ANÁLISE SOB O ENFOQUE DO DIREITO À

Transcrição

ANÁLISE SOB O ENFOQUE DO DIREITO À
FACULDADE DE PARÁ DE MINAS
Curso de Direito
Lucas Almeida Lima
O TIRO DE COMPROMETIMENTO:
ANÁLISE SOB O ENFOQUE DO DIREITO À VIDA
Pará de Minas
2015
Lucas Almeida Lima
O TIRO DE COMPROMETIMENTO:
ANÁLISE SOB O ENFOQUE DO DIREITO À VIDA
Monografia apresentada à Coordenação de Direito
da Faculdade de Pará de Minas como requisito
parcial para a conclusão do curso de Direito.
Orientador: Professor Clênderson R. da Cruz
Pará de Minas
2015
Lucas Almeida Lima
O TIRO DE COMPROMETIMENTO:
ANÁLISE SOB O ENFOQUE DO DIREITO À VIDA
Monografia apresentada à Coordenação de Direito
da Faculdade de Pará de Minas como requisito
parcial para a conclusão do curso de Direito.
Aprovada em _____/_____/______
____________________________________________
Professor Orientador
____________________________________________
Professor Examinador
Pará de Minas
2015
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ...............................................................................................
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2 DIREITO FUNDAMENTAL À VIDA................................................................
2.1 Estado Democrático de Direito..............................................................
2.2 Direitos fundamentais.............................................................................
2.3 Dignidade da pessoa humana ...............................................................
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3 NOÇÕES DE SEGURANÇA PÚBLICA..........................................................
3.1 Organização das policías.......................................................................
3.2 Uso progressivo da força.......................................................................
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4 GERENCIAMENTO DE CRISE......................................................................
4.1 Alternativas Táticas................................................................................
4.1.1 A Negociação...................................................................................
4.1.2 As técnicas não letais.....................................................................
4.1.3 O tiro de comprometimento...........................................................
4.1.4 Invasão tática...................................................................................
4.2 Origens do tiro de comprometeimento.................................................
4.3 Exercício do tiro de comprometimento.................................................
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5 ANÁLISE CRÍTICA DO TIRO DE COMPROMETIMENTO............................
5.1 Direito Penal: o crime de homicídio e a excludente de ilicitude.........
5.1.1 Do Direito Penal................................................................................
5.1.2 Do Crime...........................................................................................
5.1.3 Do Homicídio....................................................................................
5.1.4 Da Legítima Defesa..........................................................................
5.1.5 Do Estrito Cumprimento do Dever Legal.......................................
5.2 Ponderação de interesses......................................................................
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6 CONCLUSÃO ................................................................................................
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REFERÊNCIAS .................................................................................................
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RESUMO
O presente estudo tem por objetivo analisar sob o enfoque do direito a vida à
atuação dos organismos policiais, representando o Estado, com a possibilidade de
emprego da alternativa tática do tiro de comprometimento letal, no contexto do
gerenciamento de um evento crítico. O Estado Democrático de Direito imposto pela
Constituição Federal de 1988, traz princípios e preceitos a serem seguidos pelos
órgãos policiais para efetivação legal do tiro de comprometimento, para assim,
preservar a vida, mesmo que para isso seja necessário a retirada da vida do
perpetrador do evento crítico. Em continuidade, é abordada a doutrina policial do
Gerenciamento de crise e suas respectivas alternativas táticas, dentre elas, o tiro de
comprometimento, como solução para uma crise. O uso progressivo da força está
inserido nos ensinamentos policiais e traz os requisitos para a utilização da arma de
fogo e explicita à sua necessidade. Adiante, é realizado um estudo no âmbito penal,
analisando o conceito analítico de crime, e a eventual conduta exercida pelo sniper,
o crime de homicídio. Por fim, consideramos a ponderação de interesses que deve
ser analisada para a realização do tiro de comprometimento.
Palavras-chave: Direito à vida, Segurança Pública, Uso progressivo da força,
Gerenciamento de crise, Sniper Policial, Tiro de Comprometimento.
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1 - INTRODUÇÃO
O presente estudo tem por objetivo analisar, lastreado no direito a vida,
o embasamento constitucional e penal do emprego da alternativa tática do tiro de
comprometimento letal realizado pelo sniper policial, como uma possível medida de
restauração e manutenção da ordem pública.
Através
da
pesquisa
bibliográfica
realizada
visou-se
levantar
fundamentos normativos e doutrinários para a regularização e aplicação do tiro de
precisão realizado pelo agente policial do Estado, em face do perpetrador de uma
crise, na qual coloca em perigo o direito à vida de outros indivíduos da sociedade,
tendo em vista a proteção dada pela Constituição Federal a este maior direito
fundamental por ela tutelado.
Desta feita, de modo excepcional busca-se, portanto, a legitimação
para que o Estado possa restringir o direito à vida a qual ele mesmo é encarregado
de proteger, contudo diante do dilema de matar para salvar, explicitará como este
deverá proceder.
Inicialmente é abordado o direito à vida, passando para a estrutura e a
função do Estado Democrático de Direito, advindo do povo e devendo cumprir e
fazer as normas que o constitui consoante a Carta Magna brasileira. Nesse
diapasão, passa-se a análise dos direitos fundamentais instituídos por lei para
justificar e permitir a atuação dos organismos policiais estatais.
O princípio da dignidade da pessoa humana, norma constitucional, é
abordado e colocado como pressuposto de existência do ser humano. Corolário do
princípio do direito à vida pressupõe a este o direito a uma existência digna e segura
na sociedade, portanto, o dever instituído ao Estado de prestar a segurança, está
relacionado à dignidade da pessoa humana.
Passando para o aspecto das noções de segurança pública, pretendese demonstrar a legitimidade e necessidade do uso progressivo da força, Assim
como, verificar suas diretrizes, pelos funcionários aplicadores da lei, estabelecidos
pela Portaria Interministerial nº 4.226, de 31 de dezembro de 2010, donde ratificou
princípios internacionais que preveem e limitam o uso da força e a utilização de
armas de fogo pelos organismos policias em consonância com os direitos
humanos.No quarto capítulo, objetiva-se uma maior compreensão e entendimento
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sobre a doutrina policial do Gerenciamento de crise trazida pelo FBI – Federal
Bureau of Investigation ao Brasil, analisando os procedimentos adotados e as
alternativas táticas existentes para uma possível solução de um evento crítico,
enfatizando a necessidade e colocando como uma alternativa tática viável o tiro de
comprometimento.
Por fim, no último capítulo, são analisadas as normas vigentes no
ordenamento jurídico pátrio relacionado à execução da alternativa tática do tiro de
comprometimento letal. Analisando os aspectos penais, conceito de crime, a
possível incidência no crime de homicídio pelo sniper, relatando a sua não incidência
graças a excludente de ilicitude, legítima defesa. Tendo como tal instituto, a norma
permissiva para atuação do agente policial ao realizar o tiro letal para abatimento do
perpetrador da crise para salvaguardar a vida de outrem.
Verifica-se ainda a proteção do direito à vida pelo ordenamento penal,
assim como a existência de sanções as condutas contrárias aos que ameaçam ou
lesionam esse direito.
Desta feita, o estudo infere que o sniper policial, ao ser autorizado a
executar o tiro de comprometimento letal, encontra-se legitimado e respaldado pelo
ordenamento jurídico, não ferindo preceitos constitucionais, tampouco penais, tendo
sua conduta legitimada. Com isto, não comete a conduta tipificada como crime,
entretanto, em desacordo com os preceitos penais e normas técnicas inerentes à
realização do tiro, estará sujeito à responsabilização pelos excessos cometidos.
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2 – DIREITO FUNDAMENTAL À VIDA
O Direito fundamental a vida que é frequentemente taxado como um
bem jurídico absoluto dentre todos os bens jurídicos defendidos pela Carta Magna,
entretanto é um bem relativizado por ela própria ao prever a possibilidade de
institutos tais como Legítima Defesa e Estado de Necessidade, nos quais se verifica
a possibilidade de retirada de uma vida para salvaguardar sua própria existência ou
a existência de terceiro.
Trazendo como um instituto ligado à natureza humana a legítima
defesa, o Promotor de São Paulo, Cleber Masson exemplifica:
“O instituto da legítima defesa é inerente à condição humana. Acompanha o
homem desde o seu nascimento, subsistindo durante toda a sua vida, por
lhe ser natural o comportamento de defesa quando injustamente agredido
por outra pessoa.
Em razão da sua compreensão como direito natural, a legítima defesa
sempre foi aceita por praticamente todos os sistemas jurídicos, ainda que
muitas vezes não prevista expressamente em lei, constituindo-se, dentre
todas, na causa de exclusão de ilicitude mais remota ao longo da história
das civilizações.
De fato, o Estado avocou para si a função jurisdicional, proibindo as
pessoas de exercerem a autotutela, impedindo-as de fazerem justiça pelas
próprias mãos. Seus agentes não podem, contudo, estar presentes
simultaneamente em todos os lugares, razão pela qual o Estado autoriza os
indivíduos a defenderem direitos em sua ausência, pois não seria correto
deles exigir a instantânea submissão a um ato injusto para, somente depois,
buscar a reparação do dano perante o Poder Judiciário” (MASSON, 2012, p.
399-400).
Pois bem, nesse contexto se faz necessário inicialmente passar pelo
conceito de vida para podermos avançar com relação a sua retirada através de
métodos nos quais a lei permite a atuação para tanto.
O conceito de vida é um tanto incerto, prova disto é que a própria
Constituição Federal se silenciou referente ao conceito. Portanto, o início da vida
para alguns se dá no momento da concepção e o seu término na morte encefálica,
vejamos o pensamento do ministro Ayres Britto no julgamento da ADI 3510 / DF –
Distrito Federal pela Suprema Corte Judiciária do Brasil o STF.
“O Magno Texto Federal não dispõe sobre o início da vida humana ou o
preciso instante em que ela começa. Não faz de todo e qualquer estádio da
vida humana um autonomizado bem jurídico, mas da vida que já é própria
de uma concreta pessoa, porque nativiva (teoria "natalista", em
contraposição às teorias "concepcionista" ou da "personalidade
condicional"). E quando se reporta a "direitos da pessoa humana" e até dos
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"direitos e garantias individuais" como cláusula pétrea está falando de
direitos e garantias do indivíduo-pessoa, que se faz destinatário dos direitos
fundamentais "à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade", entre outros direitos e garantias igualmente distinguidos com
o timbre da fundamentalidade (como direito à saúde e ao planejamento
familiar)” (ADI 3510/DF – STF).
A teoria da concepção se dá com a fecundação do óvulo pelo
espermatozoide, da qual resulta um ovo ou zigoto. O Pacto de São José da Costa
Rica na qual é incorporado pelo ordenamento pátrio pelo Decreto 678/1992 dispõe
que o direito à vida deverá ser protegido por lei e, em geral, a partir da concepção.
O conceito para delimitar quando se dá a morte também já foi
controverso, assim como é o conceito de quando se dá a vida. Os professores de
medicina legal Almeida Júnior e Costa Júnior (Lições de Medicina Legal), traz o
conceito dito como tradicional de morte, sendo o estado do ser humano, quando já
não pode sobreviver por suas próprias energias, cessado os recursos médicos por
um tempo suficiente. Corroborando de uma forma mais detalhada os mestres
complementam
que
se
evidencia,
averiguado
o
silêncio
cerebral
e
concomitantemente, a parada respiratória em caráter definitivo (ALMEIDA JÚNIOR;
COSTA JÚNIOR, 1978).
O Direito à vida reverenciado pela Carta Magna, por óbvio, está
relacionado à vida humana somente, ou seja, quando tipo penal menciona matar
„alguém‟, refere-se ceifar uma vida humana. Diga-se mais, percebemos que a CF
supera a simples proteção da retirada da vida humana, no momento em que o
princípio do direito a vida relaciona-se com o princípio da dignidade da pessoa
humana e protege a vida segura e digna. Nesse sentido o autor constitucionalista
Marcelo Novelino: “o direito à vida costuma ser compreendido em dupla acepção na
qual estão abrangidos tanto o direito de permanecer vivo como o direito a uma
existência digna” (NOVELINO, 2012, p. 481).
Nesse diapasão, podemos observar que o direito a vida vincula o
poder-dever do Estado indissociavelmente com dignidade. Alessandro Marques
Siqueira em seu artigo publicado no Âmbito Jurídico sobre a o princípio da dignidade
da pessoa humana afirma, nessa linha de pensamento:
“Como se percebe, é a Dignidade da Pessoa Humana a qualidade
intrínseca e distintiva do Ser Humano, precedendo ao Estado. Nada
obstante, uma vez considerada a existência deste, não há dúvidas de que
sua função é realizar o complexo de atos que assegurem seu regime. A
Dignidade é, então, um modo de poder-dever pelo qual todos são
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chamados a participar da grande aldeia comunitária. Todos têm
prerrogativas contra o Estado e seus cidadãos. Ao mesmo tempo todos
possuem deveres em relação aos cidadãos e à organização política
estatuída” (SIQUEIRA, 2010).
O Direito protege de um modo variado o desenvolvimento biológico de
cada etapa da vida do ser humano, o que se pode verificar a partir da leitura do
Constitucionalista norte-americano Ronald Dworkin em seu livro “Domínio da Vida”,
vejamos um trecho:
“Como afirmei, acreditamos que uma vida humana bem-sucedida segue um
certo curso natural. Começa com o simples desenvolvimento biológico – a
concepção, o desenvolvimento do feto e a primeira infância – e depois
prossegue pela educação e pelas escolhas sociais e individuais e
culminando na capacidade de estabelecer relações e alcançar os mais
variados objetivos. Depois de um período de vida normal, termina com a
morte natural. O desperdício dos investimentos criativos naturais e humanos
que constituem a história de uma vida normal ocorre quando essa
progressão normal se vê frustrada pela morte, prematura ou não. Quanto
lamentável isso é, porém – o tamanho da frustração -, depende da fase da
vida em que ocorre, pois a frustração é maior se a morte ocorrer depois que
a pessoa tiver feito um investimento pessoal significativo em sua própria
vida, e menor se ocorrer depois que algum investimento tiver sido
substancialmente concretizado, ou tão substancialmente concretizado
quanto poderia ter sido” (DWORKIN, 2003, p. 122).
Essa linha de pensamento está inserida no Ordenamento Jurídico
Pátrio do Brasil ao ter essa progressão de proteção no decorrer da expectativa de
vida do ser humano. Ao proteger o feto proibindo o aborto, ao aumentar a punição
por crimes praticados contra criança que teria uma expectativa significativa de vida
e, ainda, aumento de pena para crimes praticados contra pessoas idosas, na qual
fizeram um investimento por toda a sua vida para, posteriormente, descansar e ter
um fim de vida digno e vê isso frustrado por outrem.
O Direito a vida, basilar de todo ordenamento jurídico, à sua garantia e
a busca pela sua preservação é um princípio norteador de políticas e construções
doutrinárias. Mas vezes, este princípio se colocará como conflitante para o próprio
Estado, numa situação de crise, onde estará em risco vidas, e como se posicionará
o Estado, teria uma vida maior valor ou significância que outra? Portanto, quando o
Estado se vê numa situação crítica onde o bem jurídico da vida está em conflito,
deverá dar uma solução acertada e pausada pela proporcionalidade e eficiência
(resolver o conflito com o menor desgaste e danos possíveis).
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2.1 – ESTADO DEMOCRÁTICO
Para falarmos do Estado Democrático de Direito inicialmente, se faz
necessário perpassar pelas relações existentes entre o homem, a sociedade e o
Direito.
O homem é um ser social, portanto, há a necessidade de estar em
contato com os seus semelhantes e com isto, tende a formar grupos para ajudar uns
aos outros, desenvolver conhecimentos, aprimorar suas habilidades, compartilhar
experiências e formar uma sociedade organizada juridicamente, isto se vê na
evolução humana desde tempos passados, vejamos a explanação de Siqueira:
“Ubi homini, ibi societas; ubi societas, ibi jus. Onde há homem há
sociedade; onde há sociedade há direito. Há direito porque há sociedade.
Há sociedade porque existem homens. Nesta linha se tem assente que o
fim do direito é proteger os valores supremos que garantam a Dignidade do
homem. O direito surge do homem, com o homem e para o homem e assim,
deve ser visto para que a pessoa tenha preservado o local especial que sua
existência lhe confere no ordenamento jurídico. Um local que se faz
habitável ao se considerar que à pessoa se deve reconhecer a condição de
começo, meio e fim do direito” (SIQUEIRA, 2010).
