Setor Sucroenergético Brasileiro
Transcrição
Setor Sucroenergético Brasileiro
SETOR SUCROENERGÉTICO BRASILEIRO, DE CASO DE SUCESSO MUNDIAL À CRISE 28/02/2014 - Dourados Agora Desde 2008 a agroindústria sucroenergética brasileira está em crise. De caso de sucesso mundial, que transformou o Brasil em modelo de uso de combustível verde, que construiu mais de 100 novas usinas em pouco mais de quatro anos, que interiorizou o desenvolvimento, gerando empregos e renda, que adotou a sustentabilidade como premissa básica, o setor estagnou. Se endividou, perdeu lucratividade, competitividade, fechou unidades e acabou sendo marginalizado pelo governo federal. Pesquisadores, representantes de entidades do setor, analistas de mercado, especialistas, gestores públicos e da iniciativa privada ouvidos pelo CanaNews sobre a crise, foram unanimes ao afirmar que um conjunto de fatores levou o segmento a situação atual e identificaram a crise econômica mundial de 2008, como um marco que desencadeou alguns dos principais problemas enfrentados pelo setor nos últimos anos. "A crise mundial, se pode dizer que foi o estopim. Cortou o fluxo de capital, provocou retratação de investimentos e vários projetos previstos para o setor acabaram sendo engavetados", recorda o presidente executivo da União dos Produtores de Bioenergia (UDOP), Antonio Cesar Salibe. Entretanto, o cenário global que trouxe reflexos para a economia brasileira como um todo não foi o único problema enfrentado pelo setor na área econômica-financeira. O diretor comercial para Açúcar e Etanol do banco Itaú BBA, Alexandre Enrico Figliolino, lembra que o segmento vinha investindo muito na construção de novas unidades, na ampliação e modernização das plantas que já estavam operando e ainda em mecanização e renovação dos canaviais. "Com a determinação do fim da colheita manual, houve uma mudança de paradigma no setor, que teve que investir pesado na compra de máquinas, capacitação de mão de obra para operar esses equipamentos e renovação doscanaviais, que têm de estar adaptados para esse tipo de colheita", explica. O diretor Executivo da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (UNICA), Eduardo Leão de Souza, diz que um cenário muito positivo na época fez com que o setor alavancasse tantos investimentos. "O consumo de etanol vinha crescendo muito no País. Além disso tínhamos a perspectiva da abertura de mercado nos Estados Unidos, que discutiam um ambicioso programa de uso de biocombustíveis com consumo previsto em 2020 de mais de 135 bilhões de litros, e na União Européia, que tinha previsão de que 10% da energia consumida no bloco viesse de fontes renováveis até essa mesma data", recorda. Além das questões econômico-financeiras, o presidente da Associação dos Produtores de Bioenergia de Mato Grosso do Sul (Biosul), Roberto Hollanda, comenta que o setor enfrentou neste período uma série de problemas climáticos que provocaram sucessivas quebras de safra, com redução de quantidade e qualidade da cana colhida. "Em um ano faltou chuva, em outro choveu em excesso e em um outro a chuva ocorreu em um momento inadequado. Especificamente em Mato Grosso do Sul também tivemos problemas com geadas. Fora isso, em alguns estados do Centro-Sul também ocorreram perdas em razão do ataque de pragas e doenças. Isso tudo afetou o setor, porque diminuiu a quantidade de matéria-prima disponível para a indústria produzir etanol, açúcar e cogerar energia. Diminuiu a rentabilidade do negócio", analisa. Entretanto, o cenário adverso enfrentado pelo setor não se resumiu a esses dois aspectos. O diretor da Archer Consulting, Arnaldo Luiz Corrêa, lembra que a indústria sucroenergética também vem sofrendo nestes últimos anos com a interferência política do governo, que vem mantendo de maneira artificial os preços da gasolina, o que tirou a competitividade dos preços do etanol. "O governo usa a formação de preços do combustível para controlar a inflação. Com isso comete dois erros. Compra gasolina mais cara no mercado internacional, porque a produção brasileira não atende a demanda, e vende mais barato no País. Dessa maneira prejudica o fluxo de caixa da Petrobras, que tem grande prejuízo com essa operação, e junto quebra o setor sucroenergético", comenta. Segundo dados da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), em 2009, o etanol hidratado chegou a representar 39,32% do total do combustível utilizado para abastecer os carros de passeio e motocicletas do ciclo otto no País, o que significou a comercialização de 16,470 bilhões de litros. Nos anos seguintes, entretanto, com a perda de competitividade do biocombustível, o consumo e sua representatividade no bolo de vendas foi caindo. Em 2010 foram 15,074 bilhões de litros vendidos, em 2011 foram 10,889 bilhões de litros e em 2012 foram 9,850 bilhões de litros. Nesse ano a participação do etanol chegou a apenas 19,33% do consumo total dos veículos do ciclo otto, menos da metade da