O homem nasceu para transformar o mundo num

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O homem nasceu para transformar o mundo num
A CRISE DA PSICOTERAPIA E A VISÃO ECOLÓGICA DO HOMEM
UM PATCHWORK AQUILO QUE FOI TECIDO JUNTO
Sady Carnot 1
O homem nasceu para transformar o mundo num paraíso, mas,
tragicamente nasceu imperfeito e por isso seu paraíso sempre foi
corrompido pela estupidez, ganância, destruição e imprudência
(Daniel Quinn- Ishmael- pág 71)
Ao perceber que aquilo que mais vivo é a psicoterapia e que essa prática tem me levado a
sofrer principalmente com a visão antiga e pouco resolutiva, de que pessoas procuram o terapeuta
na busca de um remédio que não se encontra em farmácias, mas que se pudesse ser encontrado,
resolveria grande parte dos sofrimentos não definidos dessas pessoas.
É como se me dissessem o tempo todo que se sentem enganados, como se houvesse algo de
errado em sua história, mas que a percepção não os deixa ver a real situação, como se estivessem
com um emaranhado de fios coloridos sobre o colo, necessitando desembaraçá-los, pois essa é a
missão, quando na verdade não sabem a quem pertencem esses fios e nem porque os
desembaraça.
Percebem a ilusão em que vivem, mas não percebem que a falta de controle sobre essas
mesmas ilusões, os faz temer não encontrarem a solução pra seus problemas.
Erros. Erros naquilo que se propõem a buscar, na forma de busca, onde buscar a correção
do trajeto de vida um dia desejado, com relação a um dia planejado.
está na lógica organizadora de qualquer sistema de idéias, resistir à
informação que não lhe convém ou que não pode assimilar 2.
É comum atitude do ser humano de nossa cultura, de não concordar com a idéia que lhe foi
apresentada, tentar alterar o que o interlocutor propõe, para justificar que tal idéia possa ser
1
Sady Carnot é Psicólogo, mestre e doutor em Educação, História e Cultura.
2
Os Sete Saberes necessários a Educação do Futuro p.22
Edgar Morin
2
absurda, principalmente no que lhe toca nos pontos citados por Edgar Morin, como o
egocentrismo, a ignorância infantil sobre o assunto e o convencimento de que sua idéia é uma
verdade doutrinária e irrefutável.
É importante lembrar que nossa cultura acreditou no mito de sua razão todo-poderosa, e se
utilizou disso para destruir culturas e impedir a existência de idéias diferentes da sua,
conseguindo, por exemplo, destruir a alma indígena do Brasil, através da imposição de uma
cultura européia de cunho religioso e doutrinário.
Acontece, porém, que é necessário uma alteração de conceitos antes que se possa iniciar o
trabalho de recuperação das informações perdidas pelo paciente, antes mesmo de que ele inicie
seu trabalho de busca, não só de suas soluções, mas como de seus problemas.
Morin em seu pensamento complexo, fala intensamente sobre o imprinting, e aqui
necessário que se fale desse ponto como crucial para a resolução dos motivos pelo qual o
paciente de psicoterapia sente e sofre a angustia de se sentir enganado.
Esses sentimentos acontecem sem que percebamos, pois a Mãe Cultura nos faz crer que a
coisa é assim. Que as coisas chegaram a ser o que são, porque assim deveria ser.
São 8.000 anos de uma cultura passada, desde o chamado crescente fértil, no delta do Nilo,
entre Tigre e Eufrates, onde nasce a escrita, onde nasce o conglomerado populacional, para a
defesa dessa mesma cultura. A mãe cultura que nos fala milhares de vezes ao dia de que as
coisas são assim e devem continuar sendo assim . Mesmo que se queira pensar em mudanças ou
procurar formas de quebrar paradigmas ou romper com as doutrinas, mesmo que queiramos
destruir os dogmas, para no momento em que o barqueiro nos leve a atravessar o Stiks, possamos
encontrar um Cérbero que seja, no máximo, do tamanho de nossos pés. Mas a Mãe Cultura nos
repete em voz baixa e de forma subliminar, que devemos manter as coisas assim. Isso é o
imprinting. Para ter certeza disso, basta olhar as evidências da história humana.
A Mãe Cultura, cuja voz esteve presente em nossos ouvidos desde o dia em
que nascemos, nos deu uma explicação de como as coisas vieram a ser desse
modo. Nós conhecemos essa explicação como mestres. Todas as pessoas de
nossa cultura conhecem bem isto.
