDD, além de modernos cabos
submarinos ligando o Brasil à Europa, Estados Unidos e África e a
implantação do sistema de comunicações via satélite doméstico, o Brasilsat;
• Crescimento contínuo do setor, embora já com surgimento de alguns problemas
do monopólio, como cortes irrealistas de investimentos no setor mediante
confisco da parcela significativa do Fundo Nacional das Telecomunicações
pelo Governo, como também pela não-atualização das tarifas além do
enxugamento dos superávits operacionais das operadoras mais rentáveis;
• Surgimento dos primeiros sinais de represamento da demanda, de
congestionamento dos serviços, de ociosidade industrial e de retrocesso
tecnológico.
Finalmente, também contribuiu para o sucesso do Sistema Telebrás, o que Garbi
chamou de “esquecimento governamental”296 do setor de telecomunicações, fato
decisivo para o setor segundo Alencastro e Silva.
“O caminho percorrido foi gradual. Mais do que isso, cada nova etapa
só se iniciava quando a anterior estava concluída. E os bons resultados
alcançados nos primeiros anos da administração estatal só foram obtidos
graças a uma legislação adequada e à autonomia gerencial de que gozavam
as operadoras, pois o governo ainda não tinha descoberto que o Sistema
Telebrás poderia ser usado como excelente fonte de empregos para
conquistar apoio político ou para compensar correligionários derrotados em
eleições.”297
4.4.2.5 O FUNDO NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES (FNT)
Mas o setor de telecomunicações começava a sentir os efeitos da ingerência
política sobre suas fontes financiadoras. O escoamento de recursos do setor de
telecomunicações para os cofres públicos é espelhado no histórico do Fundo Nacional
de Telecomunicações criado pelo Código Brasileiro de Telecomunicações em 1962.298
296
GARBI, Gilberto Geraldo. O futuro é a privatização. p. 106. In: SIQUEIRA, Ethevaldo [et alli].
Telecomunicações: privatização ou caos. São Paulo: TelePress Editora, 1993, p. 104-108.
297
SILVA, José Antônio de Alencastro e. O Estado é incompetente. p. 87. In: SIQUEIRA, Ethevaldo [et
alli]. Telecomunicações: privatização ou caos. São Paulo: TelePress Editora, 1993, p. 85-90.
298
Lei 4.117, de 27 de agosto de 1962: “Art.51. É criado o Fundo Nacional de Telecomunicações
constituído dos recursos abaixo relacionados, os quais serão arrecadados pelo prazo de 10 (dez) anos para
serem aplicados na forma prescrita no Plano Nacional de Telecomunicações, elaborado pelo Conselho
Nacional de Telecomunicações e aprovado por decreto do Presidente da República: a) produto de
arrecadação de sobretarifas criadas pelo Conselho Nacional de Telecomunicações sôbre qualquer serviço
de telecomunicação, inclusive tráfego mútuo, taxas terminais e taxas de radiodifusão e radioamadorismo,
não podendo, porém, a sobretarifa, ir além de 30% (trinta por cento) da tarifa; b) juros dos depósitos
bancários de recursos do próprio fundo e produto de operações de crédito por êle garantidas; c) rendas
eventuais, inclusive donativos.”
79
Este fundo era constituído por sobretarifas instituídas pelo Conselho Nacional de
Telecomunicações – CONTEL, também criado pelo Código Brasileiro de
Telecomunicações (art.14), limitadas ao prazo de 10 anos a partir do início de sua
cobrança e ao montante de 30% das tarifas de quaisquer serviços de telecomunicações,
inclusive tráfego mútuo, taxas terminais e taxas de radiodifusão e radioamadorismo,
fazendo parte do orçamento de empresa pública federal (art. 42, §5o, b), que deveria ser
criada pela União para o fim de explorar industrialmente os serviços de
telecomunicações (art. 42, caput). Esta empresa pública prevista no Código Brasileiro
de Telecomunicações foi efetivada em 1965 com o nome de EMBRATEL constante do
Regulamento Geral daquele Código aprovado pelo Decreto 52.026, de 20 de maio de
1963.
Ainda em 1963, o Decreto 53.352, de 26 de dezembro daquele ano,
regulamentou o Fundo Nacional de Telecomunicações – FNT, determinando que as
sobretarias de telecomunicações fossem definidas, dentro dos limites legais, por portaria
do Conselho Nacional de Telecomunicações – CONTEL.
A partir de 1966, os usuários dos serviços de telecomunicações passaram a
contribuir para o Fundo Nacional de Telecomunicações – FNT, projetando o término de
sua cobrança para 1o de maio de 1976.
Em 1972, ao lado da autorização299 para constituição, pela Lei 5.792/72, das
Telecomunicações Brasileiras S.A. – TELEBRÁS, sociedade de economia mista federal
voltada a gerir a participação acionária da União nas empresas de telecomunicações do
país, o Executivo federal também foi autorizado300 a transferir ao patrimônio daquela
pessoa jurídica as ações e créditos de todas as empresas federais de serviços públicos de
telecomunicações e o próprio Fundo Nacional de Telecomunicações – FNT, que ficaria
“à disposição da TELEBRÁS”301 para aplicação segundo as diretrizes emanadas do
Ministério das Comunicações. A mesma lei facultou302 ao Executivo federal transformar
a Empresa Brasileira de Telecomunicações – EMBRATEL em sociedade de economia
mista, fato que se consolidou com o Decreto 70.913, de 2 de agosto de 1972, seguido,
no mesmo dia, do Decreto 70.914, que instituía a TELEBRÁS também como sociedade
de economia mista.
No Governo Geisel, em 1974303, foi criado o Fundo Nacional de
Desenvolvimento – FND, instituído pela Lei 6.093/74, tendo como uma de suas fontes
as sobretarifas dos serviços de telecomunicações destinadas ao Fundo Nacional de
Telecomunicações – FNT.304 O Fundo Nacional de Desenvolvimento de então previa
aplicação dos recursos que não fossem repassados aos fundos setoriais em infraestrutura, principalmente de minas e energia, transportes e comunicações,
299
Art.2o, §3o da Lei 5.792, de 11 de julho de 1972. O Decreto 70.914, de 2 de agosto de 1972 concretizou
a criação da TELEBRÁS.
300
Art.5o, da Lei 5.792, de 11 de julho de 1972.
301
Art.10, da Lei 5.792, de 11 de julho de 1972.
302
Art.11, da Lei 5.792, de 11 de julho de 1972.
303
Neste ano, foi implantado o Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento na esteira do modelo de
planos e programas nacionais de desenvolvimento introduzidos pela Constituição Federal de 1967
(art.46, III), que consistiam no “conjunto de decisões harmônicas destinadas a alcançar, no período
fixado, determinado estágio de desenvolvimento econômico e social” (art.2o, da Lei Complementar nº3,
de 7 de dezembro de 1967).
304
Lei 6.093, de 29 de agosto de 1974: “Art. 2º Integrarão o FND: (...) III – as parcelas do (...)produto da
arrecadação das sobretarifas a que se refere a alínea a do art. 51 da Lei nº 4.117, de 27 de agosto de
1962.”
80
demonstrando que o setor não estava completamente desassistido305, mas a criação deste
fundão – como ficou conhecido à época – evidencia plena submissão das estratégias de
investimentos do setor de telecomunicações aos reveses políticos. A desvinculação
operada entre as sobretarifas de telecomunicações e os deveres estatais de
melhoramento e expansão dos serviços de integração nacional das redes gerou a
inconstitucionalização das cobranças, que somente vieram a sofrer posicionamento
definitivo do Supremo Tribunal Federal em 1990. A corrosão dos recursos vinculados
às telecomunicações era progressiva no tempo, iniciando-se em 1975, com 10%, para,
em 1979, estabilizar-se em 50% dos valores das sobretarifas.306 Para viabilizar a
continuidade das entradas no novo fundo recém-criado, foi promulgada a Lei 6.127, de
6 de novembro de 1974, que prorrogou, por prazo indeterminado, o limite de dez anos
fixado no art. 51 da Lei 4.117/62 referente ao período máximo de cobrança das
sobretarifas de telecomunicações.
A situação do setor deteriorou-se ainda mais com o Decreto-lei 1.754/79, de
aumento dos percentuais de transferência do Fundo Nacional de Telecomunicações –
FNT para o Fundo Nacional de Desenvolvimento – FND fixados em 50%, no ano de
1982, e 100%, no ano de 1983, bem como com o endurecimento das regras de
movimentação dos fundos nacionais.307 A previsão de extinção do Fundo Nacional de
Desenvolvimento – FND havia sido prenunciada pelo Decreto-lei 1.754/79 para o ano
de 1983. A partir de então, a totalidade dos recursos do Fundo Nacional de
Telecomunicações – FNT passaria a compor a lei orçamentária como “recursos
ordinários do Tesouro Nacional, sem qualquer vinculação a órgão, fundo ou
despesa”308. Ocorreu, todavia, que a extinção deste Fundão, como era chamado o FND,
foi adiantada pelo Decreto-lei 1.859/81 para o ano de 1982, o que antecipou a corrosão
dos valores totais do Fundo Nacional de Telecomunicações prevista apenas para
1983.309 Assim, em 1982, o Fundo Nacional de Telecomunicações foi extinto mediante
305
A preocupação com o setor estava esboçada na redução de tributos. O Decreto-lei 1.330, de 31 de maio
de 1974, três meses antes da criação do Fundo Nacional de Desenvolvimento, reduziu a alíquota do
imposto de renda das empresas concessionárias de serviços públicos de telecomunicações. O Decreto-lei
1.331, de mesma data, concedeu isenção do IPI dos produtos empregados no sistema de telefonia
adquiridos pela Telebrás e por empresas autorizadas ou concessionárias de serviços de telecomunicações.
306
Lei 6.093, de 29 de agosto de 1974: “Art.3o Dos montantes de cada espécie dos recursos de que trata o
item III, do artigo 2o, serão automaticamente transferidos para os respectivos Fundos, como subcontas do
FND, consoantes as vinculações legais existentes e sem prejuízo das normas que regem sua
administração, os seguintes percentuais: I – em 1975 – 90% (noventa por cento); II – em 1976 – 80%
(oitenta por cento); III – em 1977 – 70% (setenta por cento); IV – em 1978 – 80% (oitenta por cento); V –
a partir de 1979 – 50% (cinqüenta por cento).”
307
Decreto-lei 1.174, de 31 de dezembro de 1979: “Art.2º - Do produto da arrecadação a que se referem os
itens III e V do artigo 2º da Lei nº 6.093, de 29 de agosto de 1974, serão transferidos à conta do Fundo
Nacional de Desenvolvimento, a partir de 1981, os seguintes percentuais: I - em 1981 - 50% (cinqüenta
por cento); II - a partir de 1982 - 100% (cem por cento); Art.4º - Os orçamentos de todos os fundos de
qualquer natureza serão aprovados antes de iniciado o exercício financeiro à que se referirem. (...). Art.5º
É vedado empenhar, transferir ou levar a crédito de qualquer fundo, recursos orçamentários que não lhe
forem especificamente destinados em lei orçamentária, ou em créditos adicionais.”
308
Decreto-lei 1.174, de 31 de dezembro de 1979: “Art.7º A partir do exercício financeiro de 1983,
inclusive, fica extinto o Fundo Nacional de Desenvolvimento (FND), e os recursos que o integram
continuarão compondo a lei orçamentária como recursos ordinários do Tesouro Nacional, sem qualquer
vinculação a órgão, fundo ou despesa.”
309
Decreto-lei 1.859, de 17 de fevereiro de 1981: “Art.1o A partir do exercício financeiro de 1982,
inclusive, fica extinto o Fundo Nacional de Desenvolvimento – FND, criado pela Lei nº 6.093, de 29 de
agosto de 1974, e o produto da arrecadação de que trata o Decreto-lei nº 1.754, de 31 de dezembro de
81
seu esvaziamento, muito embora continuassem a ser cobradas as sobretarifas de
telecomunicações, que, a partir de então, passavam a integrar o Tesouro Nacional.
Em dezembro de 1984, a sobretarifa que recaía até então sobre os serviços de
telecomunicações foi substituída pelo Imposto sobre Serviços de Comunicações – ISSC
com o advento do Decreto-lei 2.186/84, que revogou expressamente o art. 51 da Lei
4.117/62 e a Lei 6.127/74. Estes dispositivos revogados, respectivamente, criavam o
Fundo Nacional de Telecomunicações – FNT e prorrogavam por prazo indeterminado a
cobrança das sobretarifas de telecomunicações. O novo tributo incidia sobre os serviços
públicos e serviços público-restritos de telecomunicações, excluindo-se, portanto,
dentre outros, os serviços postais, de radiodifusão sonora e de sons e imagens, serviços
limitados, serviços de radioamador e serviços especiais. As dificuldades ocasionadas
pela ausência da fonte financiadora tradicional do Fundo Nacional de
Telecomunicações – FNT passaram a ombrear com o acréscimo daquele imposto de
alíquota de 25% sobre o preço do serviço310 incidente, no linguajar de direito tributário,
por dentro, o que projetou a alíquota real para mais de 30%. Justiça seja feita ao
Governo, pois o decreto criador do ISSC também salvaguardou a obrigação do Estado
de arcar com os encargos financeiros das dívidas da Telebrás contraídas até 1984.311
O Sistema Telebrás, em meados da década de 1980, já não detinha mais
nenhuma parcela dos recursos antes destinados ao Fundo Nacional de
Telecomunicações – FNT e ainda sofria a incidência de uma alíquota de 25% do ISSC.
Como não havia mais fontes de recursos possíveis dos serviços de telecomunicações em
si, o Decreto-lei 2.288, de 1986, previu outro meio de arrecadação de recursos do setor
de telecomunicações para o que chamou de dinamização do desenvolvimento
nacional.312 O mecanismo imaginado foi o de conferência das ações de empresas
controladas, direta ou indiretamente, pela União, mediante a permuta compulsória das
ações excedentes ao mínimo necessário para manutenção de seu controle acionário por
quotas de um novo fundo escritural intitulado Fundo Nacional de Desenvolvimento –
FND, que seriam inegociáveis até 31 de dezembro de 1989.313 Em 31 de agosto de
1979, em seu artigo 2º e item II, passará a compor as leis orçamentárias e constituirá recursos ordinários
do Tesouro Nacional, sem qualquer vinculação a órgão, programa, fundo ou despesa.”
310
Decreto nº 2.186, de 20 de dezembro de 1984: “Art. 1º O imposto sobre serviços de comunicações tem
como fato gerador a prestação de serviços de telecomunicações destinados ao uso do público (art. 6º,
letras “a” e “b”, da Lei nº 4.117, de 27 de agosto de 1962); Art. 2º A alíquota do imposto é de vinte e
cinco por cento; Art. 3º Contribuinte do imposto é o prestador do serviço; Art. 4º A base de cálculo do
imposto é o preço do serviço. §1º O preço do serviço será representado pela quantia total paga pelo
usuário ao prestador do serviço. §2º O montante do imposto integra a base de cálculo a que se refere este
artigo.”
311
Decreto nº 2.186, de 20 de dezembro de 1984: “Art. 9º O Poder Executivo fará consignar, nas
Propostas de Orçamento da União relativas aos exercícios de 1986 a 1989, dotação anual equivalente ao
valor dos encargos financeiros dos empréstimos, internos e externos, contraídos até 31 de dezembro de
1984 pela Telecomunicações Brasileiras S/A (TELEBRÁS) e suas controladas, para investimentos
destinados à expansão e melhoramento dos serviços de telecomunicações.”
312
Decreto-lei 2.288, de 23 de julho de 1986: “Art. 1º É criado o Fundo Nacional de Desenvolvimento
(FND), de natureza autárquica, com o objetivo de fornecer recursos para realização de investimentos
necessários à dinamização do desenvolvimento nacional e apoio à iniciativa privada na organização e
ampliação de suas atividades econômicas”; “Art. 9º O Fundo Nacional de Desenvolvimento, vinculado ao
Ministério da Fazenda, será administrado por uma Secretaria Executiva.”
313
Decreto-lei 2.288/86: “Art.2º O patrimônio inicial do Fundo será constituído pela conferência de ações
de empresas controladas, direta ou indiretamente, pela União, de propriedade de entidades da
Administração Federal.”; “Art.3º A União subscreverá quotas do Fundo com o produto da arrecadação do
Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, e sobre Operações relativas a Títulos e Valores
82
1990, este novo fundo já era o segundo maior acionista da TELEBRÁS com cerca de
30% das ações ordinárias e 30% das preferenciais.314 Os desvios de recursos
continuaram por formas menos evidentes na primeira metade da década de 1990315 e até
mesmo no final da década via-se a vinculação de ações estatais remanescentes do setor
de telecomunicações a programas do governo federal.316
4.4.2.5.1 Ponto culminante da ingerência estatal no setor de telecomunicações
A criação, em 1978, da Secretaria de Controle de Empresas Estatais – SEST317,
juntamente com outros mecanismos centralizadores de meados da década de 1980, tais
como a Comissão de Coordenação Financeira – CCF318 e o Conselho Interministerial
de Salários de Empresas Estatais – CISE319, eliminaram a autonomia que restava no
setor de telecomunicações.
“Em meados da década de 80, o Sistema Telebrás foi atingido por um
duro golpe: com a criação da SEST, seus orçamentos passaram a fazer parte
da vala comum do universo estatal e a antiga autonomia empresarial foi
substituída pelo emperramento da camisa-de-força burocrática dos órgãos
públicos. A submissão das telecomunicações à SEST, na época um
mastodonte tecnocrático encarregado de encarnar a onisciência sobre as
incontáveis áreas da intervenção estatal, trouxe a um setor que fora exemplo
de boa administração um componente do que não mais se livrou: a
ignorância. Inventou-se, por exemplo, o conceito dos limites de
investimentos, que fez com que, repetidas vezes, empresas não pudessem
realizar obras mesmo dispondo de recursos e diante de enorme demanda da
parte dos usuários dispostos a pagar por suas linhas.”320
Esta prática de planificação da gestão de empresas estatais continuou nos
governos seguintes e o Comitê de Controle das Empresas Estatais – CCE, criado pelo
Decreto sem número, de 1o de fevereiro de 1991, e reforçado com a instituição do
Programa de Gestão das Empresas Estatais – PGE, pelo Decreto nº 137, de 27 de maio
de 1991, não fugiu à regra. Este comitê era responsável por compatibilizar decisões
setoriais relativas às empresas estatais com a política macroeconômica321 e exercia este
Mobiliários. Parágrafo único. A União poderá subscrever quotas mediante dotações orçamentárias
adicionais.”; “Art.4º O Fundo poderá emitir quotas, sempre na forma escritural nominativa, bem como
obrigações de longo prazo, com o objetivo de captar recursos junto a investidores.”
314
VIANNA, Gaspar. Op. cit., p.88.
315
Como exemplo, tem-se que “em junho e julho de 1992, a Telebrás adiantou US$120 milhões em
imposto de renda aos cofres do Tesouro” (Ibid., p. 66). Acrescem-se a este, outros métodos, tais como a
subscrição compulsória dos lucros do setor de telecomunicações em Letras do Tesouro Nacional: Ibid., p.
89.
316
Foi o caso do Decreto nº3.082, de 10 de junho de 1999, que autorizou o Executivo federal a depositar
as ações de propriedade da União referentes à TELEBRASÍLIA, TELEMAT, TELEMIG, TELEPARÁ,
TELERGIPE, TELERJ, TELERN, TELESC, TELMA e TELPE no Fundo de Amortização da Dívida
Pública Mobiliária Federal criado pela Lei 9.069, de 29 de junho de 1995 (art.30).
317
Decreto nº 84.128, de 29 de outubro de 1979.
318
Decreto nº 94.446, de 12 de junho de 1987.
319
Decreto nº 91.370, de 26 de junho de 1985.
320
GARBI, Gilberto Geraldo. O futuro é a privatização. p. 106. In: SIQUEIRA, Ethevaldo [et alli].
Telecomunicações: privatização ou caos. São Paulo: TelePress Editora, 1993, p. 104-108.
321
Art.1o, caput do Decreto sem número de 1o de fevereiro de 1991.
83
papel com amplos poderes para fixação de tarifas públicas, de salários e gastos com
pessoal, de execução e revisão orçamentária, de níveis de financiamento e
endividamento, de administração dos bens da União, bem como quaisquer outras
questões pertinentes às operações das empresas estatais.322 A previsão de liberação das
empresas estatais que se comprometessem em cumprir programa de gestão por
intermédio de contratos individuais de gestão323 com metas de desempenho não as
liberou, de fato, das amarras da planificação econômica, pois não foram implementados
à época. Duas décadas após, em 1998, via-se o projeto de planificação refletido no
Programa de Dispêndios Globais – PDGs traduzidos no Decreto nº 2.453, de 6 de
janeiro de 1998 e no Decreto nº 2.711, de 6 de agosto de 1998.
Todos estes fatores associados à crescente intromissão política casuística,
acabou por justificar todas as críticas que passaram a se acometer sobre as estatais,
apontando seus problemas crônicos:
•
•
•
•
“Limitações e instabilidade orçamentária;
Permanente ingerência política na administração;
Ausência de planejamento;
Submissão a um infindável conjunto de leis e de regulamentos muitas vezes
conflitantes.”324;
• “Corrupção na administração das maiores subsidiárias do setor”325;
• “Desvios de aplicação de recursos legalmente destinados à Telebrás, tais como
sobretarifas e superávits operacionais, [gerando] descapitalização acentuada
do setor”326.
O quadro do setor pode ser bem visualizado nas seguintes considerações:
“As conseqüências não se fizeram esperar: o crescimento do sistema
sofreu profunda desaceleração, passando de quase 800 mil linhas por ano
para cerca de 300 mil; o congestionamento dos serviços interurbanos atingiu
níveis insuportáveis, na segunda metade dos anos 80; as indústrias, que têm o
Sistema Telebrás como comprador praticamente único, viveram anos de
grande ociosidade; as filas para aquisição de linhas multiplicaram-se por todo
o País. Obviamente, todo este descaso para com as telecomunicações não
ajudou a combater a inflação (...)”327
Com a crescente deformação da interferência política no Sistema Telebrás,
revelou-se a pior face da gestão pública: a “apropriação da área pública pelos
interesses privados”328, acometendo os serviços públicos dos interesses particularistas
de então, que deslocavam as políticas estatais do foco do interesse geral em nome de
322
Art.2o, incisos I a VI do Decreto sem número de 1o de fevereiro de 1991 e art.3o do Decreto nº137, de
27 de maio de 1991.
323
Art.8o do Decreto nº137, de 27 de maio de 1991.
324
JOHNSSON, Renato. O modelo esgotado. p. 113. In: SIQUEIRA, Ethevaldo [et alli].
Telecomunicações: privatização ou caos. São Paulo: TelePress Editora, 1993, p. 112-116.
325
SIQUEIRA, Ethevaldo [et alli]. Telecomunicações: privatização ou caos. São Paulo: TelePress
Editora, 1993, p. 167.
326
MANCINI, Luciana. O Estado e as telecomunicações. p. 128. In: SIQUEIRA, Ethevaldo [et alli].
Telecomunicações: privatização ou caos. São Paulo: TelePress Editora, 1993, p. 124-129.
327
GARBI, Gilberto Geraldo. Op. cit., p. 107.
328
MANCINI, Luciana. Op. cit., p. 126.
84
uma ética privatista de favores e recompensas políticas.329 O período áureo da primeira
década de existência da Telebrás não se repetiu:
“A partir de 1982, na segunda década do monopólio, o governo, além
de reduzir a prioridade dos investimentos no setor, passou a corrigir as tarifas
locais, sempre abaixo dos índices da inflação, descapitalizando as empresas
operadoras de telecomunicações e reduzindo sua capacidade de
investimento.”330
4.4.2.6 PERÍODO DE CRISE: EMBATES DA DESESTATIZAÇÃO (19851995)
O espaço de tempo entre 1985 e 1990 revelou um novo degrau na
desestruturação do setor público de telecomunicações: os prejuízos deixaram de incidir
apenas sobre aspectos objetivos estruturais e passaram a afetar os quadros de pessoal.
Os depoimentos a seguir falam por si:
Iniciou-se “a desprofissionalização de uma área altamente
especializada e complexa. Quadros dirigentes e gerenciais, duramente
formados ao longo de muitos anos, à custa de treinamento no País e nas
melhores operadoras telefônicas do mundo, foram truncados e
desmotivados.”331
“A partir da Nova República (1985) começaram a chegar ao setor os
políticos fisiológicos (...). A regra geral do profissionalismo foi quebrada. A
competência deixou de ser o único parâmetro essencial para a escolha dos
dirigentes. O populismo e os compromissos partidários passaram a fazer
presidentes e diretores da Telebrás e de subsidiárias. As empresas passaram a
ser apenas um trampolim para promoção pessoal, visando a futuras eleições
ou ao enriquecimento ilícito. (...) Com este aviltamento das funções diretivas,
aquilo que deveria ser um sistema holding passa a ser um amontoado de
empresas, sem nenhuma coordenação ou planejamento. Cada empresa faz o
seu planejamento isoladamente. (...) Ataca a sua espinha dorsal, impedindo o
sistema de realizar movimentos indispensáveis para uma administração
eficiente e segura. Ela desestimula o gerente competente, o empregado
dedicado e o profissional correto, pois personaliza a vitória do
apadrinhamento”332.
Dentre as características de meados da década de 1980 a meados da década de
1990, podem ser ressaltadas:333
• Represamento máximo da demanda;
• Problemas industriais e tecnológicos;
• Desprofissionalização das empresas operadoras estatais mediante politização
das diretorias da Telebrás e de suas subsidiárias;334
329
BELLUZZO, Luiz Gonzaga de Melo; GRAU, Eros Roberto. A corrupção no Brasil. p. 18. In: Revista
Brasileira de Estudos Políticos. Belo Horizonte: UFMG, nº 80, janeiro de 1995, p. 7-20.
330
SIQUEIRA, Ethevaldo [et alli]. Op. cit., p. 10.
331
GARBI, Gilberto Geraldo. Op. cit., p. 107.
332
VIANNA, Gaspar. Privatização das telecomunicações. 3aed., Rio de Janeiro: Notrya, 1993, p. 93-94.
333
SIQUEIRA, Ethevaldo [et alli]. Op. cit., p. 16-17; 20.
334
“ACM [Antônio Carlos Magalhães], sob o argumento de acabar com a centralização – ‘um óbice ao
crescimento’ –, inaugurou uma fase em que o critério de competência foi substituído pelo político, nas
indicações dos dirigentes das operadoras. Na esteira, os sistemas de planejamento e controle foram pouco
85
• Defasagem extrema dos serviços periféricos e dos novos serviços (telefonia celular,
comunicação de dados, serviços telemáticos, redes de valor adicionado, redes
de banda larga) associada ao sucateamento dos serviços básicos: quando
completadas as ligações telefônicas, estas apresentavam baixa qualidade de
transmissão, ruídos, linhas cruzadas, inviabilidade de ligações de longa
distância depois das 10 horas da manhã e entre 3 e 6 horas da tarde;
• Crescimento acelerado do mercado informal (paralelo) de linhas telefônicas em
razão da escassez de linhas, chegando, uma linha, ao preço recorde de U$10
mil no mercado negro das maiores cidades;
• Atraso generalizado na entrega de linhas telefônicas dos Planos de Expansão
iniciados em 1986, revelando desrespeito para com os consumidores do
serviço. Em dezembro de 1997, havia uma fila de espera de 13,4 milhões de
pessoas inscritas em todo o País em planos de expansão da rede fixa, deste
total, 7,2 milhões só do Estado de São Paulo;335
• Déficit e inadimplência generalizados, com atrasos no pagamento dos
fornecedores;
• Descapitalização setorial oriunda de baixas tarifas (tarifas telefônicas vigentes no
2o semestre de 1992 correspondiam a 19% do seu valor real em janeiro de
1975), do enxugamento de superávits, de imposição de limites irrealistas de
investimentos, da proibição de empréstimos, do desvio de recursos de
investimentos, de atrasos nas autorizações para o lançamento de debêntures
e, finalmente, das protelações sucessivas nas autorizações para captação de
recursos na exterior, por exemplo, mediante ADRs.
• Aviltamento tarifário336 com “tarifas telefônicas vigentes no início do 2o
semestre de 1992 [que] equivaliam a apenas 19% de seu valor real em janeiro
de 1975.”337 Isso é explicado pelos subsídios cruzados pré-liberalização das
telecomunicações oriundos da pressão de universalização, que gerava o
favorecimento das tarifas locais “às expensas das interurbanas, internacionais
e de comunicação de dados”338. A existência de ditos subsídios era aceita
pelos defensores do modelo de monopólio estatal ou privado para permitir o
repasse de receitas das regiões ou faixas da população mais ricas para as mais
pobres, viabilizando a universalização. Já, para os defensores da
concorrência, “o subsídio privado que vigora em todos os modelos
monopolistas é uma forma de viabilizar a prestação de todos os serviços de
telecomunicações por um operador monopolístico, com a transferência
interna (contábil) de receitas dos serviços mais rentáveis, para cobrir o déficit
dos serviços menos rentáveis ou deficitários”339.
Em 1987, o interesse represado dos investidores privados no setor de
telecomunicações aflorou em um incidente que ficaria conhecido, mais tarde como Caso
Vicom. A Victori Comunicações – Vicom era decorrente de uma associação entre a
Globopar, do grupo Roberto Marinho, a Digilab, do grupo Bradesco, a Victori
Internacional Engenharia de Telecomunicações e o grupo italiano Stet, formado pela
a pouco desmontados.” (DIAS, Lia Ribeiro; VALENTE, Márcio; MOHERDAUI, Wilson (org.).
Alencastro: o general das telecomunicações. São Paulo: Plano Editorial, 2004, p. 10).
335
PADILHA, Marcos Lopes. Op. cit., p. 22.
336
O depoimento a seguir ilustra a realidade no ano de 1993: “uma chamada local custa irrisórios dois
centavos de dólar e uma assinatura residencial menos de um dólar por mês. Esses valores tendem a cair
ainda mais a partir do início de 1993, com os subsídios da chamada tarifa social (...). Em contrapartida,
uma ligação internacional pode custar o triplo dos preços vigentes no exterior, e os serviços de
comunicação de dados, por sua vez, são excessivamente caros” (MANCINI, Luciana & SIQUEIRA,
Ethevaldo. Rumo ao caos, p.12. In: SIQUEIRA, Ethevaldo [et alli]. Telecomunicações: privatização ou
caos. São Paulo: TelePress Editora, 1993, p. 10-23). Conferir, ainda: VIANA, Gaspar. Op. cit., p. 89-92.
337
SIQUEIRA, Ethevaldo [et alli]. Op. cit., p. 22.
338
REGO, Luiz Carlos Moraes. As lições da liberalização, p. 51. In: SIQUEIRA, Ethevaldo [et alli].
Telecomunicações: privatização ou caos. São Paulo: TelePress Editora, 1993, p. 48-53.
339
SIQUEIRA, Ethevaldo [et alli]. Op. cit., p. 154. Apresentando-se como defensor do subsídio cruzado,
Gaspar Vianna esclarece que “os serviços sofisticados devem subsidiar os básicos, assim como os
prestados em regiões ricas ou de alta densidade populacional devem financiar os prestados em regiões
pobres ou de baixa concentração urbana” (VIANNA, Gaspar. Op. cit., p. 76).
86
Telespazio e a Italcable.340 Acusaram-se pressões políticas oriundas do Ministério das
Comunicações de dispararem o incidente:
“Em agosto de 1987, Antonio Carlos Magalhães e Rômulo
Vilar Furtado tentaram impor à Embratel um contrato que, a
um só tempo, era lesivo aos interesses daquela empresa e
ilegal, pois instituía uma empresa privada, a Victori
Comunicações – Vicom, como “atravessadora” entre aquela
tradicional empresa prestadora de serviços e os seus usuários.
Como reação a isso, os empregados da empresa realizaram a
primeira greve na história da Embratel e, talvez, a primeira
greve cívica do Brasil, além de ingressarem em juízo com
uma ação popular. Pressionada por tais fatos, a diretoria da
Embratel ofereceu à Vicom um novo contrato, no qual ela
renunciaria expressamente à função de prestadora final de
serviços, mas ela não aceitou ser, apenas, uma usuária de
serviços da Embratel. Esta foi a prova inequívoca de que a
intenção era fazer um negócio sujo. E a prova de que o
ministro
e
o
seu
secretário-geral
participaram
conscientemente de todo o processo veio alguns dias depois,
com a demissão de todos os diretores da Embratel que não
cumpriram as ordens ilegais [§] Este fato veio a ser o embrião
da luta política que se travou no Congresso Nacional em
defesa do Sistema Telebrás, durante o processo de elaboração
da Constituição de 1988. Se não fosse o ‘caso Vicom’, talvez
não se desse tão naturalmente a mobilização dos empregados
do Sistema Telebrás para defendê-lo. A ação foi tão eficiente
que as propostas dos parlamentares ligados à Antonio Carlos
Magalhães, Rômulo Vilar Furtado e, de um modo geral, às
multinacionais de telecomunicações, não tiveram qualquer
chance de êxito. Praticamente por unanimidade, foi mantida a
integridade do Sistema Telebrás”.341
No âmbito dos serviços básicos de telefonia – transmissão de voz –, foi editado o
Decreto presidencial nº 96.618, de 31 de agosto de 1988, aprovando o Regulamento dos
Serviços Público-Restritos, terminologia que remontava ao Código Brasileiro de
Telecomunicações de 1962342. A introdução deste Decreto cerca de um mês antes da
promulgação da Constituição Federal de 1988 em regulamentação vinte e seis anos
tardia evidenciou a tentativa de abrir espaço, no ordenamento jurídico, a uma nova
categoria de serviços móveis que não estivesse submetida às limitações prenunciadas no
texto constitucional de 1988.343 O Decreto 96.618/88 inovou na terminologia tradicional
340
Ibid., p. 253.
Ibid., p. 253-254.
342
“Art.6o. Quanto aos fins a que se destinam, as telecomunicações assim se classificam: a)serviço
público, destinado ao uso do público em geral; b)serviço público restrito, facultado aos passageiros dos
navios, aeronaves, veículos em movimento ou ao uso do público em localidades ainda não atendidas por
serviço público de telecomunicação” (Lei 4.117/62).
343
O esforço foi tão direcionado pelo norte de abertura de uma brecha na legislação para tratamento
diferenciado aos novos serviços celulares, que a epígrafe do Decreto 96.618, de 1988, pecou por se referir
à alínea f do art.6.o do Código Brasileiro de Telecomunicações, que falava de serviços especiais de
interesses gerais não constantes das classificações anteriores de serviços de telecomunicações, enquanto o
Regulamento veiculado pelo Decreto refere-se expressamente ao art.6.o, alínea b, correspondente ao
tradicional serviço público restrito. A cogitação da alínea f do art.6.o para embasar o tratamento
341
87
do setor de telecomunicações para alterar o conceito tradicional de serviço público
restrito, estendendo-o aos serviços “de uso do público em localidades ainda não
atendidas por serviço público de telecomunicações fixo local”344. Ficava patente a
finalidade de inserção, na clássica categoria dos serviços públicos restritos, das novas
modalidades de serviços móveis celulares sob o nome de serviço de radiocomunicação
móvel restrito345, visando, com isso, fugir às limitações oriundas da proibição
constitucional de transferência de serviços públicos de telecomunicações para empresas
que não fossem de controle acionário estatal.346
A Constituição Federal de 1988 (art. 21, XII) compactuou com o sistema de
centralização operacional dos serviços de telecomunicações, introduzindo, pela primeira
vez, a exigência de prestação dos serviços por empresas sob controle acionário estatal,
bem como dividindo os serviços de telecomunicações em telegrafia, telefonia,
transmissão de dados e radiodifusão, esta última com tratamento constitucional bem
diferenciado.
Redação original da Constituição Federal de 1988 (05/10/1988)
Art.21. Compete à União:
XI – explorar, diretamente ou mediante concessão a empresas sob
controle acionário estatal, os serviços telefônicos, telegráficos, de
transmissão de dados e demais serviços públicos de telecomunicações,
assegurada a prestação de serviços de informações por entidades de
direito privado através da rede pública de telecomunicações explorada
pela União.
XII – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou
permissão:
a) os serviços de radiodifusão sonora, e de sons e imagens e
demais serviços de telecomunicações;
diferenciado dos serviços celulares denota um esforço repentino de solução das dificuldades acenadas
pela iminente promulgação da Constituição Federal de 1988.
344
Art.1o, caput do Regulamento dos Serviços Público-Restritos aprovado pelo Decreto 96.618, de 31 de
agosto de 1988. Na redação original do Código Brasileiro de Telecomunicações a definição de serviço
público restrito era limitada ao serviço “facultado ao uso dos passageiros dos navios, aeronaves, veículos
em movimento ou ao uso do público em localidades ainda não atendidas por serviço público de
telecomunicações.” (Lei 4.117, de 27 de agosto de 1962).
345
O Serviço de Radiocomunicação Móvel Restrito é trazido nos seguintes termos pelo Regulamento de
Serviço Público-Restritos aprovado pelo Decreto 96.618, de 31 de agosto de 1988: “Art.3o Para os efeitos
deste Regulamento, e normas reguladoras complementares, são adotadas as seguintes definições: I –
Serviço de radiocomunicação móvel restrito é aquele de telecomunicações móvel terrestre, marítimo ou
aeronáutico, da modalidade público-restrito, com acesso aos sistemas públicos de telecomunicações; II –
Área de prestação de serviço é a geograficamente definida no ato de outorga de cada permissão, dentro da
qual o permissionário é obrigado a prestar o serviço, de acordo com as condições legais e regulamentares
pertinentes;”. A Portaria nº117, de 07/12/1990, do então Ministério da Infra-Estrutura, evidenciou a
intenção governamental de enquadrar nos serviços público-restritos o serviço móvel celular, pois, ao
publicar a minuta para elaboração de edital para outorga, mediante permissão, de convocação dos
interessados na habilitação para exploração do Serviço de Radiocomunicação Móvel Terrestre Restrito
Celular, o nomeou como Serviço de Radiocomunicação Móvel Terrestre Restrito Celular /Serviço Móvel
Celular.
346
Esse desiderato fica evidente no seguinte dispositivo do Regulamento dos Serviços Público-Restritos
aprovado pelo Decreto 96.618/88: “Art.4o Podem habilitar-se à prestação de Serviço de
Radiocomunicação Móvel Restrito: I – as pessoas jurídicas de direito público interno; II – as prestadoras
de serviço público de telecomunicações; III – as sociedades anônimas ou as sociedades por cotas de
responsabilidade limitada, que atendam às exigências dos artigos 5o, 6o, item II e 11, deste Regulamento”.
88
Art.223. Compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão,
permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e
imagens, observado o princípio da complementaridade dos sistemas privado,
público e estatal.
§1º - O Congresso Nacional apreciará o ato no prazo do art. 64, § 2º e § 4º, a
contar do recebimento da mensagem.
§2º - A não renovação da concessão ou permissão dependerá de aprovação
de, no mínimo, dois quintos do Congresso Nacional, em votação nominal.
§3º - O ato de outorga ou renovação somente produzirá efeitos legais após
deliberação do Congresso Nacional, na forma dos parágrafos anteriores.
§ 4º - O cancelamento da concessão ou permissão, antes de vencido o prazo,
depende de decisão judicial.
§ 5º - O prazo da concessão ou permissão será de dez anos para as emissoras
de rádio e de quinze para as de televisão.
A redação do art. 21, incisos XI e XII da Constituição Federal de 1988 com
referência aos serviços públicos de telecomunicações e demais serviços de
telecomunicações levou à constatação de que os serviços inscritos no inciso XI seriam
numerados e restritos a empresas sob controle acionário estatal, enquanto os demais
serviços privados cairiam na vala comum do inciso XII. O art. 21, XI não se referiria a
nenhum serviço de telecomunicação que não fosse considerado essencial e, portanto,
público. Sob este enfoque, o art. 21, XI teria sua extensão resumida aos serviços de
telefonia, telegrafia, dados e demais serviços públicos de telecomunicações, restando
inseridos, no art. 21, XII, os serviços de radiodifusão de sons, de sons e imagens, de
cabodifusão, de videodifusão, de música funcional, de radiochamada, dentre outros.347
4.4.2.6.1 Regulamentação do art. 66 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias da Constituição Federal de 1988
A distinção inicialmente implementada pela Constituição Federal brasileira de
1988 entre serviços públicos e privados de telecomunicações, embora alterada pela
Emenda Constitucional nº 8, de 1995, permanece essencial para a compreensão da exata
extensão do art. 66 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição
Federal de 1988.
347
No art. 21, XII da CF/88, estariam o “maior volume de serviços de telecomunicações. São mais de 3
dezenas de serviços, onde se destacam os de radiodifusão sonora (estações de freqüência modulada, onda
média, onda curta e onda tropical), de televisão (UHF e VHF), de cabodifusão, de videodifusão (TV por
Assinatura), de música funcional e de radiochamada. (...) O outro grupo de serviços foi alinhado no inciso
XI do artigo 21. São serviços considerados essenciais para a população e estratégicos para o País e, por
isso, expressamente chamados de públicos. Estes serviços foram mantidos sob um regime de exploração
integrada, que se fará sob o aspecto administrativo, através de um sistema de empresas sob controle
acionário estatal e, sob o aspecto operacional, através de uma rede pública de telecomunicações. Dentre
os serviço públicos integrados, a Constituição citou, nominalmente, os serviços telefônicos (no plural, ou
seja, todos eles: fixos, móveis, deslocáveis, portáteis, tradicionais, celulares, analógicos, digitais etc), os
serviços telegráficos (no plural, ou seja, todos eles, inclusive o fac-símile e o telex) e os serviços de
transmissão de dados (mais uma vez, no plural, de modo a abranger todas as subespécies existentes ou
por existir” (VIANNA, Gaspar. Privatização das telecomunicações. 3aed., Rio de Janeiro: Notrya, 1993,
p. 148-149).
89
ADCT DA CF/88
Art.66. São mantidas as concessões de serviços públicos de telecomunicações
atualmente em vigor, nos termos da lei.
Embora não conste do art. 21 da Constituição Federal de 1988, após a Emenda
Constitucional nº 8, de 1995, o termo serviços públicos de telecomunicações, a
referência expressa a ditos serviços do art. 66 do ADCT exige o conhecimento do texto
histórico do art. 21, XI para que se possa chegar a certas conclusões. A mais evidente
resulta da redação da Lei 8.367/91, que regulamenta o art. 66 do ADCT da CF/88. Ela
se refere aos serviços públicos não abrangidos pelo inciso XI do art. 21 da Constituição
Federal de 1988.348 A finalidade do dispositivo legal é evidente no sentido de
determinar o prazo para renovação ou não das concessões de radiodifusão de sons e de
sons e imagens, com aparente incoerência gerada na leitura do novo texto constitucional
pós-1995. A constituição deixou expresso o esgotamento dos serviços públicos no art.
21, XI, à exceção dos serviços prestados mediante concessão ou permissão contidos no
art. 21, XII. Cabia à regulamentação legal do art. 66 do ADCT tratar do prazo de
vigência das concessões referentes aos serviços públicos de telecomunicações, que
seriam a totalidade do art. 21, XI da Constituição, como ela mesma expressamente
deixara consignado além daqueles do art. 21, XII considerados públicos. Houve, no
entanto, tratamento específico para os serviços de radiodifusão pela Lei 8.367/91,
remetendo-se os demais serviços públicos do art. 21, XI a disciplinas normativas
próprias349. Por isso, a Lei 8.367/91 dirigiu-se somente aos serviços públicos não
abrangidos pelo art.21, XI da Constituição Federal de 1988.
4.4.2.6.2 Forças em jogo: ampliação dos serviços privados de telecomunicações
Os eventos citados na área de telecomunicações traduzem a postura de reação do
Poder Executivo brasileiro à divisão constitucional entre serviços públicos prestados por
entes controlados pelo Estado e outros serviços públicos e privados passíveis de
prestação por particulares. O Executivo procurava ampliar o leque de serviços passíveis
de prestação por particulares. Neste contexto, houve a tentativa de afastamento dos
serviços celulares, então nascentes, da regra constitucional delimitadora da prestação de
serviços de telefonia por empresas sob controle acionário estatal (art. 21, XI pré
Emenda Constitucional nº 8/95). O Decreto nº 97.057, de 10 de novembro de 1988 –
pouco mais de um mês após a promulgação da Constituição Federal de 1988 –, alterou
dispositivos do antigo Regulamento Geral do Código Brasileiro de Telecomunicações
(Decreto 52.026/63), acrescentando a possibilidade de emissão, pelo Executivo, de
348
Lei 8.367, de 30 de dezembro de 1991: “Art. 1º As concessões de serviços públicos de
telecomunicações em vigor em 5 de outubro de 1988, não abrangidos pelo inciso XI do art. 21 da
Constituição Federal, são mantidas nos termos do art. 66 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias, pelo prazo de oito anos, a contar da data da publicação desta lei, que poderá ser prorrogado.”
349
Para as prestadoras de serviço telefônico fixo comutado, o art. 207 da Lei 9.472/97 (LGT) disciplinou a
forma de assinatura de concessões, renovação ou extinção das já existentes. Para o serviço móvel celular,
foi prevista a transformação das permissões do Serviço de Radiocomunicação Móvel Terrestre PúblicoRestrito em concessões de Serviço Móvel Celular pelo art. 4o, da Lei 9.295/96 (Lei mínima). Para os
Serviços de Distribuição de Sinais de TV por meios físicos, regulados pela Portaria nº 250, de 13 de
dezembro de 1989, do Ministério das Comunicações, o art. 42 da Lei 8.977/95 previu a transformação das
autorizações em concessões.
90
regulamento específico para os serviços público-restritos, que, como descrito linhas
atrás, já havia sido editado cerca de um mês antes da Constituição Federal de 1988
(Decreto 96.618, de 31 de agosto de 1988). Eles eram uma categoria tradicional de
serviços de telecomunicações específicos diferenciados em razão da finalidade e
facultados “ao uso dos passageiros dos navios, aeronaves, veículos em movimento ou ao
uso do público em localidades ainda não atendidas por serviço público de
telecomunicações”350.
Regulamento Geral do Código Brasileiro de Telecomunicações
(Decreto 52.026, de 20 de maio de 1963)
Art.1º.Os serviços de telecomunicações (...) obedecerão aos preceitos da
Lei número 4.117, de 27 de agosto de 1962, ao presente Regulamento Geral,
aos Regulamentos Específicos e aos Especiais.
§1ºOs Regulamentos Específicos, referidos neste artigo, são os que tratam
das diversas modalidades de telecomunicações, compreendendo:
a) Regulamento dos Serviços de Telefonia;
b) Regulamento dos Serviços de Telegrafia;
c) Regulamento dos Serviços de Radiodifusão;
d) Regulamento dos Serviços de Radioamador;
e) Regulamento dos Serviços Especiais e dos Serviços
Limitados;
f) Outros que se fizerem necessários.
Alteração do art.1o do Regulamento Geral do Código Brasileiro de
Telecomunicações pelo Decreto 97.057, de 10 de novembro de 1988
Art.1°.Os serviços de telecomunicações (...) obedecerão aos preceitos da
Lei n° 4.117, de 27 de agosto de 1962, ao presente Regulamento Geral, e aos
Regulamentos Específicos e Normas reguladoras complementares.
§1°Os Regulamentos Específicos, referidos neste artigo, são os que tratam
das diversas modalidades de serviços de telecomunicações,
compreendendo:
a) Regulamento dos Serviços Públicos;
b) Regulamento dos Serviços Públicos-Restritos;
c) Regulamento dos Serviços de Radiodifusão;
d) Regulamento dos Serviços de Radioamador;
e) Regulamento dos Serviços Limitados;
f) Regulamento dos Serviços Especiais;
g) outros que se fizerem necessários.
Mesmo fechada a hipótese de prestação de serviços públicos de
telecomunicações por empresas privadas a partir da Constituição Federal de 1988,
procurou-se um arremedo de concorrência intramonopólio nos serviços de
comunicação de dados por intermédio da Portaria nº 525/88351, do Ministério das
Comunicações, que estendia às demais empresas do Sistema Telebrás a exploração de
350
Art. 6o, item 51 do Regulamento do Código Brasileiro de Telecomunicações aprovado pelo Decreto
52.026, de 20 de maio de 1963.
351
Portaria nº 525, de 8 de novembro de 1988: “II – Às demais empresas do Sistema TELEBRÁS,
controladas ou associadas, compete: (...) c) Observado o disposto nos itens I e III [competências da
Embratel e da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos] da presente Portaria, explorar os serviços: (...)
2 – Intraestadual por linha dedicada telefônico, telegráfico, e de comunicação de dados, especializados e
não especializados, em suas áreas de operação;”.
91
dito serviço antes restrito à Embratel. Acusou-se352, à época, lobby da Embratel, de
introduzir em dita portaria a exigência de que as operadoras regionais somente
pudessem utilizar redes dedicadas passíveis de uso viável somente por clientes
intensivos, embora a vocação dessas empresas estivesse voltada ao tráfego de varejo
não-contínuo em face de sua alta capilaridade. Não fosse isso bastante, a evolução
tecnológica já permitia a utilização de redes de dados comutadas e não-dedicadas para
criação de redes virtuais permanentes mais confiáveis e mais baratas que as redes
dedicadas, praticamente inviabilizando qualquer espécie de ameaça à Embratel por parte
das operadoras locais.353
O início da década de 1990 foi caracterizado por iniciativas espasmódicas, que
refletiam a falta de prioridade política das telecomunicações ou de percepção desta
prioridade pelo próprio Executivo. A Lei 8.029, de 12 de abril de 1990, já esboçava o
caminho da desestatização, pois autorizou a TELEBRÁS a reduzir para oito o número
de suas operadoras, exceto a Embratel, por meio de fusões e incorporações dentro do
Sistema TELEBRÁS, passando, cada uma delas a operar em macrorregiões definidas
pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.354
Ao lado disso, no ambiente internacional:
“Em 5 de junho de 1990 (...), em Genebra, na Suíça,
realizava-se uma reunião sobre o Acordo Geral de Tarifas e
Comércio (Gatt). Nela, os Estados Unidos apresentaram uma
proposta de criação de ‘um novo tipo de telecomunicações, o
business telecommunication service, ou serviço comercial,
completamente diferenciado e separado legalmente da
operação pública’. Dentro deste novo conceito, estariam os
serviços de valor agregado (enhanced services), que
representam o que há de mais lucrativo e mais moderno no
setor.”355
Os anos de 1991 e 1992 conviveram com a inexistência de uma política
prospectiva coerente para o setor:
“ (...) depois de vários anos de investimentos insuficientes, cuja conseqüência
foi o acúmulo de 600 mil pessoas que pagaram e, até 1992, não haviam
recebido suas linhas, como resposta, o Sistema Telebrás realizou grandes
contratações em 1991, exigindo dos fornecedores prazos extremamente
curtos. Em 1992, quando as obras estavam prestes a ser concluídas, o
governo decidia impor a redução dos investimentos a um valor insuficiente
para cumprir o que havia sido contratado e estava sendo entregue. Repetiase, mais uma vez, a incompreensão que começara na década passada e que
somente significou perdas e sacrifícios inúteis para todos”356, levando a um
grande prejuízo do “parque industrial brasileiro de telecomunicações [que
352
REGO, Luiz Carlos Moraes. As lições da liberalização, p. 51. In: SIQUEIRA, Ethevaldo [et alli].
Telecomunicações: privatização ou caos. São Paulo: TelePress Editora, 1993, p. 48-53.
353
Id., ibid.
354
Lei 8.029, de 12 de abril de 1990: “Art. 16. É o Poder Executivo autorizado a promover: I - por
intermédio da Telecomunicações Brasileiras S.A. (Telebrás), a fusão ou a incorporação das empresas de
telecomunicações, exceto a Embratel, integrantes do respectivo Sistema, de modo a reduzir para oito
empresas de âmbito regional, as atualmente existentes, observado o que dispõe o parágrafo único do art.
14 desta lei, quanto ao referencial para a delimitação das regiões;”
355
VIANNA, Gaspar. Op. cit., p. 255-256 – grifos nossos.
356
GARBI, Gilberto Geraldo. Op. cit., p. 107..
92
estava, em 1993], sendo tolhido e cerceado pelas amarras que se abateram
sobre as empresas estatais do setor.”357.
Todas estas constatações deixam bem claro o momento de embate das correntes
pró e contra desestatização do setor de telecomunicações parcialmente paralisado em
razão do impeachment do ex-presidente Collor em finais de 1992. No segundo semestre
de 1992, a FITTEL (Federação Interestadual dos Trabalhadores em Telecomunicações)
divulgou cartilha contendo os argumentos do Movimento em Defesa da TELEBRÁS.358
De outro lado estavam as constatações de analistas do setor, em 1993, que refletiam a
deterioração do Estado, acusando-o de ter perdido sua função modernizadora359. A
radicalização360 do debate foi rebatida à época e as análises comparativas do atraso
brasileiro em telecomunicações evidenciavam a urgência de medidas que revertessem os
índices de densidade telefônica e de digitalização das redes.361 Embora as propostas
estivessem, em regra, direcionadas à determinação da melhor forma de desestatização e
introdução de modelos regulatórios normativos na estrutura da Administração Pública
federal brasileira, houve propostas voltadas a adaptar o modelo monopolista a antiga
autonomia gerencial por intermédio do controle pelos resultados viabilizados com o
instrumento administrativo do contrato de gestão.362 Em 25 de setembro de 1992, foi
assinado pelo Ministro dos Transportes e Comunicações e pelo representante do Banco
Mundial para a América Latina e Caribe o Memorando de entendimento relativo à
reestruturação do setor de telecomunicações, que incluía subcapítulo específico
destinado a resumir o compromisso do governo brasileiro na privatização do Sistema
Telebrás.363 A revisão constitucional de 1993, prevista para ser efetivada uma única vez
pelo art. 3º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição
357
JOHNSSON, Renato. O modelo esgotado, p. 115-116. In: SIQUEIRA, Ethevaldo [et alli].
Telecomunicações: privatização ou caos. São Paulo: TelePress Editora, 1993, p. 112-116.
358
O texto do documento, juntamente com respostas aos argumentos da Fittel, encontra-se em:
SIQUEIRA, Ethevaldo [et alli]. Op. cit., p. 131-155.
359
MANCINI, Luciana. Op. cit., p. 126.
360
Alencastro e Silva lamentava, em 1993, que “à semelhança do que aconteceu quando se discutiu no
país a política do petróleo, liderada pela corrente nacionalista, com seu slogan ‘O petróleo é nosso’, o
debate sobre o problema da privatização das telecomunicações vem sendo radicalizado” (ALENCASTRO
E SILVA, José Antônio. Prefácio, p. 4. In: SIQUEIRA, Ethevaldo [et alli]. Telecomunicações:
privatização ou caos. São Paulo: TelePress Editora, 1993, p. 4-7).
361
O Brasil ocupava, no início de 1992, o 42o lugar em densidade telefônica, com 6,56 linhas por 100
habitantes, abaixo da média mundial de então de 9,77 linhas por 100 habitantes e da média latinoameriacana de 7,31 linhas por grupo de 100 habitantes. Vide: SIQUEIRA, Ethevaldo. Brasil, décimo na
América Latina, p. 26. In: SIQUEIRA, Ethevaldo [et alli]. Telecomunicações: privatização ou caos. São
Paulo: TelePress Editora, 1993, p. 24-29. O autor utilizou como fontes estatísticas a UIT – União
Internacional de Telecomunicações (Blue Book), o Anuário International Telecom Statistics 1992 da
Siemens, um levantamento internacional elaborado pela Revista Nacional de Telecomunicações (RNT) e
pela Telepress Lationamericana de 1993.
362
Atacava-se o controle estatal comum à primeira metade da década de 1990 evidenciado na “tutela
primária da restrição de meios. É absurdo que empresas do porte de uma Telesp ou de uma Telepar
tenham que ser submetidas a regrinhas até para a admissão de engenheiros, cabistas, técnicos ou
telefonistas” (SIQUEIRA, Ethevaldo [et alli]. Op. cit., p. 174). Conferir também: BRASIL.
PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado. Novembro de
1995, item 7 – Estratégia de Transição, §2º, em que se propõe a “operacionalização da cultura gerencial
centrada em resultados através da efetiva parceria com a sociedade”. Leia-se aqui sociedade como
iniciativa privada.
363
Texto integral do Memorandum of understanding relating to the restructuring of the brazilian
telecommunications sector em: VIANNA, Gaspar. Op. cit., p. 271-274.
93
brasileira de 1988, foi palco de novos embates representados por três posições políticas
para o setor: a manutenção do mopólio estatal; a flexibilização do monopólio estatal; e a
privatização do Sistema Telebrás.364 As emendas apresentadas, então, foram sufocadas
pelas mesmas razões que sufocaram o esforço de revisão constitucional como um todo:
a proximidade de período eleitoral e a abertura da chamada CPI do Orçamento.365
A par destes acontecimentos, o setor de telefonia móvel estava em plena pauta
do dia patrocinada por movimentos do Executivo para sua paulatina transferência à
iniciativa privada. O espaço aberto pelo Decreto nº 96.618, de 31/08/1988, que
regulamentava os Serviços Público-Restritos, evidenciava o interesse governamental de
dar tratamento diferenciado ao Serviço Móvel Celular, remetendo-o à prestação
privatizada. Em março de 1989, editais de licitação para escolha dos fornecedores de
terminais do serviço móvel celular da subfaixa “A” foram publicados para São Paulo,
Rio de Janeiro e Brasília. A licitação de São Paulo foi anulada por iniciativa da
TELEBRÁS, que alegou terem as propostas apresentado preços excessivos além da
impossibilidade de prestação do serviço de telefonia móvel na freqüência de 800MHz,
que, à época, estava alocada para o controle de tráfego aéreo. Nos casos de Rio de
Janeiro e Brasília, recursos administrativos das empresas derrotadas nas licitações
protelaram o início das operações celulares para 1990 e 1991. A Nec, vencedora da
licitação no Rio de Janeiro, vendeu seu primeiro telefone celular portátil no Brasil em
dezembro de 1990. A Portaria nº 117, de 07/12/1990, do então Ministério da InfraEstrutura, publicou minuta da Norma Específica de Telecomunicações – NET,
finalmente aprovada pela Portaria nº 31, de 25/02/1991, voltada a disciplinar a forma de
permissão da prestação do Serviço Móvel Celular pela iniciativa privada na segunda
rodada de licitações dirigidas para as cidades de São Paulo, região de Campinas, Belo
Horizonte, Salvador, Recife e Fortaleza, indicando a atuação destas permissionárias em
364
À época da revisão constitucional de 1993, “três vertentes, no caso das telecomunicações, dividiam as
posições: a) a manutenção, a todo custo, do monopólio estatal, defendida pelos partidos de esquerda (PT,
PDT e PC do B), pelos sindicatos dos trabalhadores do setor (Federação Interestadual dos Trabalhadores
em Telecomunicações – FITTEL, e suas ramificações estaduais), pelas centrais sindicais (sobretudo a
Central Única dos Trabalhadores – CUT) e pelas entidades da sociedade civil mais tradicionais (Ordem
dos Advogados do Brasil – OAB, e a Associação Brasileira de Imprensa – ABI); b) a flexibilização do
monopólio, ou seja, a manutenção do Sistema Telebrás enquanto ente estatal e a abertura do mercado para
a competição com empresas privadas, posição adotada por alguns partidos de centro (parte do PSDB, e
setores do PMDB) e por parte do empresariado (personalizado pelo Instituto Brasileiro para o
Desenvolvimento das Telecomunicações – IBDT, entidade responsável pelo lobby de empresas do setor,
criada para atuar junto aos Poderes Executivo e Legislativo, interessada mais imediatamente, na abertura
do mercado privado de telefonia celular) e; c) a privatização completa do Sistema Telebrás, sustentada,
principalmente pelos partidos de posições liberais (PFL e PPB, na época PPR, partes do PSDB e do
PMDB) e pela fatia mais radical dos empresários nacionais” (MARTINS, Marcus Augustus. O Brasil e a
globalização das comunicações na década de 90. Dissertação apresentada para obtenção do grau de
Mestre em Relações Internacionais. Orientador: Prof. Dr. Eduardo Viola. Instituto de Ciência Política e
Relações Internacionais da Universidade de Brasília. Defesa: 15 de março de 1999, p. 43-44).
365
“O artigo constitucional de nº 21, que dispunha sobre a exploração exclusiva do Estado nos serviços
públicos de telecomunicações, tinha recebido, até dezembro de 1993, cinco emendas, sendo três
parlamentares e duas partidárias. Todas elas instituíam, como pontos comuns, a quebra do monopólio e a
manutenção do Estado enquanto poder concedente. Essas emendas, entretanto, sequer chegaram a ser
mais profundamente discutidas. Paralisado quase que totalmente pela abertura da chamada CPI do
Orçamento, escândalo de corrupção que envolveu uma série de parlamentares em denúncias de desvio de
verbas públicas, o Congresso Nacional foi politicamente impedido de avançar na revisão constitucional,
conseguindo aprovar apenas seis emendas. Nenhuma delas, com exceção da modificação do mandato
presidencial de cinco para quatro anos, sem reeleição, teve grande relevância” (Ibid., p. 44).
94
subfaixa de freqüência366 não-coincidente367 a da prestadora de Serviço Público de
Telecomunicações. Este esforço privatizante, entretanto, foi obstruído por ações
judiciais apoiadas na proibição constitucional de prestação de serviços públicos de
telecomunicações por empresas que não fossem de maioria acionária estatal.368 Somente
em janeiro de 1993, foi definido o vencedor (Nec) da concorrência para o fornecimento
de equipamentos do serviço móvel celular para a TELESP. Em razão de recursos
administrativos, a operação ficaria diferida para alguns meses mais tarde. Isso não
impediu a expansão do serviço móvel celular pelo interior de São Paulo e por outras
regiões do país. Em 1994, o serviço móvel celular abrangia várias regiões.369
Já em meados de 1990, com o intuito declarado de dinamizar a prestação de
serviços de telecomunicações, que encontravam obstáculos de investimentos privados a
partir do texto constitucional370, a equipe chefiada pelo então Ministro das
Comunicações371, propôs a prestação dos serviços de telecomunicações não mais
centrada na figura do Estado-prestador, mas remetida ao potencial de investimentos
privados, que deveriam ser canalizados por nortes de qualidade e universalização das
telecomunicações, cuja demanda reprimida via-se bem caracterizada nos antigos planos
de expansão. Os fautores da privatização do Sistema Telebrás encontraram obstáculos
de natureza jurídica, cujas limitações pretenderam extirpar mediante dispositivos
normativos introduzidos na ordem jurídica brasileira372, seguindo-se cartilha
366
A definição das Subfaixas “A” e “B” vinha estipulada na Norma 004/88 (Regulamento do Serviço de
Radiocomunicação Móvel Terrestre Restrito Celular/Serviço Móvel Celular) aprovada pela Portaria nº6,
de 16/01/1989, do Ministério das Comunicações.
367
Norma Específica de Telecomunicações (NET), veiculada pela Portaria nº 31, de 25/02/1991: “Edital
de Habilitação para a Exploração do Serviço Móvel Celular (...) 3.6 Dados do edital. 3.6.1 Dados
obrigatórios. O Edital deve conter, entre outros, os dados a seguir indicados: b) a faixa de freqüências
para utilização na respectiva área, que será, entre as duas disponíveis na faixa de 800MHz, aquela não
destinada à empresa prestadora de Serviço Público de Telecomunicações;”
368
“Na prática, até o início de 1993, só os serviços celulares de faixa A estavam sendo implantados. E
todas as tentativas para exploração da faixa B (...) haviam sido impedidas judicialmente por iniciativa de
grupos de interesse político-sindicais, com base no inciso XI do artigo 21 da Constituição da 1988”
(REGO, Luiz Carlos Moraes. As licções da liberalização, p.51. In: SIQUEIRA, Ethevaldo [et alli].
Telecomunicações: privatização ou caos. São Paulo: TelePress Editora, 1993, p. 48-53). “Medidas
judiciais anularam a desregulamentação dos serviços de telefonia celular” (PADILHA, Marcos Lopes.
Análise setorial: telefonia fixa em perspectiva. Vol.I, São Paulo: Gazeta Mercantil, 2001, p. 23).
369
Ibid., p. 9.
370
“Consultados pelas grandes corporações internacionais, os advogados que, no Brasil, a elas prestam
assessoria jurídica especializada, têm sido unânimes [em 1993], em seus pareceres técnicos, em
desaconselhar qualquer investimento substancial nas telecomunicações brasileiras, até que,
verdadeiramente, haja uma mudança na Constituição Federal e naquelas duas leis [Lei do Programa de
Privatização e de Política de Exploração das telecomunicações públicas]” (VIANNA, Gaspar. Op. cit., p.
261).
371
PRATA, José; BEIRÃO, Nirlando; TOMIOKA, Teiji. Sergio Motta: os bastidores da política e das
telecomunicações no governo FHC. São Paulo: Geração editorial, 1999, p. 323-408.
372
Dentre as inovações normativas mais relevantes, estão: a Lei 8.977, de 06/01/1995, que disciplinou o
serviço de TV a Cabo e sua outorga; a Emenda Constitucional n.º 8, de 15/08/1995, que possibilitou a
prestação de serviços de telecomunicações mediante autorização ou permissão e retirou a exigência de
que somente fossem transferidos às empresas sob controle acionário estatal; o Regulamento de Outorga
de Concessão ou Permissão para Exploração de Serviços de Telecomunicações em Base Comercial
minutado pela Portaria 223, de 1o/09/1995 e aprovado pelo Decreto 1.719, de 28/11/1995; a Lei 8.987/95,
que deu novo tratamento aos institutos da concessão e permissão de serviços públicos conforme art.175
da Constituição Federal de 1988; a Lei 9.074/95, que estabeleceu normas para outorga e prorrogações das
concessões e permissões, possibilitando também a transferência da prestação de serviços públicos
mediante privatização (as duas últimas expressamente afastadas pela Lei 9.472/97, mas que servem para
95
internacional – The Blue Book – para dinamização setorial373. Munida desta nova
perspectiva de prestação de serviços públicos, a base aliada do Executivo no Congresso
Nacional deu prosseguimento às transformações normativas referentes aos serviços de
telecomunicações iniciadas com a retirada do óbice constitucional à flexibilização dos
serviços de telecomunicações, que vinham qualificados pela Constituição Federal de
1988 como serviços públicos, tendo adquirido nova feição com a Emenda
Constitucional n.º 8, de 15 de agosto de 1995.
Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 8, de 15/08/95
Art.21. Compete à União:
XI – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou
permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que
disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador
e outros aspectos institucionais;
XII – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou
permissão:
a) os serviços de radiodifusão sonora, e de sons e imagens;
A Proposta de Emenda Constitucional n.3/95, que deu origem à Emenda
Constitucional n.8/95, de quebra do monopólio estatal das telecomunicações teve rápida
tramitação.374 Ela representou um marco normativo de adaptação da legislação às
revelar a direção do esforço histórico do Executivo); a Lei 9.295/96, conhecida como Lei Mínima, que
basicamente veio solucionar, a título provisório, a abertura da telefonia móvel celular ao capital privado; a
Lei 9.472/97 (Lei Geral de Telecomunicações), que revogou a quase totalidade do antigo Código
Brasileiro de Telecomunicações (Lei 4.117/62), excepcionando as disposições relativas à radiodifusão e
as referentes à matéria penal. A tudo isto, soma-se um conjunto gigantesco de Portarias do Ministério das
Comunicações e Resoluções posteriores da Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), que
disciplinam a prestação dos serviços de telecomunicações em específico, existindo a proposta de que tal
regulamentação seja substituída por disposições que tratem do meio de transmissão em detrimento do tipo
de serviço prestado.
373
O texto significativo a respeito é intitulado The Blue Book e é resultado de um esforço conjunto do
Telecommunication Development Bureau (BDT) integrante da União Internacional de Telecomunicações
(UIT) em colaboração com a Comissão Interamericana de Telecomunicações (CITEL) integrante da
Organização dos Estados Americanos (OEA). O livro azul busca sintetizar recomendações oriundas de
encontros internacionais para potencializar o desenvolvimento do setor de telecomunicações. O trecho a
seguir transcrito é significativo quando aplicado ao sistema introduzido no Brasil: “The
telecommunication legislation should also set forth the basic policies and requirements that will apply to
the services, facilities and operators within its scope. Typically, these provisions might include: public or
social obligations that the dominant operator in the public telecommunication network generally has to
meet, such as the duty to offer service on a non-discriminatory basis, to provide universal service, to
make emergency and disaster relief services available, or to meet predefined quality or reliability
requirements” (ITU & CITEL. Telecommunications for the Americas: the Blue Book. 2ªed., Genebra,
2000, p. 9).
374
“Analisada por uma Comissão Especial dentro da Câmara dos Deputados e tendo como relator o
deputado Geddel Vieira de Lima (PMDB-BA), de tendência francamente governista, a emenda
flexibilizadora trouxe novamente à tona as discussões travadas em 1993, por ocasião da frustrada revisão
constitucional. A resistência dos partidos de oposição e sua base de sustentação sindical foi rearmada,
assim como os lobbies empresariais a favor da quebra do monopólio, oriundos, sobretudo, do Instituto
Brasileiro para o Desenvolvimento das Telecomunicações (IBDT) e da Associação Brasileira da Indústria
Elétrica e Eletrônica (ABINEE), além da atuação direta da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e
Televisão (ABERT), interessada na manutenção do modelo de radiodifusão vigente. As pressões do Poder
Executivo, especialmente do Ministério das Comunicações e do Palácio do Planalto, sobre a base
parlamentar do governo, e a ação privatizante dos partidos liberais também deram a tônica aos acirrados
96
demandas de globalização do sistema de telecomunicações, de certa forma impostas por
políticas de empréstimos internacionais375, e voltadas à mudança do papel do Estado na
economia, mediante o conceito do Estado Regulador em detrimento do Estado
Prestador. Evidenciou-se a transformação da política estatal, abandonando a idéia de
regulação operacional centralizada em nome de uma regulação operacional
descentralizada. Esta mudança de perspectiva da função estatal foi acompanhada do
fortalecimento da regulação normativa refletida na criação da Agência Nacional de
Telecomunicações – ANATEL.
4.4.2.7 PERÍODO DE REFORMAS NORMATIVO-OPERACIONAIS
(1995-2002)
As modificações normativas descritas acima, acompanhadas das desestatizações,
abriram espaço para investimentos privados no setor com a convergência do interesse
internacional376 para a demanda reprimida brasileira de serviços de telecomunicações.
Após a abertura feita pela Emenda Constitucional nº 8, de 15/08/1995, o Poder
Executivo federal tentou regulamentar diretamente por Decreto o que chamou de
exploração de serviços de telecomunicações em base comercial. O Decreto 1.719, de
28/11/1995, aprovou o Regulamento de Outorga de Concessão ou Permissão para
Exploração de Serviços de Telecomunicações em Base Comercial. Com base nele, o
Ministro das Comunicações aprovou a Portaria nº 327377, de 19/12/1995, que submetia à
consulta pública prévia as características técnicas básicas exigidas para a autorização
de meios de prestação de serviços de telecomunicações via satélite geoestacionário.
debates. (...) ao contrário das expectativas, o substitutivo do relator, deputado Geddel Vieira de Lima,
sobre a PEC, depois de pequenos ajustes para satisfazer o PFL e o PPB, acabou sendo facilmente
aprovado na Comissão Especial, no dia 10 de maio de 1995, com um placar de 22 votos a favor e oito
contra. E, apenas duas semanas depois, em 25 de maio, mantido o texto aceito pela Comissão Especial, a
PEC n.3 foi também aprovada pelo Plenário da Câmara dos Deputados, sendo promulgado no dia 15 de
agosto seguinte pelo Senado Federal, transformando-se na Emenda Constitucional n.8.” (MARTINS,
Marcus Augustus. O Brasil e a globalização das comunicações na década de 90. Dissertação
apresentada para obtenção do grau de Mestre em Relações Internacionais. Orientador: Prof. Dr. Eduardo
Viola. Instituto de Ciência Política e Relações Internacionais da Universidade de Brasília. Defesa: 15 de
março de 1999, p. 57-58).
375
Esclarecedora a posição exarada pelo Banco Mundial na Americas Telecom 2000, realizada entre 10 e
15 de abril de 2000, no Rio de Janeiro, quando seu representante, Carlos Braga, foi questionado pelo
Governo de Porto Rico sobre a ausência de linhas de crédito para empresas estatais prestadoras de
serviços de telecomunicações. A resposta transmitiu decisão do Banco Mundial em somente fomentar o
desenvolvimento de empresas privadas de telecomunicações em mercados livres, pois partiu do
pressuposto de que a concentração do serviço de telecomunicações nas mãos do Estado não satisfaria as
exigências de tecnologia e dinamização em um mundo globalizado.
376
Tal convergência do interesse internacional ficou evidente na maciça presença das multinacionais na
privatização do Sistema Telebrás e dos ágios pagos. Para a telefonia fixa, a Tele Centro-Sul obteve ágio
de 6,15%, vendida por R$2,07bilhões para Telecom Itália e Opportunity enquanto a Telesp sofreu ágio de
64,29%, vendida por R$5,783bilhões para Telefônica, RBS Iberdrola, Portugal Telecom e BBV. No
campo da telefonia celular, a Tele Leste Celular obteve ágio de 242,40% com preço de R$428milhões, a
Tele Sudeste Celular, de 138,59%, vendida por R$1,36bilhão, a Tele Centro-Oeste Celular, um ágio de
91,36%, vendida por R$440milhões, a Telesp Celular, um ágio de 226,18%, vendida por R$3,588bilhões,
a Tele Nordeste Celular, de 193,33%, vendida por R$660milhões, a Telemig Celular, de 228,69%,
vendida por R$756milhões e a Tele Celular Sul, um ágio de 204,34%, vendida por R$700milhões. (Fonte:
Gazeta Mercantil de 30/07/1998: Encarte especial ‘O leilão da Telebrás’, p. 1).
377
Portaria 327, de 19/12/1995, publicada no DOU de 21/12/1995, p. 21801/21802.
97
Também fundada no Decreto 1.719/95, a Portaria nº 48, do Secretário de Serviços de
Comunicações do Ministério das Comunicações, submetia à consulta pública prévia a
proposta de ato normativo sobre critérios e procedimentos contábeis para a prestação
de Serviço Móvel Celular. O Decreto 1.719/95 pretendia regulamentar a transferência
da prestação de serviços públicos de telecomunicações para particulares conforme
autorizado pela EC8/95, mas foi acusado de inconstitucionalidade, já que a Lei Geral de
Concessões (Lei 8.987/95) e a Lei 9.074/95, não se aplicavam ao setor de
telecomunicações378. Como o art. 21, XI da Constituição Federal de 1988 exigia a
disciplina por lei do regime de autorização, concessão ou permissão inseridos pela
EC8/95, o Supremo Tribunal Federal suspendeu liminarmente a vigência do Decreto
1.719/95, em 27 de novembro de 1996 (ADIn 1.435/DF)379, sob a alegação de que ele
desrespeitara a reserva legal imposta pelo texto constitucional.
O julgamento no Supremo Tribunal Federal ocorreu quando já em vigor a
chamada Lei Mínima (Lei 9.295, de 19/07/1996), que serviu como disciplina legislativa
inicial dos serviços de telecomunicações tidos por mais urgentes e de alta atratividade
econômica: subfaixa “B” do serviço móvel celular; serviços via satélite; serviços de
trunking; serviços de paging; e, regulação da utilização de rede pública de
telecomunicações para prestação de serviços de valor adicionado. Quando da aprovação
do Decreto 1.719/95, não havia sido editada a Lei Mínima, que supria, em parte, a
exigência de disciplina legal do art. 21, XI da CF/88. Cogitou-se, no julgamento, na
perda de objeto da ação direta de inconstitucionalidade movida contra o Decreto
1.179/95, alegando-se a sua revogação pela Lei 9.295/96, mas prevaleceu afinal a
decisão de suspensão liminar de vigência do Decreto questionado. Poucos dias após à
decisão do Supremo Tribunal Federal, o Decreto 1.719/95 foi revogado pelo próprio
Executivo.380
Nos dois meses finais de 1996, já sob o manto da Lei 9.295/96, foi
regulamentado o Serviço Móvel Celular pelo Decreto 2.056, de 04/11/1996, e alteradas
as regras de privatização do serviço celular pela Medida Provisória nº 1.531. O território
brasileiro foi dividido, pelo Governo, em 10 áreas de concessão para as operadoras da
Banda “B”, cuja licitação ocorreu em 4 de junho de 1997, mas que somente foi fechado,
em razão de discussões jurídicas e dificuldades de se encontrarem interessados para
certas regiões, em 19 de outubro de 1998, quando o consórcio formado pela Tele Centro
378
A Medida Provisória nº 890, de 13/02/1995, definia, em seu art. 1o, quais atividades econômicas
estariam sujeitas aos regimes de concessão e permissão previstos na Lei 8.987, também de 13 de fevereiro
de 1995, gerando, com isso, a interdependência entre os dois instrumentos normativos. O inciso III do art.
1o da MP nº 890/95 previa expressamente a aplicação dos dispositivos da Lei 8.987/95 às
telecomunicações. Antes da promulgação da EC8/95, dita medida provisória foi analisada pelo Congresso
Nacional, que considerou inconstitucional a inclusão das telecomunicações no rol comum de serviços
públicos passíveis de concessão ou permissão da Lei 8.987/95. Como já estava em discussão a EC8/95,
uma negociação entre Executivo e Legislativo resultou no compromisso de veto do inciso III do art. 1o da
Lei 9.074, de 07/07/1995, que resultou da conversão da última reedição da MP 890, numerada como MP
1.017, de 08/06/1995. Desta forma, as duas leis – Lei 8.987/95 e Lei 9.074/95 – tornaram-se inaplicáveis
aos serviços de telecomunicações.
379
Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.435-8/DF, relatada pelo Min. Francisco Resek e requerida
pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT). Sessão plenária, de 27 de novembro de 1996, por maioria,
vencidos os Ministros Francisco Resek (relator), Maurício Corrêa e Néri da Silveira, decidiu pela
declaração de suspensão liminar de vigência do Decreto 1.719/95. Ementário de Jurisprudência do STF nº
1957-1, p. 40-60, DJ 06.08.1999.
380
Decreto 2.087, de 4 de dezembro de 1996. Publicado no DOU de 05/12/1996, p. 25.847.
98
Oeste da Banda A de telefonia móvel celular e a Inepar arremataram a concessão da
área 8 da Banda B de telefonia móvel celular.381
4.4.2.7.1 Participação da ANATEL no processo de desestatização do Sistema
TELEBRÁS
Para o processo de desestatização, a União já contava com o funcionamento do
órgão regulador previsto pela EC8/95 para o setor. Isto possibilitou a prévia
estruturação estratégica do Estado para o enfrentamento das novas condições de
regulação normativa centralizada, que foram impostas no modelo de prestação de
serviços públicos e privados de telecomunicações.
A Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL foi criada pela Lei Geral
de Telecomunicações – LGT (Lei 9.472, de 16 de julho de 1997) como autoridade
independente (LGT: art. 9.o), assumindo a forma jurídica de entidade integrante da
Administração Indireta da União, espécie de autarquia, sob supervisão do Ministério das
Comunicações, e com características de ausência de subordinação hierárquica, mandato
fixo de seus dirigentes e autonomia financeira (LGT: art. 8.o, §2.o). Em outubro do
mesmo ano, o Presidente da República aprovou, por meio do Decreto 2.338, de 7 de
outubro de 1997, o Regulamento da Agência Nacional de Telecomunicações, que
viabilizou a instalação efetiva da ANATEL, cujo início de funcionamento aguardou até
novembro do mesmo ano pelas nomeações e preenchimento de 4 dos 5 cargos do
Conselho Diretor.382 Somente em janeiro de 1999, o último cargo vago foi
preenchido.383
Coube à ANATEL, por expressa disposição legal (LGT: art. 97), manifestar-se
previamente à cisão, fusão, transformação, incorporação, redução do capital ou
transferência de controle acionário das empresas concessionárias de serviços públicos
de telecomunicações. A par disto, também foi estabelecido pela Lei Geral de
Telecomunicações384 a competência da ANATEL para aprovar editais de licitação,
homologar adjudicações e decidir sobre a prorrogação, transferência, intervenção e
extinção das outorgas voltadas à prestação de serviço de telecomunicações no regime
381
As áreas definidas pelo Executivo federal para a subfaixa “B” no país foram: Área 1: cidade de São
Paulo, Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano, Diadema e outros 40 municípios da região
metropolitana de São Paulo; Área 2: interior de São Paulo; Área 3: Rio de Janeiro e Espírito Santo; Área
4: Minas Gerais; Área 5: Paraná e Santa Catarina; Área 6: Rio Grande do Sul; Área 7: Distrito Federal,
Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Tocantins, Rondônia e Acre; Área 8: Amazonas, Amapá, Pará,
Maranhão e Roraima; Área 9: Bahia e Sergipe; Área 10: Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba,
Pernambuco e Alagoas.
382
O primeiro Presidente do Conselho Diretor da ANATEL (Renato Navarro Guerreiro), com mandato
inicial de 3 anos, foi nomeado pelo Decreto sem número de 4 de novembro de 1997, publicado no DOU
de 5/11/1997, empossado no dia da publicação pelo Ministro das Comunicações, Sérgio Motta. Seguindo
a ordem do art.25 da Lei Geral de Telecomunicações (Lei 9.472/97) de não-coincidência de mandatos, os
outros 3 conselheiros nomeados nesta data tiveram mandatos de durações distintas: Luiz Francisco
Tenório Perrone (mandato de 4 anos); José Leite Pereira Filho (mandato de 5 anos); Antônio Carlos
Valente da Silva (mandato de 7 anos), todos também nomeados por Decretos do mesmo dia 4/11/1997 e
empossados no dia 05/11/1997.
383
O Decreto sem número de 7 de janeiro de 1999 nomeou o último conselheiro (Luiz Tito Cerasoli),
fixando para 04/11/2003 o término do mandato correspondente. O termo de posse foi assinado pelo
Ministro das Comunicações, João Pimenta da Veiga Filho, em 10 de janeiro de 1999.
384
Art. 22, V da Lei Geral de Telecomunicações, reproduzido no art. 35, VI do Regulamento da ANATEL
aprovado pelo Decreto 2.338, de 07/10/1997.
99
público. Os dispositivos citados exigiram a presença da ANATEL, mediante sua
necessária manifestação sobre a transferência do controle societário das empresas
federais de telecomunicações, que se deu pelos Atos 672 a 683 da ANATEL, de 3 de
agosto de 1998.
4.4.2.7.2 Desestatização do Sistema TELEBRÁS
Quando da desestatização do Sistema Telebrás (1998), ainda existia uma
empresa privada de telecomunicações sobrevivente e três outras operadoras não
pertencentes à União, muito embora todas fossem tecnicamente integradas com a rede
nacional:
1) COMPANHIA RIOGRANDENSE DE TELECOMUNICAÇÕES S.A. – CRT,
do Estado do Rio Grande do Sul, com controle acionário estadual e concessão
para exploração de serviços públicos de telecomunicações no Rio Grande do Sul
à exceção dos Municípios de Pelotas e Capão do Leão. Em 1996, o Estado do
Rio Grande do Sul vendeu 35% de suas ações ordinárias a um consórcio
liderado pela Telefónica de España, que, por sua vez, as vendeu para a
operadora Brasil Telecom.
2) CENTRAIS TELEFÔNICAS DE RIBEIRÃO PRETO – CETERP, do
Município de Ribeirão Preto, adquirida pela Telefónica de Espanha em
dezembro de 1999.
3) SERVIÇOS DE COMUNICAÇÕES DE LONDRINA – SERCOMTEL,
operadora municipal de Londrina, Paraná, ainda em operação sob o nome
SERCOMTEL S.A. – Telecomunicações e SERCOMTEL Celular S.A.385
4) COMPANHIA TELEFÔNICA DO BRASIL CENTRAL – CTBC, única
companhia privada do setor controlada pelo grupo Algar, que operava em
municípios do Triângulo Mineiro, Goiás, Mato Grosso do Sul e São Paulo. Após
a aprovação da Lei Geral de Telecomunicações de 1997, lhe foram outorgadas
pela ANATEL concessões de serviços fixos locais e de longa distância nos
Estados de São Paulo, Minas Gerais, Goiás e Mato Grosso do Sul.
A presença destas empresas não-integrantes do Sistema TELEBRÁS não o
ofuscava. Em 1998, cerca de 91% da base telefônica do Brasil lhe pertencia.386 No
385
A SERCOMTEL é um caso diferenciado do setor no Brasil. Foi instituída, em 1965, como autarquia
municipal, tendo sido frustradas as pressões do Ministério das Comunicações, à época, para transformá-la
em sociedade anônima, em 1984. Com as alterações iniciadas pela Emenda Constitucional nº 8, de 1995,
em 1º de agosto de 1996 a autarquia foi substituída pela SERCOMTEL S.A. – Telecomunicações,
sociedade de economia mista municipal cindida, em 1998 em duas empresas: a SERCOMTEL S.A. –
Telecomunicações e a SERCOMTEL Celular S.A. Em 2001, foi realizado plebiscito para decisão sobre a
privatização da SERCOMTEL Celular, tendo vencido a posição pró manutenção da estatal. Conferir, a
respeito: TAVARES, Mário Jorge de Oliveira. Sercomtel: marca de pioneirismo. Londrina: Midiograf,
2003, p. 23; 41; 86, nota 408; 97.
386
PADILHA, Marcos Lopes. Análise setorial: telefonia fixa em perspectiva. Vol.I, São Paulo: Gazeta
Mercantil, 2001, p. 26.
100
mesmo ano, o governo federal detinha 50,4% de seu capital votante e 21,44% de seu
capital total.387
O sistema do autofinanciamento, que fora implementado durante suas três
décadas de existência, chegara ao seu limite, inviabilizando sua utilização para novas
expansões necessárias para o Sistema. A partir de 30 de junho de 1997, com a Norma
06/97 – Tarifa de Habilitação do Serviço Telefônico Público, aprovada pela Portaria
261/97 do Ministro das Comunicações, deixou de existir o autofinanciamento e passou a
vigorar o pagamento exclusivo de Tarifa ou Preço de Habilitação.
Após o esforço político de alteração das disposições normativas impeditivas da
transferência da prestação de serviços públicos de telecomunicações pela iniciativa
privada, o Executivo federal ultimou esforços do antigo projeto de desestatização do
Sistema TELEBRÁS. A TELEBRÁS, cujas operadoras estaduais, até dezembro de
1997, prestavam serviços de telecomunicações fixos e móveis celulares, sofreu uma
reestruturação em janeiro de 1998, em que suas 26 empresas estaduais controladas
separaram-se, cada uma, em duas empresas, uma para serviços fixos e a outra para
serviços móveis celulares.388 O conglomerado resultante foi aglutinado em 12 empresas,
mediante aprovação da ANATEL389, conforme exigência do art. 97 da Lei Geral de
Telecomunicações390. As operadoras de telefonia fixa foram agrupadas em 3 grandes
holdings, enquanto as operadoras de telefonia móvel celular foram agrupadas em 8
holdings. Estas operariam na Banda “A” para competirem com as empresas privadas já
instaladas ou em vias de instalação da Banda “B”. A partir de 22 de maio de 1998, com
a efetivação da reestruturação da TELEBRÁS, esta deixou de ter ativos operacionais
geradores de receitas, contentando-se com os recursos advindos de aplicações
financeiras destinados a mantê-la até sua definitiva liquidação, que aguarda a definição
das medidas de efetivação de 300 ex-funcionários cedidos à ANATEL.
A cisão resultou em quatro empresas destinadas à prestação do Serviço
Telefônico Fixo Comutado (STFC): TELE NORTE LESTE391; TELESP392; TELE
CENTRO SUL393; e EMBRATEL394. As oito restantes foram destinadas ao Serviço
Móvel Celular da Subfaixa “A”: TELESP CELULAR395; TELE SUDESTE
CELULAR396; TELE CENTRO OESTE CELULAR397; TELE CELULAR SUL398;
387
Ibid., p. 28.
Ibid., p. 22.
389
O Ato nº 109, de 23/04/1998, da ANATEL, aprovou a cisão parcial da TELEBRÁS nos moldes do
Modelo de Reestruturação e Desestatização das Empresas Federais de Telecomunicações, aprovado pelo
Decreto 2.546, de 14/04/1998 e da proposta de cisão parcial aprovada pelo Conselho Administrativo da
Companhia, em 15/04/1998. A cisão de fato ocorreu em 22 de maio de 1998.
390
Lei 9.472, de 16/07/1997, Livro III (Da organização dos serviços de telecomunicações), Título II (Dos
serviços prestados em regime público), Capítulo II (Da concessão), Seção II (Do contrato): “Art. 97.
Dependerão de prévia aprovação da Agência a cisão, a fusão, a transformação, a incorporação, a redução
do capital da empresa ou a transferência de seu controle societário. Parágrafo único. A aprovação será
concedida se a medida não for prejudicial à competição e não colocar em risco a execução do contrato,
observado o disposto no art. 7° desta Lei.”
391
Participação acionária estatal vendida no Leilão das Empresas Estatais Federais de Telecomunicações,
de 29/07/1998, na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro. Relação dos vencedores encaminhada à ANATEL
pela Câmara de Liquidação e Custódia (CLC) por meio da correspondência DG109/98, de 30/07/1998.
Aprovação da transferência pelo Ato nº 674, de 03/08/1998 da ANATEL.
392
Participação acionária estatal vendida conforme nota anterior. Ato nº 672, de 03/08/1998 da ANATEL.
393
Participação acionária estatal vendida conforme nota anterior. Ato nº 673, de 03/08/1998 da ANATEL.
394
Participação acionária estatal vendida conforme nota anterior. Ato nº 675, de 03/08/1998 da ANATEL.
395
Participação acionária estatal vendida conforme nota anterior. Ato nº 676, de 03/08/1998 da ANATEL.
396
Participação acionária estatal vendida conforme nota anterior. Ato nº 677, de 03/08/1998 da ANATEL.
388
101
TELEMIG CELULAR399; TELE NORDESTE CELULAR400; TELE LESTE
CELULAR401; e TELE NORTE CELULAR402.
A justificativa apresentada pelo Governo foi a de maximizar a “atração de
capital estrangeiro para o financiamento externo da economia brasileira”403. As razões
oficiais para não se ter optado por uma única empresa nacional capaz de concorrer
internacionalmente foram apresentadas como sendo a incompatibilidade de subsídios
cruzados com ambientes competitivos, o porte avantajado das três operadoras regionais
em comparação com o das congêneres latino-americanas, a focalização dos
investimentos dentro de cada região, a facilidade no controle do órgão regulador sobre
atores com menor potencial monopolista, a possibilidade de aceno com o incentivo da
remoção das restrições geográficas após o cumprimento das metas estabelecidas nos
regulamentos, bem como a maior facilidade no processo de privatização, permitindo-se,
com isso, a participação de grupos nacionais.404
Das 12 empresas formadas, 8 delas detinham diversas outras empresas
controladas:
1 - TELE CENTRO SUL PARTICIPAÇÕES S.A.: controladora das empresas
TELECOMUNICAÇÕES
DE
BRASÍLIA
S.A.
(TELEBRASÍLIA),
TELECOMUNICAÇÕES DE GOIÁS S.A. (TELEGOIÁS), TELECOMUNICAÇÕES DE
MATO GROSSO S.A. (TELEMAT), TELECOMUNICAÇÕES DE RONDÔNIA S.A.
(TELERON),
TELECOMUNICAÇÕES
DO
ACRE
S.A.
(TELEACRE),
TELECOMUNICAÇÕES DO MATO GROSSO DO SUL S.A. (TELEMS),
TELECOMUNICAÇÕES DO PARANÁ S.A. (TELEPAR), TELECOMUNICAÇÕES DE
SANTA
CATARINA
S.A.
(TELESC),
e
COMPANHIA
TELEFÔNICA
MELHORAMENTO E RESISTÊNCIA S.A. (CTMR).
2 - TELE NORTE LESTE PARTICIPAÇÕES S.A.: controladora das empresas
TELECOMUNICAÇÕES
DO
RIO
DE
JANEIRO
S.A.
(TELERJ),
TELECOMUNICAÇÕES
DE
MINAS
GERAIS
S.A.
(TELEMIG),
TELECOMUNICAÇÕES
DO
ESPÍRITO
SANTO
S.A.
(TELEST),
TELECOMUNICAÇÕES DA BAHIA S.A. (TELEBAHIA), TELECOMUNICAÇÕES DE
SERGIPE S.A. (TELERGIPE), TELECOMUNICAÇÕES DE ALAGOAS S.A. (TELASA),
TELECOMUNICAÇÕES DE PERNAMBUCO S.A. (TELPE), TELECOMUNICAÇÕES
DA PARAÍBA S.A. (TELPA), TELECOMUNICAÇÕES DO RIO GRANDE DO NORTE
S.A. (TELERN), TELECOMUNICAÇÕES DO CEARÁ S.A. (TELECEARÁ),
TELECOMUNICAÇÕES DO PIAUÍ S.A. (TELEPISA), TELECOMUNICAÇÕES DO
MARANHÃO S.A. (TELMA), TELECOMUNICAÇÕES DO PARÁ S.A. (TELEPARÁ),
TELECOMUNICAÇÕES DO AMAPÁ S.A. (TELEAMAPÁ), TELECOMUNICAÇÕES
DO AMAZONAS S.A (TELAMAZON), e TELECOMUNICAÇÕES DE RORAIMA S.A.
(TELAIMA).
3 - TELE SUDESTE CELULAR PARTICIPAÇÕES S.A.: controladora das Empresas TELERJ
CELULAR S.A. e TELEST CELULAR S.A.
4 - TELE CELULAR SUL PARTICIPAÇÕES S.A.: controladora das empresas TELEPAR
CELULAR S.A., TELESC CELULAR S.A. e CTMR CELULAR S.A.
5 - TELE NORDESTE CELULAR PARTICIPAÇÕES S.A.: controladora das empresas
TELEPISA CELULAR S.A., TELECEARÁ CELULAR S.A., TELPE CELULAR S.A.,
TELPA CELULAR S.A., TELASA CELULAR S.A. e TELERN CELULAR S.A.
397
Participação acionária estatal vendida conforme nota anterior. Ato nº 682, de 03/08/1998 da ANATEL.
Participação acionária estatal vendida conforme nota anterior. Ato nº 679, de 03/08/1998 da ANATEL.
399
Participação acionária estatal vendida conforme nota anterior. Ato nº 678, de 03/08/1998 da ANATEL.
400
Participação acionária estatal vendida conforme nota anterior. Ato nº 680, de 03/08/1998 da ANATEL.
401
Participação acionária estatal vendida conforme nota anterior. Ato nº 681, de 03/08/1998 da ANATEL.
402
Participação acionária estatal vendida conforme nota anterior. Ato nº 683, de 03/08/1998 da ANATEL.
403
PADILHA, Marcos Lopes. Op. cit., p. 29.
404
Id., ibid.
398
102
6 - TELE LESTE CELULAR PARTICIPAÇÕES S.A.: controladora das empresas
TELEBAHIA CELULAR S.A. e TELERGIPE CELULAR S.A.
7 - TELE CENTRO OESTE CELULAR PARTICIPAÇÕES S.A.: controladora das empresas
TELEACRE CELULAR S.A., TELERON CELULAR S.A., TELEMAT CELULAR S.A.,
TELEGOIÁS CELULAR S.A., TELEBRASÍLIA CELULAR S.A. e TELEMS CELULAR
S.A.
8 - TELE NORTE CELULAR PARTICIPAÇÕES S.A.: controladora das empresas
TELAMAZON CELULAR S.A., TELAIMA CELULAR S.A., TELEPARÁ CELULAR
S.A., TELEAMAPÁ CELULAR S.A. e TELMA CELULAR S.A.
Os leilões de venda das 12 operadoras federais de telecomunicações fixas e
celulares, em julho de 1998, foram vencidos pelos seguintes grupos, na sua quase
totalidade de capital internacional:
1.
2.
3.
TELESP PARTICIPAÇÕES S.A. - TELEBRASIL SUL PARTICIPAÇÕES S.A.
TELE CENTRO SUL PARTICIPAÇÕES S.A. - SOLPART PARTICIPAÇÕES S.A.
TELE NORTE LESTE PARTICIPAÇÕES S.A. - CONSTRUTORA ANDRADE
GUTIERREZ S.A., INEPAR S.A. INDÚSTRIA E CONSTRUÇÕES, MACAL
INVESTIMENTOS E PARTICIPAÇÕES LTDA., FIAGO PARTICIPAÇÕES S.A.,
BRASIL VEÍCULOS COMPANHIA DE SEGUROS e COMPANHIA DE SEGUROS
ALIANÇA DO BRASIL.
4. EMBRATEL PARTICIPAÇÕES S.A. - STARTEL PARTICIPAÇÕES S.A.
5. TELESP CELULAR PARTICIPAÇÕES S.A. - PORTELCOM PARTICIPAÇÕES S.A.
6. TELE
SUDESTE
CELULAR
PARTICIPAÇÕES
S.A.
TELEFÓNICA
INTERNACIONAL S.A., INBERDROLA INVESTIMENTOS S.U.L., NTT MOBILE
COMMUNICATIONS NETWORK INC. e ITOCHU CORPORATION.
7. TELEMIG CELULAR PARTICIPAÇÕES S.A. - TELPART PARTICIPAÇÕES S.A.
8. TELE CELULAR SUL PARTICIPAÇÕES S.A. - UGB PARTICIPAÇÕES LTDA. e
BITEL PARTICIPAÇÕES S.A.
9. TELE NORDESTE CELULAR PARTICIPAÇÕES S.A. - UGB PARTICIPAÇÕES LTDA
e BITEL PARTICIPAÇÕES S.A.
10. TELE LESTE CELULAR PARTICIPAÇÕES S.A. - IBERDROLA INVESTIMENTOS
S.U.L. e TELEFÓNICA INTERNACIONAL S.A.
11. TELE CENTRO OESTE CELULAR PARTICIPAÇÕES S.A. - BID S.A.
12. TELE NORTE CELULAR PARTICIPAÇÕES S.A. - TELPART PARTICIPAÇÕES S.A.
As divisões implementadas no Sistema Telebrás para sua alienação refletem a
orientação de política pública voltada à atração de investimentos, bem como à previsão
de crescimento e interação concorrencial das incumbents de telefonia fixa e celular.
No âmbito da telefonia fixa, houve a divisão do Sistema Telebrás em 3 grandes
empresas regionais (TELE NORTE LESTE, TELE CENTRO SUL e TELESPE) e 1
empresa nacional (EMBRATEL). Àquelas caberiam os serviços locais e interurbanos
intra-estaduais e interestadual dentro das respectivas áreas de concessão405, enquanto à
EMBRATEL caberia a exploração dos serviços intra-estaduais, interestaduais e
internacionais em todo o território, gerando, assim, um potencial de competição com
limites nos serviços intra-estaduais e interestaduais. Sob o argumento de garantia do
volume inicial de investimentos oriundos das aquisições de privatização, foi previsto, no
Plano Geral de Outorgas – PGO, o limite de um novo entrante em cada região406,
inclusive na da EMBRATEL, licitados em 1999. Ao lado disso, para incremento do
405
O Plano Geral de Outorgas veiculado pelo Decreto 2.534, de 02/04/1998, previu, no art.4o e anexos,
quatro regiões subdivididas, as três primeiras subdivididas em setores.
406
Art. 9o do Plano Geral de Outorgas, aprovado pelo Decreto 2.534, de 02/04/1998.
103
mecanismo competitivo, o mesmo PGO impôs a exigência de cumprimento das metas
de expansão e atendimento contraídas pelas novas operadoras e pelas concessionárias
para antecipação de sua liberalização quanto às limitações geográficas e de serviços de
telefonia fixa.407 O duopólio foi garantido pelo PGO até 31 de dezembro de 2001 nos
serviços local (concessionária regional e nova operadora regional), de longa distância
nacional inter-regional (EMBRATEL e INTELIG) e de longa distância internacional
(EMBRATEL e INTELIG). Já, nos serviços de longa distância intra-estadual e
interestadual intra-regional, o PGO garantiu até 31 de dezembro de 2001 o limite de 4
competidores (concessionária regional, nova operadora regional, EMBRATEL e
INTELIG).
Reservaram-se espaços geográficos mapeados segundo o percentual do PIB de
cada região e sua densidade para repartição entre as empresas regionais.408 Daí ter-se
entregue à TELE NORTE LESTE uma região que se estendia dos Estados do Rio de
Janeiro, Espírito Santo e Minas Gerais, passando por todos os Estados do Nordeste
brasileiro, chegando aos seguintes Estados do Norte do país: Pará, Amapá, Amazonas e
Roraima. Esta região respondia, em 1997, por 39% do PIB nacional. A TELE CENTRO
SUL abarcou os Estados do Rio Grande do Sul409, Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso
do Sul, Mato Grosso, Distrito Federal, Goiás, Tocantins, Rondônia e Acre, juntos com
25% do PIB nacional. A diferença do PIB seria compensada por sua posição estratégica
fronteiriça com os países do MERCOSUL e sua alta taxa de crescimento do setor de
telecomunicações. Finalmente, à TELESP coube o Estado de São Paulo, que, sozinho,
detinha 36% do PIB brasileiro.
À operadora de serviços de longa distância nacional e internacional, de
comunicação de dados e de serviços domésticos de telecomunicações via satélite do
Sistema Telebrás – EMBRATEL –, cabia o dever de uniformização de interconexão
nacional, que, juntamente com sua posição estratégica continental, afastavam intuitos de
divisão.
Já, no âmbito da telefonia móvel celular, houve a divisão do Sistema Telebrás
em 8 holdings, que seguiram as áreas predefinidas para a subfaixa “B” de telefonia
móvel celular já instaladas ou em vias de instalação, cujos critérios de mapeamento
foram escolhidos segundo a quantidade de usuários interessados em celulares de cada
região (demanda reprimida) e no volume de investimentos esperados.410
4.4.2.8 NOVOS HORIZONTES: CONTESTAÇÃO DO MODELO (20032004)
407
Para as autorizatárias de serviços de telefonia fixa, a antecipação de liberalização de 31 de dezembro de
2002 para 31 de dezembro de 2001. Para as concessionárias de serviços de telefonia fixa, a antecipação de
liberalização de 31 de dezembro de 2003 para 31 de dezembro de 2001. Respectivamente §§1o e 2o do
art.10 do Plano Geral de Outorgas aprovado pelo Decreto 2.534, de 02/04/1998.
408
Dados constantes da Proposta Básica de Implementação da Lei Geral de Telecomunicações do
Ministério das Comunicações, de 23 de outubro de 1997, apud PADILHA, Marcos Lopes. Op. cit., p. 30.
409
Embora a antiga operadora do Sistema Telebrás (CTMR – Companhia Telefônica Melhoramento e
Resistência S.A.) somente atuasse efetivamente em Pelotas e adjacências, já que a CRT do Estado do Rio
Grande do Sul operava nos demais municípios, a área de concessão foi definida como todo o Estado do
Rio Grande do Sul.
410
Ibid., p. 12.
104
Todas as subdivisões do antes monolítico Sistema Telebrás, fossem meras
conformações acionárias, fossem especializações funcionais (telefonia fixa, móvel,
dados), permitiram o surgimento de um cenário definitivamente novo caracterizado pela
complexidade das relações entre o ambiente normativo e a realidade de prestação dos
serviços de telecomunicações.
A inicial normatização criada na segunda metade da década de 1990 vem
sofrendo natural estranhamento frente às alterações de um setor marcado pelas
inovações tecnológicas. Em face destas modificações, a ANATEL produziu resoluções
de forma industrial, criando serviços novos sucessores dos serviços de conformação
normativa defasada, como é o caso do Serviço Móvel Pessoal – sucedâneo do Serviço
Móvel Celular – e do Serviço de Comunicação Multimídia – sucedâneo dos Serviços
Limitados Especializados (SLE) e do Serviço de Rede de Transporte de
Telecomunicações (SRTT), bem como da proposta de criação do Serviço de
Comunicação Digital (SCD).411
4.5 REGULAMENTAÇÃO DAS TELECOMUNICAÇÕES NO
BRASIL
Superada a divisão de competência federativa das telecomunicações entre
União, Estados-Membros e Municípios própria da Constituição Federal de 1946412,
restou à União a competência privativa de operacionalização413 e normatização414 do
setor.
A partir da orientação firmada no art. 21, XI e no art. 21, XII, a da
Constituição Federal de 1988, que foi mantida pela Emenda Constitucional nº 8, de
15/08/1995, pode-se ter presente a divisão idealizada entre os serviços de
telecomunicações no direito brasileiro.
Nas constituições anteriores, tratava-se dos serviços de telecomunicações
como um todo. Na CF/1891415, havia apenas a referência à competência tributária da
União e dos Estados para taxar os correios e telégrafos, de onde se deduzia a
competência para disciplinar o serviço de telegrafia. As Constituições de 1934416 e de
1937417 dedicavam um único inciso aos serviços de telégrafos, radiocomunicação,
411
O contexto de introdução do Serviço de Comunicação Digital vem referido na página 161 deste
capítulo.
412
Vide parágrafo correspondente à nota 266, p. 82 deste capítulo.
413
Art. 8o, XV, a da CF/67 e EC1/69; art. 21, XI e XII, a da CF/88.
414
Art. 8o, XVII, i da CF/67 e EC1/69; art. 22, IV da CF/88.
415
Constituição Federal de 1891: “Art. 7o É da competencia exclusiva da União decretar: 4o Taxas dos
correios e telegraphos federaes; Art. 9o É da competencia exclusiva dos Estados decretar impostos: §1o
Tambem compete exclusivamente aos Estados decretar: 2o Contribuições concernentes aos seus
telegraphos e correios.” (CAMPANHOLE, Adriano e Hilton Lobo. Constituições do Brasil. 13aed., São
Paulo: Atlas, 1999, p. 752-753).
416
Constituição Federal de 1934: “Art. 5o Compete privativamente à União: VIII, explorar ou dar em
concessão os serviços de telegraphos, radio-communicação e navegação aerea, inclusive as installações
de pouso, bem como as vias-ferreas que liguem, directamente portos maritimos a fronteiras nacionaes, ou
transponham os limites de um Estado.” (Ibid., p. 683-684).
417
Constitução Federal de 1937: “Art. 15. Compete privativamente à União: VII – explorar ou dar em
concessão os serviços de telégrafos, rádio-comunicação e navegação aérea, inclusive as instalações de
105
navegação aérea e vias férreas. A Constituição Federal de 1946418, por sua vez, divisou
a radiodifusão e a telefonia dos tradicionais serviços de telégrafos e de
radiocomunicação. Com a Constituição de 1967419 e a Emenda Constitucional nº 1, de
1969, passou-se a disciplinar a competência da União para os serviços de
telecomunicações como um todo, sem outras especificações.
Inovando, a Constituição Federal de 1988420 introduziu a distinção de
tratamento inicialmente entre ‘serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens’ de
um lado, e os ‘serviços públicos de telecomunicações’, de outro, enumerando,
expressamente, os telefônicos, os telegráficos, e os de transmissão de dados como
serviços públicos. Mais tarde, a EC8/95421 introduziu a distinção entre ‘serviços de
telecomunicações’ e ‘serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens’. Além desta
distinção entre os serviços nomeados de telecomunicações pelo diploma maior e os
apartados deste rol comum e denominados de radiodifusão, promoveu-se a nítido
tratamento diferenciado das concessões, permissões e autorizações de radiodifusão
submetidas ao art. 223 da Constituição Federal de 1988.
O movimento de segregação entre os serviços de radiodifusão e os serviços
comuns de telecomunicações foi seguido de disciplina infraconstitucional dada pela Lei
Geral de Telecomunicações (Lei 9.472/97), que submeteu todos os serviços de
telecomunicações às suas disposições exceto os serviços de radiodifusão, cujo
tratamento normativo permaneceu submisso ao antigo Código Brasileiro de
Telecomunicações (Lei 4.117/62) à exceção da competência da ANATEL sobre a
alocação, fiscalização e questões correlatas ao espectro eletromagnético.
Estas distinções visíveis no ambiente constitucional ombrearam com
inúmeras outras distinções entre serviços de telecomunicações implementadas em foro
infraconstitucional advindas da evolução tecnológica e das peculiaridades de tratamento
normativo exigidas por cada espécie de serviço de telecomunicações, que começaram
sua especialização a partir do Código Brasileiro de Telecomunicações, de 1962. Na
segunda metade da década de 1990, existiam diversas subdivisões de serviços de
telecomunicações em âmbito infraconstitucional: telefônico fixo comutado; TV a cabo;
distribuição de sinais multiponto multicanal; distribuição de sinais de televisão e de
áudio por assinatura via satélite; especial de televisão por assinatura; especial de
pouso, bem como as vias férreas que liguem diretamente portos marítimos a fronteiras nacionais ou
transponham os limites de um Estado.” (Ibid., p. 599).
418
Constituição Federal de 1946: “Art. 5o Compete à União: XII – explorar, diretamente ou mediante
autorização ou concessão, os serviços de telégrafos, de radiocomunicação, de radiodifusão, de telefones
interestaduais e internacionais, de navegação aérea e de vias férreas, que liguem portos marítimos a
fronteiras nacionais ou transponham os limites de um Estado.” (Ibid., p. 474).
419
Constituição Federal de 1967 e Emenda Constitucional nº 1, de 1969: “Art. 8o Compete à União: XV –
explorar, diretamente ou mediante autorização ou concessão: a) os serviços de telecomunicações;” (Ibid.,
p. 384 e 256-257).
420
Constituição Federal de 1988: “Art. 21. Compete à União: XI – explorar, diretamente ou mediante
concessão a empresas sob controle acionário estatal, os serviços telefônicos, telegráficos, de transmissão
de dados e demais serviços públicos de telecomunicações, assegurada a prestação de serviços de
informações por entidades de direito privado através da rede pública de telecomunicações explorada pela
União; XII – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão: a) os serviços de
radiodifusão sonora, de sons e imagens e demais serviços de telecomunicações.”.
421
Constituição Federal de 1988, com a redação da Emenda Constitucional nº 8, de 1995: “Art. 21.
Compete à União: XI - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os
serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação
de um órgão regulador e outros aspectos institucionais; XII – explorar, diretamente ou mediante
autorização, concessão ou permissão: a) os serviços de radiodifusão sonora, e de sons e imagens.”
106
radiochamada; avançado de mensagem; especial de radiorrecado; especial de
freqüência padrão; especial de boletim metereológico; especial de sinais horários;
móvel por satélite; radiocomunicação aeronáutica; móvel celular; rede de transporte
de telecomunicações; móvel especializado; rádio taxi especializado; telestrada;
especial para fins científicos e experimentais; especial de radioautocine; limitado
privado; limitado de radioestrada; limitado de estações itinerantes; móvel aeronáutico;
rádio do cidadão; radioamador; especial de radiodeterminação; especial de supervisão
e controle; especial de rádio acesso; limitado especializado; rede especializado;
circuito especializado; móvel marítimo, dentre outros.422
A multiplicação dos serviços de telecomunicações se refletiu na produção
normativa infraconstitucional legal e infralegal (decretos, portarias, resoluções),
gerando vasta regulamentação tanto mais específica quanto mais específicos os serviços
a que se referiam. Este movimento de submissão incondicional às demandas de
evolução tecnológica encontrou certa sistematização normativa na Lei Geral de
Telecomunicações – LGT (Lei 9.472/97), cujas disposições divisaram os serviços de
telecomunicações em tópicos com efeitos jurídicos distintos capazes de desenhar blocos
de serviços com características comuns, hierarquizando serviços e permitindo a
racionalização regulamentar por intermédio de conceitos tais como os de regime público
e regime privado, de interesse coletivo e de interesse restrito. Além destas distinções
entre os serviços de telecomunicações, a LGT dispôs sobre três outros conceitos, que
refletem o ambiente de transmissão e transporte de informações: as redes de
telecomunicações; a radiofreqüência; e as órbitas.
