Os potentados sangrentos de África

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Os potentados sangrentos de África
10 *
HISTÓRIA
Número 9 - 2ª série
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Ano 2 - Fevereiro / Março 2014
Carlos Duarte
Os potentados
sangrentos de África
A
história de África é escrita com letras de sangue, morte e destruição, que modelaram nos
povos em geral um determinismo fatalista
incomparável. Foram muitos os potentados alicerçados no terror e na crueldade.
Em Angola, em época anterior à ocupação Portuguesa, os Régulos M’Bangu eh Muzungu e N’Gola
Kiluangi kiá Samba -- ambos deram nome a regiões
atuais -- movimentando sistematicamente uma máquina de guerra que se nutria de sangue, gado e apreensão de escravos de grupos tribais de menor potencial
bélico, tinham por costume, um e outro, se apoiarem a
cajados com terminais em aguilhão, que espetavam no
coração de escravos prostrados em cada lado de suas
Benza (tronos). Assim, sacrificavam diariamente e sem
qualquer propósito que não fosse o de demonstrar
total desprezo pela vida, tanto adultos ou crianças -eram ecléticos na maldade -- quanto o dobro de vezes
que ocupavam ou deixavam o assento régio.
Na África do Sul, dois grandes chefes se tornaram
notáveis pela crueza com que demonstravam esse
mesmo desprezo pela vida humana: Shaka dos Zulus e Mzilikazi dos Matabelês.
Em 1453 da Era Cristã, começa a história efetiva
da África do Sul, no Cabo de São Vicente, no extremo sudoeste da Europa.
Lá, um Príncipe monástico de Portugal, o Infante
D.Henrique, “O Navegador”, no Promontório de Sagres, numa época em que o mundo era dominado
pelo medo e ignorância, ele olhava além dos limites
da Europa, imaginando mundos que aguardavam
ser descobertos e salvos.
Conhecia os relatos de Marco Pólo e sabia da
existência de civilizações no Oriente, mas acreditava
que, até que homens brancos da Europa, batizados
e professando a fé católica, cristianizassem essas e
outras terras, elas e seus habitantes permaneceriam
pagãos e inaceitáveis como civilização.
Seu objetivo imediato era África, que visitara
duas vezes. A primeira aos vinte e um anos, numa
grande vitória do exército Português em Celta, e a
segunda aos quarenta e três, numa estrondosa derrota em Tanger.
Era fascinado pelo Continente Africano, e com os
seus estudos sobre navegação acreditava que os
seus navios podiam navegar para o sul, ao longo da
Costa Ocidental de África, dobrar o Cabo do extremo sul e subir pela Costa Oriental, até às Índias e
suas especiarias, China e Japão. Perseguiu este objetivo sem sucesso até à sua morte, em 1460.
O ano de 1453 foi marcante para o Infante D.Hen-
rique porque, profundamente Cristão, teve conhecimento de que os Muçulmanos -- eternos rivais
religiosos dos Cristãos -- haviam atacado e conquistado Constantinopla, fechando as rotas do Mar Vermelho para o rico Oriente.
Nunca chegou a ver qualquer mercadoria Oriental; só anos após a sua morte, os navegadores Bartolomeu Dias e Vasco da Gama concretizaram os
sonhos do Infante de Sagres, vencendo o primeiro
o Cabo das Tormentas ou da Boa Esperança e o segundo chegando às Índias pela Costa Oriental do
Continente Africano.
O potentado Zulu tem início com o reinado de
Shaka, filho de um régulo Senzanga Khoma, de um dos
clãs mais fortes dos Zulu, que engravidara Nandi, uma
mulher Lengani, que se tornou por isso sua terceira esposa, mas, desagradável e pouco dócil, acabou sendo
rejeitada junto com o filho, e voltou para os Lenganis,
onde Shaka cresceu acalentando o sonho de se tornar
Rei dos Zulu, e expandir o império até nem onde ele tinha ideia; cresceu arrogante e antipático como a mãe,
e foi por isso marginalizado pelos outros meninos Langani, mas cresceu forte e se preparando para ser um
guerreiro, o melhor entre todos.
Shaka era o nome que os Zulu davam a um parasita intestinal; quando Nandi engravidou, de desagradável que era, na tribo diziam que ela não estava
grávida, apenas tinha um shaka na barriga. Vindo ao
mundo, o parasita shaka, continuou sendo Shaka.
