na dança da centopeia

Transcrição

na dança da centopeia
s o c i e d a d e
NA DANÇA DA
CENTOPEIA
AS IMPRESSÕES DE MAZIAR
BAHARI, JORNALISTA QUE passou
MESES numa PRiSãO IRaniana
e FANÁTICO POR FUTEBOL, SOBRE
UMA PARTIDA Do santos fc
POR igor ribeiro
EDITOR EXECUTIVO, enviado a santos (SP)
fotos: pablo de sousa
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imprensa | maio 2011
A
Polícia Militar, armada de capacete,
colete, cassetete na mão e automática na cintura, não está ali para
brincadeira. A Vila Belmiro é, naquela noite, um verdadeiro caldeirão. O
Santos Futebol Clube precisa bater o Colo Colo, do
Chile, para continuar vivo na Libertadores – empatara os dois primeiros jogos da fase de grupos e já
perdera para o mesmo Colo Colo por 3 a 2. A cada
lance, parte da torcida se debruça sobre o muro de
vidro que os separa do campo. A cada lance, um PM
devidamete aparamentado, no estrito dever de sua
função, passa por ali, afastando as pessoas do vidro
e alertando sobre segurança. A cada lance, ele é
solenemente ignorado, numa dança que lembra uma
pequena onda, uma centopeia de santistas a contornar a infinita passagem do policial, voltando a
se debruçar sobre o vidro logo em seguida. Entre
eles está Maziar Bahari, cineasta irano-canadense,
ex-correspondente da Newsweek. Como os outros,
ele não dá a mínima para o policial. Não por amor
ao Santos. Mas, para quem foi torturado e passou
118 dias em Evin, prisão famosa por sua baixíssima
tolerância, aquele é só mais um guarda.
Bahari está no Brasil como jurado do festival É
Tudo Verdade, assim como o canadense Sean
Farnell, diretor de programação da mostra Hot Docs
e fã de hockey sobre o gelo, esporte mais popular no
Canadá, e resolveu acompanhar o jornalista iraniano em sua aventura rumo à baixada santista. Por
sua vez, Bahari é torcedor do Persépolis de Teerã e
também do Liverpool – hoje vive em Londres e
frequenta os jogos. Sempre que viaja tenta assistir a
uma partida local. Não poderia deixar de conferir,
pois, o mítico futebol-arte brasileiro.
Antes de pegar a estrada, ele apresenta ao
público do festival dois filmes seus em exibição
na mostra não competitiva: “Infelizmente, não
vou poder ficar com vocês após a exibição para
debater porque recebi uma proposta irrecusável
para assistir a um jogo do Santos”. Entre risos
compreensivos, coloca-se de prontidão para falar
sobre os documentários em momento mais oportuno. Em menos de 30 minutos chega à rodovia
dos Imigrantes, iniciando a descida da Serra do
Mar rumo ao clube que consagrou Pelé.
PALAVRÕES EM FARSI
Bahari foi preso em 2009 durante a cobertura
dos protestos contra as eleições que reconduziram
Mahmoud Ahmadinejad à presidência. Não foi,
porém, a primeira vez que correu esse risco. Desde
1998, quando retornou a Teerã após dez anos de
estudos no Canadá, fez matérias polêmicas aos
olhos do regime conservador. Escreveu para a
Newsweek sobre conexões veladas com o Talebã;
mobilização de blogueiros e ativistas digitais.
Colaborou com Al Jazeera, BBC e HBO, fazendo reportagens especiais e documentários como
“Mohamad e o Casamenteiro”, sobre um ex-viciado em heroína, portador de HIV, que roda o Irã em
busca de uma noiva. Foram mais de dez filmes,
incluindo “Alvos: Repórteres no Iraque”, sobre o
trauma sofrido por jornalistas que cobriram a ocupação e derrubada de Saddam Hussein.
Em uma de suas últimas reportagens antes de ser
preso, Bahari analisa como a TV estatal do país
reportava os protestos pela ótica do vandalismo
isolado em vez da grande marcha pacífica que
tomava a capital. No dia 21 do mesmo mês, a casa
do jornalista foi invadida por oficiais – dezenas de
repórteres, correspondentes e ativistas foram presos numa ação desesperada da polícia iraniana.
Bahari foi acusado de espionagem para a CIA, M-16
e Moussad. Apanhou até que confessasse.
Apesar do que passou, Bahari consegue enxergar
as tintas surreais que deram tonalidade tragicômica
à sua passagem por Evin. Para sustentar a acusação,
rodaram repetidamente um episódio gravado do
“The Daily Show”, programa dos EUA famoso por
fazer humor com ares jornalísticos. No DVD, uma
entrevista de Bahari a um “repórter” do programa
fantasiado de espião. Posteriormente, um dos carcereiros ficou “amigo” do jornalista e lhe confessava, num segredo sepulcral, seus sonhos de conhecer New Jersey. “No começo eu não entendia por
quê. Depois, fiquei sabendo que os representantes
do Irã na ONU só podem se movimentar até 25
milhas da sede, porque o país não tem relações
diplomáticas com a América. Em vez de pagar caro
e morar em Manhattan ou ficar na periferia, no
Bronx, eles moram em New Jersey. Quando voltam
ao Irã, toda conversa, todas as fotos são sobre a
cidade”. Farnell faz, de imediato, a piada clássica:
“Pelo menos alguém gosta de New Jersey!”.
Já do Brasil, todo mundo gosta. “Vocês são muito
sortudos por viverem aqui”, diz Bahari. “Que país
legal, quantas pessoas gentis! Hoje há boa economia, já houve ditadura e hoje tem plena democracia...” Num restaurante na Ponta da Praia, à beiramar, Farnell comenta, elogiosamente, que é a primeira vez que se senta num ambiente externo
desde setembro, descrevendo o clima rigoroso de
Toronto e comparando-o com o de outros países.
Bahari é apaixonado por futebol, particularmente o brasileiro. Já dirigiu um filme sobre a
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