No entanto a Mãe Cultura não nos deu essa explicação de uma só vez.
Ninguém se sentou conosco e nos disse como as coisas vieram a ser dessa
forma, mas, se analisarmos corretamente, tudo isso tem sido dito a cada um
de nós de 10 a 15 bilhões de anos até o presente.
3
Fomos juntando todos os pedaços dessas informações como se fossem partes
de um mosaico. Um milhão de pedaços de informações nos foi apresentado
de várias formas e por muita gente, apenas como partes da explicação.
Fomos juntando tudo isso nas conversas à mesa com nossos pais, de
caricaturas que assistimos da televisão, de lições das aulas de religião, de
seus livros didáticos e professores, de radiodifusão de notícias, de filmes, de
romances, sermões, jogos, jornais 3
Ásia Menor
Mar Cáspio
Mar
Negro
Península Arábica
8.000 a. C
Mar
Mediterrâneo
Rio Tigre
Rio
Eufrates
Rio Nilo
3
Daniel Quinn
Mar
Vermelho
Ishmael
Golfo
Pérsico
4
É necessário entender que tudo o que foi impresso na vida de um indivíduo, seu nome,
seu sobrenome, as expectativas de pai e mãe, de toda uma família, originárias daqui ou dali, vão
fazer do indivíduo único, uno, com desejos e idéias próprias, um ser complexo, cumpridor de
missões que lhe foram estabelecidas, as quais foram por ele aceitas antes mesmo de saber que
missão era essa.
Para se entender hoje alguém que sofre de males como distimia, por exemplo, a chamada
depressão menor, bola da vez da moda entre pacientes e diversos tipos de médicos, terapeutas e
Cloridratos de Fluoxetinas ou de Paroxetinas, é necessário entender que vários pontos
influenciam esse indivíduo:
O contexto. É preciso situar as informações e os dados em seu contexto para que
adquiram sentido... a palavra amor muda de sentido...
3
dependendo de quem diz,
onde diz e porque diz.
O Global
... é mais que contexto é o conjunto das diversas partes ligadas a ele
de modo inter-retroativo ou organizacional... é o todo organizador... o todo tem
qualidades ou propriedades que não são encontradas nas partes.
O multidimensional
3
o ser humano e a sociedade são multidimensionais... o ser
humano é ao mesmo tempo biológico, psíquico, social, afetivo e racional. A
sociedade comporta as dimensões histórica, econômica, sociológica e religiosa
O Complexo
3
complexus significa o que foi tecido junto.. elementos diferentes e
inseparáveis constitutivos do todo
3
.
Além disso, Morim ainda cita que o indivíduo está inscrito numa visão planetária e
ecológica, que abarca todos esses outros quatro pontos, não inscritos em circunferências
concêntricas como adoraria achar o método cartesiano, mas em elipses circunscritas mas não
concêntricas.
3
Edgar Morin
Edgar Morin
3
Edgar Morin
3
Pensamento Complexo
Pensamento Complexo
Pensamento Complexo
5
O Global
O Contexto
O Multidimensional
O Complexo
O Planetário
Temos a todo instante que estarmos atentos para o momento em que vivemos. Momentos de
um tempo caótico, onde é necessário se usar de um paradigma a ser proposto de imediato:
Criatividade - para sair de onde se está
Coragem - para aprender com os próprios erros
Humildade - para aceitar o diferente em si e no outro
A era do fim das certezas, do caminho sem destino, do novo, do caos, do
indivíduo que aposta em caminhos diferentes, é a era dos nossos tempos. Da
mesma forma, quando nascemos, somos dependentes de um caminho
imaginado para nós, somos desejados por nossos dependentes de um
caminho imaginado para nós, somos desejados por nossos pais. E por muito
tempo acreditamos que este é o certo e o único. A crença predomina no
início de nossas vidas. E, a partir daí temos um bom e árduo trabalho para
nos diferenciarmos desse caminho prescrito, até que possamos construir o
nosso próprio. Nascemos com um sobrenome, carregado de vivências dos
nossos familiares e antepassados. È nos dado um nome próprio, uma
possibilidade de vivermos a nossa infância, carregando-o; até que possamos
6
fazer deste uma marca própria, podemos assim nos reconhecer
reconhecidos através dele... 5
e ser
Além disso, podemos perceber que hoje, quanto maior o desenvolvimento intelectual do
indivíduo, quanto maior sua capacidade de raciocínio e utilização da lógica e da racionalidade,
menor é a capacidade de entender as emoções.