Nas lições de Ráo “o direito equaciona a vida social, atribuindo aos
seres humanos, que a constituem, uma reciprocidade de poderes, ou faculdades, e
de deveres, ou obrigações” (RÁO, 1997, p. 49).
O Direito nasce com a existência da humanidade para regular essa e a
segue através dos tempos, pois onde há sociedade, há conflito, sabido que as
organizações humanas são detentoras de imperfeições e conflitos entre si. O Direito
viabiliza a convivência em sociedade, pautando limites para que esta convivência
seja possível e um tanto pacífica. Podemos perceber essa linha de pensamento por
Duguit:
“O homem vive em sociedade e só pode assim viver; a sociedade mantémse apenas pela solidariedade que une seus indivíduos. Assim uma regra de
conduta impõe-se ao homem social pelas próprias contingências
contextuais, e esta regra pode formular-se do seguinte modo: Não praticar
nada que possa atentar contra a solidariedade social sob qualquer das suas
formas e, a par com isso, realizar toda atividade propícia a desenvolvê-la
organicamente. O direito objetivo resume-se nesta fórmula, e a lei positiva,
para ser legítima, deve ser a expressão e o desenvolvimento deste
princípio. (...) A regra de direito é social pelo seu fundamento, no sentido de
que só existe porque os homens vivem em sociedade” (DUGUIT, 1996, p.
25-26).
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Nessa seara, se faz necessário à compreensão da estrutura, forma e
função do Estado Brasileiro a luz da CF 1988, para melhor compreender o Poder de
Polícia do Estado e seus organismos policiais.
São marcas estruturais do Estado Democrático de Direito detém como
mecanismos estruturais, segundo o entendimento do constitucionalista Marcelo
Novelino, “a soberania popular, a garantia jurisdicional da supremacia da
Constituição, a busca pela efetividade dos direitos fundamentais e ampliação do
conceito de democracia”. (NOVELINO, 2012 p. 45).
Cumpre destacar que o princípio da soberania popular detém enorme
relevância na busca pela conexão entre a democracia e o Estado de Direito. Nas
palavras de Marcelo Novelino o princípio “se apresenta como uma das vigas mestras
deste novo modelo, impondo uma organização e um exercício democráticos do
Poder (ordem de domínio legitimada pelo povo)”. (NOVELINO, 2012, p. 46).
O Estado Democrático de Direito instituído pela Constituição Federal
de 1988 traz em seus artigos 5º ao 17º os Direitos e Garantias Fundamentais.
Trazendo ainda, no artigo 1º, III, o princípio da “dignidade da pessoa humana”
positivado como fundamento da República Federativa do Brasil, o autor penalista
Capez comenta sobre o Estado Democrático brasileiro:
“Verifica-se o Estado Democrático de Direito não apenas pela proclamação
formal da igualdade entre todos os homens, mas pela imposição de metas e
deveres quanto à construção de uma sociedade livre, justa e solidária; pela
garantia do desenvolvimento nacional; pela erradicação da pobreza e da
marginalização; pela redução das desigualdades sociais e regionais; pela
promoção do bem comum; pelo combate ao preconceito de raça, cor,
origem, sexo, idade e quaisquer outras formas de discriminação (CF, art. 3º,
I a IV); pelo pluralismo político e liberdade de expressão das idéias; pelo
resgate da cidadania, pela afirmação do povo como fonte única do poder e
pelo respeito inarredável da dignidade humana” (CAPEZ, 2009, p. 6).
Entrementes, o Estado Democrático de Direito criou medidas com o
intuito de prevenir e reprimir condutas que ofendam os bens jurídicos existentes na
sociedade, tudo isso com a intenção de estabelecer e manter a paz social.
Contudo, haverá momentos em que referidos bens jurídicos defendidos
pelo Estado estarão em conflitos, dificultando ou ainda, impossibilitando a
preservação de ambos os bens, havendo a necessidade da „sacrificação‟ de um bem
jurídico para preservação de outro que também estará em risco de deterioração.
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O Estado-Poder detém o dever de garantir a paz e a ordem social,
contudo, ele não conseguirá ser onipresente e salvaguardar todos os bens jurídicos
por ele protegidos, para isso ele criou mecanismos em forma de exceção para que o
próprio detentor do bem jurídico o proteja de uma situação que lhe seja restringido
ou esteja na iminência de ser o seu bem jurídico violado, permitindo ainda ao agente
a proteção de bens jurídicos de terceiros. Algumas das causas justificantes estão
presentes no Código Penal em sua parte geral (estado de necessidade, legítima
defesa, estrito cumprimento do dever legal e exercício regular do direito).
A possibilidade de se valer de uma excludente de ilicitude, quando
necessária, é essencial para o funcionamento da célula social, uma vez que
garantirá interesses de suma importância para a subsistência do próprio Estado.
No mesmo norte, a retirada de uma vida pela preservação de outra
está inserida no ordenamento jurídico pátrio (legítima defesa), contudo, tal
possibilidade somente deverá ser acionada quando todos os outros métodos de
resolução que não sejam letais estejam esgotados ou inviabilizados. A situação de
crise com reféns, por exemplo, deverá perpassar pela negociação primeiramente,
inviabilizada ou impossibilitada, poderá o Estado analisar no caso concreto a
utilização do tiro de comprometimento do Sniper como método para resolução da
situação conflitante entre o bem jurídico vida.
2.2 - DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
Os Direitos fundamentais surgiram na França após o movimento
político e cultural que deu origem à Declaração Universal dos Direitos do Homem e
do Cidadão, de 1789.
Os direitos fundamentais são normas que detém verdadeiros
mandamentos para o Estado, sendo dever do Estado implementar o direito positivo
para garantir os direitos fundamentais dos indivíduos sob sua tutela. O Ministro do
Supremo Tribunal Federal – STF, Ministro Gilmar Mendes, no trecho do seu voto
explicita os direitos fundamentais:
“Os direitos fundamentais se caracterizam não apenas por seu aspecto
subjetivo, mas também por uma feição objetiva que os tornam verdadeiros
mandatos normativos direcionados ao Estado. A dimensão objetiva dos
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direitos fundamentais legitima a ideia de que o Estado se obriga não apenas
a observar os direitos de qualquer indivíduo em face das investidas do
Poder Público (direito fundamental enquanto direito de proteção ou defesa –
Abwehrrecht), mas também a garantir os direitos fundamentais contra a
agressão propiciada por terceiros”. Essa nova dimensão faz “com que o
Estado evolua da posição de „adversário‟ para uma função de guardião” dos
direitos fundamentais. “Assim, ainda que não se reconheça, em todos os
casos, uma pretensão subjetiva contra o Estado, tem-se, inequivocamente,
a intenção de um dever deste de tomar as providências necessárias para a
realização ou concretização dos direitos fundamentais” (STF - ADI
3.510/DF, 2008).
Deste modo percebemos que os Direitos Fundamentais são de grande
importância, devendo o Estado respeitá-los, assim, como também de defendê-los de
ameaça de terceiros, de importante relevância tem o referido conceito ao nosso
tema em discussão.
Dentre os direitos fundamentais estão os Direitos de defesa (ou direitos
de resistência) dos quais extrai-se o direito de exigir do Estado, um dever de
abstenção, impedindo sua ingerência na autonomia dos indivíduos. Faz parte deste
grupo a inviolabilidade o direito à vida (CF, art. 5.º), na qual proíbe o Estado de
retirar a vida do indivíduo (NOVELINO, p. 480, 2012).
Contudo, a possível relativização deste direito é o tema controverso
que discorremos durante todo este trabalho.
2.3 - PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
A dignidade da pessoa humana é um princípio norteador de todo o
ordenamento jurídico pátrio que teve sua origem enraizada para alguns no
cristianismo puro. Posteriormente, chegaríamos ao período iluminista, ao século das
luzes, onde foi dado um efetivo reconhecimento para os direitos para uma vida digna
do ser humano. Entretanto, mesmo sendo reconhecida a existência do princípio da
dignidade da pessoa humana, determinar o que seja digno até nos dias de hoje é
tarefa difícil, isto, pois, o princípio é considerado como vago e impreciso. (GRECO,
2013. p. 9-11).
Nos ordenamentos constitucionais o princípio da dignidade da pessoa
humana só foi ganhar significativa relevância após a segunda Guerra Mundial,
visualizando os humanos como dignos de uma forma jurídica a ponto de exigir do
próprio Estado um dever de fazer e vezes o de não fazer, Siqueira comenta:
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“A partir do segundo pós-guerra, ao menos no plano das leis, a concepção
de que o respeito ao Ser Humano deve ocupar o centro de toda e qualquer
atividade desenvolvida ganha força. Esta constatação rompe com as
fronteiras do Estado Liberal para apresentar um modelo onde os valores
essenciais ao Ser Humano são fundamentos da nova soberania. Desta
forma os princípios informadores do Estado Democrático (Cidadania e
Dignidade da Pessoa Humana) são trazidos para a realidade constitucional
e passam a ser exigíveis no plano jurídico” (SIQUEIRA, 2010).
É certo que o conceito de dignidade da pessoa humana vem sendo
construído e ampliado com o passar dos séculos, contudo, é possível perceber
através de uma análise baseando em casos concretos, que um comportamento para
um determinado povo poderá ser digno e para outro não, com isto é necessário
analisar em qual contexto estão inserido o princípio, assim nas lições de Ingo
Wolfgang Sarlet:
“até que ponto a dignidade não está acima das especificidades culturais,
que, muitas vezes, justificam atos que, para a maior parte da humanidade
são considerados atentatórios à dignidade da pessoa humana, mas que, em
certos quadrantes, são tidos por legítimos, encontrando-se profundamente
enraizados na prática social e jurídica de determinadas comunidades. Em
verdade, ainda que se pudesse ter o conceito de dignidade como universal,
isto é, comum a todas as pessoas em todos os lugares, não haveria como
evitar uma disparidade e até mesmo conflituosidade sempre que se tivesse
de avaliar se uma determinada conduta é, ou não, ofensiva à dignidade”
(SARLET, 2001, p. 55-60).
Apesar de difícil conceituação todo ser humano a detém em seu
intrínseco, como podemos ver Sarlet diz ser dignidade da pessoa humana:
“a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor
do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade,
implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais
que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho
degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições
existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover
sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e
da vida em comunhão com os demais seres humanos” (SARLET, 2001, p.
60).
A Declaração Universal de Direitos Humanos de 1789 tenta
estabelecer padrões dignos em nível internacional e mundial, contudo ela não
consegue abranger todos os países do mundo, desta forma há divergências de
acordo com a localidade e cultura de cada povo.
Com isto, percebemos que o conceito de dignidade está diretamente
ligado ao contexto histórico cultural de determinados povos, como exemplo a
mutilação do corpo da mulher é uma situação normal em alguns países. Outro
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exemplo é a aplicação da pena de morte aos traficantes na Indonésia, caso
divulgado em razão da morte de brasileiros naquela localidade.
Vale dizer que o pedido de clemência às autoridades indonésias da
então Presidenta teve como base o princípio da dignidade da pessoa humana, mas
para aqueles povos era digno matar um traficante internacional, evitando danos
maiores na sociedade e protegendo suas crianças de pessoas de tal estirpe (um
detalhe que a morte acontece por fuzilamento, diferentemente dos EUA que em sua
maioria é realizada por injeção letal).
No Brasil, como sabido, é reconhecido constitucionalmente o princípio
em questão, um princípio expresso e de observância obrigatória pelo Estado. Mas
vemos que o Estado ainda afronta os direitos humanos com políticas públicas
contrárias aos anseios necessários à sociedade. Corrupção envolvendo dinheiro
público, verbas estas que deveriam ser investidas na saúde, segurança, educação.
Indiretamente são direitos humanos e sociais que estão sendo desviados para os
governantes corruptos desse país. Corroborando com a taxa de violência e
reincidência em crimes no Brasil, o renomado autor em Direito Penal Rogério Greco,
exemplifica uma das situações existentes no Brasil que afronta a dignidade da
pessoa humana:
“A Constituição brasileira reconhece, por exemplo, o direito à saúde,
educação, moradia, lazer, alimentação, enfim, direitos mínimos, básicos e
necessários para que o ser humano tenha uma condição de vida digna. No
entanto, em maior ou menor grau, esses direitos são negligenciados pelo
Estado. Veja-se, por exemplo, o que ocorre, via de regra, com o sistema
penitenciário brasileiro. Indivíduos que foram condenados ao cumprimento
de uma pena privativa de liberdade são afetados, diariamente, em sua
dignidade, enfrentando problemas como os da superlotação carcerária,
espancamentos, ausência de programas de reabilitação etc. A
ressocialização do egresso é uma tarefa quase que impossível, pois não
existem programas governamentais para a sua reinserção social, além do
fato de a sociedade não perdoar aquele que já foi condenado por ter
praticado uma infração penal” (GRECO, 2013, p. 13-14).
O princípio da Dignidade da Pessoa Humana no contexto da atividade
policial está diretamente inserido em treinamentos das Forças Policiais do país,
existindo consequências para o descumprimento destes por agentes da segurança
pública. A desobediência desses princípios por tais agentes traz consigo múltiplos
problemas práticos para com a sociedade, desconfiança, isolam os agentes da
comunidade, traz insegurança com os mecanismos estatais de resolução dos
16
conflitos existentes e, ainda, assevera o desejo de vingança ou um exercício
arbitrário das próprias razões por parte da sociedade.
Por outro lado, o respeito dos Direitos Humanos por organismos
policiais reforça o desejo do Estado por uma sociedade justa, honesta, respeitadora
de direitos dignos para os humanos que ali convivem em sociedade e escolheram
passar vários de seus direitos para que o Estado de forma ordeira os organizassem
para um bem comum maior.
A polícia em se tratando de segurança pública e direitos humanos deve
respeitar tais direitos para que reforce a confiança do público nas instituições de
segurança e estimulando uma cooperação da sociedade, pois a polícia está na rua
para coibir o cidadão infrator e mal intencionado a denegrir direitos humanos de
outras pessoas. Com isto, se cria uma comunidade parceira dos órgãos de
segurança pública, podendo assim prestar um bom serviço social evitando furtos,
roubos, homicídios, o tráfico de drogas dentre vários outros crimes hediondos.
A sociedade deve pensar que uma blitz no trânsito está ali para a
segurança do cidadão de bem, pois aquela blitz poderá descobrir um crime em
andamento de sequestro, tráfico, roubos dentre outros, ou seja, o cidadão de bem
não deve temê-la e sim se sentir seguro por tal serviço prestado, assim para com a
presença policial nas ruas, ela está ali para reforçar e passar segurança para o
cidadão de bem e afrontar não os direitos humanos, mas justamente para coibir o
infrator que pretende infringir os direitos humanos de outrem.
17
3 - NOÇÕES DE SEGURANÇA PÚBLICA
A Segurança Pública é um conceito amplo que se refere a uma
atividade pertinente aos órgãos estatais e à comunidade como um todo, realizada
com a finalidade de proteger a cidadania, prevenindo e controlando manifestações
da criminalidade e da violência.
A necessidade de proteção da vida e aos direitos sociais pelo Estado
numa sociedade democrática de direito está previsto já no preâmbulo da Carta
Máxima do nosso ordenamento jurídico:
“Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional
Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o
exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bemestar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de
uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, [...]” (BRASIL, 1988).
A proteção Estatal e o direito à segurança não ficou apenas restrito ao
Preâmbulo da Constitucional Federal, encontra-se no caput do artigo dos direitos
fundamentais a referida proteção:
“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade [...]” (BRASIL, 1988).
A Constituição da República de 1988 reservou um capítulo específico
destinado à Segurança Pública (art. 144), onde é colocado como “dever” do Estado
e um “direito e responsabilidade de todos”, devendo ser exercida para a
“preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio”. A
CRFB ainda em seu artigo 144 estabelece os órgãos responsáveis pela Segurança
Pública sendo: a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal, a Polícia Ferroviária
Federal, as polícias civis estaduais, as polícias militares e os corpos de bombeiros.
Entretanto, em relação à segurança pública, o constituinte não
restringiu apenas ao Estado a responsabilidade por essa. Vê-se na leitura do art.
144 que todos, de forma solidária, têm o direito e a responsabilidade pela segurança
pública no Brasil.
Como mencionado à segurança pública deve trabalhar em harmonia
com a sociedade, criando-se um vínculo de confiança de mútua assistência, pois os
organismos policias precisam da compreensão e auxílio do cidadão de bem, com
18
informações para uma coibição mais eficaz as infrações legais existentes na
sociedade. Esta parceria quanto mais próxima, mais eficaz tende a ser, pois o
Estado está ali representado na figura do policial para salvaguardar os direitos
humanos protegidos pela Constituição Federal, na qual fora feita por representantes
do povo, anseios explicitados na Carta Magna da população no geral para a sua
proteção contra até mesmo o próprio Estado.