participação registrada em 2009. Somente no ano passado, as vendas do etanol hidratado voltaram a crescer no País, e em níveis discretos. Em volume o incremento foi de 9,81%, chegando a 10,816 bilhões de litros, e em representatividade foi equivalente a 20,72%, do total do consumido por automóveis e motos, conforme dados da ANP. Sobre essa política de manutenção artificial do controle dos preços da gasolina, o diretor executivo da Unica, lembra que um dos grandes problemas foi o fim da diferenciação tributária que existia entre o combustível fóssil e o biocombustível, por meio da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide). Ele explica que até 2007 eram recolhidos R$ 0,28 por litro de gasolina referentes à Cide, mas que a partir desse ano o governo federal passou a utilizar o tributo para impedir que aumentos nos preços da gasolina e do diesel chegassem ao consumidor, até que em 2012, o imposto sobre o combustível fóssil foi zerado, o que contribuiu diretamente para a perda de competitividade do etanol. O professor de Estratégia e Planejamento da Universidade de São Paulo (USP), Marcos Fava Neves, destaca que outro aspecto da área política que vem afetando o setor sucroenergético é a falta de um planejamento a curto, médio e longo prazo para o segmento e ainda a inexistência de uma definição clara quanto ao papel do etanol na matriz energética brasileira. "Falta essa agenda pública, com ações estruturadas", afirma. Em razão de todo esse contexto de problemas econômico-financeiros, climáticos e políticos, Eduardo Leão, da UNICA, lembra que aproximadamente 40 usinas sucronergéticas deixaram de moer nas últimas duas safras, de um total de cerca de 440 no País. De acordo com Alexandre Figliolino, levantamento feito pelo Itaú BBA após o encerramento da safra 2012/2013, apontou que das empresas e grupos sucroenergéticos brasileiros, 12%, em razão das dívidas e problemas financeiros já estava totalmente sem acesso a crédito, outros 25% estavam em situação de risco, com grande endividamento e 63% ainda estavam com bom acesso ao crédito. "De um modo geral, o setor está devendo uma safra, o que deve representar no fechamento deste ciclo entre US$ 65 bilhões e US$ 70 bilhões", comenta o diretor do Itaú BBA. O coordenador de Açúcar e Álcool, do Departamento de Cana-de-Açúcar e Agroenergia, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), Cid Jorge Caldas, diz que o governo federal tem trabalhado para ajudar o setor a sair dessa situação e citou como exemplos de medidas adotadas os recursos disponibilizados via Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (Bndes) para a estocagem de etanol (warrantagem), com uma linha de R$ 2 bilhões em 2013, do qual foram utilizados R$ 1,4 bilhão, e ainda uma outra para renovação de canaviais, o Prorenova, que ofertou R$ 4 bilhões, dos quais foram contratados R$ 2,4 bilhões. Caminho para sair da crise O diretor executivo da UNICA destacou que as medidas de curto prazo adotadas pelo governo, como o crédito para estocagem e para a renovação dos canaviais e a desoneração do PIS/Cofins em R$ 0,12, anunciada em 2013, ajudaram o setor, mas não resolveram o problema. "O setor precisa de medidas estruturantes, que vão permitir que se retome o crescimento a médio e longo prazo. Precisa do diferencial tributário que reconheça as externalidades positivas do etanol, como a redução de emissão de gases do efeito estufa com o seu uso e o estímulo a um combustível genuinamente brasileiro, em que a produção emprega mais de um milhão de pessoas e beneficia mais de mil municípios por todo o País". Rui Chammas, presidente da Biosev, um dos principais grupos sucroenergéticos do País, aponta que o setor precisa de um conjunto de medidas para superar o atual momento. Uma das ações, conforme ele, é a correção da disparidade do preço da gasolina e o aumento da demanda por etanol. "Também é necessário reduzir custos de investimento, produção e escoamento de produtos. É fundamental que a indústria siga se modernizando e buscando competitividade em todas suas operações, mas é também essencial que se encontre formas de incentivar a produção, com medidas que ajudem a reduzir custos e que se amplie a disponibilidade de financiamentos para o setor, passando também por ações que auxiliem na redução dos custos de logística e distribuição", avalia. O diretor comercial para Açúcar e Etanol do Itaú BBA aponta que também é preciso que o governo sinalize de forma clara qual o papel do etanol e também da bioeletricidade, que o setor produz, na matriz energética brasileira. "Com isso expresso é possível fazer o planejamento a médio e longo prazo e o setor começar a se movimentar para retomar os investimentos. Também é necessário que se restabeleça a confiança no setor. Hoje, o País está a beira de uma crise de energia e o setor tem uma grande geração de energia de biomassa, mas essa capacidade é subaproveitada porque concorre em condição de desigualdade com outras