Jardim São Manoel

Transcrição

Jardim São Manoel
PRIMEIRO TEXTO
Especial Comunitário - Jardim São Manoel
Jornal Laboratório do 4º semestre de Jornalismo (FaAC) - Noite - Dezembro 2012
Matheus José maria
Um bairro, duas realidades
Às margens da via Anchieta, o Jardim São Manoel mostra características
distintas no mesmo núcleo. A parte mais antiga – na entrada - é urbanizada
e asfaltada. Situação oposta à área ocupada a partir dos anos 90, que se
ressente de infraestrutura e qualidade de vida aos seus moradores.
gilda lima
Jornal Comunitário
DEZEMBRO 2012
Jardim São Manoel
Um bairro e vontade de mudanças
Na primeira aula do jornal Primeiro Texto, os professores nos falaram que participaríamos do projeto de um jornal comunitário. O ano
foi passando e a nossa vontade de começar o trabalho foi aumentando, até que no dia 22 de setembro ele começou a tomar forma.
Nosso primeiro contato com a realidade do Jardim São Manoel ocorreu durante reunião na faculdade, com uma assistente social e uma
psicóloga da Prefeitura, que atuam no local, Mônica e Luciana,respectivamente.
Uma semana depois fomos ver de perto a rotina do bairro, seus moradores, os problemas, suas histórias, sonhos e esperanças. Para
contar com precisão fomos mais vezes na comunidade e nos envolvemos com a hospitalidade e a confiança que os moradores nos depositaram. Na escola do bairro, marcamos nosso ponto de encontro, um ótimo lugar para trocas de conhecimentos.
Com entrevistas e pesquisas, as matérias foram produzidas e a história do jornal escrita. Como não se emocionar com a mãe que
perdeu seu filho afogado no mangue? Com a senhora que tem o sonho de abrir uma escolinha para ajudar as mães do bairro? Com a
moradora, que por ser a mais antiga do bairro, que confunde o crescimento pessoal com o crescimento da comunidade?
Vivenciamos o ambiente e conhecemos dados e impressões da rua de terra batida,do esgoto a céu aberto, do risco das palafitas.Mas
também das ruas asfaltadas, um comércio crescente e pulsante e um clima de comunidade, daquela que entende o que é ser solidário.
Mais do que aprender a produzir um jornal comunitário, reafirmamos nosso compromisso com a população, ouvimos os que não têm
voz para o resto da cidade. Esses ensinamentos não se aprendem na sala de aula, só vivendo a experiência de conhecer uma realidade
diferente a que se está acostumado. Permitimos-nos sair da nossa zona de conforto e o resultado foi maravilhoso. Ampliamos nossos
limites e avançamos mais um passo na tomada de consciência do objetivo social do Jornalismo.
Por trás do Primeiro Texto Comunitário
Professores e alunos em momento de visita à comunidade: amizades e entrevistas
Nicole Siqueira
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Foram três meses de
dedicação e trabalho para
a edição do PT Jardim São
Manoel sair com perfeição.
Foi uma chance de colocar
em prática o que aprendemos nas aulas, mas também nos divertimos e conhecemos uma realidade
diferente do nosso cotidiano. Confira os relatos de
três alunos-jornalistas:
“Achei muito válida a experiência de entrar em um
local praticamente fora de
limites para muitos. Ver
em primeira mão as dificuldades, a falta de saneamento e de uma moradia
digna de muitas famílias.
Pessoas decentes tendo
de conviver com riscos
diversos, mas que têm
esperança de melhoras.
Nossa presença lá parecia
reavivar neles essa esperança e, por isso, alguns
falaram do que tinham de
falar, sem medo. Espero
que haja algum bom resultado desse nosso trabalho. Para isso, devemos
fazer o melhor possível
para passar adiante o que
vimos, ouvimos e o que
percebemos pelo que não
foi dito” - Mara Menezes
“O projeto tinha
como intuito conhecer e
divulgar a realidade de
uma comunidade. Nisso
eu acho que conseguimos
acertar. Mas, pessoalmente, eu queria ter mais tempo para me aprofundar.E
xistem muitas coisas no
São Manoel que precisam
de atenção. Seria ótimo
ter um semestre todo para
visitar, conhecer mais e
fazer um trabalho digno
do que aqueles moradores
necessitam. Ainda assim,
gostei muito de ter participado. Fiz amizades com
duas pessoas maravilhosas, verdadeiros ícones de
um bairro tão simples e
tão diferente do restante
de Santos que é divulgado
pela imprensa e Prefeitura” - Rafael Correa.
“Eu gostei. Colocou em
evidência todas as coisas que aprendemos na
universidade: entender
todos os lados, não tomar partido e contar a
verdade. Além de tudo,
serviu para conhecermos
a realidade que está fora
do nosso cotidiano”- Jackeline Sá
Expediente
PRIMEIRO TEXTO é o jornal laboratório do Curso de Jornalismo. Redação, edição e diagramação dos alunos do
2º ano de Jornalismo do período noturno
Diretor da FaAC: Humberto Iafullo Challoub.
Coordenador de Jornalismo: Prof. Dr. Robson Bastos.
Professores Responsáveis: Prof. Fernando Claudio Peel
(diagramação), Prof. Dr. Fernando De Maria e Prof. Ms.
Luiz Carlos Bezerra (textos).
Editores: Carolina Kobayashi, Gilda Lima, Mayara Sampaio, Rafael Aguiar, Rafael Correia e Rafaella Martinez.
Editora de imagem: Gilda Lima.
Diagramadores: Alexa Flambory, Camilla Laranjeira, Carla
Monteiro, Carol Huerte, Carol Kobayashi, Caroline Souza,
Jackeline Sá, Jean Sgarbi, Jéssica Bittencourt, Jéssica
Santos, João Diwan, Juliana Justino, Lucas Martins, Luis
Varela, Luiz Antunes, Mara Menezes, Mayara Barbosa,
Mayara Sampaio, Marielly Fresanso Natasha Albert, Nathamy Lopes, Nicole Siqueira, Rafael Aguiar, Rafael Correia, Rafaella Martinez, Rafaella Martinez, Raphael Rinaldi, Thamirys Teixeira e Wellington Vasconcelos.
O teor das matérias e artigos são de responsabilidade de seus autores
não representando, portanto, a opinião da instituição mantenedora.
Jornal Comunitário
DEZEMBRO 2012
Jardim São Manoel
Mais de meio século de
alegrias e dificuldades
Nicole Siqueira
O Jardim São Manoel
começou a surgir em fins
da década de 1950 quando começaram a venda
dos primeiros lotes. E, para
homenagear o genitor, Manoel de Souza Varella, os
irmãos Varella deram seu
nome ao lugar.
Para se chegar até o
bairro, de automóvel, era
indispensável passar pelo
Casqueiro, no município
vizinho de Cubatão. Lá se
fazia o retorno para pegar
a pista descendente da Via
Anchieta, a única que dava
acesso ao núcleo.
Dona Evaldete Melo
Cardoso é a moradora
viva mais antiga do bairro. Oriunda do Nordeste
mudou-se para o núcleo
em 1961, com o marido e
seus dois filhos. Na época,
o local tinha uma infraestrutura precária, com luz só
em um poste que ficava no
escritório da empresa que
vendia os lotes. Não existia
comércio nem asfalto. Os
moradores tinham que passar por lama e prevenidos
levavam um par de sapatos
para trocar depois.
O pão era trazido por um
padeiro português, que os
colocava numa caixa e o
pagamento dos moradores
era mensal. Isso até a inauguração da primeira padaria, que existe até hoje, impulsionando o comércio no
São Manoel. Para realizar
as mudanças dos novos
moradores, os caminhões
eram puxados por tratores
para não atolarem na lama.
Para ter acesso a serviços básicos, os moradores
iam até o centro da Cidade.
Quando o filho mais velho
entrou na Escola Municipal
Mário Almeida Alcântara,
no Valongo, Evaldete tinha
que deixar o filho mais novo
sozinho em casa.
O sofrimento dela e das
outras mães do bairro acabou em 1965, quando uma
das moradoras, dona Olívia
Vieira Domingos, abriu uma
escola improvisada em sua
casa e com a ajuda de Be-
após a eleição do prefeito
Oswaldo Justo, que durante a campanha prometeu
aos moradores que se ganhasse asfaltaria o Jardim
São Manoel.
A promessa surgiu depois que o presidente da
Sociedade de Melhoramentos, Antônio Francisco Cardoso, marido de Evaldete,
colocou uma faixa na entrada do bairro, meses antes
da eleição municipal, com
os dizeres: “Candidatos, o
Jardim São Manoel pede
socorro!”
Durante o mandato de
Justo, o bairro foi classificado como área residencial, mas no governo de
Telma de Souza, em 1989,
Mapa da divisão da comunidade do Jardim São Manoel
HISTÓRIA
Famílias diferentes,
objetivos comuns
Caroline Souza
nedito Pedro Domingues e
do presidente da Associação de Moradores do Jardim São Manoel conseguiu
uma parceria com o Sesi
e duas professoras passaram a lecionar nas salas
de aula improvisadas na
casa da Rua 622, nº 184.
Em 1967, a escola recebeu
um prédio novo e foi transferida para a Rua Nicolau
Moran, 21, com o nome de
Grupo Escolar São Manoel.
Mais tarde, passou a chamar-se Escola Estadual de
Primeiro e Segundo Graus
Dr. José Carlos de Azevedo
Junior, atualmente municipalizada e única escola do
bairro, que atende até a 9ª
série.
Aos poucos o bairro foi
se desenvolvendo e crescendo, num processo lento,
pois o Jardim São Manoel
era esquecido pelos governantes. Evaldete lembra
que quando sua filha nasceu o bairro sofria menos
com a infraestrutura, mas
o que faltava era o asfalto, que chegou, em 1984,
DIVULGAÇÃO
barraco ainda era de madeira
e em cima de palafitas. “Meu
marido decidiu se mudar, pois
não estávamos conseguindo
pagar o aluguel. No começo
a gente não queria vir. Eu não
queria morar em um barraco
de madeira, na lama. Mas era
necessário, por isso decidi-
mos ficar só por um tempo até
a situação melhorar”.
Hilda conta que só havia
um caminho e ninguém acreditava que o bairro melhoraria.
A luz vinha do outro lado do
mangue, os moradores pagavam para os donos das casas
para puxar a fiação. “Era comum estarmos assistindo TV
e de repente a luz apagar, pois
quando chegava a conta alta,
os donos das casas decidiam
cortar os fios”. O bairro mu-
“Apesar de tudo, o São
Manoel é um lugar bom para
morar”. Com essa frase, a diarista Hilda Costa, 48 anos, parece resumir o sentimento de
muitas famílias que moram no
local. O Jardim São Manoel
possui 4553 habitantes e 1263
CAROLINE SOUZA
domicílios, com uma média de
3,6 moradores por domicílio,
segundo censo do IBGE de
2010. No entanto, ele se divide em dois núcleos distintos.
O primeiro é formado pelos moradores mais antigos
do bairro, fundado no fim dos
anos 50. Já o núcleo existente no final do São Manoel, na
área do mangue, surgiu a partir do início dos anos 90. Na
prática, porém, as residências, especialmente do segundo núcleo, abrigam bem mais
pessoas que as estatísticas
afirmam. É o caso de Hilda.
Ela teve quatro filhos. Um
casou-se e mudou-se para
outra casa no bairro. Atualmente, moram ela, o marido,
duas filhas, uma de 27 e outra de 14 anos, um filho de 12
e cinco netos, todos filhos da
mais velha.
Há 17 anos, quando saiu do
Morro São Bento para morar
no São Manoel eram apenas
ela, o marido e dois filhos. O Ketylin Paz e seu filho em frente à casa onde moram
dou, veio luz, água e asfalto.
A casa de Hilda está aterrada,
o antigo barraco de madeira
agora é uma casa de alvenaria, que está sendo reformada
para dar mais conforto para
as crianças e a diarista não
pretende mais sair do bairro.
“Passei por momentos bons e
ruins aqui, mas hoje não me
arrependo de ter vindo para
cá. É um bairro bom e as pessoas se ajudam bastante”.
Todas as famílias que moram na parte onde há palafitas estão inscritas no programa da Cohab, mas Hilda não
tem a intenção de se mudar.
“Na minha casa só eu e meu
marido trabalhamos. Nós ganhamos pouco e gastaríamos
muito em um apartamento”.
De acordo com a assistente social Mônica Bertan,
é comum as famílias que são
contempladas com imóveis
voltarem para a favela. Segundo Mônica, 90% das famílias que residem no bairro
estão dentro da linha da pobreza, ou seja, a renda mensal per capita está entre R$
70 e 140.
Esse é um dos motivos pelos quais mais de 90% das
famílias são contempladas
por programas de transferência de renda. O principal é o
Bolsa-Família, mas há também o PNF (Programa Nossa
Família), o Renda Cidadã e o
Ação Jovem. Com exceção
do Bolsa-Família, os programas precisam de um planeja-
essa classificação foi retirada.
Com isso, empresas começaram a se instalar no
bairro, trazendo vários
transtornos para os moradores, como o grande número de caminhões nas
ruas do núcleo.
As invasões de terras
também surgiram na mesma época, com o aterro
dos manguezais e o início
da ocupação do núcleo a
partir da escola municipal.
mento e são apenas por um
período de, no máximo, 36
meses.
Segundo Mônica, muitas
famílias se sustentam apenas com essas bolsas. É o
caso de Cláudia Gonçalo, de
28 anos. Cláudia é mãe solteira, não trabalha e sustenta
os quatro filhos com o auxílio
o Bolsa-Família do Governo
Federal. Ela nasceu em São
Paulo, mas quando tinha oito
anos seus pais decidiram se
mudar para o Jardim São
Manoel. Assim como Hilda,
Cláudia não pretende se mudar do bairro. “Eu não teria
condições de morar em outro
lugar. Só consigo sustentar
a casa com o Bolsa-Família,
pois aqui eu não pago nada,
nem água, luz e aluguel”.
De acordo com Mônica
Bertan, não há muita migração de casais de outras localidades para o bairro. “A
quantidade de famílias que
não conhecem alguém no
bairro e se mudam para cá é
mínima”, afirma.
A jovem de 16 anos, Ketylin
Paz, mora no bairro há um
ano e seis meses. Ela saiu da
casa da mãe, no Quarentenário, em São Vicente, para morar com o namorado no São
Manoel. Os casal tem um filho
de nove meses, mas não recebe ajuda do governo. Quem
sustenta a casa é o namorado, de 19 anos, e a avó dele,
que apesar de não morar com
eles, ajuda nas despesas.
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Jornal Comunitário
DEZEMBRO 2012
Jardim São Manoel
Direitos iguais, sortes opostas
MATHEUS MARIA JOSÉ
Mara Menezes
Caminho da União é
uma rua asfaltada aos fundos do bairro com uma extensão de pelo menos um
quilômetro adentro do que
seria a última propriedade
de situação legalizada da
parte chamada bairro. Daí
para dentro é designada
como “favela” pelos moradores do núcleo por se tratar de ocupação feita sobre
a área de mangue. Vários
becos cruzam a Caminho
da União. Olhando-os da
rua, os fundos se estendem
a perder de vista. Barracos
são praticamente empilhados uns sobre os outros,
com poucos centímetros
separando as paredes.
Assim, sucessivamente,
dezenas de barracos se
dispõem de ambos os lados dos becos com largura
de passagem insuficiente
para duas pessoas lado a
lado.