O estudo da normatização sobre os serviços de telecomunicações fornece o
instrumental necessário à compreensão das especificidades das políticas públicas
concernentes ao setor de telecomunicações brasileiro.
4.5.1
TELECOMUNICAÇÕES
TELECOMUNICAÇÕES
E
SERVIÇOS
DE
Para a compreensão do significado dos serviços de telecomunicações no
Brasil, será esboçada a disciplina normativa sobre o tema no tempo.
O primeiro diploma legal codificador das telecomunicações no Brasil
(Código Brasileiro de Telecomunicações – Lei 4.117/62) dispunha dos serviços de
telecomunicações em sentido amplo como transmissão, emissão ou recepção de
qualquer tipo de significado por processo eletromagnético, divisando entre a
transmissão de escritos, por meio de um código de sinais (telegrafia) e a transmissão da
palavra falada ou de sons (telefonia).
Lei 4.117/62, de 27/08/1962
Código Brasileiro de Telecomunicações
Art.4º Para os efeitos desta lei, constituem serviços de telecomunicações a
transmissão, emissão ou recepção de símbolos, caracteres, sinais, escritos,
imagens, sons ou informações de qualquer natureza, por fio, rádio,
eletricidade, meios óticos ou qualquer outro processo eletromagnético.
Telegrafia é o processo de telecomunicação destinado à transmissão de
422
Ato nº 3.807, de 23 de junho de 1999, da ANATEL, que dispõe sobre a classificação dos serviços de
telecomunicações quanto aos interesses que atendem.
107
escritos, pelo uso de um código de sinais. Telefonia é o processo de
telecomunicação destinado à transmissão da palavra falada ou de sons.
O texto do Código Brasileiro de Telecomunicações refletia a conceituação
internacional de telecomunicações definida a partir da Conferência de Madrid de 1932,
em que também se criou a União Internacional de Telecomunicações.423 O atual
regulamento internacional de telecomunicações não destoa do conceito inicial atribuído
as telecomunicações.424
Na regulamentação da Lei 4.117/62, o Decreto 52.026/63 remetia
indistintamente aos conceitos de telecomunicações e serviços de telecomunicações,
equiparando os termos e aplicando a definição de serviços de telecomunicações dada
pelo Código ao conceito de telecomunicação como toda transmissão, emissão ou
recepção de significado por meio eletromagnético.
Decreto 52.026, de 20/05/1963
Regulamento Geral do Código Brasileiro de Telecomunicações
Art.4º. Os serviços de telecomunicações, para os efeitos deste
Regulamento Geral, dos Regulamentos Específicos e dos Especiais,
compreendendo a transmissão, emissão ou recepção de símbolos, caracteres,
sinais, escritos, imagens, sons ou informações de qualquer natureza por fio,
rádio, eletricidade, meios óticos ou qualquer outro processo eletromagnético,
assim se classificam: (...)
Art. 6º Para os efeitos deste Regulamento, os termos que figuram a seguir
têm os significados definidos após cada um deles:
56 - TELECOMUNICAÇÃO - é toda transmissão, emissão ou recepção
de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de
qualquer natureza, por fio, rádio, eletricidade, meios óticos ou qualquer outro
processo eletromagnético.
A imprecisão conceitual, que igualava serviços de telecomunicações e
telecomunicações, foi afastada com a Lei Geral de Telecomunicações (Lei 9.472/97).
Esta firmou o entendimento de que a disciplina normativa deveria estar centrada nos
serviços de telecomunicações como o “conjunto de atividades que possibilita a oferta
de telecomunicação”425, evidenciando a distinção entre os serviços e a telecomunicação
em si. O serviço de telecomunicações é, portanto, algo mais amplo; é a atividade
suficiente para o funcionamento das telecomunicações. Tem caráter funcional de
conjunto orientado a finalidades. Assim, apresenta-se como o complexo de atividades
orientadas à função de realização das telecomunicações; orientadas à transmissão,
emissão e recepção de significados por via eletromagnética.
Lei 9.472, de 16 de julho de 1997
423
Telecomunicação vinha definida como “toda comunicación telegráfica o telefónica de signos, señales,
imágenes y sonidos de cualquier naturaleza por hilo, radioelectricidad u otro sistema o procedimiento de
señalización eléctrica o visual (semáforo)” (FERNÁNDEZ-SHAW, Félix. Organización internacional
de las telecomunicaciones y de la radiodifusión. Madrid: Editorial Tecnos, 1978, p. 26).
424
O atual Regulamento Internacional de Telecomunicações foi aprovado na Conferência Administrativa
Mundial de Telegrafia e Telefonia, em Melbourne, de 1988: “2.1. Télécommunication: Toute
transmission, émission ou réception de signes, de signaux, d’écrits, d’images, de sons ou de
reseignements de toute nature, par fil, radioélectricité, optique ou autres systèmes électromagnétiques.”
(ITU. Reglement des telecommunications internationales: actes finals de la Conference Administrative
Mondiale Telegraphique et Telephonique – Melbourne – 1988. Geneve: ITU, 1989).
425
Art.60, caput da Lei Geral de Telecomunicações (Lei 9.472/97).
108
(Lei Geral de Telecomunicações)
Art.60. Serviço de telecomunicações é o conjunto de atividades que
possibilita a oferta de telecomunicação.
§1° Telecomunicação é a transmissão, emissão ou recepção, por fio,
radioeletricidade, meios ópticos ou qualquer outro processo eletromagnético,
de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou informações de
qualquer natureza.
Entendido o serviço de telecomunicações como o conjunto de atividades
orientado à realização das telecomunicações, a perfeita compreensão destas últimas
surge como seu requisito conceitual. Enfim, em que consiste a telecomunicação?
A definição doutrinária clássica é de que telecomunicação é “comunicação à
distância, realizada por processo eletromagnético”426. Embora aparentemente
esclarecedora, ela acaba por simplificar demais a questão. Não se sabe que distância é
esta. Além disso, pior do que não se saber que distância é esta, não existe este elemento
conceitual na legislação. A distância é criação doutrinária decorrente da etimologia da
telecomunicação. Poder-se-ia argumentar que esta distância seria mensurável como
aquela necessária a configurar a comunicação, contrapondo-se, portanto, ao autoesclarecimento do interlocutor, mas os casos práticos de pessoas que se comunicam de
duas salas comerciais vizinhas, cujo espaço entre elas é de poucos metros, evidencia que
o termo distância não participa da essência da telecomunicação moderna, embora seja
ínsita à sua história. Nos tempos atuais, a introdução do conceito de distância encobre
os termos elucidadores da telecomunicação: transmissão de significados e
eletromagnetismo. A prática e evolução da telecomunicação esvaziou o significado da
distância inerente à sua etimologia. Tanto a distância hoje é irrelevante, sob o ponto de
vista jurídico, que há possibilidade de telecomunicação nos limites de uma mesma
edificação.427
O art. 6o, do Decreto 52.026/63, já transcrito, qualificava a telecomunicação
como transmissão de símbolos realizada por processo eletromagnético. Estes elementos
conceituais das telecomunicações foram reproduzidos no art. 60, §1o da Lei Geral de
Telecomunicações (Lei 9.472/97). Para que se identifique a telecomunicação, há
necessidade, portanto, da presença de dois elementos conceituais: transmissão e
eletromagnetismo.
4.5.1.1 Elementos conceituais de telecomunicação
4.5.1.1.1 TRANSMISSÃO
Dos dispositivos legais enunciados e do contexto normativo das
telecomunicações, pode-se extrair a necessidade de uma atividade central denominada
transmissão. Diplomas legais e infralegais costumam sintetizar seu significado como
426
ESCOBAR, J. C. Mariense. O novo direito de telecomunicações. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 1999, p. 21.
427
Confirmando esta posição, exemplifica-se dispositivo da Lei Geral de Telecomunicações: “Art.75.
Independerá de concessão, permissão ou autorização a atividade de telecomunicações restrita aos limites
de uma mesma edificação ou propriedade móvel ou imóvel, conforme dispuser a Agência.”.
109
“emissão ou recepção de símbolos, caracteres, sinais, escritos, imagens, sons ou
informações de qualquer natureza”428. Ela traduz todo o fenômeno de transporte de
convenções culturais com ou sem armazenagem intermediária, incluindo aí a emissão e
a recepção. Este transporte é viabilizado pela noção da díade comunicativa, que, por sua
vez, é esclarecida por distinções sociais de espaço e tempo. Utilizando-se o termo sinal
em sentido amplo para abarcar toda convenção de símbolos, caracteres, sinais, escritos,
imagens, sons e informações, pode-se entender por sinal transportado todo “fenômeno
físico em que uma ou mais de suas características variam para representar
informação”429.
A partir da concepção de transmissão como transporte de convenções,
entendidas como variação de características aptas a traduzirem informações, como
também a partir da constatação de que toda transferência de sinais adequados a
representarem informações implicam comunicação, a transmissão de que se fala no
ambiente de telecomunicações é, naturalmente, uma transmissão comunicativa, que, no
mínimo, comunica a falta de viabilidade da conexão. O silêncio também faz parte da
transmissão, pois detém sentido significativo e essencial à comunicação, podendo,
assim, ser regulado. Da mesma forma, a transmissão de convenções para si próprio
também está no campo das telecomunicações, por ver-se possibilitada pelos elementos
de espaço e tempo.
4.5.1.1.2 ELETROMAGNETISMO E TRANSMISSÃO ELETROMAGNÉTICA
A transmissão, por si só, não é suficiente para caracterizar a
telecomunicação. Para isso, a transmissão há de ser qualificada pelo processo
eletromagnético. Assim, o eletromagnetismo é uma forma de transmissão apta a
apresentá-la como telecomunicação. Ele se manifesta a partir de variação de um campo
elétrico e de um campo magnético para produção de propagações intermitentes no
espaço conhecidas como ondas eletromagnéticas. Ao contrário das ondas mecânicas,
produzidas por perturbação em meios materiais, tais como ondas em líquidos, vibração
de tambores de caixas de som ou mesmo a voz humana, as ondas eletromagnéticas
apresentam-se como propagações, que independem de meio material sensível, o que
lhes possibilita serem transmitidas até mesmo no vácuo.
A abrangência do conceito jurídico de telecomunicação advém do
significado de eletromagnetismo, entretanto não significa simplesmente
eletromagnetismo ligado à transmissão de convenções. Delimitar de forma precisa todo
o universo de alcance da regulamentação de telecomunicações e, portanto, deste efeito
das políticas públicas do setor, exige a presença de um conjunto de fatores.
A seguir, lança-se mão de casos práticos para auxiliar a precisão do conceito
de telecomunicação.
O som reproduzido pelo ar, água ou outro meio físico, embora possa ser
originado por processo eletromagnético e gere transmissão de convenções, é conduzido
por perturbação realizada pela freqüência de vibrações eletromagnéticas em meios
428
Art. 4o da Lei 4.117/62; art. 4o e art. 6o, item 56 do Decreto 52.026/63; art. 60, §1o da Lei 9.472/97.
PABLO, Marcos M. Fernando. Derecho general de las telecomunicaciones. Madri: COLEX, 1998, p.
38. Tradução livre do original: “fenómeno físico en el que una o más de sus características varían para
representar información”.
429
110
físicos, produzindo, portanto, ondas mecânicas. Até o momento de transformação das
ondas eletromagnéticas em ondas mecânicas, desde que presentes outros fatores abaixo
enunciados, está-se diante de telecomunicação. A partir do momento em que há
conversão dos sinais eletromagnéticos em efeitos sonoros, não se trata mais de
telecomunicação, embora o conceito de comunicação à distância possa estar presente.
Da mesma forma, os sinais visuais dos responsáveis pelo táxi aéreo em um
aeroporto não significam transmissão de convenções por via eletromagnética, já que o
processo em si de criação de significado é meramente mecânico. Os mesmos gestos do
responsável pelo táxi aéreo, quando realizados com bandeiras e cones luminosos,
também não se traduzem em telecomunicação, porque a finalidade da luz, neste caso,
embora ela em si seja freqüência eletromagnética, não é a de ser o meio significativo de
transmissão da informação. Não se interpretará, no caso, a luz nas suas diversas
intensidades, mas o fenômeno mecânico de movimentação das bandeiras e cones
luminosos. Neste caso, à semelhança de placas de trânsito iluminadas, não se interpreta
a luz, apesar de, às vezes, sua cor ser significativa. Interpreta-se o que a luz permite
visualizar: o conteúdo da placa de trânsito ou dos movimentos do responsável pelo táxi
aéreo. A luz serve apenas para visualização da placa não importando sua intensidade. A
variação da luz não modifica o conteúdo da placa de trânsito, enquanto que, na
telecomunicação, a modulação do sinal portador é essencial para a definição do
conteúdo da mensagem. Nas placas de trânsito de luminosidade intermitente, a
intermitência tem a função de chamar a atenção do motorista, mas ela, em si, não
pretende reproduzir a complexidade do conteúdo da placa, que pode ser o mais
diversificado possível. Assim, a modulação do sinal portador deve ser significativa em
dois sentidos: carregar significado próprio; e que este significado seja o mais próximo
possível do conteúdo total da mensagem.
Há, entretanto, outros casos que não se contentam com esta explicação.
Letreiros luminosos, que transmitem propaganda de forma semelhante a uma
programação televisiva, têm modulação do sinal portador significativa, pois a variação
dos pontos de luz modifica o conteúdo da mensagem. Não é suficiente, portanto, a
característica de modulação significativa do sinal portador. É necessária a identificação
de outro elemento diferenciador: a codificação e decodificação da transmissão. Apesar
de estarmos sempre decodificando os sinais externos do mundo, pode-se entender a
codificação e decodificação essenciais às telecomunicações como o tipo especial de
decifração apto à inteligibilidade das mensagens. Se assim for, o mecanismo de geração
dos sinais e sua transmissão para a placa de efeitos luminosos é um fenômeno de
telecomunicação, mas não sua percepção pelos espectadores, que não utilizam
mecanismos decodificadores para tanto.
É bem verdade que a prática social e a complexidade dos fenômenos acaba
por minar uma distinção absoluta de telecomunicação, que, como toda definição
jurídica, tem certo grau de imprecisão compatível com a mobilidade do objeto
controlado. Outro exemplo de aplicação do conceito de eletromagnetismo na
transmissão de convenções que não se caracteriza como telecomunicação, hoje, mas que
pode vir a ser qualificado como telecomunicação mais tarde, é o código morse passado
à distância por holofotes. Neste caso, há codificação e decodificação acompanhados de
modulação significativa do sinal portador, embora binária.430 A única oposição aqui
430
A intensidade do sinal importa, embora importe somente duas intensidades: o sim, ou o não. A duração
do sinal também interessa, embora limitada a duas durações: curto e longo. A existência, ou o vazio de
existência na transmissão são ambos significativos para a composição do código.
111
possível para sua caracterização como telecomunicação é a ausência do conceito de rede
como conjunto operacional contínuo de circuitos e equipamentos de transmissão. Por
isso mesmo, pode-se imaginar telecomunicação por holofotes e receptores de código
morse em rede, muito embora seja fato improvável. Nada improvável, entretanto, é a
transmissão de informações operada por via de feixes luminosos segundo as
características das telecomunicações. Felizmente, a necessidade de transmissão em alta
velocidade, o avanço da tecnologia e a elevação dos custos de instalação dos cabos de
fibras ópticas tornaram viáveis as redes que utilizam emissores e receptores entre
arranha-céus mediante a tecnologia de FSO (free-space optics)431, evidenciando que o
sentido de telecomunicação exige a presença dos fatos para sua precisão conceitual.
Logo, há elementos essenciais que caracterizam a transmissão
eletromagnética, tornando-a apta para sua classificação como telecomunicação:
modulação significativa do sinal portador; codificação e decodificação; conjunto
operacional contínuo de circuitos de emissão e recepção.
4.5.2 CONCEITO DE SERVIÇO DE TELECOMUNICAÇÃO
A partir da definição de telecomunicação, pode-se precisar o conceito de
serviço de telecomunicação como o conjunto de atividades pertinente à transmissão de
informação por processo eletromagnético, que é aquele que se utiliza do campo
eletromagnético para geração de sinais de comunicação, caracterizado pelos conceitos
de modulação significativa do sinal portador, codificação e decodificação, e de um
conjunto operacional contínuo de circuitos de emissão e recepção. Sempre que tais
elementos conceituais estiverem presentes, haverá serviço de telecomunicação, exceto
os serviços expressamente excluídos por lei.
4.5.3 SERVIÇOS DE VALOR ADICIONADO (SVA):
EXCLUSÕES LEGAIS EXPRESSAS DOS SERVIÇOS DE
TELECOMUNICAÇÕES
Os aspectos técnicos de classificação das telecomunicações não são contudo
a palavra final, pois as políticas públicas do setor são formadas por interesses outros. A
primeira questão que surge refere-se à possibilidade de dispositivo infraconstitucional
diminuir a extensão de competência inscrita na Constituição e dirigida à União (art. 21,
XI). Ao remeter à competência da União a exploração dos serviços de
telecomunicações, nos termos da lei, a Constituição Federal de 1988 estabeleceu a pauta
diretiva da evolução do ordenamento de telecomunicações. A reserva legal aberta pelo
texto constitucional, embora qualificada por indicativos pouco precisos, tais como a
exigência de disciplina sobre a organização dos serviços, criação de órgão regulador e
431
WILLEBRAND, Heinz A. & GHUMAN, Baksheesh S. Fiber optics without fiber: beaming light
through the air offers the speed of optics without the expense of fiber. In: IEEE Spectrum. Vol. 38, n. 8,
New York: The Institute of Electrical and Electronics Engineers, agosto de 2001, p. 40-45. O artigo
compara o sistema FSO de comunicação em alta velocidade com as tradicionais tecnologias de fibras
ópticas, que demandam cinco vezes mais investimentos de instalação e acenam com maiores facilidades
de funcionamento por não exigirem aprovação municipal de uso do solo.
112
outros aspectos institucionais, não permite a manipulação do conceito de serviço de
telecomunicação por disposição legal. O limite de pertinência lógica dos serviços
disciplinados por lei regulamentadora do art. 21, XI da CF/88 ombreia com a adequação
da qualificação dos serviços como de telecomunicações ou de valor adicionado. Por
isso, uma das questões mais espinhosas da regulamentação de telecomunicações no
Brasil está centrada na delimitação da fronteira entre os serviços de telecomunicações e
os serviços que apenas lhes adicionam valor ou utilizam de suas redes. Daí a
importância do que foi falado páginas atrás sobre o conceito de serviço comercial e que
decorre do mesmo pressuposto da política pública norte-americana de tratamento da
internet: liberá-la da incidência de princípios públicos de gestão da atividade.
A Lei Geral de Telecomunicações – LGT (Lei 9.472/97), no seu art. 61,
caput, firmou posição a respeito e definiu quais serviços distinguem-se dos serviços de
telecomunicações apesar de se aproximarem muito deles. A LGT considerou como
Serviço de Valor Adicionado – SVA toda atividade que acrescenta novas utilidades a um
serviço de telecomunicações que lhe dá suporte e com o qual não se confunde. Estas
utilidades devem estar relacionadas ao acesso, armazenamento, apresentação,
movimentação ou recuperação de informações. Apartados dos serviços de
telecomunicações, os serviços de valor adicionado submetem-se apenas aos controles
necessários à garantia de integridade das vias de telecomunicação e serviços
correspondentes, pois seus provedores classificam-se como usuários (art. 61, §1o da
LGT) com os direitos e deveres inerentes a esta condição.
Estes usuários de serviços de telecomunicações são especiais. Em geral, têm
potencial elevado de utilização de capacidade operacional das redes, gerando maiores
cuidados e garantias tanto para disciplina de seu acesso quanto para disciplina de seus
limites.432 A própria LGT, no art. 61, §2o, garante o acesso dos provedores de serviços
de valor adicionado às redes de serviços de telecomunicações. Apesar de não estar
expresso, estas redes de disponibilidade obrigatória somente poderão ser as qualificadas
como de interesse coletivo. Por isso, a regulamentação de serviços de valor adicionado
concentra-se no Serviço Telefônico Fixo Comutado – STFC, no Serviço Móvel Celular –
SMC433, no Serviço Móvel Pessoal – SMP e nos serviços conhecidos como de
comunicação de massa, tais como TV a Cabo, MMDS, DTH e TVA. Provedores de
SVA e operadoras de serviço de telecomunicações contratam a utilização, em geral, de
códigos de acesso específicos e o fornecimento do registro das chamadas destinadas aos
provedores.
Mesmo antes da Lei Geral de Telecomunicações – LGT, a Norma nº 004/95,
aprovada pela Portaria nº 148/95434, do Ministério das Comunicações, dispunha sobre o
Uso de Meios da Rede Pública de Telecomunicações para Acesso à Internet,
432
Um provedor de internet pode ter milhares de usuários conectados simultaneamente e
ininterruptamente. Essa circunstância exige planejamento estratégico e prévio da operadora de telefonia
que contratar sua capacidade de transmissão com o provedor. Da mesma forma, os serviços de 0800 e
0900, principalmente quando ligados a promoções televisadas ou transmitidas por estações de rádio,
geram oscilações rápidas e de magnitude no número de ligações da região que ocupam, influindo
decisivamente no índice de completamento de chamadas da operadora contratada.
433
O Serviço Móvel Celular foi, na prática, extinto, devido à migração das últimas prestadoras de SMC
para o Serviço Móvel Pessoal em fevereiro de 2004. Conferir: BRASIL. ANATEL. Acompanhamento dos
Termos de Autorização de Serviço Móvel Pessoal. [on line] Disponível na Internet via WWW. URL:
http://www.anatel.gov.br/Tools/frame.asp?link=/comunicacao_movel/smc/acompanhamento_termo_smp_smc.pdf (Consultado
em 21/09/2005).
434
Portaria nº148, de 31/05/1995. Publicada no DOU de 01/06/1995, p. 7875-7876.
113
principalmente focada no relacionamento entre as Entidades Exploradoras de Serviços
Públicos de Telecomunicações – EESPTs e os Provedores de Serviço de Conexão à
Internet – PSCIs. No mês seguinte – junho de 1995 –, o Ministério das Comunicações e
o Ministério da Ciência e Tecnologia emitiram nota conjunta, que qualificava o
provimento de acesso ou de informações como serviço comercial preferencialmente
implementado pela iniciativa privada, reservando-se aos órgãos públicos tão-somente o
provimento em situações “onde seja necessária a presença do setor público para
estimular ou induzir o surgimento de provedores [privados] e usuários”435. A opção
política por tratar a internet como uma atividade privada de estímulo à atividade
comercial em geral ficou ainda mais evidente quando da disponibilização para fins
comerciais da Rede Nacional de Pesquisa (RNP) dotada de espinha dorsal (backbone)
nacional antes exclusivamente destinada a atender às necessidades de serviços de
internet da comunidade acadêmica.436 A própria nomenclatura do serviço, enfim, o
qualificava como de caráter privado: “serviços comerciais Internet”437. Sua ordenação
vem definida pelo Comitê Gestor da Internet do Brasil (CGIbr) criado pela Portaria
Interministerial nº 147, de 31 de maio de 1995, e atualmente disciplinado pelo Decreto
nº 4.829, de 3 de setembro de 2003.
Mantida a disciplina normativa específica para os serviços de conexão à
internet, a Norma nº 004/97, aprovada pela Portaria nº 251/97, do Ministério das
Comunicações, previu o Uso da Rede Pública de Telecomunicações para Prestação de
Serviços de Valor Adicionado. Esta norma dirigia-se aos serviços de valor adicionado
em geral providos por intermédio da rede pública – hoje restrita a parcela do serviço
telefônico fixo comutado – excluídos certos serviços de valor adicionado submetidos a
tratamento específico: uso da rede pública para acesso à internet (Norma 004/95);
serviços de utilidade pública, caracterizados como aqueles serviços prestados por órgãos
da União, Estados-Membros e Municípios ou por entidades sem fins lucrativos voltadas
a serviços de emergência (defesa civil, corpo de bombeiros, polícia, etc.) e apoio ao
cidadão (receita federal, assistência ao idoso, assistência à criança, abastecimento
alimentar, etc.); e, serviços prestados através de recursos intrínsecos à rede pública de
telecomunicações, que complementam o serviço básico prestado pelas então chamadas
Entidades Exploradoras do Serviço Telefônico Público. A mesma Norma 004/97 (item
6.1) disciplina os direitos básicos do assinante de serviço público de telecomunicação
frente aos serviços de valor adicionado em geral: livre acesso aos serviços dos
provedores; e o direito de bloqueio ou desbloqueio destes serviços sem ônus.
4.5.4 OUTROS SERVIÇOS
TELECOMUNICAÇÕES
CORRELATOS
AOS
DE
A par dos Serviços de Valor Adicionado – SVA, a prática dos serviços de
telecomunicações revela a proximidade de outros serviços, que demandam estudos
particularizados para seu nivelamento com os de telecomunicação ou sua diferenciação.
Foi o ocorrido com os serviços de provimento de capacidade de satélite e habilitação
435
BRASIL. MINISTÉRIO DAS COMUNICAÇÕES. MINISTÉRIO DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA.
Nota Conjunta: internet no Brasil. Junho de 1995, item 1.4.
436
Ibid., itens 3.1; 3.2; e 3.3.
437
Ibid., itens 1.2; e 3.5.
114
ou cadastro de usuário e de equipamento para acesso a serviços de telecomunicações.
Ambos apresentam-se como conjunto de operações necessárias à telecomunicação
comercial, mesmo que indiretamente, mas foram excluídos do rol de serviços de
telecomunicações pelo Regulamento dos Serviços de Telecomunicações, aprovado pela
Resolução73/98, da ANATEL. Sem o provimento de capacidade de satélite, os serviços
de telecomunicações que dela se utilizam restariam inutilizados. Sem habilitação ou
cadastro de usuário e de equipamento para acesso a serviços de telecomunicações, estes
serviços perderiam sua viabilidade de difusão de massa. Da mesma forma, sem os
serviços oferecidos por usuários comerciais, tais como a oferta de produtos e serviços,
que em nada se aproximam das telecomunicações, pouco da capacidade instalada de
telecomunicações teria sentido.
Enfim, este caminho a procura do sentido do serviço de telecomunicações
como conjunto de atividades voltado a prover telecomunicação parece não ter fim sem
que se estabeleça uma fronteira pautada em certas características arbitrárias.
O texto legal (art. 60, caput da LGT) fala em serviço de telecomunicações
como conjunto de atividades que possibilita a oferta de telecomunicações. Se levada às
últimas conseqüências, a análise textual da possibilidade de oferta de telecomunicações
envolveria todo serviço capaz de se confundir com a utilidade do serviço mínimo de
transmissão eletromagnética, levando a considerá-lo tão essencial quanto a própria
transmissão. Volta-se, portanto, ao ponto de partida nada alentador de que tudo ligado
direta ou indiretamente à telecomunicação seria serviço de telecomunicação.
A solução deste problema exige raciocínio institucional. O serviço de
telecomunicações, como competência estatal expressa, é uma instituição de caráter
objetivo, que, por isso mesmo, não tem, nem pode ter, caráter absoluto. Se enunciada no
texto constitucional como reserva de atividades da União em ambiente de liberdade
individual e respeito à livre iniciativa, ou seja, em ambiente de equilíbrio entre o
individual e o social, não se pode daí extrair uma interpretação extensiva do conceito de
serviços de telecomunicações. Ditos serviços serão somente aqueles necessários à
consecução dos fins sociais estampados na viabilidade de comunicação eletromagnética
e de acesso igualitário.
Sob este enfoque, o conjunto de atividades que possibilita telecomunicação
deve ser entendido como conjunto de atividades necessárias e suficientes à boa
prestação da utilidade de intercomunicação. Assim, o conceito de serviço de
telecomunicações permanece ligado umbilicalmente aos conceitos de transmissão e
eletromagnetismo. Somente o serviço bastante à realização de transmissão
eletromagnética caracterizada pelos elementos citados linhas atrás (modulação
significativa, codificação e rede) pode qualificar-se como serviço de telecomunicação.
Todos os demais acréscimos de utilidades são serviços que lhes adicionam valor ou
refletem passos capazes de vincular o usuário ao serviço central. Em face destas
considerações, vê-se a possibilidade aberta pelo ordenamento jurídico brasileiro de
tratamento dos meios de transmissão como serviços de telecomunicações, remetendo-se
o que hoje se conhece como serviço – telefonia fixa, telefonia móvel, transmissão de
imagens, dentre outros – para fora da regulamentação da agência reguladora. Trata-se,
portanto, em certa medida, de opção política.
Fixado o conceito de serviço de telecomunicação a partir dos enunciados
constitucional e legal, deve-se deixar claro que o papel da ANATEL na determinação
dos serviços não integrantes do conceito de serviço de telecomunicações segue
parâmetros superiores definidos em lei em sentido formal. O papel do Conselho Diretor
115
da agência neste aspecto está na orientação de sua estrutura interna e na antecipação de
segurança jurídica para os atores do setor de telecomunicações sobre as inúmeras
implicações da classificação ou não de um serviço como serviço de telecomunicações.
Por isso, a presença, no Regulamento dos Serviços de Telecomunicações (Resolução
73/98), de elenco resumido de serviços não caracterizados como serviços de
telecomunicações.
Há, contudo, naquele regulamento, dispositivo gerador de dubiedade. Tratase do parágrafo único do art. 3.o, que possibilita o estabelecimento, pela ANATEL, de
outras situações que não constituam serviços de telecomunicações além das já previstas
no caput do mesmo artigo.
Resolução 73/98 da ANATEL
(Regulamento dos serviços de telecomunicações)
Art.3ºNão constituem serviços de telecomunicações:
(...)
Parágrafo único – A Agência poderá estabelecer outras situações que não constituam
serviços de telecomunicações, além das previstas neste artigo.
O parágrafo único citado gera imprecisão desnecessária. Ou a ANATEL
expressa a exclusão de mais serviços além dos já enunciados no art. 3o do Regulamento
dos Serviços de Telecomunicações por meio de resolução, que modifique o próprio
Regulamento, o que torna inútil a presença do parágrafo único citado, ou ele lá estaria
para indicar que a ANATEL poderia fazê-lo por outro ato administrativo qualquer, que,
por definição, é incompatível com a normatização ínsita a uma decisão como esta, que
delimita a extensão do texto legal e mesmo constitucional. Vê-se, portanto, que o único
sentido útil possível daquele parágrafo único somente pode ser o de efeito esclarecedor
de que o rol de exceções aos serviços de telecomunicações não é taxativo, mas
meramente exemplificativo, dependendo, entretanto, de pronunciamento expresso do
Conselho Diretor da agência para vincular sua estrutura frente à argüição de novas
categorias ali não contempladas.
4.5.5
CLASSIFICAÇÃO
TELECOMUNICAÇÕES
DOS
SERVIÇOS
DE
Analisado o conceito de serviços de telecomunicações como conjunto de
atividades suficientes à oferta de telecomunicação, bem como o de telecomunicação
como transmissão eletromagnética pautada por diversos fatores (modulação
significativa do sinal portador, codificação e decodificação, redes operacionais), o
ordenamento jurídico brasileiro de telecomunicações introduz divisões entre
modalidades de serviços capazes de suscitar efeitos distintos, tais como aplicação de
regimes jurídicos público ou privado, ou mesmo a ampliação ou diminuição do âmbito
de liberdade dos prestadores.
A partir da reestruturação e codificação das telecomunicações, no Brasil,
obtidas por intermédio da Lei 4.117/62 (Código Brasileiro de Telecomunicações –
CBT) e do Decreto 52.026/63, que a regulamentou, procurou-se divisar os serviços de
telecomunicações segundo três critérios: natureza; fins a que se destinam; e âmbito de
aplicação.
116
Quanto à natureza, o Decreto 52.026/63438 previa as seguintes espécies de
serviços: telefonia; telegrafia; telex; difusão de sons e imagens; transmissão de dados;
fac-simile; telecomando; e radiodeterminação.
Quanto aos fins visados, tanto o CBT439 quanto o Decreto regulamentador440
distinguiam: serviço público, destinado ao uso do público em geral; serviço público
restrito, facultado ao uso dos passageiros dos navios, aeronaves, veículos em
movimento ou ao uso do público em localidades ainda não atendidas por serviço
público de telecomunicações; serviço limitado, executado por estações não abertas à
correspondência pública, como, por exemplo, serviços de segurança, regularidade,
orientação e administração dos transportes em geral, serviços de múltiplos destinos,
serviço rural e serviço privado; serviço de radiodifusão, destinado a ser recebido direta
e livremente pelo público em geral, compreendendo radiodifusão sonora e televisão;
serviço de radioamador, orientados ao estudo e prática da radiotécnica unicamente a
título pessoal sem cunho pecuniário ou comercial; serviço especial, relativo a
determinados serviços de interesse geral, não abertos à correspondência pública e não
incluídos nas classificações anteriores, como, por exemplo, o de sinais horários, o de
freqüência padrão, o de boletins metereológicos, o que se destine a fins científicos ou
experimentais, o de música funcional e o de radiodeterminação.
Finalmente, quanto ao âmbito, os serviços de telecomunicações eram
divididos pelo CBT441 e pelo seu Decreto regulamentador442 em: serviço interior,
estabelecido entre estações brasileiras, fixas ou móveis, dentro dos limites da jurisdição
territorial da União; e serviço internacional, estabelecido entre estações brasileiras,
fixas ou móveis, e estações estrangeiras, ou estações brasileiras móveis, que se achem
fora dos limites da jurisdição territorial brasileira.
A Lei Geral de Telecomunicações – LGT (Lei 9.472/97) inovou nas
classificações. Diferentemente do Código Brasileiro de Telecomunicações, de 1962, que
distinguia os serviços segundo os fins visados e o âmbito, a LGT revelou especial
atenção aos efeitos jurídicos das classificações e divisou os serviços de
telecomunicações segundo o regime jurídico e a abrangência443. As classificações do
antigo CBT e da atual LGT têm pouco em comum. O critério dos fins visados constante
do CBT e o critério da abrangência costante da LGT estão ambos pautados na presença
ou ausência de abertura à correspondência pública em razão da abrangência dos
interesses suscitados pelo serviço. Por isso, a antiga divisão detalhada dos serviços de
telecomunicações quanto aos fins visados indicada no CBT (serviços limitados, serviços
de radioamador, serviços especiais, dentre outros) ter sido remetida, a partir de meados
da década de 1990, a mera identificação, pela ANATEL444, de quais deles se submetem,
438
Art. 4o, item 1, do Decreto 52.026, de 20 de maio de 1963.
Art. 6o da Lei 4.117, de 27 de agosto de 1962.
440
Art. 4o, item 2, do Decreto 52.026, de 20 de maio de 1963.
441
Art. 5o, da Lei 4.117, de 27 de agosto de 1962.
442
Art. 4o, item 3, do Decreto 52.026, de 20 de maio de 1963.
443
Esta classificação quanto à abrangência é definida como classificação quanto aos interesses a que
atendem os serviços de telecomunicações, conforme dispõe o Regulamento dos Serviços de
Telecomunicações aprovado pela Resolução nº 73, de 25/11/1998, da ANATEL.
444
O Ato nº 3.807, de 23 de junho de 1999, da ANATEL, dispõe sobre a classificação dos serviços de
telecomunicações quanto aos interesses que atendem, elencando um rol (especial de radiochamada,
especial de freqüência padrão, TV a cabo, dentre outros) de serviços de interesse coletivo, outro rol (rádio
táxi privado, limitado de radioestrada, especial para fins científicos e experimentais) de serviços de
interesse restrito, e, finalmente, outro rol (rede especializado, especial de radiodeterminação, limitado
especializado) passível de prestação tanto como interesse coletivo quanto como interesse restrito.
439
117
quanto à abrangência, aos regimes de interesse coletivo e restrito. A antiga classificação
quanto ao âmbito prevista no CBT foi degradada a mera condição de mapeamento do
território para distribuição das outorgas estatais dos serviços de telecomunicações.445
Finalmente, a classificação prevista no Decreto 52.026/63 quanto à natureza do serviço
foi assimilada de modo simplificado pela LGT como formas de telecomunicação.446
4.5.5.1 SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÕES QUANTO AO REGIME
JURÍDICO: PÚBLICO OU PRIVADO
A Emenda Constitucional nº 8, de 1995, ao modificar o art. 21, XI, da
Constituição Federal de 1988, trouxe para dito inciso o conjunto de serviços de
telecomunicações sem expressa menção ao regime a que se submetiam, chancelando a
antiga prática de submissão de parcela destes serviços ao regime privado. O fato de se
entender que a referência aberta pela EC8/95 aos serviços de telecomunicações implica
convivência de serviços públicos e privados no mesmo rol de atividades não significa
opção pela inação estatal frente a serviços considerados essenciais. A presença de
serviços públicos e privados no mesmo rol de atividades permite o tratamento jurídico
compatível com a dinamicidade dos serviços e a mobilidade da evolução social.
Ao se permitir a prestação dos serviços de telecomunicações por concessão,
permissão ou autorização, a CF/88 remeteu à legislação infraconstitucional, ou a
ponderações dogmáticas constitucionais, a definição do regime de prestação do serviço
de telecomunicações.
Desde a entrada em vigor da Lei Geral de Telecomunicações (Lei 9.472/97),
foram firmados os parâmatros para classificação dos serviços quanto ao regime jurídico:
serviços públicos e serviços privados. Antes de se procurar distinguir estes serviços,
deve-se ter presente o critério elegido pela LGT para qualificação, pelo Presidente da
República447, do rol de atividades submetido a regime público. Ao proibir a prestação de
determinada modalidade de serviço de telecomunicações somente no regime privado448,
a LGT forneceu o critério material de identificação do serviço público: a essencialidade.
Aliás, é exatamente a essencialidade que permite cogitar da aplicação do princípio de
direito público da continuidade aos serviços públicos em geral. Portanto, se determinada
modalidade de serviço de telecomunicações figurar na realidade social como essencial,
445
O Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei 4.117/62) dividia os serviços em internos e
internacionais. A Lei Geral de Telecomunicações (Lei 9.472/97) assimila a distinção para firmar espaços
territoriais aptos a abrigar distinções de tratamento normativo. O art. 65, §2o da LGT prevê a utilização
dos âmbitos regional, local ou de áreas determinadas para a fixação da exclusividade ou concomitância
de prestação de serviços de telecomunicações em regime público ou privado. O art. 69 da LGT indica que
as modalidades de serviço de telecomunicações serão definidas pela ANATEL em função também de seu
âmbito de prestação.
446
“Forma de telecomunicação é o modo específico de transmitir informação, decorrente de características
particulares de transdução, de transmissão, de apresentação da informação ou de combinação destas,
considerando-se formas de telecomunicação, entre outras, a telefonia, a telegrafia, a comunicação de
dados e a transmissão de imagens.” (LGT, art. 69, parágrafo único).
447
Lei 9.472/97: “Art.18. Cabe ao Poder Executivo, observadas as disposições desta Lei, por meio de
decreto: I – instituir ou eliminar a prestação de modalidade de serviço no regime público,
concomitantemente ou não com sua prestação no regime privado;”
448
“Não serão deixadas à exploração apenas em regime privado as modalidades de serviço de interesse
coletivo que, sendo essenciais, estejam sujeitas a deveres de universalização.” (LGT, art. 65, § 1o).
118
perde-se a opção de política de governo do Presidente da República em submetê-la
somente à prestação em regime privado.
Adiantada a principal conseqüência da classificação dos serviços de
telecomunicações entre públicos e privados, deve-se analisar paulatinamente o
tratamento do tema no Brasil.
4.5.5.1.1 REGIME JURÍDICO PÚBLICO E PRIVADO: CONTINUIDADE,
UNIVERSALIZAÇÃO E ESSENCIALIDADE
O regime especial de direito público foi sendo construído com a consciência
de que certas atividades, por que disseminadas na sociedade por intermédio da figura
estatal, mereciam tratamento diferenciado. Mereciam, portanto, um rol de normas
próprias.
Enquanto os serviços classificados como serviços privados, sofrem
incidência de disposições gerais pertinentes à atividade econômica, os serviços
classificados como serviços públicos estão inseridos em regime cujo pressuposto de
atuação é o de ambiente juridicamente controlado. O regime privado pressupõe
liberdade; o regime público, função. No regime público, nenhum passo pode ser dado
sem previsão normativa expressa. O espaço de atuação é sempre predeterminado por lei.
Por isso, dizer-se que a atividade inserida em regime público é essencialmente
normatizada.
No Brasil, os serviços privados de telecomunicações estão, em regra,
submetidos à necessidade de autorização estatal. Ao contrário do que normalmente
ocorreria com atividades econômicas, todos os serviços privados de telecomunicações
dependem de autorização, exceto os que forem excluídos expressamente desta exigência
pela ANATEL (art. 131, §2o da LGT). O disposto no art. 170 da Constituição Federal de
1988 pode gerar dúvidas quanto a constitucionalidade da exigência de autorização para
prestação de serviços privados de telecomunicações. Dita exigência somente pode
existir porque a utilização do serviço pressupõe, em regra, uso de bem público
(espectro, solo ou subsolo). Além disso, o art. 21, XI da CF/88 prevê a prestação de
telecomunicação mediante autorização como regra geral, invertendo o tratamento
comum das atividades econômicas de atuação livre somente obstruível se afetarem o
interesse público. Assim, há dois tipos de atividades econômicas submetidas ao regime
jurídico de direito privado. De um lado, as atividades econômicas em geral, como
aquelas que não estão expressamente enunciadas como serviços próprios e privativos do
Estado, portanto, remanescentes. De outro lado, as atividades econômicas de definição
expressa pelo texto constitucional, como é o caso de parcela dos serviços de
telecomunicações submetida, por expressa disposição constitucional, ao regime privado
de prestação. A regra para os serviços privados de telecomunicações é da inexigência de
procedimento licitatório, a não ser quando o excesso de competidores puder prejudicar a
prestação de modalidade de serviço de interesse coletivo (art. 136 da LGT). Esta
exigência é esclarecedora, pois, ao se restringir à proteção da modalidade de serviço de
interesse coletivo, indica a opção legislativa de entrega das questões pertinentes às
interferências entre prestadoras de serviços de interesse restrito aos próprios
interessados. Não caberá, aqui, interferência da ANATEL. Ela deve conceder a
119
autorização, se cumpridas as condições objetivas449 e subjetivas450, e deixar aos
interessados a solução das interferências entre elas, desde que sua atuação não atinja
serviços públicos ou privados de interesse coletivo.
O serviço de telecomunicações considerado público somente pode ser
prestado pelo Estado diretamente ou mediante concessão ou permissão (art. 175, caput,
da CF/88). Se prestados indiretamente, exige-se que a transferência da prestação seja
precedida de procedimento administrativo licitatório (art. 175, caput da CF/88), exceto
casos de disputa inviável (art. 91, §1o da LGT)451 ou desnecessária (art. 91, §2o da
LGT)452, desde que precedidas de procedimento administrativo pautado pelos princípios
da publicidade, moralidade, impessoalidade e contraditório (art. 92 da LGT) e que o
edital de licitação não tenha incorporado condições desproporcionais a natureza e
dimensão do serviço (art. 92, parágrafo único da LGT). Nem mesmo a forma de
remuneração pelo serviço é livre. No caso dos serviços de telecomunicações, por serem
considerados de fruição facultativa pelo usuário, são remunerados por tarifas
controladas pela ANATEL (art. 103, caput, §4o e art. 109 da LGT). A revisão das tarifas
é submetida a rígida disciplina normativa e contratual (art. 108, caput e §§ 2o, 3o e 4o da
LGT). Há possibilidade de aquisição de bens por desapropriação (art. 100, caput da
LGT) e de reversão para o patrimônio público dos bens da concessionária ou
permissionária afetados ao serviço (art. 102, parágrafo único da LGT). O poder
concedente pode, ainda, intervir na prestadora do serviço público de telecomunicações
(art. 110 da LGT) e limitar a transferência da outorga da prestação do serviço (art. 98 da
LGT). O próprio vínculo contratual entre Estado e concessionária ou permissionária
pode ser extinto unilateralmente pelo poder concedente (arts. 112 a 117 e 123 da LGT).
Além disso, aplicam-se os princípios de continuidade e universalização aos
serviços públicos de telecomunicações (art. 63, parágrafo único da LGT). Estes dois
itens nada mais são do que dois dos princípios aplicáveis aos serviços públicos em
geral: continuidade do serviço público e generalidade na organização do serviço.
Continuidade e universalização serviram, na Lei 9.472/97 (LGT), como guias práticos
de determinação da natureza pública de serviços de telecomunicações.
Neste particular, há imprecisão da LGT e de sua regulamentação. A LGT
definiu a continuidade do serviço público como obrigação de possibilitar ao usuário a
fruição do serviço de forma ininterrupta e em condição adequada de uso (art. 79, §2o da
LGT). No mesmo sentido, e introduzindo o conceito de regularidade na prestação dos
serviços de telecomunicações, o Regulamento dos Serviços de Telecomunicações previu
como prestação adequada a “prestação continuada do serviço”453. Uma coisa é prestar
serviço de forma ininterrupta, sem paralizações injustificadas, e em condições
449
São condições objetivas previstas no art. 132 da LGT: disponibilidade de radiofreqüência e viabilidade
técnica do projeto.
450
São condições subjetivas previstas no art. 133 da LGT: constituição da empresa requerente segundo as
leis brasileiras, com sede e administração no país; não estar proibida de licitar ou contratar com o Poder
Público, não ter sido declarada inidônea ou não ter sido punida, nos dois anos anteriores, com a
decretação de caducidade; dispor de qualificação técnica para bem prestar o serviço, capacidade
econômico-financeira, regularidade fiscal e regularidade perante a seguridade social; não estar prestando
a mesma modalidade de serviço na mesma região, localidade ou área.
451
“Considera-se inviável a disputa quando apenas um interessado puder realizar o serviço, nas condições
estipuladas.” (art. 91, §1o da LGT).
452
“Considera-se desnecessária a disputa nos casos em que se admita a exploração do serviço por todos os
interessados que atendam às condições requeridas.” (art. 91, §2o da LGT).
453
Art. 46, §1o do Regulamento dos Serviços de Telecomunicações aprovado pela Resolução nº 73/98, da
ANATEL.
120
adequadas de uso. Todas estas características podem e estão inscritas nos contratos de
prestação de serviços aos usuários ou consumidores, sejam de serviço público, sejam de
serviços privados de telecomunicações. Outra coisa é aplicar o princípio de direito
público da continuidade. Este significa que o Estado garante a existência do serviço,
mesmo que o concessionário ou permissionário não mais possa fazê-lo. Da continuidade
decorre o dever estatal de manter o serviço operante mesmo que abandonado pela
concessionária ou permissionária. É o dever-poder estatal de intervir na empresa privada
prestadora de serviço público que descontinuar o serviço. Não significa, assim, simples
dever de ininterrupção, que mesmo atividades econômicas contratam com seus
consumidores. O conceito de descontinuidade do serviço de telecomunicações é
necessário para que o Estado saiba quando deve agir para garantia do serviço, mas o seu
oposto não resume o sentido do princípio de direito público da continuidade, que é mais
do que o mero cumprimento dos requisitos de regularidade do serviço: é dever de
atuação estatal. Exatamente por causa da distinção entre a continuidade geral, como
dever de qualidade do serviço, e a continuidade específica do regime público, como
dever de garantia estatal do serviço, é que foi aprovado pela ANATEL, pela Resolução
nº 30, de 29/06/1998, um Plano Geral de Metas de Qualidade para o Serviço
Telefônico Fixo Comutado prestado nos regimes público e privado. A definição do
princípio público da continuidade, nos serviços de telecomunicações, está em que sua
existência é assegurada pela União (art. 64 da LGT).
Ao lado da continuidade, outro princípio de direito público característico do
modelo regulatório brasileiro da década de 1990 é a exigência de universalização. Ela é
um reflexo estilizado do velho princípio da generalidade na organização do serviço
público. A generalidade impõe disciplina normativa para um número indeterminado de
pessoas, partindo do pressuposto da igualdade entre elas. Por isso, a disciplina
normativa embasadora da prestação de serviços públicos orienta à sua difusão pelo
maior número possível de pessoas e espaços geográficos do país. Isso é a
universalização prevista na legislação setorial de telecomunicações (art. 80, caput da
LGT). Envolve diversos aspectos que variam desde a disponibilidade geral de
instalações de uso individual e coletivo de telecomunicações, até o atendimento ao
deficiente físico, a instituições de caráter público ou social, a áreas rurais, a áreas de
urbanização precária ou insuficiente e a regiões remotas. As metas de universalização
dos serviços públicos de telecomunicações vêm definidas em Decreto do Presidente da
República. Ao contrário da continuidade, que tem dois significados, um deles aplicável
para ambos os regimes jurídicos de serviços, a universalização é exclusiva do serviço
público de telecomunicações. Por isso, há um Plano Geral de Metas de Universalização
do Serviço Telefônico Fixo Comutado prestado em Regime Público454, aprovado pelo
Decreto 2.592, de 15/05/1998, que prevê índices crescentes de cobertura das regiões do
país em razão do tempo e da densidade populacional e que será substituído a partir de 1º
de janeiro de 2006 por novas metas instituídas pelo Decreto 4.769, de 27/06/2003.
Todas estas características, exceto equilíbrio econômico-financeiro do
contrato e manutenção do objeto, porque inseridas em regime de direito público, são
alteráveis unilateralmente pelo poder concedente. O regime publicista permite a
modificação unilateral das normas de organização do serviço, gerando, no máximo, a
recomposição econômico-financeira do contrato.
454
O art. 18, III da Lei 9.472/97 (LGT) diz competir ao Poder Executivo para, por meio de decreto,
aprovar o plano geral de metas para progressiva universalização de serviço prestado no regime público.
121
Para aplicação de todas estas características publicistas, o serviço de
telecomunicações deve, antes, ser qualificado como público. A Lei Geral de
Telecomunicações – LGT prevê a competência do Poder Executivo de, por meio de
decreto, “instituir ou eliminar a prestação de modalidade de serviço no regime público,
concomitantemente ou não com sua prestação no regime privado”455. Além disso, prevê
a competência do Poder Executivo de aprovar, também por decreto, o plano geral de
outorgas de serviços prestados em regime público (art. 18, II da LGT). De fato, o
Decreto 2.534, de 02 de abril de 1998, do Presidente da República, aprovou o chamado
Plano Geral de Outorgas – PGO, que, no seu art. 1o, atribui somente ao Serviço
Telefônico Fixo Comutado – STFC o regime jurídico público de prestação, em
concomitância com o regime privado.
A interpretação do Plano Geral de Outorgas – PGO, entretanto, deve levar
em conta o critério material de definição dos serviços públicos de telecomunicações.
Deve levar em conta a essencialidade, que é atributo legal. Como o PGO decorre de ato
infralegal (decreto presidencial), o que ele está a definir é o mínimo espaço público
permitido pela LGT, pois esta submetera ao regime público, no mínimo, parte do
Serviço Telefônico Fixo Comutado (STFC)456. Em outras palavras, o PGO determinou
que a prestação do STFC resultante das desestatizações ocorridas, no Brasil, em 1998,
ou mesmo de empresas não privatizadas que estivessem devidamente habilitadas para
prestação de serviços de telefonia, fossem submetidas ao regime público (arts. 5o e 6o do
PGO), por intermédio de concessões ou permissões, enquanto as demais prestações de
STFC fossem implementadas em regime privado, por via de autorizações. Ao contrário
do que a leitura destes dispositivos pode transparecer, ato infralegal do chefe do
executivo federal não tem, evidentemente, o condão de transformar um serviço
essencialmente público em privado. A competência do Poder Executivo federal no
tocante à aplicação do regime jurídico aos serviços de telecomunicações está na esfera
puramente estrutural da Administração Pública federal. O disposto no art. 18, I da LGT
indica que cabe ao Chefe do Executivo federal servir de termômetro quanto à natureza
jurídica dos serviços de telecomunicações, que sofrem transformações constantes e
rápidas no que diz respeito à sua essencialidade. Em poucos anos, um serviço antes
considerado essencial pode sofrer defasagem tecnológica tal que elimine sua utilidade
ou seja simplesmente substituído por outro antes sequer cogitado em lei. A ordem legal
de definição da natureza do serviço de telecomunicações por decreto presidencial,
portanto, apresenta-se como abertura legal para acompanhamento administrativo das
transformações naturais a um setor dinâmico da economia. É mera ordem do superior
hierárquico da Administração Pública federal para sua reestruturação frente às novas
demandas de ampliação ou restrição do rol de serviços públicos de telecomunicações.
Por isso, a disciplina, por decreto, do rol de serviços públicos de telecomunicações não
é decisiva. Ela impõe o compromisso do Chefe do Executivo federal com a detecção e
acompanhamento da importância social dos serviços. Cabe ao Judiciário, se este fator
não for levado em conta, atualizar este rol e julgar os feitos segundo a natureza que
visualizar nos serviços de telecomunicações em discussão. Exemplo esclarecedor está
no Serviço Móvel Celular – SMC substituído integralmente pelo Serviço Móvel Pessoal
455
Art. 18, I da Lei 9.472/97 (LGT).
Lei 9.472/97: “Art. 64. Comportarão prestação no regime público as modalidades de serviço de
telecomunicações de interesse coletivo, cuja existência, universalização e continuidade a própria União
comprometa-se a assegurar. Parágrafo único. Incluem-se neste caso as diversas modalidades do serviço
telefônico fixo comutado, de qualquer âmbito, destinado ao uso do público em geral.
456
122
– SMP em 2004. A partir do momento que se detecte sua importância e paridade com o
STFC, enfim, sua essencialidade, a prestação de parcela do SMP garantidora da rede
operacional básica poderá ser submetida ao regime público. Caberá a decreto do
Presidente da República antecipar este movimento e demonstrar coerência na
atualização estrutural da Administração Pública federal ao novo regime a que se
submeter o serviço móvel no país.
O critério formal de determinação da natureza do serviço de
telecomunicações é, portanto, insuficiente, porque infralegal. A submissão do serviço a
regimes distintos predefinidos em âmbito constitucional não pode ser colocado como
opção de decreto presidencial a não ser para o fim legítimo de orientação estrutural da
Administração Pública federal. Poder-se-ia argumentar que os critérios utilizados para a
demarcação do serviço público de telecomunicações seriam políticos, e não jurídicos,
devendo obedecer tão-somente aos limites da razoabilidade (como qualquer decisão
política), e que a opção política da Lei 9.472/97 (LGT) foi de ampliar o rol de serviços
privados de telecomunicações, remetendo a Decreto do Presidente da República a
determinação do regime de um serviço de telecomunicação. Mesmo se assim o fosse,
haveria um parâmetro de aferição desta razoabilidade. Este parâmetro foi expressamente
enunciado pela LGT e recai na essencialidade do serviço. O art. 65, §1o, da LGT,
esclarece que deverão comportar prestação também em regime público as modalidades
de serviço de telecomunicações de interesse coletivo reputadas essenciais. Esta parece
ser a forma mais adequada de aplicação dos regimes jurídicos aos serviços de
telecomunicações no Brasil compatível com a mobilidade do seu objeto.
4.5.5.2 SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÕES QUANTO
ABRANGÊNCIA: DE INTERESSE COLETIVO E RESTRITO
À
A Lei Geral de Telecomunicações – LGT (Lei 9.472/97) introduziu outra
classificação, com o fim de compensar excessos da pura aplicação do regime de direito
privado aos serviços de telecomunicações não-essenciais. Esta classificação será
importante para o momento comparativo desta tese.
O regime privado pressupõe ausência de compromissos publicistas, exceto
limitações expressas para proteção do interesse público. Além disso, alguns serviços de
telecomunicações submetidos ao regime privado acabam por complementar a utilidade
da rede pública de telecomunicações, mediante interconexão, ou mesmo construção de
redes paralelas, permitindo maior variedade de acessos à telecomunicação no país. A
categoria de serviços de telecomunicações de interesse coletivo vem tentar aumentar o
compromisso destes serviços com a formação de uma rede nacional contínua.
Assim, a LGT divide os serviços de telecomunicações, quanto à abrangência
de interesses, em serviços de interesse coletivo e serviços de interesse restrito (art. 62,
da LGT). O serviços de interesse coletivo são concebidos como serviços, cujo prestador
não pode negar acesso de terceiros a suas plataformas. Por configurarem necessidades
da coletividade, não se pode restringir o público alvo do serviço. Qualquer um que peça
acesso deve ser atentido, sob pena de descumprimento de cláusulas de concessão,
permissão ou autorização.