3.1 - ORGANIZAÇÃO DAS POLÍCIAS
A Polícia brasileira está regulamentada na Constituição Federal de
1988 em seis modalidades distintas: polícia ostensiva, polícia de investigação,
polícia judiciária, polícia de fronteiras, polícia marítima e polícia aeroportuária.
A separação teórica não é muito relevante na prática, onde Polícia
Civil, Militar, Polícia Federal e ainda o Exército trabalham juntos na resolução de
crimes. Visto caso de pacificação no Rio de Janeiro, na qual uniu todas as forças
armadas à disposição da nação brasileira para concretização do projeto.
A parte ostensiva está diretamente ligada a Polícia Militar em nível
Estadual, órgão detentor de patrulha ostensiva de acordo com o art. 2º, nº 27 do
Decreto nº 88.777/83:
“ação policial, exclusiva das Polícias Militares em cujo emprego o homem
ou a fração de tropa engajados sejam identificados de relance, quer pela
farda quer pelo equipamento, ou viatura, objetivando a manutenção da
ordem pública. São tipos desse policiamento, a cargo das Polícias Militares
ressalvadas as missões peculiares das Forças Armadas, os seguintes:
ostensivo geral, urbano e rural...” (BRASIL, 1983).
Na seara do mesmo Decreto este traz consigo o conceito de Ordem
Pública que deve ser assegurado pelo Estado através seu poder de polícia:
“Art. 2º
[...]
21) Ordem Pública - Conjunto de regras formais, que emanam do
ordenamento jurídico da Nação, tendo por escopo regular as relações
sociais de todos os níveis, do interesse público, estabelecendo um clima de
convivência harmoniosa e pacífica, fiscalizado pelo poder de polícia, e
constituindo uma situação ou condição que conduza ao bem comum”
(BRASIL, 1983).
19
Como visto, a Polícia Militar é responsável pela parte ostensiva na qual
é sua função prevenir e reprimir de forma imediata infrações legais. A Polícia Militar
nesta seara de atuação será a responsável pela atuação em crimes de sequestro
com refém na qual poderá fazer jus dos grupos especializados dentro da sua
corporação tal como é o caso do Batalhão de Operações Especiais (BOPE-RJ),
Grupo de Ações Táticas Especiais (GATE), este último existente em várias
federações do Brasil, inclusive em Minas Gerais, para assim dar uma ação mais
efetiva ao caso em concreto através de homens mais especializados e treinados do
que à polícia comum.
Os grupos táticos não são policiais convencionais na qual fazem
patrulhamentos ostensivos na rua. São homens altamente treinados para situações
de alto risco, situações com reféns, bombas, locais de difícil acesso, como prédios,
onde necessita de equipamentos específicos de rapel entre outros. Dentre os
homens especializados destes grupos táticos está a possibilidade de utilização do
atirador de elite (Sniper) como solução no gerenciamento de crise com refém,
analisaremos adiante questões penais e constitucionais referente ao tiro de
comprometimento do Sniper.
O Direito Penal, ultima ratio do ordenamento jurídico pátrio, não possui
como função o cerceamento da liberdade individual, mas sim a proteção, assim
como todo o ordenamento jurídico.
Daí surge a missão do Direito Penal regular e possibilitar a vida em
sociedade, pois assim exige a natureza humana, afastando a “lei do mais forte”.
Compete ao Estado o monopólio de punir, desse modo, deve deter meios para a
solução adequada das situações críticas, utilizando-se de mecanismos proporcionais
e condizentes para manter a paz social.
Os Grupos Especiais são treinados para situações críticas, nas quais
a sociedade exige uma resposta eficiente do Estado, exigindo na maioria das vezes
a preservação da vida, tanto do sequestrador (autor da crise) e, obviamente, da
vítima. Haverá quem diga num dilema entre a vida do refém em detrimento da vida
do criminoso sempre preservará a da vítima, contudo, tal apoio nunca será unanime
na sociedade exigindo alguns que sejam ambas as vidas preservadas, mas às vezes
isso não será possível (visto caso Eloá em 2008).
20
Na ocasião o GATE (Grupo de Ações Táticas Especiais) poderia ter
utilizado o tiro de comprometimento, como uma hipótese viável neste caso, mas foi
evitado, talvez, graças ao apelo extremado e sensacionalista da imprensa,
culminando em uma possível falha, altamente criticada. A opção de descartar o tiro
de comprometimento para o abatimento do sequestrador culminou indiretamente a
morte da vítima (Eloá, 15 anos).
3.2 - USO PROGRESSIVO DA FORÇA
A Polícia por exercer uma atividade por sua natureza fiscalizadora e
restritiva de direitos e liberdades individuais deve constantemente estar passando
por treinamentos e especializações para atuações em casos extremos de crises,
onde está em risco a vida humana, sendo o bem jurídico máximo protegido pela
Constituição Federal, o direito à vida. Em consonância com este princípio deve estar
toda a atuação policial, a dignidade da pessoa humana também é outro princípio
norteador. Contudo, quando estiverem em risco vidas humanas deve o Estado dar
uma efetiva e inteligente solução ao caso concreto, analisando todos os riscos
inerentes a sua atuação.
O uso progressivo da força ganha uma relevante importância em se
tratando dos métodos utilizados dentro das forças policiais, levando em
considerações os princípios supramencionados de atuação. O uso progressivo da
força dá uma noção de quanto e, como, será permitido o uso da força policial, contra
um cidadão infrator.
Avançar quanto ao grau de resposta pelo agente policial ao nível da
ameaça perpetrada pelo cidadão infrator, são aspectos que o uso progressivo da
força traz, tendo como parâmetros basilares a proporcionalidade e razoabilidade.
Os instrumentos no âmbito internacional que trata sobre o uso
progressivo da força é mencionado na apostila do SENASP/MJ (Secretaria Nacional
de Segurança Pública – Ministério da Justiça) como sendo o CCEAL (Código de
Conduta para Encarregados da Aplicação da Lei) e a PBUFAF (Princípios Básicos
sobre o Uso da Força e Armas de Fogo) como os dois instrumentos internacionais
21
mais importantes na área de orientação dos Estados quanto ao uso da força e de
arma de fogo, pelas instituições policiais.
O Código de Conduta para Encarregados da Aplicação da Lei, na qual
fora criado pela resolução 34/169 da Assembleia Geral das Nações Unidas detém o
objetivo de criar padrões a nível internacionais de condutas policiais a serem
seguidas, obedecendo e, ainda, protegendo a dignidade humana, mantendo e
apoiando os direitos fundamentais de todas as pessoas.
Ilustrando padrões a ser seguidos pelos encarregados da aplicação
da lei vejamos os oito artigos do código de conduta:
“Código de Conduta para os Encarregados da Aplicação da Lei.
Artigo 1º Os funcionários responsáveis pela aplicação da lei devem cumprir,
a todo o momento, o dever que a lei lhes impõe, servindo a comunidade e
protegendo todas as pessoas contra atos ilegais, em conformidade com o
elevado grau de responsabilidade que a sua profissão requer.
Artigo 2 º No cumprimento do seu dever, os funcionários responsáveis pela
aplicação da lei devem respeitar e proteger a dignidade humana, manter e
apoiar os direitos fundamentais de todas as pessoas.
Artigo 3º Os funcionários responsáveis pela aplicação da lei só podem
empregar a força quando tal se afigure estritamente necessário e na medida
exigida para o cumprimento do seu dever.
Artigo 4º As informações de natureza confidencial em poder dos
funcionários responsáveis pela aplicação da lei devem ser mantidas em
segredo, a não ser que o cumprimento do dever ou as necessidades da
justiça estritamente exijam outro comportamento.
Artigo 5º Nenhum funcionário responsável pela aplicação da lei pode infligir,
instigar ou tolerar qualquer ato de tortura ou qualquer outra pena ou
tratamento cruel, desumano ou degradante, nem invocar ordens superiores
ou circunstanciais excepcionais, tais como o estado de guerra ou uma
ameaça à segurança nacional, instabilidade política interna ou qualquer
outra emergência pública como justificação para torturas ou outras penas ou
tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes.
Artigo 6º Os funcionários responsáveis pela aplicação da lei devem
assegurar a proteção da saúde das pessoas à sua guarda e, em especial,
devem tomar medidas imediatas para assegurar a prestação de cuidados
médicos sempre que tal seja necessário.
Artigo 7º Os funcionários responsáveis pela aplicação da lei não devem
cometer qualquer ato de corrupção. Devem, igualmente, opor-se
rigorosamente e combater todos os atos desta índole.
Artigo 8º Os funcionários responsáveis pela aplicação da lei devem respeitar
a lei e o presente Código. Devem, também, na medida das suas
possibilidades, evitar e opor-se vigorosamente a quaisquer violações da lei
ou do Código. Os funcionários responsáveis pela aplicação da lei que
tiverem motivos para acreditar que se produziu ou irá produzir uma violação
deste Código, devem comunicar o fato aos seus superiores e, se
22
necessário, a outras autoridades com poderes de controle ou de reparação
competentes” (ONU, 1979).
Portanto, o CCEAL, código acima mencionado, salienta que o uso da
força por agentes policiais, ou melhor, funcionários responsáveis pela aplicação da
lei é permitido, contudo, excepcional. Repara que a admissão por estes funcionários
de utilização da força deve ser de uma forma proporcional e razoável a um fim
específico, prevenção do crime, efetuar ajuda, ou ajudar à detenção legal de
infratores ou suspeitos. A força deve ser utilizada na medida do necessário para o
cumprimento do seu dever, podendo ser utilizado arma de fogo, desde que seja
necessário para o cumprimento do dever e essa seja uma medida exigida para, por
exemplo, uma legítima defesa do agente ou de terceiros.
A utilização de arma de fogo deve ser entendida como uma medida
extrema a ser tomada, todos os esforços no sentido de excluir a sua utilização deve
ser tomada. No geral, deve ser utilizada arma de fogo quando o suspeito oferece a
resistência armada, colocando em risco vidas alheias, e, deste modo, medidas
menos extremas para dominar ou deter o delinquente não sejam suficientes para
atingir o objetivo de inutilização do risco, tal como será estudado no tópico próprio de
gerenciamento de crises.
Os Princípios Básicos sobre o Uso da Força e Armas de Fogo –
PBUFAF, que foram adotados no oitavo Congresso das Nações Unidas a respeito
da “prevenção do Crime e o Tratamento dos infratores” realizado em Havana, Cuba,
em 27/08/1990 a 07/09/1990, relata princípios a serem adotados tanto pelo Estado,
quanto para o responsável pela utilização da arma de fogo. A preocupação do
tratado passa também pela educação dos responsáveis pela aplicação da lei e
apela:
“a todos os governos para que promovam seminários e cursos de formação,
a nível nacional e regional, sobre a função da aplicação das leis e sobre a
necessidade de restrições ao uso da força e de armas de fogo pelos
funcionários responsáveis pela aplicação da lei” (ONU, 1979).
O PBUFAF ainda retrata em suas disposições gerais a necessidade
por parte dos governantes de investimentos em treinamentos e armamentos de
todos os tipos, dos letais aos não-letais para a utilização conforme a necessidade,
evitando, assim, mortes desnecessárias na sociedade e de seus agentes
aplicadores da lei.
23
A Portaria Interministerial nº 4.226, de 31 de dezembro de 2010 traz
parâmetros e os princípios a serem seguidos pelos policiais “O uso da força por
agentes de segurança pública deverá obedecer aos princípios da legalidade,
necessidade, proporcionalidade, moderação e conveniência.” Esta mesma portaria
em seu Anexo I traz em seu conteúdo o reconhecimento integral do CCEAL e
PBUFAF citados anteriormente pelo Estado brasileiro como norteador das ações
policiais no país:
“1. O uso da força pelos agentes de segurança pública deverá se pautar nos
documentos internacionais de proteção aos direitos humanos e deverá
considerar, primordialmente:
a. ao Código de Conduta para os Funcionários Responsáveis pela
Aplicação da Lei, adotado pela Assembléia Geral das Nações Unidas na
sua Resolução 34/169, de 17 de dezembro de 1979;
c. os Princípios Básicos sobre o Uso da Força e Armas de Fogo pelos
Funcionários Responsáveis pela Aplicação da Lei, adotados pelo Oitavo
Congresso das Nações Unidas para a Prevenção do Crime e o Tratamento
dos Delinqüentes, realizado em Havana, Cuba, de 27 de Agosto a 7 de
setembro de 1999” (ONU, 1990).
O PBUFAF também trata a utilização da arma de fogo nas funções dos
responsáveis pela aplicação da lei, e salientam que a utilização de meio sem
violência deve ser o norte de atuação da polícia, contudo:
“4. No cumprimento das suas funções, os responsáveis pela aplicação da lei
devem, na medida do possível, aplicar meios não-violentos antes de
recorrer ao uso da força e armas de fogo. O recurso às mesmas só é
aceitável quando os outros meios se revelarem ineficazes ou incapazes de
produzirem o resultado pretendido.
5. Sempre que o uso legítimo da força e de armas de fogo for inevitável, os
responsáveis pela aplicação da lei deverão:
(a) Exercer moderação no uso de tais recursos e agir na proporção da
gravidade da infração e do objetivo legítimo a ser alcançado;
(b) Minimizar danos e ferimentos, e respeitar e preservar a vida humana;
(c) Assegurar que qualquer indivíduo ferido ou afetado receba assistência e
cuidados médicos o mais rápido possível;
(d) Garantir que os familiares ou amigos íntimos da pessoa ferida ou
afetada sejam notificados o mais depressa possível” (ONU, 1990).
A linha de raciocínio que a preservação da vida humana deve ser
buscada a todo custo está inserido nestes ordenamentos. Contudo, de modo diverso
vezes não será possível salvar todas as vidas humanas num contexto de crise, será
necessário a utilização da arma de fogo para salvaguardar outra vida que não seja a
do causador da crise, a do refém.
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O tiro de comprometimento do Sniper é uma exceção, óbvio, mas
poderá vir a ser a única alternativa tática eficiente em determinados casos para
preservação da vida do refém. O PBUFAF relata a utilização da arma de fogo
detalhadamente:
“9. Os responsáveis pela aplicação da lei não usarão armas de fogo contra
pessoas, exceto em casos de legítima defesa própria ou de outrem
contra ameaça iminente de morte ou ferimento grave; para impedir a
perpetração de crime particularmente grave que envolva séria ameaça
à vida; Em qualquer caso, o uso letal intencional de armas de fogo só
poderá ser feito quando estritamente inevitável à proteção da vida” (GRIFO
NOSSO) (ONU, 1990).
Nesse contexto, o tiro de comprometimento realizado pelo Sniper
(Atirador de Elite) da Polícia, entra em destaque como possibilidade onde todas as
outras estiverem sidas ineficientes, tal como a negociação com o sequestrador. A
atuação do atirador de elite reflete e infringe bens protegidos pelo Estado que é o
direito a vida, mas por outro lado, sua atuação também está protegida pelo
ordenamento jurídico Constitucional e Penal, na qual atuará em estrito cumprimento
do dever legal, legítima defesa de terceiros e/ou exercício regular de direito. O
atirador atua na preservação da vida da vítima, podendo para isso, em determinados
casos retirar a vida do sequestrador (causador da situação crítica).
Mas é certo que o dever da segurança pública deve ser prestado pelo
Estado, com isto, os mecanismos para solução em estados críticos onde há elevado
risco da vida humana, é de suma importância o Estado deter elementos altamente
treinados e especializados para a solução no gerenciamento de uma crise. Os Grupos
Especializados em gerenciamento de crise devem tentar solucionar a todo custo uma
crise preservando a vida humana, mas no momento em que estiver num dilema entre
princípios e vidas, deve analisar e estudar a melhor hipótese de solução ao caso
concreto, tendo como possibilidade em ultima ratio na resolução do conflito o tiro de
comprometimento do atirador de elite para cessar a agressão à outra vida.
25
4 - GERENCIAMENTOS DE CRISE
O Gerenciamento de Crise é uma disciplina científica fortemente
estudada por instituições policiais nacionais e internacionais tal como FBI, Federal
Bureau Investigation, para solucionar crises com reféns, negociando e buscando a
preservação da vida, dentre as soluções existentes de uma crise está o tiro de
comprometimento a qual cessará eventualmente uma vida para preservação de
outra.