Foi com alívio que o rei e a tribo, viram partir Nadia
com o seu pequeno parasita.
O ano de 1802 foi um ano de seca e fome. O Rio
Umfolozi, secou e a fartura que trazia ao vale que o
abrigava e às margens, desapareceu. Com a escassez
de alimentos o chefe Longani decidiu expulsar do
Kraal todas as pessoas indesejáveis, entre as quais se
encontravam Nandi e o filho Shaka, de quem ninguém gostava no clã.
Exilados partiram para as terras do sul, onde chegaram ao reino de Dingiswayo, o mais importante
dos chefes do sul que, ao ver Shaka e N’Xumalo, um
xilado voluntário do clã Sixolobo, e o único companheiro de Shaka entre os Langanis, adivinhou neles
grandes guerreiros; eram fortes e mostravam destreza no uso das Azagaias. Considerou-os bem vindos
ao seu regimento.
Nos anos seguintes, Shaka e N’Xumalo ganharam
grande experiência em guerras e campanhas que
ampliaram o território de Dingiswayo, e Shaka começou a desenvolver técnicas pessoais de Guerra e
Teoria de Combate!
Discordava dos grandes agregados -- mulheres e
crianças -- que acompanhavam o destacamento,
denunciando à distância a aproximação, e dando a
conhecer aos inimigos a disposição das tropas a todos os momentos, aguardando apenas o momento
mais propício para o confronto. Discordava dos rituais que antecediam as batalhas e dos lugares escolhidos -- com encostas suaves, em anfiteatro, para
melhor apreciação dos espectadores -- discordava
dos arremessos das azagaias à distância, que permitiam a esquiva dos adversários. Discordava dos
embates pouco contundentes, quando os dois exércitos estavam já desarmados, e da benevolência do
vencedor, capturando apenas algum gado e umas
quantas mulheres. Discordava do uso de sandálias
de couro de vaca pelos guerreiros, artefato que, no
seu entender só tolhia a mobilidade em combate.
Achava inclusive as azagaias impróprias para a luta.
Preferia o uso de adagas para o corpo a corpo.
Shaka treinou com N’Xumalo ataque e defesa,
força e destreza, luta corpo a corpo. Quebrou uma
lança e encomendou ao forjador da tribo uma arma
com o tamanho da metade da lança e o dobro do
tamanho de parte cortante: uma Adaga!
Em 1815, num confronto banal com os Butelezi,
Shaka demonstrou o que e como queria que fosse
uma guerra. No ritual inicial em que um ou dois
guerreiros se adiantam para trocar insultos, Shaka
levantou-se e correu descalço para o adversário.
Com o seu escudo enganchado no do outro, expôs-lhe o peito e mergulhou nele a adaga curta.
Arremeteu depois para as fileiras de vanguarda dos
Butelezi, e junto com ele, todo o regimento Izicwe.
Foi um massacre. Dezenas de inimigos mortos e de
mulheres capturadas, centenas de cabeças de gado
apreendidas.
Em 1816 o pai de Shaka, chefe dos Zulu morreu.
Shaka removeu o filho destinado à sucessão e assumiu o comando do clã que tinha cerca de 1.300 pessoas e 300 guerreiros.
Era um clã inexpressivo, menor que a maioria dos
outros clãs, como os Sixolobo e os Lengeni, e que
não expandira o seu território nos últimos cem anos.
Tão logo assumiu o comando, uma das suas primeiras providências foi mandar os guerreiros jogar fora as azagaias tradicionais substituindo-as
por adagas, proibiu o uso de sandálias e treinou as
tropas no endurecimento das solas dos pés, fazendo-os dançar sobre espinhos e pedras batendo os
pés com força no chão, até que as solas dos pés estivessem mais duras do que couro. Os guerreiros que
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não agüentavam e fraquejavam neste treinamento,
eram mortos.
Aumentou o tamanho dos escudos quase à altura
de um homem, e treinou com os guerreiros defesa e
ataque corpo a corpo, com as técnicas que aperfeiçoara com N’Xumalo.