123
Todo serviço público de telecomunicações é de interesse coletivo457, pois o
dever inato ao regime público de generalidade na organização do serviço impede a
predefinição de mercados mais atraentes. O serviço de telecomunicações em regime
público, portanto, deve dirigir-se a todos que dele necessitem. Não podendo negar
acesso, classifica-se, sempre como serviço de interesse coletivo.
Por outro lado, os serviços de telecomunicações submetidos a regime
privado podem ser classificados como de interesse coletivo ou interesse restrito
conforme o termo de autorização fixado pela ANATEL. O dever de cobertura
indiscriminada dos interessados pelo serviço não atinge os serviços de interesse restrito
e os diferencia dos de interesse coletivo.
Assim, todo serviço de telecomunicações submetido a regime público, no
Brasil, é de interesse coletivo. Os demais serviços submetidos a regime privado podem
ser de interesse coletivo ou restrito. Se o prestador puder negar acesso aos interessados,
configuram-se de interesse restrito, senão, serão de interesse coletivo os que sofrerem
compromisso de atendimento indiscriminado. No caso dos serviços de
telecomunicações em regime privado, a abrangência do serviço é determinada pela
ANATEL, já no processo licitatório das autorizações correspondentes. A introdução do
interesse coletivo nestes serviços, entretanto, exigem fundamentação especial do ato
administrativo da ANATEL correspondente, por interferir nos direitos dos pretadores,
restringindo-os.
4.5.5.3 SERVIÇOS
MODALIDADE
DE
TELECOMUNICAÇÕES
QUANTO
À
Outra inovação de classificação da Lei Geral de Telecomunicações – LGT
(Lei 9.472/97) foi a concernente à modalidade do serviço. Tanto o antigo Código
Brasileiro de Telecomunicaçoes (Lei 4.117/62) quanto seu decreto regulamentador
(Decreto 52.026/63) utilizavam, exparsamente, o termo modalidade para fins de
definição do transporte integrado de informações458, de distinção das outorgas e de
fiscalização dos serviços459, de identificação da novidade de um serviço460, ou mesmo,
de sua aproximação e distinção das formas de telecomunicação461. Procurando dar
457
É o que se pode extrair expressamente da Lei 9.472/97 (LGT): “Art.67. Não comportarão prestação no
regime público os serviços de telecomunicações de interesse restrito.”
458
Antigo Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei 4.117/62): “Art. 8º. Constituem troncos do
Sistema Nacional de Telecomunicações os circuitos portadores comuns, que interligam os centros
principais de telecomunicações. §1º Circuitos portadores comuns são aquêles que realizam o transporte
integrado de diversas modalidades de telecomunicações. §2º Centros principais de telecomunicações são
aquêles nos quais se realiza a concentração e distribuição das diversas modalidades de telecomunicações,
destinadas ao transporte integrado.”
459
Antigo Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei 4.117/62): “Art. 45. A cada modalidade de
telecomunicação corresponderá uma concessão, autorização ou permissão distinta que será considerada
isoladamente para efeito da fiscalização e das contribuições previstas nesta lei.”
460
Antigo Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei 4.117/62): “Art. 105. Na ocorrência de novas
modalidades do serviço, poderá o Govêrno até que a lei disponha a respeito, adotar taxas ... (vetado) ...
provisórias, calculadas na base das que são cobradas em serviço análogo ou fixadas para a espécie em
regulamento internacional.”
461
Regulamento do antigo Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei 4.117/62) aprovado pelo Decreto
52.026/63: “Art. 1o. Os serviços de telecomunicações (...) obedecerão aos preceitos da Lei número 4.117,
de 27 de agosto de 1962, ao presente Regulamento Geral, aos Regulamentos Específicos e aos Especiais.
124
maior segurança quanto à amplitude do termo modalidade, o art. 41 do Decreto
52.026/63 ilustrava, exemplificativamente, certas modalidades de serviços de
telecomunicações: serviço de telefonia público (interior ou internacional); serviço de
telegrafia público (interior ou internacional); serviço público restrito (interior ou
internacional); serviços especiais; serviço limitado interior; serviço de radiodifusão; e
serviço de radioamador. Enfim, o conceito de modalidade prestava-se à identificação
básica dos serviços de telecomunicações para sua discriminação quanto à outorga,
fiscalização, tarifação e meios de integração.
A LGT não distoou deste sentido histórico de índice básico dos serviços de
telecomunicações e o reforçou462, trabalhando melhor sua colocação no contexto dos
demais conceitos classificatórios de telecomunicações. Ao invés de enunciar,
exemplificativamente, modalidades de serviços de telecomunicações, a LGT463 utilizou
de melhor técnica legislativa ao remeter a identificação de cada modalidade de
telecomunicação à ANATEL, desde que seguidos um ou mais dos critérios de forma,
âmbito de prestação, finalidade, meio de transmissão ou tecnologia empregada. A
ANATEL, portanto, tem reserva normativa qualificada para precisão das modalidades
de serviços de telecomunicações, levando, em conta aqueles critérios e, caso eles não
sejam suficientes, outros atributos a serem definidos pela agência fundamentadamente.
Trata-se de uma classificação que envolve diversas outras apenas indicadas na LGT e
decorrentes do histórico de tratamento dos serviços de telecomunicações no país: forma
de telecomunicação; finalidade; âmbito; meio de transmissão; ou tecnologia empregada.
Quaisquer destes atributos e outros pertinentes definidos pela agência reguladora são
suficientes per si para discriminação de modalidades de telecomunicação.
É na esfera das modalidades dos serviços de telecomunicações que as
frentes de atuação da ANATEL tendem a evoluir, diminuindo a influência da forma, da
finalidade, do âmbito de prestação e da tecnologia empregada para concentrar-se na
divisão dos serviços segundo os meios de transmissão.
4.5.5.4 SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÕES QUANTO À FORMA:
TELEFONIA, TELEGRAFIA, COMUNICAÇÃO DE DADOS E
TRANSMISSÃO DE IMAGENS
§1o. Os Regulamentos Específicos, referidos neste artigo, são os que tratam das diversas modalidades de
telecomunicações, compreendendo: a) Regulamento dos Serviços de Telefonia; b) Regulamento dos
Serviços de Telegrafia; c) Regulamento dos Serviços de Radiodifusão; d) Regulamento dos Serviços de
Radioamador; e) Regulamento dos Serviços Especiais e dos Serviços Limitados; f) outros que se fizerem
necessários.”; “Art. 6º Para os efeitos deste Regulamento, os termos que figuram a seguir têm os
significados definidos após cada um deles: (...) 27 - RADIOGONIOMETRIA - é uma modalidade de
radiodeterminação que utiliza a recepção de ondas radioelétricas para determinar a direção e a posição de
uma estação ou de um objeto. (...) 60 - TELEX - é a modalidade de serviço telegráfico, que permite
comunicação bilateral, realizado através de máquinas teleimpressoras, no qual a ligação entre
correspondentes passa por uma ou mais estações comutadoras.”
462
Lei 9.472/97: art. 18, I; art. 64, caput e parágrafo único; art. 65, incisos e parágrafos; art. 68, caput; art.
81, incisos e parágrafo único; art. 85, caput; art. 87, caput; art. 96, II; art. 103, caput e §2º; art. 127, IV;
art. 128, caput; art. 131, §1º; art. 133, IV; art. 136, caput; e art. 164, caput.
463
Lei 9.472/97: “Art. 69. As modalidades de serviço serão definidas pela Agência em função de sua
finalidade, âmbito de prestação, forma, meio de transmissão, tecnologia empregada ou de outros
atributos.”
125
A forma de telecomunicação é definida pela LGT como o “modo específico
de transmitir informação, decorrente de características particulares de transdução, de
transmissão, de apresentação da informação ou de combinação destas”464.
Exemplificativamente, a LGT introduz como formas de telecomunicação a telefonia, a
telegrafia, a comunicação de dados e a transmissão de imagens, em muito se
aproximando da antiga classificação do CBT465 quanto à natureza do serviço, que os
divisava, também exemplificativamente entre telefonia, telegrafia, telex, difusão de sons
e imagens, transmissão de dados, fac-simile, telecomando e radiodeterminação.
Cada forma de telecomunicação tem sua história e elementos conceituais
próprios. Entendia-se por telefonia o processo de telecomunicação voltado à
transmissão de “palavra falada ou de som”466. Esta antiga definição foi aprimorada e
passou a expressar todo processo de transmissão de “voz e de outros sinais”467
“audíveis”468. A telegrafia, em extinção, caracteriza-se pela “transmissão de escritos,
pelo uso de um código de sinais”469 “adaptado a baixas velocidades de transmissão”470.
A comunicação de dados, por sua vez, é a “forma de telecomunicação caracterizada pela
especialização na transferência de dados de um ponto a outro”471, entendendo-se dado
como toda “informação sistematizada, codificada eletronicamente, especialmente
destinada a processamento por computador e demais máquinas de tratamento racional e
automático da informação”472. Finalmente, outra forma de telecomunicação consiste na
transmissão de imagens “transientes, animadas ou fixas, reproduzíveis em tela
optoeletrônica à medida de sua recepção”473. Consiste, basicamente, na transformação
de ondas em espectro luminoso e vice-versa.
4.5.5.5 SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÕES QUANTO AO ÂMBITO
DE PRESTAÇÃO: INTERNACIONAL, NACIONAL, REGIONAL, LOCAL E
DE ÁREAS DETERMINADAS
Quanto ao âmbito, os serviços de telecomunicações são divididos em vários
degraus de classificação. Um deles segue a antiga classificação do Código Brasileiro de
Telecomunicações, que falava em serviços interiores e internacionais, hoje, âmbito
nacional e internacional (arts. 146, II e 150, caput da LGT)474. Outro patamar de
464
Art. 69, parágrafo único da Lei 9.472/97 (LGT).
Art. 4o, item 1, do Decreto 52.026, de 20 de maio de 1963.
466
Art. 4o, caput do antigo Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei 4.117/62) e art. 6o, item 57 do
Decreto 52.026/63, seu regulamentador.
467
Art. 3o, XV e XX do Regulamento do Serviço Telefônico Fixo Comutado aprovado pela Resolução nº
85, de 30 de dezembro de 1998, da ANATEL.
468
ESCOBAR, J.C. Mariense. O novo direito de telecomunicações. Porto Alegre: Livraria do Advogado,
1999, p. 30.
469
Art. 4o, caput do antigo CBT (Lei 4.117/62) e art. 6o, item 58 de seu decreto regulamentador (Decreto
52.026/63).
470
ESCOBAR, J.C. Mariense. Op. cit., p. 30.
471
Id., ibid.
472
Id., ibid.
473
Id., ibid.
474
Lei 9.472/97: “Art. 146. As redes serão organizadas como vias integradas de livre circulação, nos
termos seguintes: (...) II – deverá ser assegurada a operação integrada das redes, em âmbito nacional e
internacional.”; “Art. 150. A implantação, o funcionamento e a interconexão das redes obedecerão à
465
126
classificação assenta-se na configuração geodésica municipal, divisando serviços
urbanos e interurbanos. Finalmente, outra escala de classificação dos serviços quanto
ao âmbito indica subdivisões do âmbito interior: âmbitos nacional, regional, local e de
áreas determinadas (art. 65, §2o da LGT).
4.5.5.6 SERVIÇOS
FINALIDADE
DE
TELECOMUNICAÇÕES
QUANTO
À
A antiga classificação dos serviços de telecomunicações segundo os fins
visados contida no Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei 4.117/62)475 e no seu
decreto regulamentador476 continua sendo útil à identificação de modalidades de
serviços, desde que com as devidas atualizações, já que a Lei Geral de
Telecomunicações (Lei 9.472/97) não esmiuçou dita classificação, remetendo-a,
portanto, a esforço infralegal da ANATEL. Entende-se que, segundo a finalidade, os
serviços de telecomunicações classificam-se em serviço público-restrito, serviço
limitado, serviço de radioamador, serviço de radiodifusão, e serviço especial. Embora o
antigo CBT falasse também em serviço público, a divisão ali implementada não foi
assimilada pela nova sistemática da LGT, que introduz classificação específica quanto
ao regime jurídico entre serviços públicos e privados, algo aliás muito mais adequado às
previsões da Constituição Federal brasileira de 1988.
4.5.5.6.1 Serviço público-restrito
O serviço público-restrito foi utilizado pelo Executivo federal como
mecanismo para flexibilização da prestação do Serviço Móvel Celular no final da
década de 1980. Definido, em 1962, como serviço de telecomunicação “facultado ao
uso dos passageiros dos navios, aeronaves, veículos em movimento ou ao uso do
público em localidades ainda não atendidas por serviço público de telecomunicação”477,
o serviço público-restrito sofreu modificação no seu enunciado, quase trinta anos mais
tarde, para alcançar serviços “de uso do público em localidades ainda não atendidas por
serviço público de telecomunicações fixo local”478. Com a revogação do Decreto
96.618/88 pelo Decreto 2.198, de 8 de abril de 1997, foi retomada a redação original.
Logo, serviço público-restrito apresenta-se como modalidade de serviço de
telecomunicações dirigida ao uso de passageiros de navios, aeronaves, veículos em
movimento e ao público em geral nas localidades ainda não atendidas pelo serviço
público de telecomunicações. Dentre eles, estariam o Serviço Móvel Global por
Satélites Não-Geoestacionários (SGMS) e o Serviço de Radiocomunicação Aeronáutica
Público-Restrito (SRA).
regulamentação editada pela Agência, assegurando a compatibilidade das redes das diferentes
prestadoras, visando à sua harmonização em âmbito nacional e internacional”.
475
Art. 6o da Lei 4.117, de 27 de agosto de 1962.
476
Art. 4o, item 2, do Decreto 52.026, de 20 de maio de 1963.
477
Art. 6o, b do antigo Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei 4.117/62).
478
Art.1o, caput do Regulamento dos Serviços Público-Restritos aprovado pelo Decreto 96.618, de 31 de
agosto de 1988.
127
4.5.5.6.2 Serviço limitado
Outra modalidade de serviço de telecomunicações definida a partir de sua
finalidade é a do serviço limitado. Trata-se do serviço de telecomunicações destinado ao
uso do próprio executante como também do serviço prestado a terceiros, desde que para
fins próprios internos dos contratantes (art. 2o, §2o da Lei 9.295/96). São, portanto,
serviços não abertos a correspondência pública, normalmente dirigidos a questões de
segurança, orientação, regularidade e gestão de atividades empresariais internas.
Os serviços limitados dividem-se em serviços limitados privados e serviços
limitados especializados. A terminologia confunde. Todo serviço limitado de
telecomunicações é privado no modelo atual da Lei Geral de Telecomunicações. A
divisão significa que, enquanto o serviço limitado privado destina-se ao uso do próprio
executante, o serviço limitado especializado implica prestação a terceiros, desde que
sejam eles uma mesma pessoa ou grupo de pessoas físicas ou jurídicas unificadas pela
realização de atividade específica. Por isso, via de regra, os serviços limitados privados
são classificados como de interesse restrito, e os limitados especializados, como de
interesse coletivo. Podem ser numerados como serviços limitados privados o Serviço de
Radiotaxi Privado, o Serviço Limitado Móvel Privado, o Serviço Limitado de
Radiochamada Privado, o Serviço de Rede Privado, dentre outros. Do lado dos serviços
limitados especializados, constam o Serviço de Radiotaxi Especializado, o Serviço
Limitado Móvel Especializado, o Serviço de Circuito Especializado, o Serviço de Rede
Especializado, dentre outros.
4.5.5.6.3 Serviço de radioamador
O serviço de radioamador transparece modalidade de serviço de
telecomunicações desempenhada a título pessoal por amadores – pessoas físicas ou
certas pessoas jurídicas (associações de radioamadores, universidades e escolas) –
devidamente autorizados e com licença de estação, visando ao treinamento próprio, a
intercomunicação e a investigações técnicas sem fins pecuniários ou comerciais de
exploração do serviço.479 A regulamentação deste serviço, por ser anterior às
modificações operadas em meados da década de 1990 no panorama normativo de
telecomunicações, fala em outorga de permissão, por ato do Ministério das
Comunicações, para sua execução. A Superintendência de Serviços Privados da
ANATEL adaptou o serviço, entretanto, à sua estrutura de atos de autorização, como
bem demonstra seu formulário de requerimento de serviço radioamador, fato a
479
Regulamento do Serviço de Radioamador, aprovado pelo Decreto 91.836, de 24/10/1985, com a
redação do Decreto 1.316, de 25/11/1994: “Art. 2º. No presente regulamento, além dos termos e
expressões definidos pela legislação de telecomunicações, adotam-se os seguintes: a) Serviço de
Radioamador - serviço de telecomunicações destinado ao treinamento próprio, a intercomunicação, e a
investigações técnicas, levados a efeito por amadores devidamente autorizados, interessados na
radiotécnica a título pessoal, e que não visem qualquer objetivo pecuniário ou comercial ligado à
exploração do serviço.”
128
demonstrar a necessária adaptação da disciplina normativa vigente. Os requisitos para
exercício da atividade de radioamador demandam passos seqüenciados de obtenção de
autorização da agência reguladora, seguida de licença de instalação e funcionamento do
serviço de radioamador e do Certificado de Operador de Estação de Radioamador –
COER, que habilita pessoa natural com a comprovação de capacidade operacional e
técnica para manusear uma estação de radioamador. Antes do advento do Decreto
91.836/85, o proponente à prestação de serviço de radioamador deveria
obrigatoriamente estar filiado a uma Associação de Radioamadores reconhecida pelo
Ministério das Comunicações480. Esta associação de âmbito nacional reconhecida pelo
Ministério era a Liga de Amadores Brasileiros de Rádio e Emissão – LABRE.481 Com a
revogação expressa do Decreto 74.810/74 pelo Decreto 91.836/85 e na ausência de
qualquer exigência por parte deste último de comprovação de filiação a associação
oficialmente reconhecida de radioamadores para emissão de licença de funcionamento
de estação de radioamador, estes estão, desde então, liberados da exigência
regulamentar de filiação a associação, restando, entretanto, a liberdade
constitucionalmente garantida de integrá-la.
4.5.5.6.4 Serviço de radiodifusão
Apresentado como espécie de radiocomunicação482 caracterizada pela
difusão no espectro de radiofreqüência de sons ou de sons e imagens para captação
gratuita pelos usuários, o serviço de radiodifusão engloba os tradicionais serviços de
televisão aberta e rádio, que, por determinação constitucional483, detêm,
preferencialmente, finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas, estão
voltados à promoção da cultura nacional e regional, bem como vêm regidos por
princípios de proteção da pessoa, da família e de orientação à regionalização da
produção cultural, artística e jornalística. Em virtude desta inclinação nacional de
programação enunciada na Constituição Federal de 1988, a propriedade de empresa de
radiodifusão também sofre limitações, dentre elas a de ser privativa de brasileiros natos
ou naturalizados há mais de dez anos. Esta limitação, no entanto, foi mitigada com a
Emenda Constitucional n.36, de 28/05/2002, que estendeu a propriedade das empresas
de radiodifusão também para pessoas jurídicas constituídas sob as leis brasileiras e que
tenham sede no País. Além desta limitação já amenizada, persiste a exigência de que ao
menos 70% do capital total e do capital votante das empresas de radiodifusão pertençam
a brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos.484 A estes cabe, segundo o
texto constitucional brasileiro, a gestão das atividades da empresa e a definição do
conteúdo de programação. Ainda se exige a comunicação das alterações de controle
societário das empresas de radiodifusão diretamente ao Congresso Nacional.
No Brasil, embora a disciplina do uso do espectro dos serviços de
radiodifusão tenha ficado sob a competência da agência nacional de telecomunicações, a
480
Art.26, parágrafo único, do Decreto 74.810/74, revogado expressamente pelo Decreto 91.836/85.
Portaria 498, de 06/06/1975 (DOU 30/06/1975), do Ministério das Comunicações.
482
“Radiocomunicação é a telecomunicação que utiliza freqüências radioelétricas não confinadas a fios,
cabos ou outros meios físicos” (ESCOBAR, J.C. Mariense. Op. cit., p. 41).
483
CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA DE 1988, art.221, I, II, III e IV.
484
CONSTITUIÇÃO FEDERAL BRASILEIRA DE 1988, art. 222, §1º, com a redação da EC36/2002.
481
129
outorga do serviço e o controle de conteúdo permaneceram sob as atribuições do
Ministério das Comunicações.485 Ao contrário da grande maioria dos serviços de
telecomunicações, a radiodifusão não detém disciplina legal na Lei Geral de
Telecomunicações, de 1997, senão em seus aspectos técnicos de uso do espectro. Ainda
hoje a radiodifusão é tratada sob a égide do antigo Código Brasileiro de
Telecomunicações, de 1962. Lá, o serviço de radiodifusão vem definido como aquele
“destinado a ser recebido direta e livremente pelo público em geral”486.
O caráter central do serviço de radiodifusão vem definido na legislação
mediante estipulação de livre acesso: não se pode tecnicamente delimitar o públicoalvo. Tanto é assim, que ele é utilizado como critério para qualificação do serviço
especial de televisão por assinatura conhecido pela sigla TVA. Trata-se de serviço
destinado à distribuição de sinais codificados em faixas de UHF com autorização de
“utilização parcial sem codificação”487. A transmissão sem codificação implica
automaticamente a impossibilidade de delimitação do público-alvo da programação,
aproximando este serviço do tradicional serviço de radiodifusão. Neste sentido, o
Ministério das Comunicações recomendou à Agência Nacional de Telecomunicações
como critério decisivo para qualificá-lo como serviço de radiodifusão a ultrapassagem
do percentual de transmissão aberta – não-codificada – de 45% do tempo destinado à
irradiação diária das emissoras.488
4.5.5.6.5 Serviço especial
Os serviços especiais foram instituídos pelo antigo Código Brasileiro de
Telecomunicações (Lei 4.117/62 – CBT) e regulamentados inicialmente de forma
sucinta pelo Decreto 52.026/63 e posteriormente de forma sensivelmente mais
esmiuçada com o Regulamento de Serviços Especiais, aprovado pelo Decreto
presidencial nº 2.196, de 8 de abril de 1997, editado três meses antes da Lei Geral de
Telecomunicações (Lei 9.472/97 – LGT). Isto evidencia que, muito embora o
embasamento legal daqueles serviços tenha sido revogado pela LGT, a regulamentação
pertinente utilizada pela ANATEL e pelas prestadoras de ditos serviços continua
referida àquele antigo CBT.
Para que se tenha uma regulamentação condizente com a opção da LGT de
disciplina infralegal das modalidades de serviços de telecomunicações segundo sua
485
A legislação brasileira afasta da agência reguladora as atividades concernentes à outorga dos serviços
de radiodifusão sonora e de sons e imagens. Atribui, entretanto, à agência, a competência para elaboração
e manutenção dos respectivos planos de atribuição de canais, bem como a fiscalização das estações
quanto aos aspectos técnicos (art. 211 da Lei 9.472/97).
486
Art. 6º, d, da Lei 4.117, de 27 de agosto de 1962 (Código Brasileiro de Telecomunicações).
487
Regulamento do Serviço Especial de Televisão por Assinatura – TVA, art. 2º, caput, veiculado pelo
Decreto presidencial n.95.744, de 23 de fevereiro de 1988.
488
Os percentuais autorizados de transmissão aberta vinham definidos, todos os anos, por portarias
ministeriais e atos da ANATEL, que alteravam de 10% a 35% o percentual de transmissão aberta para as
emissoras do Serviço Especial de Televisão por Assinatura (TVA). Em 1993, consulta da ANATEL à
Secretaria de Serviços de Comunicação Eletrônica do Ministério das Comunicações obteve o
posicionamento, mediante Ofício n. 1.119/2003/SSCE-MC, de 27 de agosto de 2003, de que o limite de
45% de transmissão aberta seria o teto além do qual a TVA perderia o caráter de TV por assinatura e
passaria à categoria de radiodifusão. Consultar à respeito a Análise n.209/2003-GCTC, de 03/09/2003, da
ANATEL.
130
finalidade, basta a modificação ou revogação do Decreto 2.196/97 por Resolução do
Conselho Diretor da ANATEL, que assumiu, por expressa disposição legal (art.22, IV
da LGT c/c art.19, V e X da LGT) a função de normatização dos serviços de
telecomunicações. Enquanto isso, apesar da LGT expressamente ter convalidado a
regulamentação editada sobre serviços, atos e procedimentos de outorga pertinentes à
Lei 9.295/95 (art. 214, III da LGT), e apesar do Decreto 2.196/97 (Regulamento de
Serviços Especiais) estar expressamente referido àquela lei, a inexistência de referência
aos serviços especiais na Lei 9.295/95 inviabiliza a continuidade de vigência do
Regulamento de Serviços Especiais com base legal na Lei 9.295/95. Seu amparo legal
encontra-se, diretamente, na LGT dentro da previsão de paulatina substituição de
regulamentação pela agência reguladora (art.214, I e II da LGT). Portanto, a prestação
de serviços especiais conforme à LGT encontra-se, de fato, fragmentada, a espera de
regulamentação geral condizente com a nova disciplina de prestação de serviços de
telecomunicações da LGT. Enquanto isto não ocorre, o desatualizado Regulamento de
Serviços Especiais aplica-se em meio a grande diversidade de regulamentação
específica para cada serviço especial489. O Decreto 2.196/97, que aprovou o atual
Regulamento de Serviços Especiais, está assentado em pressupostos de outorga e
conceituação dos serviços especiais trazidos pelo antigo Código Brasileiro de
Telecomunicações – CBT (Lei 4.117/62) e por isso, exige sua substituição ou
atualização por resolução própria da ANATEL para que referências ambíguas como a
do art. 2o do Regulamento de Serviços Especiais de 1997 de aplicação das Leis 8.666/93
e 8.987/95, ambas afastadas expressamente do setor de telecomunicações pela LGT (art.
210), possam ser expurgadas da regulamentação.
Em meio a este imbróglio normativo, as referências históricas do antigo
regulamento do Código Brasileiro de Telecomunicações e do Regulamento de Serviços
Especiais aprovado pelo Decreto 2.196, de abril de 1997, continuam presentes e
respondem às demandas de conceituação doutrinária dos serviços especiais.
Serviço especial é uma modalidade de serviço de telecomunicações
qualificada pela finalidade de produção de serviços de interesse do público em geral, ou
seja, de atendimento de necessidades de comunicações de interesse geral, mas
caracterizado por não ser aberto à correspondência pública, compreendendo, dentre
outros serviços, as seguintes submodalidades: o de sinais horários490; o de freqüência
padrão491; o de boletins meteorológicos492; o para fins científicos ou experimentais493; o
489
Assim, tem-se regulamentação exparsa referente aos serviços especiais: o serviço de paging
bidirecional (Resolução ANATEL nº 92/1999); o Serviço Móvel Especializado, cujo regulamento é
veiculado pela Resolução ANATEL nº 221/2000; o Serviço Especial de Radiochamada – SER, cujo plano
de autorizações vem definido na Resolução ANATEL nº 171/1999; a Norma nº 11/97 relativa ao Serviço
Avançado de Mensagens republicada pela Portaria do Ministério das Comunicações 559, de 3/11/1997; a
Norma nº 15/97 relativa ao Serviço Especial de Radiochamada aprovada pela Portaria ministerial 558, de
3/11/1997; a Norma nº 06/89 relativa ao Serviço Especial de Radiodeterminação por Satélite – SERDS
aprovada pela Portaria do Ministério das Comunicações 228, de 22/11/1989, dentre outros.
490
Serviço Especial de Sinais Horários “é o serviço especial destinado à transmissão de sinais horários de
reconhecida e elevada precisão” (Art. 6o, item 39, do antigo Decreto 52.026/63).
491
Serviço Especial de Freqüência Padrão “é o serviço especial destinado à transmissão de freqüências
específicas de reconhecida e elevada precisão, para fins científicos, técnicos e outros” (Art. 6o, item 36,
do antigo Decreto 52.026/63).
492
Serviço Especial de Boletins Meteorológicos “é o serviço especial destinado à transmissão de
resultados de observações meteorológicas” (Art. 6o, item 35, do antigo Decreto 52.026/63).
131
de música funcional494; o de radiodeterminação495; o de radiorrecado496; o de
radiochamada497; o avançado de mensagem (SAM)498; os de TV por assinatura, dentre
eles o de distribuição de sinais de televisão e de áudio por assinatura via satélite
(DTH)499, o de distribuição de sinais multiponto multicanal (MMDS)500, o de televisão
por assinatura (TVA)501, o de TV a cabo502.
493
Serviço Especial para Fins Científicos ou Experimentais “é o serviço especial destinado a efetuar
experiências que possam contribuir para o progresso da ciência e da técnica em geral” (Art. 6o, item 40,
do antigo Decreto 52.026/63).
494
Serviço Especial de Música Funcional “é o serviço especial destinado à transmissão de música
ambiente ou funcional para assinantes” (Art. 6o, item 37, do antigo Decreto 52.026/63).
495
Serviço Especial de Radiodeterminação “é o serviço especial destinado à determinação de uma posição
ou obtenção de informação relativa a uma posição, mediante as propriedades de propagação de ondas
radioelétricas” (Art. 6o, item 38, do antigo Decreto 52.026/63).
496
Serviço Especial de Radiorrecado “consiste na interligação, por radiocomunicação bilateral, semiduplex, de estações de base a estações móveis terrestre” (Item 3, da Norma nº 04/1982 aprovada pela
Portaria nº 122, de 02/07/1982 do Ministério das Comunicações).
497
Serviço Especial de Radiochamada – SER “é um serviço de telecomunicações destinado a transmitir
por qualquer forma de telecomunicação, informações unidirecionais originadas em uma estação de base e
endereçadas a receptores móveis, utilizando-se das faixas de freqüências de 929 MHz e 931 MHz” (art.
1o, do Plano de Autorizações do Serviço Especial de Radiochamada, aprovado pela Resolução 108, de
05/03/1999, substituída pela Resolução 171, de 08/10/1999 ambas da ANATEL). A norma básica
definidora das condições básicas de outorga de permissão deste serviço é a Norma nº 15/97, do Ministério
das Comunicações, aprovada pela Portaria nº 558, de 03/11/1997. A radiochamada sem fio é mais
conhecida como paging.
498
Serviço Avançado de Mensagem – SAM é o “serviço especial de telecomunicações utilizado para
múltiplas aplicações móveis bidirecionais, podendo transmitir dados, voz, ou qualquer outra forma de
telecomunicação, utilizando-se das faixas de freqüências de 901-902 MHz, 930-931 MHz e 940-941
MHz” (Item 4, a da Norma nº 11/97, aprovada pela Portaria nº 403, de 19/08/1997, do Ministério das
Comunicações).
499
Serviço de Distribuição de Sinais de Televisão e de Áudio por Assinatura Via Satélite – DTH [sigla de
direct-to-home] “é uma das modalidades de serviços especiais regulamentados pelo Decreto 2.196, de 8
de abril de 1997, que tem como objetivo a distribuição de sinais de televisão ou de áudio, bem como de
ambos, através de satélites [geoestacionários de televisão direta cuja capacidade de segmento espacial
deve ser contratada segundo o Regulamento de Serviços de Transporte de Sinais de Telecomunicações
por Satélite – STS]” (Item 2.1 da Norma nº008/97 aprovada pela Portaria nº 321, de 21 de maio de 1997,
do Ministério das Comunicações).
500
Serviço de Distribuição de Sinais Multiponto Multicanal – MMDS [sigla de Multichannel Multipoint
Distribution Service] “é uma das modalidades de Serviços Especiais, regulamentados pelo Decreto 2.196,
de 8 de abril de 1997, que se utiliza da faixa de microondas para transmitir sinais a serem recebidos em
pontos determinados dentro da área de prestação do serviço” (Item 2.2 da Norma nº 002/97 aprovada pela
Portaria nº 43/94 e com nova redação dada pela Portaria nº 254, de 16 de abril de 1997). Consubstanciam
evolução do antigo Serviço de Circuito Fechado de Televisão com utilização de Radioenlace – CFTV, em
virtude de sua migração para a faixa de freqüência destinada ao MMDS de 2500 a 2690 MHz
possibilitada pela Portaria nº 44, de 10/02/1992 da Secretaria de Nacional de Comunicações do Ministério
da Infra-Estrutura.
501
Serviço Especial de Televisão por Assinatura – TVA “é o serviço de telecomunicações, destinado a
distribuir sons e imagens a assinantes, por sinais codificados, mediante utilização de canais do espectro
radioelétrico, permitida, a critério do poder concedente, a utilização parcial sem codificação” (Art. 2o, do
Regulamento do Serviço Especial de Televisão por Assinatura aprovado pelo Decreto 95.744, de
23/02/1988 publicado no DOU 24/02/1988, p. 2.993-2995).
502
Serviço de TV a Cabo “é o serviço de telecomunicações que consiste na distribuição de sinais de vídeo
e/ou áudio, a assinantes, mediante transporte por meios físicos” (art. 2o, da Lei 8.977, de 06/01/1995),
inclusive a interação necessária à escolha de programação e outras aplicações pertinentes ao serviço.
Persiste a aplicação da Lei 8.977/95 ao serviço de TV a Cabo por expressa ressalva da Lei Geral de
Telecomunicações (art. 212, da Lei 9.472/97).
132
As submodalidades são reunidas em grupos definidos a partir de critérios503
de complexidade tecnológica dos sistemas empregados, de população da área de
prestação do serviço, e de recursos de infra-estrutura e suporte técnico-administrativo
relativos à exploração do serviço.
4.5.5.6.6 Serviços por linha dedicada (espécie de serviço limitado)
Com base na característica comum dos serviços especiais e limitados de
delimitação do público alvo, bem como da magnitude de investimentos demandados na
criação de infra-estrutura própria para tais serviços, estes se apresentam como potenciais
clientes de exploração industrial504 das redes de telecomunicações. As redes de
telecomunicações podem determinar a alocação de sua capacidade ociosa para fins
específicos orientados a utilização por pacotes de serviços especiais ou limitados.
Quando se utiliza uma capacidade de transmissão de rede pública de
telecomunicações, mediante contrato de exploração industrial, em que se vincula um
circuito à exclusiva exploração de um serviço especial ou limitado de telecomunicações,
está-se diante do conceito de linha dedicada.
Como o próprio nome indica, linha dedicada é o circuito da rede pública de
telecomunicações especificamente voltado e comprometido com a transmissão de
informações entre os que compõem o público-alvo de determinado serviço especial ou
limitado. Em face desta característica de viabilização de serviços especiais ou limitados
por intermédio de linha destinada exclusivamente ao respectivo serviço, é que o serviço
de linha dedicada, em si, insere-se na categoria de serviços limitados: voltados a
prestação de serviços a terceiros, desde que para fins próprios internos dos contratantes
(art. 2o, §2o da Lei 9.295/96) titulares dos serviços especiais ou limitados que se
utilizam da linha dedicada. Serviço limitado de linha dedicada, portanto, é a modalidade
de serviço de telecomunicação que consiste na disponibilização e operacionalização de
circuitos destinados exclusivamente aos fins dos contratantes (prestadores de serviços
especiais ou de serviços limitados) mediante exploração industrial de redes públicas de
telecomunicações. Tais serviços, que utilizam as redes públicas de telecomunicações
por intermédio do serviço limitado de linha dedicada foram divididos em blocos a partir
de regulamentação de 1995: Serviço por Linha Dedicada para Sinais Analógicos –
SLDA505; Serviço por Linha Dedicada para Sinais Digitais – SLDD506; Serviço por
503
Ditos critérios estão enunciados no art. 11, incisos I, II e III do Regulamento de Serviços Especiais
aprovado pelo Decreto 2.196, de 08/04/1997.
504
A atividade de exploração industrial corporifica a “forma particular de exploração em que uma
entidade exploradora de telecomunicações fornece seus serviços a outra entidade exploradora de serviços
de telecomunicações mediante remuneração preestabelecida” (Item 3.1 da Norma nº 09/95 – Serviços de
Linha Dedicada aprovada pela Portaria nº 285/95 do Ministério das Comunicações).
505
SLDA (Serviço por Linha Dedicada para Sinais Analógicos): regulado pela Norma nº 10/95, aprovada
pela Portaria nº 286/95. Valores aprovados pela Norma nº 14/95, veiculada pela Portaria nº 291/95. É a
nova denominação para Serviço Especializado de Telefonia por Linha Privativa, Serviço de Comunicação
de Dados Não Comutados para Uso Privativo, Serviço Não-Especializado, Serviço Não-Especializado de
Transmissão de Sinais para Uso Privativo das Entidades de Segurança Nacional. Consiste no
recebimento, transmissão e entrega, pela prestadora, ao assinante, de sinais analógicos entre endereços
preestabelecidos por este. “O SLDA é fornecido ao assinante através de circuitos locais ou circuitos intra
e interáreas tarifárias, na configuração ponto-a-ponto (o enlace é entre dois pontos distintos) ou pontomultiponto (o enlace é entre um ponto e dois ou mais pontos distintos), dotados de características técnicas
133
Linha Dedicada para Telegrafia – SLDT507; Serviço por Linha Dedicada Internacional
– SLDI508.
4.6 ESTRUTURAÇÃO ESTATAL DE REGULAÇÃO DAS
TELECOMUNICAÇÕES NO BRASIL
A exposição histórica das políticas públicas de telecomunicações brasileiras
e do correspondente arcabouço normativo leva à compreensão de que a descrição das
telecomunicações é perfeitamente apreensível sem necessidade de se lançar mão de um
índice orientador pautado na finalidade de potencialização do espaço público. Bastou,
para detecção dos caminhos seguidos pela regulação do setor de telecomunicações
brasileiro, partir-se de olhares restritos a um raciocínio econômico de viabilização dos
investimentos, de uniformização de tecnologia, ou mesmo de sistematização normativa,
enfim, de sobrevivência do setor; de mera submissão às contingências impostas pela
conformação concreta das telecomunicações. Não foi necessário lançar mão de esforço
teleológico para apreensão dos aspectos mais evidentes do setor no Brasil. A leitura de
transformação histórica de tratamento do setor não revela um fim diretivo comum, mas
opções que respondem a problemas concretos e conjunturais do setor. Não se detectou
finalidade que contaminasse as ações reguladoras do setor com um norte comum de
abertura de espaço público na esfera decisória setorial. Não houve, enfim, possibilidade
de descrição do setor minimamente significativa pautada no pressuposto conceitual de
virtude política à exceção da presença de discussão pública e constante restrita à década
de 1970 durante os Congressos Brasileiros de Telecomunicações.509
Resta saber se a estrutura desenhada para a Agência Nacional de
Telecomunicações brasileira – ANATEL e a sua presença institucional abrem espaço
para ambientação da virtude política.
A estrutura da ANATEL, portanto, é o próximo passo de exposição do
quadro setorial brasileiro esmiuçado neste capítulo.
adequadas à transmissão de sinais analógicos, utilizando freqüências na faixa de voz, apropriados para
aplicações de telefonia, fax, alarme, supervisão e telessupervisão” (ESCOBAR, J.C. Mariense. Op. cit., p.
186).
506
SLDD (Serviço por Linha Dedicada para Sinais Digitais): nova denominação para Serviço de
Comunicação de Dados Não Comutados para Uso Privativo. Regulado pela Norma 11/95, aprovada pela
Portaria 287/95. Os valores dos serviços estão na Norma 15/95, aprovada pela Portaria 293/95. Consiste
em recebimento, transmissão e entrega, pela prestadora ao assinante, de sinais digitais entre endereços por
este preestabelecidos.
507
SLDT (Serviço por Linha Dedicada para Telegrafia): nova denominação de Serviço de Telegrafia para
Uso Privativo – Serviço Especializado. Regulado pela Norma 12/95, aprovada pela Portaria 288/95, com
valores fixados na Norma 16/95, aprovada pela Portaria 294/95. Consiste no fornecimento pela Prestadora
ao Assinante, através de circuito local ou circuito intra ou interáreas tarifárias, de transmissão de sinais
gráficos, com velocidade de 50, 75, 100 ou 200 bps, na configuração ponto-a-ponto ou ponto-multiponto.
508
SLDI (Serviço por Linha Dedicada Internacional): nova denominação para Serviço de Aluguel de
Circuitos Internacionais para Uso Privado. É prestado mediante as seguintes formas: a)SLDIA (Serviço
por Linha Dedicada Internacional para Sinais Analógicos); b)SLDID (Serviço por Linha Dedicada
Internacional para Sinais Digitais). É realizado entre endereços prefixados pelo assinante. É regulado pela
Norma 13/95, aprovada pela Portaria 289/95, e seus valores estão na Norma 17/95, aprovada pela Portaria
295/95.
509
Vide, à respeito, nota 293, página 90, deste estudo.
134
4.6.1 Fundamentos da reestruturação da Administração Pública
brasileira na década de 1990: discussão ausente sobre o
espaço público
Embora não se possa comumente detectar políticas governamentais pela
mera remissão a documentos formais, há um documento representativo de orientação
governamental coincidentemente aprovado no ano das principais reformas
constitucionais autorizadoras das alterações estruturais operadas na década de 1990 no
Brasil. Trata-se do conhecido Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado
elaborado pelo então Ministério da Administração Federal e da Reforma do Estado,
aprovado pela Câmara de Reforma do Estado, em 21 de setembro de 1995, e ratificado
pelo Presidente da República, em novembro do mesmo ano. A data de aprovação,
entretanto, encobre o início de sua implementação.510
Em dito plano, propõe-se a criação de agências autônomas com a finalidade
de obtenção de maior eficiência quanto às atividades exclusivas do Estado e de maior
governança511 para modernização da gestão512. Como um dos objetivos do núcleo
estratégico, consta a supervisão dos contratos de gestão com as agências autônomas513,
que derivariam das autarquias e fundações que possuem poder de Estado514,
curiosamente, o único ato não implementado para todas as agências pelo Governo de
Fernando Henrique Cardoso e que, no novo Governo Lula, vem como o diferencial para
solução da excessiva autonomia das agências frente aos respectivos ministérios
supervisores.515
O fato é que o caráter mediador das agências reguladoras vem enunciado de
forma periférica. Elas não foram criadas como projetos de dinamização de espaço
público. No máximo, fala-se do papel de coordenação desempenhado pelo ente
regulador, mas de coordenação do aspecto principal, qual seja, a regulação, o controle
510
“O ‘Plano’, que já está sendo posto em prática em várias de suas dimensões, é resultado de ampla
discussão no âmbito da Câmara da Reforma do Estado” (CARDOSO, Fernando Henrique. Apresentação.
p. 2. In: BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Plano Diretor da Reforma do Aparelho do
Estado. Novembro de 1995).
511
“ou seja, maior capacidade de governar, maior condição de implementar as leis e políticas públicas”
(Ibid., item 6 – Objetivos, §5º).
512
Ibid., item 8.1.2 – Agências Autônomas, §1º.
513
Ibid., item 6.2 – Objetivos para o Núcleo Estratégico, §3º.
514
Ibid., item 6.3 – Objetivos para as Atividades Exclusivas, §1º).
515
Relatório de Grupo de Trabalho Interministerial sobre as agências reguladoras de 2003 identificou
como ponderação de natureza econômica, que os “contratos de gestão ou desempenho podem somar-se
aos instrumentos de controle social, principalmente para acompanhar a implementação de ‘metas de
transparência’, contribuindo ainda para a melhoria da eficiência regulatória”. O documento revela a
função do contrato de gestão: a “formalização da relação entre a administração direta e as agências”
(BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. CASA CIVIL. Análise e avaliação do papel das
agências reguladoras no atual arranjo institucional brasileiro. Relatório do Grupo de Trabalho
Interministerial. Brasília, dezembro de 2003, p. 13). Além destas conclusões do Grupo Interministerial,
uma das questões colocadas quando de sua criação pelo Presidente da República foi “a necessidade de
fortalecimento dos Ministérios com respeito às atribuições básicas de planejamento e formulação de
políticas públicas na esteira da reorientação do papel do Estado nos últimos dez anos (do Estado-produtor
para o Estado-regulador)” (BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. CASA CIVIL. Exposição de
motivos do Projeto de Lei nº. 3.337. Brasília, 12 de abril de 2004).
135
do setor pelo Estado.516 Por isso, a dificuldade evidente de tratar das virtudes políticas
nas agências quando vistas sob o enfoque de sua criação: a síntese de sua existência no
seu caráter regulador, entendida a regulação como aspecto de intervenção unilateral, de
controle, de exercício do poder de Estado. O caráter prestacional do Estado-produtor, tal
como aparece no documento governamental citado, renova-se no chamado EstadoRegulador. A diferença está apenas no produto prestado: deixa de ser um conjunto de
bens de necessidade imediata e passa a ser uma atividade de controle para otimização do
processo produtivo de tais necessidades de bem-estar. Daí decorre a dificuldade de se
falar em espaço público quando se parte do pressuposto de que a finalidade dos órgãos
estatais ditos reguladores é de regular não no sentido de intermediar, mas no sentido de
direcionar, de controlar, de estabelecer regras de conduta dos tutelados. A referência de
dito documento à regulação pública da economia como intervencionismo é
representativa do enfoque da regulação a partir de seu caráter controlador em detrimento
do aspecto libertário de espaço de discussão apresentado no capítulo 2 desta tese.517 Não
se vê no referido Estado-Regulador um diferencial senão na compreensão de que não se
presta à produção, mas ao controle de atividades. Seus atos, entretanto, permanecem
como atos do Estado, ao invés de atos sociais no Estado. São atos que transparecem não
o resultado de um diálogo, mas decisão de autoridade.
4.6.2 Estrutura da ANATEL
O vício de origem das estruturas introduzidas na Administração Pública
brasileira em meados de 1990, pautadas que foram na idéia de substituição de um
Estado-Prestador por um Estado-Regulador não menos prestador, mas identicamente
tutelar, não impedem a análise do organismo da Agência Nacional de Telecomunicações
em busca de espaços de libertação política.
A definição estrutural da Agência Nacional de Telecomunicações decorre de
sua lei regente, a Lei Geral de Telecomunicações (Lei 9.472/97), que estipula no seu
Livro II, Título I, referente à criação do órgão regulador do setor de telecomunicações, a
instituição da ANATEL como entidade da Administração Pública Federal indireta
submetida a regime autárquico especial e supervisionada pelo Ministério das
Comunicações, mas com independência518 ou autonomia reforçada519 para
516
A definição a seguir é esclarecedora da condição periférica atribuída a agência enquanto espaço
mediador em nome da homenagem às atividades de controle desempenhadas pela agência como reflexo
das funções estatais: “O poder regulador é o agrupamento de regras, orientações, medidas de controle e
valoração que permitem o exercício do controle social de atividades de serviços públicos, coordenados
por um ente regulador que deve poder trabalhar todas as medidas e indicações essenciais ao ordenamento
do mercado e à gestão eficiente do serviço concedido, mantendo, entretanto, um grau significativo de
flexibilidade que possibilite o ajustamento às diversas particularidades que se configuram” – grifos nossos
(GASPARINI, Melissa Ferreira. A livre concorrência na prestação de serviços de telecomunicações.
São Paulo: UNESP, 2002, p. 92).
517
O Estado Regulador não é visto como espaço conciliador, mas como árbitro das atividades privadas.
Conferir, para tanto: ANDRADE, Rogério Emilio de (coord.). Regulação Pública da Economia no
Brasil. Campinas: Edicamp, 2003.
518
Lei 9.472/97: “Art. 8º (...) §2º A natureza de autarquia especial conferida à Agência é caracterizada por
independência administrativa, ausência de subordinação hierárquica, mandato fixo e estabilidade de seus
dirigentes e autonomia financeira.”
519
O termo “autonomia reforçada” parece mais apropriado para a descrição do espaço de opções
decisórias dos órgãos reguladoras brasileiros. Conferir, para tanto: ARAGÃO, Alexandre. Agências
136
implementação das políticas públicas definidas pelo Poder Executivo para o setor. A
referência a dita independência para tomada de decisões dirige-se, exclusivamente, às
limitações estruturais hierárquicas da Administração Pública Federal, não existindo
menção legal às pressões sociais sobre as decisões da agência. Não houve, portanto,
preocupação, na reestruturação do setor de telecomunicações brasileiro da década de
1990, quanto à abertura de espaço público, algo evidente na exposição de motivos
encaminhada ao Congresso Nacional pelo Executivo quando do Projeto de Lei para
aprovação da Lei Geral de Telecomunicações. Nele, os únicos motivos que ditariam a
reestruturação do setor seriam: “a) a globalização econômica; b) a evolução tecnológica;
c) a rapidez das mudanças no mercado e nas necessidades dos consumidores.”520. O que
mais se aproximou da valorização da persona política refere-se à proteção dos direitos
do sujeito não enquanto cidadão, mas enquanto sujeito de direitos do consumidor e,
portanto, como sujeito identificado a partir de suas necessidades e não de sua virtude
política, enfim, de sujeito que sorve bem-estar garantido pelo Estado a partir da
qualidade de bens e serviços ofertados. Esta constatação também é transparecida quando
da eleição dos objetivos da reforma do setor sintetizados na introdução da competição e
na universalização do acesso.521 Propõe-se universalizar o bem telecomunicacional e
não a discussão sobre telecomunicações.522
A despeito destas constatações de invisibilidade do espaço público na
fundamentação governamental de criação da ANATEL, sua estrutura foi cogitada como
apta a servir de espaço mediador da discussão política. Embora não direcionada ao fim
primeiro, nem mesmo expresso, de espaço de exercício da virtude política, a agência
teve sua alegada característica de transparência decisória entendida como “condição
indispensável ao adequado controle de sua atuação pela sociedade”523. Ao mesmo
tempo, e com maior ênfase, dita pretensão de transparência decisória vinha expressa no
acordo comercial de Marraqueche, da Rodada Uruguai de Negociações Comerciais
Multilaterais do GATT, de abril de 1994, como condição para atratividade de
investimentos.524 Mesmo partindo-se da primeira das justificativas à dita transparência
pautada numa suposta pactuação social, ao invés de se partir do enunciado de
Marraqueche, o aspecto de controle de competências atribuída à agência se preordena a
reguladoras e a evolução do Direito Administrativo Econômico. 2ªed., Rio de Janeiro: Editora
Forense, 2003, p. 331 e seguintes.
520
BRASIL. MINISTÉRIO DAS COMUNICAÇÕES. Exposição de motivos da Lei Geral de
Telecomunicações. E. M. nº 231/MC, Brasília, 10 de dezembro de 1996, seção I, item 4.
521
Constam como detalhamento dos dois objetivos principais da reforma do setor de telecomunicações de
meados da década de 1990 no Brasil: fortalecer o papel regulador do Estado e eliminar seu papel de
empresário; aumentar e melhorar a oferta de serviços; em um ambiente competitivo, criar oportunidades
atraentes de investimento e de desenvolvimento tecnológico e industrial; criar condições para que o
desenvolvimento do setor seja harmônico com as metas de desenvolvimento social do País, que seriam
cumpridas pelo aumento de cobertura do serviço no território nacional; maximizar o valor de venda das
empresas estatais de telecomunicações sem prejudicar os objetivos anteriores. Conferir, para tanto: Ibid.,
seção II, item 2.
522
“A idéia de universalização do acesso contempla duas situações genéricas: serviços de
telecomunicações individuais, com níveis de qualidade aceitáveis, devem ser fornecidos, a tarifas
comercialmente razoáveis, dentro de um prazo razoável, a qualquer pessoa ou organização que os
requisitar; outras formas de acesso a serviços de telecomunicações devem ser fornecidas, em localizações
geográficas convenientes, a tarifas acessíveis, àquelas pessoas que não tiverem condições econômicas de
pagar tarifas comercialmente razoáveis por serviços individuais.” (Ibid., seção II, item 3).
523
Ibid., seção III.
524
A Rodada Uruguai de Negociações Comerciais Multilaterais do GATT foi internalizada no
ordenamento jurídico brasileiro pelo Decreto nº 1.355, de 30 de dezembro de 1994.
137
uma eventual função de mediação da discussão política. A postura esperada do cidadão
é a de vigilância sobre os resultados esperados da agência.525 Não se reconhece ao
cidadão o poder de pautar o tema da discussão política, mas o de controlar se os temas
previamente pautados foram conduzidos e definidos segundo as atribuições normativas
do Estado e os nortes de universalização do acesso e competição do setor.
Neste aspecto, a exposição de motivos da lei regente das telecomunicações
no Brasil segue o foco do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado de
“localização das ações nas necessidades do cidadão”526. O foco é de aperfeiçoamento da
relação entre administração estatal e cidadão para fins de verificação da qualidade dos
serviços e não para o fim de reposicionamento da Administração Pública frente ao
indivíduo para exercício de sua virtude política. Bastaria, por este enfoque, que o
cidadão, que praticamente se confunde com o usuário dos serviços regulados, informe
os problemas dos serviços e restaria completa sua função na relação. Não é chamado a
dialogar sobre o significado político do serviço no contexto social nem mesmo sobre o
momento político que se abre. A atuação estatal continua focada na prestação de
utilidades e parte do pressuposto de que a satisfação do sujeito-usuário resume-se ao seu
bem-estar.527 A característica de libertação política como participação e voz nos rumos
sociais aparece obscurecida pela força da ordem de adequação528 dos serviços de
telecomunicações às demandas do usuário-consumidor.
Há, entretanto, a presença de referência pontual na justificativa oficial de
reforma do setor de telecomunicações no Brasil, que revela direcionamento de atuação
estatal garantidora do meio telecomunicacional para um fim maior de
intercomunicabilidade social. O meio telecomunicacional serve, segundo a exposição de
motivos encaminhada juntamente com o projeto de lei originador da Lei Geral de
Telecomunicações brasileira de 1997, ao fim de “integração da sociedade”529. Decerto,
o documento não se refere à sociedade mundial mas à sociedade nacional. Não se
apresenta como objetivo da regulação do setor, por exemplo, direcioná-lo para “o
525
“Sem embargo do controle mediante processo, indissociável da atuação do Estado no exercício de suas
funções normativas e ordenadoras, deve ser encarecida a importância do controle por resultados” (Id.,
ibid.).
526
BRASIL. PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado.
Novembro de 1995, item 8.1.2. O foco do plano diretor é o aperfeiçoamento das “relações entre os órgãos
da Administração Pública e os cidadãos (...) atendendo à diretriz do Projeto de Reforma do Estado, de
localização das ações nas necessidades do cidadão”.
527
Os argumentos do Plano Diretor são claros no reforço da apresentação do Estado como eliminador dos
obstáculos para alcance de bem-estar. Os argumentos principais se cingem a afirmações do tipo: “as filas
são a praga do atendimento público ao cidadão” (Ibid., item 8.2.1.)
528
As referências do ordenamento jurídico brasileiro refletem a preocupação principal com a qualidade
dos serviços regulados. “Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime
de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. Parágrafo
único. A lei disporá sobre: (...) IV – a obrigação de manter serviço adequado” (Constituição Brasileira de
1988). “Art. 6º. Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno
atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo
contrato. §1º. Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência,
segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade de tarifas. §2º. A atualidade
compreende a modernidade das técnicas, do equipamento e das instalações e a sua conservação, bem
como a melhoria e expansão do serviço.” (Lei Geral de Concessões – Lei 8.987/95).
529
BRASIL. MINISTÉRIO DAS COMUNICAÇÕES. Exposição de motivos da Lei Geral de
Telecomunicações. E. M. nº 231/MC, Brasília, 10 de dezembro de 1996, seção I, item 3.
138
essencial de sua missão”530: a compreensão e a fraternidade entre os homens em sua
dimensão universal. Não demonstra, portanto, inclinação direta à globalização
informativa como meio de interconexão global além fronteiras, entretanto busca a
orientação do setor de telecomunicações à interconexão da sociedade nacional. Sob este
enfoque, o setor vê-se dirigido a um fim, que pode ser encarado como voltado à
constituição de um espaço público de discussão gerado pelos serviços de
telecomunicações, mas não um espaço público existente na discussão sobre o setor.