Josimara Maria Santos,
24 anos, é casada com Valério Batista dos Santos,
33, e juntos têm um filho,
Carlinhos, de 7 anos. A família veio da Bahia há três
anos em busca de trabalho
e uma vida melhor e vive
ao fundo de um desses becos em uma palafita sobre
o mangue.
Ao longo do estreito corredor aterrado de barro até
a metade várias crianças
correm de um lado para o
outro gritando e brincando
despreocupadamente. Fezes de cachorros marcam
suas pisadas no chão barrento.
Cerca de 30 metros
adentro termina a parte
aterrada e continua uma
extensão da passagem estreita construída com pedaços de tábuas e restos de
compensados de madeira
sobrepostos perigosamente sobre estacas enfiadas
na lama do mangue, com
falhas e vãos grandes o
bastante para se enfiar um
pé de um pedestre desatento.
Em outras partes, conforme se pisa neles, fica a
impressão de que irá ceder a qualquer momento
sob pressão do peso de
uma pessoa. E assim, vão
cobrindo a extensão adentro por mais uns 15 metros
conduzindo familias, como
a de Josimara e Valério, as
suas moradias suspensas
sobre a mesma armação
feita de estacas, caibros e
madeirite acima do mangue.
Lá embaixo, porém, não
se vê a lama fina, própria
de um mangue, com peque-
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A cobertura com telhas de zinco esquenta no verão, enquanto as paredes de madeirite se desfazem sob a ação do tempo
WELLINGTON VASCONCELOS
balha como ajudante de
pedreiro e ganha cerca de
R$800 por mês. Jucimara é dona de casa.
Seu
maior sonho é construir
sua própria casinha, mas o
salário atual do marido não
tem sido suficiente para
concretizar seu sonho,
pois mal cobre despesas
básicas como alimentação
e transporte. Na cozinha
nenhum luxo.
OUTRO LADO
Lixo acumulado junto às palafitas: cena comum no local
nos caranguejos e outras
criaturas que são naturais
desse habitat. O mangue
é inteiramente coberto com
camadas sobre camadas
de lixo. Há de tudo que
se possa imaginar: sacolas plásticas, garrafas pet,
pneus velhos descartados,
sofás velhos, restos de
móveis e colchões de espuma. Segundo Josimara,
quando sobe a maré, o lixo
é erguido quase à altura da
passarela.
A família paga R$200 de
aluguel por um barraco com
um quarto, sala, cozinha
e um banheiro construído
com tábuas de compensado, já se desfazendo pela
ação do tempo. O piso é
de madeira e é coberto
com telhas de brasilite que
esquentam absurdamente
sob o sol forte. O barraco
tem água encanada e luz
com instalação clandestina, o popular `gato`.
O banheiro, pequeno,
possui um chuveiro elétrico e um vaso sanitário. Os
encanamentos hidráulicos,
bem como de todos os barracos da favela, são descarregados
diretamente
sobre o mangue. À noite,
baratas e outros insetos se
assanham com o calor e
passeiam pelos vãos entre
as tábuas do chão, saídos
de ninhos das camadas
desfolhadas dos compensados que fazem as paredes do imóvel, enquanto
ratos passeiam pelos caibros que sustentam as telhas. “Não se pode deixar
nenhuma comida fora da
geladeira”, reclama Josimara.
Valério, seu esposo, tra-
Uma outra realidade encontrada também no Jardim São Manoel se reflete
na pessoa de uma outra
mulher. Mãe e esposa batalhadora e bem equilibrada, Ana Cléia Ferreira de
Assis Silva, 40 anos, vive
com sua família em um
lindo sobrado cor de rosa
com três quartos, uma suíte, uma sala e uma cozinha grandes, com quintal
e um jardinzinho, cercada
com todo conforto na parte
urbanizada do bairro. Com
um endereço legítimo, ela
dispõe de água encanada,
serviço de esgoto, luz elétrica, TV a cabo e internet,
tudo legalmente conforme
os direitos de todo cidadão. Porém, os benefícios
não chegam de graça.
Graças ao seu próprio
esforço, Ana Cléia conseguiu participar do programa
Escola da Família em que
milhares de universitários
de todo o Estado de São
Paulo dedicam seus finais
de semana ao programa e,
em contrapartida, têm seus
estudos custeados por um
dos maiores projetos de
concessão de bolsas de
estudo do País, realizado
em convênio com instituições particulares de Ensino Superior - o Programa
Bolsa Universidade. Com
isso, ela cursa Pedagogia
na UNIP.
Comunicativa e desenvolta, ela relata como, juntamente com seu esposo,
Aldomiro, 48 anos, policial
rodoviário,
construíram
suas vidas no bairro que,
segundo ela, costumava
ser exclusivamente residencial e muito tranquilo
anos atrás.
O sobrado é bem construído. “Ainda em fase de
acabamento” diz ela com
humildade. Foi realizado
ao longo de anos de trabalho em que Ana Cléia, com
um espírito inquieto, se
dispôs a trabalhar em uma
série de pequenos empreendimentos que lhe renderam, juntamente com o trabalho de seu esposo, uma
vida razoavelmente boa.
Ali mesmo, no bairro, vivem, cercados de conforto, com seus dois fillhos
Leonardo e Danilo, de 14 e
11 anos, respectivamente.
Bem criados, os meninos
convivem bem com outras
crianças menos afortunadas do local, porém orientados sob uma família bem
estruturada.
Ambas mulheres, cidadãs brasileiras, com os
mesmos direitos, quase
vizinhas, ilustram realidades extremamente opostas
encontradas nesse bairro
típico da cidade de Santos.
HABITAÇÃO
Jornal Comunitário
DEZEMBRO 2012
Jardim São Manoel
Um bairro, duas realidades
Rafaella Martinez
C amila L aranjeira
O Jardim São Manoel
é um bairro de contrastes entre os moradores,
que vivem antes e após
a ponte próxima da escola José Carlos de Azevedo Jr. Mas o preconceito
também atinge o contato entre ambos. Segundo
o morador João Manoel,
que vive na comunidade
há 17 anos, a diferença
social é muito grande.
Segundo ele, foi feita
a mudança do presidente
do bairro na tentativa de
uma reaproximação, mas
o mesmo não teve sucesso. “Após mudanças
ainda assim somos vistos como empregados. A
comunidade mudou todo
o sistema de movimentação de comércio”.
O morador ainda disse
que o preconceito não é
somente visto pelos moradores e conta sobre um
caso em uma escola, “ Até
mesmo as professoras tratam as crianças da comunidade com indiferença.
Isso não pode acontecer”.
Morador da periferia,
Manoel nasceu em Santos,
veio do sul do País para visitar a cidade e acabou se
apaixonando pela beleza.
Questionado se queria sair
da comunidade”, reconhece “Foi uma promessa de
criança. Vim no intuito de
implantar um centro comunitário no local, mas
isso não foi possível. Pretendo sim sair daqui”. A
comunidade conta com o
apoio de verba da prefeitura e de empresas parceiras.
O morador acredita que
o bairro tem que se envolver e unir forças com
a periferia, pois tudo que
é feito reflete-se na sociedade. ”As pessoas
fazem julgamentos dos
jovens, como se todos
fossem de má influência
pelo convívio com o tráfico, explica.
A alternativa encontrada por ele é que assim
Parte de moradores da comunidade vivem em palafitas em cima do manguezal e do lixo, que prolifera em vários trechos
Matheus José Maria
como os moradores da
comunidade vivem presentes no bairro, por
conta de algumas atividades externas, as
pessoas do bairro deveriam vive em contato
com os moradores de
parte periférica da área
urbanizada.
No bairro
A moradora D.C. reconhece o preconceito “ Não
vou dizer que eu amo ir
à comunidade, não acho
um ambiente agradável.
Porém, outros problemas
impedem os moradores
do bairro de frequentar a
comunidade segundo ela
“Em alguns momentos,
tenho que ir até à favela
para comprar um lanche.
“Quando vou, sempre sou
questionada o porquê estou lá e o que vou fazer”.
Ela se incomoda pela falta
de receptividade.
O que predomina além
dos problemas urbanos
é principalmente a falta de comunicação entre
A ponte próxima da escola separa moradores das duas realidades do Jardim São Manoel
HABITAÇÃO
ambos os lados. O trabalho entre a comunidade e
o bairro deveria ser mais
constante tanto pelos moradores quanto para os
governantes.
Talvez a forma como os
jovens e crianças são educados com a criação destas barreiras será dfícil
unir ambos os lados, para
o crescimento entre os
moradores do núcleo independente se estão antes
ou depois da ponte.
Adolescentes estão à espera de melhorias e opções
Luiza Ferreira
Os adolescentes do Jardim São Manoel têm reclamado de passar suas
noites e finais de semana sentados em praças
ou dentro de casa, pois
sua única área de lazer é a praça central do
bairro localizada às margens da Via Anchieta.
Esperam há anos pro-
messas por melhorias e
mais atividades. Em vão.
Como para chegar de
ônibus ao centro da cidade leva quase uma hora,
os jovens acabaram transformando uma creche do
bairro, que está desativada
há pelo menos sete anos,
em um salão de festa.
Sabrina Santos, de
19 anos, diz que quando chega à noite não há
o que fazer, e seu pedido
é que ao menos montem
uma praça ‘’do outro lado
da ponte’’, em alusão à ligação entre o bairro e o
núcleo popular, após a escola, para que os jovens
também não precisem
atravessá-la para poderem se divertir também.
A falta de áreas de lazer não é uma exclusividade dos adolescentes.
Os pequenos podem brincar duas vezes por semana no centro comunitário, e as crianças têm que
revezar a brinquedoteca
durante o período da tarde e o da manhã, além
dos brinquedos da praça
principal do bairro que,
segundo alguns moradores, só passam por reformas após os brinquedos
estarem bem velhos. No
LAZER
momento, eles apresentam condições razoáveis.
Mas para os adultos, há
o Bar do Seu Carmélio.
De acordo com proprietário, a diversão é garantida
no estabelecimento, que
fica aberto entre às 23h e
6h da manhã. Nele, pessoas de todo o bairro se
juntam para dançar forró
e participar de sua roda
de samba e baile funk.
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Jornal Comunitário
DEZEMBRO 2012
Jardim São Manoel
A maré enche e as lágrimas escorrem
Alexa Flambory
No fim da tarde de 7 de
abril de 2010, Rafaela Santos Gomes, na época com
17 anos, acordou e saiu à
procura de seu filho, Ruan
Vytor, de um ano e três meses, que não encontrou em
qualquer cômodo da casa.
Procurou nos vizinhos, mas
não o encontrava. O mangue estava com a maré
cheia. Rafaela entrou em
desespero. Os moradores
da comunidade saltaram
no mangue na tentativa de
encontrar Ruan. Estava escuro, pois já passava das
19h. Os moradores tiveram
a ideia de iluminar o local.
E ao dar luz ao escuro, encontraram Ruan Vytor, mas
já era tarde. Os bombeiros
passaram as instruções pelo
telefone, Ruan foi levado ao
hospital. Ele não resistiu ao
afogamento.
Ruan foi fruto de uma
gravidez planejada. Sempre foi esperto e agitado.
Começou a andar com 11
meses de idade e também
já falava. No dia do acidente, Rafaela diz ter deixado a
porta encostada com duas
tábuas, como de costume,
mas Ruan, esperto como
era, soube abrir a porta.
No dia do enterro de
Ruan, emissoras de televisão compareceram ao local
para realizar a cobertura.
Além de mostrarem o enterro, também filmaram
o local do acidente. “Eles
chegaram e falaram que
veriam o que podiam fazer
por nós, se era possível nos
tirar daqui, mas só no dia
do enterro, até hoje nada.
Não vieram mais, nem nos
ligaram”, conta Rafaela.
Os moradores vivem em
situação de vulnerabilidade e estão sujeitos diariamente a serem vítimas de
acidentes. Rafaela acredita
que o governo deveria dar
mais atenção para os moradores do Jardim São Manoel, principalmente os que
vivem nas palafitas e nos
barracos, que sofrem quando a maré enche. “Eles tinham que olhar por nós,
mas só dão atenção para
o Gonzaga. Não aconteceu
só com meu filho. Outras
crianças caíram, mas tinha
alguém para ver na hora”.
Apesar do fato, Rafaela
não tem vontade de sair da
comunidade, na qual vive
há mais de seis anos. Ela
sonha em sair das palafitas
e do barraco em que vive,
mas não pensa em sair do
núcleo. A jovem quer apenas ir para a parte asfaltada da comunidade, onde
é possível construir casas
com melhor estrutura e
correr menos risco de ser
ALEXA FLAMBORY
Josefa: nova perspectiva
do, entrou em desespero e
custou para ele acreditar na
verdade.
Rafaela: novo recomeço
vítima de acidentes.
Rafaela vive com Douglas Antonio da Silva, de 22
anos, há seis anos. Ele era o
pai de Ruan. Douglas é ajudante de pedreiro. No dia
do acidente, estava em São
Paulo com seu irmão fazendo um serviço. Ele ia para
São Paulo às segundas-feiras e retornava aos sábados. Um dos moradores
da comunidade ligou para
Douglas e pediu que ele e
seu irmão arrumassem as
malas, porque Ruan estava internado. O morador
não quis contar a verdade
para não traumatizar o pai.
Quando Douglas chegou e
soube o que tinha aconteci-
Nova chance para a vida
Rafaela está grávida de
cinco meses. Em outubro
de 2010 parou de tomar as
injeções de anticoncepcional para tentar engravidar
novamente. Um desejo dela
e do marido. “Ruan Vytor.
Amor só de mãe, Saudades
mil”, é a tatuagem que Rafaela fez na panturrilha da
perna direita, em homenagem ao filho que perdeu.
“Esqueci minha filha na
cama. Sai desesperada. Estava muito calor. Só peguei
minha bolsa”. É dessa forma que Josefa, atualmente
aposentada pelo INSS, relembra do incidente.
Segundo Josefa, os bombeiros chegaram em cerca
de 15 minutos e conseguiram apagar o fogo que atingiu cerca de 14 barracos de
madeira. Entretanto, a casa
de Josefa, como a de outros
moradores, foi totalmente destruída. Moravam sete
pessoas na casa, ela e seus
seis filhos. Todos tiveram que
ficar na casa de amigos durante o período de cinco meses até conseguirem reconstruir a casa que perderam.
Josefa comprou madeira,
os móveis, eletrodomésticos e aos poucos construiu
novamente seu lar. “Até
hoje não está como queria
que estivesse”, conta.
Os eletrodomésticos que
Josefa tinha na antiga casa
ainda não tinham sido pagos.
Segundo Josefa, a Prefeitura
deu uma cesta básica para
cada família que teve seu
barraco destruído pelo fogo e
ofereceu auxílio aluguel.
Apesar de já terem se
passado quatro anos, Josefa sente receio de passar
pela tragédia novamente. “Eu durmo preocupada
toda noite”.
MEIO AMBIENTE
Maré e o fogo
Pelo menos uma vez ao
ano a caixa de luz elétrica
da principal rua da comunidade pega fogo e os barracos são atingidos. Josefa
de Lima, de 49 anos, mora
na comunidade há mais de
uma década e teve sua casa
destruída há quatro anos.
Moradores e manguezal: uma relação pouco harmoniosa
Rafaella Martinez
6
“Sempre que a maré sobe
é a mesma coisa: a gente
sabe que a água vai entrar
em casa, vai sujar tudo e vai
trazer doenças. Sem contar
nos ratos e nas cobras que
fazem a festa na minha cozinha”. Dona Lígia Calixto fala
com a propriedade de quem
convive há mais de 16 anos
com os problemas e as incertezas do manguezal que corta
o Jardim São Manoel.