Instituiu a técnica de combate “corpo-braços-cabeça”, em que o corpo era a grande concentração
de tropas central, e a única que os inimigos podiam
ver, os braços eram dois grupos de
envolvimento rápido que atacavam
pelos flancos, e a cabeça, um regimento que, nos dois primeiros estágios de qualquer batalha -- início
com o embate frontal do corpo e o
segundo que era o ataque dos braços pelos flancos -- ficava escondido por uma colina e de costas para
a luta, sem poderem saber o que se
passava na batalha. No momento adequado recebiam a ordem de
ataque, que cumpriam sem pensar
e sem tentar adequar-se à situação.
Velocidade, rapidez na comunicação e acurácia eram os outros
trunfos da estratégia de Shaka.
Shaka e N’Xumalo formavam
uma dupla fantástica; Shaka era um
planejador criativo e N’Xumalo um
executor implacável.
Uma manhã de 1816, Shaka reuniu os seus quatro esquadrões numa formação de quadrado oco.
Inflamou os ânimos dos guerreiros com palavras
de incentivo, enquanto estes batiam os pés no chão
com violência -- a dança que caracterizaria para
sempre os Zulu. Cada esquadrão era distinguido por
diferentes cores dos panos de cabeça e pelos couros
de gado dos escudos.
Contra os Langani, Shaka ordenou uma marcha
silenciosa. Na manhã seguinte o clã acordou cercado por guerreiros Zulu. Foi a vingança de Shaka
contra o clã que expulsara a mãe e a ele anos atrás.
Todos os desafetos pessoais foram empalados por
estacas de bambu, e depois de horas de sofrimento,
queimados ainda vivos. Os chefes apenas tinham o
pescoço quebrado, numa morte rápida e sem sofrimento, e no final, Shaka absorveu os regimentos
Langani no seu exército.
Quando Dingiswayo morreu, numa batalha contra uma tribo do norte, todo o contingente Izicwé
se uniu aos Zulu. Shaka se movimentava com uma
velocidade devastadora, dominando os pequenos
clãs, cujos chefes eliminava e cujas forças militares
agregava às suas. A incursão contra os N’Gwane, os
apagou do cenário africano como clã.
À vista do Corpo de Ataque Zulu, se posicionaram
em tosca formação de combate, acreditando tratarse apenas de mais uma investida por gado e mulheres, em que apenas alguns homens sairiam machucados. De repente descobriram com espanto que as
alas Zulu estavam abertas, como os chifres de um
touro. Os guerreiros Zulu caíram sobre os atordoados inimigos matando, e quando as forças N’Gwane
tentaram se reagrupar para resistir, do nada apareceu a cabeça do exército de Shaka, as adagas totalmente sem clemência.
Os guerreiros e os velhos foram mortos -- os Zulu
nada viam de errado em ajudar a morrer os que
eram idosos ou doentes -- as mulheres distribuídas
entre os Kraal Zulu, e os meninos recrutados para o
exército.
Com Shaka no poder, os homens combatiam dos
14 aos 60 anos, e nenhum guerreiro podia casar ou
procriar antes de lavar a adaga no sangue de inimigos, e somente por concessão de Shaka, o que
acontecia por volta dos
30 anos.
Shaka formou um batalhão só de mulheres,
que devia seguir na retaguarda para cuidar da
comida, reparar as armas
danificadas e cuidar dos
feridos. A regra básica
para estes era: se um Zulu
está ferido, fale com ele.
Se ele conseguir compreender o que você disse, cure-o, se não mate-o
Formou um outro batalhão de idosos, que
recebiam apenas meia
ração e deviam trabalhar
constantemente. Quanto mais rápido morriam,
mais se fortalecia a nação
Zulu. Em 1832 Shaka já consolidara a maior parte da
sua nação, impondo uma ordem e uma disciplina
cuidadosamente definidas; através de punições brutais, transformara um amontoado de clãs num reino
unificado.
Praticava um governo tirânico mas não insano,
assegurando ao seu povo suprimentos de água permanentes e fontes estáveis de alimentos. Os resultados benéficos do governo de Shaka eram evidentes.
Uma área maior que muitos países europeus e que
estivera desorganizada até então, tornara-se coesa e
próspera. As centenas de tribos e clãs que viveram
até ali na base de cada um por si, se proclamavam
agora orgulhosamente de Zulu que era nesta altura uma temida nação de meio milhão de pessoas. A
cidadania dentro da nação atingia a todos por igual,
antigos ou novos integrantes.
Mas Shaka, um misógino sem descendentes, sobrinhos nem filhos que pudessem suceder-lhe, ficou obcecado com a idéia de envelhecer e morrer.