O gerenciamento de crises, pela complexidade que se apresenta, como
explica o TC PMTO Glauber de Oliveira Santos na apostila de Gerenciamento de
Crise do SENASP/MJ:
"exige das instituições policiais formação e treinamento especiais, pessoas
que atendam perfis específicos para cada atividade desenvolvida no teatro
de operações. (...) é uma tarefa que implica na resolução de problemas com
base em probabilidades. Porém é importante lembrar que não é uma ciência
exata, ou um processo rápido e de fácil solução de problemas. Cada crise
apresenta características únicas e exige, portanto, soluções individualizadas
que demandam cuidadosa análise e reflexão" (DÓRIA JUNIOR; FAHNING,
2009, p. 5).
Para entendermos a doutrina policial na qual trata o contexto do
gerenciamento e alternativas para resolução da crise, se faz crucial passar
primeiramente pelo conceito de crise. O estado do Ceará promulgou o Decreto n.º
25.389 - CE, de 23/02/1999, que dispõe sobre normas e procedimentos para o
emprego de recursos do Sistema de Segurança Pública e Defesa da Cidadania do
Estado, em situações de crises, conceituando a crise em seu art. 3º como:
“Art.3º - Considera-se CRISE, todo incidente ou situação crucial não rotineira,
que exija uma resposta especial da Polícia, em razão da possibilidade de
agravamento conjuntural, inclusive com risco de vida para pessoas
envolvidas, e que possa manifestar-se através de motins em presídios,
assaltos a bancos com reféns, sequestros, atos de terrorismo, tentativas de
suicídio, ocupação ilegal de terras, bloqueio de estradas, dentre outras
ocorrências de vulto, surpreendendo as autoridades e exigindo uma postura
imediata das mesmas, com emprego de técnicas especializadas” (Decreto n.º
25.389 - CE, de 23/02/1999).
A crise na concepção do FBI trata-se e um “um evento ou situação
crucial, que exige uma resposta especial da Polícia, a fim de assegurar uma solução
aceitável”. Tais eventos fazem parte do dia a dia policial, de uma forma inesperada,
26
a crise está instaurada. Com isto, seres humanos veem seu direito à vida ameaçado
por outrem e o tempo é um fator crucial para a solução do evento crítico.
A apostila do SENASP/MJ cita a doutrina norte-americana formulada
pela Academia Nacional do FBI (EUA), enumerando três características principais
sobre um evento crítico:
“1 - AMEAÇA À VIDA – Configura-se como um componente essencial do
evento crítico, mesmo quando a vida em risco é a do próprio indivíduo
causador da crise. Assim, por exemplo, se alguém ameaça se jogar do alto
de um prédio, buscando suicidar-se, essa situação é caracterizada como uma
crise, ainda que inexistam outras vidas em perigo.
2 - IMPREVISIBILIDADE – A crise é não-seletiva e inesperada, isto é,
qualquer pessoa ou instituição pode ser atingida a qualquer instante, em
qualquer local, a qualquer hora. Sabemos que ela vai acontecer, mas não
podemos prever quando. Sendo assim, as instituições policiais não podem se
valer da possibilidade de se preparar tão somente quando o evento crítico
acontecer, devemos estar preparados para enfrentar qualquer crise.
3 - COMPRESSÃO DE TEMPO (urgência) – Os processos decisórios que
envolvem discussões para adoção de posturas no ambiente operacional
devem ser realizados, em um curto espaço de tempo. Os eventos cruciais de
alta complexidade impõem às autoridades policiais responsáveis pelo seu
gerenciamento: urgência, agilidade e rapidez nas decisões” (DÓRIA JUNIOR;
FAHNING, 2009, p. 9).
A doutrina trazida pela instituição americana por óbvio, para uma
solução aceitável no gerenciamento de crise, exige uma postura organizacional não
rotineira, ou seja, como situações de eventos críticos não acontecem todos os dias, é
inerente que as instituições policiais se preparem de uma forma prévia para quaisquer
eventos críticos, para minimizar os danos é necessário um preparo das instituições
policiais.
Como cada evento crítico detém sua característica em específico, deve
se ter um planejamento analítico especial e uma capacidade de implementação para
que o desenrolar da crise, se prejudicados por vias externas tais como falta de
informação sobre o evento, intervenção da mídia e o tumulto da massa não seja
esses os fatores a comprometer ao andamento do gerente da crise.
Nessa diapasão, o gerenciamento de crise trata-se de uma ciência que
deve lidar, geralmente sob pressão de tempo, com problemas de ordem pública da
maior complexidade, em momentos arriscados de sua evolução, tendo sempre por
meta, e como objetivos fundamentais, a preservação de vidas e aplicação da lei.
O SENASP/MJ em sua apostila para formação de policiais em âmbito
nacional relata que, a preservação de vidas e aplicação da lei tem uma ordem
27
cronológica de „aplicação‟, sendo a preservação da vida mais importante do que a
aplicação da lei em si, para isso exemplifica que a fuga negociada pode ser
considerada um exemplo prático dessa hierarquia, pode se liberar o causador da
crise para salvaguardar a vida do refém, posteriormente, buscar a aplicação da lei.
Visto que a persecução penal pode ser retardada, ao passo que a vida de um refém
é irreversível.
Ainda segundo a apostila o gerente de uma situação de crise deve
sempre ter esses objetivos em mente, observando os aspectos que deles se derivam,
dividindo em dois âmbitos de observação:
Preservação de vidas:
1. dos reféns
2. do público em geral
3. dos policiais
4. dos criminosos
Aplicação da Lei:
1. prisão dos infratores protagonistas da crise
2. proteção do patrimônio público privado
3. garantir o estado de direito
O comandante da cena de ação (também chamado de comandante do
teatro das operações) está a todo instante sob forte pressão e tomada de decisões
ao desenrolar do evento. Nessas ocasiões existe um processo decisório para o
gerente da crise, o dilema de fazer ou não fazer algo. Decisões das mais simples de
fornecer água ou alimentação para os reféns e para os perpetradores da crise, cortar
a linha telefônica, o fornecimento de eletricidade, até das mais complexas como
autorizar o tiro de comprometimento.
A sociedade em geral exige um comportamento contundente da polícia
durante um evento crítico, muitas das vezes, manipulados pela influência da mídia,
que o incidente deva ser resolvido de uma maneira sem conhecimento das técnicas
e táticas, tampouco as limitações jurídicas enfrentadas pelo comandante e seus
policiais.
O gerente da crise no dilema de como deverá agir perante a situação
crítica, a doutrina vem para auxiliá-lo com critérios a serem seguidos em frente a
28
uma decisão a ser tomada. Consoante à apostila a doutrina americana traz três
critérios para a tomada de decisões: necessidade, validade do risco, aceitabilidade.
Vejamos:
“A necessidade deve ser um critério observando na qual indica que toda e
qualquer ação somente deve ser implementada quando for indispensável.
Se não houver necessidade de se tomar uma determinadas decisões, não
se justifica a sua adoção. O comandante deverá se perguntar “a ação que
pretendo fazer é realmente necessária?”.
Validade do risco estabelece que toda e qualquer ação, tem que levar em
conta, se os riscos dela advindos são compensados pelos resultados. A
pergunta que deve ser feita é: Vale a pena correr o risco? Esse critério é
um tanto subjetivo, pois o que é arriscado para um pode não o ser para
outro.
Aceitabilidade é o terceiro critério, implica que toda decisão deve ter
respaldo legal, moral e ético. A aceitabilidade significa que toda decisão
deve ser tomada com base nos princípios ditados pelas leis. Uma crise, por
mais séria que seja não dá à organização policial a prerrogativas de violar
leis” (DÓRIA JUNIOR; FAHNING, 2009, p. 13).
Por questões éticas e morais, questões essas que envolvem também
clamor social, podem gerar transtornos no gerenciamento da crise. O exemplo de
troca de um policial por um refém poderá ser visto como ético e moral perante a
sociedade, mas perante o meio policial, poderá ser visto com outros olhos.
A tipologia dos causadores de evento crítico é um ponto obscuro de
certo modo para os estudiosos do gerenciamento de crise, na tentativa de criar um
perfil próximo dos criadores de eventos críticos, a apostila do curso de policiais do
SENASP/MJ citando o Capitão Frank Bolz Junior, do Departamento de Polícia de
Nova Iorque, EUA, na sua obra Como ser um refém e sobreviver, exemplifica e
tipifica alguns criminosos:
“O 1° Tipo - Criminoso comum: também conhecido como contumaz, ou
criminalmente motivado- É o indivíduo que se mantém através de repetidos
furtos e roubos e de uma vida dedicada ao crime. Essa espécie de
criminoso, geralmente, provoca uma crise por acidente, devido a um
confronto inesperado com a Polícia, na flagrância de alguma atividade
ilícita. Com a chegada da Polícia, o indivíduo agarra a primeira pessoa ao
seu alcance como refém, e passa a utilizá-la como garantia para a fuga,
29
neutralizando, assim, a ação dos policiais. O grande perigo desse tipo de
causador de evento crítico certamente está nos momentos iniciais da crise.
Em média, os primeiros quarenta minutos são os mais perigosos. Esse tipo
de causador de crise representa a maioria dos casos ocorridos no Brasil.
2° Tipo - O emocionalmente perturbado - Pode ser um indivíduo com
alguma psicopatia ou simplesmente alguém que não conseguiu lidar com
seus problemas de trabalho ou de família, ou que esteja completamente
divorciado da realidade. Algumas doutrinas chamam este último como
incidente doméstico, já que normalmente envolve as relações familiares.
Estatisticamente, nos Estados Unidos, esse é o tipo de indivíduo que causa
a maioria dos eventos críticos. Brigas domésticas, problemas referentes à
custódia de menores, empregados revoltados ou alguma mágoa com
relação a uma autoridade podem ser o estopim para a prática de atos que
redundem em crises. Não há no Brasil dados estatísticos confiáveis que
possam indicar, com exatidão, o percentual representado por esse tipo de
causadores de eventos críticos no universo de crises registradas no país,
verificando-se nos noticiários que algumas dessas situações se vinculam à
prática de crimes chamados passionais.
O 3° tipo - O terrorista por motivação política - Apesar de não ostentar uma
liderança estatística, essa espécie de causadores de eventos críticos é, de
longe, a que causa maior estardalhaço. Basta uma olhada nos jornais para
se verificar as repercussões causadas por esse tipo de evento, ao redor do
mundo. É que pela própria essência desses eventos, geralmente
cuidadosamente planejados por grupos com motivação política ou
ideológica, a repercussão e a divulgação constituem, na maioria das vezes,
o principal objetivo da crise, que se revela como uma oportunidade valiosa
para críticas a autoridades constituídas e para revelação dos propósitos ou
programas do grupo.
Um subtipo dessa categoria de causadores de eventos críticos é o terrorista
por motivação religiosa. É muito difícil lidar com esse tipo de elemento,
porque não pode haver nenhuma racionalização através do diálogo, o que
praticamente inviabiliza as negociações. Ele não aceita barganhar as suas
convicções e crenças. Quase sempre, o campo de manobra da negociação
fica reduzido a tentar convencer o elemento de que, ao invés de morrer pela
causa, naquele evento crítico, seria muito mais proveitoso sair vivo para
continuar a luta. Para esse tipo de causador de crise pode parecer, em dado
momento, ser mais conveniente sair da crise carregado nos braços dos
seus seguidores como um herói” (DÓRIA JUNIOR; FAHNING, 2009, p. 1718).
Portanto, essas tipificações de perfis de perpetradores de eventos
críticos, por óbvio são orientações para o gerente da crise, servindo como
parâmetros de decisões e o auxiliando a estudar os perfis e como agir em
determinados casos. É de grande importância saber o perfil do causador da crise,
para assim, saber até onde poderá chegar numa eventual barganha e se será
possível fazê-la por questões morais do perpetrador, que vezes irá preterir a saída e
então morrer como „héroi‟ para seu povo. Em situações assim, o atirador de elite
poderá ser uma alternativa tática viável evitando mortes demasiadas dos reféns,
30
prevendo a ação do perpetrador da crise, agindo assim, antecipadamente à sua
ação.
4.2 - ALTERNATIVAS TÁTICAS
A
Doutrina
do
Gerenciamento
de
crises
detém
instrumentos
denominados de alternativas táticas para resolução do evento crítico em ocorrências
com policiais de alta complexidade.
A autoridade policial, qual seja o gerente da crise, encarregado de
tomar decisões no teatro das operações, deverá observar a classificação do grau do
risco ou ameaça, levando os critérios de ação em consideração, assim, decidir qual
alternativa tática deverá ser empregada num evento crítico de alta complexidade na
busca pela preservação da vida.
O Capitão Gilmar Luciano Santos explicita: “alternativa tática significa a
forma, a maneira, o modo e as opções que o comandante da operação possui para
dar uma solução aceitável à mesma” (SANTOS, 2011, p. 19).
As alternativas táticas consagradas na doutrina do gerenciamento de
crise, segundo LUCCA engloba: a negociação, o uso de técnicas não letais, o tiro de
comprometimento realizado pelo atirador de precisão e a invasão tática ou assalto
por célula policial. Colocando como a aplicação do tiro de precisão ou invasão tática
como de fundamental importância para resolução de crimes envolvendo reféns
localizados (LUCCA, 2002, p. 98).
Serão analisadas em subtítulos a seguir as alternativas táticas em
espécie, perpassando pelos procedimentos de cada uma.
4.2.1 - A NEGOCIAÇÃO
A autoridade policial ao tomar ciência da atividade criminosa que
perpassa no cenário da rotina policial, sendo esta de alta complexidade e gravidade,
deverá tomar providências, segundos os ensinamentos do SENASP/MJ: conter a
ameaça; isolar o ponto crítico; e negociar (qual seria estabelecer os primeiros
contatos com o perpetrador da crise).
A negociação deve levar em consideração que nem todo cenário será
levada com um criminoso contumaz, rotineiro em crimes, mas poderá ser uma
situação de descontrole emocional, em situação extrema de desequilíbrio
31
psicológico, uma pessoa, não criminosa, ameaça pessoas que possuem relação
familiar, amorosa ou vínculo de amizade, consigo, caracterizando uma situação de
ameaça de vida.
A negociação é um ponto chave no gerenciamento de crises, sendo a
primeira alternativa tática a ser aplicada, sempre que possível. O treinamento
específico do policial para a negociação é de suma importância, pois o
conhecimento é fundamental. Não são toleradas atitudes amadoras que podem
custar a vida de inocentes. A negociação tem como principais objetivos ganhar
tempo, coletar informações e fazer com que os causadores do evento da crise
desistam da ação (BETINI; TOMAZI, 2014, p. 114).
Nesse sentido os Policiais Federais do grupo tático, Comando de
Operações Táticas – COT da Polícia Federal, Betini e Tomazi, em seu livro citam o
Perito Criminal Federal e negociador, Ângelo de Oliveira Salignac, na apresentação
da obra Negociação em Crises, sobre a negociação:
“A Negociação em Crise não é uma ciência. É uma arte, que se vale de
várias ciências. Sua aplicação, consequentemente, não produz resultados
absolutamente certos e garantidos. Entretanto, as vantagens que assegura
aos Policiais e aos demais envolvidos na crise podem ser constatadas pela
simples leitura dos periódicos: nos eventos em que seus princípios básicos
não foram seguidos fielmente, o que houve foi tragédia e desmoralização do
Estado” (BETINI; TOMAZI, 2014, p. 114).
O negociador não possui poder de decisão, entretanto, assume
importante função de assessoramento do comandante do teatro de operações, o
auxiliando na tomada de decisões (DE SOUZA, 1995).
A tarefa de negociação, dada a sua importância, deve ser dada a um
especialista na área. O policial especializado, com o treinamento específico deve ser
uma pessoa criativa e ética, que detém uma boa dicção e assuma a esta função de
forma voluntária, para que isso não comprometa sua plena atuação nas
negociações.
A negociação compreende a etapa mais importante no gerenciamento
de crises. Costuma-se dizer que gerenciar uma crise é negociar, negociar e
negociar, e quando se esgotarem as possibilidades de negociação, tentar realizá-la
mais uma vez (DE SOUZA, 1995, p. 55).
Na doutrina policial, existem dois tipos de negociação: a negociação
técnica e a negociação tática. A negociação técnica está voltada para o
32
convencimento da rendição, por meios pacíficos, utilizando técnicas de psicologia,
barganha, ou atendimento de reivindicações razoáveis. Já a negociação tática, tratase de procedimento de coleta e análise de informações relevantes para suprir as
demais alternativas táticas, se necessário o acionamento de alguma delas, até
mesmo na protelação do evento para um melhor posicionamento para o sniper
(DÓRIA JUNIOR, FAHNING, 2009).