fontes. Está mais próxima dos grandes centros, se gastaria menos com transmissão e de quebra ajudaria a melhorar a competitividade do etanol", afirma. Já o presidente da Biosul aponta que o setor precisa também ter suas demandas analisadas com "boa vontade" pelo governo federal e avalia que para que isso ocorra é necessário uma mudança de mentalidade. "Hoje o governo sinaliza que não aposta no etanol, não aposta no setor, é preciso rever isso", destaca, ressaltando ainda a necessidade de investimentos na melhoria da logística e da infraestrutura, o que aumentaria a competitividade do segmento. O professor Marcos Fava Neves, por sua vez, defendeu ainda a necessidade da continuidade de investimentos em tecnologia e na redução de custos. "Na agenda privada é necessário o setor continuar a investir em tecnologia, porque é isso que vai aumentar sua produção. A tecnologia do melhoramento genético da cana, por exemplo, vai possibilitar um aumento de produtividade mais rápido nos canaviais e na indústria e a redução dos custos de produção", aponta. Futuro No panorama atual, Alexandre Figliolino, aponta o setor como um dos piores investimentos do País, tendo o que ele chamou de a combinação ideal para afastar capital, ao apresentar grande nível de incerteza com relação ao seu futuro e baixa remuneração. "Hoje tem riscos elevados, grande monitoramento do aspecto ambiental ao trabalhista, além de demandar um investimento alto, de US$ 120 a US$ 139 por tonelada de cana, e oferecendo, em contrapartida, taxa de retorno de média a baixa, para as empresas que estão muito ajustadas, chegando até a negativas para as outras", comenta. Ele aponta que se a conjuntura não se alterar, o setor nos próximos anos vai voltar a crescer no mesmo patamar do registrado antes do fenômeno dos carros flex, no início dos anos 2000, ou seja, em torno dos 2,2% a 2,3% ao ano. "O setor vai crescer, mas em ciclos pequenos e sem continuidade. O País vai continuar a ser um dos principais players mundiais na produção de açúcar, mas o futuro do etanol vai depende das políticas públicas. A tendência é que o combustível não tenha uma participação tão importante na matriz energética. Também pode ocorrer uma anidritização, com o aumento da mistura [de etanol na gasolina] chegando até a 30%, o que pode fazer com que o hidratado até mesmo desapareça", alerta. Por sua vez, o diretor executivo da UNICA avalia que se a conjuntura permanecer inalterada dificilmente novas usinas serão construídas no País. "O setor vai continuar a investir para reduzir custos e melhorar a competitividade, mas novos investimentos [em plantas industriais] não vão acontecer", comenta, explicando que também deve ter continuidade um movimento que já vem ocorrendo, o da consolidação do setor, em que grupos que estão com situação financeira mais equilibrada, se aproveitando de oportunidades do mercado, comprem os ativos de empresas que estão em dificuldades. Arnaldo Corrêa, da Archer, não aposta em um novo ciclo de consolidação no setor. "Hoje a realidade é bem diferente daquela registrada entre 2005 e 2007, quando ocorreu um ciclo de consolidação. Atualmente o valor dos ativos está em baixa em razão da situação do setor e as empresas e grupos que poderiam comprar analisam além da oportunidade de negócios o quanto esse ativo que seria adquirido pode agregar efetivamente ao seu negócio", diz. Já o presidente da Biosul e o professor Marcos Fava Neves acreditam que os fundamentos econômicos vão ajudar o setor a sair deste momento de instabilidade. "A expansão do consumo de etanol no Brasil faz todo o sentido. A expansão do consumo de açúcar no mundo também, porque a China e a Índia, por exemplo, estão colocando milhões de pessoas na classe média, e essas pessoas vão consumir mais alimentos, mais açúcar. Além disso, o Brasil precisa de eletricidade para crescer e o setor sucroenergético é a alternativa mais prática, mais rápida e mais eficiente. Essa necessidade vai acabar alavancando o setor. Quando você tem esses fundamentos, mais cedo ou mais tarde vai acontecer. Pode ser daqui a dois anos, daqui a quatro anos, mas vai acontecer", ressalta. O presidente das Biosev também se mostra otimista. "No longo prazo, a perspectiva é positiva para a indústria, pois as margens devem se recompor para patamares mais favoráveis, à medida que se reduz o excesso de oferta. No que diz respeito a investimento em capacidade adicional no setor, nos moldes do que ocorreu no início da década, acredito que isso só deve voltar a ser uma possibilidade forte quando houver mais clareza sobre a política de preços dos combustíveis praticada pelo governo e pela Petrobras", analisa. O CanaNews entrou em contato com a assessoria de imprensa do Ministério das Minas e Energia para abordar a questão da crise do setor sucroenergético e os vários aspectos levantados pelos entrevistados na reportagem, mas até o fechamento da matéria não obteve o retorno dos seus questionamentos.