Feiticeiros e funantes brancos se aproveitaram desse início de loucura para o explorar com promessas
de óleos milagrosos que proporcionavam a imortalidade.
O aparecimento dos primeiros cabelos brancos,
detonou em Shaka um processo de loucura irreversível; a morte da mãe, desencadeou uma onda de
crueldade e perseguições terríveis, que abalaram
toda a estrutura ZULU.
Começou por ordenar a morte de todas as mulheres a serviço de Nandi, a “mulher elefante”, que
com ela compartilharam a tumba, e que, quase todas, eram mulheres de alguns dos seus melhores e
mais confiáveis generais.
A mortalidade gratuita espalhou-se pelo reino;
qualquer pessoa, por rir, espirrar, tossir, se coçar,
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sentar, dormir, amamentar ou mesmo comer e beber, podia ser decapitado, acusado de não demonstrar pesar pela morte da mãe de Shaka.
Turbas frenéticas e assassinas corriam por todo o
reino, para ver se alguém deixava de honrar Nandi.
Os últimos meses de 1827 ficaram conhecidos entre
os Zulu, como o tempo das trevas de Shaka.
Relatos feitos por Henry Francis Fynn, que visitou
Shaka nessa altura, falam de milhares de mortes e
de aldeias completamente arrasadas e incendiadas.
Em estado de loucura total, buscando uma explicação para o fenômeno da vida, Shaka pessoalmente abriu com a sua adaga, o ventre de todas as mulheres grávidas, em qualquer estágio, do seu Kraal.
Insatisfeito com a falta de uma resposta conclusiva,
mandava buscar as gestantes de todos os outros
Kraals, para o mesmo sacrifício.
Maridos, pais, filhos e sobrinhos que demonstrassem qualquer insatisfação ou contrariedade por mulher morta, eram empalados em estacas de bambu,
como traidores, para uma morte lenta e dolorosa.
Para os rituais de luto nacional, por um ano, nenhum homem podia tocar numa mulher -- mulher
que aparecesse grávida era morta junto com o filho,
depois de revelar o nome do traidor, que era empalado -- ninguém podia beber leite, nenhuma cultura
podia ser plantada. Um regimento de doze mil homens guardava dia e noite a sepultura.
Gado, o gado que Shaka tanto prezava, era sacrificado às centenas de cabeças, apenas para que os
mugidos de dor fossem escutados e para que até os
animais soubessem o que é sofrer.
Um adivinho disse a Shaka que a mãe morrera
porque um gato atravessou o caminho dela. Todos
os gatos e donos de gatos foram sacrificados.
Com o caos instituído no reino, M’Kabay -- Gata
Selvagem -- irmã do pai de Shaka e de dois meio irmãos dele, Dingane e M’Halangana, junto com alguns comandantes militares, conspiraram e planejaram o assassinato do grande chefe Zulu.
No dia 22 de Setembro de 1828, vários conspiradores se reuniram, foram ao Kraal de Shaka, e sem que
este pudesse esboçar um gesto de defesa, lhe espetaram fundo e por diversas vezes as mortais azagaias.
Terminava assim o homem que criou a Nação
Zulu.
O reino de M’Zilikazi, dos Matebelê -- os fugitivos
-- outro potentado sangrento -- certamente mais
sangrento que o Zulu, era em tudo diferente dos
rivais. Formado por clãs fugidos aos exércitos de
Shaka, e chefiados por M’Zilikazi, um rei auto proclamado, foram para o norte, onde fundaram uma
nação poderosa e rica.
M’Zilikazi era o inverso de Shaka. O rei Zulu era
alto, forte, autoritário, dominante, soberbo. O rei
Matabelê era baixo, gordo, gentil, cordato, sorridente e convincente, jamais autoritário. Mas, no seu
movimento migratório mais para o norte, afastando-se quanto possível dos confrontos com os Zulu,
os Matebelê praticaram a política da terra arrasada.
Por onde passava a horde de M’Zilikazi, tudo o que
não pudesse ser levado ou aproveitado, era destruído: milhares de vidas humanas, aldeias inteiras, manadas completas de animais selvagens eram massacrados, plantas arrancadas e árvores queimadas.
Por dezenas de quilômetros só deixavam destruição
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e morte, restos de cinzas e cadáveres humanos e de
animais insepultos, apodrecendo ao sol africano até
que apenas restassem as ossadas.