O objetivo da negociação é a preservação de vidas, como também a
cessação do evento crítico com a liberação dos reféns, posteriormente, a busca pela
a prisão dos causadores da crise. Caso não haja a rendição dos perpetradores, o
gerente da crise decidirá por aplicar alternativa tática diversa, sempre em
observância e conformidade com o uso progressivo da força.
Neste aspecto, levando em consideração que não segue uma
sequência específica, mas sim exemplificativa e lógica, pois da negociação poderia
já sair o tiro de comprometimento. Contudo, na sequência doutrinária a próxima
alternativa tática a ser aplicada, sempre que possível, é o emprego das técnicas não
letais.
4.2.1 – AS TÉCNICAS NÃO LETAIS
As técnicas não letais, como o próprio nome já faz referência, são
armas não letais, munições não letais e os equipamentos não letais, ou como alguns
preferem dizer, menos letais, pois utilizados fora dos padrões técnicos, viria a causar
a morte.
Nesta diapasão sobre armamentos e técnicas não letais, o curso de
gerenciamento de crises do SENASP/MJ exemplifica:
“Essa alternativa tática, com o passar do tempo e seu emprego, tem
mostrado que os equipamentos tidos como não-letais, se forem mal
empregados, podem ocasionar a morte, além de não produzir o efeito
desejado. Podemos citar como exemplo, a utilização do cartucho plástico
calibre 12, modelo AM 403, da marca Condor, possuindo um formato
cilíndrico, além de ser feito de uma espécie de borracha, conhecida como
elastômero, que, se for utilizado numa distância inferior a 20 metros, pode
produzir ferimentos graves ou até mesmo letais. O fabricante recomenda a
utilização em distâncias de 20 metros, fazendo com que, se tal agente nãoletal for usado numa distância acima do recomendado, não produzirá as
fortes dores que se deseja produzir para alcançar a intimidação psicológica
e o efeito dissuasivo de manifestantes” (DÓRIA JUNIOR; FAHNING, 2009,
p. 22).
33
As armas não-letais atuam através de ruído, irritação da pele, mucosas e
sistema respiratório, privação visual por ação de fumaça e luz, limitação de
movimentos, através de choque elétrico, e impacto controlado. Essas armas
objetivam inibir ou neutralizar, temporariamente, a agressividade do indivíduo
através de debilitação ou incapacitação (DE SOUZA; RIANI, 2007, p. 7).
A doutrina trata sobre armamentos e técnicas não letais, sendo uma
alternativa tática. Contudo, essa técnica mal utilizada, tendo ainda como baixa sua
letalidade, numa eventual utilização na crise de alta complexidade, com ameaça a
vida, poderá ser ineficaz e inviável sua utilização. Poderá alterar o contexto da crise
e atuar de forma contrária aos anseios da preservação da vida, podendo o
perpetrador dar fim a vida do refém, caso aquele não seja incapacitado para tal feito
com a utilização de técnicas menos letais.
Portanto, a doutrina do uso progressivo da força e do gerenciamento de
crise, trata que somente será possível a utilização de arma de fogo, letal, após
esgotarem-se os recursos não letais, ou se restar ineficaz a aplicação desses
recursos. Com isto, o comandante do gerenciamento da crise, deverá de forma
inteligente analisar ao caso concreto, a sua utilização ou não, podendo passar para
a alternativa tática principal deste estudo, o tiro de comprometimento, para somente
assim, neutralizar o perpetrador da crise, incapacitando-o de quaisquer danos aos
reféns.
Por óbvio, que o autor deste estudo, não pretende tratar o tiro de
comprometimento como uma execução sumária, ou dar ao tiro de comprometimento
como uma pena de morte pelo Estado, mas, sim, como uma alternativa tática após o
esgotamento ou ineficácia da negociação e utilização de técnicas não letais.
4.1.3 - O TIRO DE COMPROMETIMENTO
O avanço da humanidade, as evoluções históricas e econômicas no
mundo e no Brasil, trouxeram também os aspectos negativos para a sociedade tal
como o aumento da criminalidade, facilidade de acesso a meios altamente destrutivos
em armamentos e bombas. O avanço da criminalidade por sua vez também influencia
diretamente numa necessidade de aperfeiçoamento por parte do Estado nas soluções
de crimes graves, tal como o sequestro.
34
A necessidade do Estado, através dos órgãos policiais, responsáveis
pela manutenção da ordem, da paz e tranquilidade social, se viu obrigado a se
especializar e aperfeiçoar técnicas de solução de uma crise, a alternativa tática
consagrada na doutrina do gerenciamento de crise, o tiro realizado pelo Sniper, o tiro
de comprometimento. Em caso de extrema necessidade o gerente da crise se verá
obrigado à utilização dessa alternativa tática para abater o tomador do refém, para
salvaguardar a vida da vítima.
O disparo realizado pelo atirado de elite da Polícia tem como objetivo
imediato neutralizar o perpetrador da crise, e de mediato, restaurar o direito, ou a
ameaça à vida da vítima, vez que é dever do Estado garantir a inviolabilidade do
direito à vida, consagrado pela Carga Magna em seu artigo dos direitos fundamentais.
A realização da alternativa tática do disparo do Sniper quando adota,
deve ser infalível, de imensa responsabilidade é sua execução não havendo espaço
para erros na execução, estamos falando de vidas em riscos. O tiro de
comprometimento se trata da forma que o atirador de elite deve estar com o tiro,
comprometido à sua execução perfeita.
Corroborando com a questão LUCCA:
“Ser um atirador de precisão vai além da condição de ter equipamentos de
última geração (arma e luneta de pontaria), para realizar um disparo
perfeito. Trata-se de uma função de grande responsabilidade institucional,
podendo ser alvo de severas críticas, em caso de erro, ou de fascínio social,
quando a ação é acertada” (LUCCA, 2002, p. 101).
Dessa forma, o sniper corresponde ao policial a quem cabe à função
de atirador de precisão dentro do grupo tático (ou grupo de operações especiais),
responsável pela execução do tiro de comprometimento, quando adotado como
solução mais adequada para a crise. O atirador de elite evoca uma simbologia
perturbadora de um atirador solitário, escondido, à espreita. Entretanto, são policiais
altamente treinados localizados em posições estratégicas, não como assassinos ou
carrascos, mas sim para proteger a vida do refém se eventualmente for necessária
sua utilização para a execução do tiro.
4.1.4 – INVASÃO TÁTICA
A alternativa de invasão tática, pelo doutrinamento policial, deverá ser
a última a ser aplicada no gerenciamento de uma crise, e em caso de extrema
35
necessidade. Essa posição é dada ao considerável aumento do risco da operação,
ao considerável aumento do risco da vida tão protegido pelo gerenciamento de crise
dos envolvidos, a vítima, o policial e o infrator.
A invasão tática é realizada pelo grupo de assalto ou intervenção,
formado por policiais altamente treinados taticamente como psicologicamente. A
questão de utilização do grupo tático é que quando ele entra, normalmente não saíra
até a resolução do evento crítico, usando dos meios necessários para tal finalidade.
Grupo de intervenção não recua frente à crise, ou seja, se utilizado, cumprirá sua
finalidade fazendo cessar a agressão.
Os policiais de um dos maiores grupos de operações especiais do
Brasil, o Comando de Operações Táticas – COT, Betini e Tomazi em seu livro COT
– Por dentro do Grupo de Operações Especiais da Polícia Federal, explicita a
responsabilidade e a origem do nome do grupo, vejamos:
“...o grupo de assalto. O referido nome é derivado de um dos significados do
verbo assaltar: atacar repentinamente, investir com ímpeto e de súbito. O
grupo de assalto é a equipe responsável pela execução desse ataque
subido, veemente e impetuoso. É a unidade responsável, apoiada pelos
atiradores de precisão, pela tomada de edificações, de áreas, embarcações,
aeronaves, trens, veículos, enfim, pelo ataque direto e mais aproximado a
qualquer ponto que se faça necessário. Atualmente, muitos grupos utilizam
um termo mais moderno para designar esta especialidade: grupo de
intervenção” (BETINI; TOMAZI, 2014, p. 99).
O aluno que escreve o presente TCC faz parte do Grupo de
Intervenção Rápida – GIR, grupo de intervenção das unidades prisionais do Estado
de Minas Gerais, tido como grupo de primeiro contato com a crise nos presídios, a
qual tem a atribuição dada peça Resolução pela Secretaria de Defesa Social Nº1266
de 25 de abril de 2012:
“Art. 2º Compete ao Grupo de Intervenção Rápida:
I - Realizar o primeiro esforço, em suplementação ao trabalho
desenvolvido pela estrutura de proteção dos estabelecimentos
prisionais, sempre que necessário ao restabelecimento da ordem, da
disciplina e da segurança interna;
II - Desempenhar ações de vigilância interna dos estabelecimentos
prisionais, em pavilhões, blocos, alas, pátios e celas, bem como em outro
setor peculiar a unidade prisional, de acordo com sua a estrutura física;
III - Realizar operações internas na unidade prisional, intervindo nos
casos de motins, rebeliões e tentativas de fugas;
IV - Nos casos de motins que extrapolem suas competências, ou em
rebelião, deverá conter e isolar a área até a chegada do Comando de
Operações Especiais ou Polícia Militar;
36
V - Auxiliar o Comando de Operações Especiais em eventos de grande
porte em unidades prisionais dentro do Estado, quando for acionado para
agir no estabelecimento penal e a natureza da operação assim o exigir;
VI - Exercer outras atividades correlatas à segurança prisional, por
determinação do Subsecretário de Administração Prisional ou do
Superintendente de Segurança Prisional” (GRIFO NOSSO) (SEDS/MG,
resolução nº 1266, 2012).
O Grupo de Intervenção Rápida, também está submetido a todo o
ordenamento do uso progressivo da força, dos direitos humanos e da dignidade da
pessoal humana:
“§ 2º A atuação do GIR, nas intervenções que demandem o uso da força,
devem ser pautadas com o emprego de técnicas e Instrumentos de Menor
Potencial Ofensivo e armas de fogo carregadas com munições não letais,
observando criteriosamente os princípios do Uso Progressivo da Força, de
modo a preservar vidas e minimizar danos à integridade física e moral das
pessoas envolvidas” (SEDS/MG, resolução nº 1266, 2012).
O Grupo de Intervenção Rápida, não está autorizado a portar armas
letais dentro das unidades prisionais, somente as não-letais, com isto, a
necessidade de utilização de arma de fogo para proteção ou abatimento do
perpetrador da crise estaria fora da competência deste grupo, estando a cargo da
Polícia Militar a resolução da crise nesse grau de complexidade. Contudo, está a
cargo do grupo o primeiro contato e intervenção numa situação crítica, utilizando
técnicas de gerenciamento de crise até a assunção pela Polícia Militar.
De forma mais específica, o Grupo de Ações Táticas Especiais - GATE
de Minas Gerais possui uma estrutura interna composta por cinco equipes: Time de
Gerenciamento de Crises, Esquadrão Antibombas, Sniper, Time Tático e Comando
de Operações em Áreas de Mananciais e Florestas. Desta forma, ficaria a cargo do
time do Gerenciamento de Crises do GATE a resolução de um evento de alta
complexidade com reféns dentro do estabelecimento prisional, numa eventual
utilização do tiro de comprometimento, seria também do seu time de Sniper (COTTA,
2009).
A utilização da célula de assalto, grupo de intervenção, apresenta um
risco eminente, pois, mesmo sendo exaustivamente treinada a invasão nas mais
diversas condições, cada crise detém sua peculiaridade, seu cenário no caso em
concreto. Numa eventual utilização do grupo tático, para intervenção no local da
crise, para amenizar os riscos, poderá utilizar da posição privilegiada dos atiradores
37
de elite, que também agem como observadores, informando posicionamento e um
melhor momento para a invasão.
Em São Paulo, no caso Elóa em 2008, o GATE-SP utilizou desta
alternativa tática, o que ocasionou de forma indireta a morte da vítima, pois, como
cada cenário detém sua peculiaridade específica, deverá ser feita uma análise
detalhada e minuciosa de qual técnica utilizar. Nesta a porta do local estava
bloqueada por um sofá, o que fez com que o grupo tático perdesse o elemento
surpresa, demorando aproximadamente 15 segundos para ingressar no local,
momento em que Elóa foi alvejada por tiros pelo perpetrador da crise, vindo a óbito.
Sendo efetuada a prisão do perpetrador posteriormente, mas tal escolha causou a
morte da vítima de forma indireta. Neste caso, foi muito criticado a não utilização do
tiro de comprometimento para a resolução menos danosa aos reféns, sendo esta
alternativa tática no entendimento deste autor, a mais viável neste caso. Corrobora
tal entendimento o instrutor da SWAT, brasileiro, Marcos Do Val, ao dar várias
entrevistas em rede televisivas na época do fato, que o tiro de comprometimento,
seria a melhor alternativa tática a ser utilizada.
Por fim, a invasão tática, deverá ser a última alternativa, como relatado
pela doutrina do gerenciamento de crises, para solucionar e findar o evento crítico
deflagrado. Lembrando, que a invasão tática, poderá ser utilizada para resgate dos
reféns, após o exercício do tiro de comprometimento do sniper. Dando um definitivo
fim à crise. Contudo, sem o tiro, deverá ser analisado pela assessoria do comando
de operações, observados os critérios de decisão, dado a elevada exposição física,
e o total esgotamento de possibilidades de encerramento da crise sem que
comprometa a vida dos reféns (SANTOS, 2011).
4.2 - ORIGENS DO TIRO DE COMPROMETIMENTO E DO SNIPER
A origem da técnica do atirador de elite ou atirador de precisão não é
conhecida de maneira precisa e fidedigna pelos doutrinadores e historiadores,
porém, existem relatos históricos que indicam o uso do sniper ao passar dos anos.
Alguns relatos da Grécia Antiga que havia táticas de guerra que
utilizavam o lançamento de artefatos (flechas) para atingir tropas inimigas e
neutralizar alguns guerreiros antes que se encontrasse em combate corpo a corpo,
diminuindo os riscos dos combatentes da infantaria (SANTOS, 2011, p. 26).
38
Com o surgimento da pólvora e o aperfeiçoamento dos artefatos
utilizados, tais como fuzis de precisão atualmente, as técnicas aplicadas para
neutralizar o oponente a longa distância, foram aprimorando-se, para, assim,
minimizar cada vez mais o contato entre os combatentes (SANTOS, 2011, p. 26).
Com relação ao “Atirador de precisão”, relatos da sua utilização na
Guerra de Secessão Norte Americana, na qual o Coral Hiram havia treinado um
Batalhão de atiradores com fuzis dotados de lunetas ópticas para a efetuação de
disparos precisos a longa distância, tendo sido denominados inicialmente por
Sharpshooters, adaptando-se para a língua portuguesa, “Atirador de Precisão”
(SANTOS, 2011, p. 26).
Contudo, o nome dado hoje ao atirador de precisão foi originado entre
a Primeira e Segunda Guerra Mundial. Lucca, em sua pesquisa, revela que a origem
da palavra sniper se deu por um fato curioso:
“No período entre as duas grandes guerras mundiais, os americanos faziam
seus treinamentos militares em grandes campos abertos e, ao realizarem o
tiro, notavam o vôo rápido e irregular de uma pequena ave chamada sniper,
que fugia espantada. Esse pequeno pássaro era um grande frequentador de
linhas de tiro, devido ao seu alimento preferido, uma planta gramínea, ser
frequente naqueles lugares. Assim, muitos atiradores preferiam acertar o
tiro no pássaro em movimento, daí surgiu o apelido sniper, ou seja, aquele
que se dedica ao pássaro sniper (LUCCA, 2002, p. 100).”
Uma diferenciação que merece registro é entre sniper militar e o sniper
policial. O primeiro detém a sua função em tempos de guerra com o compromisso de
matar, como regra, agindo com objetivo de causar baixa na tropa inimiga. Em se
tratando do sniper policial, na qual é o foco do nosso estudo, este é empregado
como alternativa tática extrema dentro de um gerenciamento de crise, com objetivos
pautados na possibilidade de garantir a proteção e defender vítimas de ações
delituosas, e com ofício de contribuir para a restauração da ordem pública.
4.3 - EXERCÍCIO DO TIRO DE COMPROMETIMENTO
O exercício do tiro de comprometimento, na qual a vida do causador do
evento crítico deverá ser ceifada para preservar a vida da vítima e/ou reféns, é uma
grande polêmica e dúvida jurídica, causando o dilema deste estudo, onde pessoas
estudiosas ou não irão tecer calorosas discussões sobre o assunto. Pois, como já
mencionado anteriormente, não há como valorar a vida humana, ou seja, uma vida
39
teria maior valor que outra? Contudo, entendemos que a decisão mais acertada no
dilema, seria preservar a vida da vítima, mesmo que para isso, seja necessário à
retirada da vida do perpetrador da crise para tanto.