A situação se repete a cada
maré cheia. Dona Lígia reclama de todos os problemas
que a subida das águas causa
na vida da família: doenças,
constantes alagamentos nas
ruas, além do mau cheiro.
Já para a moradora Juliana
Ferreira, o maior problema
do manguezal é o perigo que
causa aos seus cinco filhos.
Além das constantes doenças, seu caçula já caiu acidentalmente no mangue. “Foi
no começo do ano. Ele tinha
dois aninhos. A maré encheu
e ele se desequilibrou e caiu.
A sorte é que a gente conseguiu socorrer rápido e ele só
precisou levar alguns pontos
na cabeça”.
A reclamação de Patrícia Sil-
va já é outra. Ela afirma que
o maior problema de morar
em cima do canal é a baixa durabilidade da madeira.
“Moro no São Manoel há dez
anos e já perdi as contas de
quantas vezes precisei trocar
a madeirite. Quando a maré
sobe, não chega a entrar em
casa, mas apodrece a estrutura”, reclama.
Análise
O manguezal é um ecossistema que surge entre a transição de água com ambiente
terrestre e sua principal função é ser a base da cadeia alimentar.
“O manguezal produz alimentos a partir de detritos e
com isso surge todo um ciclo.
O caranguejo que se alimenta dos detritos é consumido
pelo peixe, que por fim, serve de alimentação para os
seres humanos. Destruindo o
manguezal, o homem estará reduzindo uma infinidade
de recursos naturais e como
tendência pode até diminuir
a pesca”, afirma o biólogo
João Miragaia.
De acordo com o profissional, é um engano dizer que o
manguezal é poluído. “O que
ocorre é que a área exala um
odor desagradável, devido a
matéria orgânica sendo decomposta por bactérias que,
durante este processo, liberam substâncias como enxofre. Porém, isto não quer dizer que a área é insalubre”.
ALEXA FLAMBORY
A placa de proibido jogar lixo não tem surtido efeito
O professor acredita que
os detritos gerados pela ação
humana no ecossistema são
os maiores responsáveis
pela poluição. “O esgoto e o
lixo acabam por se tornar os
maiores vilões. Quanto ao
esgoto, o meio ambiente até
consegue depurar matéria orgânica, mas quanto aos resíduos sólidos, o processo demora muito tempo”.
Miragaia ressalta ainda que
o manguezal é uma área de
proteção permanente, que
não pode sofrer interferência
humana, a não ser em raras
exceções. “O que acontece
é que em determinado momento uma árvore morre e a
natureza já se encarrega de
colocar outra no lugar. Com o
lixo jogado, a árvore morre e
não ocorre regeneração, pois
as plantas são sufocadas pela
poluição”, finaliza.
Prefeitura
De acordo com a assessora de imprensa da Cohab,
Daniela Rucio, a cooperativa
está trabalhando com urgência para solucionar a questão
das pessoas que residem nas
palafitas do Dique do Jardim
São Manoel.
A Prefeitura de Santos, em
parceria com os governos
estadual e federal, conseguiu verba para a construção de cerca de 205 unidades habitacionais, que
serão direcionadas para as
famílias do local.
A assistente técnica de
meio ambiente da Cohab,
Ana Paula Campos, afirma
que o primeiro passo para
mudar a realidade dos
moradores é a retirada
da população da área do
mangue e a recuperação
do local. “É necessário fazer todo um trabalho social: construir moradias,
remover as famílias das
áreas críticas e recuperar
o meio ambiente”.
Quanto a questão do lixo,
Ana Paula cita que medidas estão sendo tomadas,
como a limpeza do manguezal pelo projeto Catamarã, porém, mais do que
a limpeza, é necessária a
conscientização dos moradores. “O maior problema
do manguezal atualmente
é a questão do lixo. Eles já
estão habituados a não andar até a rua para depositar o lixo nas lixeiras. Tudo
o que é gerado dentro das
casas vai parar na água”.
Jornal Comunitário
DEZEMBRO 2012
Jardim São Manoel
Dói no bolso e não satisfaz
gilda lima
Vinícius Anselmo
Demora no tempo de
espera, desconforto e tarifa elevada (R$2,90) são
os maiores reclamações
dos usuários da única linha que serve o bairro, a
101. A espera em alguns
momentos chega até 40
minutos e a situação é
ainda pior aos finais de
semana e feriados, quando o número de ônibus é
ainda menor.
A relação custo-benefício é criticada pelos
moradores. É o caso do
comerciante Ednaldo da
Silva de Andrade. “A tarifa é cara pela demora e
pelo desconforto”.
Sua filha, Luana Lima
de Andrade, 16 anos, estuda na escola Azevedo
Júnior, na Vila Belmiro, e
faz esse trajeto todos os
dias. Ela leva em média
40 minutos para chegar
à escola. Ela embarca no
101 até o Terminal do Valongo e de lá em outra linha que serve o Canal 2.
Segundo o comerciante,
ela já esta acostumada
Única linha do bairro, a 101 limita as opções aos moradores, que chegam a esperar mais de 40 minutos para chegar ao Centro
e não ouve reclamações.
“Ela já se acostumou com
o caminho. Ela leva uns
40 minutos para chegar
à escola”.
Quem quiser retornar
do Centro para a comunidade utiliza a mesma
linha, que percorre a Av.
Martins Fontes (Saboó),
depois segue pela Avenida Marginal Anchieta
passando pelo bairro da
Alemoa e chegando ao
Jardim São Manoel.
A concessionária informa que a linha 101 dispõe
de 5 ônibus nos dias de
semana e 4 aos finais de
semana e feriados.
Transporte dificulta a Entre ruas estreitas, caminhões
vida dos moradores
se destacam na paisagem
Gabriel Tedesco
Para quem mora no Jardim São Manoel em Santos
e precisa utilizar ônibus
todos os dias, a situação é
bastante complicada. Segundo a funcionária pública Fernanda Mitisuzaki
dos Santos, o transporte é
um problema para os usuários. Para ela, o pouco
número de linhas que servem o bairro faz com que
a superlotação nos coletivos seja algo frequente.
“Algumas pessoas preferem caminhar um pouco
mais para poder pegar o
ônibus no ponto final e
“Como é um núcleo
com muitas pessoas
que usam transporte
coletivo, deveria
ter mais ônibus
disponíveis nos
horários de pico”
Fernanda
Mitisuzaki,
funcionária pública
viajarem sentadas”, conta
a moradora.
Fernanda mora a duas
quadras do ponto final, o
que é uma grande vantagem para ela, pois apesar
de serem cinco pontos no
bairro, os ônibus normalmente já saem lotados.
“Como é um núcleo com
muitas pessoas que usam
transporte coletivo, deveria ter mais ônibus disponíveis nos horários de
pico”, reclama a usuária.
Apesar de ter a opção
de pegar os intermunicipais que vêm de Cubatão, ela prefere aguardar
o municipal. “Os que vêm
de lá são mais caros, além
de terem o trajeto muito
limitado”. Ela acredita que
falte planejamento na logística da empresa. “Já
cheguei a ver dois ônibus
parados no ponto enquanto nenhum rodava pelo
bairro”, finalizou.
No local, já é possível
constatar o que foi descrito pela usuária. O ônibus
demorou 40 minutos para
chegar, o que fez com que
já partisse do ponto final
praticamente lotado.
Jackeline
Gilda Lima
sá
Ruas estreitas que mal
comportam os veículos.
Porém, em cada trecho há
um caminhão. Assim é a
paisagem urbana do bairro, que dispõe de terrenos
disputados por empresas de
logística e mecânica. O excesso de veículos, porém,
também traz problemas à
população. São elas que
trazem os caminhões para
o bairro, gerando dilema
entre os moradores e os caminhoneiros.
“Os caminhões são um
grande problema para nós.
Eles ficam estacionados
na frente da escola, praça
e em tudo quanto é lugar.
As crianças correm perigo,
pois usam os caminhões
para brincar”, conta Márcia
da Silva, 30 anos, moradora do bairro há 3 anos. Além
de servir de estacionamento para caminhões ativos,
alguns abandonados enferrujam e se desfazem nas
ruas. O uso abusivo das vias
publicas em forma de estacionamento virou discussão
constante entre os moradores. Muitos dos caminhonei-
Caminhões fazem parte da paisagem urbana do bairro
TRANSPORTE
ros residem no São Manoel,
dificultando ainda mais a solução do dilema. “Já ocorreram duas mortes por atropelamento de caminhões
aqui no bairro: uma grávida
e uma criança”, fala o presidente da Sociedade de Melhoramentos, (Edimilson de
Almeida Duarte) o Didi.
Solução
Segundo Regiane Cipriano dos Santos, membro da
Sociedade de Melhoramentos do bairro, a única atitude tomada para solucionar
o problema foi a criação de
credenciais para cada casa.
Com isso, apenas existiria
um caminhão por residência estacionado nas ruas e
maior controle dos veículos.
“Muitos filhos aproveitam-se da credencial do pai
para estacionar mais e mais
caminhões nas ruas. Com
isso, a credencial por morador perdeu o sentido”, explica Regiane. “Somos o único
bairro com esse credenciamento, mas ainda assim
torna-se difícil o controle”,
reconhece Didi.
7
Jornal Comunitário
DEZEMBRO 2012
Jardim São Manoel
Empresas: mais impactos
e menos relacionamento
Jean Sgarbi
O Jardim São Manoel
está localizado em uma
área estratégica para a
logística do transporte.
Não é a toa que o bairro conta com mais de 17
empresas, algumas clandestinas. O bairro fica
entre a linha de estrada
de ferro Santos/Jundiaí,
a Via Anchieta , via de
acesso dos caminhões
para São Paulo e o Rio
Casqueiro, fazendo ainda divisa com Cubatão.
Porém o impacto que essas empresas causam no
bairro tem sido considerável, alegam os moradores. Enquanto isso,
não são verificadas contrapartidas para a comunidade.
Elizabete Serrão Neço
Barros da Silva, moradora do São Manoel há 19
anos, conta que nunca
houve um empenho das
empresas em oferecer
algum curso ou ajuda.
Ela ainda acrescenta que
os apoios só acontecem
quando os moradores correm atrás para conseguir
algo. Essa ajuda, segundo a moradora, seria para
festas típicas, como as juninas.
Ainda na questão de
jean sgarbi
Conforme moradores, caminhoneiros param os veículos para fazer a limpeza dos veículos junto ao riacho contribuindo para a poluição no local
TRANSPORTE
impacto, a mesma moradora revela que já viu
por várias vezes caminhões estacionados ao
lado do riacho que passa
na entrada da comunidade. Elizabete conta que
os caminhoneiros param
os veículos ali para fazer
a limpeza dos caminhões,
piorando a qualidade do
riacho, que já sofre com
falta de saneamento básico, representando mais
um impacto ambiental.
Correndo na contra
mão, Ananias Alves da
Silva, que vive a alguns
metros da comunidade,
diz que as empresas “não
fazem diferença estando
ali”. Segundo ele, as transportadoras realmente não
ajudam, mas também não
MAYARA SAMPAIO
Catraia é acesso fácil
à Zona Noroeste
Rafe Aguiar
8
O acesso do Jardim São
Manoel aos demais bairros da cidade é limitado.
Principalmente quando se
trata de ir à Zona Noroeste, para onde é preciso fazer uma viagem de ônibus
convencional de mais de
duas horas. É por isso que
muitos moradores optam
em atravessar o Rio Casqueiro de catraia.
O serviço, que custa
R$1.75, existe há mais de
40 anos, ligando o bairro
à Zona Noroeste em menos de cinco minutos. As
catraias levam mais do
que pessoas. Já realizaram mudanças, travessia
de animais de estimação,
eletrodomésticos, bicicletas... Algumas viagens
inusitadas.
As barcas são feitas artesanalmente pelos próprios funcionários.
O material usado para a
confecção das canoas é
o mesmo dos barracos. A
produção foi desenvolvida por eles mesmos, sem
a ajuda de terceiros. “Nós
estamos sempre montando as barcas, aí acaba
mos pegando prática. E
temos que ficar atentos,
pois com o tempo a barca
vai se desfazendo”, conta
o catraieiro Paulo Pereira,
conhecido pelos amigos
como Mapinha.
A barquinha não realiza apenas a travessia.
Segundo Mapinha, ele e
os companheiros já salvaram vidas. “Muita criança
já caiu na maré e a gente
corre para ajudar quando
pode”, revela, lembrando
que nem sempre consegue salvar crianças que
caem na maré por ser
avisado tarde demais. Os
barracos das palafitas que
desmoronam por conta
dos pregos comidos pela
maresia também são socorridos por eles.
Para o trabalho, não
atrapalham o convívio e o
bem estar dos moradores.
Duas empresas, Fórmula
Truck e Sigma Transportes, foram contatadas por
e-mail, mas até o fechamento deste jornal não
deram resposta.
As barcas, feitas de madeirite, fazem a ligação do bairro com o Jd Castelo e imediações encurtando o trajeto
existe clima ruim. Todos
os catraieiros são dispostos, bem humorados e felizes com o que fazem. Ao
todo, são quatro funcionários, divididos nos turnos
da manhã, tarde e da noite. A barca funciona das
6 às 22 horas, faça chuva
ou sol. A única condição
climática que impossibilita
a travessia é a maré baixa.
Jornal Comunitário
DEZEMBRO 2012
Juliana Justino
Infraestrutura é boa, mas
atendimento é falho
Juliana Justino
Por fora, sinais de descaso e da falta de manutenção são visíveis
Juliana Justino
Por dentro, o local oferece conforto, mas peca no atendimento médico
Jardim São Manoel
Dois anos depois da
reforma, a infraestrutura da unidade básica
de saúde não é um problema. No entanto, as
reclamações apontam
para o atendimento. A
alegação é que os médicos não dão a atenção adequada aos problemas de saúde, com
consultas rápidas e
sem comprometimento. Elisabete Serrão
Moço Barros da Silva
trabalha como agente
de saúde no bairro há
12 anos e é moradora
há quase 20. De acordo com ela, hoje a unidade oferece melhores
condições aos usuários. Entretanto, “falta enfermeira, auxiliar
e, principalmente, um
ortopedista bom, mas
isso é um problema generalizado na rede de
saúde da cidade”.
Outro problema é o
horário de atendimento. Além de não funcionarem nos finais de
semana, as Unidades
Básicas de Saúde de
Santos têm um horário padrão que vai das
7h às 17h. No entanto,
os moradores do bairro
reivindicam um esquema como o que acontece na UBS do Morro da
Nova Cintra que, fora
deste período, funciona
como pronto-socorro,
inclusive aos finais de
semana e feriados. O
presidente da Sociedade de Melhoramentos
do bairro, Didi Duarte,
questiona. “Se na Nova
Cintra tem, por que
aqui não? É uma necessidade para todos, pois
nós moramos isolados
de tudo”.
A opção de atendimento em emergências
é o Pronto-Socorro da
Zona Noroeste. Porém,
o acesso é limitado pela
linha de ônibus 101 e o
serviço deixa a desejar. “A gente chama a
ambulância e ela vem,
mas demora muito. De
qualquer forma, eles
atendem muito mal lá
(no PS da Zona Noroeste). Ou você morre
esperando a ambulância, ou no caminho, ou
no atendimento do PS”,
reclama Elisabete.