Retomando o tema central deste item pertinente à estrutura do órgão
regulador de telecomunicações no Brasil, este detém, como instância máxima, um
Conselho Diretor formado por cinco integrantes indicados pelo Presidente da República
e sabatinados pelo Senado Federal531 com projeção de mandatos iguais de cinco anos
não coincidentes para todos os conselheiros532. Abaixo do Conselho Diretor, vêm
expressamente enunciados:533 Conselho Consultivo; Procuradoria; Corregedoria;
Biblioteca; e Ouvidoria. Destes, interessam especificamente o Conselho Consultivo e a
Ouvidoria.
Ao Conselho Consultivo é reservada a condição de “órgão de participação
institucionalizada da sociedade na Agência”534, pelo que é integrado por doze
representantes indicados para mandatos não remunerados de um, dois ou três anos, de
forma paritária, pelo Senado Federal (2 conselheiros), pela Câmara dos Deputados (2
conselheiros), pelo Poder Executivo (2 conselheiros), por entidades de classe das
prestadoras de serviços de telecomunicações (2 conselheiros), por entidades
representativas dos usuários (2 conselheiros), por entidades representativas da sociedade
(2 conselheiros) para nomeação por Decreto do Presidente da República.535 Seu
presidente é eleito em escrutínio secreto por seus pares e para mandato de um ano.536
O Conselho Consultivo da ANATEL tem competência genérica para
requerer informações e fazer proposições sobre todas as questões de competência do
Conselho Diretor da agência, estipulando-se prazo máximo de 60 dias para
cumprimento dos seus requerimentos pelo Presidente do Conselho Diretor.537 Detém,
530
LEPRINCE-RINGUET, Louis. Aspects humains et sociaux des telecommunications. p. 1.1.2.4. In:
ITU. World Telecommunication Forum: technical symposium. Genebra: ITU, 6 a 8 de outubro de
1975, p. 1.1.2.1-1.1.2.4. Tradução livre do original: a técnica das telecomunicações “peut, étant bien
utilisée, fournir un apport décisir à la compréhension, à la fraternité, entre les hommes. C’est là
l’essentiel de sa mission”.
531
Compete privativamente ao Senado Federal aprovar previamente, por voto secreto, e após argüição
pública, a escolha de “titulares de (...) cargos que a lei determinar” (art.52, III, f, da Constituição brasileira
de 1988). A Lei Geral de Telecomunicações brasileira (Lei 9.472/97) determina a apreciação pelo Senado
Federal da indicação do Presidente da República para ocupação de cargo de Conselheiro da ANATEL
(art.23, caput, da Lei 9.472/97).
532
Lei 9.472/97: “Art. 24. O mandato dos membros do Conselho Diretor será de cinco anos, vedada a
recondução”; “Art. 25. Os mandatos dos primeiros membros do Conselho Diretor serão de três, quatro,
cinco, seis e sete anos, a serem estabelecidos no decreto de nomeação”.
533
Lei 9.472/97: “Art. 8º. (…) §1º A Agência [Nacional de Telecomunicações] terá como órgão máximo o
Conselho Diretor, devendo contar, também, com um Conselho Consultivo, uma Procuradoria, uma
Corregedoria, uma Biblioteca e uma Ouvidoria, além das unidades especializadas incumbidas de
diferentes funções.”
534
Art. 33, caput da Lei 9.472/97.
535
Art. 34, caput da Lei 9.472/97 e arts. 36 e 37, I a VI do Regulamento da ANATEL aprovado pelo
Decreto 2.338, de 7 de outubro de 1997.
536
Art. 39, caput do Regulamento da ANATEL aprovado pelo Decreto 2.338, de 7 de outubro de 1997.
537
Art. 44, caput do Regulamento da ANATEL aprovado pelo Decreto 2.338, de 7 de outubro de 1997.
139
ainda, competência específica expressa para538: a) opinar sobre o plano geral de
outorgas, o plano geral de metas de universalização e demais políticas governamentais
de telecomunicações, antes do encaminhamento das propostas pelo Conselho Diretor da
ANATEL ao Ministério das Comunicações; b) aconselhar quanto à instituição ou
eliminação da prestação de serviço em regime público; c) apreciar os relatórios anuais
do Conselho Diretor. Caso, entretanto, o Conselho Consultivo não aprecie os dois
primeiros itens em até quinze dias da data marcada para sua deliberação, consideram-se
aprovados.539
O modelo formal apresentado sobre o Conselho Consultivo da ANATEL
transparece alguns problemas práticos, que começam pela deformação da representação
paritária. Os ocupantes das duas cadeiras reservadas a entidades representativas da
sociedade são, em geral, representantes das empresas de telecomunicações540, que já
ocupam duas cadeiras reservadas às entidades de classe das prestadoras de serviços de
telecomunicações. Algo distinto ocorre com as cadeiras reservadas à representação
específica dos usuários ocupadas, na prática, preferencialmente por pessoas ligadas a
ONGs e entidades oriundas de associações locais de usuários.541 Quanto à representação
de classe das prestadoras, há costumeira divisão das duas cadeiras entre operadoras
móveis e fixas de telefonia.542
O Conselho Consultivo passou a funcionar a partir de sua primeira reunião
ocorrida em 17 de fevereiro de 1998 mediante assinatura dos termos de posse de seus
membros e encaminhamento, pelo Presidente do Conselho Diretor da ANATEL, da
minuta do Plano Geral de Outorgas para apreciação do Conselho Consultivo. A análise
da minuta do Plano Geral de Outorgas foi, de fato, implementada, gerando propostas de
alteração de seus dispositivos e da minuta do Plano Geral de Metas de Universalização.
As alterações propostas evidenciaram, todavia, o frágil posicionamento do usuário e da
sociedade nas discussões sobre ditos planos, restringindo-se a propostas de amenização
e esclarecimento das obrigações das concessionários de serviços de
telecomunicações.543 O prazo exíguo para discussão das propostas também foi e é um
538
Art. 35, I, II, III e IV da Lei 9.472/97.
Art. 42, parágrafo único do Regulamento da ANATEL aprovado pelo Decreto 2.338, de 7 de outubro
de 1997.
540
Tomando por base janeiro de 2004, uma das cadeiras de conselheiro destinadas a entidades
representativas da sociedade vinha ocupada pelo Presidente do Conselho da Administração da Ericsson
Telecomunicações S/A e seu Diretor Presidente até 1996, Carlos de Paiva Lopes, enquanto a outra cadeira
destinada a entidades representativas da sociedade vinha ocupada pelo Presidente da Telemar Tele Norte
Leste Participações S/A, José Fernades Pauletti, exercendo as funções de Vice-Presidência do Conselho
Consultivo da ANATEL. (Fonte: ANATEL).
541
Também tendo como base janeiro de 2004, um dos conselheiros representantes dos usuários, Edilson
Soares da Silva, era o Coordenador-Geral do Conselho de Defesa da Cidadania Uberlandense e
Coordenador Assistente da ONGDECID/Brasil. O outro conselheiro, Cleófas Ismael de Medeiros Uchôa,
era Presidente da Associação Brasileira de Telecomunicações, membro do Conselho de Administração da
Tess S/A e membro do Conselho Curador do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em
Telecomunicações do CPqD. (Fonte: ANATEL).
542
Em janeiro de 2004, as cadeiras reservadas a representação de classe das prestadoras vinham divididas
entre o Diretor de Assuntos Institucionais do Grupo Telefônica de São Paulo, José Expedicto Prata, e o
Presidente da Associação Nacional dos Prestadores de Serviço Móvel Celular (ACEL), Luiz Alberto
Garcia. (Fonte: ANATEL).
543
Conferir, a respeito: BRASIL. ANATEL. Ata da Reunião n.º 002, do Conselho Consultivo. Brasília:
Conselho Consultivo da ANATEL. 02 de março de 1998 [on line] Disponível na Internet via WWW.
URL: http://www.anatel.gov.br/index.asp?link=/biblioteca/atas/ConselhoConsultivo/atacc_02.htm?Cod=1359 (Consultado em
28/05/2004) e Ata da Reunião n.003 do Conselho Consultivo da ANATEL, de 29 de abril de 1998 URL:
539
140
dificultador da ampliação do debate público no âmbito do Conselho Consultivo, cuja
transparência de atuação não tem ofuscado os demais procedimentos da agência em
tramitação nos seus órgãos decisórios. Aliás, a própria estrutura de superintendências da
ANATEL revela o predomínio de questões técnicas em prejuízo de orientações gerais
de participação social. Até julho de 2001, o segundo escalão da ANATEL resumia-se às
superintendências de serviços públicos, de serviços privados, de serviços de
comunicação de massa, de radiofreqüência e fiscalização e de administração geral
representantes dos nichos de serviços de telecomunicações. Com o novo Regimento
Interno da agência aprovado pela Resolução 270, de 19 de julho de 2001, foi criada a
Superintendência de Universalização, persistindo, entretanto, como um órgão vinculado
à presidência executiva da Agência, a Assessoria de Relações com os Usuários. Se sob o
ponto de vista estrutural nem mesmo o usuário tem a ele dedicado um espaço
proeminente, sob o ponto de vista de posicionamento dos interessados em geral, a Lei
Geral de Telecomunicações, ao estipular deveres do poder público (art.2º) e direitos e
deveres do usuário (art.3º), passa ao largo de qualquer menção à participação social em
flagrante visualização da Agência como espaço de garantia de bem-estar, de bons
serviços demandados pela população; não como espaço de discussão para consolidação
de consciência política e de conseqüente ponderação das opções políticas do setor.
Por sua vez, a Ouvidoria da ANATEL vem apresentada pela Lei Geral de
Telecomunicações (LGT) juntamente com a Corregedoria, no âmbito de regras de
controle.544 Nos termos do art. 45 da LGT, cabe ao Ouvidor, que é nomeado pelo
Presidente da República para o mandato de dois anos, admitida uma recondução, emitir,
semestralmente, apreciações críticas sobre a atuação da Agência, para encaminhamento
ao seu Conselho Diretor, ao Ministério das Comunicações, a outros órgãos do Poder
Executivo e ao Congresso Nacional, bem como para publicação no Diário Oficial da
União e para arquivamento na Biblioteca da ANATEL, de acesso geral. Para
viabilização desta função, garante-se ao Ouvidor, o “acesso a todos os assuntos”545 e o
“direito de assistir às sessões e reuniões do Conselho Diretor, inclusive as secretas, bem
como de acesso a todos os autos e documentos”546 de processos tramitados ou em
tramitação na ANATEL. Esta conformação mais aberta da Ouvidoria lhe permite
apresentar-se como espaço acessível a temas levantados pelos usuários dos serviços
como também por “representantes da sociedade acerca dos serviços”547. Para ela
parecem confluir os contingentes sequiosos por um espaço de projeção da voz de cada
pretendente a partícipe político, tanto que há reiteradas referências nos relatórios
(Consultado
em
28/05/2004). Na ata n.002, por exemplo, se propõe o alargamento dos direitos das prestadoras do Serviço
Telefônico Fixo Comutado concedido para permitir a implantação, expansão e operação dos troncos,
redes e centrais de comutação não somente necessários mas indiretamente úteis à prestação do serviço.
Tal proposta não foi assimilada na redação final do art. 2º do Plano Geral de Outorgas.
544
O art. 45, contido no Título IV, da administração e controle, da Lei Geral de Telecomunicações
brasileira (Lei 9.472/97), é o único dispositivo da lei que fala especificamente das atribuições da
Ouvidoria.
545
Art. 45, parágrafo único da Lei Geral de Telecomunicações brasileira (Lei 9.472/97).
546
Art. 51, caput do Regulamento da Agência Nacional de Telecomunicações, aprovado pelo Decreto
n.2.338, de 7 de outubro de 1997.
547
BRASIL. ANATEL. OUVIDORIA. Relatório semestral. Brasília: ANATEL, agosto a dezembro de
2003. p. 8. [on line] Disponível na Internet via WWW. URL: http://www.anatel.gov.br/Tools/frame.asp?link=/
conheca_anatel/ouvidoria/relatorio_ouvidoria_ago03dez03.pdf (Consultado em 03/06/2004).
http://www.anatel.gov.br/index.asp?link=/biblioteca/atas/ConselhoConsultivo/atacc_03.htm?Cod=1359
141
semestrais do Ouvidor sobre o que designa de “vazio constitutivo reinante na Agência
em relação à institucionalização de um espaço público aberto à participação social”548.
Disso decorre que, dos órgãos citados, é a Ouvidoria que se revela como
instância que ecoa o clamor de participação social, mas não se apresenta ela mesma
como o espaço pretendido. Ela é um dos veículos de sensibilização política do
Congresso Nacional sobre questões gerais de funcionamento da ANATEL perante, por
exemplo, a Comissão de Serviços de Infra-Estrutura do Senado Federal549 ou a
Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos
Deputados e sua Subcomissão Permanente de Telecomunicações e Informática.
A estrutura do Congresso Nacional brasileiro pertinente às
telecomunicações é diretamente controlada por duas comissões principais do Senado e
da Câmara, quais sejam, respectivamente, a Comissão de Serviços de Infra-Estrutura,
que não é dividida em subcomissões550, e a Comissão de Ciência e Tecnologia,
Comunicação e Informática, subdividida em Subcomissão Permanente de
Telecomunicações e Informática e Subcomissão Permanente de Comunicação de
Massa551. Não se esgota nelas, entretanto, a possibilidade de discussão de temática
relativa às telecomunicações. No Senado, a Comissão de Assuntos Sociais552 pode
requerer informações do setor sobre questões de meio ambiente; a Comissão de
Assuntos Econômicos553 pode requerer informações do setor sobre tributação; a
Comissão de Educação554 trata diretamente de conteúdo de cinema, comunicação e
informática; a Comissão de Fiscalização e Controle555 fiscaliza os programas do
Governo no plano setorial; e a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional556
pode averiguar as relações do Brasil com a UIT. Por parte da Câmara dos Deputados,
além da evidente competência da Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e
Informática, a Comissão de Defesa do Consumidor detém competência para tratar de
quaisquer assuntos que afetem a economia popular ou que signifiquem abuso do poder
econômico, bem como pode tratar do tema do bem-estar do consumidor em geral,
inclusive dos usuários de serviços de telecomunicações; a Comissão de Educação e
Cultura557 prevê sua atuação em assuntos que pertinam a direito de manifestação do
pensamento e de comunicação; a Comissão de Relações Exteriores e de Defesa
Nacional558 detém a mesma configuração de seu similar no Senado Federal; a Comissão
548
Id., ibid. “A Agência engasga-se para se converter em espaço eminentemente público, revelando
insuficiente dedicação para exercitar os mecanismos de controle social. Falta-lhe o senso da alteridade em
reconhecer no usuário dos serviços de telecomunicações o “outro”, o que pressupõe o estabelecimento da
confluência de um “conhecer” e de um “conviver”. Contribui, assim, para perseverar a sensação de que o
ambiente regulatório, sob o prisma da cidadania e das entidades civis, é uma equação sem
homogeneidade, que solicita a presença mais forte da sociedade.” (p. 9).
549
Requerimento SF RQS 00668/2000, de 15/12/2000, da Comissão de Serviços de Infra-Estrutura do
Senado Federal, dirigido ao Ministro das Comunicações, para esclarecimento de questões levantadas em
relatório da Ouvidoria da ANATEL.
550
BRASIL. SENADO FEDERAL. Regimento Interno, art. 104, I.
551
BRASIL. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Regimento Interno, art. 32, II, c, d, g, h, i e j.
552
BRASIL. SENADO FEDERAL. Regimento Interno, art. 100, III.
553
BRASIL. SENADO FEDERAL. Regimento Interno, art. 99, IV.
554
BRASIL. SENADO FEDERAL. Regimento Interno, art. 102, III.
555
BRASIL. SENADO FEDERAL. Regimento Interno, art. 102-A, I.
556
BRASIL. SENADO FEDERAL. Regimento Interno, art. 103, VI.
557
BRASIL. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Regimento Interno, art. 32, VII, c.
558
BRASIL. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Regimento Interno, art. 32, XI, a e c.
142
de Trabalho, de Administração e de Serviço Público559 controla a prestação de serviços
públicos em geral e seu regime jurídico, e, por pouco, as telecomunicações não entram
também na competência da Comissão de Viação e Transportes. As comissões do
Congresso Nacional, no entanto, não se apresentam como comissões atuantes no dia-adia da agência reguladora e não são foro privilegiado para a aprovação de indicações de
conselheiros pelo Presidente da República.
4.6.3 Posicionamento institucional da ANATEL: contatos e
atritos
No Brasil, a partir da criação da Agência Nacional de Telecomunicações, as
competências executivas de formulação de políticas públicas – políticas setoriais ou
governamentais – e de organização e exploração dos serviços de telecomunicações
foram cindidas, cabendo, as primeiras, aos órgãos diretos do Executivo e do Legislativo
– Presidência da República, Ministério das Comunicações e Congresso Nacional – e, as
últimas, à agência reguladora. A legislação brasileira deixa transparecer, inclusive,
distinção entre atividade de política setorial e atividade propriamente reguladora.560
A prática da relação institucional entre o formulador de políticas públicas e
seu aplicador tem sido tensa. A partir daqui, passa-se a analisar o período de finais de
2003 a meados de 2004, quando afloraram as diferenças de dois governos561 sobre a
distribuição de competências entre agências e ministérios do Poder Executivo. Este
momento será encarado como representativo das tensões institucionais entre ANATEL e
Ministério das Comunicações, pois nele se consolidou a discussão parlamentar de
projeto de lei presidencial que propôs a alteração do regime de todas as agências
reguladoras do país no que diz respeito à distribuição de competências entre agência e
ministério supervisor.
Acusações de que o governo estaria transparecendo esforços de aumento do
controle político sobre as agências em geral562 em contradição a relatório
559
BRASIL. CÂMARA DOS DEPUTADOS. Regimento Interno, art. 32, XIII, s.
Os dispositivos da Lei Geral de Telecomunicações (Lei 9.472/97) que esclarecem tais distinções são:
art.1º, caput (“Compete à União, por intermédio do órgão regulador e nos termos das políticas
estabelecidas pelos Poderes Executivo e Legislativo, organizar a exploração dos serviços de
telecomunicações”); Livro II (“Do Órgão Regulador e das Políticas Setoriais); art. 19, I e XXVIII (“À
Agência compete (...) I – implementar (...) a política nacional de telecomunicações; XXVIII – elaborar
relatório anual de suas atividades, nele destacando o cumprimento da política do setor); art. 22, III
(“Compete ao Conselho Diretor: III – propor o estabelecimento e alteração das políticas governamentais
de telecomunicações”); art. 26, §1º (“Sem prejuízo do que prevêem a lei penal e a lei da improbidade
administrativa, será causa da perda do mandato a inobservância, pelo conselheiro [do Conselho Diretor da
ANATEL], dos deveres e proibições inerentes ao cargo, inclusive no que se refere ao cumprimento das
políticas estabelecidas para o setor pelos Poderes Executivo e Legislativo”); art. 35, I (“Cabe ao Conselho
Consultivo: I – opinar, antes de seu encaminhamento ao Ministério das Comunicações, sobre o plano
geral de outorgas, o plano geral de metas para universalização dos serviços prestados no regime público e
demais políticas governamentais de telecomunicações”).
561
Trata-se dos Governos dos presidentes Fernando Henrique Cardoso, que ocupou a Presidência da
República por dois mandatos seguidos (1º/01/1995 a 1º/01/1999 e 1º/01/1999 a 1º/01/2003) e que, no seu
segundo mandato, instituiu a ANATEL, e Luís Inácio Lula da Silva, seu sucessor (1º/01/2003 a
1º/01/2007), que se apresentou, no período de campanha eleitoral, como oposição ao governo anterior.
562
EDITORIAL. O governo invade as agências. In: O ESTADO DE SÃO PAULO. Quinta-feira, 4 de
dezembro de 2003, p. 1-2. “O governo deu mais um passo para o controle político das agências
560
143
interministerial sobre as agências reguladoras do país563 vinham contrastadas por
propaganda governamental voltada a demonstrar intenção oposta de fortalecimento da
autonomia das agências reguladoras.564 As tensões entre governo e agência, e mesmo as
tensões internas do governo,565 vieram à tona com a destituição do então presidente da
ANATEL do cargo de diretor-presidente em janeiro de 2004566, e conseqüente pedido
de demissão de seu cargo de conselheiro, fato que foi qualificado como “golpe branco
no sistema de agências reguladoras”567. Havia, então, dúvidas sobre a competência da
reguladoras, com a indicação do engenheiro Pedro Jaime Ziller para ocupar uma vaga no conselho diretor
da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). O indicado (...) já é considerado em meios políticos
e administrativos de Brasília um forte candidato à sucessão de Luiz Guilherme Schymura na presidência
da Anatel. Essa e outras escolhas parecem confirmar o que o governo nega, isto é, que o Executivo
pretende subordinar as agências, autarquias e empresas de governo ao comando político dos ministérios e
do Palácio do Planalto, mesmo com prejuízo do caráter técnico das decisões e da segurança das regras
aplicadas a diversos mercados”.
563
CALDAS, Suely. Agências – o passo atrás do PT. In: O ESTADO DE SÃO PAULO. Seção de
Economia. Domingo, 11 de janeiro de 2004; DANTAS, Fernando. Mudança na Anatel contradiz
relatório. In: O ESTADO DE SÃO PAULO. Seção de Economia. Sexta-feira, 9 de janeiro de 2004.
564
RACY, Sônia. Agências: regra impede demissão. In: O ESTADO DE SÃO PAULO. Seção de
Economia. Terça-feira, 27 de janeiro de 2004. Trata-se de matéria jornalística que afirma estar tramitando
proposta da Casa Civil do Governo brasileiro para proibição de exoneração do Presidente das agências
reguladoras por ato do Presidente da República com o fim de “mostrar claramente que pretende que as
agências reguladoras sejam realmente autônomas. As últimas ingerências dos ministros do governo Lula
nas agências deixaram a forte impressão nos mercados financeiros e nos potenciais investidores em
setores regidos por essas agências, de que não há liberdade de decisão autônoma. Uma legislação forte e
coerente traria de volta a confiança atraindo novamente investimentos nos setores de energia,
telecomunicações, gás e petróleo” (p. 2). A dubiedade da proposta foi traduzida na seguinte matéria:
FROUFE, Célia; PALHANO, André. Agências mantêm poder, diz a Casa Civil, mas o poder concedente
volta aos ministérios, segundo o subchefe Luiz Alberto dos Santos. In: O ESTADO DE SÃO PAULO.
Seção de Economia. Sábado, 17 de janeiro de 2004.
565
CUNHA JÚNIOR, Melchíades. Dubiedade do governo afasta investimentos, diz Mendonça. In: O
ESTADO DE SÃO PAULO. Seção de Economia. Quarta-feira, 4 de fevereiro de 2004.
566
“A troca de comando na Anatel, após 12 meses de trombadas entre Schymura e o ministro das
Comunicações, Miro Teixeira (PDT), representa uma vitória do grupo do pedetista. ‘Foi uma substituição
amistosa’, amenizou Miro. A crise, agravada nas últimas 48 horas, não se resumia a uma questão técnica:
escancarava a divergência entre a equipe econômica, que defende menor intervenção sobre as agências
reguladoras, e os articuladores políticos de Lula, favoráveis a um controle maior na área. (...) A decisão
de trocar Schymura [Luiz Ghilherme Schymura, então presidente da ANATEL] foi tomada
reservadamente na segunda-feira, mas o governo ainda avaliava as conseqüências do ato e contornava
resistências por parte da equipe econômica. (...) O ministro [das Comunicações] tinha sérios atritos com
ele desde que a Anatel aumentou as tarifas telefônicas, no início do ano passado, ignorando seus apelos
em sentido contrário. (...) Até agora, Schymura vencera a queda-de-braço dentro do governo com o apoio
dos secretários do Tesouro, Joaquim Levy, e de Política Econômica, Marcos Lisboa. (...) O núcleo
político do governo, porém, sempre defendeu maior controle sobre as agências reguladoras.” (RAMOS,
José; ROSA, Vera. Planalto destitui presidente da Anatel. In: O ESTADO DE SÃO PAULO. Editorial.
Quarta-feira, 7 de janeiro de 2004).
567
RAMOS, José. O alvo do golpe na Anatel. In: O ESTADO DE SÃO PAULO. Editorial. Quinta-feira,
8 de janeiro de 2004. “O fato de o presidente Lula ter dado ao ministro das Comunicações, Miro Teixeira,
o escalpo do presidente da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), Luiz Guilherme Schymura,
como prêmio de consolação por seu anunciado afastamento do Ministério, é o aspecto mais saliente – e
menos relevante – de um episódio de suma gravidade. O pedido de demissão arrancado a fórceps do
presidente da Anatel (...) representa, antes de mais nada, um momento decisivo no projeto petista de
acabar com a autonomia das agências reguladoras, principalmente as das áreas de energia elétrica
(Aneel), petróleo (ANP) e telecomunicações. A retomada do controle governamental sobre esses setores
(...) começou a ser arquitetada antes ainda da posse de Lula. Entre a eleição e a investidura, o então líder
do seu partido na Câmara, Walter Pinheiro, foi o primeiro a sinalizar esse desastroso intento, ao dizer que
144
destituição por ato presidencial568 e temor de que a destituição de diretor-presidente de
uma das agências mais fortes do Brasil abrisse caminho à fragilização dos mandatos dos
demais conselheiros ou diretores de agências569, que poderiam sofrer pressões
todos os conselheiros das três agências precisariam se demitir, porque o País estava em vias de ter um
novo presidente (...). A comissão interministerial formada para reformar o modelo concluiu, porém, que a
independência das agências deveria permanecer intocada. Deixando evidente que isso não seria obstáculo
à idéia de colocar-lhes rédeas, o ministro da Casa Civil, José Dirceu (...) produziu dois anteprojetos
destinados, em suma, a enquadrar as agências. Elas passariam a operar no regime de contrato de gestão
com o Executivo. (...) Para a diretoria da ANP, o presidente Lula indicou o deputado Haroldo Lima, do
PC do B. E para a diretoria da Anatel, o secretário de Telecomunicações, o ex-sindicalista Pedro Jaime
Ziller de Araújo, com o confessado objetivo de ‘fiscalizar’ a agência. (...) Some-se a isso o novo modelo
energético (...) e está traçado o quadro de reestatização administrativa em que se empenha
entusiasticamente a Casa Civil. (...) Além disso, Lula deu a Ziller um mandato de 1 ano, como pretende
que venham a ser os dos demais presidentes – outra transparente manobra para desvertebrar as agências.”
(idem, ibidem).
568
A tese defendida e aplicada pelo governo brasileiro foi a de que caberia ao Presidente da República a
livre nomeação e exoneração dos presidentes, diretores-presidentes ou diretor-geral da agências. Somente
o cargo de conselheiro ou diretor da agência seria intocável por ato unilateral e discricinário do Presidente
da República. “O ministro das Comunicações, Miro Teixeira, enfatizou que o presidente da República
tem o direito legal de substituir a qualquer momento o presidente da Agência Nacional de
Telecomunicações (Anatel). Segundo o ministro, o que é garantido pela lei é o mandato de conselheiro,
não o cargo de presidente da agência. Por isso, segundo Miro, ‘a qualquer momento, o presidente (da
Anatel) pode ser substituído’.” (MARQUEZ, Nélia; RAMOS, José. Nomear presidente da Anatel é
direito de Lula, diz governo. In: O ESTADO DE SÃO PAULO. Quarta-feira, 7 de janeiro de 2004). A
Lei 9.986/2000 revogou o art.31 da Lei Geral de Telecomunicações, que previa mandato de 3 anos para o
Presidente do Conselho Diretor da ANATEL, mas este argumento, embora pontual e específico para o
setor de telecomunicações não pareceu obstaculizar sua extensão aos demais setores: “A decisão de
destituir Luiz Guilherme Schymura da presidência da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel)
abriu caminho para que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva faça o mesmo com dirigentes de outros
órgãos reguladores. ‘Não há mais dúvida jurídica: é possível destituir presidentes de agências que têm
mandato de conselheiro’, disse ontem um dos interlocutores de Lula.” (ROSA, Vera; RAMOS, José; M.
G. Diretores de outras agências poderão cair. In: O ESTADO DE SÃO PAULO. Seção de Economia.
Sexta-feira, 9 de janeiro de 2004). O partido do governo anterior (PSDB) ameaçou questionar
judicialmente a destituição do cargo de diretor-presidente da ANATEL, mas voltou atrás em face da
renúncia conseqüente, por parte do então diretor-presidente da ANATEL inclusive do cargo de
conselheiro. Manteve, entretanto, o desejo de esclarecer se em outros casos, seria possível a interrupção
de mandato de conselheiro ou diretor de agência por ato unilateral do Presidente da República: “ ‘Vamos
perguntar à Justiça se em casos futuros, não havendo concordância de um outro doutor Schymura em
deixar o cargo a pedido do presidente da República, também poderá haver a interrupção de seu mandato’,
explicou o líder [do PSDB]. Virgílio disse que se a Justiça opinar pela inexistência da autonomia das
agências, e consequentemente da independência de seus dirigentes, o PSDB vai trabalhar no Congresso
para recuperar ‘o espírito das agências reguladoras’.” (COSTA, Rosa. PSDB recua e não vai mais à
Justiça contra mudança na Anatel. O ESTADO DE SÃO PAULO. Agestado-notícias. Quinta-feira, 8 de
janeiro de 2004).
569
“A presidente da Associação Brasileira das Agências Reguladoras (ABAR), Maria Augusta Feldman,
disse hoje que os dirigentes das instituições estão preocupados com a destituição do presidente da
Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Segundo ela, há o temor inclusive de que o governo
não pare na mudança de presidentes, e possa lutar para mudar conselheiros antes do vencimento de seus
mandatos, que são garantidos por lei. Ela disse que é difícil para um dirigente de agência não ceder a um
apelo de uma autoridade para que renuncie ao seu mandato. ‘Eu conclamo todos os dirigentes a, se houver
pedidos dessa ordem, se mantenham no exercício dos seus mandatos (...)’, pediu a presidente da ABAR.
(...) Maria Augusta afirmou que a troca de Luiz Guilherme Schymura [antes do término de seu mandato]
trouxe instabilidade não só às agências, mas também ao mercado. ‘Isso consolida a idéia original, que eu
pensava esquecida, de atrelar as agências ao Ministério’, criticou.” (RAMOS, José. Saída de Schymura
preocupa associação de agências. In: O ESTADO DE SÃO PAULO. Agestado-notícias. Quarta-feira, 7
de janeiro de 2004).
145
governamentais para sua demissão à semelhança do que já ocorrera com o Banco
Central na década de 1960.570
Paralelamente, mas em processo iniciado já em 2003, a partir do discurso de
posse do presidente Lula, e muito embora se tenha acenado com a manutenção do
modelo das agências pela comissão interministerial instituída em 2003 pelo próprio
governo, foi gestado, na Casa Civil da Presidência da República, o Projeto de Lei n.º
3.337/04, encaminhado ao Congresso Nacional em 13/04/2004, em regime de urgência
constitucional. Nele, foi proposta, para todas as agências reguladoras brasileiras,
regulamentação segundo a qual elas deveriam submeter-se, dentre outras inovações, a
contratos de gestão e de desempenho firmados com o Ministério supervisor.571 O
projeto, entretanto, não foi bem recebido e sua discussão, capitaneada pela Frente
Parlamentar das Agências Reguladoras572 no Congresso Nacional, ultrapassou em
muito previsões iniciais para seu encerramento573. Tudo isto em meio a bloqueio geral
da pauta de votações do Congresso por medidas provisórias editadas pela Presidência da
República.574 Somente uma voz, além da Casa Civil, veio claramente em defesa do
projeto de lei das agências reguladoras: a de Delfim Netto575 e, mesmo assim, sobre
570
“Para o economista Affonso Celso Pastore, ex-presidente do Banco Central (BC), o presidente Luiz
Inácio Lula da Silva agiu como o marechal Arthur da Costa e Silva (...). Pastore lembra que Roberto
Campos e Octavio Gouvêa de Bulhões, ministros econômicos do presidente Humberto de Alencar
Castello Branco, que antecedeu Costa e Silva, criaram um BC teoricamente independente, e colocaram
Dênio Nogueira na presidência. Costa e Silva, porém, não aceitou a independência do BC e forçou a
demissão de Nogueira. ‘Reza a lenda que o Costa e Silva perguntou ao Dênio qual era a função do BC, e
ele respondeu que era a de guardião da moeda; e aí o presidente retrucou que, ‘guardião da moeda sou
eu’’, relembra Pastore.” (DANTAS, Fernando; RAMOS, José. Associação de agências critica pressões.
In: O ESTADO DE SÃO PAULO. Editorial. Quinta-feira, 8 de janeiro de 2004).
571
Projeto de Lei 3.337/04, da Câmara dos Deputados: “Art. 9º A Agência Reguladora deverá firmar
contrato de gestão e de desempenho com o Ministério a que estiver vinculada, nos termos do §8º do art.
37 da Constituição, negociado e celebrado entre a Diretoria Colegiada ou Conselho Diretor e o titular do
respectivo Ministério. (...) §4º São objetivos do contrato de gestão e de desempenho: I – aperfeiçoar o
acompanhamento da gestão, promovendo maior transparência e controle social; II – aperfeiçoar as
relações de cooperação da Agência Reguladora com o Poder Público, em particular no cumprimento das
políticas públicas definidas em lei.”
572
RAMOS, José; MARQUES, Gerusa. Parlamentares criticam contrato das reguladoras. In: O
ESTADO DE SÃO PAULO. Seção de Economia. Quinta-feira, 29 de abril de 2004.
573
A comissão especial para análise do Projeto de Lei n.º 3.337/04, cujo relator foi o deputado Leonardo
Picciani, do PMDB-RJ, somente foi instalada um mês após o projeto ter chegado ao Parlamento. Para um
projeto que o governo pretendia tramitar com urgência constitucional e que sofria riscos de não ser votado
no segundo semestre de 2004 devido à ocorrência das eleições municipais no Brasil, foram apresentadas
137 emendas pertinentes aos temas centrais do projeto. O pedido de urgência constitucional que gravou o
encaminhamento do Projeto de Lei n.º 3.337/04 ao Congresso Nacional teve que ser retirado pelo
Presidente da República menos de um mês após sua propositura. Conferir, além do acompanhamento
processual da Câmara dos Deputados: MADUEÑO, Denise; MARQUES, Gerusa. Projeto sobre
reguladoras deve perder urgência. In: O ESTADO DE SÃO PAULO. Seção de Economia. Sábado, 8 de
maio de 2004; Idem. Oposição quer retirar urgência para projeto das reguladoras. In: O ESTADO DE
SÃO PAULO. Agestado-notícias. Sexta-feira, 7 maio de 2004.
574
OTTA, Lu Aiko. Projetos podem atolar no Congresso. In: O ESTADO DE SÃO PAULO. Seção de
Economia. Domingo, 25 de abril de 2004.
575
Sua afirmação veio no contexto de se estar livre do pior, já que se acreditava que o governo poderia
estar propondo a extinção do modelo de agências. “O deputado federal Defim Netto (PP-SP) disse ontem
que o governo parece ter reconhecido o papel das agências reguladoras no projeto enviado ontem ao
Congresso, ao determinar um mandato fixo para os dirigentes desses órgãos. ‘Parece que o presidente
(Luiz Inácio Lula da Silva) acabou se convencendo de que a agência é um instrumento de Estado, não um
instrumento do Executivo de plantão’, disse Delfim (...) Segundo Delfim, a independência das agências
reguladoras ‘é a única forma de dar tranqüilidade ao investidor’.” (MURPHY, Priscilla. Delfim Netto faz
146
item enxertado à pedido do ministro da Fazenda pertinente à estabilidade de quatro anos
para os presidentes de agências voltado a retirar o caráter evidente do projeto de
diminuição dos poderes das agências mediante seu repasse aos órgãos diretos do Poder
Executivo.576 A reação geral foi de suspeita quanto à honestidade da propaganda
governamental para fortalecimento das agências.577 Estas estariam sendo transformadas
em instrumentos de governo em detrimento de sua idealização como instrumentos de
Estado.578 O ideal de espaço público sequer foi cogitado, bastando para descrição da
polêmica da época o embate entre argumentos de atratividade de investimentos e de
formulação de políticas públicas setoriais. A proposta de introdução de contrato de
gestão e de desempenho entre ministério supervisor e agência foi acusado de ser um
artifício para subordinar as agências aos ministérios579, ao contrário do defendido pelo
elogios à proposta. In: O ESTADO DE SÃO PAULO. Seção de Economia. Terça-feira, 13 de abril de
2004). No mesmo sentido, pronunciamentos de diretores de agências reguladoras à época: “O diretorgeral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), José Mário Abdo, disse que a proposta do
governo para os órgãos reguladores traz avanços em relação ao que o governo pensava inicialmente sobre
a matéria.” (MARQUES, Gerusa; RAMOS, José. Diretores de agências vêem avanços no projeto. In: O
ESTADO DE SÃO PAULO. Seção de Economia. Terça-feira, 13 de abril de 2004).
576
O posicionamento dúbio do governo pode ser evidenciado nos dois interesses representados pela Casa
Civil e pela área econômica do governo federal. Para um, que gestou primeiramente o projeto de lei, este
deveria servir para conter o poder das agências e submetê-las ao poder político dos ministérios
correspondentes. Para a equipe econômica, entretanto, o projeto de lei deveria transparecer a idéia de
fortalecimento do modelo regulador pautado nas agências. “O governo enviou ontem ao Congresso o
projeto de lei que fixa as novas regras de funcionamento das agências reguladoras e garantirá estabilidade
aos presidentes, mas aumentará a interferência do Executivo em suas atividades. Para demonstrar unidade
do governo em relação à matéria, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou a proposta tendo ao lado
não só o ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, mas também o ministro da Fazenda, Antonio Palocci.
A opinião de Palocci foi fundamental para que o governo decidisse dar estabilidade de quatro anos no
cargo para os presidentes das agências reguladoras. Durante mais de um ano de discussão da proposta, o
governo chegou a cogitar a possibilidade de o presidente da República poder indicar e destituir o
presidente das agências quando quisesse. A penúltima versão do projeto, cujos termos foram divulgados
na semana passada, ainda preservava esse poder. Mas a péssima repercussão entre os investidores levou o
governo a alterar o projeto, atendendo à sugestão inicial da equipe econômica. Em reunião com o
presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Palocci defendeu a tese de que seria conveniente definir uma regra
para reduzir as incertezas. (...) Segundo Dirceu, é necessário definir com clareza o papel das agências, que
devem ter suas atividades de regulação aperfeiçoadas, e deixar com os ministérios a formulação das
políticas.” (MARQUES, Gerusa; RAMOS, José. Projeto sobre agências leva toque de Palocci. In: O
ESTADO DE SÃO PAULO. Seção de Economia. Terça-feira, 13 de abril de 2004).
577
CRUZ, Renato; RAMOS, José; M., G.; PEREIRA, Renée. Investidores consideram medidas um
retrocesso. In: O ESTADO DE SÃO PAULO. Seção de Economia. Terça-feira, 6 de abril de 2004.
578
BARAT, Josef. Agências reguladoras: avanços e recuos. In: O ESTADO DE SÃO PAULO. Seção de
Economia. Quarta-feira, 5 de maio de 2004. “A idéia de controle do Executivo, pelos seus ministérios,
priva as agências da necessária condição de independência e credibilidade e as ameaça de erosão da sua
capacitação técnica, na medida em que passam a ser parte das barganhas políticas (...) Estamos vivendo
um momento difícil: a) as regras gerais das concessões vêm sendo abaladas por sobressaltos e mudanças,
como no caso do setor elétrico; b) a autoridade do ente regulador é questionada, como nas
telecomunicações; c) o ente regulador não disse a que veio, como nos transportes; e d) um governo
estadual ameaça unilateralmente romper contratos como no caso do Paraná. Assim, o encaminhamento do
Projeto de Lei n.º 3.337/04 pode gerar mais instabilidade e frustração”.
579
“O projeto de lei que disciplinará o funcionamento dessas agências, divulgado pelo Palácio do Planalto
,da forma como foi feito, demonstra uma tênue mudança da intenção do governo declarada no início de
2003, evoluindo de um bombardeio desencadeado à autonomia das agências para a flexibilidade de uma
postura mais propícia para a atração de investimentos. (...) No entanto, ainda prevalece no projeto a
vontade de interferência do governo nas decisões das agências, por meio de contratos de gestão e de
contingenciamento de verbas para as que não cumprirem metas. Que metas? A missão fundamental de
uma agência é decidir bem sobre as questões que lhe são postas. Os contratos de gestão poderão ser
147
governo de que tais contratos assegurariam os recursos orçamentários segundo metas
contratuais alcançadas pela agência reguladora.580 Por sua vez, a retomada do poder
concedente por parte dos ministérios esvaziaria o papel regulador outorgado às
agências.581 Enfim, os dois temas – contratos de gestão e titularidade do poder
concedente – apresentaram-se como os tópicos centrais da discussão política sobre o
projeto de lei apresentado pelo governo.582 A discussão parlamentar, entretanto,
acrescentou nova hipótese: a de que a fiscalização das agências reguladoras deveria ser
remetida ao Congresso Nacional.583
A autonomia das agências reguladoras, entretanto, nunca foi plena e o fato
de existir movimentação política expressa no sentido de controle sobre agências não
significa que estas fossem antes realmente autônomas. Isto evidencia que o problema
não está na formalização dos mecanismos de autonomia, mas na necessidade de um
ambiente paralelo de controle social e de valores internos à instituição reguladora
voltados a vaciná-la de interferências que sufoquem a discussão pública nas inafastáveis
negociações de poder.
No setor de telecomunicações, as tensões entre ANATEL e Ministério das
Comunicações ficaram patentes com o impasse sobre a definição do índice de reajuste
das tarifas das concessionárias de telefonia fixa no ano de 2003. Para o então Ministro
das Comunicações, deveria ser aplicado o IPCA (Índice de Preços ao Consumidor
Amplo), enquanto a ANATEL, com base nos contratos de concessão firmados,
autorizou o reajuste com base no IGP-DI (Índice Geral de Preços-Disponibilidade
Interna). O embate gerou frutos em posicionamento do Tribunal de Contas de União
usados como artifício para subordinar as agências aos ministérios quando, na verdade, a agência é uma
autarquia especial vinculada a um ministério.” (NASCIMENTO, Juarez Quadros do. Agências
reguladoras. In: O ESTADO DE SÃO PAULO. Seção de Economia. Domingo, 25 de abril de 2004).
580
“Palocci afirmou que ‘não há receita pronta para o marco regulatório e que o projeto [de lei] atual [das
agências reguladoras] consolida os avanços já obtidos nesse setor (...) Em sua opinião os contratos serão
uma garantia para o bom funcionamento das agências, pois assegurará os meios para o cumprimento das
metas fixadas nele.” (ALLEN, James; RAMOS, José. Proposta para agência reguladora é fundamental
para crescimento. In: O ESTADO DE SÃO PAULO. Seção de Economia. Quinta-feira, 17 de junho de
2004). “O ministro da Fazenda, Antonio Palocci, disse hoje não achar que o contrato de gestão, previsto
no projeto de reestruturação das agências reguladoras, comprometa a independência desses órgãos.
Segundo ele, os contratos de gestão funcionam como figura de estabilidade administrativa para as
agências e não têm papel regulatório. ‘Se fosse, a independência estaria comprometida’, disse.”
(FERNANDES, Adriana. Projeto não compromete independência de agência reguladora. In: O
ESTADO DE SÃO PAULO. Seção de Economia. Terça-feira, 8 de junho de 2004).
581
NASCIMENTO, Juarez Quadros do. Agências reguladoras. In: O ESTADO DE SÃO PAULO. Seção
de Economia. Domingo, 25 de abril de 2004. A posição da ministra de Minas de Energia do governo Lula
sempre foi clara neste sentido: “A ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff, defendeu hoje que o
poder concedente seja sempre da União e não das agências reguladoras. A transferência do poder
concedente para as agências foi um ‘equívoco’, disse ela em um debate com os deputados da Comissão
Especial da Câmara que trata do projeto que reestrutura esses órgãos.” (RAMOS, José. Dilma defende
poder concedente pela União. In: O ESTADO DE SÃO PAULO. Seção de Economia. Quarta-feira, 16
de junho de 2004).
582
“Segundo o relator [do projeto de lei das agências reguladoras], ainda não há consenso sobre o
dispositivo que transfere das agências reguladoras para os ministérios afins as atribuições de conceder as
outorgas dos serviços públicos e de celebrar os contratos de concessão. Pelo projeto original, essas
atribuições podem ser delegadas às agências, se o ministro assim decidir.” (MARQUES, Gerusa. Adiada
votação da reestruturação das agências reguladoras. In: O ESTADO DE SÃO PAULO. Seção de
Economia. Quarta-feira, 23 de junho de 2004).
583
MARQUES, Gerusa. Congresso quer assumir fiscalização das agências. In: O ESTADO DE SÃO
PAULO. Seção de Economia. Segunda-feira, 21 de junho de 2004.
148
pela necessidade de instauração de processo revisional das tarifas para correção de
distorções causadas pelos reajustes tarifárias por índices que gerem variação acima do
real aumento dos custos da empresa prestadora de serviços públicos de
telecomunicações.584 A discussão política, entretanto, ultrapassou a questão específica
do montante de reajuste, pois a aplicação do IGP-DI geraria um aumento de tarifa
superior a que existiria se fosse aplicado o IPCA, para firmar-se no questionamento da
segurança da política regulatória para telecomunicações no Brasil. A politização do
debate judicial foi tão intensa que as operadoras, em sede de recurso à liminar
concedida por juízo federal contra a aplicação do IGP-DI renunciavam à diferença de
índices aplicada até então caso a suspensão da liminar fosse concedida pelo Supremo
Tribunal Federal em flagrante tentativa de enfraquecimento dos argumentos de cunho
estritamente político.585 Outro tema que direcionou os esforços da agência foi o
referente à utilização dos recursos do Fundo de Universalização das Telecomunicações
(FUST), que, a partir de orientação do Tribunal de Contas da União, originou o Serviço
de Comunicação Digital (SCD)586, vulgarmente apelidado de termo que traduzia as
inúmeras combinações que foram imaginadas para sua implantação norteadas por
demandas de inclusão digital587 e de divisão digital.588 No âmbito do Poder Legislativo,
a discussão do primeiro semestre de 2004 girou em torno de projeto de lei que propunha
a extinção da assinatura básica da telefonia fixa para o fim de desonerar o assinante dos
serviços. A posição da ANATEL, já pela voz de seu novo presidente indicado pelo novo
584
BRASIL. TCU. Acórdão nº. 1.196/2005. Decisão Plenária. Relator Auditor Marcos Bemquerer Costa,
j. 17/08/2005, Ata nº. 31/2005 do Plenário.
585
BRASIL. STF. Suspensão de Liminar nº. 34/DF. Decisão Monocrática. Relator Min. Maurício Corrêa,
DJ 26/02/2004, p. 00042.
586
O histórico do serviço de comunicação digital é o histórico da tentativa de utilização dos recursos do
Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações do Brasil. Após tentativas frustradas de
licitação para escolha de operadora de telefonia fixa para implantação de acessos de serviços de internet
em escolas públicas brasileiras, a ANATEL, após orientações do Tribunal de Contas da União (Acórdão
n.º 1.107, de 13 de agosto de 2003), realizou a Consulta Pública n.º 480, de 24 de novembro de 2003, que
veiculou proposta de regulamentação do “Serviço de Comunicações Digitais Destinado ao Uso do
Público em Geral” e destinado ao uso do Fundo de Universalização. A Consulta Pública n.º 493, de 19 de
janeiro de 2004, disponibilizou, para análise dos interessados, o Plano Geral de Outorgas do Serviço de
Comunicações Digitais destinado ao Uso do Público em Geral. No mesmo dia, por intermédio da
Consulta Pública n.º 494, vinha a público a proposta de Plano Geral de Metas de Universalização do
SCD. Foram efetivadas audiências públicas de 23 de janeiro de 2004 a 5 de fevereiro de 2004 nas cidades
de Recife, Porto Alegre, Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte e Brasília. A partir daí, o andamento
da aprovação do novo serviço caiu em compasso de espera e somente em 8 de outubro do mesmo ano foi
encaminhada formalmente pela ANATEL ao Ministro das Comunicações a proposta de criação do
Serviço de Comunicações Digitais – SCD. Era a expectativa de utilização de um fundo de universalização
que já detinha 3 bilhões de reais desde seu início de arrecadação em 2001, sem nunca ter sido aplicado.
Até 12 de abril de 2005, a proposta não havia sido encaminhada pelo Ministério à Presidência da
República.
587
BETING, Joelmir. Inclusão chipada. In: O ESTADO DE SÃO PAULO. Seção de Economia.
Domingo, 23 de novembro de 2003.
588
No relatório da União Internacional de Telecomunicações de 2003 que estabelece o ranking mundial da
inclusão digital conhecido pela sigla DAI (Digital Access Index), o Brasil ocupou a 65ª colocação atrás da
Argentina, Uruguai e Chile. Este índice leva em conta 5 fatores: infra-estrutura de telecomunicações;
preços relativos de produtos e serviços de rede; número de internautas; diversidade dos serviços
disponíveis; e impactos econômicos e sociais da imersão progressiva em rede. Estudo do significado desta
colocação ainda revelou o imenso fosso que divide o país em termos de acesso digital. Para tanto,
conferir: BONILHA, Caio. DAI – Digital Access Index: Brazil breakdown. Genebra: ITU, 2003.
149
governo, foi contrária ao projeto por entender que isto inviabilizaria o equilíbrio
econômico-financeiro dos contratos de concessão.589
Vê-se, assim, que o ambiente de regulação do setor de telecomunicações e,
em especial, do de telefonia, gera uma polarização natural entre propostas de
diminuição dos custos evidentes dos serviços de telefonia impostos sobre seus
consumidores, de um lado, e de interesses de manutenção do equilíbrio das relações
contratuais, de otimização de lucros e de expansão das empresas do setor. Trata-se,
enfim, de um setor em constante dinâmica destes interesses. O mesmo interesse que
aparentemente motivou a queda do presidente da ANATEL, qual seja, o interesse
político ministerial de benefício dos consumidores do serviço pela diminuição das
tarifas de telefonia fixa, poucos meses depois, não se apresenta suficiente para qualificar
a orientação da agência como insubmissa aos desígnios do Poder Executivo. O exemplo
é pontual, mas faz transparecer a suspeita de que os interesses do consumidor dos
serviços de telefonia foram utilizados para alcançar um interesse maior: o interesse de
controle político governamental sobre a agência reguladora. Na mesma linha, Decreto
presidencial de meados de 2003 dispôs sobre políticas públicas de telecomunicações
lastreado no atendimento às necessidades da vida do cidadão, inclusão social,
universalização, otimização do setor, modernização do setor, desenvolvimento
industrial, geração de empregos e capacitação de mão-de-obra.590 Somente critérios que
fujam dos interesses das partes do processo regulatório podem, portanto, dialogar com
este interesse anterior ao ambiente regulador. O interesse de controle governamental
briga com o pressuposto de virtude política e é neste espaço que se pode estabelecer um
diálogo conceitual entre tendências voltadas a dar ao ambiente regulador um caráter
instrumental. De um lado, fala-se de caráter instrumental voltado à consecução das
políticas de governo e, sob este ponto de vista, as orientações de governo de ideologias
distintas convergem591; de outro lado, está o caráter instrumental voltado à vivência da
virtude política e, sob este aspecto, praticamente não se tem falado.
De todo o exposto, o caminho para análise das tensões institucionais no
setor de telecomunicações não parece ser o de precisão dos interesses dos atores em
jogo – Governo, usuários, empresas –, pois estes são conjunturais e dependem da
589
MARQUES, Gerusa. Anatel é contra o fim da cobrança da assinatura na telefonia fixa. In: O
ESTADO DE SÃO PAULO. Seção de Tecnologia. Quarta-feira, 5 de maio de 2004; MARQUES,
Gerusa. Polêmica sobre o fim da assinatura básica aumenta. In: O ESTADO DE SÃO PAULO. Seção
de Economia. Quinta-feira, 6 de maio de 2004.
590
As políticas públicas do setor de telecomunicações brasileiro fixadas no Decreto presidencial de nº.
4.733, de 10 de junho de 2003, não fogem do lugar comum de orientação do setor para provimento de
utilidades e suprimento de necessidades da vida dos cidadãos: “Art. 3º. As políticas para as
telecomunicações têm como finalidade primordial atender ao cidadão, observando, dentre outros, os
seguintes objetivos gerais: I – a inclusão social; II – a universalização (...); III – contribuir efetivamente
para a otimização e modernização dos programas de Governo e da prestação dos serviços públicos; IV –
integrar as ações do setor de telecomunicações a outros setores indispensáveis à promoção do
desenvolvimento econômico e social do país; V – estimular o desenvolvimento industrial brasileiro no
setor; VI – fomentar a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico do setor; VII – garantir adequado
atendimento na prestação dos serviços de telecomunicações; VIII – estimular a geração de empregos e a
capacitação de mão-de-obra; e IX – estimular a competição ampla, livre e justa entre as empresas
exploradoras de serviços de telecomunicações, com vistas a promover a diversidade dos serviços com
qualidade e a preços acessíveis à população.”
591
Em entrevista de Fernando Henrique Cardoso em 20 de maio de 2004: “As agências regulatórias são a
forma moderna de o Estado controlar e garantir não só o contrato mas também o atendimento do
consumidor” (SPIGLIATTI, Solange. País precisa de credibilidade para crescer, diz FHC. In: O
ESTADO DE SÃO PAULO. Agestado-notícias. Quinta-feira, 20 de maio de 2004).
150
dinâmica de outros interesses que os influenciam. Pelo contrário, o caminho de análise
das tensões somente pode advir de um elemento externo que serve como âncora
conceitual e comparativa. Daí a importância de batimento da realidade brasileira com a
estadunidense segundo um critério conceitual externo ao jogo de interesses do ambiente
regulado, qual seja, o conceito de virtude política.
O movimento de reestruturação das relações institucionais entre agências
reguladoras e ministérios do Poder Executivo pode até vir camuflado por justificativa de
politização das decisões setoriais, mas, se não for acompanhado da discussão de fundo
sobre a virtude política, simplesmente persistirá a crença de origem da vontade política
em estruturas vacinadas da interferência ativa diuturna da sociedade. Estar-se-á apenas
transferindo o espaço a-político de formulação das políticas setoriais. O titular
originário do poder político continuará alijado do processo. Basta a referência geral às
questões fundamentais do setor de telecomunicações brasileiro do ano de 2004 – SCDFUST, contrato de gestão, controle social, convergência tecnológica e regulamentar,
divisão digital, exclusão digital, rádio e TV digital, comunicação social eletrônica,
dentre outras – para se verificar que não foram temas levantados em discussão pública;
foram temas presos a questões de competência – Ministério das Comunicações versus
ANATEL –, ou de posicionamento institucional – Tribunal de Contas da União592
versus ANATEL. A prática do setor não tem revelado abertura para institucionalização
da virtude política.
592
A relação entre agências reguladoras e Tribunal de Contas da União tem sido objeto de estudos
específicos a partir do conceito de policentrismo institucional. Conferir: ZYMLER, Benjamin;
ALMEIDA, Guilherme Henrique de La Rocque. O controle externo das concessões de serviços
públicos e das parcerias público-privadas. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2005, p. 129; 133 e
seguintes.
151
5 MODELO NORTE-AMERICANO DE REGULAÇÃO EM
TELECOMUNICAÇÕES
Neste capítulo procura-se evidenciar, a partir da descrição do modelo norteamericano de regulação das telecomunicações acompanhado do eixo conceitual de
enfoque da virtude política, as principais temáticas discutidas no setor nos Estados
Unidos da América, bem como o significado das transformações de políticas públicas
para o fim de comparação com o modelo brasileiro.
5.1 O MODELO EM LINHAS GERAIS
Em meados da década de 1990, o modelo norte-americano de regulação de
telecomunicações, então tributário do Communications Act de 1934, sofreu profunda
transformação quanto a sua finalidade inicial de regulação de monopólio natural do
setor.593 O Telecommunications Act de 1996 reestruturou a regulação de
telecomunicações no país com vistas a viabilizar a progressiva abertura do setor em
direção a um “novo paradigma de competição irrestrita”594; a um “ambiente
verdadeiramente desregulado”595.