Considerada uma medida extrema, o tiro de comprometimento é uma
alternativa tática de fundamental importância para a resolução de crises envolvendo
reféns localizados. Alguns setores sociais defendem o entendimento de que a polícia
deve ser dura e radical no trato com os causadores de evento crítico, portanto,
defendendo o tiro de comprometimento como forma de resolução do evento crítico.
Contudo, há o outro setor da discussão que defendem os Direitos Humanos a todo
custo, preservando o direito à vida, mesmo em uma situação extrema de crise.
Como explicitado por todo o presente trabalho, a doutrina de
gerenciamento de crise defende o direito à vida e os direitos fundamentais, pautando
no uso progressivo da força, contudo, esse direito à vida também não pode ser
ignorado quando o causador da crise está apto a retirar a vida de outrem, não sendo
aceitável um posicionamento diferente por parte da polícia a não ser salvar o refém.
O tiro de comprometimento, como está de acordo com o ordenamento
pátrio, sendo uma situação extrema da crise, só poderá ser exercido para a retirada
da vida da pessoa, em Legítima Defesa, quando a vida de alguma pessoa está para
ser ceifada, só assim, o agente policial poderá ceifar a vida do sequestrador ou
causador do evento crítico.
Haverá o questionamento de quando o policial deverá perceber o exato
momento em que deve e pode utilizar a força letal, isso só será respondido no caso
concreto, devendo o policial pautar nos princípios e constantes ensinamentos de
direitos humanos de sua formação.
O renomado doutrinador na área criminalista, o Procurador de Justiça
do Estado de Minas Gerais, Rogério Greco, em seu livro que trata sobre Atividades
Policiais, trata a relação do Sniper e cita o Tenente da Polícia Militar do Distrito
Federal, Ricardo Ferreira Napoleão que retrata características inerentes à função do
Sniper sendo:
“não é suficiente que o indivíduo seja um exímio atirador para ser um
Sniper. As habilidades necessárias à qualificação do Sniper, principalmente
o „Sniper Policial‟, envolvem, obrigatoriamente, altíssimas doses de
paciência e disciplina, inteligência, vontade, confiança do grupo, não beber,
fumar ou usar narcóticos, possuir equilíbrio mental e emocional, ser calmo e
ponderado, não ser susceptível a ansiedade e remorsos, e tudo isso, aliado
a um alto grau de discernimento, capacidade de julgamento, e, finalmente
40
sujeitar-se hierárquica e disciplinarmente ao seu Comandante de maneira
inconteste.
Complementam todos estes requisitos um árduo e constante treinamento e
o aprimoramento do equipamento.
Outra qualidade, cuja citação se faz necessária, é o compromisso com a
função a ser exercida e a capacidade de assimilar o resultado de uma
eventual interferência na ação.
Geralmente o atirador da equipe posiciona-se de maneira a ter ampla visão
do cenário onde se desenrola a ação, em contato com o comandante da
operação através do observador, enquanto os outros policiais da equipe de
assalto (grupo de invasão), aguardam o momento exato de agir, que tanto
pode ser o êxito das negociações ou a atuação do Sniper, desencadeando
a tomada do recinto, com a liberação dos reféns e neutralização dos alvos.
Sua atividade é constante, pois, no decorrer das negociações, deverá
manter sob a mira o seu objetivo e estar atento a qualquer fato novo que
implique uma rápida intervenção.
Nem sempre o Sniper atua sozinho. Existem condições em que há
necessidade de um segundo ou até um terceiro atirador, conforme a
quantidade de alvos, ou ainda quando há necessidade de manter mais de
um ângulo de tiro” (GRECO, 2013. p. 159).
Com relação à execução do tiro de comprometimento. Deverá ser
executado atirando em partes para minimizar o risco dos reféns, um exemplo atirar
na mão do perpetrador do evento? O Capitão da Polícia Militar do Estado do Pará,
Jorge Fabrício dos Santos, em um artigo tratando sobre negociações de vítimas ou
reféns, responde tal questionamento:
“o Tiro de Comprometimento deve ser realizado em parte vital que
impossibilite que o causador do evento crítico venha a movimentar-se de
maneira cessar imediatamente a agressão à pessoa sob o seu poder, e
para isso apenas o tiro no cérebro, exatamente no bulbo, é o local mais
indicado, no entanto, como medida extrema, toda a certeza de que o
causador do evento crítico estará na ação iminente de tirar a vida de reféns
e/ou vidas deve estar claramente definida. E mais, ainda, ação do Sniper
(Atirador de Elite) deverá ser concomitante com a ação do Tome Tático, o
qual executará a Invasão Tática, a fim de libertar as pessoas homiziadas ”
(SANTOS, 2010).
Com posicionamento diverso, o renomado doutrinador criminalista,
Rogério Greco, retrata em seu livro sobre Atividades Policiais da seguinte forma a
respeito da execução do tiro:
“Assim, por exemplo, se esgotadas as possibilidades de negociação, de
gerenciamento de crise for dado, pelo comandante, o sinal verde para a
atuação do sniper, ele terá sempre em foco duas alternativas, que
conduzirão, certamente, a neutralização do agressor: Seu tiro poderá ser
efetuado em direção a uma zona mortal do corpo humano, eliminando-o
instantaneamente e, com isso, impedindo sua ação criminosa dirigida à
vítima; ou poderá efetuar um disparo com a intenção de, tão somente, ferir o
agressor, desde que isso possibilite o resgate seguro da vítima.
Embora seja o „senhor‟ da decisão no caso concreto, sua opção estará, na
verdade, vinculada ao resultado menos gravoso para o agressor. Com isso
estamos querendo dizer que se no caso concreto fosse possível um tiro, por
41
exemplo, que pudesse ferir e desarmar o agressor, esse deveria ser o
comportamento do atirador de elite; por outro lado, se o sniper, de acordo
com a cena que estava diante de si, perceber que qualquer outro tiro que
não seja dado em uma zona vital do agressor colocará a vida da vítima em
risco, esse será o tiro necessário” (GRECO, 2013. p. 160-161).
O posicionamento de Greco parece-nos ter um bom senso maior a
respeito dos princípios consagrados pela Constituição Federal no sentido da
preservação da vida, ora, se vislumbrada a possibilidade de desferir um tiro na mão
do agressor, fazendo que assim cesse a agressão, este deverá ser o tiro efetuado.
Vale lembrar a situação em que a SWAT (Special Weapons and Tatics)
dos EUA, através de um de seus snipers, em uma ação memorável e
cinematográfica, salvou um cidadão americano que ameaçava a retirada da sua
própria vida com uma pistola, sentado numa cadeira. Um atirador estrategicamente
posicionado as costas do causador do evento crítico, desferiu um tiro certeiro,
acertando SOMENTE a pistola do agressor, sendo posteriormente, imobilizado pelo
grupo tático, cessando assim a crise, preservando a vida, sem quaisquer danos a
integridade física do agressor.
Outro ponto digno de registro é quanto ao momento de execução
propriamente dita do tiro de comprometimento. O atirador está vinculado ao
comandante do teatro de operações, autoridade policial competente para autorizar e
determinar a realização do disparo, estando subordinado, portanto, o atirador, ao
consentimento do comandante da operação. Somente após tal comando, poderá o
atirador executar o tiro, observando o melhor momento dado às questões técnicas
inerentes à sua realização (GRECO, 2013).
Greco cita a obediência hierárquica e casos emblemáticos que
marcaram o Brasil pela não utilização desta alternativa tática para resolução da
crise:
“merece ser ressaltado, ainda, que o atirador de elite somente poderá atuar
após ser dada a ordem pelo seu superior. Casos emblemáticos marcaram a
inação dos atiradores de elite, em virtude de não terem sido autorizadas as
ordens de disparo, a exemplo do que ocorreu, no Rio de Janeiro, com o
sequestro dos passageiros no ônibus 174, bem como na cidade de São
Paulo, que culminou com a morte da vítima Eloá, que foi atingida por tiros
por seu ex-namorado, quando da invasão de sua residência pela Polícia
Militar” (GRECO, 2013, p. 161).
Os policiais Federais do Comando de Operações Táticas – COT,
Tomazi e Betini, trazem no livro (COT) as experiências práticas e as funções
42
inerentes à profissão exercida por eles, sendo este último um Sniper do COT. Com
isto, eles trazem as atribuições dentro do teatro das operações na situação de crise
deflagrada do sniper, sendo três: observar, proteger e neutralizar. Observar estaria
ligado através do aparelho ótico de pontaria ou luneta, valendo-se de técnicas de
ocultação e camuflagem, teria como função alimentar a cadeia de comando com
dados acerca dos perpetradores do crime, armamentos utilizados, informações
sobre localizações e etc. A função de proteger do atirador, lançará mão de todos os
recursos de que dispõe, das três atribuições, seria essa a sintetizar a própria
atividade do sniper, protegendo o seu grupo tático, vítimas e até o perpetrador da
crise.
A neutralização está ligada a todo nosso estudo, está ligado ao tiro de
comprometimento realizado pelo sniper para garantir que a agressão cesse de
imediato, causando o menor dano possível para a situação. De maneira sensata e
humana os policiais do COT retratam a prática de neutralizar seu alvo, sendo um
sniper:
“...o atirador deve possuir, desde o primeiro instante, a consciência de que a
qualquer momento pode ser testado em tudo o que aprendeu durante seus
treinamentos ou mesmo durante sua vida. Não há tempo para hesitações.
Alguns conceitos devem estar sedimentados e outros necessitam ser
reconstruídos. É o caso do conceito acerca da morte. O atirador, como
vimos anteriormente, deve ser uma pessoa serena, inteligente e com fortes
conceitos de moral, de ética de honestidade. Falar em tirar a vida de outro
ser humano é sempre algo desagradável, pelo menos para as pessoas
normais. Se você não sofre de nenhuma patologia mental, nunca estará
preparado para aceitar normalmente o fato de ter tirado de alguém o direito
de viver. É contra a natureza, é uma aberração, mas em alguns casos,
necessário para que o mal não triunfe em nossa já castigada sociedade”
(BETINI; TOMAZI, 2014, p. 108).
Por fim, uma vez adotado o tiro de comprometimento como alternativa
tática de solução de uma crise, sua execução enseja o estudo de alguns aspectos
jurídicos atinentes ao Direito brasileiro, o que se passa a analisar no capítulo
seguinte.
43
5 - ANÁLISE CRÍTICA DO TIRO DE COMPROMETIMENTO
O emprego da alternativa tático letal do tiro de comprometimento pelos
organismos policiais ensejam aspectos e questionamentos com relação a esta
utilização, como abordado por todo o estudo. O dilema da valoração da vida, o maior
bem jurídico protegido pelo Estado, poderá ser restringido em face de outra vida? Se
feito esta restrição, essa „escolha‟ para salvaguardar a vida do refém, por exemplo, o
agente policial estaria praticando o crime de homicídio?
Diante destes questionamentos, é de grande importância passar pelos
conceitos de crime, homicídio e suas excludentes de ilicitude para podermos
entender a estrutura legal da execução do tiro de comprometimento para
salvaguardar a vida de outrem. Entretanto, ser um sniper não há margem para erros,
mas como este também é um ser humano, está sujeito a erros principalmente por
todas as questões técnicas inerentes à execução do tiro, em que se errar acertar a
vítima, por exemplo, esta ação será legitimada pelo Direito Penal?
Como estamos tratando de vidas humanas, uma decisão equivocada
tomada para dar uma solução aceitável, poderá ser justamente à decisão causadora
da morte do refém.
5.1 - DIREITO PENAL: O CRIME DE HOMICÍDIO E A EXCLUDENTE DE ILICITUDE
Faz mister passar pelo conceito de Direito Penal, tratar do possível
crime a ser cometido pela realização do tiro de comprometimento e da causa de
justificação para a atuação do sniper.
5.1.1 – DO DIREITO PENAL
O Direito Penal é um conjunto de princípios e leis destinados
justamente a combater o crime, mediante a punição trazida em seu preceito
secundário com restrição da liberdade, penas restritivas de direitos ou multas.
O Promotor de Justiça de São Paulo, Cleber Masson, cita em seu livro
Aníbal Bruno sobre o Direito Penal:
“O conjunto das normas jurídicas que regulam a atuação estatal nesse
combate contra o crime, através de medidas aplicadas aos criminosos, é o
Direito Penal. Nele se definem os fatos puníveis e se cominam as
44
respectivas sanções – os dois grupos dos seus componentes essenciais,
tipos penais e sanções. É um Direito que se distingue entre os outros pela
gravidade das sanções que impõe e a severidade de sua estrutura, bem
definida e rigorosamente delimitada” (MASSON, 2012, p. 3).
Apenas os interesses mais relevantes para uma convivência em
sociedade pacífica é protegida pelo Direito Penal, a categoria de bens jurídicos
erigidos de grande relevância, em face do caráter fragmentário e da subsidiariedade
do Direito Penal. O Direito Penal é, portanto, um instrumento de controle social ou
da preservação da paz pública, na qual dirige-se a todas as pessoas, embora nem
todas as pessoas se envolvam na prática delitiva, por questões morais ou pelo
receio da aplicação da lei penal (MASSON, 2012, p. 9-10).
5.1.2 – DO CRIME
O conceito de crime é o ponto de partida para a compreensão dos
principais institutos do Direito Penal. Tratando como crime sob o aspecto material
Masson traz, “crime é toda ação ou omissão humana que lesa ou expõe a perigo de
lesão bens jurídicos penalmente tutelados” (MASSON, 2012, p. 169).
O Código Penal traz em seu artigo primeiro, o princípio mais importante
da legislação penal, o princípio da legalidade ou da reserva legal, proveniente e em
consonância com o Estado Democrático de Direito. A Constituição Federal de 1988,
assegura o princípio da reserva legal como garantia fundamental, em seu artigo 5º,
XXXIX, dispondo “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia
cominação legal” (BRASIL, 1988).
Deste modo, fica visível que só será imputada responsabilidade penal a
alguém se houver uma norma jurídica, prévia, tipificando a conduta como crime, o
que garante a segurança jurídica. No direito penal, tudo que não estiver
expressamente proibido por lei é, portanto, lícito. (GRECO, 2010, p. 105-106).
O conceito legal de crime fornecido pelo legislador está presente na Lei
de Introdução ao Código Penal (Decreto-Lei 3.914, de 9 de dezembro de 1941),
assim redigido:
45
“Art. 1º - Considera-se crime a infração penal a que a lei comina pena de
reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou
cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a
que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou
ambas, alternativa ou cumulativamente” (BRASIL, 1941).
O critério analítico, também chamado de formal ou dogmático, se funda
nos elementos estruturais do crime. Portanto crime é: fato típico, ilícito e culpável, e
para alguns, teríamos ainda a punibilidade como quarto elemento. Contudo, a teoria
tripartida, pela qual não inexiste a punibilidade tende a ser a majoritária, inexistindo a
punibilidade como quarto elemento (MASSON, 2012, p. 175).
O critério utilizado pelo Código Penal faz referência que seja a teoria
tripartida a adotada por ele. Existindo ainda a teoria bipartida, entendendo ser
elementos do crime somente fato típico e ilicitude, sendo a culpabilidade mera
condição de aplicação da pena (MASSON, 2012, p. 177).
Analisando o caso concreto, deve ser feita na ordem determinada pelo
próprio conceito de crime, sendo o juízo de um elemento pressuposto necessário
para o juízo próximo o elemento (tipicidade, antijuricidade ou ilicitude e
culpabilidade). Primeiramente verifica-se se houve a conduta, posteriormente, se a
conduta é ou não típica. Adiante, ocorrida uma conduta e sendo esta típica (inserida
no ordenamento jurídico como conduta delituosa), observa-se o nexo causal,
(correlação da conduta com o dano), assim se está ou não amparada por uma causa
de justificação ou é contrária à ordem jurídica e, por fim, se é reprovável (juízo de
culpabilidade) (MASSON, 2012).
Tratado o conceito de crime, faz necessário tratar do possível ilícito
penal que o atirador de elite poderá incidir na execução do tiro de comprometimento,
o homicídio.
5.1.3 – DO HOMICÍDIO
O Código Penal brasileiro, na Parte especial, estão expressamente os
tipos penais incriminadores, em seu primeiro Título, estão os crimes contra a
pessoa. No Capítulo I, mais precisamente em seu artigo 121, o código traz a
conduta do homicídio:
Homicídio simples
Art. 121. Matar alguém:
46
Pena - reclusão, de seis a vinte anos.