Didi conta que há um
projeto para adquirir
uma ambulância e deixá-la à disposição dos
moradores. Apesar da
doação do veículo já es-
tar acertada com a Ideal Guindastes, algumas
limitações impedem o
projeto de sair do papel.
“A Prefeitura precisa
fornecer atendimento e
motorista, além de ampliar o horário de funcionamento da UBS e
contratar plantonistas.
Fora isso, ainda temos
os custos de manutenção e combustível”.
Mas nem só de críticas vive a unidade do
Jardim São Manoel. O
trabalho de saúde preventiva é elogiado pelas
pessoas. Os agentes de
saúde
desempenham
uma função muito importante, visitando as
casas e levando informação e orientação
ao público, inclusive
a quem não frequenta a UBS. “Pela situação carente do bairro,
este trabalho se torna
ainda mais importante, prevenindo doenças como a dengue, a
tuberculose e doenças
sexualmente
transmissíveis. De porta
em porta, eles orientam as pessoas e tiram dúvidas que não
seriam levadas até um
profissional de saúde
na UBS”, diz Elisabete.
SAúde
Agentes de saúde contribuem para a qualidade de vida
Nathamy Lopes
Melhorar a qualidade de vida, dar apoio
e orientar a saúde das
famílias carentes são
alguns dos papéis dos
agentes de saúde. Os
responsáveis por aproximar os problemas
junto à unidade de saúde do bairro.
A comunidade Jardim
São Manoel é atendida
por uma ONG com parceria na prefeitura de
Santos chamada ASPPE
(Associação Santista de
Pesquisa, Prevenção e
Educação) dando cuidados para os procedimentos necessários.
Atualmente, elas têm
oito colaboradoras.
Graças à parceria,
envia seus agentes de
saúde à comunidade
para atender as famílias
mensalmente. Elas devem apontar relatórios
e amostras que deverão
ser recebidas pela policlínica do bairro, seja
por meio de uma medi-
cação ou uma medição
diária de pressão. Fora
os atendimentos domiciliares, existem os
projetos especiais como
aleitamento
materno,
gestantes, adolescentes, planejamento familiar e outros.
“Meus
atendimentos
ficam concentrados em
uma rua do bairro. Hoje
em dia, tenho que dar
apoio mensalmente a
178 famílias, com cerca
de 800 pessoas”, conta a
agente de saúde, Elisabete Serrão Moço Barros.
Um dos requisitos
para ser um colaborador é de ter que residir
no bairro, pois assim
traz uma abertura melhor de atendimento em
suas casas, facilitando
os cuidados entre as famílias orientadas.
Os moradores são bem
receptivos aos atendimentos.
Demonstram
interesses de aprender
aquilo que lhe são transmitidos, inclusive os
alertas. Principalmente
Nathamy Lopes
Elisabeth é agente de saúde há 12 anos, orientando famílias do bairro sobre cuidados pessoais e coletivos
às futuras mamães que
não contam com planos
de saúde.
Uma delas é Maria
Pereira dos Santos, 50
anos, que mora no núcleo há metade deste
tempo. “Admiro muito
esse trabalho. Elas são
muito atenciosas naquilo que fazem. Por meio
delas, recebemos total
alerta e indicação de
forma bem clara. São
pessoas maravilhosas
enviadas por Deus”.
Segundo Vilma Moura, que reside no bairro
há mais de meio século e também é uma das
cooperadoras da saúde,
este é um trabalho muito importante. “Estou
nesse ramo há 12 anos
e já orientei diversos casos. Percebo que muitos
problemas ocorrem por
falta de orientação como
o pré-natal, hipertensão
e diabete”. Além de dar
todo apoio às pessoas
carentes, elas também
auxiliam aquelas que
têm um plano particular,
mas não têm acompanhamento diário.
9
Jornal Comunitário
DEZEMBRO 2012
Jardim São Manoel
Aos 45 anos, escola municipal
aguarda reformas e ampliação
Luiz Antunes
Em um ano de transição para um novo governo municipal, os velhos problemas ainda
permanecem e os moradores do Jardim São
Manuel terão que conviver com eles por um
bom tempo. Com aproximadamente
8.000
moradores e apenas
uma escola, os jovens
estudantes têm que
enfrentar as condições
ruins de uma escola que
possui 45 anos e poucas
modificações ao longo
dos tempos. Essas são
as características da
E.M. Doutor José Carlos
de Azevedo Junior que
oferece aulas do maternal até o 9º ano.
Entre os problemas
encontrados estão as
péssimas condições de
conservação da quadra,
já desgastada. No pátio,
uma caixa de esgoto se
apresenta praticamente
aberta e com resíduos
até a extremidade, além
do teto que está com o
forro ligeiramente dani-
ficado. Outra dificuldade é de um córrego que
passa ao lado da escola
e o mau cheiro atrapalha os alunos a se concentrarem.
Como se não bastasse
ter que conviver com os
transtornos fora da sala
de aula, dentro dela
não é diferente. Segundo o ultimo IDEB (Índice de Desenvolvimento
da Educação Básica) de
2011 a escola ficou com
um dos piores índices
de Santos, quando se
trata da 4ª e 5ª série do
Ensino Fundamental. Já
para a 8ª e 9ª série, a
E.M. Doutor José Carlos
de Azevedo Junior ficou
como a pior escola de
Santos. Em relação à
meta estipulada, houve
uma queda de 12% na
4ª e 5ª série e de 14%
para o 8º e 9º ano.
Para a agente de saúde e moradora do bairro há 19 anos, Elisabeth
Serrão, alguns professores preferem não vir
dar aula no bairro por
se tratar de um lugar
afastado. “Tudo na es-
MAYARA SAMPAIO
EDUCAÇÃO
Única do bairro, a escola é a principal referência de lazer para as crianças e adolescentes
cola está péssimo. O
melhor seria demolir e
começar do zero. Por
ser um bairro distante,
alguns professores não
querem vir para cá”,
reclama.
Já o aluno H.M., de
13 anos, diz que não
existe dificuldade em
passar de ano, pois só
de estar presente nas
aulas já é o suficiente
para ir para outra sé-
Programa Nossa Escola traz
maior motivação às crianças
Jéssica Bitencourt
Mudança na vida de
muitas famílias. Isto é
o que significa o Nossa Escola para os moradores do bairro, na
opinião da coordenadora local do programa, Elaine Cipriano.
O serviço é realizado há seis anos no São
Manoel e há quase
três possui sede fixa:
a sociedade de melhoramentos. Cerca de
180 crianças são atendidas no contraturno
escolar, nos períodos
da manhã e da tarde.
Cada um conta com
100 vagas por ano.
De acordo com a coordenadora, o programa funciona em sistema de parceria com a
EMEF Dr. José Carlos
de Azevedo Jr., a única
do núcleo, auxiliando
na aprendizagem dos
alunos. “As crianças
chegam até nós encaminhadas pelos professores, que percebem
10
Mayara Sampaio
Alunos participam de atividades realizadas no contraturno escolar durante a semana
alguma dificuldade que
podemos ajudar a trabalhar, ou quando os
pais demonstram interesse na participação dos filhos para não
deixá-los sozinhos em
casa, por exemplo”,
afirma.
A responsável pelo
programa na Secretaria da Educação de
Santos,
Maria
José
Marques, vai além.
Para ela, o programa
não é mais voltado somente às crianças que
vivem em situação de
vulnerabilidade social.
“A proposta do Nossa
Escola é oferecer educação em período integral e trabalhar não
só com crianças, mas
com famílias. As escolas abrem aos finais de
semana para acolher
também os núcleos familiares,
oferecendo
cursos
profissionalizantes e atividades que
estimulam lazer e geração de renda, como
aulas de artesanato”.
Ao
longo
destes
anos, o Nossa Escola
rie. “Nessa escola não
se aprende nada. É só
freqüentar que já passa de ano, independente de saber ou não
o conteúdo dado nas
aulas”, comenta.
tem conseguido bons
resultados,
inclusive
na opinião das crianças.
Léia Lívia Alves, 11
anos, e Peterson Santana, 10 anos, são
alunos do 5º ano, no
período da manhã, e
participam do programa à tarde.
A menina mora perto
da escola e gosta das
atividades diferentes
que o programa proporciona. Já Peterson
vem da periferia para
estar com os amigos,
que são os responsáveis pela sua participação. “Eles me chamaram e eu gostei. Ficava
sozinho em casa e aqui
posso jogar bola e me
divertir”, brinca.
Entre as atividades,
o Programa Nossa Escola oferece aulas de
dança, artes visuais,
esportes, luta e a hora
do dever, um momento
dedicado ao reforço escolar, onde os professores ajudam as crianças
com a lição de casa.
Outras informações
podem ser obtidas na
secretaria da escola ou
na Seduc pelo telefone
3211-1818.
Jornal Comunitário
DEZEMBRO 2012
Jardim São Manoel
Referência do bairro, escola
funciona durante três períodos
Carolina Huerte
Carolina Huerte
O Jardim São Manoel
abriga uma única unidade
municipal escolar. É a Dr.
José Carlos de Azevedo
Júnior, que fica localizada na Rua Nicolau Moran
e abriga mais ou menos
900 crianças, que estão
do maternal até o 9º ano.
Segundo dados da Prefeitura de Santos, a escola
começou a funcionar em
1965, na casa de uma das
primeiras moradoras do
bairro, Olívia Vieira Domingos. Foi criada a partir
da necessidade das crianças, já que não tinham
um local para estudar que
fosse próximo às suas residências. Em 1967, por
meio de uma ação conjunta dos moradores e do
vereador Odair Viegas, a
unidade recebeu um prédio novo e mudou para
o atual endereço, com o
nome de Grupo Escolar
São Manoel. Mais tarde,
passou a chamar-se Escola Estadual de Primeiro
e Segundo Grau Dr. José
Carlos de Azevedo Junior,
que atualmente é municipalizada.
As crianças do São Manoel participam também
de programas como o
“Tempo Todo” e a “Escola
Mesmo com muitas dificuldades, adolescentes e crianças buscam um ensino melhor
da Família” durante a semana e também aos sábados
e domingos. Em conversa
com esses alunos sobre o
ambiente escolar, as opiniões são divididas. Para P.S,
um dos garotos mais extrovertidos da turma, a escola
era muito boa, mas muita
coisa mudou depois que
voltou das férias. “Era legal, tinha mesa de pingue-pongue, quadra de vôlei e
tudo o mais. Mais depois
que colocaram grade, me
sinto preso.” Já para N.S,
de seis anos, P.H, de dez,
e J.B, de oito anos, estu-
dar no São Manoel é muito
bom. E nenhum deles tem
qualquer queixa referente
ao local e também às atividades complementares.
Porém, os pais dessas
crianças têm algo para se
preocupar. É que a escola não comporta o número
de crianças do São Manoel, o que faz com que a
maioria vá para unidades
de outros bairros. Isso
acaba levando os adolescentes a desistir das aulas
e as crianças menores vão
deixando de estudar logo
no início de sua vida edu-
cacional.
Em contato telefônico
com a escola, foi esclarecido que não faltam vagas
na unidade escolar Dr.
José Carlos de Azevedo
Jr. Sobre a lista de espera, uma queixa constante
dos moradores, é para o
Maternal II. A funcionária admite que esses alunos em fila de espera ficam sem estudar. Já para
a Educação Infantil, e as
séries primeira, quarta,
quinta e nono ano há vagas disponíveis, de acordo com ela, que não quis
se identificar.
A Unidade Municipal Escolar do São Manoel, apesar de todas as dificuldades, ainda dá uma chance
para os alunos com idade
acima de 16 anos e que
pararam de estudar. Há
no período noturno o Educação de Jovens e Adultos
(EJA), uma única alternativa para quem não quer
sair do bairro, ou que teve
que parar de estudar para
trabalhar, outra realidade
do Jardim São Manoel.
Os moradores esperam
que no próximo governo,
os vereadores e o novo
prefeito Paulo Alexandre
Barbosa possam dar uma
atenção maior ao bairro,
principalmente para as
áreas da educação e da
saúde que precisam ser de
qualidade. Afinal, ambas,
são indispensáveis para
a formação de um jovem
saudável para o trabalho.
Mesmo com tantas reclamações,
dificuldades
e a falta de infraestrutura – que é visível em uma
visita ao colégio-, a única
unidade escolar do bairro
resume o esforço em dar
uma educação de qualidade para as 900 crianças
e jovens do São Manoel,
que estão em busca de
um futuro melhor.
Sonhos motivam a vida infantil
Murilo César
As crianças que hoje moram no Jardim São Manoel
são como todas as outras:
vivem de sonhos e brincadeiras. O ponto de encontro para a diversão é onde
eles passam a maior parte do tempo, no colégio,
onde existe um programa da Prefeitura chamado
“Escola Total” que amplia o
tempo de permanência dos
alunos das unidades municipais de ensino, em atividades nas áreas de cultura, artes e esportes.
Apesar de todas as dificuldades encontradas em
suas casas, é possível ver
nos rostos destas crianças aquele sorriso que
sabemos ser verdadeiro,
risadas de inocência e gargalhadas que só elas podem proporcionar. Jeandro
Bianquini Santos de Oliveira, de 8 anos vive, com
seus pais e três anônimos
irmãos (durante a conversa ele não se recordou do
nome deles), e tem como
seu maior sonho ser um
grande jogador de futebol .“Gosto muito de jogar
bola com meus amigos.
Quando crescer, quero jogar no Santos e ser bom
igual ao Neymar”.
Depois de uma boa conversa e uma rápida batida
de bola no pátio da escola com Jeandro, sentamos
juntos à mesa para ver
como estava o nível nas
disciplinas básicas da escola. O resultado foi positivo.
“Gosto muito de Português
e Matemática. As professoras são legais e tenho boas
notas”.
Filho único e com um
grande sonho, Nicolas de
Oliveira, de 6 anos, é um
menino
surpreendente.
Com um grande pontecial
de entreter quem está por
perto, esse pequeno menino tem como sua princi-
raphael rinaldi
Crianças brincam e contam seus sonhos de criança e desejos por um futuro melhor
pal ambição, e ao mesmo
tempo diferencial, ser um
grande jogador de basquete. Com pouco mais
de um metro e meio, Nicolas sonha alto quando
o assunto é a bola laranja
“Meu grande sonho é ser
jogador de basquete. Jogo
todos os dias com o meu
pai em casa”. Por não serem transmitidos jogos de
basquete em tv aberta, e
sem a possibilidade de ter
canais por assinatura, Nicolas desconhece muitas
coisas em relação ao esporte “Eu não sei as regras (risos). Sei que tenho
que acertar o aro. Também
não sei o nome de nenhum
time ou jogador”.
Independentemente de
seus sonhos serem realizados
ou não, as crianças do Jardim
São Manoel já vivem a rea-
lidade de serem especiais,
pelo fato de enfrentarem
todos os dias as complicações de uma comunidade.
Infância prejudicada? Talvez. Mas, a verdade é que
certas estão elas de não
esconderem os seus sorrisos, não deixarem em de
lado a vontade de brincar
e, principalmente, nunca
desistirem dos seus objetivos com ou sem apoio.
EDUCAÇÃO
11
Jardim São Manoel
Jornal Comunitário
DEZEMBRO 2012
Bairro bom de bola
arquivo pessoal
Renan Fiuza
No país do futebol, milhões de brasileiros são
apaixonados pela tal da
“bola”. Os craques em sua
grande maioria, oriundos
das periferias, desfilam
seus talentos pelos gramados do mundo. Porém,
essa paixão vai além. Muitos não chegam a ser profissionais. Jogam por amor
ao esporte.