Os massacres brutais e indiscriminados não
transformaram M’Zilikazi pessoalmente. Um jovem
clérigo Inglês, Hilary Saltwood, que foi para a Missão
em Golan, em 1829, tornou-se amigo de M’Zilikazi
Mas não se deve supor que M’Zilikazi e Shaka foram os únicos responsáveis por todas as mortes
no M’Fekane -- movimento migratório. Em muitos
casos eles simplesmente iniciavam o movimento
de pessoas, ocorrendo o extermínio final das tribos
menores a grande distância da Zululândia.
Foi a teoria do dominó. Zulus em expansão foram
para o sul e perturbaram os Kwabe, que foram mais
para o sul e afetaram os Tembu, que se moveram
para deslocar os Tuli, que usurparam terras dos
Pondu, que pressionaram os Fingo, que avançaram
contra os T’Xoza.
Nesse momento da história, os
Trekboers em busca de terras, começaram a invadir o território de
pastagens dos T’Xoza que, pressionados entre duas forças, revidaram atacando os Kraals Boers.
Os Sotho consolidaram o seu
reino nas montanhas, inicialmente conhecido como Basutolândia, e depois como Lesoto.
Os Swazi fixaram-se no reino
conhecido como Swazilândia.
Várias tribos foram para Moçambique.
Ainda hoje, o efeito do M’Fekane é um dos estopins das rivalidades tribais na África do Sul.
Era uma época de crueldade sanguinária, e não
apenas por parte dos grupos tribais.Em 1502, quando Vasco da gama foi contrariado pelas autoridades
de Calicute, massacrou quatro dezenas de inofensivos pescadores indianos que se encontravam num
barco, mandou esquartejar os cadáveres e colocar
os pedaços no barco à deriva, para que fosse dar à
costa indiana, com a recomendação de que fossem
fervidos ao molho curry.
Antes do século XVII os Holandeses da Companhia das Índias Orientais resolveram estabelecer
uma estação de reabastecimento no caminho para
a Índia, na Província do Cabo. Com a chegada de
famílias camponesas da Holanda, ali nasceu o embrião da Colônia do Cabo, e uma nova espécie de
africanos, de origem européia, os Bôers. O contato
com o nativo deu lugar ao habitual e inevitável conflito de culturas.
Em 1806 a Grã Bretanha invade a África do Sul, e
muitos Holandeses -- Bôers -- por isso e também
atraídos por melhores pastagens, migram para o norte e fundaram duas repúblicas: Orange e Transvaal.
Descobrem diamantes em 1867 e ouro em 1886.
Em 1899, fortalecidos e ainda indignados pela invasão inglesa, os Bôers iniciam a guerra Anglo-Bôer,
que a Inglaterra acabou vencendo em 1902.
Em 1910 a Inglaterra cria a União Sul Africana, incorporando as Colônias do Cabo, Natal, Transvaal e
Orange. Em 1961, através de plebiscito o país passa
de União a República, e retira-se da Comunidade
Britânica.
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Depois da eleição do Partido Nacional em 1968, a
política do “apartheid” -- separação de raças, com
áreas restritas às raças não brancas (colored) -- torna-se oficial; só os brancos votavam e concorriam a
cargos políticos.
As concessões a grupos não brancos começam a
acontecer. Dada a numerosa colônia de indianos,
um conselho consultivo de indianos é formado e
parcialmente nomeado. Os japoneses, com o aumento da influência financeira e tecnológica, passam a ser considerados brancos -- not colored. Em
1969, com muita polêmica é criado um conselho
representativo dos mestiços..
Em 1959 o governo branco aprovara uma legislação especial requerendo o estabelecimento de várias nações Banto, os “Bantustões”, contra a vontade
da maioria dos líderes dos movimentos negros.
O primeiro desses bantustões foi estabelecido em
1963, o Transkey, em fase de auto determinação
econômica e política, tornando-se independente
em 1976. Em 1977 foi a vez do Bophuthazwana e do
Ciskey, em 1979 o Wenda; mas internacionalmente
nenhum desses estados foi reconhecido.
Nas décadas de 70 e 80, começaram interna e externamente violentos protestos contra a política do
apartheid. Em 1983, por plebiscito, uma nova Carta
Constitucional foi aprovada, dando o direito de voto
a mestiços e indianos. Leis proibindo o sexo e casamento inter raciais foram revogadas em 1985.