Caso de diminuição de pena
§ 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor
social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a
injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um
terço.
Homicídio qualificado
§ 2° Se o homicídio é cometido:
I - mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe;
II - por motivo futil;
III - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio
insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum;
IV - à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso
que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido;
V - para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de
outro crime:
Feminicídio
VI - contra a mulher por razões da condição de sexo feminino:
VII - contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da
Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional
de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou
contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro
grau, em razão dessa condição:
Pena - reclusão, de doze a trinta anos.
§ 2o-A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o
crime envolve:
I - violência doméstica e familiar;
II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher.
Homicídio culposo
§ 3º Se o homicídio é culposo:
Pena - detenção, de um a três anos.
Aumento de pena
§ 4o No homicídio culposo, a pena é aumentada de 1/3 (um terço), se o
crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício,
ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, não procura
diminuir as conseqüências do seu ato, ou foge para evitar prisão em
flagrante. Sendo doloso o homicídio, a pena é aumentada de 1/3 (um terço)
se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (quatorze) ou maior de
60 (sessenta) anos.
§ 5º - Na hipótese de homicídio culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a
pena, se as conseqüências da infração atingirem o próprio agente de forma
tão grave que a sanção penal se torne desnecessária
§ 6º A pena é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for
praticado por milícia privada, sob o pretexto de prestação de serviço de
segurança, ou por grupo de extermínio.
§ 7o A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o
crime for praticado
I - durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto;
II - contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos
ou com deficiência;
III - na presença de descendente ou de ascendente da vítima. (BRASIL,
1940).
Inicialmente da leitura da norma, em primeira análise, a conduta
praticada deverá ser contra outro ser humano (alguém), não podendo a vítima,
sujeito passivo material do crime, ser algo diverso da raça humana. Desta forma,
podemos perceber que o crime de homicídio é a conduta de “matar alguém”, ou
47
seja, eliminar a vida, praticado sempre por uma pessoa contra outra (CAPEZ, 2012,
p. 22-23).
O crime de homicídio está inserido no capítulo dos crimes contra a
vida, sendo corolário em específico a proteção fundamental do princípio do direito à
vida. As disposições dos crimes no Código Penal estão inseridas quanto ao objeto
jurídico, observando a uma ordem de proteção aos bens jurídicos mais importantes:
a vida, a integridade corporal, a honra, o patrimônio e assim sucessivamente. Sendo
por óbvio, o bem jurídico vida o objeto jurídico de maior relevância também para o
direito penal (CAPEZ, 2012. p. 21-22).
Desta forma, para se entender a conduta como crime, os três
elementos: tipicidade, ilicitude e culpabilidade deverão estar presentes para à sua
configuração.
A tipicidade no crime de homicídio, na conduta (tipo objetivo), é muito
claro, “matar alguém”, desta forma, basta retirar a vida, verbo nuclear do tipo, por
qualquer meio que estará configurado a tipicidade. O modus operandi da execução
influenciará diretamente na dosimetria da pena, nas qualificadoras, causas de
aumento ou diminuição da pena, atenuantes e agravantes do crime (CAPEZ, 2012,
p. 22-23).
O elemento do tipo (tipo subjetivo), inserido dentro da tipicidade, leva
em consideração a conduta do agente, com base na análise do dolo ou culpa. A
essência do dolo está na representação e na vontade de realizar a conduta
almejando o resultado: morte (dolo direto). O Dolo eventual que se caracteriza
quando do consentimento do agente para com a possibilidade do resultado, não
dando a devida importância quanto a isto. Doutro modo, a essência da culpa se dá
pela violação ao dever de cuidado objetivo: imprudência, negligência ou imperícia.
Sua variação, chamada também de culpa consciente, consiste na ocasião em que o
agente, embora preveja o resultado, não o aceita, ao contrário do que ocorre no dolo
eventual (CAPEZ, 2012, p. 24-25).
No caso do sniper se não atuasse com base na excludente de ilicitude,
ou seja, com base na norma permissiva do Direito Penal poderia a vir ser condenado
em homicídio qualificado, uma vez que o método de execução, valendo-se do
aparelho ótico, técnicas de ocultação, posicionado fora do alcance de visão da
vítima, com toda certeza, encaixa na impossibilidade de defesa da vítima.
48
Diante disto, o atirador de elite, deverá se respaldar pela legislação
com uma norma excludente da ilicitude, ou seja, agindo de acordo com norma
permissiva do ordenamento, entendendo GRECO que “ilicitude, ou antijuridicidade, é
a relação de antagonismo, de contrariedade entre a conduta do agente e o
ordenamento jurídico, que cause lesão, ou exponha a perigo de lesão um bem
juridicamente protegido” (GRECO, 2013, p. 123).
Por conseguinte, havendo a norma permissiva, ou seja, a exclusão da
ilicitude do fato, não há que se falar em crime, desta forma, agindo em legítima
defesa de terceiros, o sniper, executando o tiro de comprometimento estará
resguardado pelo Direito Penal, por óbvio, respeitando a moderação e sendo este o
meio necessário na defesa do terceiro.
5.1.4 – DA LEGÍTIMA DEFESA
O instituto da legítima defesa é inerente à condição humana, um
instinto de defesa, acompanhando o homem, desde o seu nascimento, subsistindo
por toda a sua vida. O agredido é conduzido a reagir a uma agressão que viola bem
jurídico de sua titularidade ou de terceiros. Trata-se de uma possibilidade jurídica de
autodefesa, reconhecida em diversas legislações e existente desde as formas mais
primitivas de sociedade (MASSON, 2012, 399-400).
Por avocar para si a função jurisdicional, Masson entende que a
proibição das pessoas exercerem a autotutela, e também de fazerem justiça pelas
próprias mãos, visto que a função de punir é um monopólio Estatal, este mesmo
legitimou as pessoas, diante da impossibilidade de estar simultaneamente em todos
os lugares, os indivíduos poderão defender seus próprios bens jurídicos na ausência
daquele (MASSON, 2012, p. 400).
Grosso, nesse sentido, assevera que:
“A natureza da legítima defesa é constituída pela possibilidade de
reação direta do agredido em defesa de um interesse, dada
a impossibilidade da intervenção tempestiva do Estado, o qual tem
igualmente por fim que interesses dignos de tutela não sejam
lesados” (apud REALE JÚNIOR, 1998, p. 76).
De outro lado, interpretação diversa onde sequer é necessária a
ausência do Estado, é encontrada nas lições de José Cezero Mir:
49
“A impossibilidade de atuação do Estado não é sequer um
pressuposto ou requisito da legítima defesa. Se a agressão coloca
em perigo o bem jurídico atacado, a defesa é necessária com
independência de que os órgãos do Estado possam atuar ou não
nesse momento de um modo eficaz. Se o particular, ao impedir ou
repelir a agressão, não vai mais além do estritamente necessário e
concorrem os demais requisitos da eximente, estará amparado pela
mesma, ainda que um agente da autoridade houvesse podido atuar
nesse mesmo momento, do mesmo modo” (apud ROGÉRIO
GRECO, 2013, p. 128).
O Código Penal também preocupou-se em trazer expressamente o
conceito de Legítima Defesa em seu artigo 25:
“Legítima defesa:
Art. 25 - Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos
meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu
ou de outrem (BRASIL, 1941).”
A legítima defesa poderá ser utilizada por qualquer indivíduo que
repele injusta agressão, protegendo qualquer bem jurídico, desde que sejam
utilizados meios moderados e necessários para tal feito, nesse sentido os
professores Zaffaroni e Pierangeli:
“A defesa a direito seu ou de outrem, abarca a possibilidade de defender
legitimamente qualquer bem jurídico. O requisito da moderação da defesa
não exclui a possibilidade de defesa de qualquer bem jurídico, apenas
exigindo uma certa proporcionalidade entre a ação defensiva e a agressiva,
quando tal seja possível, isto é, que o defensor deve utilizar o meio menos
lesivo que tiver ao seu alcance (ZAFFARONI; PIERANGELI, 1999, p. 582).
Consoante a aplicação da legítima defesa, de acordo com o texto legal
do Código Penal, podemos apontar os seguintes elementos indispensáveis ao
reconhecimento da Legítima Defesa, segundo Rogério Greco, a inocorrência de
quaisquer destes elementos, abriria possibilidade de punição do agente.
Segundo Rogério Greco, vejamos:
a) Agressão injusta: É a ameaça, ilícita, de lesionar bem juridicamente
tutelado, por um ato humano.
b) Utilização dos meios necessários: Infere-se como a utilização de todos os
meios suficientes e eficazes para repelir a agressão, podendo até mesmo
ser desproporcional à investida, desde que seja o único meio disponível no
momento.
c) Moderação no uso dos meios necessários: Busca-se com esse elemento
a limitação aos excessos. Devendo-se observar, portanto, a moderação na
aplicação dos meios, não cedendo àquilo que realmente é necessário.
50
d) Atualidade ou iminência da agressão: Entende-se por atual, a agressão
que esta acontecendo no presente momento. Enquanto, por agressão
iminente, compreende-se aquela que está prestes a ocorrer, diferenciandose de uma agressão futura.
e) Defesa própria ou de terceiros: Poderá o agente defender um bem
jurídico seu ou de qualquer outra pessoa, que se encontre sendo
injustamente agredido. (GRECO, 2013, p. 131-132).
Existem ainda duas espécies de legítima defesa: a legítima defesa
autêntica, dita como real, e a legítima defesa putativa, dita como imaginária.
A legítima defesa real está relacionada à situação de agressão injusta
que esteja efetivamente ocorrendo no mundo concreto, real. Esta agressão,
realmente existe, podendo ser repelida, atendendo aos limites legais.
A legítima defesa imaginária é o caso clássico das chamadas
descriminantes putativas, prevista no §1º do art. 20 do Código Penal que aduz:
“§ 1º - É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas
circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação
legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é
punível como crime culposo (BRASIL, 1940).”
O autor Rogério Greco traz uma situação real de legítima defesa
putativa, vejamos:
“...como exemplo concreto de legítima defesa putativa, o fato ocorreu com o
Cabo Albarello, do Batalhão de Operações Especiais do Rio de Janeiro,
quando, na manhã do dia 19 de maio de 2010, ao incursionar, fazendo parte
de uma patrulha, por uma comunidade carente do Rio de Janeiro, localizada
no bairro do Andaraí, deparou-se com uma pessoa que parecia empunhar
uma submetralhadora, quando, na verdade, tratava-se de uma furadeira.
Naquele momento de tensão, acostumado aos confrontos que,
constantemente, eram travados com traficantes locais, o policial militar não
hesitou e disparou em direção ao suposto agressor, matando-o (GRECO,
2013, p. 130).
Outro instituto relacionado à Legítima Defesa que merece destaque é
aberratio ictus ou aberração no ataque, traduzindo para a língua portuguesa. Está
relacionado ao erro na execução, dispondo o Código Penal a respeito do tema:
“Art. 73 - Quando, por acidente ou erro no uso dos meios de execução, o
agente, ao invés de atingir a pessoa que pretendia ofender, atinge pessoa
diversa, responde como se tivesse praticado o crime contra aquela,
atendendo-se ao disposto no § 3º do art. 20 deste Código. No caso de ser
também atingida a pessoa que o agente pretendia ofender, aplica-se a regra
do art. 70 deste Código (BRASIL, 1940)”.
51
O Código Penal Militar, por sua vez também trata do tema como Erro
Sobre a pessoa, assevera:
“Art. 37. Quando o agente, por erro de percepção ou no uso dos meios de
execução, ou outro acidente, atinge uma pessoa em vez de outra, responde
como se tivesse praticado o crime contra aquela que realmente pretendia
atingir. Devem ter-se em conta não as condições e qualidades da vítima,
mas as da outra pessoa, para configuração, qualificação ou exclusão do
crime, e agravação ou atenuação da pena (BRASIL, 1969).
A legislação penal resguarda, portanto, quem no gozo do direito de
legítima defesa, por erro na execução do meio utilizado para repelir injusta agressão,
atingir pessoa diversa do injusto agressor, nesse sentido Greco:
“Pode ocorrer que determinado agente, almejando repelir agressão injusta,
agindo com animus defendendi, acabe ferindo outra pessoa que não o seu
agressor, ou mesmo a ambos (agressor e terceira pessoa). Nesse caso,
embora tenha sido ferida ou mesmo morta outra pessoa que não o seu
agressor, o resultado advindo da aberração no ataque (aberratio ictus)
estará também amparado pela causa de justificação da legítima defesa, não
podendo, outrossim, por ele responder criminalmente” (GRECO, 2013, p.
134).
Consoante tais questões, o atirador de elite, que eventualmente na
execução do tiro de comprometimento, errar o agressor, acertando a vítima,
analisando parâmetros técnicos, estará legitimado pela legítima defesa pelo erro na
execução, levando em consideração o animus defendendi. Contudo, se este ignorar
os padrões técnicos inerentes ao seu armamento, responderá de forma culposa,
vejamos:
“...atiradores de elite de Polícia Militar estavam posicionados em São Paulo
em frente à uma residência onde algumas vítimas encontravam-se
sequestradas. Em um determinado momento, ao que parece, a ordem de
tiro foi dada aos policiais de elite. O policial que se sentiu apto a fazer o
disparo, na primeira oportunidade que encontrou, puxou o gatilho, atingindo
o sequestrador. No entanto, devido ao armamento utilizado, e ao calibre da
munição, o projétil atravessou o corpo do sequestrador, vindo também a
atingir mortalmente a vítima. Pelo fato de ter calculado equivocadamente o
tiro, não considerando a potencialidade da munição utilizada, o referido
policial veio a ser condenado pelo delito de homicídio culposo” (GRECO,
2013, p. 134-135).
Deste modo percebemos que a execução do tiro de comprometimento
é uma alternativa de grande responsabilidade ao seu executor, podendo responder
criminalmente por erro e ainda pelo acerto, caso não seja considerado um meio
moderado ao caso concreto.
52
5.1.5 – DO ESTRITO CUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL
A exclusão de ilicitude pelo estrito cumprimento do dever legal está
previsto no Código Penal em seu art. 23, inciso III, 1ª parte. A norma detém da
mesma forma que a legítima defesa, um caráter permissivo, aduzindo que não
haverá crime quando o agente agir em cumprimento de um dever imposto pela lei.
De acordo com Bittencourt, são exemplos do estrito cumprimento do
dever legal a prisão em flagrante realizada pelo policial, do carrasco que executa a
pena de morte, ou do bombeiro que viola domicílio para prestação de socorro
(BITTENCOURT, 2003).
A norma em questão não fora explicitada de uma forma minuciosa tão
como a legítima defesa e o estado de necessidade, entretanto aduz-se que o estrito
cumprimento de um dever legal corresponde a uma causa de exclusão de
antijuridicidade baseada em “norma de caráter geral”, cujo preceito impõe o dever de
realizar uma ação típica, respeitando os limites legalmente disciplinados desta
maneira, nesse seguimento Cláudio Brandão que:
“Não existe esta causa de justificação, portanto, quando falte uma norma de
caráter geral. Se o dever de agir for imposto por uma norma de caráter
particular, como aquela emanada de um superior hierárquico, não se pode
falar em incidência do estrito cumprimento do dever legal, embora se possa,
eventualmente, reconhecer a obediência hierárquica (art. 22 do Código
Penal) para excluir a culpabilidade do agente” (CLÁUDIO BRANDÃO, 2007,
p. 124).
Este entendimento também é compartilhado por Bitencourt, o qual
ensina que:
“a norma da qual emana o dever tem de ser jurídica, e de caráter geral: lei,
decreto, regulamento etc. [...] se a norma tiver caráter particular, de cunho
administrativo, poderá configurar a obediência hierárquica (art. 22, 2ª parte,
do CP), mas não o dever legal” (BITTENCOURT, 2003, p. 272)
Para podermos reconhecer essa causa de justificação, é necessário a
observância dos seguintes requisitos: existência de um dever imposto por lei em
sentido amplo; o cumprimento deste dever por quem tenha competência para tal; ter
o agente o animus de cumprir com o dever imposto por lei (elemento subjetivo); e
que sua atuação esteja adstrita ao previsto no mandamento legal (DOTTI, 2005).
Levando em consideração que a segurança pública é um dever do
Estado, se traduzindo na preservação da ordem pública e da incolumidade das
pessoas e do patrimônio, entende-se que a ação policial que visa gerenciar uma
53
crise, com o objetivo a restaurar a ordem pública, ocorre no estrito cumprimento de
um dever legal.