No Jardim São Manoel
não é diferente. Conhecidos em festivais e competições do futebol da várzea,
o Associação Amigos Futebol Clube Vila São Manoel, criado em 17 de maio
1998, faz bonito e é respeitado por onde passa. O
elenco conta com aproximadamente 25 jogadores
e as partidas são realizadas
aos domingos. Os atletas
amadores se dividem entre
a dura rotina do trabalho
semanal e se rendem ao
prazer das “peladas” aos
finais de semana. Ao todo,
são mais de 30 títulos, um
feito para poucos.
Por trás de tantas conquistas há um responsável, Genivaldo José da Rocha, mais conhecido como
Barba. O ilustre morador
do bairro nasceu em Alagoas e veio para Santos com
17 anos. Morou em outros
lugares da cidade, mas encontrou no São Manoel o
seu destino. Já são 33 anos
de dedicação à comunida-
Com 25 jogadores amadores, o time do Jardim São Manoel é respeitado por onde joga
de. Durante esse período,
viu nascer seus dois filhos,
progrediu na vida, foi presidente do Esporte Clube
São Manoel (até então o
único time do bairro). Porém, alguns problemas na
direção fizeram com que
abandonasse o seu ex-clube.
Anos depois no ponto de
encontro dos boleiros, o famoso Bar do Barba, comércio que construiu há mais
de 15 anos, resolveu voltar
para o seu grande amor.
“Em 1998, o bar estava
cheio, juntei uns amigos
e resolvi montar um time.
Comecei a catar uns jogadores. Tinha “nego” que
não jogava há cinco anos,
mesmo assim saímos pelos
campinhos da várzea”.
De elenco formado, havia agora um problema. O
time não tinha nome. ”No
começo todo mundo dava
uma ideia. Um colega
criou o escudo, mas não
gostei dos nomes sugeridos. Então, tive que decidir. Para mim, futebol é
amizade, sugeri Associação Amigos Futebol Clube Vila São Manoel. Todos
aprovaram e desde então
não paramos mais”.
Como fundador e dono
da carteirinha de sócio
número um, ele cuida de
tudo. Marca jogos, sua esposa lava os uniformes,
planta e aterra o gramado
do campinho e foi o responsável pela construção
do novo “estádio”.
“Fui até o representante
do bairro e disse que precisava de um novo campo.
Ele então me apresentou os
responsáveis pela prefeitura. Foi um longo caminho,
mas consegui. Hoje temos
um lugar nosso para mandarmos os jogos. É difícil
nosso time perder em casa.
Para ganhar da gente tem
que suar muito”, brinca.
Com aproximadamente
1,65 de altura, pernas tortas, falador e com muito
fôlego, Barba é um velho
conhecido do futebol de
várzea na região. No auge
dos seus 56 anos, ainda
Esportes
Gilda Lima
Uns querem mudar.
Outros preferem ficar
Thamires Rodrigues
Há doze anos, em 2000,
o IBGE divulgou uma pesquisa dizendo que o número de moradores do Jardim
São Manoel era de 3,504.
Passados 10 anos, em
2010, o IBGE renovou o
censo e divulgou uma nova
pesquisa, que dizia que o
número de habitantes havia passado para 4.553.
Mas, em meio a tantos
problemas, por que a população do bairro só aumenta? Algumas respostas
para esta pergunta podem
ser obtidas com um simples perfil dos moradores.
Samantha Souza, 26
anos, é vendedora de um
shopping em Santos e conta que mora no bairro desde pequena. Há dois anos,
ela se casou e teve que
continuar no lugar, pois
não encontrou possibilidade de residir em outro lo-
12
cal devido aos altos preços
dos aluguéis dos imóveis.
A vendedora diz que
apesar de sentir vontade
de se mudar para outro
bairro, ultimamente está
tão cômodo morar ali por
causa da proximidade de
sua família, que ela até
esqueceu os problemas e
acabou deixando de lado
a ideia de mudança. Ela
ainda conta que tem uma
filha de dois anos e que
sua mãe é quem cuida da
criança enquanto trabalha,
por isso a importância de
morar no mesmo lugar que
a família.
Já com Maria Aparecida
dos Santos, 53 anos, a história é completamente diferente. Casada e com três
filhos, é cabeleireira e conta que todos os dias utiliza
o ônibus do bairro para ir
ao trabalho. Atualmente,
paga para trabalhar, pois
têm a condução todos os
aguenta jogar uma partida inteira e se for preciso,
fica para o próximo jogo.
Sua posição preferida é no
meio-campo, mas se faltar
alguém, quebra-galho até
como goleiro. Para ele, o
resultado não importa. O
fundamental é a cerveja e
o forró pé-de-serra após a
brincadeira.
“Quando o jogo é em
outra cidade, alugo um
ônibus e vendo uma rifa
com os lugares. O dinheiro
que sobra, compro carne e
cerveja para a festa. Levo
também o sanfoneiro de
Cubatão, Nego Camarão,
para fazermos um forrozinho. A farra vai até tarde.
É uma delícia”.
O fundador do Amigos
do São Manoel diz que não
sai do bairro por nada desse mundo. Encontrou por
lá, dentro da sua simplicidade e com muito trabalho,
a sua felicidade.
“Adoro esse lugar, aqui
tenho tudo que preciso.
Não troco o São Manoel
por nenhum local de Santos, nem o Gonzaga. Só
saio daqui para o caixão”.
E, bem humorado, faz um
convite. “Quem tiver um
time e quiser marcar um
jogo, é só aparecer no
bairro e conversar comigo.
Se precisar, levo meus meninos para outras cidades.
Só cobro uma coisa: boas
risadas e uma caixa de cerveja”, ri.
E aí, quem vai encarar?
Tranquilidade é marca registrada no núcleo, fato que atrai muitos moradores que gostam de viver no local
SOCIAL
dias e isso sai bem caro no
fim do mês. Mas, ela diz
que o serviço dela é a paixão de sua vida, então não
largaria por nada.
Seu marido é caminhoneiro e vive fazendo entregas por todo o Estado.
Seus filhos são adultos e
cada um tem seu trabalho,
mas ela completa dizendo
que sua família está sempre reunida.
Diferentemente de Samantha, a cabeleireira diz
que nunca desejou sair do
São Manoel. Ela conta que
mora há 14 anos no local
e foi morar no São Manoel devido ao elevado custo
de vida dos outros bairros.
E afirma saber de todos os
problemas, mas não deixaria mais o bairro por nada.
Jornal Comunitário
DEZEMBRO 2012
Jardim São Manoel
LUCIANA MOHALLEM
Igreja da Graça de Deus, no Jardim São Manoel, atrai uma grande quantidade de adeptos, mesmo localizada em uma área de difícil acesso
Abençoados e unidos pela fé
Thamirys Teixeira
O Jardim São Manoel é
um bairro de fé. Dentre as
diversas religiões, é difícil
encontrar uma pessoa que
não seja adepta a uma ideologia ou crença. São espíritas, católicos, messiânicos,
evangélicos e pentecostais
da umbanda e candomblé.
Embora com uma população visivelmente dividida
entre as que moram em
lugares urbanizados e as
que vivem em estado precário, quando se trata de
religião a grande maioria
se junta em função da fé.
A religião evangélica é
a predominante. Ao chegar no São Manoel, existem duas igrejas: a Assembleia de Deus e Jardim
de Oração. Os jovens têm
sua participação na igreja, mas a maioria dos fiéis
ainda são adultos e idosos.
Dentre esses adeptos está
Maria das Mercedes Sou-
za, mais conhecida como
dona Jesus.
Maria Inês congregou por
oito anos na igreja Assembleia de Deus, porém hoje
frequenta a igreja Jardim
de Oração. Segundo ela, o
número maior de fiéis ocorre aos domingos, variando
entre 30 e 40 pessoas. De
modo geral, todas as igrejas do bairro têm muitos
adeptos, que buscam interagir e evangelizar quem
ainda não tem religião ou
não está satisfeito com sua
fé atual.
O catolicismo também
tem suas fortes bases.
Quando o bairro começou, a religião era predominante, mas com o
passar dos anos ficou
em segundo lugar. Elizabete Serrão Moço Barros da Silva é moradora
do bairro há 19 anos, 12
dos quais trabalha como
agente de saúde. Mente
aberta, não vê problema
em frequentar a igreja
do marido, mesmo este
sendo espírita. Elizabete
comenta que sempre que
pode vai às missas e é
muito apegada à fé.
A doutrina espírita também tem seus adeptos.
Dentre os mais assíduos
está Arnaldo Silva Pereira, 68 anos. É fundador
do primeiro e até então
único centro espírita do
bairro, o “Centro Espírita
Recanto da Paz Francisco
de Assis”. Estudante da
doutrina, o fundador do
centro organiza palestras
e movimentos de solidariedade. A instituição funciona oficialmente (com
registro no cartório) há
quatro anos, mas o conhecido “seu Arnaldo” realiza
o trabalho há mais de 30
anos. Começar seu trabalho de paz não foi fácil e
exigiu muito tempo. “Há
30 anos eu comecei com
dificuldades. Não tínhamos
carro para fazer os trabalhos de caridade e não
havia qualquer referência
espírita no Jardim São Manoel. Hoje, conseguimos
crescer espiritualmente e
também melhorar nossa
estrutura com o centro.”
As religiões da umbanda e candomblé também
são praticadas no bairro,
porém por não terem um
lugar fixo para serem praticadas, não puderam ser
ouvidas.
Os messiânicos no São
Manoel, mesmo pouco comuns, existem em um número notável. Apesar da
sede da igreja messiânica ter fechado há alguns
RELIGIÃO
anos, os fiéis continuam
seguindo a religião, porém
tendo que se transportar para bairros mais distantes como Gonzaga ou
Campo Grande.
A religião é espiritualista
e tem raízes orientais. Seguem a ideologia do mestre Meishu Sama e suas
preces giram em torno da
troca de energia.
Maria Ivoneide Genucie Araújo é seguidora há
21 anos. Católica de nascença posteriormente se
encontra na religião messiânica. Ivoneide recebia
ocasionalmente cerca de
20 pessoas em sua casa
para praticar a religião.
O Respeito
mútuo
Foi comum entre as religiões a atitude de
respeito ao próximo. Não se importando
com suas divergências, todos os credos
demonstram sentimentos de paz e solidariedade, principalmente quando se trata de
pessoas de outras crenças.
Igreja Messiânica se reúne em casas
L uis V arela
Entre as diversas
crenças no Jardim São
Manoel, é possível encontrar desde as mais
tradicionais, como o catolicismo até aquelas
menos expostas, como
é o caso do candomblé.
Todas possuem rituais
únicos, porém nem todas são necessariamente praticadas dentro de
ambientes específicos.
Assim é o caso da religião messiânica, que
chama a atenção.
Originária do Japão,
a filosofia hoje acumula
aproximadamente
103 mil seguidores no
país, entre eles Maria
Ivoneide Genucie Araú-
jo, também conhecida
como Dona Ivoneide.
Seguidora por mais de
21 anos, ela explica que
sua religião é baseada
em princípios espiritualistas, consistindo “em
uma troca de energia”
entre pessoas.
Dona Ivoneide afirma
o quanto sua vida melhorou, tanto em termos financeiros e de
saúde, após conhecer a
ideologia e aprender a
demonstrar mais gratidão. “Sempre gostei de
coisas do Japão, acho
que em outras vidas fui
oriental”, ela brinca.
Um dos diferenciais da
religião, afirma, é a facilidade de aceitar diferentes crenças.
Católica de nascença,
Ivoneide explica que
encontrou-se na crença
criada por Meishu-Sama, representada por
uma medalha, Ohikari.
Segundo ela, o objeto transmite luz entre
os fiéis, mas não deve
ficar exposta na maior
parte do tempo, ou até
mesmo ser tocado por
outra pessoa que não
a dona. O local possui
aproximadamente
20
seguidores, os quais se
reuniam regularmente
em uma casa, até que
esta foi fechada.
A partir daí passaram
a se reunir dentro de
suas casas, assim como
em diferentes centros
espalhados pela Cidade.
Confira os endereços das
igrejas Messiânicas em Santos:
Aparecida: Rua Januário dos Santos, 171 Aparecida
Campo Grande: Avenida Senhor Pinheiro
Machado, 635 - Campo Grande
Gonzaga: Rua Prey Presgrave do Amaral,
241 - Gonzaga
Jardim Santa Maria: Rua Carlos Caldeira,
284 - Santa Maria
Santos: Rua Bahia, 138 - Gonzaga
Vila Mathias: Avenida Conselheiro Rodrigues Alves, 481 - Macuco
13
Jornal Comunitário
DEZEMBRO 2012
Jardim São Manoel
Oportunidade de emprego
divide opiniões no São Manoel
GILDA LIMA
Raphael Rinaldi
O desemprego ainda é um problema
sério que tem de ser
resolvido
no
País.
Muitas pessoas não
têm a oportunidade
de arrumar um bom
emprego por falta de
estudos ou de qualificações que o mercado de trabalho exige. Há casos em que
esses fatos acontecem devido às pessoas não terem uma
boa base escolar, ou
então, ter interrompido cursos para poder sustentar a casa
ainda quando muito
jovem.
Esse cenário não é
diferente no Jardim
São Manoel, embora
não haja uma pesquisa formal. “Há várias
pessoas
desempregadas e com muitas
dificuldades. Muitos
Alguns moradores do bairro obtêm renda vendendo material descartado para o ferro velho
são analfabetos, consequentemente têm
problemas para arrumar uma vaga no
mercado de trabalho”, explica Regiane
Ciprian,
assistente
social na comunida-
de.
Ela disse também
que a comunidade
não tem um plano
para que isso seja resolvido. “Temos muitos problemas ainda.
Seria muito interes-
sante se alguém da
Câmara Municipal nos
ajudasse. Isso traria
muitos
benefícios”,
completou.
Mas
há
também
moradores satisfeitos
com seu emprego.
Há comércio, mas
faltam alguns
produtos e serviços
Lucas Martins
Mesmo com a variedade de locais para a
compra de produtos,
as pessoas que moram
no Jardim São Manoel estão insatisfeitas
com o que é oferecido por esses estabelecimentos. Entre os
diferentes tipos de
comércio, estão lojas
de roupas e de conveniência, um supermercado, uma farmácia e três quitandas.
Segundo alguns moradores, os estabelecimentos deveriam
oferecer mais. “Queria que o mercado ti-
vesse mais variedade de produtos”, diz
Adeilma dos Santos,
de 17 anos. Elisabete Serrão Moço Barros da Silva, agente
de saúde e moradora do bairro há anos,
reclama também dos
preços vendidos no
supermercado. “Você
encontra o básico, mas
é mais caro”, conta.
Ainda segundo Elisabete, na única farmácia do bairro há falta de medicamentos.
“Você não encontra
nem genéricos”, relata. Para ela, no Jardim São Manoel deveria haver também
Ednaldo da Silva Andrade, no bairro há
25 anos, tem um mercado e está contente com seu trabalho.
“Não tenho do que
reclamar. Esse tempo
todo nunca tive problema algum. Aqui é
tudo de bom, o local é
bem frequentado e o
pessoal é tranquilo”,
disse o vendedor. Ele
é natural de Sergipe,
veio para Santos para
uma melhor oportunidade de emprego.
“Penso em ficar mais
um tempo aqui e depois voltar para minha terra”, enfatizou.
Ednaldo não é o
único satisfeito com
o emprego. Na comunidade,
principalmente no trecho
mais urbanizado, a
maioria das pessoas
é empregada, felizes
com seu emprego,
acredita Regiane.