A nova formulação política de 1996 questionou os três pilares sobre os quais o
modelo anterior de regulação se apoiava: exclusividade de prestação de serviços de
telecomunicações (protected franchise); exclusividade de prestação por área geográfica
(quarantine); controle integral de preços e condições de prestação dos serviços de
telecomunicações (cradle-to-grave regulation).596
Antes, o modelo partia do pressuposto de que a telefonia se caracterizava como
um monopólio natural597, mas inovações tecnológicas, principalmente com o advento do
PBX (Private Branch Exchanges)598, associadas à conseqüente transformação da
estrutura de custos da indústria telefônica, vieram reforçar a proposta contida no
Telecommunications Act de 1996 de migração de um modelo pautado em intensa
regulação estatal e voltado a contrabalancear o monopólio do setor de
593
Quando da aprovação do Communications Act de 1934, “monopoly provision of telephone service had
become so familiar it seemed inevitable. Several ponderous studies officially confirmed that it was, a
conclusion perfectly consonant with the New Deal political winds then blowing. Monopoly was, in any
event, the clear premise of the 1934 Act.” (HUBER, Peter W.; KELLOGG, Michael K.; THORNE, John.
Federal telecommunications law. 2ªed., New York: Aspen Law & Business, 1999, p. 21).
594
HUBER, Peter W.; KELLOGG, Michael K.; THORNE, John. Federal telecommunications law. New
York: Aspen Law & Business, 1992, p. 3: “A new paradigm of unfettered competition – without entry
barriers, quarantines, or tariff regulation – is beginning to emerge”.
595
HUBER, Peter W.; KELLOGG, Michael K.; THORNE, John. Federal telecommunications law.
2ªed., New York: Aspen Law & Business, 1999, p. 2.
596
Id., ibid.
597
“Is the telephone industry (or any part of it) a natural monopoly? Until the 1960s, the answer was
generally presumed to be yes, from end to end. Until 1997, the answer was still presumed to be yes, at
least in part. The 1996 Act reversed the presumption. But the question still does not admit of any short or
easy answer” (Ibid., p. 86).
598
Ibid., p. 27-32.
152
telecomunicações599 (Communications Act de 1934) para um modelo pautado no novo
parâmetro regulatório de livre competição. A competição tornou-se a palavra de ordem
para todos os mercados de telecomunicações.600 Por isso, o desafio do novo modelo de
regulação das telecomunicações estadunidense implantado de forma ostensiva a partir
de meados da década de 1990 foi o de viabilizar a competição por intermédio,
principalmente, de controle da interconexão e compatibilizar o norte de competição, que
envolve atratividade econômica e opções de investimento com a garantia do serviço
universal.601
“The Telecommunications Act reflects a bipartisan consensus
that deregulating and introducing competition in America's
largest monopolized markets offers numerous potential
benefits for consumers, business users, communications
companies, and the economy as a whole (…) Along with
demonopolizing local telephone markets, one of the
Telecommunications Act's great challenges is to reconcile
our commitment to competition with our commitment to
universal service. In fact, one of the FCC's and the states'
toughest challenges is to figure out the relationship between
universal service, access charge reform, and interconnection
rules”602
599
A presunção do Telecommunications Act de 1934 era de que, para contrabalancear end-to-end
monopoly, seria necessária uma end-to-end regulation. Conferir em: Ibid., p. 89.
600
“The message of the Telecommunications Act is that we are now committed to competition in all
communications markets. (…) While the Telecommunications Act charts a path to competition in all
communications markets, the FCC and the states together have to write the procompetitive rules (…).”
(UNITED STATES OF AMERICA. U.S. House of Representatives. Subcommittee on
Telecommunications and Finance Committee on Commerce. Implementation of the
Telecommunications Act of 1996. Statement of Reed. E. Hundt, Chairman of the Federal
Communications Commission, July 18, 1996 [on line] Disponível na internet via WWW. URL:
http://www.fcc.gov/Reports/reh71896.html (Consultado em 14/08/2004)).
601
“We have commenced rulemakings on interconnection requirements (…) we have held several forums
on interconnection (including an economics forum on interconnection issues with top economists and the
FCC's Chief Economist) (…) our NPRM [Notice of Proposed Rulemaking] on interconnection
requirements alone has received over 4,000 hits. (…) Moreover, the IXCs [interexchange carriers] and the
other new entrants are seeking in the interconnection negotiations all the necessities of competing in a
business they have for the most part not entered (…)Moreover, in many states by the end of November
the arbitrators will in effect have written the rules of interconnection by making crucial decisions about
material terms of the arrangements and by translating next month's Section 251 interconnection order into
the explicit terms and conditions of the Big Three [AT&T, MCI and Sprint] arrangements (…) In fact,
one of the FCC's and the states' toughest challenges is to figure out the relationship between universal
service, access charge reform, and interconnection rules” (UNITED STATES OF AMERICA. U.S. House
of Representatives. Subcommittee on Telecommunications and Finance Committee on Commerce.
Implementation of the Telecommunications Act of 1996. Statement of Reed. E. Hundt, Chairman of
the Federal Communications Commission, July 18, 1996 [on line] Disponível na internet via WWW.
URL: http://www.fcc.gov/Reports/reh71896.html (Consultado em 14/08/2004) - grifos nossos).
602
UNITED STATES OF AMERICA. U.S. House of Representatives. Subcommittee on
Telecommunications and Finance Committee on Commerce. Implementation of the
Telecommunications Act of 1996. Statement of Reed. E. Hundt, Chairman of the Federal
Communications Commission, July 18, 1996 [on line] Disponível na internet via WWW. URL:
http://www.fcc.gov/Reports/reh71896.html (Consultado em 14/08/2004).
153
5.2 O INÍCIO DO SETOR DE TELECOMUNICAÇÕES NOS EUA
Devido à concentração das patentes essenciais ao serviço telefônico nas mãos de
seu inventor – Alexander Graham Bell –, os serviços comerciais de telecomunicações,
no Estados Unidos da América, desde 1877 até 1894, estiveram sob regime de
monopólio legal. A partir de então, diversas companhias menores surgiram a ponto de,
em 1907, possuírem metade das estações telefônicas dos EUA, persistindo a outra
metade com a Bell Telephone Company.603
Mas a onipresença da companhia antes monopolista lhe havia permitido
implementar conexões de longa distância de qualidade superior, que Theodore N.
Vail604 utilizou para transformar a nascente indústria de telecomunicações de uma
indústria competitiva em direção a um monopólio compartilhado. Enquanto adquiria o
controle acionário de companhias telefônicas antes independentes, Vail ofereceu às
demais empresas de telefonia local a divisão dos lucros de empreendimentos conjuntos,
formando, assim, um grande mercado de monopólios compartilhados. A par destas
práticas de organização da espinha dorsal do sistema Bell, Vail também concentrou
esforços no convencimento público de que as telecomunicações necessitariam do
monopólio e que o papel do regulador seria o de garantir sua permanência605 apoiado
em conhecidas palavras de ordem: ‘economias de escala’ (economies of scale),
‘monopólio natural’ (natural monopoly), ‘integridade sistêmica’ (systemic integrity),
‘planejamento unitário’ (unitary planning), o ‘princípio do common carrier’ (the
common carrier principle), e ‘o sistema é a solução’ (the system is the solution).606 Tais
idéias, em conjunto, ficaram conhecidas como o paradigma de Vail.607 Firmava-se, em
1918, o novo slogan da Bell Telephone Company: One Policy, One System, Universal
Service.608
603
HUBER, Peter W.; KELLOGG, Michael K.; THORNE, John. Federal telecommunications law.
2ªed., New York: Aspen Law & Business, 1999, p. 12.
604
“Bell invented the telephone; Watson constructed it; Sanders financed it; Hubbard introduced it; and
Vail put it on a business basis” (CASSON, Herbert N. The history of the telephone. Chicago: A. C.
McClurg & Co., 1910, p. 12).
605
“The private monopoly sought to meld its interests with the existence of public regulatory authority.
The existence of common carrier regulation was used as justification for continued monopoly. The Vail
Paradigm presented the two as merely two sides of a single governing principle: private monopoly whose
beneficence would be guaranteed by public regulation. Regulation could then be plausibly employed by
the monopoly to assure that competition did not reappear. Vail perceived that the real burdens imposed
on his company by the modest regulation that was actually taking place were a small price for gaining a
rationalization for monopoly and a mechanism for excluding future competition” (BRYNES, William J.
Telecommunications Regulation: something old and something new. p. 35-36. In: PAGLIN, Max D.;
ROSENBLOOM, Joel; HOBSON, James R. The communications act: a legislative history of the major
amendments 1934-1996. Silver Spring: Pike & Fischer, 1999, p. 31-104).
606
“Vail, the true father of the Bell System, conceived and frequently provide universal service, free of
competition, and would assume a paternalistic attitude toward public. While Vail’s thirst for power
paralleled that of the leading robber barons of the late nineteenth century, the public service ethic he also
espoused distinguished his paradigm, making it more attractive and durable. For a period of fifty years,
the Vail Paradigm, although never law, dominated the telephone world. Gradually the public forgot that
the telephone industry was once competitive and came to regard the status quo they observed as the
natural order of things” (Ibid., p. 36).
607
Ibid., p. 35.
608
Theodore N. Vail reorganizou a Bell Telephone Company apoiado no desenho de uma telefonia
universal. “Line by line, he [Vail] mapped out a method, a policy, a system” (CASSON, Herbert N. Op.
cit., p. 13).
154
Já na primeira década do século XX, o ideal de “um sistema universal de
telefonia para toda a nação”609 vinha apresentado como o elemento central para o
desenvolvimento da telefonia no país. A orientação do modelo em direção à finalidade
de viabilização do serviço universal, que então seria melhor definido como sistema
universal, justificou, à época, o sufocamento das demais empresas em ascensão pelo
fato destas somente poderem interconectar clientes de suas próprias redes entre si. A
atitude do sistema Bell foi tão ostensiva, que, em 1913, após investigações do U.S.
Justice Department, firmou-se acordo entre o U.S. Attorney General – George
Wickersham – e o vice-presidente da Bell Telephone Company, que deu seu nome ao
acordo conhecido como Kingsbury Commitment, de 1913. Nele, a Bell Telephone
Company se comprometia a paralisar as aquisições de companhias telefônicas
independentes e a conectá-las à rede Bell de longa distância. Tal atitude permitiu a
consolidação de empresas monopolistas de telefonia local, que passaram a conviver com
o monopólio de telefonia de longa distância do sistema Bell.610 Somente muito mais
tarde, tornaram-se evidentes as regras de obrigatoriedade de interconexão e de
desagregação611 para o setor de telecomunicações nos EUA, especialmente a partir do
Telecommunications Act de 1996.
5.3 INTERCONEXÃO E COMPETIÇÃO NAS
TELECOMUNICAÇÕES DOS EUA: O CONCEITO DE COMMON
CARRIER
Já em 1866, as companhias de telégrafo foram obrigadas a se interconectar e a
aceitar o tráfego dos respectivos usuários entre si. O setor de telefonia, entretanto,
sofreu tratamento diferenciado pelo legislador, pelo órgão regulador e pela
magistratura.612
O tradicional ponto de vista herdado do modelo inglês da segunda metade do
século XVIII sobre as common carriers – carriers that carry other carriers –, também
denominadas public carriers,613 explica a origem das obrigações que hoje recaem sobre
tais empresas detentoras da infra-estrutura essencial dos serviços designados, no modelo
norte-americano, de serviços de interesse público (public interest).
“Exigiam-se dos monopólios da Coroa a cobrança
unicamente de tarifas ‘razoáveis e não-discriminatórias’, o
fornecimento de serviço adequado, e a aceitação de todos os usuários
sob as mesmas condições, sem discriminação. Com o tempo, estes
princípios vieram a se estender a toda firma ‘afetada por um interesse
público’ que se mantivesse aberta para o público em geral e que
pretendesse servir a todos. Em troca, as common carriers gozavam de
privilégios legais consideráveis, particularmente limites sobre suas
obrigações – limites apropriados a um negócio que não poderia
609
Ibid., p. 33.
HUBER, Peter W.; KELLOGG, Michael K.; THORNE, John. Op. cit., p. 16-18.
611
BRYNES, William J. Op. cit., p. 55 e seguintes.
612
HUBER, Peter W.; KELLOGG, Michael K.; THORNE, John. Op. cit., p. 12.
613
O termo alternativo é trazido em: GARNER, Bryan A. (org.). Black’s Law dictionary. 8ªed., St. Paul:
West Publishing Co., 2004, p. 226.
610
155
legalmente discriminar entre aqueles que escolhera como público. A
América herdou estes princípios fundamentais da Inglaterra.
Companhias de telégrafo e de telefone são claramente common
carriers”.614
Portanto, as empresas de telefonia consideradas common carriers
caracterizavam-se por serem detentoras de infra-estrutura essencial para serviços de
longa distância e/ou para serviços locais segundo oferta pública destes serviços para
todos que dela necessitassem em condições eqüânimes. O mesmo fim de integridade
sistêmica foi alcançado no modelo brasileiro por intermédio da criação do Sistema
Telebrás.
O sistema Bell firmou-se com seu caráter monopólico a partir de sua condição
de common carrier da telefonia de longa distância sem que se impusesse a ele a
obrigação de aceitar interconexões oriundas das empresas de telefonia local. Para tais
empresas, a condição de meras usuárias do serviço de telefonia oferecido pelo sistema
Bell não satisfazia as demandas de pontos de interconexão capazes de transportar
grandes quantidades de informações por intermédio de mecanismos previamente
contratados de endereçamento e de remuneração das redes das operadoras de telefonia
envolvidas.
Até o Communications Act de 1934, o conceito de common carrier, em oposição
ao termo private carrier, vinha sendo definido no direito comum (common law) como
aquele que opera “in public use for hire”615; como “any carrier that holds itself out to
the public for hire on general terms”616. A definição expressa no Communications Act
de 1934 não alterou dito sentido. Aliás, nada acrescentou por intermédio da definição
tautológica de common carrier como “any person engaged as a common carrier for
hire, in interstate or foreign communication by wire or radio or in interstate or foreign
radio transmission of energy”617. Definição mais precisa foi adotada para serviços fixos
públicos de rádio. Ali, common carrier de comunicação foi definida como “any person
engaged in rendering communication service for hire to the public”618. Common
carrier, assim, no setor sob análise, é toda prestadora de serviço de telecomunicação
que oferta tais serviços ao público em geral de forma isonômica e, portanto, de forma
614
Ibid., p. 14-15. Tradução livre do original: “Crown monopolies were required to charge only
‘reasonable and nondiscriminatory’ rates, provide adequate service, and accept all customers on the
same terms, without discrimination. In time, these principles came to extend to any firm ‘affected with a
public interest’ that held itself open to the general public and purported to serve all comers. In return,
common carriers enjoyed important legal privileges, most particulary limits on their liabilities – limits
appropriate to a business that could not legally discriminate among those it chose to serve. America
inherited these core principles from England. Telegraph and telephone companies are quite clearly
‘common carriers’.”
615
“Within settled principles, one who undertakes for hire to transport from place to place the property of
others who may choose to employ him is a common carrier. (…) They [Northwestern Towboat Owner’s]
are common carriers, not because of legislative fiat, but by reason of the character of the business they
carry on. The statute does not attempt to make all towboats common carriers. It application is limited to
those operated in the public use for hire. (…)Its towboat was devoted to the public use, among other
things, for the transportation of logs. By its own choice, it became a common carrier.” (State of
Washington ex rel. Stimson Lumber, 275 U.S. 207, 211-212 (1927), Justice Butler, j.21/11/1927).
616
HUBER, Peter W.; KELLOGG, Michael K.; THORNE, John. Op. cit., p. 279.
617
Communications Act of 1934, Title I, Section 3 (10). In: 47 U.S.C. §153 (10).
618
Code of Federal Regulations, Title 47, Volume 2, Section 21.2 (47 C.F.R §21.2). “Sec. 21.2
Definitions. Communication common carrier. Any person engaged in rendering communication service
for hire to the public”.
156
não-comercial619, ou seja, submetida a restrições de cunho administrativo em prol da
coletividade.
Para qualificação de uma empresa como common carrier, não basta, entretanto,
a referência a seu estatuto620 ou a comando legal621. O caráter público622 de sua
atividade é revelado na condição de ambiente essencial623 para confluência de
atividades de outras carriers624, mediante oferta pública de serviços garantida pelo
direito do público em demandar tais serviços.625
Desde que identificada como common carrier, a operadora tem o dever de
prover serviços de telecomunicações em bases justas e razoáveis626. Os preços cobrados
pelos serviços vêem-se incluídos nesta limitação e são passíveis de fixação pela Federal
Communications Commission (FCC)627, que detém amplos poderes de fiscalização,
inclusive controle sobre os bens da operadora assim classificada.628
619
CARTER, T. Barton [et alii]. Mass communication law. 4ªed., St. Paul (Minnesota): West Publishing
Co., 1994, p. 327.
620
“Whether a transportation agency is a common carrier depends not upon its corporate character or
declared purposes, but upon what it does.” (United States v. State of California, 297 U.S. 175, 180, §1
(1936), Justice Stone, j. 03/02/1936).
621
“Moreover, it is beyond the power of the state by legislative fiat to convert property used exclusively in
the business of a private carrier into a public utility, or to make the owner a public carrier, for that would
be taking private property for public use without just compensation, which no state can do consistently
with the due process of law clause of the Fourteenth Amendment.” (Michigan Public Utilities
Commission v. Duke, 266 U.S. 570, 577-578, (1925), Justice Butler, j.12/01/1925).
622
Em decisão da Suprema Corte norte-americana, firma-se o entendimento de que o caráter público do
serviço independe do público efetivamente atingido, mas da fração potencial de público atingível: “We do
not perceive that this limitation [de atendimento somente a hotéis do serviço de táxi] removes the public
character of the service, or takes it out of the definition in the act. No carrier serves all the public. His
customers are limited by place, requirements, ability to pay, and other facts. But the public generally is
free to go to hotels if it can afford to, as it is free to travel by rail, and through the hotel door to call on
the plaintiff for a taxicab. We should hesitate to believe that either its contract or its public duty allowed
it arbitrarily to refuse to carry a guest upon demand. We certainly may assume that in its own interest it
does not attempt to do so. The service affects so considerable a fraction of the public that it is public in
the same sense in which any other may be called so.” (Terminal Taxicab Co. v. Kutz, 241 U.S. 252, 255
(1916), Justice Holmes, j.22/05/1916).
623
Ser uma common carrier significa prover serviços essenciais. Conferir, para tanto: Southern Pac.
Terminal Co. v. Interstate Commerce Commission, 219 U.S. 498, 520 (1911), Justice McKenna,
j.20/02/1911.
624
United States v. Brooklyn Eastern Dist Terminal, 249 U.S. 296, 304-306 (1919), Justice Brandeis,
j.24/03/1919.
625
“It is insisted that these roads are not carriers because the most of their traffic is in their own logs and
lumber, and that only a small part of the traffic carried is the property of others. But this conclusion loses
sight of the principle that the extent to which a railroad is in fact used does not determine the fact
whether it is or is not a common carrier. It is the right of the public to use the road's facilities and to
demand service of it, rather than the extent of its business, which is the real criterion determinative of its
character.” (United States v. Louisiana & Pacific Railway Company, 234 U.S. 1, 24 (1914), Justice Day,
j.25/05/1914).
626
Communications Act de 1934 (47 U.S.C. 201): “(b) All charges, practices, classifications, and
regulations for and in connection with such communication service, shall be just and reasonable, and any
such charge, practice, classification, or regulation that is unjust or unreasonable is hereby declared to be
unlawful”.
627
Communications Act de 1934 (47 U.S.C. 205): “(a) Whenever, after full opportunity for hearing, upon
a complaint or under an order for investigation and hearing made by the Commission on its own
initiative, the Commission shall be of opinion that any charge, classification, regulation, or practice of
any carrier or carriers is or will be in violation of any of the provisions of this Act, the Commission is
authorized and empowered to determine and prescribe what will be the just and reasonable charge or the
157
O esforço de delimitação das obrigações das common carriers – tarifas justas e
razoáveis, serviço adequado e aceitação de todos os usuários sob as mesmas condições,
sem discriminação – não serviu, todavia, inicialmente, para preservação das empresas
locais de telefonia existentes na primeira década do século XX nos EUA. Nem o
legislador, por intermédio do Mann-Elkins Act de 1910, nem a Interstate Commerce
Commission, por intermédio de seus novos poderes sobre as companhias de telefonia,
telegrafia, cabo e comunicação sem fio, nem o Judiciário, nos casos a ele trazidos,
deram plena eficácia àquelas obrigações dirigidas às common carriers quando tais
obrigações eram exigidas pelas demais empresas que desejavam interconectar-se com a
empresa detentora da infra-estrutura principal.629 O Communications Act de 1934
firmava a obrigação da companhia monopolista de telefonia de prover serviço a todos os
compradores a preços justos e razoáveis. No entanto, a entrada de novos competidores
somente era permitida se reconhecida pela FCC a necessidade e conveniência pública
da construção ou operação de novas linhas de conexão de telecomunicações630, bem
como o dever de interconexão com a operadora de telefonia monopolista somente se
concretizava se a FCC a entendesse necessária ou desejável ao interesse público.631
Até 1951, o modelo idealizado por Vail se sustentou incólume. Neste ano, foi
autorizada pela FCC a abertura, por empresa de radiotelégrafo internacional, de novos
circuitos para Portugal e Países Baixos em concorrência com outra empresa que já
prestava tal serviço no trecho requisitado.632 A partir de então, a FCC começou a tomar
atitudes de abertura da rede das operadoras dominantes mediante autorização, em 1959,
maximum or minimum, or maximum and minimum, charge or charges to be thereafter observed, and
what classification, regulation, or practice is or will be just, fair, and reasonable, to be thereafter
followed (…)”.
628
Communications Act de 1934 (47 U.S.C. 213): “(e) The Commission shall keep itself informed of all
new construction, extensions, improvements, retirements, or other changes in the condition, quantity, use,
and classification of the property of common carriers, and of the cost of all additions and betterments
thereto and of all changes in the investment therein, and may keep itself informed of current changes in
costs and values of carrier properties.”
629
Em meio à explicação do sentido de common carrier no início do século XX, Huber revela que: “the
duty of a common carrier not to discriminate did not extend to other carriers asking for service”
(HUBER, Peter W.; KELLOGG, Michael K.; THORNE, John. Op. cit., p. 15).
630
“No carrier shall undertake the construction of a new line or of an extension of any line, or shall
acquire or operate any line, or extension thereof, or shall engage in transmission over or by means of
such additional or extended line, unless and until there shall first have been obtained from the
Commission a certificate that the present or future public convenience and necessity require or will
require the construction, or operation, or construction and operation, of such additional or extended
line.” (47 U.S.C. 214(a)).
631
“It shall be the duty of every common carrier engaged in interstate or foreign communication by wire
or radio to furnish such communication service upon reasonable request therefor; and, in accordance
with the orders of the Commission, in cases where the Commission, after opportunity for hearing, finds
such action necessary or desirable in the public interest, to establish physical connections with other
carriers, to establish through routes and charges applicable thereto and the divisions of such charges,
and to establish and provide facilities and regulations for operating such through routes” (47 U.S.C.
201(a)).
632
Federal Communications Commission v. RCA Communications Inc., 346 U.S. 86 (1953), Justice
Frankfurter, j.08/06/1953: “Under the Federal Communications Act of 1934, the Commission authorized
a radiotelegraph company, which was then serving 39 overseas points, to open two new circuits, to
Portugal and The Netherlands. The authorization was opposed by another company which provided
similar service by means of 65 circuits, including circuits to each of those countries. The Commission
concluded that duplicate facilities should be authorized because of the "national policy in favor of
competition." From this policy, the Commission said, it follows that, where competition is "reasonably
feasible," it is in the public interest.”
158
para funcionamento de serviços de microondas de operadoras caracterizadas como noncommon carriers. Em 1968, a comissão determinou ao sistema Bell que permitisse o
uso de dispositivo que conectava sistemas móveis privados de rádio a sua rede de
telefonia. Em 1969, a FCC, em votação apertada, autorizou a construção de microwave
facilities entre Chicago e St. Louis por uma nova operadora de telecomunicações. A
partir daí, a comissão determinou às operadoras dominantes que permitissem a
interconexão com suas redes, sem favoritismo entre os competidores, para que as novas
entrantes pudessem alcançar os usuários finais. O alvo da atuação da FCC estava em
impedir que o monopólio do sistema Bell sobre a última milha – local loop, last mile –
de telecomunicações bloqueasse a intercity competition. As duas décadas seguintes
foram marcadas por intensa resistência do sistema Bell em implementar a interconexão
de sua rede com as novas operadoras de telecomunicações, sob alegações fundadas na
proteção da integridade técnica do sistema telefônico, ou mesmo mediante a dificuldade
de averiguação, pelas autoridades reguladoras, do nível de subsídio cruzado dentro do
sistema Bell para fixação do custo de interconexão, como também mediante a utilização
de técnicas de abarrotamento do órgão regulador por intermédio da submissão de
inúmeras revisões tarifárias, técnica que ficou conhecida como ‘pancaking’. Em 1978, o
caminho de abertura do monopólio foi consolidado. Após julgamento do District of
Columbia Circuit em caso conhecido como ‘Execunet litigation’633, afirmou-se o direito
da MCI de fornecer serviço de telefonia de longa distância e de obter interconexão com
as operadoras de telefonia local necessárias ao funcionamento daquele.634
Para as telecomunicações norte-americanas, a década de 1980 foi marcada pela
cisão do sistema Bell (The Bell System Divestiture). Práticas anti-concorrenciais da
AT&T635 foram a causa oficial da cisão. Após diversos questionamentos judiciais636 de
práticas lesivas da concorrência imputadas ao sistema Bell, principalmente em casos
envolvendo a telefonia de longa distância pautadas na negativa de provimento de
interconexão não-discriminatória, a AT&T firmou um consent decree com o
Departamento de Justiça – Justice Department (DOJ) – incorporado em um MFJ
(Modification of Final Judgment) que declarara a AT&T culpada de práticas
anticoncorrenciais perante a MCI. Em 1º de janeiro de 1984, o citado acordo entrou em
vigor. Segundo suas prescrições, as 22 empresas de telefonia local do sistema Bell – as
633
Sobre o significado do serviço intitulado execunet prestado pela MCI: “In 1963, MCI filed with the
FCC to become a point-to-point communication carrier, using its own microwave radio facilities. In the
years that followed, MCI began constructing its own point-to-point circuits and private lines. MCI then
began offering a switched service called Execunet that effectively undercut AT&T’s prices for switched
long-distance service (…) MCI’s desire to compete for the large and lucrative switched-access market led
them – and later others such as Sprint – to deploy switches and fiber facilities between cities.”
(POCIASCK, Stephen. A failure do communicate: reforming public policy in the
telecommunications industry. Washington: Economic Policy Institute, 2004, p. 17).
634
Para pormenores do que chamou de cracks in the Vail Paradigm, conferir: BRYNES, William J. Op.
cit., p. 37-41.
635
A Bell Telephone Company, detentora das patentes de Graham Bell, teve seu nome alterado para
American Bell Telephone Company em 1880 até sua incorporação pela American Telephone &
Telegraph Company (AT&T), em 1900.
636
“In March 1974, MCI sued Bell for monopolizing long-distance communications. Six years later a
Chicago jury awarded MCI $600 million, trebled to $1.8 billion (…) A second private suit was filed in
1980 by an independent telephone company [Mid-Texas Communications Sys.] that had sought to
provide local telephone service in a new real estate development. Bell had refused to interconnection with
its long-distance facilities and refused to assign the company a block of telephone numbers. A federal
district court awarded $55 million in treble damages (…)”. (HUBER, Peter W.; KELLOGG, Michael K.;
THORNE, John. Op. cit., p. 43).
159
Bell Operating Companies (BOCs) – foram fundidas em 7 empresas regionais –
Regional Bell Operating Companies (RBOCs) – destinadas a prestar somente serviços
locais de telecomunicação, mesmo que entre municípios distintos, circunscritos em
áreas locais de transporte e de acesso – Local access and transport areas (LATAs) –
criadas pelo próprio Divestiture Decree de 1982, e serviços de acesso local637,
transferindo-se à AT&T os serviços intra-estaduais de acesso entre LATAs – os
intrastate interexchange services – e proibindo a produção de equipamentos terminais
pelas operadoras regionais. Além disso, as RBOCs ficavam obrigadas a fornecer acesso
igualitário (equal access) às suas redes a preços fixados com base nos custos de acesso.
Além dos serviços de telecomunicações de longa-distância, a AT&T manteve consigo
os Bell Laboratories e o braço de produção de terminais telefônicos do sistema Bell, a
Western Electric – hoje AT&T Technologies.638
As obrigações de interconexão de infra-estruturas de redes das operadoras locais
tiveram como impulso imediato a implementação da competição das telecomunicações
em nível local e como justificativa final, o objetivo de barateamento dos serviços de
telecomunicações mediante uso da capacidade ociosa das redes das empresas
incumbents. A busca de objetivos de eficiência e externos à discussão política em si é
evidente. Tanto é assim, que a adequação da política pública efetivamente
implementada pela FCC vem questionada com o argumento de que a competição
somente se desenvolveria com políticas públicas que encorajassem a construção de
infra-estruturas de redes ao invés de se obrigar o aluguel da capacidade instalada pelas
incumbents. Ao contrário do que pode parecer, a discussão sobre a pertinência ou não da
política pública definida para o setor de telecomunicações norte-americano pautada nas
obrigações de interconexão e de desagregação de meios revela uma ausência
fundamental. Acusa-se a FCC de ter incorrido em erro de estratégia ao buscar cumprir
os objetivos de política pública firmados no Telecommunications Act de 1996. A
comissão teria implementado o Act acreditando que mais competidores significariam
mais competição.639 Ao projetar um entendimento sobre seu dever de promover a
competição no setor de telecomunicações, a FCC não pôde implementar a dicção legal,
mas teve que interpretá-la, agregando, assim, sentido ao enunciado normativo. A FCC,
em outras palavras, construiu uma política pública sobre o setor de telecomunicações;
uma definição de política pública ainda mais relevante, porque eficaz, do que a definida
pelo Congresso norte-americano. O ponto principal destas considerações está em que a
637
Os serviços de acesso local (exchange-access services) são os serviços providos por empresas locais de
telecomunicações (local exchange carriers-LECs) às empresas de longa-distância (interexchange
carriers-IXCs). São os serviços de terminação e originação de chamadas de longa distância em uma
operadora local. Conferir em: Ibid., p. 1359.
638
SULLIVAN, Lawrence A.; HERTZ, Ellen. The AT&T Antitrust Consent Decree: should Congress
change the rules? In: Berkeley Technology Law Journal. Volume 5, Fall 1990 [on line] Disponível na
Internet via WWW. URL: http://www.law.berkeley.edu/journals/btlj/articles/vol5/Sullivan/html/reader.html (Consultado
em 21/08/2004); BRYNES, William J. Op. cit., p. 31-104.
639
“Regulators believed that more competitors would mean more competition, which would in turn benefit
both consumers and the economy.” (POCIASCK, Stephen. A failure do communicate: reforming
public policy in the telecommunications industry. Washington: Economic Policy Institute, 2004, p. 7).
“Over the last several decades, telecommunications public policies were designed to encourage the
building of competitive networks, and did so without the use of unbundling obligations or pricing resale
services below cost. Had public policies made renting too easy, no one would have incurred the addes
cost of building the competitive lon- distance and wireless networks that we have today. In fact, early
examples of telecommunications competition suggest that competition developed from public policies that
encouraged building over renting.” (Ibid., p. 17).
160
FCC poderia ter adotado uma postura de reserva de capacidade ociosa das redes
instaladas das incumbents sob a alegação de que, assim, estaria pleiteando a dicção legal
do Telecommunications Act de 1996 de proteção da competição. Enfim, o espaço de
definição da política pública não estava esgotado quando da emanação do Act pelo
Congresso norte-americano e cobra, de forma ainda mais acentuada, o engajamento e
participação política exigidos no momento da aprovação do Act de 1996. Mesmo que se
pudesse considerar o momento de discussão parlamentar como um momento de
presença da virtude política pela mobilização social, isso não implica atribuição de
significado decisivo à política pública real vigente no País, que se dá pela atuação
diuturna da comissão reguladora.
Decorre do estudo do modelo norte-americano de políticas públicas de
telecomunicações que os objetivos do Act de 1996 estão sendo analisados de forma
independente dos objetivos maiores de coesão política. Em outras palavras, a medida de
acerto das atitudes da agência vem definida única e exclusivamente em razão de
critérios momentâneos de políticas públicas conjunturais sem a necessidade de
referência a coerência geral destas opções políticas com os princípios de onde se
originaram e com a vivência política derivada do momento político principal. O que a
prática demonstra, as análises olvidam: a apresentação da política setorial de
telecomunicações como uma política conjuntural econômica640 e independente de
considerações de virtude política.
Não se discute aqui o acerto ou desacerto das políticas públicas definidas pela
FCC, mas a ausência de discussão sobre a quem cabe decidir sobre que caminhos tomar
e a quem cabe suportar o erro da opção. De qualquer modo, o único caminho
intrinsecamente inadequado sob o enfoque do exercício da virtude política é o de
afastamento dos interessados da discussão. Se a opção de política pública pelo
incremento da interconexão ou da desagregação de meios se revelar inadequada, esse é
o preço da liberdade política em seu pleno exercício, mesmo porque caberá a quem fez a
opção suportar os resultados. Da forma como vem institucionalmente posto, os
resultados são suportados por todos, mas a definição advém de um complexo
institucional objetivo – FCC e/ou Congresso norte-americano – sem cogitação de sua
face de participação cidadã. Não se quer dizer, com isto, que ela não exista. O que se
quer dizer é que ela não detém peso sequer para entrar na discussão sobre o modelo de
políticas públicas de um país.
5.4 CONTROLE TARIFÁRIO NAS TELECOMUNICAÇÕES DOS
EUA
Em outra frente, o tema que pautou a discussão das políticas públicas norteamericanas de telecomunicações foi o do controle tarifário. Coube à Federal
Communications Commission (FCC) pôr em prática plano de introdução da competição
640
“The Telecommunications Act of 1996 (…) was designed to help the telecommunication industry
accomplish three major consumer-oriented goals: decrease telephone service prices, increase service
quality, and accelerate the deployment of advanced high-technology networks.” (Ibid., p. VII).
161
no setor de telecomunicações visível a partir da década de 1970641, por meio de
desregulamentação das non-dominant carriers.642 Em 1979, o Competitive Carrier Fisrt
Report dividiu o setor em dois blocos: o das dominant carriers e o das nondominant
carriers.
No primeiro bloco foram enquadradas a AT&T, as empresas de telefonia local,
as empresas de satélites domésticos e as empresas provedoras de capacidade de satélite.
As demais empresas de telecomunicações que não detinham poder de mercado, foram
qualificadas como empresas não-dominantes e a ação da Federal Communications
Commission (FCC) concentrou-se em diminuir a interferência regulatória sobre tais
empresas para viabilizar sua competição com as empresas dominantes.
Em 1985, após diversos atos menores de diminuição do controle sobre as
empresas não-dominantes, conhecidos, em conjunto, como política de tolerância, a
agência norte-americana decidiu eliminar o controle tarifário destas empresas, que
passaram a ter que contratar diretamente com seus consumidores o valor do serviço.
Inicialmente, a própria MCI – empresa de telefonia qualificada como nãodominante – se opôs a abrir mão da fixação de uma tarifa genérica, ou seja, se opôs a
que a agência reguladora cessasse a regulação de tarifas sobre a MCI, por considerar
que a desregulamentação traria aumento dos custos administrativos da empresa na
negociação de preços com os compradores.643 Por outro lado, a AT&T, em 1989,
interpôs ação judicial questionando a possibilidade da MCI negociar preços do serviço
de telefonia com certos compradores, mesmo tendo esta última se negado a abrir mão
do mecanismo regulatório de tarifas fixadas pela FCC. Nas diversas instâncias, a FCC
foi derrotada, pois os tribunais estaduais entenderam que os poderes atribuídos à
agência diziam respeito à alteração tarifária, mas não à extinção do controle tarifário.
Em 1994, a Suprema Corte dos EUA emitiu decisão final de que o poder de
modificação concedido à FCC pelo Communications Act de 1934 não lhe permitia
autorizar a supressão do controle tarifário das empresas não-dominantes.644 Embora a
Suprema Corte concordasse com o argumento de que o controle tarifário sobre as
empresas não-dominantes de telecomunicações poderia limitar a competição, sustentou
que “somente o Congresso poderia eliminar a tarifação de modo amplo”645. Mas a
decisão não foi bem recebida pela agência, que, convicta de que a fixação estatal das
641
“As competition takes root in the network, the weeds of regulation can and plainly should be extrated.
The FCC recognized this as soon as it began planting competitive flowers in the 1970s” (HUBER, Peter
W.; KELLOGG, Michael K.; THORNE, John. Op. cit., p. 89).
642
Para Huber-Kellogg-Thorne, tal atitude da FCC de desregulamentação teria refletido uma convicção,
por parte da agência, de diminuição da regulamentação sobre o setor de telecomunicações. Há, entretanto,
outra forma de se interpretar a atitude da FCC de diminuir a regulamentação sobre as empresas
consideradas não-dominantes. Se a convicção da agência, neste momento, fosse a de desregulamentar o
setor, a diminuição de obrigações deveria atingir todas as empresas na medida em que prevalecesse a
convicção de que o mercado solucionaria sozinho os problemas do setor de telecomunicações norteamericano. Exatamente porque não interessava a desregulamentação do setor é que se implementou a
divisão entre dominant e non-dominant carriers. Assim, parece mais plausível considerar que as
intenções da FCC estavam dirigidas a uma alteração de política governamental de controle por parte da
agência para aumento da eficácia da regulamentação setorial; para que as limitações impostas pelo
governo somente às empresas dominantes – a assimetria regulatória enfim – repercutisse no mercado com
efeitos práticos em benefício dos consumidores e da melhoria do setor como um todo. O pressuposto de
desregulamentação como princípio, portanto, não é aceito neste trabalho. Conferir posição contrária em:
Ibid., p. 790.
643
Ibid., p. 792, nota 326.
644
Ibid., p. 791.
645
Ibid., p. 796.
162
tarifas seria contraproducente, editou regulamentação que, de certo modo, contornava a
decisão do tribunal ao permitir a submissão da alteração tarifária desejada por empresa
não-dominante até um dia antes de sua entrada em vigor646 e dentro de uma margem
razoável de tarifas647. Esta última possibilidade foi contestada e o District of Columbia
Circuit classificou a possibilidade de fixação de margens de tarifas como violadora do
mandamento da seção 203(a) do Communications Act de 1934648.
Tais idas e vindas entre a FCC e os tribunais somente chegaram ao fim com a
edição do Telecommunications Act de 1996, que, ao acrescentar, dentre outras, a seção
10 ao Communications Act de 1934 pertinente à flexibilização regulatória, concedeu
poderes à FCC para suspender a aplicação, sobre empresas de telecomunicações ou
serviços de telecomunicações, de regras contidas no próprio Act.649 Tal modificação
derradeira ocorreu no ano seguinte à reclassificação da AT&T, por parte da FCC, para a
condição de empresa não-dominante no mercado de serviços interestaduais de telefonia,
mediante o compromisso de que a AT&T diminuísse os preços das chamadas para
usuários de pequena capacidade e os mantivesse assim até 1998.650
646
A referência normativa pertinente foi a seguinte: “All tariff filings of domestic and international nondominant carriers must be made on at least one day’s notice.” (47 C.F.R. 61.23(c)).
647
A referência normativa pertinente foi a seguinte: “For purposes of this section, tariff filings by
nondominant carriers will be considered prima facie lawful, and will not be suspended by the
Commission unless the petition requesting suspension shows: (A) That there is a high probability the
tariff would be found unlawful after investigation; (B) That the harm alleged to competition would be
more substantial than the injury to the public arising from the unavailability of the service pursuant to the
rates and conditions proposed in the tariff filing; (C) That irreparable injury will result if the tariff filing
is not suspended; and (D) That the suspension would not otherwise be contrary to the public interest.”
(47 C.F.R. 1.773(a)(ii)).
648
Communications Act of 1934, Title II, Part I, Section 203: “(a) Every common carrier, except
connecting carriers, shall, within such reasonable time as the Commission shall designate, file with the
Commission and print and keep open for public inspection schedules showing all charges for itself and its
connecting carriers for interstate and foreign wire or radio communication between the different points
on its own system, and between points on its own system and points on the system of its connecting
carriers or points on the system of any other carrier subject to this Act when a through route has been
established, whether such charges are joint or separate, and showing the classifications, practices, and
regulations affecting such charges. Such schedules shall contain such other information, and be printed
in such form, and be posted and kept open for public inspection in such places, as the Commission may by
regulation require, and each such schedule shall give notice of its effective date; and such common
carrier shall furnish such schedules to each of its connecting carriers, and such connecting carriers shall
keep such schedules open for inspection in such public places as the Commission may require.”
649
A letra do dispositivo vem a seguir: “(a) REGULATORY FLEXIBILITY.--Notwithstanding section
332(c)(1)(A) of this Act, the Commission shall forbear from applying any regulation or any provision of
this Act to a telecommunications carrier or telecommunications service, or class of telecommunications
carriers or telecommunications services, in any or some of its or their geographic markets, if the
Commission determines that-(1) enforcement of such regulation or provision is not necessary to ensure
that the charges, practices, classifications, or regulations by, for, or in connection with that
telecommunications carrier or telecommunications service are just and reasonable and are not unjustly or
unreasonably discriminatory; (2) enforcement of such regulation or provision is not necessary for the
protection of consumers; and (3) forbearance from applying such provision or regulation is consistent
with the public interest.” (Communications Act of 1934, Section 10 – 47 U.S.C. 160).
650
HUBER, Peter W.; KELLOGG, Michael K.; THORNE, John. Op. cit., p. 800-801.
163
5.5 SERVIÇO UNIVERSAL NAS TELECOMUNICAÇÕES DOS
EUA
A temática conhecida como serviço universal (universal service) configura-se
em importante vertente de preocupação da política pública norte-americana no setor de
telecomunicações. Como referido linhas atrás651, o próprio significado do termo foi
utilizado para justificar um monopólio natural do setor de telefonia, mediante a
equiparação entre serviço universal e sistema universal de telefonia.
A diferença entre os dois termos citados não era, todavia, visível em um
ambiente em que universalizar o serviço de telecomunicação significava viabilizar um
serviço recém idealizado como transmissão eletromagnética de voz com a natural
dificuldade de padronização nacional e internacional de protocolos de comunicação
entre as inúmeras prestadoras do serviço. Mas o conceito de serviço universal não se
contentou com sua identificação ao de rede universal.
Foram duas as razões pelas quais o conceito de serviço universal não pôde ser
resumido à crença em um sistema universal ou rede universal construída por intermédio
de intensa propaganda do Bell System.652 A primeira delas refere-se a uma segunda
concepção de serviço universal: à compreensão de que o enfoque de proteção do serviço
universal decorre de política pública de acesso ao serviço do maior número possível de
pessoas, ou seja, do interesse de acesso universal de todos ao serviço, ao invés da
característica temporalmente anterior de plena funcionalidade integrada das redes de
telefonia. Tal proposta teria sido explicitada a partir da participação, em 1975, de
Eugene V. Rostow, no caso patrocinado pelo Departamento de Justiça norte-americano
(DOJ) contra a AT&T.653 A segunda razão de afastamento entre os dois conceitos de
sistema universal e serviço universal é a de que há um terceiro sentido de serviço
universal, que vai além do acesso de todos ao serviço telefônico de voz e que foi
consolidado, nos Estados Unidos, a partir do Telecommunications Act de 1996: a
disponibilidade de novos serviços de telecomunicações para os cidadãos, gerando,
assim, não somente no modelo norte-americano, mas também no da União Européia654 e
651
Vide, a respeito, o parágrafo pertinente à nota de rodapé 609, página 167 deste estudo.
Folheto de 1911 do Bell System exemplifica o esforço de convencimento público de que a inexistência
de uma rede telefônica universal, e mesmo de um monopólio de telefonia, evitaria que os EUA
retornassem a uma condição medieval: “No community can afford to surround itself with a sound-proof
Chinese Wall and risk telephone isolation” (MUELLER Jr., Milton L. Universal service: competition,
interconnection, and monopoly in the making of the american telephone system. Cambridge: The MIT
Press, 1997, p. 102).
653
“In 1974 the Department of Justice filed a massive Sherman Act case against AT&T, proposing to
break AT&T into several companies to ameliorate its monopoly power. In response to this threat, AT&T
hired Eugene V. Rostow (who had chaired President Lyndon Johnson’s 1968 Task Force on
Communications Policy) to testify before Congress in 1975 on the threats to AT&T’s ‘universal and
optimized’ telephone network. Apparently, this was the first time AT&T had revived the notion of
universal service, albeit a new definition. Universal no longer meant that all subscribers, whether they
totaled 25, 30, or 60 percent of households, subscribed to the same network. Now universal service meant
that the telephone was truly ubiquitous, that everyone – or nearly everyone – enjoyed access to plain old
telephone service, regardless of the supplier.” (CRANDALL, Robert W. & WAVERMAN, Leonard.
Who pays for universal service? When telephone subsidies become transparent. Washington:
Brookings Institution Press, 2000, p. 7).
654
De acordo com a Comunicação da Comissão Européia, de 11 de setembro de 1996, sobre os serviços
de interesse geral na Europa, “i criteri del Servizio Universale – che è comunque uma nozione flessibile,
da puntualizare settore per settor, ed evolutiva, che deve tener conto degli rati ai principi di parità,
652
164
no do Brasil655, flexibilidade na extensão do conceito e a conseqüente periódica
reconsideração do rol de atividades atendidas pelo serviço universal.656 Portanto, com
base neste último sentido, o foco de análise do serviço universal está voltado à
preservação da utilidade prestada ao indivíduo; à expansão do bem-estar do serviço para
toda a população.
Como é natural, um termo básico como o de serviço universal, que foi utilizado
durante quase um século no setor de telecomunicações por distintos interesses, adquiriu
um significado equívoco. A origem da cogitação de serviço universal pode ser
encontrada no preâmbulo do Communications Act de 1934, mediante referência à
disponibilidade de serviços de telecomunicações a todos, sem discriminação e a preços
razoáveis.657 Há, entretanto, reação a dita percepção histórica fundada na constatação de
que durante toda a discussão parlamentar do Act de 1934 não teria havido qualquer
referência à aplicação do preâmbulo como justificativa daquilo que Milton Mueller
chamou de primeira e segunda gerações de políticas públicas de telecomunicações nos
EUA.658 A primeira geração de política setorial vinha caracterizada pela afirmação de
continuità, universalità, adeguamento e ad uma rigorosa trasparenza nella gestione, nella tariffazione e
nel finanziamento. Il controllo deve essere esercitato da organie distinti. (§) Gli obblighi di Servizio
Universale definiti dal diritto comunitario rappresentano uma sorta di minimo comun denominatore,
rispetto al quale ciascuno Stato membro è libero di aggiungere ulteriori elementi coerenti con la propria
specifica concezione dei servizi di interesse generale (o servizi pubblici), sempre a condizione che gli
strumenti utilizzati siano conformi al diritto comunitario.” (CLARICH, Marcello. Dal servizio pubblico
al servizio universale, p. 22-23. In: FROVA, Sandro (org.). Telecomunicazioni e servizio universale.
Milano: Dott. A. Giuffrè Editore, 1999, p. 21-29).
655
No Brasil, a natureza flexível do conceito de universalização advém da periodicidade das metas
governamentais prevista no art. 80, caput da Lei Geral de Telecomunicações. Ainda, as regras para
utilização do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUST) fixadas pela Lei
9.998, de 17 de agosto de 2000, são claras no aspecto de acompanhamento da inovação tecnológica. Nela,
fixam-se, como objetivos do fundo, por exemplo, “a implantação de acessos para utilização de serviços de
redes digitais de informação ... a estabelecimento de ensino e bibliotecas” (art. 5º, VI), “a instalação de
redes de alta velocidade ... entre estabelecimento de ensino e bibliotecas” (art. 5º, VIII) e “a implantação
de acessos para utilização de serviços de redes digitais de informação destinadas ao acesso público,
inclusive da internet, em condições favorecidas, a instituições de saúde” (art. 5º, V).
656
Neste sentido a dicção legal do Telecomunications Act de 1996 é esclarecedora: “Universal service is
an evolving level of telecommunications services that the Commission shall establish periodically under
this section, taking into account advances in telecommunications and information technologies and
services. The Joint Board in recommending, and the Commission in establishing, the definition of the
services that are supported by Federal universal service support mechanisms shall consider the extent to
which such telecommunications services – (A) are essential to education, public health, or public safety;
(B) have, through the operation of market choices by customers, been subscribed to by a substantial
majority of residential customers; (C) are being deployed in public telecommunications networks by
telecommunications carriers; and (D) are consistent with the public interest, convenience, and necessity.”
(47 U.S.C. 254 (c) (1)).
657
Communications Act de 1934: “to make available, so far as possible, to all the people of the United
States, without discrimination on the basis of race, color, religion, national origin, or sex, a rapid,
efficient, Nationwide, and world-wide wire and radio communication service with adequate facilities at
reasonable charges (…)” (47 U.S.C. 151).
658
“The Act was passed after a House committee spent more than a year investigating the communications
industry. In the thousands of pages of reports it generated, the subject of universal service, in either its
first or second generation sense [significados de sistema universal ou de acesso universal garantido pelo
Estado], did not appear at all. The records contain no mention of telephone penetration levels. There are
no data purporting to show that an unacceptable number of people were unreached by the telephone
network or unable to afford service. There is no mention of a need to subsidize access lines or of
extending service to rural areas. There is not even a discussion of the problem of jurisdictional
165
que serviço universal significaria que “todos os assinantes de telefonia deveriam estar
conectados uns aos outros”659. Já, a segunda geração de política pública do setor
refletiria o esforço estatal de disponibilização efetiva de acesso de telefonia para todas
as residências mediante a prática iniciada na década de 1970 de subsídios cruzados entre
telefonia de longa distância e telefonia local.660
A terminologia de gerações de políticas públicas reflete a tendência em se
encarar o fenômeno da universalização como a síntese de etapas necessárias, quais
sejam: a) a unificação do sistema (1ª geração) – o sistema universal, a rede universal ou
o sistema unificado; b) a universalização do acesso telefônico básico661 (2ª geração) –
financiamento do acesso a todos que dele necessitem e que, por razões financeiras, de
deficiência física ou de localização geográfica, não o pudessem ter; c) e, finalmente, a
universalização dos serviços especiais de telecomunicações, o que significa entender a
universalização como um fenômeno em evolução.662 O modelo da União Européia não
foge desta consideração de etapas de aplicação da idéia do serviço universal ao fixar
como diretriz básica da universalização dos serviços de telecomunicações o acesso de
um conjunto mínimo definido de serviços a todos os usuários independentemente de sua
posição geográfica e por um preço razoável.663 A repartição, em meio a um mercado de
concorrentes, dos custos de operação de serviços universais caracteriza a política da
Comissão Européia, que pouco destoa dos pressupostos norte-americanos de subsídio,
por parte das empresas concorrentes, de atividades escolhidas em políticas públicas
como essenciais à sociedade.664
separations [ou seja, a divisão de competências entre União e Estados Membros, que viabilizou a prática
do subsídio cruzado no setor de telefonia norte-americano].” (MUELLER Jr., Milton L. Op. cit., p. 4).
659
Ibid., p. 2. Tradução livre do original: “Universal service at this time meant that all telephone
subscribers should be connected to each other”.
660
“Contemporary readers will have no difficulty recognizing the definition of universal service that
prevails today: universal service is comprehensive household telephone penetration – a ‘telephone in
every home’. Universal service policy has become synonymous with regulating rates to make telephone
service more affordable to consumers. Cross-subsidies do that. Long-distance users are overcharged to
subsidize local service. Urban customers pay more so rural customers can pay less.” (Ibid., p. 150).
661
Para o Governo norte-americano, universalizar, neste sentido da segunda geração de políticas públicas
do setor, significava a expansão do acesso ao sistema de telefonia como valor maior de regulação.
Buscava-se “to push local telephone rates down”; “universal service was something for consumers, not
providers” (HUBER, Peter W.; KELLOGG, Michael K.; THORNE, John. Op. cit., p. 22). “The rule of
thumb among many state regulators, it has been said, is the Pizza Test: the monthly fee for basic
residential phone service must not under any circumstances be permitted to exceed the price of a pizza –
medium size, with two ingredients.” (Ibid., p. 23, nota 71).
662
SHAW, James. Telecommunications deregulation. Boston/London: Artech House, 1998, p. 39.
663
A Diretiva Européia 97/33/CE, de 30 de junho de 1997, que trata da interconexão no setor de
telecomunicações, voltada a garantir o Serviço Universal e a interoperabilidade através da aplicação
dos princípios de provimento de uma rede aberta, dispõe em seu sétimo considerando e artigo 2:
“7)considerando que a evolução da noção de Serviço Universal deve acompanhar pari passo o progresso
tecnológico, a evolução do mercado e a alteração da demanda; que no exame futuro da presente diretiva é
necessário ponderar as novas condições de provimento do Serviço Universal; (....) Artigo 2, Item 1. Aos
fins da presente diretiva, entende-se por: (...) g) Serviço Universal, um conjunto mínimo definido de
serviços de determinada qualidade disponível a todos os usuários independentemente de sua posição
geográfica e, tendo em conta as condições específicas nacionais, por um preço razoável”.
664
“A differenza della nozione tradizionale di servizio pubblico, la nozione di Servizio Universale di
derivazione comunitaria sembra presuppore, comunque, um mercato concorrenziale con una pluralità di
operatori e implica soltanto um sistema di rilevazione e di ripartizione dei costi connessi alle prestazioni
non remunerative volte specificamente a garantire i livelli di servizio richiesti.” (CLARICH, Marcello.
Op. cit., p. 21-29).
166
Apesar da complexidade demonstrada pela presença de gerações de serviços
universais, a política de serviço universal vem sendo encarada, didaticamente, como
atuação estatal no sentido de que o maior número possível de pessoas possam ter
garantido o acesso à rede por intermédio de serviço telefônico residencial básico.665 A
leitura da nova Seção 254 introduzida pelo Telecommunications Act de 1996 no
Communications Act de 1934 evidencia, entretanto, que o modelo de política pública
adotado nos Estados Unidos da América vem definido como justificativa maior de
atuação estatal voltada a vários efeitos: à preservação da rede universal; ao acesso de
todos aos serviços básicos de telefonia; mas também ao acesso diferenciado a serviços
especiais de telecomunicações. O Telecommunications Act de 1996 previu como
princípios do serviço universal a prestação de serviços básicos de telecomunicações de
qualidade a preços justos, razoáveis e suportáveis666, adotando, assim, a concepção de
segunda geração. Ao definir, entretanto, o acesso a serviços avançados, retoma o
sentido de serviço universal como o de uma rede universal que alcance todas as regiões
da Nação.667 Por sua vez, introduz-se, com aquele Act, a eleição de novos espaços de
demanda dos serviços subsidiados: escolas, serviços de saúde e bibliotecas.668
Até este ponto, foi fixado o modelo de tratamento do serviço universal pós
Telecommunications Act de 1996, mas não se pode notar qualquer menção a quem fez
as opções de quais serviços – básicos de telefonia, avançados de dados ou outros – ou
de quais atividades – ensino, saúde ou outros serviços de utilidade pública – deveriam
ser contemplados com o subsídio de serviço universal. O processo utilizado para
definição das prioridades sociais de investimento no serviço universal vem relegado a
análises de cunho meramente descritivo do posicionamento oficial do Federal-State
Joint Board on Universal Service criado no âmbito da Federal Communications
Commission no mês seguinte ao de aprovação do Telecommunications Act, de 8 de
fevereiro de 1996. Embora de composição paritária – diretores da FCC, diretores de
comissões de utilidade pública estaduais e representante dos consumidores –, o Joint
Board on Universal Service compõe-se em instância da FCC que concentra as
discussões sobre serviços universais na agência.