Mas a dialética é se o Estado estaria legitimado à execução do tiro de
comprometimento, realizado durante o gerenciamento de uma crise, amparado
pelo estrito cumprimento de um dever legal?
De fato, a excludente de antijuridicidade ideal a justificar a execução
do tiro de comprometimento não seja essa, vez que pela natureza letal da medida,
seria o mesmo que admitir a possibilidade do Estado, através dos seus agentes,
dispor do dever de matar, quando em verdade o dever é o de proteger.
Nesse sentido, ao tratar do estrito cumprimento de um dever legal,
Bitencourt leciona que:
Esta norma permissiva não autoriza, contudo, que os agentes do Estado
possam, amiúde, matar ou ferir pessoas apenas porque são marginais ou
estão delinqüindo ou então estão sendo legitimamente perseguidas. A
própria resistência do eventual infrator autoriza essa excepcional violência
oficial. Se a resistência – ilegítima – constituir-se de violência ou grave
ameaça ao exercício legal da atividade de autoridades públicas, configurase uma situação de legítima defesa, permitindo a reação dessas
autoridades, desde que empreguem moderadamente os meios necessários
para impedir ou repelir a agressão. Mas, repita-se, a atividade tem que ser
legal e a resistência com violência tem que ser injusta, além da necessidade
da presença dos demais requisitos da legítima defesa. Será uma excludente
dentro de outra. (BITTENCOURT, 2003, p. 272)
O entendimento do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais,
quanto ao dever ou não do uso da arma de fogo pelo agente policial, digno de
transcrição:
RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - PRONÚNCIA - PRELIMINAR DE
INTEMPESTIVIDADE - CIÊNCIA A NOVO PROCURADOR - PRINCÍPIO DA
INTERPRETAÇÃO EM BENEFÍCIO DO RECORRENTE - REJEITA-SE ALEGAÇÃO DE LEGÍTIMA DEFESA E ESTRITO CUMPRIMENTO DE
DEVER LEGAL - INEXISTÊNCIA DE OBRIGAÇÃO DE USO DE FORÇA
LETAL POR PARTE DO AGENTE - INDÍCIOS DE EXCESSO NA AÇÃO
DO RÉU - TESE ABSOLUTÓRIA QUE DEVE SER EXAMINADA PELO
TRIBUNAL DO JURI. - No Processo Penal, em matéria de prazos
processuais, vigora o princípio da interpretação em benefício do recorrente,
de forma a assegurar a ampla defesa e o duplo grau de jurisdição. inexiste dever legal, por parte do policial, de utilizar força letal, ainda
que seja para a defesa de terceiros, tendo o agente extrapolado os limites
da lei, não se configurando a excludente alegada. - Estando a prova coligida
a evidenciar possível excesso na ação do réu, consubstanciado na
quantidade de disparos de arma de fogo realizados, inclusive pelas costas
da vítima, não há falar no acolhimento de legítima defesa nesta fase,
devendo a tese defensiva ser examinada pelo tribunal do júri, juiz natural
nos crimes contra a vida. - inocorrendo situação concreta de surpresa e
tratando-se de policial presente no local para responder a ocorrência, não
54
há falar na qualificadora do recurso que impossibilitou ou dificultou a defesa,
impondo-se seu decote, por manifestamente contrária à prova dos autos. recurso provido parcialmente. (Minas Gerais. Tribunal de Justiça. Penal e
Processo Penal. RSE nº 1.0024.00.045830-7/001. Rel.Beatriz Pinheiro
Caíres. Julgado em 16/11/2006. Pesquisa no site do TJMG em 05.02.2009).
O que podemos destacar no estrito cumprimento desta maneira, é o
cerco realizado ao local do evento crítico e as tentativas de negociações, com
objetivo de restaurar a ordem pública e prender quem se encontre em flagrante
delito. Entretanto, o agente policial responsável pela execução do tiro de
comprometimento, poderá até iniciar a sua atividade estrito cumprimento de dever
legal de manutenção da ordem pública e, ainda, de uma obediência hierárquica,
contudo, no momento em que recebe autorização para realizar o disparo e o faz,
agirá amparado pela excludente de ilicitude da legítima defesa de terceiros.
5.2 - PONDERAÇÃO DE INTERESSES?
É de grande valia termos em consciência a ponderação de interesses
correlacionados a este tema controverso, onde estamos falando de conflitos
existentes sobre o direito a vida.
Desta feita, vale ressaltar alguns entendimentos sobre cumprimento de
um dever por um agente policial, na condição de garantidor, estará em um aparente
conflito diante da execução do tiro de comprometimento, será necessária a escolha
de salvaguardar um dos bens jurídicos em risco.
Cezar Roberto Bitencourt, ao relatar sobre o tema da excludente de
ilicitude do estado de necessidade, reconhece ser possível a colisão de bens
jurídicos, vislumbrada quando o agente, diante da obrigação de proteger bens
jurídicos alheios, tem que optar pelo cumprimento de um dever de proteção em
detrimento de outro (BITENCOURT, 2003, p. 258).
O autor ainda comenta uma situação de que encaixa no aparente
conflito existente para o sniper, erige discussão curiosa, digna de transcrição:
“Entre o dever de agir e o dever de omitir-se, qual o dever que deve
prevalecer? Todos têm o dever de omitir qualquer comportamento que
possa lesar interesses alheios. Temos o dever de omitir uma conduta que
cause a morte de alguém. Mas, por outro lado, podemos ter o dever de agir
para salvaguardar uma vida humana, na condição de garantidor. Só que
para salvaguardar essa vida, para cumprir a norma mandamental, o dever
de agir, poderemos ter que descumprir o dever de não matar, de não agir.
Enfim, para salvarmos a vida de uma pessoa poderemos ter de sacrificar a
55
vida de outra. Das duas uma: ou cumprimos o dever de não matar, e
descumprimos o dever de agir, de salvar uma vida humana, ou, ao
contrário, cumprimos o dever de salvá-la, e descumprimos o comando
proibitivo, matando alguém. É um grande conflito! Temos que optar por um
dever ou outro. Ou matamos para salvar ou deixamos de salvar para não
matar” (BITENCOURT, 2003, p. 258 e 259).
Tal discussão suscitada pelo autor encaixa perfeitamente do dilema
vivenciado por todo o estudo pelo sniper quando da execução do tiro de
comprometimento. Vezes para salvaguardar a vida de uma pessoa no caso em
concreto será necessário o sacrifício de outra.
Para Bitencourt o conflito apresentado entre um dever de agir e
um dever de omitir-se, seria mais viável e de acordo com o direito o dever de omitirse. Estabelecendo o autor que “se não salvar aquela pessoa garantida, na verdade,
não se está fazendo nada: ela morrerá, mas não pela ação do agente, morrerá pelo
não impedimento” (BITENCOURT, 2003, p. 259).
Ora, como o Estado com o dever de prover a segurança púbica, sendo
um mandamento constitucional, impostos aos agentes da segurança pública o dever
de proteger, de garantir a vida e a integridade física das pessoas. Como aceitarmos
ser a possibilidade de omissão a mais viável frente a um evento crítico, em que a
única chance de proteger a vida do refém seria sacrificando a do causador da crise?
No caso concreto havendo a colisão de direitos fundamentais, normas
de mesma hierarquia, ambas válidas, a decisão normativa, legislativa ou judicial
final, deverá tentar dar uma harmonização aos direitos que elas conferem,
atendendo aos postulados da unidade da Carta Magna e da concordância prática.
De acordo com Marmelstein somente após essa tentativa de
harmonização poderá ocorrer o sopesamento ou para a ponderação propriamente
dita (MARMELSTEIN, 2008, p.387).
Podemos ver também na visão de Morais:
“quando houver conflito entre dois ou mais direitos e garantias
fundamentais, o intérprete deve utilizar-se do princípio da concordância
prática ou da harmonização de forma a coordenar ou combinar os bens
jurídicos em conflito, evitando o sacrifício total de uns em relação aos
outros, realizando uma redução proporcional do âmbito de alcance de cada
qual (contradição dos princípios) sempre em busca do verdadeiro
significado da norma e da harmonia do texto constitucional com sua
finalidade precípua” (MORAIS, p. 61, 2003).
Existem casos como podemos observar o do dilema vivido pelo sniper,
entretanto que essa harmonização revela-se impossível, como explica Marmelstein:
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“é nessas situações em que a harmonização se mostra inviável que o
sopesamento/ ponderação é, portanto, uma atividade intelectual que, diante
de valores colidentes, escolherá qual deve prevalecer e qual deve ceder. E
talvez seja justamente aí que reside o grande problema da ponderação:
inevitavelmente, haverá descumprimento parcial ou total de alguma norma
constitucional. Quando duas normas constitucionais colidem fatalmente o
juiz decidirá qual a que “vale menos” para ser sacrificada naquele caso
concreto” (MARMELSTEIN, p. 394, 2008).
O agente causador da crise, tomador de um refém, tem ciência da
ilicitude da sua atitude frente a gravidade do risco que coloca a vítima, tanto
psicologicamente quando fisicamente, ao apontar uma arma para sua cabeça. Desta
feita, acreditamos que neste caso, o agente policial detém o direito e o dever de agir,
e se, para a solução da crise, apenas restar a utilização do tiro de comprometimento,
respeitado todo o uso progressivo da força e os princípios inerentes aos direitos
humanos, a adoção do tiro de comprometimento estará em conformidade com o
Direito e com a moral.
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6 – CONCLUSÃO
Em consonância com os argumentos expostos ao longo de todo o
trabalho, conclui-se que o Estado Democrático de Direito, através da soberania
popular, constituído pela Magna Carta de 1988, tem o poder-dever poder de
assegurar os direitos e garantias fundamentais dos indivíduos, valendo dos seus
órgãos e agentes públicos.
O dever de garantir a segurança pública, norma mandamental instituída
na Constituição Federal, pelo Estado, deverá ser precedido por meio dos agentes do
Estado, com base nos princípios da legalidade, proporcionalidade, razoabilidade e a
necessidade dos atos. Na presente discussão, o princípio do direito a vida, princípio
máximo da nossa CF, deverá de modo inequívoco, ser protegido, fazendo valer dos
meios necessários para à sua preservação.
A Segurança Pública está intrinsicamente relacionado ao bem estar
social, deste modo, a Administração Pública ao exercer o seu poder de polícia,
deverá fazê-lo vislumbrando o bem da coletividade, podendo para isso fazer uso de
meios coercitivos, respeitando e fazendo valer o ordenamento jurídico pátrio.
O ser humano, como ser social que o é, necessita da segurança
jurídica para manutenção das relações sociais. A alternativa tática do tiro de
comprometimento discutido neste trabalho, nada mais é que um mecanismo que
dispõe o Estado, para, num evento crítico, dar um caráter efetivo a manutenção da
ordem social que é exigida na sociedade atualmente, levando em consideração os
altos índices da criminalidade.
A polícia da Administração Pública detém a função, não restando
dúvidas, de restaurar a ordem pública diante de um evento crítico, através dos
ensinamentos do gerenciamento de uma crise, o exercício do poder de polícia será
prestado restabelecendo a ordem pública de forma acertada e eficiente.
Relembrando, que tal função foi dada pelo povo, ao estabelecer a vida em
sociedade, passando para o Estado o dever de punir e de proteger a vida
individualizada de cada ser humano.
Nesse diapasão, a resolução de uma crise, deverá ser feita através de
agentes policiais devidamente capacitados e especializados, observado toda a
doutrina norte-americana inserida nos cursos de capacitação de funcionários
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aplicadores da lei. Principalmente as ocorrências não rotineiras, com alto risco de
vida para os envolvidos em que pessoas correm risco de vida e, ainda, tomadas
como reféns.
Como visto, a função de restauração da ordem pública é do Estado,
portanto, a Força Policial é quem deverá ser encarregada da negociação num
evento crítico, não sendo permitida a atuação a exemplo, de religiosos, advogados,
parentes das vítimas e particulares de uma forma geral.
Os princípios norteadores da atividade policial apresentados, como
direito a vida, dignidade da pessoa humana, legalidade, proporcionalidade, com um
destaque deste último, o princípio do uso progressivo da força. Princípio este de
fundamental importância no escalonamento das medidas a serem adotadas no
gerenciamento da crise, a impor, por fundamentação constitucional e penal, a
necessidade de esgotar os meios de menor lesividade antes da adoção de força
letal na resolução do evento crítico.
Um
ponto
importante
da
pesquisa,
a
adoção
do
tiro
de
comprometimento na resolução do evento, com objetivo de salvaguardar a vida do
refém, mesmo que para isso, seja retirada a vida do tomador e causador da crise. E
para legalidade de tal feito, concluiu-se pela necessidade de basear no ordenamento
jurídico, respeitando a proporcionalidade, razoabilidade, necessidade, bem como o
preenchimento dos requisitos da excludente de ilicitude, a legítima defesa (de
terceiros), aduzindo em ser o tiro de comprometimento, uma medida extrema, válida
a ser adotada depois de esgotadas todas as alternativas menos lesivas.
No tratamento da legítima defesa, vislumbramos a ótica do atirador,
onde deverá pautar sob o momento correto e observar todos os parâmetros técnicos
inerentes à realização do tiro de comprometimento, sob pena de responder de forma
culposa ou dolosa, de acordo com o seu animus.
Verifica-se ainda, que em nosso ordenamento em momento algum há a
imposição do dever de matar, pactuando com o entendimento de que o conflito de
deveres e bens jurídicos, a bom senso, é um conflito aparente. Entretanto, será um
bem preponderante o outro, ao decidir em hipótese, qual a vida salvaguardar, sendo
a do causador da crise que coloca em risco a integridade física de outrem ou o
ameaça fazer, a garantia da vida das vítimas guardará conformidade com o Direito.
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Deste feito, o estudo dispensado à legítima defesa, na sua essência e
fundamento, ninguém esta obrigado a suportar uma injusta agressão, seja contra si
ou contra terceiro, sendo conferido pela ordem jurídica o direito de autodefesa
através do uso moderados e meios necessários para tanto. Os organismos policiais,
por vezes atuarão em legítima defesa de terceiros, entendendo que não há a
obrigação de matar, este estará legitimado a atuar para salvar o bem jurídica vida
que está em jogo, bem indisponível, digno de ser defendido mesmo com o uso de
força letal por parte destes.
O evento crítico dado as suas caraterísticas, alto risco de vida dos
envolvidos, deverá ser encarado com profissionalismo e seriedade por parte de todo
o aparato policial, onde deverão estar sob contínuos estudos e treinamentos, para
futuras ações, estando prontamente preparados para a imprevisibilidade dada à
ocorrência da crise, para de forma acertada, retomar a ordem pública.
Ademais, há que observar que os objetivos maiores do gerenciamento
de crises são a preservação de vidas e o cumprimento da lei. Desta feita, no tiro de
precisão executado pelo sniper, o agente atuará movido com o animus defendi a
garantir a vida do refém, acobertado por sua vez pela excludente da legítima defesa
de terceiro. Coexistindo, todavia com a sua atuação o dolo, traduzido na intenção de
eliminar a agressão injusta existente por parte do perpetrador do evento crítico e
retomar a liberdade, salvaguardando a vida da vítima. Valendo-se que a hipótese do
tiro de comprometimento, poderá ser utilizado para salvaguardar a vida do próprio
agente do evento crítico, tendo intenções suicidas, poderá ser utilizado para inutilizálo de tal feito.
Ressaltando ainda que não só o tiro do sniper deve ser um disparo
comprometido, a utilização de força letal (arma de fogo) por parte dos agentes
policiais deverá ser pautado na responsabilidade e necessidade acima de tudo.
Desta feita, os agentes policiais devem atentar para os princípios e requisitos legais
que justificam o uso da arma de fogo, sob pena da arbitragem e ilegalidade. Tendo o
uso real da arma de fogo, como último recurso na doutrina policial, devendo haver o
diálogo na resolução do conflito existente, se possível. A Portaria Interministerial nº
4.226 prevê, portanto, que os agentes policias podem fazer o uso da arma de fogo
em casos excepcionais de legítima defesa.
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Por fim, os fundamentos expostos neste estudo, conclui-se que a
alternativa tática do tiro de comprometimento, juntamente com as demais dentro do
gerenciamento de crise tais como a negociação, utilização de técnicas não-letais e a
invasão tática são ferramentas de manutenção e preservação da ordem e segurança
pública, estando assim, resguardado o sniper na realização do tiro de
comprometimento abatendo o perpetrador da crise, por meio da norma excludente
de ilicitude da legítima defesa, preconizado pelo Código Penal pátrio.
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