MATHEUS JOSÉ MARIA
É possível ganhar dinheiro com a venda de produtos usados, como geladeiras e freezers
um Caixa 24 horas, já
que para fazer o mais
simples procedimento
no banco os moradores têm que se deslocar para outros locais.
Proprietário de uma
quitanda, Ednaldo da
Silveira Andrade conta como é ser dono de
um
estabelecimento no bairro. “O movimento é mais ou
menos, mas dá para
sobreviver”,
diz.
Como morador ele
acha que no local
deveria haver mais
do que um açougue, pois para alguns esse estabelecimento fica longe
e é difícil carregar
as compras na mão.
Negócios em família, uma receita de sucesso
gabriel tedesco
Há 15 anos estabelecido no Jardim São Manoel, a Lanchonete e
Minimercado Maneco’s é
o comércio que está há
mais tempo funcionando no bairro. Segundo
o gerente do estabelecimento, Luiz Antônio
dos Santos, o segredo é manter o negócio
em família. “Quem dei-
14
xa tudo apenas na mão
de empregados não
tem garantia de que o
serviço será bem feito”, afirma o gerente.
Para ele, que viu inúmeros pontos comerciais abrirem e fecharem as portas, esse é o
grande diferencial para
que se tenha uma empresa duradoura. “Nesses comércios que passaram por aqui a gente
não via essa gestão familiar”, lembra Santos.
Outro fator importante para o sucesso
do Maneco’s foi ouvir a
população, pois a partir
do fechamento da outra padaria que havia
no bairro, os moradores ficaram órfãos do
tradicional
pãozinho.
“A gente trabalha mais
com bebida e o pessoal começou a cobrar.
Foi quando conhecemos o representante de uma padaria do
Morro da Nova Cintra,
que nos ofereceu pãezinhos para revendermos”, conta o gerente.
O negócio deu tão
certo que tempos depois o próprio representante
acabou
abrindo uma padaria no bairro. “Ele me
perguntou se teria pro-
COMÉRCIO
blema e eu disse que
tudo bem”. Os dois,
hoje, dividem a clientela do bairro. “Tem
espaço para os todos”.
É assim, com o clima
amistoso de uma cidade
do interior, que a vida
segue no Jardim São
Manoel. “Eu não penso
em sair daqui não, acho
muito gostoso, pois todo
mundo se conhece”, reforça o satisfeito Luiz.
Jornal Comunitário
DEZEMBRO 2012
Jardim São Manoel
Associação reivindica
melhorias para o bairro
RAFAELLA MARTINEZ
João Gabriel Suaed
Presidente da Sociedade de Melhoramentos do
Bairro, Edimilson de Almeida Duarte,o Didi, teve
seu mandato renovado por
mais 4 anos. “Sou responsável por toda mudança
que o bairro teve nesses
últimos anos.” diz ele.
Didi defende a necessidade da demolição da
única escola do bairro por
uma nova unidade que
atenda o Ensino Médio,
além da ampliação da creche. Na saúde, ele quer
lutar por uma unidade de
saúde 24hs igual a do Morro da Nova Cintra, já que
o pronto socorro mais próximos fica no Jardim Casqueiro, em Cubatão.
A associação pretende atuar na parte do
saneamento básico no
caminho São Manoel e
Didi foi reeleito por mais 4 anos
diminuindo o número de
acidentes. Também reclama a falta de berçário e o
numero pequeno de vagas
na creche, acarretando as
mães transportar seus filhos para bairros vizinhos
e até para zona leste da
Cidade.
Neste mandato, ele pretende fortalecer a representatividade do bairro
Atendimento às crianças é uma das áreas onde aassociação pretende atuar
junto à prefeitura e câmaRua João Carlos da Sil- munidade, ampliando a
Outra questão refere- ra. “Eu conheço o bairro,
va. Visando atender as possibilidade para uso -se às vias de acesso de pois fui criado aqui” afirma
crianças e o lazer da co- em dias de chuva.
entrada e saída do bairro, Edimilson.
Centro Comunitário é
referência para famílias
Carla Monteiro
O São Manoel é um dos
bairros mais afastados da
Zona Noroeste. Composto
por uma área urbanizada
com casas, escola, bares
e padarias. E outro trecho
habitado em meio ao mangue, onde as moradias são
construídas sobre palafitas. Esse cenário torna-se
perigoso para as crianças,
principalmente.
Shirley Leite Leão Santos
é chefe no Centro Comunitário há cinco anos. Formada em Administração,
Magistério e Pedagogia, é
funcionária da Prefeitura
de Santos há 16 anos. Seu
objetivo era atuar na Secretaria de Educação, mas
acabou entrando na área
social.
Trabalhou durante 11
anos no serviço de Proteção Especial, que retira as
pessoas das ruas leva-as
para um abrigo e ajuda
na emissão de documentos. “Eu fazia um plantão
de seis horas por dia. Era
bem complicado porque
eu não via retorno”.
No Jardim São Manoel,
ela gosta muito do trabalho que exerce. “Aqui eu
me dôo muito porque consigo ver um retorno das
NICOLE SIQUEIRA
ações”. O serviço prestado
pelo Centro Comunitário
proporciona um ambiente
saudável. Para os frequentadores, não existe diferença entre os moradores
das duas regiões do bairro (uma mais urbanizada
e outra sobre o mangue).
“Esse tema é bem trabalhado com as famílias que
participam das atividades”,
ressalta Shirley.
Duas vezes por semana, o local recebe as crianças para que elas possam
brincar. “Regastamos brincadeiras como corda e vai-e-vem. É o resgate do ato
de brincar“. Oficinas de
artesanatos também são
oferecidas, além de reuniões de pais, grupos, passeios e oficinas. O objetivo
é fortalecer o vínculo familiar.
Quando o projeto foi implantado um número aproximado de 300 crianças
foi cadastrado. Hoje com
o programa Escola Total,
da Prefeitura de Santos,
onde as crianças passam
o dia no colégio em período integral, o número de
cadastrados no centro caiu
para perto de 70.
Um problema relatado
por Shirley é voltado para
a falta de pessoas quali-
ficadas. “Antes tínhamos
ajuda dos brinquedistas,
hoje esse pessoal faz falta. Temos apenas um operador social”.
De acordo com ela,
os problemas do bairro
não afetam o seu trabalho. Reuniões e festinhas
em datas comemorativas
atraem as famílias. “É um
bairro acolhedor, o Centro Comunitário é uma
casa. As pessoas passam
na rua e têm vontade de
entrar. E o bairro está
bem melhor, pois temos
farmácia, padaria, restaurante, campo e quadra. Essas melhorias só
acrescentam no nosso
trabalho”.
Já pensando no próximo ano, Shirley e sua
equipe estão traçando
novas metas. O nome
do projeto passará para
Serviço de Convivência
e Fortalecimento de Vínculo.As famílias que são
cadastradas no CRAS
(Centro de Referência e
Assistência Social) serão encaminhadas para
o Centro Comunitário.
“Queremos continuar a
trabalhar com as famílias
e mostrar a importância
do vínculo familiar”, conclui Shirley.
SOCIAL
gilda lima
O centro comunitário oferece diversas atividades à comunidade
Espaço para todos
Mayara Pisciotta
O Centro Comunitário
é um espaço de lazer e
aprendizado para os adultos e adolescentes da região. No local, são realizadas aulas de crochê com a
vó Francisca , bordado com
a vó Rosemary, pintura e
culinária. Além dessas atividades, há também uma
brinquedoteca que fica à
disposição das crianças.
Tanto os moradores da
área urbanizada como os
de outros pontos participam das atividades. A
maioria dos jovens prefere
fazer o curso de culinária,
mas outras aulas como as
da vó Francisca e da vó Rosemary também são procuradas pela comunidade.
“Os adultos frequentam
os cursos junto com os jovens”, conta Evelise de Oliveira frequentadora do lo-
cal há três anos.
Todos podem participar
das atividades, ressalta
Evelise. Para se beneficiar das aulas é necessário
um cadastro no Centro de
Referência (CRAS). Atualmente, a Prefeitura de
Santos tem seis CRAS.
O endereço do centro
que atende o Jardim São
Manoel fica na Alemoa, na
Marginal Anchieta, 218. O
telefone para contato é
3203-5258 ou 3203-1909,
e o funcionamento é de
segunda a sexta-feira,
das 8h às 17h. Informações podem ser obtidas no site da Prefeitura
de Santos (www.santos.
sp.gov.br).
Já o Centro Comunitário fica à Rua Professor Francisco Meira,104,
e funciona de segunda a
sexta. Informações 32916267.
15
Jornal Comunitário
DEZEMBRO 2012
Jardim São Manoel
“Nós somos o B13”, diz Mc Thim
GOOGLE MAPS
Localizado às margens do Rio do Bugre, o São Manoel abriga moradores que buscam um futuro melhor e condições para enfrentar as adversidades
Luciana Mohallem
O conceito do B13,
bairro fictício no filme homônimo francês
onde distritos são isolados pelo governo com
a construção de muros
para diminuir a criminalidade, começa a fazer sentido quando se
atravessa a estreita e
precária ponte erguida
sobre o manguezal na
Zona Noroeste de Santos em um sábado de
sol intenso.
O 13º Distrito é explicado por um dos personagens mais conhecidos do bairro, Mc Thim:
“Nós somos o B13, aqui
ninguém entra, ninguém sai, não tem banco, não tem correio, não
tem nada”.
O desabafo feito com
a voz rouca – Thim tem
um nódulo na garganta
que o fez se afastar da
sua maior paixão, os palcos – resume um pouco
o cotidiano dessa comunidade, o Jardim São
Manoel, que não chega a ser esquecido por
quem vive na “praia”,
pois sequer é conhecido
por grande parte da população santista.
Há apenas seis quilômetros do Palácio José
Bonifácio, a comunidade suspensa em palafitas possui, curiosamente, geografia similar ao
mapa do Brasil e, tal
como este país de proporções
continentais,
abriga brasileiros de to-
16
dos os tipos, raças, credos, talentos e sonhos.
E foi neste cenário, entre o Oiapoque e o Chuí
do Jardim São Manoel que Thim, na verdade Luís Mário, 33 anos,
apresentou o bairro e
sua cultura.
“Aqui tem pagode,
forró e até rock, mas o
forte mesmo é o funk”,
explica o Mc. O funk,
trazido do Rio de Janeiro
para Santos na década
de 80, é, sem sombra
de dúvida, o carro-chefe dos bailes da comunidade, que acontecem
religiosamente às sextas e sábados no meio
da rua, a céu aberto.
Apesar de causar certo incômodo, as festas
começam por volta das
23h e vão até o raiar
do dia. Os bailes fazem
parte da “agenda cultural” da comunidade. “É
barulheira, a gente quer
descansar, mas o pessoal quer se divertir, né?”,
conta, de forma resignada, a moradora Evelise de Oliveira Silva.
E como se divertem!
Regados a muito energético e vodka, a preferida e quase unânime
Smirnoff, a mesma encontrada nas “baladas”
mais luxuosas da cidade, os amigos se reúnem, trocam ideias, namoram e recarregam as
energias para a próxima
semana. Basicamente o
que qualquer outro jovem da parte nobre da
cidade costuma fazer. A
diferença é que no Jardim São Manoel, por
motivos óbvios, os sonhos são para hoje.
Mas a diversão também acontece durante o dia. Os churrascos
nas tardes de sábado
espalhados ao longo do
Caminho de São Manoel são fartos em pagode e cerveja. “Aparece
lá daqui a pouco, começa às duas!”, convidam animadas as moradoras Zilda e Sônia.
É comum também, aos
finais de semana, com
sol a pino, os moradores irem buscar refresco
não na praia, mas nas
cachoeiras próximas a
Cubatão, como Quilombo e Perequê. “Chega a
dar 5 mil pessoas, tem
bar lá dentro. Teve até
show do Calcinha Preta.
Quase não vou à praia,
lá é bem melhor”, empolga-se o Mc ao fazer
a comparação.
Thim mora no bairro
há 17 anos. Estudou até
a 7ª série e tem três filhos: Jhade, 14, Kauan,
5 e Luís Maurício, de 1
ano e 9 meses. Batalhador, além de músico, é
cabeleireiro, ofício que
aprendeu com o antigo
parceiro de composições, o “Bebelo”, no final dos anos 90. Atendendo diariamente no
pequeno salão próprio,
cujas proporções (4m x
2m) permitem a instalação de um sofá e uma
TV, Thim conta que há
pouco tempo conseguiu
um novo “bico” com
instalação de tubulação
elétrica em um dos empreendimentos imobiliários da cidade.
“A inspiração vem de
casa”, revela o Mc ao
ser indagado sobre a
origem de tanta disposição para o trabalho.
“Minha mãe era cuidadora de idosos, inclusive, cuidou da mãe do
ex-governador
Mário
Covas, além de trabalhar todo dia na cafeteria do Cine Roxy. A
situação foi apertando
e nós tivemos que nos
mudar do Marapé para
cá”, completa.
Com sorriso nos lábios
e brilho nos olhos, Thim
conta sobre os bons
tempos de turnê nos
estados de São Paulo,
Minas Gerais, Bahia e
Rio Grande do Sul. “Conheci muito lugar, muita
gente. Fazia seis shows
por semana. Era muito
gostoso”. A realização
profissional como músico também facilitava
a vida do Mc: ele faturava em cada show, em
média, R$ 2 mil. Apesar
de ainda receber por direitos autorais de composições interpretadas
por Mc’s famosos como
Naldo e Buchecha, Thim
teve que se afastar profissionalmente dos palcos por causa do nódulo na garganta. “Meu
sonho é consertar essa
voz, porque conhecimento e vontade eu tenho de sobra. É morrer
Cultura
tentando”, diz.
O repertório de Thim é
composto em sua maior
parte por charm e funk
melody, vertentes românticas do funk, sua
especialidade.
“Também já fiz “proibidão”,
mas esse nunca gravei”.
O cuidado do músico
com o “proibidão”, músicas com referências
ao tráfico e violência,
tem uma justificativa
bastante plausível. Em
dois anos, quatro Mc’s
da Baixada Santista foram assassinados. Todos amigos ou conhecidos de Thim. “Duda,
Primo, Careca e Boladão, tudo molecadinha
morrendo.
Neguinho
tentaram duas vezes e
não conseguiram”, diz
o Mc. Questionado sobre sua segurança, ele
fala: “No começo até
pensei em fugir daqui,
mas aí pensei ‘fugir pra
quê ?’. Não devo nada a
ninguém.”
Por último, o Mc deixa
um recado para quem
está do “outro lado do
muro”: “Lembrem da
gente, tem muito trabalhador aqui, a gente
precisa de oportunidade”. O pedido de Thim,
em meio às campanhas políticas das eleições municipais 2012,
soa
desesperançoso.
Lá no fundo, ele sabe
que o B13 e seus personagens vão continuar afastados da realidade dos santistas e
governantes.
Jornal Comunitário
DEZEMBRO 2012
Jardim São Manoel
Bairro tem projetos sociais da
iniciativa pública e privada
Matheus José
Natália Nikitin
O Jardim São Manoel dispõe de poucos
projetos oferecidos pela Prefeitura de Santos.
Melhorias e serviços são ofertados por ONGs
e pela própria população local. O bairro possui uma Sociedade de Melhoramentos que,
juntamente com o Serviço de Convivência e
Fortalecimento de Vínculo (SECON), órgão
municipal, disponibiliza aos moradores atividades esportivas, de artesanato e brincadeiras para as crianças.