Independentemente das mudanças e concessões
políticas, continua a perseguição e violência tribal,
principalmente os grupos políticos rivais negros; a
ANC e o INTAKA. A ANC, Congresso Nacional Africano, o movimento dos Zulu, presidido por Nelson Mandela ( preso pelos brancos durante 26 anos e 6 meses,
de Agosto de 1962 a Dezembro de 1990 ) e o INTAKA,
o movimento Tchoza – sedimentado em trabalhismo.
Após as duas grandes guerras mundiais, e estando a Holanda entre os perdedores, a Inglaterra se
viu, por partilha mundial entre os vencedores, dona
da Colônia do Cabo. As novas autoridades coloniais
se revelaram contrárias aos Bõers, com as suas pretenções de abolição de escravatura e os seus princípios de igualdade perante a lei, para todos os súditos
do império, brancos ou não.
Uma migração em massa, chamada de Grande
Treck, leva os Bôers sempre mais para o norte, na
tentativa de escapar do governo da colônia, para os
territórios de Natal.
Ali, através de drásticos combates, teve lugar o
encontro dos Bôers com os Zulu.
A Zululândia não era grande, mas havia alguns
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decênios tinha se desenvolvido como estado rigidamente organizado e com forte poder militar.
Como se falou atrás, todos os habitantes do sexo
masculino eram militares, dos 14 aos 60 anos. Divididos em IMPI -- Regimentos -- diferenciados pelas
cores dos escudos, obedeciam às ordens dos INDUMA -- Generais. Usavam como arma o Assegai -lança curta de ponta comprida e cortante nos dois
gumes, como uma adaga -- própria para o combate
corpo a corpo.
As táticas, organização militar e empenho em
combate, por parte dos Zulu, que desprezavam as
próprias baixas, não davam chance aos inimigos.
Somente os Bôers, entrincheirando-se por trás dos
Laager -- cerco formado pelos seus pesados carros de
bois -- encontraram antídoto contra essa tática.
E, 1879, depois de muitos e terríveis combates, a
Zululândia estava limitada ao norte pelos Bôers do
Transvaal, e ao sul pela Colônia do Natal, sobre a
qual os ingleses tinham estendido a sua jurisdição.
Os Zulu eram avessos até a
contatos comerciais, todos os
temiam pela tenacidade e inclemência.
O Chefe Zulu Chetswayo,
sentava-se num trono que havia conquistado ao preço de
mais de 20.000 mortes entre os
defensores de outros pretendentes.
Os Zulu não faziam prisioneiros; rasgavam com as Assagai o
ventre de todos os inimigos, por temerem que os espíritos malignos se aninhassem nos corpos dos mortos.
Tinham uma máquina de guerra constante, de
40.000 homens. Por estes motivos, os Zulu constituíram uma ameaça tão notável para os ingleses,
que nunca antes no vasto império que chegaram a
dominar, e onde o “sol nunca se punha”, haviam encontrado tanta belicosidade e bravura.
Mandaram um ultimato a Chetswayo, para dissolver o exército, mas nem resposta teve.
Em 1879 um grupo de expedicionários Inglês,
transpôs a fronteira entre Natal e a Zululândia, determinada pelo Rio Bufallo.
A 1ª expedição, sob as ordens do Comandante
em Chefe Lorde Chelmford, dividiu-se em colunas,
com o objetivo de atrair a atenção de todo o exército
Zulu, e impedi-lo de efetuar o ataque a Natal. Lorde
Chelmsford entrou na Zululândia pelo Rorke’s Drift,
e com as tropas divididas teve um primeiro contato
com os Zulu, após o que, estabeleceu um campo aos
pés do Pico Isandhlwana, deixando alguma tropa
como guarda das viaturas e material pesado, saindo
em seguida em perseguição dos Zulu.
Mas o exército de Chetswayo já estava em marcha contra os ingleses também, e os braços da tenaz
Zulu se fecharam de forma inclemente sobre a tropa
inglesa, vencendo toda a resistência e deixando por
terra 1.329 mortos.
A campanha terminaria meses mais tarde, com a
vitória dos ingleses em Ulundi, centro de comando
e resistência dos Zulu, com um ataque arrasador,
em que pereceu também Chetswayo, o último grande chefe dos Zulu.

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