Enquanto a cultura geral comportava a incitação da busca da
contextualização de qualquer informação ou idéia, a cultura científica e
técnica disciplinar parcela, desune, compartimenta os saberes, tornando cada
vez mais difícil sua contextualização 6 .
Por outro lado, a maioria das terapias obedece ao princípio de redução, limitando o
conhecimento do todo à compreensão de suas partes, cegando e conduzindo a se
excluir tudo aquilo que não seja quantificável e mensurável, eliminando
dessa forma, o elemento humano do humano, isto é, paixões, emoções, dores
e alegrias. ... os grandes problemas humanos desaparecem em benefício
dos problemas técnicos particulares... A inteligência parcelada... é míope que
acaba por ser normalmente cega... reduz as possibilidades de julgamento
corretivo ou a visão em longo prazo... quanto mais os problemas se tornam
multidimensionais,
maior
é
a
capacidade
de
pensar
sua
multidimensionalidade... quanto mais a crise progride, mais progride a
incapacidade de se pensar a crise , 7
isto é, quanto mais os problemas se tornam planetários e verdadeiramente ecológicos, mais
eles se tornam difíceis de serem pensados, ficando até mesmo reduzidos a nem vamos falar
disso, é absurdo. . A inteligência cega torna-se inconsciente e irresponsável .
Mas porque dizer então de uma Psicologia com uma visão ecológica do homem? Porque se
utilizando desses parâmetros, temos a condição de entender que o homem não é um produto final
no planeta e que o mundo foi criado para abrigar os gafanhotos, as ovelhas, as lulas e cascavéis,
além das dez mil culturas diferentes da nossa, sendo essa realmente a definição de concepção
ecológica e planetária. Mas acontece que a Mãe Cultura faz apologia de que as coisas devem
continuar a ser como são, não permitindo que possamos entender o pensamento que reduz, para
5
Adriana Grosman Fischer - Congresso Interlatino pelo Pensamento Complexo
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Edgar Morin
Edgar Morin
7
Os sete saberes necessários à educação do futuro
Os sete saberes necessários à educação do futuro
(Congrés Inter-Latin pour la Pensée Complexe),:
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passarmos a utilizar juntamente com ele o pensamento que une e distingue, conjugando o
conhecimento das partes e o conhecimento do todo.
A Psicoterapia do futuro deverá ser centrada na condição humana. Estamos na Era
Planetária e os seres humanos devem se localizar, onde quer que se encontrem, para poderem
reconhecer a diversidade cultural que é inerente ao ser humano. Basta que tenhamos claro que
existem no planeta perto de 10.000 culturas espalhadas entre o ocidente e o oriente e queremos
acreditar que apenas nossos pensamentos são corretos, assim como se a humanidade fosse
composta apenas por nós. Quem somos? é inseparável de Onde estamos? , De onde viemos
e Para onde vamos .
O paciente que procura hoje uma terapia sente que há algo errado com ele e talvez o que
esteja errado, seja apenas o que ele pensa que está errado.
O ser humano continua esquartejado e na ilusão de que tudo está correto, como se não
percebesse que se encontra num quebra cabeças em que faltam peças. Imaginemos por um
instante, apenas de forma alegórica de que as intenções de Hitler chegassem a termo e a
Alemanha tivesse vencido na 2ª. Guerra mundial. Toda a humanidade deveria tornar-se alemã.
Passados 1000 anos, quem sabe 2000, dois homens altos, loiros, de olhos claros, nascidos no
antigo país chamado Japão, estariam conversando e um diria ao outro: Você não sente que há
algo de errado conosco?
8
.
é impossível conceber a unidade complexa do ser humano pelo pensamento
disjuntivo, que concebe nossa humanidade de maneira insular, ...pelo
pensamento redutor que restringe a unidade humana a um substrato
puramente bio-anatômico... assim, a complexidade torna-se invisível e o
homem desvanece... 9
É extremamente necessário, que a Psicologia do futuro possa mostrar àquele que sofre e o
procura, que existe uma Lei da Vida que deve ser entendida e seguida.