O Instituto Ecofaxina, organização não governamental voltada às atividades de educação ambiental, incluindo a limpeza de manguezais e projetos educacionais para crianças
e adolescentes, também desenvolve atividades no São Manoel.
Desde 2011, o instituto tem parceria com
a Associação de Moradores e Amigos do Caminho União, que realiza o Programa Turma
Ecológica – Rumo Certo. São aulas de reforço
escolar e Educação Ambiental para crianças
de 6 a 14 anos. A cada seis meses, são realizados mutirões de limpeza das áreas de
mangue do bairro, onde se localizam as palafitas. Moradores e voluntários se mobilizam
para retirar plásticos, vidros e outros materiais recicláveis.
A Coordenadoria de Proteção à Vida
Animal (CODEVIDA), em parceria com a ONG
Defesa da Vida Animal, realiza periodicamente projeto de castração de cães e gatos diretamente no bairro. As organizações utilizam-se da UME José Carlos de Azevedo Júnior,
deslocando um centro cirúrgico móvel para a
realização das cirurgias nos animais. O serviço é gratuito e é necessário levar o animal em
jejum de água e comida, pelo período de 12
horas anteriores à castração.
Quanto às atividades na área da Educação, o São Manoel possui parceria com o
Governo do Estado pelo programa Escola da
A coordenadoria de Proteção à Vida Animal realiza projetos de castração de animais do bairro
Família no colégio do bairro. Lá, as crianças e
adolescentes podem brincar e realizar atividades monitoradas por funcionários da prefeitura ou estudantes do ensino superior.
O Projeto Bom de Nota, Bom de Bola,
que é uma parceria entre a Prefeitura e a Associação Pró-Esporte e Cultura (APEC), sediada em Ribeirão Preto, possui representante
no São Manoel. Mycaelle Conceição Santos,
de 13 anos, da Escola José Carlos de Azevedo
Júnior, participa do projeto. “Eu já jogava futebol no Portuários e agora jogo com os meus
amigos da classe”, diz a estudante. O programa atende crianças de 7 a 14 anos, matriculadas nas escolas públicas de Santos, oferecendo gratuitamente futebol para os garotos
e vôlei para as meninas. As aulas acontecem
uma vez por semana.
Programas socioassistenciais são oferecidos para a população do Jardim São Manoel
por meio do Centro de Referência da Assistência Social Alemoa (CRAS). O Programa de
Atendimento Integral à Família (PAIF) e o Ser-
SOCIAL
viço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos. Ambos disponibilizam ações dos Programas de Transferência de Renda, tais como
o Bolsa Família, Renda Cidadã, Ação Jovem e
os municipais Nossa Família e Bolsa Santos.
Para Carlos Roberto Ribeiro, chefe de
seção do CRAS Alemoa, os programas integram as pessoas da comunidade, que viabiliza trocas culturais e de vivência entre elas.
Isso fortalece os vínculos familiares e sociais,
incentivando a participação social, o convívio
familiar e comunitário. “Quando não conseguimos realizar algum serviço por aqui, encaminhamos a pessoa para outros órgãos da
Prefeitura, todos com acompanhamento por
nossa equipe”, explica Ribeiro. No bairro, são
4.553 moradores em 1.318 domicílios atendidos pelos programas do CRAS.
Não existem projetos culturais ou de incentivo à música, dança e folclores locais. O
bairro carece de um espaço voltado às atividades de desenvolvimento artístico de crianças, jovens e adultos.
Expectativa por cumprimento de promessas
Mayara Sampaio
Todo ano eleitoral é
assim: caminhadas pelo
bairro e comícios para angariar mais votos, cartazes pendurados nas casas,
santinhos distribuídos pelas ruas... A disputa política também se fez presente no Jardim São Manoel.
E como em qualquer outro
bairro de Santos, problemas que ainda carecem
de solução se estendem
por anos. Afinal, o que os
moradores podem esperar
da gestão do novo prefeito da Cidade?
O critério de Nicelça
Souza Dória, dona de uma
sorveteria no bairro, é relativamente simples: votar
em quem já fez algo pela
população. O asfaltamento
das ruas é um dos motivos que a levou a escolher
seu candidato. “Para mim,
tem que mostrar serviço.
E quando o político me
mostra que é realmente
capaz e passo a confiar
nele, faço campanha junto e convenço todo mundo
que conheço. Precisamos
nos motivar mais com a
política local”, afirma.
Já a falta de abordagem
por parte dos candidatos
em tratar de problemas
específicos do Jardim São
Manoel é um grande obstáculo para o exercício pleno e consciente do voto. “A
ampla vantagem do Paulo Alexandre Barbosa me
fez procurar saber mais
do seu plano de governo,
mas senti que o tema saúde, por exemplo, deixou a
desejar. Quero saber definitivamente o que ele pretende fazer para melhorar
o atendimento da região.”
Essa é a opinião do aposentado Damião da Conceição, de 48 anos. E ele
completa: “Tenho experiência de vida. Quem promete, não faz nada relevante mesmo.”
E existem aqueles que
não se identificam com o
plano de governo de qualquer candidato. E que não
vêem mudanças realmente significativas eleições
após eleições.
“Eu só voto porque é
obrigatório. Tenho 52 anos
e não acredito que as coisas vão melhorar”, desabafa a aposentada Antônia
Alexandrina de Santos.
Ela venceu um câncer há
6 anos, mas sentiu na pele
as condições precárias de
atendimento e tratamento
da rede pública. “Tive que
pagar um plano de saúde,
que estava além das minhas condições financeiras. Superei, mas agora
vejo que político nenhum
resolverá a situação.”
Campanhas
políticas
voltadas à Zona Noroeste
incluem melhoria de habitação, transporte público
eficiente, rede de esgoto
tratado, segurança, educação de qualidade, dentre
outros fatores. Mas para
GERAL
Mayara Sampaio
Em ano eleitoral, ruas ficaram repletas de cartazes
Antônia, ano de eleições
é sempre a mesma coisa
para o Jardim São Manoel.
“Assim que esse perío-
do passa, some todo mundo, sem dar mais as caras
por aqui. Fica difícil confiar
que algo vai mudar”.
17
Jornal Comunitário
DEZEMBRO 2012
Jardim São Manoel
Iê: perseverança e humildade
Gilda Lima
Carol Kobayashi
Paulo Cesar Xavier tem
43 anos. Conhecido como
o Iê, mora há 20 anos no
bairro. Trabalhador e esforçado, há nove anos encontrou no local uma forma de renda e sustento:
a reciclagem.
Após quase dez anos
de trabalho registrado,
Iê ficou desempregado:
“Eu trabalhava em uma
empresa portuária, mas
fui mandado embora.
Então eu peguei gosto
pela reciclagem. Gostei
e não quis mais mudar.
É o trabalho que sustenta minha família. É com
honestidade, um trabalho
digno. Vamos ver o que
dá”.
Iê trabalha com sucata,
papelão, mas seu forte é
o plástico. Sua coleta é
feita somente no bairro.
“Se eu tiver uma condição
melhor, eu saio para pegar em outros lugares”. O
reciclador recebe a ajuda
de três pessoas que reco-
Iê não perde o otimismo em nenhum dia de trabalho à frente da sua central de reciclados
PERFIL
lhem matérias para ele
em todo bairro. Ele compra o que for coletado e
revende para empresas.
Segundo ele, consegue-se juntar três ou quatro
mil quilos de plástico por
mês. “É pouco. Em outros
ferros velhos, eles tiram
por dia sete a oito mil
quilos”, explica.
Ele conta que seu trabalho é feito em meio às
dificuldades, embaixo de
sol e de chuva. Uma prensa o ajudaria a ter melhores condições para trabalhar: “Meu sonho é vender
reciclagem para São Paulo. Gostaria de ter minha
prensa, que eu creio que
vai chegar no momento
certo. Aí, eu me levanto
um pouquinho, também
dá para pagar melhorzinho para eles, para eles
sustentarem a família
deles também”, explicando sobre os funcionários que o ajudam.
Esperançoso, tem projetos para tentar expandir
seu trabalho. Há também
um propósito de fazer um
barco para pegar plástico
no mangue. “Eu vou arrumar uns madeirites e vai
ser quadradinho na ponta. Vai ser largo, vai ter
quatro metros por dez.
Limpar o mangue é a minha intenção”.
O que Iê nunca perde é
perseverança e o otimismo. “Eu creio que vai dar
tudo certo. Eu creio em
nome de Jesus, eu creio
no nome do meu Deus, a
primeira coisa é por Deus
na frente, depois as coisas... Não podemos dar
um passo maior que a
perna. Eu peço e sempre
coloco Deus na frente.”
E já foi ponta esquerda dos bons...
Rafael Correia
Quem visitar o bairro e
perguntar pelo Paulo César Xavier, provavelmente
receberá uma resposta negativa. O motivo? Ninguém
nos arredores sabe quem
é. Mas basta perguntar
pelo Iê que todos o conhecem e indicam onde mora.
O apelido só não é mais
simples do que o próprio
dono. Portador de uma
simpatia desmedida e de
um sorriso fácil, Iê é o responsável por boa parte da
reciclagem do São Manoel.
Há cerca de nove anos
no ramo, Iê acumula não
só os materiais que são os
produtos do seu trabalho.
Ao longo desse tempo, ele
conseguiu agregar também
o respeito dos moradores
do bairro e o misto de carinho e saudade que os seus
amigos nutrem por ele.
Saudade? Sim. Segundo
Genivaldo José dos Santos,
o Barba, Iê foi um dos melhores jogadores de futebol
que o bairro já apresentou
nos gramados. Morador
antigo e muito respeitado
no local, Barba conta uma
de suas lembranças preferidas de Iê: “Uma vez fomos jogar longe daqui. Havia uma falta para o nosso
time e quem foi para a
bola? O Iê! Ele bateu com
18
tanta força, mas com tanta
força, que quando o goleiro pôs a mão na bola, ele
deslocou o braço. Saiu do
jogo na hora. O negão (Iê)
era problema!”, diz Barba.
Questionado se ele era
realmente um bom jogador, Iê, depois de um sorriso tímido, afirma: “Eu
sempre fui grandão. Os
adversários me viam na
ponta esquerda e achavam que eu não corria,
que não tinha habilidade.
Eu gostava. Deixava todo
mundo para trás e fazia os
meus golzinhos”.
Paulo Cesar já não pisa
nos gramados há 14 anos.
Mas não é por conta da idade ou por falta de saúde.
Com 43 anos, ele esbanja
vitalidade. Trabalha todos
os dias, e como ele mesmo
diz, mantém a forma desta
maneira.
A razão por nunca mais
ter entrado em campo defendendo as cores do E.C.
Jardim São Manoel nem
outro time qualquer é uma
promessa que o canhoteiro
mais querido do bairro fez
em um momento de dificuldade.
O filho de Iê, Jonathan,
nasceu com megacólon (dilatação anormal do intestino grosso) e necessitava
de uma cirurgia reparadora. Iê relembra o episódio
e reproduz a sua fala como
se estivesse há 14 anos:
“Na primeira operação não
deu certo. Na segunda não
deu certo e na terceira não
deu certo. Aí na quarta eu
falei: ‘Senhor, eu tenho
uma proposta em mente.
Se o Senhor pegar meu
filho agora nessa quarta
vez, se der tudo certo,
eu deixo o que eu mais
gosto de fazer nessa
vida... e o que eu gosto é de jogar bola, então
eu deixo, Senhor’”.
Por mérito da ciência
ou pela fé de Iê, a quarta operação foi realizada com sucesso. “Quando veio o propósito com
Deus, deu certo!”, diz o
pai emocionado.
Quando era mais jovem, Paulo Cesar recebeu um convite para
uma peneira (seletiva)
em um time do interior
de São Paulo. Mas segundo ele, a chance de se tornar um profissional nunca
aconteceu de fato, pois
não tinha quem investisse em sua carreira. “Tinha
rapaz levando o filho com
carrão... e eu com a minha
chuteirinha de R$ 40. Nem
me deixaram fazer o teste”.
Passados 14 anos da
promessa, Iê relembra de
uma das suas maiores ale-
rafael correia
Uniforme que Iê não veste mais há mais de 14 anos
grias: “Depois que eu virei
evangélico, não participei
mais de nenhuma brincadeira no campo, churrascada, essas coisas. Mas
agora penso em jogar no
veteraninho. Eu acho que
não é pecado. É que eu
fiz o propósito com Deus,
mas acho que se eu se voltar Deus entende (risos)...
Que dá vontade, dá!”.
Saudosismos à parte, Iê
continua com os seus afazeres na reciclagem. Agora, não mais como o jogador que tinha o carisma
dos companheiros e que
causava medo aos adversários, mas ainda como o
pai de família que se esforça em um serviço pesado e
não perde o sorriso no rosto diante das dificuldades.
Jornal Comunitário
DEZEMBRO 2012
Jardim São Manoel
O “homem do pão”
alimenta o amor ao próximo
Jéssica Santos
Passar por diversas dificuldades e poder encontrar forças para ajudar a
quem precisa definitivamente não é para qualquer pessoa. “Um sonho
que mudou a minha vida”
é como Arnaldo Silva Pereira, um aposentado de
68 anos, define a sua
vida em relação ao trabalho beneficente que faz
para as pessoas que mais
necessitam.
Morador do bairro desde
1967, Arnaldo, ou melhor,
o “Homem do Pão”, como
é conhecido pelos moradores, tem diversas histórias
para contar.
Nascido no interior da
Bahia e criado na roça,
nasceu com um problema:
a visão do olho direito.
Para aprender a ler e a escrever, caminhava todos os
dias sete quilômetros para
chegar até a escola que se
localizava em outra cidade. Aos dez anos, quebrou
o braço direito e passou a
ser chamado pelos amigos
de ‘bracinho’ e ‘olho torto’.
Contudo, todos os apelidos
Gilda Lima
A história desta família
daria um livro. Um daqueles cheios de luta e amor
de uma família que apesar
das dificuldades mostra
que a união e respeito dentro de casa são essenciais
para que se tenha força e
fé para continuar.
Ângela é casada com Iê
há mais de 10 anos e sempre teve uma admiração
e respeito pelo marido.
Mesmo com todas as dificuldades que têm passado
na vida, ela nunca saiu de
perto dele e sempre esteve presente na vida dos
filhos.
O sustento da família
nem sempre veio do ferro- velho. Iê trabalhava
em uma empresa portuária em Santos, porém as
exigências do mercado fizeram com que ele não se
encaixasse aos novos padrões estabelecidos. Foi
então que ele resolveu
pegar o dinheiro que recebeu da empresa, montar
um ferro velho e trabalhar
com produtos recicláveis
para continuar sustentando a família.
Quando Ângela conheceu Iê, ela já tinha duas
filhas, hoje uma com 21
nunca abalaram a força de
vontade desse homem.
Aos 21 anos, foi morar
com uma tia que residia
em São Paulo, passando
por tratamentos médicos
para tentar melhorar a visão, não obtendo sucesso.
Voltou para o Nordeste.
Tinha uma prima que morava na Baixada Santista e
Arnaldo veio para Santos,
onde casou e teve os seus
dois filhos.
Um belo dia, Arnaldo,
que é kardecista, teve um
sonho. Uma pessoa aparecia e dizia: “Meu irmão,
levante-se desta cama, vá
fazer o que você tem que
fazer e deixe a sua saúde,
porque dela eu cuidarei”.