Em que medida este Federal-State Joint Board vem previsto como mecanismo
de abertura para participação social na tomada de decisões sobre quais serviços e
atividades serão beneficiados com o dever de universalização? Esta é uma questão
difícil de ser respondida, mas o levantamento dos principais relatórios e encontros deste
conselho evidenciam um fato: a temática diretora das discussões concentra-se em
aspectos de operacionalização do serviço universal ou de opção sobre os serviços, as
665
“The universal service policy holds that basic residential telephone service should be affordable so that
as many people as possible have access to the network.” (BRANDS, Henk & LEO, Evan T. The Law and
regulation of telecommunications carriers. Boston: Artech House, 1999, p. 197).
666
“The Joint Board and the Commission shall base policies for the preservation and advancement of
universal service on the following principles: (1) QUALITY AND RATES – Quality services should be
available at just, reasonable, and affordable rates.” (47 U.S.C. 254 (b)(1) – Telecommunications Act of
1996).
667
“(2)ACCESS TO ADVANCED SERVICES. – Access to advanced telecommunications and information
services should be provided in all regions of the Nation.” (47 U.S.C. 254 (b)(2) – Telecommunications
Act of 1996).
668
“(6)ACCESS TO ADVANCED TELECOMMUNICATIONS SERVICES FOR SCHOOLS, HEALTH
CARE, AND LIBRARIES. – Elementary and secondary schools and classrooms, health care providers,
and libraries should have access to advanced telecommunications services as described in subsection
(h).” (47 U.S.C. 254 (b)(6) – Telecommunications Act of 1996).
167
atividades beneficiadas ou os custos para manutenção do fundo de serviço universal.669
Não é pauta de discussão o formato de participação dos interessados ou de incremento
desta participação nos encontros patrocinados pelo conselho para definição da
prioridade de universalização e de custeio e implementação.670 Pelo contrário, a
principal discussão atual sobre a questão do serviço universal envolve a dificuldade de
compatibilização entre o norte de liberação da competição e o de subsídio/reembolso do
serviço universal.671
5.6 AGÊNCIAS REGULADORAS INDEPENDENTES NOS EUA E
A FEDERAL COMMUNICATIONS COMMISSION (FCC)
Surgimento das agências reguladoras no modelo norteamericano
A introdução das agências reguladoras independentes no cenário regulatório
norte-americano acompanhou um movimento de nacionalização das políticas públicas
setoriais. A compreensão do papel da Federal Communications Commission (FCC)
depende da contextualização da herança comum às agências reguladoras independentes
dos Estados Unidos da América: a construção de espaços institucionais capazes de
ordenar políticas públicas sobre setores econômicos em nível nacional.
As agências reguladoras norte-americanas estão inseridas nesta tentativa de
exercício de uma função política centralizada em um Estado fortemente federalizado.
Com as agências reguladoras norte-americanas, entra em cena “uma nova instituição
político-administrativa nacional”672. Elas se apresentaram como o braço administrativo
de política pública nacional sobre setores da economia ou áreas de interesse social, que
669
BRANDS, Henk & LEO, Evan T. Op. cit., p. 210-216.
Conferir, para tanto, as atividades do Federal-State Joint Board on Universal Service em:
http://www.fcc.gov/wcb/universal_service/JointBoard/welcome.html.
671
HUBER, Peter W.; KELLOGG, Michael K.; THORNE, John. Op. cit., p. 582-585. O pressuposto de
serviço universal encontra a mesma discussão no modelo da União Européia: “Emerge, insomma, la
distonia di fondo fra l’obiettivo del Servizio Universale (attuale) e l’obiettivo della piena liberalizzazione
in ambito concorrenziale. In altri termini, ci andiamo accorgendo sempre più di quanto sai stridente,
nelle telecomunicazioni, il contrasto fra i principi del sussidio/rimborso per un servizio strandard in un
contesto non dinamico (uso un eufemismo) da un lato, della concorrenza e dello sviluppo sia dei
prodotti/servizi che delle imprese dall’altro: sono due mondi diversi” (FROVA, Sandro. Nozione ed
evoluzione del servizio universale nelle telecomunicazioni, p. 15. In: FROVA, Sandro (org.).
Telecomunicazioni e servizio universale. Milano: Dott. A. Giuffrè Editore, 1999, p. 9-20). Ainda, “La
questione che sta al centro del dibattito comunitario [da União Européia] in materia di Servizio
Universale è, in realtà, come rendere compatibile la garanzia dell’universalità delle erogazioni con un
mercato liberalizzato, aperto alla concorrenza e caratterizzato dalla presenza di una pluralità di gestori
privati” (CLARICH, Marcello. Op. cit., p. 23).
672
HORWITZ, Robert Britt. The irony of regulatory reform: the deregulation of american
telecommunications. New York/Oxford: Oxford University Press, 1989, p. 47. Tradução livre do
original: “a new national, administrative political institution”.
670
168
antes vinham divididas entre políticas públicas locais fixadas pelo Legislativo local e
políticas públicas nacionais fixadas pelo Judiciário.673
Assim, a análise do surgimento das agências reguladoras nos EUA afigura-se
como representativa da própria construção do Estado norte-americano. Tais agências,
portanto, encarnam um novo ramo de regramento estatal pautado no direito
administrativo e uma nova instituição de poder político.674
Tais modificações dizem respeito à estrutura do Estado alterada com a
introdução das agências reguladoras norte-americanas, mediante a inserção de um novo
pólo de poder político de cunho administrativo e de âmbito nacional.
Por outro lado, sob o enfoque dos regulados, a presença das agências
reguladoras respondeu a um desejo de um arcabouço regulatório previsível para a
atividade econômica, que vivenciava o descompasso trazido pelo desenvolvimento
econômico entre o sistema econômico lastreado em relações nacionais e internacionais e
o sistema político, ainda preso a aspectos eminentemente estaduais/locais.675
“Regulation took over from the federal judiciary the
role of defining the grounds and terms of market exchange –
hence the role of guiding the course of American economic
development. It is in this sense that the rise and general
function of regulatory agencies represent a new stage in the
role of the state (…) Regulatory agencies became the modern
form of state intervention to reconcile the expanded and
complex needs of capital (accumulation) with the democratic
demands for social controls of corporate activity and of
fairness generally (legitimation) (…) Regulatory agencies
constituted national administrative political institutions to
deal with the massive social and economic instability caused
by the corporate transformation of the economy.”676
Esta tensão entre uma economia de âmbito nacional ou internacional, de um
lado, e políticas públicas locais e variadas dos Estados Federados, de outro, é apontada
como a principal razão de inserção das agências reguladoras no modelo norteamericano, onde somente o Judiciário federal era capaz de tomar decisões de
implementação e acompanhamento de políticas públicas que fossem aplicáveis em todo
o território nacional. O Judiciário, entretanto, não foi concebido para a conformação
contínua de relações sociais, mas para a solução de litígios específicos e interpretação
final do ordenamento jurídico. A Administração, por sua vez, foi talhada para o
673
“Nineteenth-century political power was divided effectively between a predominantly local, partybased legislative authority and a nationally oriented federal judiciary” (Ibid., p. 47). Conferir também
nota 678, p. 182 desta tese.
674
“Regulatory agencies constituted a new institution of political power and a new body of law –
administrative law” (Ibid., p. 46-47).
675
“The advent of regulatory agencies is concomitant with the rise of a national economy and the need for
a new institution of political power to establish effective social controls on and for industry” (Ibid., p. 4849).
676
Ibid., p. 47-50.
169
tratamento de situações complexas e relações contínuas.677 As agências reguladoras
norte-americanas vieram preencher este vácuo institucional.678
À despeito da ocupação deste espaço institucional regulatório pelas agências
independentes norte-americanas, elas seguiram a mesma orientação geral inaugurada
pelo Judiciário no século XIX de afirmação do poder das cortes federais sobre
atividades econômicas interestaduais mediante a fixação do conceito de atividades de
interesse público, e, portanto, orientadas por princípios gerais aplicáveis a todo o
território nacional.679 A presença de atividades, tais como os serviços de transporte por
ferrovias, com características intrínsecas de um monopólio natural permitiram gravar
tais atividades como serviços afetados a interesse público (affected with a public
interest) e diferenciá-los dos típicos serviços privados. Restabelecia-se, assim, por
intermédio do conceito de serviço orientado ao público (publicly oriented business), o
princípio das common carriers do século XIII da common law inglesa.680
5.6.1 As agências como espaços institucionais de composição
de interesses
Ao preencherem o vácuo institucional gerado pela tensão entre setores da
economia de extensão nacional ou internacional e a legislação local, as agências
reguladoras independentes ter-se-iam firmado como um novo espaço institucional onde
os interesses contrapostos dos setores poderiam ser resolvidos; onde se poderiam
solucionar questões insuscetíveis de solução em outras esferas.681
A primeira das agências reguladoras norte-americanas – a Interstate Commerce
Commission (ICC) – surgiu em 1887 com a característica de espaço institucional para
formação de decisões políticas fora do Legislativo.682 Mesmo a definição legal das
competências da agência não serviu para afastar o caráter criativo das decisões dela
677
A diferença de fundo entre administração e atividade jurisdicional é que a administração é “an ongoing
process of rational oversight and manipulation (...) it is substantive and continuous (...) such oversight is
molded to concrete problems and cases on an ongoing basis” (Ibid., p. 65).
678
“The structure of political power in early America was dispersed and localistic. Indeed, the dominant
constitutional model is one of dividing, separating, and checking powers so as to contain government.
The singularly important place of law and courts in American society derives from this heritage. As
Samuel P. Huntington has argued, the supremacy of law in the United States was mated to the rejection
of authority or supremacy in a single institution [§] Only Constitutional Law underlay all political
institutions. This put the federal judiciary in a key structural position as the only institution capable of
exercising a centralizing political function.” (Ibid., p. 50).
679
Sobre a afirmação de que as cortes federais fixaram sua competência sobre atividades econômicas
intraestaduais no século XIX, vide: Ibid., p. 56-57. O trecho a seguir esclarece a relação entre a extensão
da competência das cortes federais e a natureza nacional ou internacional da atividade econômica
envolvida: “The judiciary had moved to federalize commerce, recognizing the irrationality of a national
economy being controlled at the state and local levels” (Ibid., p. 63).
680
Para atividades detentoras de um quasi-monopoly power: “they must serve all, they must provide
adequate (and safe) facilities, they must change reasonable rates, they must not discriminate among
customers.” (Ibid., p. 59).
681
“No existing political institution could solve problems of this complexity” (Ibid., p. 63).
682
“The proposal for an administrative commission was conceived as a way to remove all politically
divisive and potentially dangerous policy decisions from the legislative arena. The compromise
legislationa which resulted in the Act to Regulate Interstate Commerce gave something to everybody –
and in this respect prefigured one of the main problems in the operations of the ICC and most subsequent
regulatory agencies, the problem of the vague and imprecise legislative mandate.” (Id., ibid.).
170
originárias. Tais decisões continham nítido caráter político, pois resultantes de
mandamentos legais vagos. Ao criar a ICC, o Congresso norte-americano não definiu
claramente os nortes de política pública a serem seguidos por esta agência; antes,
transferiu para ela a própria definição de tais políticas.683
Seguindo a experiência original da Interstate Commerce Commission (ICC), as
agências reguladoras norte-americanas foram inseridas na estrutura estatal como novas
instituições de poder político.
Elas não se afiguraram como estruturas de administração das políticas públicas
em sua acepção clássica de mera execução do previamente ordenado, mas firmaram-se
como fontes de políticas públicas governamentais estruturadas para servirem como
ponto de encontro das vontades políticas684, em que todos os partícipes deveriam ser
tratados como iguais sob o olhar objetivo da administração pública.685 Partindo-se da
compreensão de que o interesse público envolve necessariamente a ponderação de
muitos interesses, as agências, ao encarnarem uma instância política de decisão, não
significariam a proteção dos interesses do setor, mas uma confluência de interesses
diversos em nome de algo maior – o interesse público. O reconhecimento do espaço
público nas agências vem gravado com a exigência de que suas decisões venham
fundamentadas com a necessária ponderação dos efeitos não só sobre os atores do setor
– indústria e consumidor –, mas sobre o conjunto dos interesses da Nação, de cunho
econômico e social.
“The public interest is a texture of multiple strands. It
includes more than contemporary investors and contemporary
consumers. The needs to be served are not restricted to
immediacy, and social as well as economic costs must be
counted (…) the Commission should set forth with
explicitness the criteria by which it is guided in determining
that rates are 'just and reasonable', and it should determine the
public interest that is in its keeping.”686
As agências, portanto, foram moldadas, em sua história institucional nos EUA,
para refletirem um “sistema de representação de interesses”687. Ao encarnarem uma
instância de decisão política, não significariam a proteção dos interesses do setor – da
indústria –, mas uma confluência de interesses diversos em nome de algo maior: o
interesse público. Daí, a interpretação das cortes de justiça norte-americanas ter-se
orientado a rever as decisões das agências com vistas a proteger os interesses dos
usualmente sem representação.688 Isto levou a que as agências se protegessem do
questionamento de suas decisões mediante ampla divulgação de seus procedimentos e
espaço para manifestação. Dita preocupação vem evidenciada na publicidade dos
683
“Congress didn’t transform social and economic conflicts into a coherent regulatory policy so much as
shift those conflicts to a new institution” (Ibid., p. 64).
684
A comparação a seguir entre a função das agências reguladoras e dos partidos políticos revela o sentido
concebido para as agências norte-americanas de espaços de exercício da virtude política: “If policital
parties were structurally receptive to geographic interests, regulatory agencies were structurally attuned
to functional, or industry, interests.” (Ibid., p. 87).
685
“The public, possessing no independent standing before such agencies, was considered protected by
the supposedly nonpartisan and objective science of public administration.” (Id., ibid.).
686
Federal Power Commission v. Hope Natural Gas Co., 320 U.S. 591, 627-628 (1944), Justice Douglas,
j.03/01/1944, Justice Frankfurter, dissenting.
687
HORWITZ, Robert Britt. Op. cit., p. 87.
688
Id., ibid.
171
procedimentos da FCC quanto à implementação do Telecommunications Act de 1996,
mais especificamente no tocante às obrigações de interconexão. Em explanação ao
Congresso norte-americano, o presidente da FCC demonstra o cuidado com o registro e
publicidade na construção das decisões da agência para implementação do
Telecommunications Act de 1996:
“This allowed us to have 100 percent of the initial comments
filed on diskette in the Interconnection proceeding available
online within one day of the end of the comment period. This
meant that parties outside the Beltway could immediately
have access to these comments with the same speed as a
Washington lobbyist – and without the expense of paying the
FCC's copying contractor. On issues of particular interest to
the Internet community, we have opened electronic
mailboxes to receive informal comments, although our rules
currently prevent us from accepting formal comments via email. To correct that deficiency, last month we announced
that we will soon begin a proceeding to eliminate outdated
restrictions on electronic comment filing.”.689
A publicidade do procedimento envolvendo propostas de nova regulamentação
sobre setores regulados por parte das agências, segue o disposto na legislação norteamericana. Para tanto, há um procedimento especial denominado initial regulatory
flexibility analysis (5 U.S.C. 603) segundo o qual, para proposição de nova
regulamentação, a agência deve publicar dita análise com: a) a descrição das razões que
justificam a ação por parte da agência; b) uma sucinta explanação dos objetivos e base
legal para a regra proposta; c) uma estimativa do número de pequenas entidades
afetadas pela proposição; d) estudos sobre o impacto da nova regra no ordenamento
jurídico.
5.6.2 Deregulation
O formalismo de procedimentos gerado nas agências pela necessidade de
demonstrarem cada passo para tomada de decisões é um dos motivos comumente
apontados para o movimento de desregulação iniciado na década de 1970 como ele é
689
UNITED STATES OF AMERICA. U.S. House of Representatives. Subcommittee on
Telecommunications and Finance Committee on Commerce. Implementation of the
Telecommunications Act of 1996. Statement of Reed. E. Hundt, Chairman of the Federal
Communications Commission, July 18, 1996 [on line] Disponível na internet via WWW. URL:
http://www.fcc.gov/Reports/reh71896.html (Consultado em 14/08/2004).
172
compreendido no modelo norte-americano, tanto no campo dos discursos políticos690,
quanto no das decisões judiciais691, ou ainda, no campo de atuação da FCC.692
O conceito de desregulação, entretanto, não é unívoco. Enquanto, para uns, o
Telecommunications Act de 1996 significou desregulação, para outros, ele signifiou
exatamente o contrário693 e para outros ainda, significou a dissociação entre sua
motivação e seus efeitos.694 De fato, a motivação do Telecommunications Act de 1996
deveu-se ao controle, pelos Republicanos, em 1994, das duas casas do Congresso norteamericano, e, em especial, à nomeação de Larry Pressler como presidente do Comitê de
Comércio do Senado e a sua intenção de descomplicar a regulação das
telecomunicações.695 Todavia, o lugar comum de que a desregulação foi o princípio
norteador da política norte-americana de meados de 1990696 não significou o
enxugamento do poder da agência. Isto porque a ordem normativa contida no Act de
livre competição pode ser interpretada como a garantia estatal de mais competidores, ao
invés de ser interpretada, simplesmente, como uma ordem dirigida à agência para se
abster de dar exclusividade na exploração de serviços de telecomunicações. E não
param por aí as opções de interpretação. Mesmo compreendida como a garantia estatal
de mais competidores, as opções regulatórias para sua implementação vão desde uma
maior interferência regulamentar da agência de microgerenciamento das obrigações de
interconexão das incumbents de telefonia fixa local, até a determinação de construção
de nova infraestrutura, passando pela opção de se adotar a infraestrutura de outras
prestadoras de serviços de telecomunicações, tais como a do serviço de TV a Cabo.697 É
690
“Deregulation had emerged as a phrase in the telecommunications policy debate as early as 1978 but
obtained full form as a strategic concept after the 1980 election of President Ronald Reagan.
Deregulation was an overarching strategy and theme of the first-term Reagan presidency. Deregulation
in effect became the overarching new policy theme, defining the major problem of government – too much
regulation – and offering the solution – a major diminution of the federal regulatory role. The longrunning debate over telecommunications policy fit well within this strategic and conceptual framework.”
(PERSONS, Georgia A. The making of energy and telecommunications policy. Westport: Greenwood
Publishing Group, 1995, p. 127-128).
691
“In two recent decisions in 1977 and 1978 concerning the MCI Execunet service, the Court of Appeals
for the D.C. Circuit indicated that the Commission should not have a presumption in favor of monopoly
structure.” (WEBBINK, Douglas W. The recent deregulatory movement at the FCC. In: LEWIN,
Leonard (org.). Telecommunications in the United States: trends and policies. Norwood: Artech, 1981,
p. 67).
692
“Since the 1960’s the FCC has been gradually deregulating more and more of the communications
services it regulates.” (Ibid., p. 61).
693
SHAW, James. Telecommunications deregulation. Boston/London: Artech House, 1998, p. 27.
694
“The 1996 Act, unlike its New Deal counterpart, is decidedly deregulatory in tone. But it is strikingly
regulatory in effect” (HUBER, Peter W.; KELLOGG, Michael K.; THORNE, John. Op. cit., p. 210 –
Capítulo em co-autoria com Evan T. Leo).
695
“Ele [Larry Pressler] continuou [seu ataque ao excesso de regulação] esclarecendo que havia legislação
em demasia nas leis anteriores, especialmente no que dizia respeito à FCC. Ele deixou claro que era
favorável a um papel menor e em perseverante diminuição do controle federal das telecomunicações.”
(OLUFS III, Dick W. The making of telecommunications policy. Boulder: Lynne Rienner Publishers,
1998, p. 81). Do original: “He went on to explain that too much regulation, especially focused on the
FCC, was contained in the earlier bills. He made it clear that he favored a minor and steadily
diminishing role for federal control of telecommunications”.
696
Ibid., p. 101.
697
Postulando a liberdade de mercado para bom funcionamento do setor de telecomunicações a partir da
experiência do setor de transportes aéreo e terrestre, Alfred Kahn delineia os prejuízos do
microgerenciamento regulatório. Vide: KAHN, Alfred E. Resisting the temptation to micromanage:
lessons from airlines and trucking. p. 17. In: BELL, Tom W.; SINGLETON, Solveig (org.). Regulators’
revenge: the future of telecommunications deregulation. Washington: Cato Institute, 1998.
173
tão ambígua a referência normativa à implementação da competição em
telecomunicações, que a Argentina previu, a partir de 2005, o dever das novas empresas
do setor de se beneficiarem do aluguel forçado da rede das operadoras detentoras de
infra-estrutura de telefonia local somente enquanto não for possível a construção de
infra-estrutura própria.698 Apenas como uma referência, o exemplo da Argentina
comprova não ser um absurdo considerar saudável à competição e aos consumidores a
obrigação de duplicação de infra-estrutura.
Enfim, o conceito de desregulação tem sua força em servir a muitos senhores.
Horwitz apresenta uma teoria interessante sobre a origem da deregulation nos EUA.
Para ele, a deregulation norte-americana no setor de telecomunicações deveu-se à
politização da agência, que passou a abrir espaço para manifestação da vontade política
dos interessados, e fez diminuir a celeridade de atuação regulatória. Por conseqüência, a
eficiência econômica da agência teria decaído, entendendo-se eficiência econômica
como a vocação da atuação regulatória para servir aos interesses do mercado. Este teria
sido, segundo Horwitz, o principal motivo de surgimento do movimento de
desregulação nos EUA.
“(...) the expansion of standing rights in the traditional
agencies (not to mention the hostility of the new social
regulatory agencies toward certain business practices) could
only disrupt the balance of formalism and bargaining
historically receptive to industry interests. As the regulatory
process became more open, more democratic, and hence
more politicized in the Great Society period, industry found
regulation increasingly burdensome, time-consuming, and
contentious. The increase of participation led generally to an
increase of formalism, each party taking full advantage of
procedural safeguards and judicial review (…) The increase
in formalism resulted in time delay and, most important, a
reduction in industry’s ability to calculate the future
consequences of its economic decisions.
As corporations began to organize themselves against
regulation in the 1970s, they were increasingly successful in
ideologically tying the troubling phenomenon of falling
national productivity rates to ‘over-regulation’. The liberal
criticism of regulation, which had at its core principles of
equity and political participation, began to be displaced by a
pro-business, often right-wing criticism of regulation, which
had economic efficiency as its basic principle. The move
toward deregulation had begun.(…)
Regulatory agencies, opened up to more democratic
participation, became less able to bargain and more bound to
procedural norms. Administrative rationality and economic
rationality diverged, and by the mid-1970s business engaged
in a wholesale revolt against regulation.”699
698
MORENO, Mario Guillermo. Palestra em painel intitulado “As telecomunicações na América do Sul
(Mercosul e Comunidade Andina): cenário atual e perspectivas”. In: Conferência Internacional –
Perspectivas das telecomunicações nas Américas e Europa. Brasília. Universidade de Brasília. Grupo
Interdisciplinar de Políticas, Direito, Economia e Tecnologias das Comunicações. 28 de fevereiro de
2005.
699
HORWITZ, Robert Britt. Op. cit., p. 87-88.
174
Mesmo com o patrocínio direto de linhas acadêmicas de economistas700 para
firmar-se a desregulação como a diminuição dos poderes das agências reguladoras, o
conceito de desregulação não vem traduzido em fatos.
Embora originariamente tenha-se apresentado como um movimento de reação à
regulação das agências reguladoras norte-americanas quando estas começaram a se
apresentar como instâncias de garantia do espaço político para todos os interessados;
embora a desregulação tivesse surgido como reação à democratização das decisões das
agências, que as destacaram de uma união indissolúvel com o interesse econômico;
embora a desregulação tivesse surgido porque as agências deixaram de ser interessantes
para a indústria em virtude da abertura da burocracia das agências para a sociedade;
embora a desregulação viesse calcada na idéia de diminuir os poderes da agência
reguladora para afastar o setor regulado do formalismo burocratizante de seus
procedimentos cada vez mais abertos a todos os interessados, o produto da desregulação
no setor de telecomunicações, batizado como Telecommunications Act de 1996,
aparentemente reforçou seu poder regulador.701 A complexidade do setor e das opções
regulatórias vem minando uma polarização binomial entre interferir no setor por
intermédio de regulação ou não interferir. O próprio significado de desregulação como
garantia de maior eficiência econômica mediante livre competição transita entre
posturas opostas de incremento da regulação sobre as interconexões, de liberalização
total, de liberalização, mas mediante garantia do serviço universal, de liberalização
regulatória, mas manutenção de controle antitruste, de subsídios entre serviços, de
adoção de postura arbitral pela agência, ou seja, de uma miríade de opções que acabam
por corroer o significado da deregulation e transformá-la em um clichê de pouca
utilidade.
As inovações trazidas pelo Telecommunications Act de 1996702 traduzem três
pontos principais: concentração de poder regulatório na agência federal em detrimento
das agências estaduais; acompanhamento normativo da evolução das tecnologias de
transmissão eletromagnética de informações; autorização para liberação do controle de
preços dos serviços de telecomunicações. Assim, a deregulation não se apresenta com
toda a exuberância de um ideal de liberalização, mas como um ajuste de percurso.
Persistiu a regulação sobre o espectro eletromagnético. Aumentou o controle sobre
conteúdo da informação. Basicamente, a deregulation somente afetou a limitação
regulamentar que fixava fronteiras rígidas de separação entre tecnologias de
telecomunicações. A universalização foi revigorada. Também o unbundling, maior
representante da interferência direta do Estado na propriedade dos meios de
telecomunicações, foi incrementado.703 Ou seja, a deregulation proposta pelo
Telecommunications Act de 1996 afinal se apresentou com o caráter de
700
Para um estudo aprofundado da influência que a atuação regulatória mais aberta e participativa teve na
precisão do significado da desregulação, inclusive mediante financiamento de linhas acadêmicas de
economistas pelas indústrias reguladas, vide: Ibid., p. 199-212.
701
“A Comissão Federal de Comunicações tem se expandido mais do que nunca e continua a multiplicar
volumes de regulação” (BELL, Tom W.; SINGLETON, Solveig (org.). Regulators’ revenge: the future
of telecommunications deregulation. Washington: Cato Institute, 1998, p. VII). Do original: “The
Federal Communications Commission has grown larger than ever and continues to churn out volumes of
regulation.”
702
As principais inovações estão inscritas nas seguintes seções do título 47 do U.S. Code: 103. 104, 201,
202, 205, 251, 252, 253, 254, 256, 257, 259, 261, 271, 273, 274, 301, 302, 303, 401, 402, 403, 552, 601,
602, 652, 702, 705, 706, 707, 708.
703
SHAW, James. Telecommunications deregulation. Boston/London: Artech House, 1998, p. 42-45.
175
acompanhamento regulamentar do avanço tecnológico e como a outorga de opção
regulatório à agência para extinção da regulação de tarifas. O Act de 1996 representa
uma política pública de incremento da atividade regulatória da agência federal com o
fim de transição de um regime de privilégios de monopólio para o de livre
competição.704
O fato é que, embora se afirme a competição como norte regulatório do Act de
1996, ela não resume a política pública norte-americana de deregulation. Pelo contrário,
a competição não é tida como argumento suficiente para opções regulatórias, mas como
um argumento necessariamente pautado pelo interesse público.705 Não há nada que
comprove a natureza perene do predomínio da postura de desregulação, que vem
inserida em um movimento pendular de “oscilação esquizofrênica entre as ideologias
dirigista e do laissez-faire”706.
Neste contexto, a desregulação passa a ser definida até mesmo como um novo
ambiente de convivência entre política pública e interesses privados, entre governo e
mercado. Argumenta-se que governo e mercado não devem atuar em separado, mas
como atividades complementares.707
A questão que persiste é se esta aproximação entre governo e mercado não seria
uma reaproximação entre os fins da agência reguladora e da indústria regulada, que
haviam sido separados pela democratização da tomada de decisões na agência.
O fato é que pretender mudar a relação entre governo e mercado por intermédio
da deregulation não afasta necessariamente do cidadão sua condição apagada de
partícipe da definição política da regulação de um setor da economia. Pelo contrário,
pode ser exatamente o método de manutenção desta condição por intermédio do
compromisso governamental com a garantia da posição diferenciada dos atores
empresariais do mercado no processo de tomada de decisão política, que pode vir a ser
tendencialmente favorável aos interesses destes últimos pela simples ausência de
intervenção. Daí não se poder fundar no conceito de deregulation a presença da virtude
política na relação regulatória. É necessário, portanto, analisar a estrutura da agência
704
HUBER, Peter W.; KELLOGG, Michael K.; THORNE, John. Op. cit., p. 210.
“Satisfactory accommodation of the peculiarities of individual industries to the demands of the public
interest necessarily requires in each case a blend of private forces and public intervention (…)” (FCC v.
RCA Communications Inc., 346 U.S. 86, 93-94 (1953), Justice Frankfurter, j.08/06/1953). Conferir
também o título 47 do U.S. Code, seção 160 (3)(b).
706
FIELD, Alexander J. The regulatory history of a new technology: electromagnetic telegraphy. p. 245.
In: The Law Review of Michigan State University – Detroit College of Law. Second Annual Quello:
Telecommunications Policy and Law Symposium. Volume 2, Summer (2001), p. 245-253.
707
“(…) se pone en marcha un proceso de desregulación, de notable influencia em el resto del mundo.
Según parece, el término desregulación aparece en el programa de Nixon, continuó en el de Carter y
llega a su culminación con el de Reagan. [§] Este proceso no debe completarse como una vuelta al
laissez-faire, sino que más bien se trata de buscar una tercera vía que equilibre gobierno y mercado, en
la idea de que uno y outro no deben actuar por separado. Lo que supone realizar ‘un cambio importante
en la relación tradicional entre política pública y empresa privada. Durante la mayor parte del siglo XX,
el Gobierno y los mercados, normalmente han sido considerados como sustitutos. Los ciudadanos y los
políticos tenían que escoger entre el mandato del gobierno y las fuerzas del mercado. A medida que se
acerca el siglo XXI, vemos que las fuerzas del mercado y la política pública son con más frecuencia
complementarios que sustitutivos’. [§] Como ya vimos, este nuevo sistema se diferencia del anterior en
cuanto trata de crear, siempre que sea posible, mercados competitivos, reduciendo la intervención
pública en la medida que sea posible. Esto es, se tratan de lograr los mismos objetivos que antes se
lograban mediante el recurso a la regulación tradicional em Estados Unidos, y entre nosotros mediante
la empresa pública y el servicio público tradicional, a través del Derecho antitrust.” (GARCÍA, Miguel
Ángel Sendín. Regulación y servicios públicos. Granada: Editorial Comares, 2003, p. 53-55).
705
176
reguladora norte-americana para averiguação de eventuais espaços de manifestação
desta virtude.
5.6.3 Federal Communications Commission – FCC
5.6.3.1 POSICIONAMENTO DA FCC NO QUADRO REGULATÓRIO
NORTE-AMERICANO
A compreensão do significado da Federal Communications Commission (FCC)
pode ser esclarecido a partir de seu enquadramento no arcabouço institucional norteamericano. No esquema de divisões funcionais por estruturas de Estado, a FCC exerce
um conjunto de atividades denominadas rule-making authority – também chamada
bureaucratic rule making ou rule-making power708 – directing power, investigatory
power e licesing power, fazendo fronteira com atividades regulatórias de outras
espécies, tais como, o controle antitruste, a defesa do consumidor e a elaboração de
políticas regulatórias do setor de telecomunicações.
Compõem o menu regulatório das telecomunicações para atuação nas áreas
citadas: a Federal Communications Commission (FCC), para os fins de rulemaking
authourity, directing power, investigatory power e licensing power; as State Regulatory
Commissions ou Public Utilities Commissions (PUCs); a Federal Trade Commission
(FTC), para os fins de promoção da competição e proteção do consumidor; o
Department of Justice e sua Anti-Trust Division, para os fins de monitoramento
antitruste; a National Telecommunications and Information Administration (NTIA), que
integra o Department of Commerce e tem a finalidade de coordenação executiva da
política de telecomunicações, implementando pesquisas e formulando políticas na área
de telecomunicações para a Casa Branca; no âmbito internacional, o Bureau of
International Communications and Information Policy, integrante do Departament of
State, coordena as ações norte-americanas sobre política internacional de
telecomunicações; outros órgãos executivos, tais como o Department of Defense e o
Office of the United States Trade Representative interessam-se por temas específicos do
setor; o próprio Congresso norte-americano, por meio de subcomitês temáticos de
telecomunicações da Câmara e do Senado709; e, finalmente, as Cortes de Apelação
judiciais, que se transformaram elas mesmas num “importante ator da política de
telecomunicações”710.
Por rule-making power entende-se o poder outorgado à agência de estabelecer
regras para preencher o propósito da lei. Já, por directing power entende-se o poder da
708
Conferir a terminologia utilizada de rulemaking authority e de bureaucratic rule making em: SHAW,
James. Op. cit., p. 30-32 e 36.
709
No Senado, há, no Committee on Commerce, Science & Transportation, o Communications
Subcommittee. Na House of Representatives, há no Committee on Energy and Commerce, o
Subcommittee on Telecommunications and the Internet. Ambos detêm jurisdição sobre o setor de
telecomunicações e a FCC em especial, podendo convocar audiências e exigir exposições dos comissários
da FCC sobre temas específicos ou sobre atuação em geral e produzir projetos de leis para o setor.
710
BROCK, Gerald W. Telecommunications policy for the information age: from monopoly to
competition. Cambridge/London: Harvard University Press, 1994, p. 58. Original: “The court becomes an
important telecommunication policy player itself”.
177
FCC de emanar ordens limitadoras ou ampliativas da atuação privada no setor.
Investigatory power significa, por sua vez, o poder para audiências necessárias ao
exercício das duas funções anteriores. Finalmente, por licensing power entende-se o
poder dado à agência para outorgar, rejeitar, cancelar, renovar ou modificar licenças,
principalmente no tocante ao uso do espectro de radiofreqüência.711
5.6.3.2 COMPETÊNCIA DA FCC
O objetivo outorgado à agência pelo Communications Act de 1934, que a criou,
fornece os limites de sua atuação. A autoridade da agência está delimitada pelo fim
específico de execução e aplicação712 da política de telecomunicações norte-americana,
e assim o faz com o beneplácito do Telecommunications Act de 1996 para o exercício de
uma forte discricionariedade em definir a forma como a política de telecomunicações
será implementada.713 A referência à execução e aplicação da política de
telecomunicações, entretanto, não é suficiente para, por si só, fornecer parâmetros
seguros dentro dos quais se faculta a atuação da agência e a preocupação da Suprema
Corte norte-americana com o conceito de interesse público em setores regulados é a
mais clara evidência desta afirmação.714
Em linhas gerais, o modelo de agências independentes federais norte-americanas
segue o mesmo caminho descrito para a FCC, mas o nascimento desta agência também
foi marcado por aspectos conjunturais e rende homenagem especialmente à finalidade
711
SHAW, James. Op. cit., p. 36.
O Communications Act de 1934 estipula as funções e a razão de ser de criação da Federal
Communications Commission (FCC): “For the purpose of regulating interstate and foreign commerce in
communication by wire and radio so as to make available, so far as possible, to all the people of the
United States, without discrimination on the basis of race, color, religion, national origin, or sex, a rapid,
efficient, Nationwide, and world-wide wire and radio communication service with adequate facilities at
reasonable charges, for the purpose of the national defense, for the purpose of promoting safety of life and
property through the use of wire and radio communication, and for the purpose of securing a more
effective execution of this policy by centralizing authority heretofore granted by law to several agencies
and by granting additional authority with respect to interstate and foreign commerce in wire and radio
communication, there is hereby created a commission to be known as the ‘Federal Communications
Commission’, which shall be constituted as hereinafter provided, and which shall execute and enforce the
provisions of this Act.” (47 U.S.C. 151)
713
“A salient feature of the Act [Telecommunications Act of 1996] is that the FCC maintains great
discretionary authority in designing and carrying out communications policy” (SHAW, James. Op. cit., p.
46).
714
“It is a mistaken assumption that this is a mere general reference to public welfare without any
standard to guide determinations. The purpose of the Act, the requirements it imposes, and the context of
the provision in question show the contrary. Going forward from a policy mainly directed to the
prevention of abuses, particularly those arising from excessive or discriminatory rates (…)” (New York
Central S. Corp. v. United States, 287 U.S. 12, 24 (1932), Justice Hughes, j. 07/11/1932). Ainda: “In
granting or withholding permits for the construction of stations, and in granting, denying modifying or
revoking licenses for the operation of stations, 'public convenience, interest, or necessity' was the
touchstone for the exercise of the Commission's authority (…)Thus, it is highly significant that although
investment in broadcasting stations may be large, a license may not be issued for more than three years;
and in deciding whether to renew the license, just as in deciding whether to issue it in the first place, the
Commission must judge by the standard of 'public convenience, interest, or necessity.'.” (Federal
Communications Com’n v. Pottsville B. Co. 309 U.S. 134, 137-138 (1940), Justice Frankfurter, j.
29/01/1940).
712
178
de uniformização do tratamento regulatório em nível nacional de Roosevelt715,
particularmente impulsionado pelo esforço de garantia da segurança nacional durante a
Segunda Gerral Mundial716 e ambientado na orientação pró-regulatória do New Deal.717
Nesta conjuntura de surgimento da FCC de 1934, definiu-se a extensão de sua
competência, limitando-a à regulação do setor de telecomunicações no que se referia
aos serviços interestaduais e internacionais de telecomunicações, relegando-se às
public utilities commissions (PUCs) estaduais a regulação dos serviços intraestaduais de
telecomunicações.718 O Act de 1996, entretanto, submeteu as agências estaduais norteamericanas, no tocante às matérias por ele tratadas, à FCC e nacionalizou,
definitivamente, a política de universalização, de competição e licenças de
telecomunicações, facultando à FCC atribuir parcela de suas funções às agências
estaduais. As agências estaduais, segundo a interpretação predominante na Suprema
Corte, transformaram-se em instituições de execução das metodologias de cálculo, das
fórmulas e regras expedidas pela FCC.719
Dita centralização regulatória das telecomunicações nos EUA não foi alcançada
de forma repentina. A consolidação do poder da FCC frente às agências estaduais, que
não vinha sendo discutida por questões conjunturais de coincidência entre política
federal e políticas estaduais para o setor até a década de 1950, foi obtida por intermédio
de batalhas judiciais a partir de então. A postura da FCC de realinhamento das
prioridades regulatórias para a promoção da competição e desregulação do setor
iniciada em meados de 1950 e consolidada na década de 1970 gerou choques mais
freqüentes entre a regulação federal e as estaduais. De 1976 a 1986, em meio a batalhas
judiciais, os tribunais validaram o poder da FCC de precedência ou de suplantação da
regulação estadual (federal preemption power), até que decisão da Suprema Corte de
1986 reverteu este posicionamento e deu plena extensão à expressão ‘dual state and
federal regulatory system’, quando houvesse possibilidade de separação entre a infraestrutura ou contabilidade referente às ligações telefônicas intraestaduais e
interestaduais.720 Os anos seguintes foram marcados por tentativas frustradas da FCC de
715
BROCK, Gerald W. Op. cit., p. 59.
SHAW, James. Op. cit., p. 33.
717
HUBER, Peter W.; KELLOGG, Michael K.; THORNE, John. Op. cit., p. 209.
718
Communications Act de 1934 atualizado em 1996: “The term ‘State commission’ means the
commission, board, or official (by whatever name designated) which under the laws of any State has
regulatory jurisdiction with respect to intrastate operations of carriers” (47 U.S.C. 153(41)).
719
“It seems to me that Congress consciously designed a system that respected the States' historical role
as the dominant authority with respect to intrastate communications. In giving the state commissions
primary responsibility for conducting mediations and arbitrations and for approving interconnection
agreements, I simply do not think that Congress intended to limit States' authority to mechanically apply
whatever methodologies, formulas, and rules that the FCC mandated.” (AT&T Corp. et al. v. Iowa
Utilities Board et al. N.º 97-826. Justice Scalia. j.25/01/1999 – Parte II, c do voto vencido – Justice
Thomas).
720
A supremacia das decisões federais da FCC sobre o poder regulador das agências estaduais vem
definida por dois marcos: em 1976, a decisão conhecida como NCUC I (North Carolina Utility
Commission v. FCC) julgada pelo Fourth Circuit, que afirmava um padrão pró-supremacia da regulação
federal de telecomunicações; e a decisão conhecida como Louisiana PSC (Louisiana Public Service
Commission v. FCC) proferida pela Suprema Corte, em 1986 e que negou a preempção automática da
metodologia de depreciação para fixação de tarifas pela FCC sobre as metodologias de depreciação para
fixação de tarifas adotadas pelas agências estaduais. Assim, a Suprema Corte afirmou, neste caso, a
existência de um sistema dual – federal e estadual – de regulação das telecomunicações. “The Act
[Communications Act of 1934] establishes, among other things, a system of dual state and federal
regulation over telephone service, and it is the nature of that division of authority that these cases are
716
179
retomar o comando da política regulatória nacional sobre a competência intraestadual.
Somente em casos em que ficasse comprovado que o exercício da competência federal
sobre telecomunicações seria inviabilizado por determinações estaduais sobre os
serviços intraestaduais a FCC lograva o apoio das decisões judiciais. Portanto, cabia à
FCC o ônus de provar que nenhuma regulamentação estadual nos Estados Unidos da
América podia coexistir com a regulamentação federal sem prejudicar a implementação
desta última.721 Sem dita prova, era negado à FCC o exercício de um amplo poder de
preempção sobre a regulação estadual. Com o Telecommunications Act de 1996, em
especial a Seção 253(a)(d)722, a FCC pôde exercitar novamente um amplo poder de
definição primária da regulação nacional de telecomunicações não sem a resistência
estadual, que afinal foi quebrada em decisão da Suprema Corte de 1999.723 O que se
conquistou com este entendimento da Suprema Corte sobre as inovações do
Telecommunications Act de 1996 foi o que antes do Communications Act de 1934 já se
praticava no setor de telecomunicações norte-americano. De 1914 a 1934, vigorou nos
EUA o entendimento da Suprema Corte de que a esfera federal poderia regular tarifas
intraestaduais por intermédio da Interstate Commerce Commission (ICC), fixando-se,
no caso conhecido por Shreveport Rate Case o princípio da ampla preeminência da
regulação federal.724 Não obstante tais conquistas, permanecem dúvidas sobre a
capacidade da FCC de viabilizar uma regulação centralizada.725
Nos EUA, cabe à FCC a regulação do setor de telecomunicações como um todo,
mas esta diferença do modelo brasileiro é muito mais uma diferença puramente
estrutural do que uma diferença essencial de tratamento e divisão do setor de
telecomunicações. No dia-a-dia de funcionamento da FCC antes de sua subdivisão de
funções por áreas, divisão esta sugerida pelo Subcomitê de Comunicações do Senado,
os conselheiros e seus supervisores congressistas (congressional overseers) “estavam
geralmente muito mais interessados na parte de radiodifusão (...), incluindo aí outorgas
about” (Louisiana Public Service Commission v. FCC, 476 U.S. 355, 360 (1986), Justice Brennan,
j.27/05/1986).
721
HUBER, Peter W.; KELLOGG, Michael K.; THORNE, John. Op. cit., p. 246-256 (Preemption after
Louisiana PSC).
722
Communications Act de 1934, com as alterações do Telecommunications Act de 1996, Section 253, “(a)
GENERAL.--No State or local statute or regulation, or other State or local legal requirement, may
prohibit or have the effect of prohibiting the ability of any entity to provide any interstate or intrastate
telecommunications service. (…) (d) PREEMPTION.--If, after notice and an opportunity for public
comment, the Commission determines that a State or local government has permitted or imposed any
statute, regulation, or legal requirement that violates subsection (a) or (b), the Commission shall preempt
the enforcement of such statute, regulation, or legal requirement to the extent necessary to correct such
violation or inconsistency.” (47 U.S.C. 253(a)(d)).
723
“The majority grants the FCC unbounded authority to regulate a matter of state concern” (AT&T Corp.
et al. v. Iowa Utilities Board et al. N.º 97-826. Justice Scalia. j.25/01/1999 – Parte II do voto vencedor).
724
A preeminência da regulação federal não foi plena, restringindo-se a casos em que tarifas fixadas pelas
comissões estaduais pudessem ser consideradas discriminatórias em comparação com os preços
praticados em trechos similares regulados pela esfera federal. Conferir em: Houston, E. & W. T. R. Co. v.
United States, 234 U.S. 342 (1914), Justice Hughes, j.08/06/1914 - The Shreveport Rate Case.
725
“Today – more than four years since the agency released its initial Order – significant aspects of its
pricing, unbundling, collocation, and reciprocal compensation rules remain unsettled. Even where the
agency [FCC] has ultimately prevailed, as it did on the jurisdictional issue in the Supreme Court, the
question whether winning was worth the time and effort it took remains open.” (BEYNON, Rebecca. The
FCC’s implementation of the 1996 Act: agency litigation strategies and delay. p. 47. In: Federal
Communications Law Journal. Los Angeles: Dezembro 2000, vol. 53, issue 1, p. 27-47).
180
de lucrativas licenças de rádio, do que na parte de common carrier”.726Assim, embora
unificada a competência regulatória sobre serviços de telecomunicações em geral,
persistiu, na prática, nítida separação de interesses entre os dois grandes ramos de
telecomunicações: a radiodifusão e o restante dos serviços.
5.6.3.3 COMPOSIÇÃO DA FCC
Originariamente, a FCC foi constituída com sete comissários (commissioners)
indicados pelo Presidente e sabatinados pelo Senado para mandatos de sete anos não
coincidentes. O número de comissários passou para cinco em 1983, alterando-se os
mandatos não-coincidentes para cinco anos cada. Previa-se, na composição original, a
participação de até quatro comissários do mesmo partido político. Com a modificação
de 1983, o máximo de comissários do mesmo partido político passou para três.727 Sob
tais condições de mandatos e indicação, um Presidente dos Estados Unidos da América
que for reeleito, terá indicado todos os comissários da FCC, inclusive para
preenchimento das duas vagas reservadas a membros de outros partidos políticos. Como
o Presidente dos Estados Unidos da América tem o poder de designar, dentre os
comissários existentes, o Diretor da FCC (chairman), tem-se, na prática, que o Diretor
que espera ser substituído pela ascensão de um novo Presidente, normalmente abdica de
seu posto de diretor e de comissário, abrindo espaço para que o Presidente indique tanto
o diretor da FCC, quanto, ao menos, um comissário, caso não coincida a posse
presidencial com o término de um dos mandatos de comissários da FCC.728
A agência detém ampla autonomia para fixação de suas subdivisões internas.729
Sua configuração atual, além das subdivisões administrativas gerais, é representada
pelos comissários em número de cinco e por seis bureaus: o bureau de competição de
telefonia com fio; o bureau de aplicação da lei; o bureau de telecomunicações sem fio; o
bureau de mídia; o bureau de assuntos governamentais e de consumo; e o bureau
internacional. Destas secretarias, a que mais se aproximaria da relação direta com o
cidadão é a de assuntos governamentais e de consumo, mas sua função oficial revela
uma preocupação tutelar do cidadão enquanto consumidor, buscando responder às
perguntas dos consumidores, encaminhar suas queixas e realizar campanhas educativas.
Em documento da FCC destinado aos consumidores, propõe-se como função da agência
a de servir aos consumidores norte-americanos de forma eficiente, efetiva e responsável.
Apresenta-se como um órgão eminentemente executivo e de implementação da melhor
726
BROCK, Gerald W. Op. cit., p. 54.
Communications Act de 1934 atualizado: “The Federal Communications Commission (in this Act
referred to as the ''Commission'') shall be composed of five Commissioners appointed by the President, by
and with the advice and consent of the Senate, one of whom the President shall designate as chairman.”
(47 U.S.C. 154(a)). “The maximum number of commissioners who may be members of the same political
party shall be a number equal to the least number of commissioners which constitutes a majority of the
full membership of the Commission.” (47 U.S.C. 154(b)(5)).
728
BROCK, Gerald W. Op. cit., p. 53-54.
729
Communications Act de 1934 atualizado: “(b) From time to time as the Commission may find
necessary, the Commission shall organize its staff into (1) integrated bureaus, to function on the basis of
the Commission's principal workload operations, and (2) such other divisional organizations as the
Commission may deem necessary. Each such integrated bureau shall include such legal, engineering,
accounting, administrative, clerical, and other personnel as the Commission may determine to be
necessary to perform its functions.” (47 U.S.C. 155(b)(1)(2)).
727
181
política para um serviço de telecomunicações ininterrupto e competitivo. Enfim, a
agência se apresenta como um braço estatal de implementação da competição e da
eficiência no setor de telecomunicações e sua relação com o cidadão se confunde com o
cumprimento deste dever de melhoria do sistema de telecomunicações. A discussão dos
diversos aspectos das opções regulatórias, da orientação tomada pela agência sobre
temas fundamentais de interesse do cidadão, enfim, a efetiva presença institucional e
política da agência no meio telecomunicacional é encoberta por um dever de boa
administração. Bem administrar, nos termos da agência, é servir bem, mas servir bem
não significa abrir espaço à participação política. Servir bem significa decidir bem e este
é o poder da agência. Decidir sobre como orientar o setor de telecomunicações e
garantir que, a partir do modelo decidido pela agência, se potencializem ao máximo os
direitos do consumidor, que, por óbvio, somente pode estar insatisfeito com o serviço ou
com o mal atendimento da agência, mas não com sua condição tão-somente de fruidor
de bem-estar.730 Ser partícipe da discussão política não está em jogo na cultura
institucional da agência.731 O lugar do cidadão-partícipe é no Congresso, mas o
Congresso não é o único lugar de dedução de interesses de cunho regulatório, pois não
exerce a plenitude do poder de orientação conjuntural do setor. Ele pode até fornecer
um norte: o norte da competição, por exemplo. No entanto, o significado que se dá ao
norte e os caminhos decididos para alcançá-lo – funções estas da agência – são tão
importantes quanto a própria finalidade desenhada pelo legislador.
Quanto ao procedimento de tomada de decisões pela agência norte-america,
segue-se um modelo semelhante ao adotado pela ANATEL no Brasil.732 Após
procedimento interno, de ofício ou mediante provocação, a comissão emite um Notice
of Inquiry (NOI) que contém um estudo detalhado das questões a serem colocadas em
consulta pública. Após a análise das contribuições enviadas à comissão pelos
interessados, ou mesmo como primeira etapa do processo de elaboração de
regulamentação, a agência emite um Notice of Proposed Rulemaking (NPRM) com as
propostas de modificação da regulamentação vigente da FCC, abrindo-se novamente
prazo para novas contribuições. Após as análises das contribuições do NPRM, a
comissão pode emitir um Further Notice of Proposed Rulemaking (FNPRM) para novos
comentários, ou decide emitir diretamente um Report and Order (R&O), que é a
decisão em si de alteração da regulamentação em vigor. Após esta etapa, ainda é
possível o protocolo de Petitions of Reconsideration dentro de 30 dias da publicação do
R&O no Federal Register. Finalmente, a resposta circunstanciada da FCC, alterando o
R&O ou mantendo-o, é publicada em um Memorandum Opinion and Order (MO&O).
730
As referências normativas do Communications Act de 1934, emendado pelo Telecommunications Act
de 1996 não fogem à regra de situar o cidadão como beneficiário das proteções governamentais quanto à
qualidade dos serviços e do conteúdo. Vide, a respeito: 47 U.S.C. 208 (Complaints to the Commission);
47 U.S.C. 222 (Privacy of Customer Information); 47 U.S.C. 223 (Obscene or Harassing telephone calls
in the district of columbia or in interstate or foreign communications); 47 U.S.C. 225 (Regulamentação
para proteção do deficiente auditivo); 47 U.S.C. 255 (Regulamentação para proteção do deficiente); 47
U.S.C. 230 (Bloqueio de material ofensivo); 47 U.S.C. 326 (Proteção na radiodifusão contra linguagem
indecente); 47 U.S.C. 390 (Garantia de acesso a serviços de telecomunicações mediante facilidades
públicas); 47 U.S.C. 394 (Financiamento público de programas infantis); 47 U.S.C. 396(a)(1) (Declaração
de interesse público para TV e rádio de conteúdo educativo); 47 U.S.C. 396(a)(3) (Orientação de
conteúdo para a diversidade de programação).
731
UNITED STATES OF AMERICA. FCC. About the FCC: a consumer guide to our organization,
functions and procedures. Washington: Consumer & Governmental Affairs Bureau, 2005.
732
47 C.F.R. 1.425 e 1.430.
182
Nestes procedimentos, a participação do interessado é facultada, mas não decisiva, tal
como ocorre no procedimento de consulta pública no Brasil.
De todo o exposto, não se pode detectar claramente a presença do cidadão como
partícipe na formação da política pública de telecomunicações norte-americana. Pelo
contrário, os espaços institucionais de abertura à participação dos interessados nas
decisões regulatórias respondem muito mais à uma demanda judicial de transparência
dos procedimentos da agência como condição do controle congressual e judicial frente à
pertinência entre os ditames legais e o rule-making power da agência. A participação
social que daí decorre pode mesmo ser suficiente para o argumento acima externado de
que a agência passara a desempenhar um papel político de ressonância da voz do
cidadão em detrimento da eficiência do setor. A discussão, todavia, evidencia uma
tensão e não, necessariamente, a presença institucional do sujeito-enquanto-cidadão na
esfera de decisões políticas. Tal presença institucional somente é evidente para o sujeito
enquanto consumidor. Enquanto consumidor, o sujeito se vê delimitado pelo rol de
temas com que pode contribuir na discussão pública, e a temática de consumo é
exatamente a temática que aprisiona o sujeito a uma condição de beneficiário da atuação
estatal e não de partícipe.
183
6 SEMELHANÇAS, DIFERENÇAS E AUSÊNCIAS NOS
MODELOS BRASILEIRO E NORTE-AMERICANO DE
REGULAÇÃO EM TELECOMUNICAÇÕES
6.1 SITUANDO O ESFORÇO COMPARATIVO
Ultrapassada a etapa necessária de radiografia do modelo regulador de
telecomunicações do Brasil e dos EUA e já antecipadas diversas semelhanças,
diferenças e ausências entre as políticas públicas desses países, o presente capítulo
destina-se a aprofundar as comparações pontuais indicadas nos dois capítulos anteriores.
Para tanto, serão pinçados elementos reveladores das políticas públicas de ambos
os países no que diz respeito à distribuição de competências, à contextualização de
criação das agências reguladoras de telecomunicações, à estrutura do órgão regulador, à
divisão conceitual dos serviços de telecomunicações, às relações institucionais entre a
agência e os demais órgãos de Estado, enfim, aspectos de atuação estatal e sua relação
com a temática da virtude política.
Antes, porém, um esclarecimento temporal. De tudo que foi apresentado sobre
as estruturas de controle estatal do setor de telecomunicações, devem-se separar os
viéses de análise comparativa em duas perspectivas de tempo: a primeira delas enfoca
meados da década de 1990, que partilhou, em ambos os países, a imagem de uma
transformação mais acentuada das políticas públicas de telecomunicações reveladas em
produções normativas específicas, quais sejam, a Lei Geral de Telecomunicações de
1997 e o Telecommunications Act de 1996; a segunda delas enfoca um momento mais
abrangente, mas não menos revelador, qual seja, o espaço de tempo de
institucionalização dos órgãos de controle estatal das telecomunicações em ambos os
países por intermédio de marcos temáticos espalhados por todo o século XX.
A opção metodológica da presente tese, no que diz respeito à delimitação do
espaço de tempo, respeita a constatação de que o enfoque da pesquisa única e
exclusivamente na década de 1990 serve ao fim de eleição de marco temporal capaz de
evidenciar o momento de comparação de políticas públicas contemporâneas. Dito
enfoque não é capaz, entretanto, de contextualizar as opções de políticas públicas
implementadas em ambos os países. Para que as políticas públicas dos países
pesquisados possam ser efetivamente comparadas sem que este esforço seja maculado
pela superficialidade que se contenta com a aparência dos conceitos, as referências desta
tese não puderam se furtar de um ir e vir no tempo lastreado pelos conceitos definidores
das políticas públicas de telecomunicações nos dois países. Se assim não se procedesse,
a conseqüência natural do esforço comparativo resultaria, por exemplo, na aceitação de
que, enquanto nos EUA, as políticas públicas de telecomunicações da segunda metade
da década de 1990 teriam buscado prioritariamente a competição mediante o livre uso
da propriedade privada e progressiva eliminação da regulação administrativa do setor,
no Brasil, haveria um choque entre a afetação pública dos bens das concessionárias de
serviços públicos, a finalidade de alcance da competição no setor de telecomunicações,
a criação da agência reguladora do setor e a ordem normativa de liberalização tarifária.