Quando os deuses fizeram o Universo, fizeram de tal modo que tudo que
tivesse olhos para ver poderia ler a Lei da Vida em tudo o que houvesse. Eles
escreveram isso em coisas, não em palavras, de forma que não só o homem,
mas o caracol e o mosquito, o coelho e a lontra, pudessem ler isto. Nenhum
homem teve sucesso moldando a Lei em palavras. É muito simples para se
colocar em palavras. Você deve conhecer algum cético que dirá: Onde está a
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Daniel Quinn Ishmael
Edgar Morin Os sete saberes necessários à educação do futuro
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Lei? Eu não vejo nenhuma Lei. Diga a ele para assistirem o lobo, o cervo, o
chacal, viverem como eles vivem. Essas criaturas vêem a Lei e seguem essa
Lei. Você estará começando a conhecer a Lei da Vida... Se qualquer homem
lhe disse que conhece a Lei da Vida ou que ele pode descrever essa Lei em
palavras, acredite, esse homem é um tolo ou um mentiroso, porque a Lei da
Vida é escrita no Universo e nenhum homem pode saber o todo. Mas, se
você tiver dúvida sobre a Lei, consulte a lagarta, ou a gaivota ou o chacal,
pois nenhum homem conhecerá melhor a Lei . ou a viverá melhor que eles.
10
A razão e instinto, também foram tecidos como num Patchwork, e vendo assim aquele que
sofre, orientando para que esse indivíduo também possa ver suas reações estabelecidas dentro
desses contrapontos, podemos chegar mais perto de suas paixões, suas dúvidas e incertezas.
Razão e paixão são conceitos que se contrapõem e que não existem em si,
isolados do homem, mas aparecem como elementos influenciadores do seu
comportamento, seja em seus métodos, estratégias ou motivos. Como são
indissociáveis, e não podem existir isoladamente, abandonaremos esses
conceitos, substituindo por comportamentos no qual predominam a razão
ou a paixão, subentendendo permanentemente a presença dos dois em todo o
ato humano. Mais do que alterar um conceito, o que propomos é captar a
complexidade presente em todo o comportamento humano, no qual toda
razão é também passional do mesmo modo que toda paixão comporta em si a
nossa racionalidade. Para ilustrar esse pensamento faremos uso dos
personagens Vadinho e Teodoro Madureira do romance Dona Flor e
seus dois maridos , de Jorge Amado, bem como da solução adotada pela
heroína, que entre a razão e paixão, prefere ficar com os dois, (como diria
Schopenhauer, a Vontade). ...Tendo Edgar Morin como elo de ligação,...
caberia refletir sobre as conseqüências da hipótese de que razão e paixão se
constituem em ingredientes indissociáveis na construção do imaginário
humano, como mais um exercício da aplicação do pensamento moraniano.
11
O homem é produto de uma composição entre o homo sapiens e o homo demens definido
por Edgar Morin, onde essas partes, esses contrapontos, essas oposições, aparecem como molas
propulsoras de diversas atitudes que virão a gerar o sofrimento de que tanto falamos. Perceber,
sentir a existência dessa dicotomia, tanto por parte do terapeuta como do paciente, faz com que se
10
(Daniel Quinn
humanidade)
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Beyond civilization
Humanity´s next great adventure - Além da Civilização- A próxima grande aventura da
Álvaro Lívio de S. Koneski (UFRN/ GRECOM/ Brasil), Congresso Inter-latino pelo Pensamento Complexo
pour la Pensée Complexe)
(Congrés Inter-Latin
9
atinja mais facilmente o âmago de cada questão que envolva a dor emocional. Edgar Morin em
suas obras mostra
duas pretensões nucleares: uma de reintegrar e enraizar o humano no
biológico e em sua animalidade; a outra, mostrar a dimensão demens
de homo sapiens.
geralmente disfarçada
a partir da etologia, da primatologia, da pré-história e de uma leitura
complexizada do processo de hominização, Morin desemboca em uma visão de homem
embasada na super e hiper animalidade humana, na bioculturalidade definidora do humano e
na demência consubstancial ao humano. Nosso autor considera o cérebro como epicentro
organizativo das diversas esferas constitutivas do universo antropológico e estabelece uma
relação entre a hiper complexidade cerebral e a demência constitutiva do humano. .. no ser
humano, o desenvolvimento do conhecimento racional-empírico-técnico jamais anulou o
conhecimento simbólico, mítico, mágico ou poético
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Só um louco faz todos os dias a mesma
coisa na esperança de um resultado
diferente
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José Luis Solana da Universidade de Laén na Andaluzia Espanha - Congresso Inter-latino pelo Pensamento Complexo
(Congrés Inter-Latin pour la Pensée Complexe Texto traduzido por Sady Carnot Nunes Neto
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