Pelo contrário, o que se detectou da abordagem dos dois capítulos anteriores foi uma
184
profunda semelhança de perspectivas de políticas públicas de telecomunicações em
ambos os países de cunho centralizador e em constante tensão entre o fim público da
infra-estrutura essencial ao setor e o norte regulamentar de liberalização tarifária. Por
isso, a análise histórica das origens das agências reguladoras no Brasil e nos EUA lança
luz sobre os fenômenos genérica e imprecisamente apelidados de desregulação, que
somente assim tomam forma e se entregam à comparação.
6.2 SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS
Da mera leitura dos dois capítulos antecedentes, que tratam dos modelos de
políticas públicas de telecomunicações do Brasil e dos EUA, pode-se extrair uma
conclusão intuitiva: as semelhanças ultrapassam em muito as diferenças; elas dominam
o cenário em meio a raras divergências. A proposta comparativa, entretanto, exige a
identificação destas semelhanças e diferenças entre os modelos de políticas públicas
brasileiro e norte-americano.
6.2.1 Centralização de competência política e órgão regulador
setorial
As semelhanças estão presentes nas razões de introdução das agências
reguladoras ou seus equivalentes em ambos os modelos. O Conselho Nacional de
Telecomunicações brasileiro, como primeiro órgão unificador das políticas de
telecomunicações mediante a criação do Plano Nacional de Telecomunicações, muito se
aproximou do significado encarnado pela Federal Communications Commission (FCC)
de uniformização do tratamento regulatório de telecomunicações em nível nacional. Os
produtos normativos setoriais – o Código Brasileiro de Telecomunicações, no Brasil, e o
Communications Act, nos EUA – contemporâneos à introdução dos primeiros órgãos
reguladores dos dois países seguem o mesmo princípio.
A política de nacionalização da regulação das telecomunicações foi o estímulo
comum em ambos os modelos (Brasil-EUA) para fixação de órgãos reguladores
específicos do setor de telecomunicações. Dentre os fatores que contextualizaram os
esforços de centralização regulatória em ambos os países, estão: a estrutura dispersa e
localista que predominava nos EUA pré-agencificação733; a competência do Conselho
Nacional de Telecomunicações brasileiro de elaboração do Plano Nacional de
Telecomunicações734 e sua apresentação, embora não com esta nomenclatura, como o
órgão regulador do setor735; a finalidade de Roosevelt de construção de uma política
nacional para uniformização do tratamento regulatório736. A década de 1990, em ambos
os países, confirmou a tendência histórica centralizadora, mediante a concentração de
733
Vide, à respeito, nota 678, p. 182 desta tese.
Vide, à respeito, nota 282, p. 86 desta tese.
735
Sobre a resolução do Conselho Nacional de Telecomunicações referente à participação popular no
capital das empresas de telecomunicações, que evidenciou o exercício de função típica de órgão
regulador, vide nota 285, p. 88 desta tese.
736
Vide nota 715, p. 191 desta tese.
734
185
forças normativas nas mãos da FCC737 e a radicalização do poder normativo federal
sobre os destinos das telecomunicações brasileiras na figura da Agência Nacional de
Telecomunicações. Antes, o regramento dos serviços básicos de telecomunicações via
infra-estrutura telefônica vinha definido a partir de decisões de administração
empresarial do Sistema Telebrás.
6.2.2 O esforço de guerra norte-americano
É bem verdade que, nos EUA, o momento histórico de criação da Federal
Communications Commission (FCC) deteve o diferencial do esforço de guerra, algo não
compartilhado pelo Brasil quando da criação do Conselho Nacional de
Telecomunicações.738 O argumento de uniformização, entretanto, presente na política
pública norte-americana, não se apoiou somente na idéia de esforço de guerra. Ele
também buscava um fim autônomo, tanto que persistente mesmo após o término da
Segunda Guerra Mundial. Esta finalidade foi, então, enunciada como o ideal de rede
universal739. Ao contrário do argumento do esforço de guerra, a proposta de uma rede
universal como rede única e interligada nacionalmente tornou-se um ícone do setor de
telecomunicações norte-americano. Sob este enfoque, o esforço de guerra pode ser
encarado como um acidente conjuntural em face da finalidade de política pública
concentrada na União para preservação da infra-estrutura nacional de telecomunicações.
A presença do esforço de guerra no momento de direcionamento nacional da política de
telecomunicações norte-americana não é, portanto, uma diferença de fundo, que iniba o
caráter comum dos modelos brasileiro e norte-americano de orientação à viabilidade de
interconexão das redes em âmbito nacional. O esforço de guerra, nos EUA, parece estar
muito mais inclinado à função de razão mediata para centralização regulatória do setor.
A unificação de política pública em âmbito nacional responde a uma demanda
imediata de unificação da rede telefônica. A unificação de política setorial vem
concebida como a superação de obstáculos de tráfego de informações na rede telefônica,
eventualmente ocasionados por divergências regulatórias estaduais. Por isso, a razão
imediata da unificação regulatória se deveu à universalização da rede de telefonia e não
ao esforço de guerra. O esforço de guerra encarnou o motivo governamental de
preocupação com a rede de telecomunicações em sua função estratégica. Dada sua
função estratégica, a política pública para as telecomunicações priorizou a centralização
regulamentar para unificação da rede. No Brasil, o fenômeno de unificação da rede
deveu-se, diretamente, à detecção governamental do atraso relativo em que se
encontravam as telecomunicações e ao sucateamento do serviço de telefonia, gerando
pressões sócio-políticas incontornáveis.740
6.2.3 Influência de fatores internacionais
737
Vide, nesta tese, o tópico intitulado “Deregulation”.
Sobre a afirmação de que a criação da FCC foi impulsionada pelo esforço de garantia da segurança
nacional durante a Segunda Gerral Mundial, vide nota 716, p. 191 desta tese.
739
A consideração da rede universal como rede única foi explanada nos textos correspondentes às notas
608 e 609, página 166 e seguintes desta tese.
740
Vide os tópicos desta tese intitulados “Período de estagnação” e “Período das inversões estatais”.
738
186
O diferencial do esforço de guerra norte-americano é uma causa oriunda de
relacionamento internacional e, neste ponto, permite outra aproximação com o modelo
brasileiro quando se estabilizava a Agência Nacional de Telecomunicações estruturada
para o fim de geração da competição no mercado de telecomunicações. A criação da
ANATEL foi precedida de negociações internacionais que afirmavam textualmente a
necessidade de revisão do modelo regulatório de telecomunicações do Brasil, bem como
o método a ser adotado.741 A presença da consultoria internacional McKinsey &
Company, Inc., por intermédio do Termo de Cooperação entre o Ministério das
Comunicações brasileiro e a União Internacional de Telecomunicações, UIT 9BRA/95/05, é o reflexo do peso representado pela transparência dos atos de reforma
setorial brasileiros frente aos investidores internacionais.
Sob tal enfoque, tanto o modelo brasileiro quanto o estadunidense
contextualizaram a introdução dos respectivos órgãos reguladores de telecomunicações
em meio a pressões internacionais oriundas, do lado norte-americano, de esforço de
guerra, e do lado brasileiro, de esforço por investimentos. Guerra e investimentos,
afinal, têm algo em comum...
6.2.4 Infra-estrutura de telecomunicações como rede única e
integrada de âmbito nacional
As políticas públicas brasileira e estadunidense também se assemelham quanto
ao contexto de surgimento dos respectivos órgãos reguladores frente à sua primeira
função: a de direcionamento do setor para o objetivo de constituição de uma rede
integrada de telecomunicações.
O processo de estatização do setor de telecomunicações brasileiro primou pela
concentração de competência normativa e operacional do serviço nas mãos da União,
por intermédio de um órgão unificador das políticas de telecomunicações (CONTEL),
de um Plano Nacional de Telecomunicações, de uma pasta ministerial exclusiva para o
setor de comunicações (Ministério das Comunicações), dos Objetivos Nacionais
Permanentes e da Doutrina de Segurança Nacional do Governo Militar, do Código
Brasileiro de Telecomunicações, da nova dicção constitucional de 1967, que atribuiu
competência à União para os serviços de telecomunicações em geral, e do próprio
sistema unificado de empresas estatais sob a sigla do Sistema Telebrás. Tais fatores
permearam o momento de estatização das telecomunicações brasileiras e tornaram mais
palatável a assimilação da experiência européia equacionada em uma rede contínua,
única e de tecnologias compatíveis e interiorizadas.742
Note-se que a comparação corriqueira que se vê nos comentários históricos do
setor de telecomunicações brasileiro frente ao modelo europeu não significa a
constatação implícita de que o modelo norte-americano não esteja orientado à noção de
rede única e integrada. Não é aí que se opera a distinção, mas na constatação de que o
Brasil adotou uma linha de preservação da integridade estrutural das telecomunicações
por intermédio de intervenção direta, ou seja, por intermédio de prestação direta do
serviço de telecomunicação. Enquanto o Brasil buscou a rede única e integrada por
intermédio da encampação de empresas privadas e sua gestão estatal, os EUA buscaram
741
À respeito do papel desempenhado pelo Blue Book da União Internacional de Telecomunicações na
definição de políticas públicas brasileiras de telecomunicações, vide, nesta tese, nota 373, p. 108.
742
Vide, nesta tese, o tópico intitulado “Período das inversões estatais”.
187
o mesmo objetivo – a chamada rede universal – por intermédio de intensa
regulamentação, ou seja, por intermédio de injunções diretas na esfera jurídica das
empresas privadas de telecomunicações e de orientação da conduta destas empresas
também por meio do uso de poder de polícia administrativo de caráter ampliativo e
restritivo de direitos. Nos EUA, a construção do ideal de rede única e nacional coube às
empresas Bell, a partir dos conceitos de monopólio natural privado garantido pelo
interesse público, de economias de escala, de integridade sistêmica, de planejamento
unitário e do princípio de common carrier, todos resumidos no que ficou conhecido
como paradigma de Vail.743
A diferença entre os dois modelos – o brasileiro e o estadunidense – não foi,
portanto, de finalidade almejada, mas de procedimento adotado.
6.2.5 Monopólio de fato e de direito
Dita construção do ideal de rede única e nacional incorporou uma crença
difundida, nos EUA, pelo paradigma de Vail, e no Brasil, pela reação ao sucateamento
do sistema de telecomunicações. Embora em nenhum dos dois países, à exceção do
período de validade da patente de Graham Bell até 1894, nos EUA, e do que constou no
art. 21, XI, da Constituição Federal brasileira de 1988 por menos de 7 anos, houve a
garantia expressa de monopólio no setor de telecomunicações. Na prática, nos EUA, do
início da operação dos serviços comerciais de telecomunicações, em 1877, até 1959, o
Sistema Bell manteve-se como o que definiu o formato da telefonia norte-americana.744
Mesmo a difusão da propriedade de empresas de telecomunicações a partir de 1894 não
pôde contrastar o esforço de Vail a partir de 1907. O modelo de telecomunicações
norte-americano, portanto, não deixou de ser um modelo de pactuação de monopólios
compartilhados entre as operados locais de telefonia e a de longa distância. Mesmo com
as perdas do Sistema Bell da segunda metade do século XX, somente a partir do
Telecommunications Act de 1996 é que políticas de ampliação da competição local
puderam ser plenamente implementadas pela FCC.
Sob este enfoque, não houve uma diferença digna de menção frente ao que
ocorreu no Brasil a partir da estruturação do setor na década de 1960. A política
brasileira de nacionalização da rede de telecomunicações por intermédio da criação de
um sistema de empresas estatais concentradoras das decisões sobre os rumos das
telecomunicações no país, refletia o mesmo ideal de que as telecomunicações, por seu
serviço fundamental, demandavam a presença monopolística de um Sistema Único – o
Sistema Telebrás –, muito embora convivessem ao lado do sistema estatal empresas
públicas estaduais e municipais e mesmo privadas de telecomunicações.745 Pode-se
dizer, portanto, que em ambos os países, não havia garantia estatal direta de monopólio,
mas uma crença na sua necessidade. Em ambos os países, a quebra do monopólio que
nunca foi expressamente exigido pelo Estado foi um aprendizado sobre como o
743
Vide, para uma exposição mais detalhada da construção do ideal de rede única como sistema único de
telefonia, nesta tese, o tópico intitulado: “O início do setor de telecomunicações nos EUA”.
744
Vide, à respeito, o tópico desta tese intitulado “Interconexão e competição nas telecomunicações dos
EUA: o conceito de common carrier”, p. 167 e seguintes.
745
Vide, à respeito, o tópico desta tese intitulado “Desestatização do Sistema Telebrás”, p. 112.
188
convencimento dispensa a regulamentação. Nos EUA, o aprendizado veio por iniciativa
de uma empresa privada interessada no setor746. No Brasil, pelo mesmo motivo.747
O fato de, no modelo norte-americano, não ter havido ingerência direta do
Estado na administração do setor de telecomunicações, permitindo-se o monopólio
privado do sistema Bell, não é suficiente para distinção de fundo entre este modelo
regulatório e o adotado no Brasil. A diferença é meramente superficial no que toca ao
titular dos serviços de telecomunicações e à natureza da empresa quase monopolista.
Tal como no Brasil, nos EUA, a inviabilização da competição deveu-se a uma opção
política. Em nenhum dos dois modelos, havia proibição de presença de diversas
empresas no setor, mas em ambos os modelos foi a presença de uma empresa
monolítica e abrangente, capaz de efetivar chamadas de longa distância, que
inviabilizou a presença dos concorrentes. De um lado, no Brasil, havia uma política
pública de reestruturação normativa impondo a padronização tecnológica e a estatização
dos principais troncos de telefonia do país, gerando uniformização forçada do sistema
sem extinguir por completo as empresas de telefonia não pertencentes à União. Esta foi
a construção de um sistema monolítico e quase monopólico, que foi o Sistema
TELEBRÁS. De outro lado, nos EUA, também houve uma política pública agora não
tão ostensiva pautada na legislação748 e em interpretações dos tribunais749 que
praticamente selou o núcleo das telecomunicações do século XX dos EUA ao regime de
monopólio de fato do Sistema Bell. Coincidentemente, no mesmo período, prevaleceu a
teoria econômica de que a telefonia, inicialmente a telefonia em geral, e, mais tarde, a
telefonia local, caracterizaria um monopólio natural. Se foi a teoria econômica rendida à
relidade ou o contrário, cabe a outro estudo detectá-lo.
746
O trecho a seguir é esclarecedor sobre o caso conhecido como ‘Execunet litigation’ e descrito no tópico
desta tese intitulado “Interconexão e competição nas telecomunicações dos EUA: o conceito de common
carrier”, p. 167 e seguintes. “MCI’s fundamental claim was that it was entitled to provide any type of
service its facilities were capable of providing. To Bell’s claim that it alone was entitled to provide basic
telephone service, MCI responded that no public body had ever given Bell a monopoly over telephone
service. Bell was unable to respond to MCI’s challenge by citing any authority for its claim of a de jure
interstate monopoly. The result of the case was at first a very big surprise to people in the industry, who
had been so thoroughly conditioned to accept the Bell paradigm that they had failed to examine its basic
premises. In effect, someone had gotten the nerve to cry out that the Emperor’s new clothes did not exist.
And just as in the old story, when this was finally pointed out, there followed a quick and universal
recognition of the fact that should have been apparent all along.” (BRYNES, William J.
Telecommunications Regulation: something old and something new. p. 40. In: PAGLIN, Max D.;
ROSENBLOOM, Joel; HOBSON, James R. The communications act: a legislative history of the major
amendments 1934-1996. Silver Spring: Pike & Fischer, 1999, p. 31-104)
747
Sobre o Caso Vicom e a influência que ele teve na movimentação do Sistema Telebrás rumo à fixação
do monopólio das telecomunicações na Constituição Federal de 1988, vide, nesta tese, o texto referente à
nota 341, p. 99.
748
Sobre os limites a novos entrantes previstos no Communications Act de 1934, vide, nesta tese, nota
630, p. 170. À respeito, há a referência ao Mann-Elkins Act: “the Act did not require a common carrier to
carry other carriers” (HUBER, Peter W.; KELLOGG, Michael K.; THORNE, John. Federal
telecommunications law. 2ed., New York: Aspen Law & Business, 1999, p. 16).
749
Sobre a interpretação restritiva dos tribunais norte-americanos no sentido de diminuição do poder da
FCC em abster-se do controle tarifário, o que permitiria ganhos de competição para as empresas menores
e mais ágeis, vide, nesta tese, o tópico intitulado “Controle tarifário nas telecomunicações dos EUA”, p.
173 e seguintes.
189
6.2.6 Telecomunicações como ambiente competitivo
Aos poucos, e muito em virtude do avanço tecnológico do setor de
telecomunicações, a crença de que os serviços básicos e essenciais de telecomunicações
somente poderiam ser prestados em regime de monopólio foi sendo questionada.
Avanços tecnológicos abriram opções de prestação dos serviços de telecomunicações e,
além de agregarem valor aos serviços prestados pela infra-estrutura tradicional de
telefonia, o que ocorreu pela vulgarização da internet, possibilitaram formas alternativas
de fruição dos serviços de telecomunicação que contornavam a essencialidade da rede
básica de telefonia local. O surgimento do interesse comercial nos serviços de telefonia
celular e sua implementação em larga escala na década de 1990 gerou a necessidade de
reequacionamento dos pressupostos do setor, já que, por um custo muito menor e com
uma agilidade muito maior, o mesmo usuário de telefones fixos podia ter praticamente a
mesma utilidade do serviço fixo no terminal de telefonia celular. O caso ocorrido no
modelo brasileiro e apelidado de Caso Vicom é exemplar da força dos interesses que
acompanharam o surgimento da nova tecnologia de telefonia móvel. Novas tecnologias
para o fluxo de informações (digitalização, voz sobre IP, wireless local loop, fibras
ópticas, chaveamento de espectro, espalhamento espectral, dentre outras) otimizaram a
infra-estrutura existente e abriram espaços de interesse econômico antes adormecidos
pela crença no monopólio natural do setor de telecomunicações.
A década de 1990, em ambos os países, foi o reflexo desta alteração da
percepção política do setor de telecomunicações como também do crescimento do
número de empresas interessadas em desenvolver atividades de telecomunicações nos
mesmos espaços antes reservados às empresas habilitadas como exclusivas prestadoras
de telefonia local pelo Estado.
Viu-se, a partir de então, a consolidação da política pública de promoção da
competição como função estatal.750 Derrubados os limites tecnológicos e econômicos à
entrada de novos competidores na telefonia, o passo seguinte foi o de evidenciar, nos
documentos normativos, a alteração de políticas públicas sobre o setor. Tanto no Brasil,
com a Lei Mínima, de 1996, quanto nos EUA, com o Telecommunications Act de 1996,
o elemento distintivo de política pública foi a orientação do sistema de
telecomunicações rumo a um ambiente competitivo em que a participação do mercado
passa a ser vista como um substituto ao esforço estatal de garantia de preço adequado
(Brasil) ou razoável (EUA). Um ponto chave do Telecommunications Act de 1996 foi a
autorização à FCC de se abster em fixar tarifas e de impor mecanismos de
compartilhamento das redes das empresas incumbents para facilitação das atividades de
novos competidores; da mesma forma, no Brasil, o ponto alto das alterações normativas
se consolidou em alteração constitucional de 1995, que permitiu a prestação de serviços
básicos de telecomunicações por empresas privadas e conseqüente privatização do setor
mediante fragmentação do antigo sistema Telebrás em diversas empresas privadas
potencialmente concorrentes.
750
Sobre a afirmação da competição como norte regulatório do Telecommunications Act de 1996 e a
compreensão de que governo e mercado desenvolvem atividades complementares, vide, nesta tese, notas
704 e 707, p. 188. Sobre a afirmação da competição como função estatal no Brasil, vide, nesta tese, nota
404, p. 114 e tópico intitulado “Desestatização do Sistema Telebrás”, p. 112.
190
6.2.7 Predomínio da normatização frente à operacionalização
dos serviços de telecomunicações
A aplicação de procedimentos distintos, no Brasil e nos EUA, para se alcançar
um sistema de telecomunicações único, nacional, integrado e internalizado, não se
perpetuou. A diferença de procedimentos entre os dois modelos caiu por terra quando da
privatização do Sistema Telebrás, persistindo incólume, entretanto, o objetivo de
preservação de uma rede única enunciada tanto no Telecommunications Act de 1996,
quanto na Lei Geral de Telecomunicações de 1997. Na década de 1990, o Brasil alterou
seu procedimento de manutenção da rede única de telefonia para abraçar o modelo já
praticado nos EUA de entrega da prestação dos serviços de telecomunicações para
empresas privadas fiscalizadas pelo Estado.
Ao se revelar a semelhança de procedimentos adotados pelas políticas públicas
de ambos os países após as transformações da década de 1990, inscritas nas leis
fundamentais de 1996 (EUA) e de 1997 (Brasil), fica evidente a convergência dos
modelos a uma política de ênfase no momento regulamentar da regulação estatal,
mediante fortalecimento do poder normativo das agências reguladoras. Os poderes
normativos da FCC foram vitaminados em 1996.751 Paralelamente, no Brasil, a Agência
Nacional de Telecomunicações serviu de pretexto para firmar-se o poder normativo
federal sobre as telecomunicações, quando do desmantelamento do Sistema Telebrás e
assimilação de sua estrutura e pessoal pela ANATEL, fazendo com que as normas
internas de comportamento do Sistema pudessem ser traduzidas, no que coubesse, em
normas produzidas por resoluções da agência reguladora.
Sequer os principais temas de telecomunicações regulamentados nos dois países
divergem em sua opções políticas. A semelhança se aplica à caracterização do serviço
universal em todos os sentidos, até mesmo quanto à aplicação histórica de subsídio
cruzado no financiamento das chamadas locais e interestaduais de telefonia fixa pela
sobretarifação das chamadas de longa distância.752 O mesmo pode ser dito dos deveres
de interconexão e da divisão de políticas entre telefonia e assemelhados, de um lado, e
radiodifusão, de outro,753 especialmente por intermédio dos poderes de regulação da
FCC sobre o espectro.754 Logo, enquanto no Brasil, o Sistema Telebrás, como atuação
direta operacional do Estado no setor, deu os limites e a sistematização das
telecomunicações a partir de decisões do Conselho Nacional de Telecomunicações e do
próprio Ministério das Comunicações, nos EUA foram decisões regulatórias de cunho
exclusivamente normativo que fizeram exatamente a mesma coisa: uma política de
manutenção do monopólio das telecomunicações no Sistema Bell mediante a nãoaplicação dos princípios de common carrier, devido à interpretação dos tribunais norteamericanos. Deu-se ao conceito de common carrier um sentido restrito para aplicá-lo
751
Sobre a concentração de competências na FCC com o Telecommunications Act de 1996, vide, nesta
tese, o tópico intitulado “Deregulation”.
752
Sobre a presença do subsídio cruzado entre as chamadas de longa distância e as locais, no Brasil, vide,
nesta tese, notas 338 e 339, p. 98, e, nos EUA, o tópico intitulado “Interconexão e competição nas
telecomunicações nos EUA: o conceito de common carrier”, nota 660, p. 178. Conferir, também:
HUBER, Peter W.; KELLOGG, Michael K.; THORNE, John. Op. cit., p. 22.
753
“The government did not just maintained a Bell System monopoly within telephony. It also carefully
maintained divisions between telephony and other media and among those other media themselves”
(Ibid., p. 24).
754
Ibid., p. 26.
191
somente às relações entre a empresa detentora do serviço essencial e o correspondente
consumidor. Não se aplicou o conceito nas relações entre as próprias empresas de
telefonia, o que possibilitou a consolidação da proteção estatal do monopólio de fato do
Sistema Bell.755
6.2.8 Caráter público da rede básica
O enfoque regulatório na interferência normativa sobre os serviços de
telecomunicações parte de um pressuposto: a consideração do caráter público da infraestrutura básica de telefonia. Esta é uma característica comum a ambos os países.
Enquanto, no Brasil, distingue-se entre rede privada de telecomunicações e rede
pública de telecomunicações por intermédio de uma tradição jurídica continentaleuropéia de atribuição expressa da titularidade de certos bens de interesse público
diretamente ao Estado, nos EUA, a atribuição de caráter público a um bem rende-se a
uma opção política infraconstitucional de delimitação dos direitos de propriedade
privada.
Trata-se, portanto, de uma diferença de modelagem jurídica, mas que, em sua
aplicação, tem significados práticos semelhantes em ambos os modelos, ou seja,
implicam gravar o bem de caráter público para os fins de justificativa da limitação da
propriedade privada, de um lado (EUA), ou de justificativa de aplicação de regime
especial da administração estatal, de outro (Brasil).
Há uma diferença de perspectiva jurídica no tratamento da rede básica de
telefonia de ambos os países, já que, no Brasil, parte-se do pressuposto de que a
natureza pública do bem condiciona o surgimento de direitos no âmbito privado à forma
escolhida pelo Estado para prestação dos serviços de telecomunicações. Por outro lado,
nos EUA, reconhece-se o direito do particular de prestação de serviços ligados à rede de
telefonia, que é privada, mas que, devido a seu caráter de essencialidade para a
prestação de outros serviços privados, a rede não está sob a disposição plena do
particular seu titular. A empresa privada proprietária de uma rede básica de telefonia,
nos EUA, não pode, por exemplo, negar o acesso a sua rede por parte de outra empresa
concorrente, não somente porque a finalidade estatal de promoção da competição
justifique o acesso, mas porque a natureza da rede instalada é de interesse público.
Portanto, ao lado da diferença que uma abordagem aprofundada das tradições jurídicas
vigentes nos dois países revela, há uma semelhança de efeitos práticos na delimitação da
propriedade privada. Também, no Brasil, a empresa privada proprietária de uma rede
básica de telefonia considerada pública não pode negar o acesso a sua rede por parte de
outra empresa concorrente e a razão é semelhante à do direito norte-americano: a
natureza da rede instalada é pública, porque titularizada pelo Estado, e é titularizada
pelo Estado porque é de interesse público.
Tanto no Brasil, quanto nos EUA, a rede, quando considerada de interesse
público, sofre interferências unilaterais do Estado sobre a esfera jurídica do particular
755
“Indeed, at almost every stage, the government systematically approved and upheld the boycotts, the
exclusive dealing, and the inevitable attrition and fratricide that rapidly transformed telephony from and
industry of flourishing competition to one of entrenched monopoly” (Ibid., p.23). “By all appearances,
government authourities – in the courts, in the state agencies and legislatures, and in the federal
government – were quite content to let the telephone industry slip from the unruliness of competition to
the quiet order of monopoly” (Ibid., p.24).
192
proprietário. Tais interferências independem da aquiescência do proprietário da rede. No
Brasil, a justificativa tradicional destas interferências advém da caracterização da rede
como rede pública porque essencial à prestação de um serviço público e adquire esta
apresentação por intermédio de referências expressas no ordenamento jurídico
nacional.756 Nos EUA, a justificativa para interferência do Estado na propriedade
privada das redes é o próprio interesse público validado pela construção jurisprudencial
do conceito de common carrier.757
A diferença entre os dois modelos está na caracterização do serviço como um
serviço titularizado pelo particular (EUA) e, portanto, livre enquanto não prejudicial a
convivência social, ou como um serviço titularizado pelo Estado (Brasil) e, portanto, a
priori, delimitado por normas estatais definidoras da forma de sua prestação. No setor
de telecomunicações, entretando, a diferença de regimes jurídicos é esmaecida pela
prática ostensiva nos EUA de restrições administrativas ao direito de propriedade
privada.
6.2.9 Common carriers e interesse coletivo
A descrição das políticas públicas brasileira e norte-americana como pautadas
em tradições jurídicas distintas não afasta a possibilidade de sua aproximação em pontos
específicos. É o caso da novidade conceitual intitulada ‘interesse coletivo’ e criada no
ordenamento jurídico brasileiro a partir da previsão, na Lei Geral de Telecomunicações
de 1997 – LGT, da classificação dos serviços de telecomunicações quanto à abrangência
dos interesse em jogo.758 O título IV da LGT é sugestivo quando, ao se referir às redes
de telecomunicações, especifica como destinatárias das regras ali contidas as redes
“destinadas a dar suporte à prestação de serviços de interesse coletivo”.759 Nesta
expressão está a representação da aproximação entre as políticas públicas de
telecomunicações do Brasil e dos EUA, pois, por intermédio do novo conceito de
interesse coletivo, o ordenamento jurídico brasileiro efetuou uma verdadeira tradução
contextualizada do significado das common carriers norte-americanas.
Em julgado da Suprema Corte norte-americana, há expressa menção a um
pressuposto delimitador da distinção entre common carrier e private carrier. A posição
do tribunal foi de negar o argumento de que o fato de uma via não se prestar a serviços
de terceiros, mas a serviços próprios, indicaria sua condição de private carrier.760 O que
determina a natureza de common carrier é a atribuição do direito geral de uso da infraestrutura. É exatamente esta a posição adotada pela Agência Nacional de
756
A redação original do art. 21, XI, da Constituição Federal de 1988 utilizava o termo “rede pública de
telecomunicações”. A Lei Mínima (Lei 9.295/96) cita, em seu art.1º, a “utilização da rede pública de
telecomunicações para prestação de Serviços de Valor Adicionado”.
757
Sobre o conceito de common carrier, vide, neste tese, notas 615 a 625, p. 168 a 169.
758
Sobre a classificação da Lei Geral de Telecomunicações de 1997 entre serviços de interesse restrito e
de interesse coletivo, vide tópico desta tese intitulado: “Serviços de telecomunicações quanto à
abrangência: de interesse coletivo e restrito”, p. 136 e seguintes.
759
Lei Geral de Telecomunicações: “Art. 145. A implantação e funcionamento de redes de
telecomunicações destinadas a dar suporte à prestação de serviços de interesse coletivo, no regime
público ou privado, observarão o disposto neste Título.”
760
Sobre o caso da Suprema Corte norte-americana identificado como United States v. Louisiana &
Pacific Railway Company, 234 U.S. 1, 24 (1914), Justice Day, j.25/05/1914, vide a citação
correspondente, nesta tese, na nota 625, p. 169.
193
Telecomunicações brasileira quanto à diferenciação entre interesse restrito e interesse
coletivo quando um determinado serviço de telecomunicações puder ser prestado em
ambos os regimes – restrito e coletivo.761 Dentre os requisitos atribuídos nos EUA às
common carriers, o mais marcante é o dever imposto às empresas privadas qualificadas
de common carriers de praticar tarifas razoáveis e não-discriminatórias e, com isso,
respeitar a isonomia de acesso aos seus serviços sem discriminação. Assim como o
conceito de common carrier é um qualificativo para a empresa privada prestadora de
serviços essenciais, ele também qualifica o próprio serviço por ela prestado.762 Trata-se,
portanto, de um serviço gravado de interesse público e afastado, em alguns aspectos, da
livre disposição típica das atividades privadas. O termo common carrier, nos EUA, à
semelhança do que ocorre com as empresas que se habilitam a prestar serviços de
interesse coletivo, no Brasil, tem o sentido de empresa que não pode negar o acesso a
quem solicitá-lo. Common carrier passa a significar um conjunto de condições de
prestação de um serviço especial aos olhos da política pública norte-americana. Daí
utilizar-se, na regulamentação de telecomunicações norte-americana, a expressão
prestar serviços “on a common carrier basis”.763
Pelo que foi exposto, as inovações introduzidas na Lei Geral de
Telecomunicações brasileira de 1997 pertinentes aos conceitos de serviços de interesse
coletivo e de interesse restrito temperam a diferença que existia entre os serviços de
interesse público dos EUA e os serviços públicos brasileiros no setor de
telecomunicações e permitem dizer que, hoje, as políticas públicas de ambos os países
são comensuráveis quanto ao tratamento dos serviços e são comensuráveis a tal ponto
de permitir a identificação de passos sobre tema específico como o é o do serviço
universal.
6.2.10 Serviço universal
O termo serviço universal configura-se, a partir de meados da década de 1990,
em ambos os países, como um termo universal, pois dotado de um significado idêntico
nos modelos de política pública brasileiro e norte-americano.764 Evidentemente, há
diferenças entre as políticas de serviço universal dos dois países. Uma delas está na
expectativa sobre os efeitos que os investimentos na universalização dos serviços – não
das redes – gerará. Também há uma diferença periférica quanto à forma de canalização
dos recursos atribuídos à universalização dos serviços básicos de telecomunicações:
761
Sobre a conceituação de serviço de interesse restrito no Brasil como serviços em que o titular pode
negar acesso de terceiros, vide tópico desta tese intitulado “Serviços de Telecomunicações quanto à
abrangência: de interesse coletivo e restrito”, p. 136. Ainda, o Ato n.º 3.807, de 23 de junho de 1999, da
ANATEL, prevê, em seu anexo, item 4, o critério de divisão entre serviços de interesse restrito e coletivo,
qual seja, a delimitação do público alvo dos serviços, afastando-se, portanto, o direito geral de uso do
serviço por quem dele necessitar.
762
O Telecommunications Act de 1996 qualifica como obrigação das “rural telephone companies” a de
prover “common carrier service to any local exchange carrier ...” (Telecommunications Act of 1996,
Section 3 (a) (47) – grifos nossos).
763
Telecommunications Act of 1996, Section 301, que emendou o Title VI do item 47 do U.S. Code,
Section 521, acrescentando à Part V, a Section 651 (a) (2).
764
A assertiva é comprovada com a leitura dos tópicos intitulados “Serviços prestados em regime público”
e “Serviço universal nas telecomunicações dos EUA”, respectivamente relativos aos modelos brasileiro e
norte-americano e constantes das páginas Erro! Indicador não definido. e 176 desta tese.
194
enquanto os recursos destinados à universalização, no Brasil, têm o espaço de aplicação
reservado aos serviços públicos, nos EUA, por inexistir esta diferença, são aplicados a
serviços de interesse público. Esta diferença cosmética, entretanto, ombreia com a
identidade de ambos os modelos na eleição dos objetivos do serviço universal por
intermédio da eleição de seu campo de investimento.765 A própria caracterização da
universalização como afeta a serviços básicos de telecomunicações foi alterada tanto
pela dicção norte-americana do Telecommunications Act de 1996,766 como também pela
proposta de criação de um novo serviço de comunicações digitais no Brasil.767
6.2.11 Formulação de política pública e sua aplicação
Outra semelhança entre os modelos pesquisados está no papel de formulação de
políticas públicas e de execução destas políticas. No Brasil, cabe à Agência Nacional de
Telecomunicações a organização e exploração dos serviços de telecomunicações com
base em políticas públicas formuladas pela Presidência da República, pelo Ministério
das Comunicações e pelo Congresso Nacional. A atividade de política setorial é
excluída da agência, que passa a ter função definida como reguladora.768
No mesmo sentido, a Federal Communications Commission norte-americana
exerce o rule-making power como um poder outorgado à agência para o
estabelecimento de regras voltadas ao preenchimento do propósito da lei. A atividade da
agência norte-americana é expressamente vinculada ao objetivo específico de execução
e aplicação da política de telecomunicações.769
A dicção legal, entretanto, encobre o caráter de definição política das agências
oriundo da dificuldade de antecipação de questões setoriais e sua natural remissão ao
futuro. Neste futuro, estão as agências, que firmam sua contribuição na orientação do
setor, interferindo nos destinos empresarias, tecnológicos, ambientais, consumeristas,
fiscais e de acesso da população aos serviços de telecomunicações. A orientação à
competição presente nos modelos brasileiro770 e norte-americano771 de políticas públicas
é um exemplo claro de abertura conceitual para a construção das opções políticas pelas
próprias agências reguladoras na medida em que cabe a elas definir o formato de
restrições ou incentivos governamentais em direção ao aumento do número de
competidores, ou mesmo, a depender da inclinação da agência, da preservação de um
número mínimo de empresas no mesmo mercado relevante. As agências, portanto,
fazem muito mais que escolher os meios para execução de uma política pública; elas
redefinem o significado de tais políticas. Neste ponto, o modelo norte-americano, mais
765
Basicamente, escolas, bibliotecas e serviços de saúde. Vide, nesta tese, nota 668, p. 179 (EUA) e nota
655, p. 177 (Brasil).
766
A dicção do Telecommunications Act de 1996 reflete o caráter mutável e pautado por políticas
conjunturais de Governo orientadas ao suprimento de demandas por serviços considerados essenciais em
cada momento histórico. O Telecommunications Act de 1996 adotou a expressão “evolving level of
telecommunications services” (47 U.S.C. 254 (c) (1)) para caracterizar os serviços universais. Vide, à
respeito, nesta tese, a nota 656, p. 177.
767
A via-crúcis do serviço de comunicações digitais vem descrita na nota 586, p. 161 desta tese.
768
Vide, a respeito, o tópico desta tese intitulado “Posicionamento institucional da ANATEL: contatos e
atritos”, p. 156.
769
Vide, nesta tese, nota 712, p. 190.
770
Vide, nesta tese, nota 521, p. 149.
771
Vide, nesta tese, nota 594, p. 164.
195
calejado no trato com sua agência reguladora de telecomunicações, vê com naturalidade
a agência como fonte de política.772 Ele é honesto em demonstrar que é no âmbito da
agência que se forma muito da vontade política do setor de telecomunicações e assim o
faz por intermédio da referência à FCC como um sistema de representação de
interesses773 para servir como ponto de encontro das vontades políticas774 gravado com
o caráter de nacionalização das discussões políticas envolvendo legislações estaduais
sobre um setor de extensão nacional e internacional.775
O diferencial do modelo norte-americano está na ênfase dada na caracterização
da agência enquanto espaço de formação de vontade política. A apresentação política da
FCC vem representada na paridade de cargos de comissários segundo sua vinculação
partidária.776 No Brasil, não há esta preocupação formal com a paridade partidária muito
provavelmente por causa da falsa impressão de que a agência não faz política.
A partir desta ênfase na apresentação política da FCC, os tribunais norteamericanos orientam a revisão das decisões da agência com base na proteção dos
interesses dos usualmente sem representação.777 À primeira vista, isto poderia indicar o
caráter tutelar dos tribunais norte-americanos sobre a cidadania silente, mas ao
remeterem as questões julgadas novamente à revisão pela FCC, dita atitude evidencia a
preocupação com a formação da vontade política por intermédio da efetiva participação
dos interessados. Tanto é assim, que a resposta da FCC vem no esforço de ampla
divulgação de seus procedimentos e na abertura de espaços de manifestação.778 Este,
portanto, é um diferencial de peso para o enfoque deste estudo, mas não é suficiente
para a detecção da virtude política, pois ela não se manifesta na abertura estrutural do
Estado, mas, sim, na força motriz culturalmente presente na atitude dos interessados e
na conformação da política a dita atitude. Uma coisa é dizer que se faz política na
agência reguladora e outra é dizer que ela é meio de expressão da cidadania. Embora
não se possa dizer que o modelo brasileiro tem claramente a concepção de agência
como um espaço político, também aqui há procedimentos de abertura de espaços de
manifestação dos interessados herdados de prática de consulta pública por parte do
Ministério das Comunicações nos momentos que antecederam à privatização do Sistema
Telebrás779, ou mesmo, da prática desta estatal refletida nos Congressos Brasileiros de
Telecomunicações de 1974, 1976, 1978 e 1980.780
6.2.12 Relação entre agência reguladora e parlamento
A importância evidenciada no tópico anterior da ANATEL e da FCC para o
conjunto das políticas públicas do setor de telecomunicações é fortalecida pela presença,
em ambos os modelos, de comissões específicas parlamentares tematizadas, mas,
enquanto, nos EUA, as comissões da Câmara e do Senado contemplam um
772
Vide, nesta tese, notas 630 e 631, p. 170.
Vide, nesta tese, nota 687, p. 183.
774
Vide, nesta tese, nota 684, p. 183.
775
Vide, nesta tese, tópico intitulado “As agências como espaços institucionais de composição de
interesses”, p. 182.
776
Vide, nesta tese, tópico intitulado “Composição da FCC”, p. 193.
777
Vide, nesta tese, nota 688, p. 183.
778
Vide, nesta tese, nota 689, p. 184.
779
Vide, nesta tese, nota 377, p. 110.
780
Vide, nesta tese, nota 293, p .90.
773
196
acompanhamento pari passu da atuação da FCC781, inclusive com sugestão de
estruturação interna da agência782, no Brasil, comissões do Senado Federal e da Câmara
dos Deputados têm especialização temática em telecomunicações ou infra-estrutura de
telecomunicações, limitando-se, em regra, a atuarem na discussão de processos
legislativos ligados a estes temas783 a ponto de se cogitar que o controle das agências
reguladoras pelo Congresso brasileiro seria uma novidade.784
6.2.13
Espaços
telecomunicações
de
interesse
parlamentar
nas
Por outro lado, se a interferência parlamentar nas agências de ambos os países é
distinta, tal divergência ilumina mais uma semelhança: a da separação de espaços de
interesse parlamentar entre radiodifusão, de um lado, e as demais telecomunicações, de
outro. Em ambos os modelos de políticas públicas, há forte divisão de interesses entre
radiodifusão em geral, de um lado, e demais meios de telecomunicações, de outro. A
concentração de competências sobre radiodifusão e demais serviços de
telecomunicações na FCC a torna um ambiente muito mais atraente para o Congresso
norte-americano do que o é a ANATEL, com sua competência exclusivamente sobre os
demais serviços, para o Congresso brasileiro. Evidência marcante da interferência do
subcomitê de comunicações do Senado norte-americano sobre a FCC está na proposta
do Senador McFarland, do Arizona, de divisão da FCC em áreas temáticas, quais sejam,
a Common Carrier Bureau e a Mass Media Bureau.785 Assim, em meio às diferenças de
atribuições entre as agências reguladoras de ambos os países e de interação entre elas e
os respectivos parlamentos, tanto no Brasil, quanto nos EUA, a presença do Congresso
no setor é sentida particularmente por seus interesses próprios de orientação dos
veículos formadores de opinião e por aparente descaso pelos demais temas de
telecomunicações, quando estes não carregam consigo o poder político próprio das
radiodifusoras. Neste ponto, vê-se o caráter corporativo e não representativo do
Congresso no setor de telecomunicações786, transformando-se em um dos elementos
facciosos da definição política e não em seu centro.787
781
Vide, nesta tese, nota 689, p. 184 e nota 709, p. 189.
Vide, nesta tese, nota 726, p. 193.
783
Vide, nesta tese, o último parágrafo do capítulo intitulado “Estrutura da ANATEL”.
784
Vide, nesta tese, nota 583, p. 161.
785
BROCK, Gerald W. Telecommunications policy for the information age: from monopoly to
competition. Cambridge/London: Harvard University Press, 1994, p. 55.
786
“Although it has the legal power to control telecommunications policy, Congress has not exercised that
power and has therefore acted as one power center among many in influencing the evolution of
telecommunication policy” (Ibid., p. 57).
787
No Brasil, a atribuição de competência ao Ministério das Comunicações para processar os pedidos de
concessão e permissão de radiodifusoras, bem como o poder do Congresso de concedê-las ou extingui-las
afasta da ANATEL os olhares parlamentares (conferir, nesta tese, o tópico intitulado “Regulamentação
das Telecomunicações no Brasil”, p. 117). Já, nos EUA, o trecho a seguir é esclarecedor da presença de
interesses específicos e do grau de intromissão do Congresso na regulação do setor: “There are many
different avenues for the expression of congressional interest short of a formal statute change: budget
effects, confirmation of commissioners, negative publicity, conditions on operating authority. Congress
also frequently uses the power to take minor actions through attachments to budget or authorization bills.
These actions do not go through the formal hearing process of major legislation and generally pass with
little or no debate (…) a requirement may be inserted for fast action on a particular activity. These
782
197
6.2.14 Agências reguladoras
A síntese das semelhanças e diferenças entre as políticas públicas dos dois países
(Brasil-EUA) está nas suas agências reguladoras. Elas representam a estrutura
institucional que serve de ambiente especializado para depuração da política setorial a
partir da idéia de uma nova instituição para acompanhamento conjuntural788 – ongoing
policy – das transformações tecnológicas e econômicas, por intermédio de projeções
político-jurídicas.
As duas agências reguladoras de telecomunicações do Brasil e dos EUA
basicamente se igualam em aspectos estruturais, funcionais, procedimentais789 e de
posição institucional, em especial, nas subdivisões orgânicas dos respectivos
parlamentos790, no processo de indicação dos membros, sua sabatina, e definição de
mandatos791, na função de aplicação da política pública elaborada por outras instâncias
políticas dos respectivos países792, no poder normativo793, bem como na atuação as
agências pró-consumidor794.
6.3 AUSÊNCIA
Mais eloqüente, no entanto, para o esforço comparativo, é a noção de atuação
conjuntural por detrás da criação das agências. Esta noção dialoga com a idéia de que as
circunstâncias do setor de telecomunicações não podem ser regidas por regras
petrificadas no tempo e alheias ao momento político presente. Neste ponto, os dois
modelos, ao padecerem do mesmo mal, ou seja, da remissão das políticas públicas a um
momento pretérito, abstrato e acabado, gravaram as agências reguladoras com a insígnia
da reação a este estado de coisas.
As agências reguladoras representaram, nos dois países, o momento de
questionamento de aplicação de políticas lidas no passado em preceitos normativos ou
em precedentes judiciais. Em ambos os modelos, no fundo, há a discussão sobre o
momento em que se reconhece a definição da regra, daquilo que deve ser no ambiente
social. Como limites da atuação das agências estão apenas parâmetros gerais definidos
pelo parlamento e precisados, caso a caso, pelos tribunais, mas com tal nível de abertura
independent micromanagement functions allow individual senators or representatives (or their senior staff
members) to function as independent telecommunication policy makers.” (Ibid., p. 57).
788
A natureza conjuntural da atuação da agência pode ser vista, para o modelo brasileiro, nesta tese, na
nota 147, p. 59. Para o modelo norte-americano, vide, nesta tese, nota 677, p. 182.
789
Vide, nesta tese, texto correspondente à nota 732, p. 194.
790
Vide, nesta tese, notas 689 e 709, sobre o modelo norte-americano, e o último parágrafo do tópico
intitulado “Estrutura da ANATEL”, sobre o modelo brasileiro.
791
Vide, nesta tese, tópicos intitulados “Estrutura da ANATEL” e “Composição da FCC”.
792
Vide, nesta tese, sobre o modelo norte-americano, a nota 712, e sobre o modelo brasileiro, o tópico
intitulado “Posicionamento institucional da ANATEL: contatos e atritos”.
793
Vide, nesta tese, o rule-making power da FCC em tópico intitulado “Posicionamento da FCC no quadro
regulatório norte-americano” e a função normativa das agências reguladoras brasileiras na nota 213.
794
Vide, nesta tese, a finalidade da FCC e da ANATEL de proteção do consumidor, no modelo brasileiro,
nas notas 520 e 528, e no modelo norte-americano, no tópico intitulado “Composição da FCC”.
198
conceitual que praticamente não delimitam senão as opções políticas que se lhes opõem
textualmente.
Esta característica de contexto de atuação das agências reguladoras como
definidoras de políticas públicas faz com que se retome a âncora conceitual da virtude
política. A virtude teve para si aberto um espaço institucional capaz de transparecê-la,
mas o tratamento textual dado às agências reguladoras como instituições de aplicação
de políticas públicas predefinidas reserva à virtude política um espaço acanhado. Ela é
chamada não para ser exercida, mas para ser tutelada por preceitos perfeitos e acabados
e é justificada pela dificuldade de se reconhecer no cidadão de hoje a presença das
conquistas do passado. Vê-se no ser político de hoje um potencial transgressor daquelas
conquistas porque objeto, e não sujeito, da regra. Enfim, a venda que cegou a
característica política da atuação das agências gerou a tendência de se apagar a virtude
política em nome de instituições que pretendem ser mais culturais que a própria
vivência política do ser.
Quando a presença das agências reguladoras revelou o esforço político de
apresentar uma estrutura do Estado isenta de pressões imediatistas, ela abriu o espaço
político da participação direta cidadã. Este espaço político, entretanto, foi colonizado
por ideais de bem-estar que contaminaram a atuação das agências para fazer delas
braços governamentais de qualidade de serviços e de satisfação dos consumidores. Este
empobrecimento conceitual é a ausência comum que passa despercebida em toda a
exuberância e vivacidade da regulação dos setores de telecomunicações brasileiro e
norte-americano.
199
CONCLUSÃO
Durante a exposição dos modelos de políticas públicas de telecomunicações do
Brasil e dos EUA, puderam-se antecipar suas semelhanças, diferenças e ausências a
partir do enfoque comum de procura por espaços públicos de manifestação de virtude
política. A expectativa inicial de que os dois modelos se apresentariam claramente
distintos no que se refere à estrutura estatal, à divisão conceitual de serviços, à
atribuição de competências e à contextualização de surgimento das agências reguladoras
de telecomunicações restou frustrada. Pelo contrário, as semelhanças de estruturas, de
normatização, de competências e de contextualização de surgimento das agências
reguladoras de telecomunicações de ambos os países foram surpreendentemente
reveladoras das perspectivas comuns vivenciadas. Do exposto, firmaram-se duas
conclusões fundamentais: os dois modelos de políticas públicas são comensuráveis,
principalmente a partir da Lei Geral de Telecomunicações brasileira de 1997; a
explicação dos dois modelos dispensa a referência à virtude política, desde que não se
aprofunde a comparação por intermédio desta ausência.
O próprio caminhar da exposição desta tese transpareceu o aspecto central da
comparação. Embora fixado, desde o início, o conceito de virtude política, que se
manteve, durante a descrição dos modelos de políticas públicas brasileiro e
estadunidense, fomentando o aprofundamento dos aspectos de regulação nos dois
países, as ligações possíveis da descrição dos modelos com a abertura de participação
cidadã foi um processo doloroso e maculado pelo esclarecimento dos acontecimentos
por intermédio da presença hegemônica da promoção do bem-estar em detrimento do
fomento da participação política. Enfim, os dois modelos de políticas públicas de
telecomunicações puderam ser analisados em meio a um silêncio sepulcral sobre a
questão do espaço público. Em meio à prevalência do caráter prestacional das agências
reguladoras de ambos os países rumo ao bem-estar do consumidor dos serviços de
telecomunicações, o caráter mediador destas estruturas institucionais representativas das
políticas públicas do setor viu-se tratado de forma periférica.795 Mesmo o esforço norteamericano de apresentação da FCC como um espaço de dedução de interesses políticos
variados e do registro das participações não significou, por si só, sua inclinação à
abertura das opções políticas do setor de telecomunicações: a atuação da agência norteamericana, tal como a brasileira, rende-se ao fim maior de bem-estar social. Mas a
ausência detectada na valorização da virtude política na descrição da regulação das
telecomunicações em ambos os países também não significa que não existam iniciativas
de abertura participativa visíveis nas agências reguladoras. Os mecanismos exigidos por
lei no Brasil e por julgados nos EUA de discussão pública das questões relevantes do
setor são um passo de reorientação da função das agências para a sua vocação inicial de
espaços públicos e, portanto, mediadores do diálogo para preservação da virtude política
dos interessados em verem suas vozes traduzidas em ação.
795
Vide, nesta tese, tópicos intitulados “Estrutura estatal de regulação das telecomunicações no Brasil”, p.
146 e seguintes e “Composição da FCC”, p. 193 e seguintes.
200
BIBLIOGRAFIA
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25. RAMOS, José. Dilma defende poder concedente pela União. In: O ESTADO DE
SÃO PAULO. Seção de Economia. Quarta-feira, 16 de junho de 2004.
26. RAMOS, José. O alvo do golpe na Anatel. In: O ESTADO DE SÃO PAULO.
Editorial. Quinta-feira, 8 de janeiro de 2004.
27. RAMOS, José; MARQUES, Gerusa. Parlamentares criticam contrato das
reguladoras. In: O ESTADO DE SÃO PAULO. Seção de Economia. Quinta-feira,
29 de abril de 2004.
28. RAMOS, José. Saída de Schymura preocupa associação de agências. In: O
ESTADO DE SÃO PAULO. Agestado-notícias. Quarta-feira, 7 de janeiro de 2004.
29. RAMOS, José; ROSA, Vera. Planalto destitui presidente da Anatel. In: O
ESTADO DE SÃO PAULO. Editorial. Quarta-feira, 7 de janeiro de 2004.
30. ROSA, Vera; RAMOS, José; M. G. Diretores de outras agências poderão cair. In:
O ESTADO DE SÃO PAULO. Seção de Economia. Sexta-feira, 9 de janeiro de
2004.
31. SPIGLIATTI, Solange. País precisa de credibilidade para crescer, diz FHC. In: O
ESTADO DE SÃO PAULO. Agestado-notícias. Quinta-feira, 20 de maio de 2004.
209
PALESTRAS
1. AMARAL, Elifas Chaves Gurgel do. Palestra de abertura intitulada “A
Agência Nacional de Telecomunicações e o Setor de Telecomunicações no
Brasil: desafios atuais”. In: V Curso de Especialização em Regulação de
Telecomunicações. Brasília: Universidade de Brasília. 06 de junho de 2005.
2. BRAGA, Carlos. Palestra em painel intitulado “Posição do Banco Mundial
para o financiamento de investimentos em telecomunicações”. In: Americas
Telecom
2000.
Rio
de
Janeiro:
União
Internacional
de
Telecomunicações/CITEL. 15 de abril de 2000.
3. LEPRINCE-RINGUET, Louis. Aspects humains et sociaux des
telecommunications. In: World Telecommunication Forum: technical
symposium. Genebra: União Internacional de Telecomunicações. 6 a 8 de
outubro de 1975, p. 1.1.2.1-1.1.2.4.
4. MORENO, Mario Guillermo. Palestra em painel intitulado “As
telecomunicações na América do Sul (Mercosul e Comunidade Andina): cenário
atual e perspectivas”. In: Conferência Internacional – Perspectivas das
telecomunicações nas Américas e Europa. Brasília. Universidade de Brasília.
Grupo Interdisciplinar de Políticas, Direito, Economia e Tecnologias das
Comunicações. 28 de fevereiro de 2005.
210
JULGADOS
1. AT&T Corp. et al. v. Iowa Utilities Board et al. N.º 97-826 (1999). Justice
Scalia. j.25/01/1999.
2. Federal Communications Commission v. Pottsville B. Co., 309 U.S. 134 (1940),
Justice Frankfurter, j. 29/01/1940.
3. Federal Communications Commission v. RCA Communications Inc., 346 U.S.
86 (1953), Justice Frankfurter, j.08/06/1953.
4. Federal Power Commission v. Hope Natural Gas Co., 320 U.S. 591 (1944),
Justice Douglas, j.03/01/1944.
5. Houston, E. & W. T. R. Co. v. United States, 234 U.S. 342 (1914), Justice
Hughes, j.08/06/1914 - The Shreveport Rate Case.
6. Louisiana Public Service Commission v. FCC, 476 U.S. 355 (1986), Justice
Brennan, j.27/05/1986 – Louisiana PSC Case.
7. Michigan Public Utilities Commission v. Duke, 266 U.S. 570 (1925), Justice
Butler, j.12/01/1925.
8. New York Central S. Corp. v. United States, 287 U.S. 12 (1932), Justice
Hughes, j. 07/11/1932.
9. Southern Pac. Terminal Co. v. Interstate Commerce Commission, 219 U.S. 498
(1911), Justice McKenna, j.20/02/1911.
10. State of Washington ex rel. Stimson Lumber, 275 U.S. 207 (1927), Justice
Butler, j.21/11/1927.
11. Terminal Taxicab Co. v. Kutz, 241 U.S. 252, 255 (1916), Justice Holmes,
j.22/05/1916.
12. United States v. Brooklyn Eastern Dist Terminal, 249 U.S. 296 (1919), Justice
Brandeis, j.24/03/1919.
13. United States v. Louisiana & Pacific Railway Company, 234 U.S. 1 (1914),
Justice Day, j.25/05/1914.
14. United States v. State of California, 297 U.S. 175 (1936), Justice Stone, j.
03/02/1936.

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