A partir desse momento,
passou a ser voluntário
no Centro Espírita Menino Jesus, localizado no
mesmo bairro. Nos dias
de quarta e domingo, o
trabalho era abastecer o
carro da instituição com
verduras, legumes e roupas. Passavam com o veículo pelo bairro para ajudar as pessoas carentes.
As cinco horas da manhã,
recolhiam pães doados
em quase 30 padarias da
Cidade. Atuou como voluntário por 25 anos.
Depois alugou uma casa
e criou o Centro Espírita
Recanto da Paz. Alguns
amigos ajudavam a pagar
o aluguel, mas quando não
dava, Arnaldo tinha que
tirar o dinheiro sozinho
do próprio bolso. Antes
do proprietário do imóvel
morrer, ele doou a casa
para a instituição, pois
acreditava no trabalho que
realizavam de amor ao
próximo.
Após saber do trabalho
de Arnaldo com os que
mais necessitados, um
empresário, que não quer
ser identificado, resolveu reformar e construir
uma nova sede. Um prédio com três andares. Até
que o novo espaço ficasse
pronto, alugou uma casa
para que a instituição fosse abrigada por um período. Segundo Arnaldo,
esse empresário foi um
anjo de Deus que apareceu em sua vida. A previsão para a nova sede é de
oito meses.
O empresário também
doou uma caminhonete
para que pudessem ser
distribuídos os pães, pois
antes tinha que pegar o
carro de amigos emprestado. Atualmente, há 15
padarias que o ajudam.
O “Homem do Pão” não
recebe ajuda de qualquer
órgão público, apenas de
amigos que veem o trabalho que ele faz. Possui diversas agendas com tudo
anotado, como a entrada e
saída de recursos da instituição ao cadastro de todas
as famílias que recebem
ajuda.
Esse trabalho não fica
apenas no Jardim São
Manoel, mas se estende a
várias favelas de Santos e
conta com a ajuda de alguns amigos. “Vejo diversas pessoas com saúde
não se preocuparem em
ajudar ao próximo. São
pessoas pobres de espírito. Faço esse trabalho
com maior prazer, alegria
e satisfação. Dedico à minha vida ao próximo”, diz
Arnaldo.
Para receber ajuda, a
única exigência é fazer
um cadastro com o nome
Perfil
União de uma família
por dias melhores
Gilda Lima
Fundo da casa onde o casal vivia antes de aterrar: um lar de sonhos, amor e esperanças
anos, que já tem uma filha
de cinco meses, e a outra
com 18 anos. Juntos eles
tiveram mais três filhos. O
mais velho deles nasceu
com um problema de Megacólon Congênito (Uma
anomalia caracterizada por
obstrução parcial ou completa do cólon associada à
ausência de células ganglionares intramurais). O
o menino passou por sete
cirurgias ao total para que
fosse realmente solucionado o problema, mas até
isso acontecer a luta pela
vida do filho e o sustento
da família foi enorme.
Mesmo grávida, ia trabalhar no ferro-velho e
depois que os filhos nasceram também foram ajudar
na reciclagem. As crian-
ças traziam o material do
lixo do bairro e da beira
da maré, para que fossem
separados e vendidos. A
irmã e a mãe de Ângela
também ajudam quando
podem no ferro velho.
As crianças hoje pouco
ficam, pois o trabalho é
proibido pelo ECA (Estatuto da Criança e Adolescente). Mas o que fez mesmo
e o endereço. Aos domingos e às quartas-feiras, a
instituição colabora com a
doação de mais de 2 mil
pães, depois há palestras
sobre espiritismo, doação
de roupas e leite para as
crianças com até dois anos
de idade. Uma vez por
mês é entregue cesta básica para as famílias.
Arnaldo diz gostar de
morar no Jardim São Manoel. “Assim como todos
os lugares também possui problemas”. Mas acima de tudo é feliz naquele lugar.
A principal dificuldade
enfrentada é a mão de
obra, pois diz que muitas pessoas querem levar vantagem em tudo.
“Querem pegar as coisas e levarem para casa
ou só querem ajudar
por dinheiro”, comenta o
aposentado.“Ajudamos
sem demagogia e vaidade, só com o trabalho de
caridade e amor ao próximo. Religião para nós
não importa. Sou espírita, porém ajudo todas
as religiões sem preconceito”.
Ângela mudar de vida foram as doenças que estava
pegando e as humilhações
que passava da vizinhança. “As pessoas riam de
mim, foi então que resolvi procurar outro trabalho”, conta.
Ela pegou hepatite, teve
uma gravidez de risco e
desenvolveu problema de
pressão alta devido ao sol
forte que pegava constantemente, pois o terreno
onde se encontra o ferro
velho não é fechado e
sempre passava mal e
era levada ao hospital.
Hoje, ela trabalha de
doméstica em uma casa
de família, durante três
vezes por semana, mas
já trabalhou com o marido na reciclagem e já
sofreu muito com essa
situação. O preconceito
das pessoas e a falta de
estrutura no local onde
trabalhava eram muitos,
e a saúde de Ângela não
suportou tanto estresse.
“Não gosto de lembrar
muito deste tempo. É
muita luta. Eu sofri muito no ferro velho, mas
tem gente que sempre
nos ajudava”, comenta
ao se lembrar da época
quando trabalhava com o
marido.
19
Jornal Comunitário
DEZEMBRO 2012
Jardim São Manoel
Um brasileiro
(muito) guerreiro
Natasha Albert
“Eu peço em nome de
Deus que os jovens formem um projeto! Vocês
podem se unir e levar a voz
do nosso povo para as autoridades”, desabafa o líder
da comunidade do Jardim
São Manoel, João Manoel
Líbero, 68 anos. Um brasileiro, como ele mesmo se
definiu. Um guerreiro, um
lutador, como é conhecido.
Seo João mora no bairro há mais de 10 anos. Ele
comprou seu pedaço de
terra de outros moradores,
que há décadas invadiram
o espaço para conseguir
um lugar para morar. Desde
sempre solidário, a sua vida
se confunde com trabalho e
ativismo. Há 48 anos morador em Santos, seu trabalho não se limitou apenas ao
bairro onde reside. Ajudou
pessoas em outros locais
carentes, próximos daquela região, como na Vila dos
Criadores e no Vale Verde.
Trabalha na Defesa Civil
de Santos, onde pode exer-
cer melhor seu papel de lutar pelos direitos e ideais do
povo do bairro. Considerado
um dos líderes da Associação Dos Moradores e Amigos do Caminho da União,
seu maior orgulho é lutar
pela comunidade. Relembra
de vitórias, como quando
mobilizou ações para construção do encanamento de
água para beneficiar a área
mais pobre do bairro. Ele
sente que tem um dever
moral e cívico. Um exemplo de patriotismo e solidariedade, onde vê como
obrigação pessoal. Ele tem
dois objetivos norteadores
em seus ideais: educação e
os direitos da mulher.
“Criar um posto médico mais próximo, valorizar
as mulheres ‘guerreiras’ da
comunidade, defender e lutar pela obrigação do governo de dar mais atenção
à saúde da mulher são pontos em que todos da Associação vêm correndo atrás”,
enfatiza.
Para a educação, a associação está atuando em
projetos para a criação de
creches e berçários. Isso se
deve pela dificuldade que
as mães enfrentam com
longas distâncias percorridas para tentar conseguir
uma vaga para seus filhos.
A liberdade, os questionamentos, além da luta pelos direitos deixam seu João
orgulhoso e feliz: “Amo lutar por essa terra, porém,
dependemos do poder público para alcançar nossos
objetivos”, diz.
Seu João não tem medo
de falar e mostrar seus
projetos da comunidade.
Atualmente, seu maior objetivo é lutar pela ponte Caminho da União para o Jardim Rádio Clube, facilitando
o acesso para a Av. Nossa
Senhora de Fátima e São
Vicente. Esse é um dos problemas mais graves que o
Jardim São Manoel enfrenta
há anos.
Em caminhada pela comunidade, o então candidato a prefeito de Santos,
Sergio Aquino, conversou
com Seo João: “Ele garan-
PERFIL
MATHEUS JOSÉ MARIA
Seo João sonha com projetos de melhorias para o bairro
tiu que se caso fosse eleito a prefeito de Santos, ele
faria a travessia da União
para a Zona Noroeste”.
Isso não ocorreu, entretanto o prefeito eleito, Paulo
Alexandre Barbosa, também visitou o bairro durante a campanha e conhece o
problema.
Contudo, não é preciso
ser eleito para concretizar a
ideia. Como o próprio líder
afirmou, basta uma união
das pessoas para alcançar
vitórias.
Os moradores não têm
acesso rápido e fácil aos comércios para irem às com-
pras ou um pronto socorro.
Além da dificuldade da travessia, eles ainda têm que
pagar o transporte da barca, que custa R$ 1,75 cada
viagem.
“Eu sou a política da comunidade. Eu sinto o dever de insistir com vocês,
jovens, para que levem a
nossos direitos ao governo”,
ressalta.
“Nós lutamos pelo direito
da periferia. Somos honestos, amamos essa terra e só
queremos aquilo que temos
por direito”, afirma, um
guerreiro apaixonado pela
comunidade onde vive.
Comunidade tem Anjo da Guarda
LIA HECK
Vanessa Pimentel
Leonardo Gomes de
Souza Ferreira, 31 anos,
morador há 17 na comunidade Jardim São Manoel,
em Santos.
O bairro, localizado na
Zona Noroeste, faz divisa
com a Alemoa e é pouco
conhecido na Baixada, por
isso, está abandonado.
As condições de moradia
são precárias. Há poucas
casas decentes, o resto
são palafitas, que abrigam
crianças e suas famílias.
Quando chove, a maré
sobe, junto com o forte
odor do mangue, a lama
se espalha e a situação se
complica ainda mais.
Cenas como essa atordoavam Leonardo. “Não
deixavam minha filha entrar na escola porque diziam que ela estava muito
suja, com os pés cheios de
lama. Não achava que a
escola estava errada, mas
isso tinha que mudar”.
Cansado de esperar pelo
Poder Público e triste pelas crianças do bairro, ele
decidiu agir. “A idéia veio
da necessidade. Se eu não
fizer nada, não me movimentar, isto vai continuar.”
Em 2008, reuniu 4 pes-
20
Leonardo: exemplo de superação e realização de sonho
soas: a esposa, o sogro, a
sogra e Zilma, moradora
da comunidade e voz ativa
por lá. Criaram a União da
Comunidade, uma espécie de instituição onde ele
arrecada alimentos, fraudas, remédios e distribui às
famílias mais carentes do
bairro. Ela fica num pequeno espaço, onde era a sala
da casa dele, atende qualquer morador que precise
de qualquer coisa.
Como o foco de Leonardo
sempre foram as crianças,
o primeiro evento realizado
ocorreu no dia delas, em
2008. Para isso, foi atrás de
parcerias com as empresas
grandes que existem perto
do bairro, mas não conse-
guiu apoio, pois não tinha
nada para mostrar, além
das suas palavras. “A imagem vale mais que a palavra e eu não tinha nada
pra mostrar”. Então, tirou
dinheiro do seu próprio bolso, fez empréstimo e a festa das crianças foi um sucesso.
Fez tudo sozinho. Montou
o palco, pendurou as faixas
e pensou nas brincadeiras.
Como gosta de correr, teve
a idéia de um torneio dividido por idades. As crianças de 5 a 6 anos correriam
100 m, as mais velhas 300
m e assim por diante. Deu
tão certo que as crianças
não queriam mais parar de
correr.
Ele trabalhava em um
posto de gasolina, lugar
onde, geralmente, clientes
tornam-se amigos, o que
não foi diferente com Leonardo. Um deles, “Jé”, é cameraman na Record e, em
um dos bate papos, Leonardo contou sobre o projeto
e a festa do Dia das Crianças, que estava planejando novamente para 2009.
Jé se ofereceu para filmar
o evento, levar a imprensa
e tornar a festa conhecida,
pois assim ele conseguiria
mais ajuda para os próximos eventos. Jé foi apadrinhado por Leonardo como
o “Anjo da Guarda” da instituição. Com a cobertura
da imprensa na festa das
crianças de 2009, a “União
da Comunidade” ganhou
força. As empresas ao redor
vieram procurá-lo, como
a Fórmula Truck, G-Log e
Sigma, doações começaram a chegar e, além de
tudo, Leonardo tem agora
um material para mostrar
as empresas, as tão valiosas imagens que fortaleceriam suas palavras na hora
de pedir mais apoio, inclusive à Prefeitura.
A União da Comunidade
hoje funciona como uma
ponte entre o bairro e os
órgãos públicos.
Durante a semana é feito por Zilma e Patrí-c i a ,
esposa de Leonardo, u m
monitoramento de casa
em casa para verificar a situação das crianças. Além
disso, a instituição oferece
serviços como cópias de
documentos, uso da internet para sites de serviço
público, como o Detran, e
monta currículos, tudo de
graça.
A próxima festa será no
Natal, no dia 16 de dezembro, onde haverá a distribuição de 400 sacolinhas
para as crianças do Jardim
São Manoel e 50 para as
da Alemoa.
Ainda faltam muitas
coisas, inclusive pessoas
para ajudar com as sacolinhas, mas Leonardo terminou essa entrevista dizendo que a fé realmente
remove montanhas, que
não acredita na palavra
“não” quando o trabalho é
feito com amor e não por
obrigação.
Ele tem três filhos, aos
quais, junto com a esposa, passa os valores e a
responsabilidade de, se eles
quiserem,
continuarem
com o trabalho dele quando partir desta vida.
Jornal Comunitário
DEZEMBRO 2012
Jardim São Manoel
TCC confronta o real e a teoria
GILDA LIMA
Mayara Barboza
Buscar um tema para
o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) não
é uma tarefa fácil, porém, a convivência com
uma realidade nada
agradável levou o aluno
do quarto ano de Jornalismo, Thaigo Costa,
a sugerir aos seus colegas que fizessem um
documentário sobre o
saneamento básico ou
a falta dele no bairro.
Os alunos Luccas Moura, Igor Augusto Monteiro Silva, Thaís Moraes
Macedo e Felipe Santos
sempre desejaram trabalhar com a questão do
meio ambiente e população. Ao conversar com
biólogos, descobriram
que, segundo o Instituto Trata Brasil, a cidade
de Santos, em 2011,
passou a ter 100% da
sua área saneada. Foi
aí que encontraram a
deixa que precisavam
e abraçaram a ideia
do colega de classe.
Em visita à comunidade, perceberam que
a realidade em relação ao saneamento
era outra completamente diferente. Em
certas palafitas, o esgoto do banheiro cai
diretamente no mangue. E então, resolveram unir o útil ao
agradável e elaborar
um vídeo sobre o núcleo, para mostrar que
a realidade da pesquisa é bem diferente.
De acordo com um
dos
integrantes
do
grupo, Igor Augusto, o
objetivo do documentário, que possui cerca de 13 minutos
é
mostrar a vida da população que não faz
parte da estatística, ou
Trabalho da Universidade Santa Cecíllia mostra o bairro pela ótica dos moradores
MATHEUS JOSE MARIA
A comunidade pode falar sobre os mais diversos aspectos da vida do São Manoel
seja, a parte que não
possui qualquer tipo de
saneamento básico em
uma cidade reconhecida, justamente, pelo
oposto. “Nós não queremos apontar certos
ou errados, falar que
MAYARA SAMPAIO
a culpa é do governo
ou das próprias pessoas que construíram
suas casas no mangue.
Nós queremos apenas
contar as histórias delas”, afirma o aluno.
Para conseguir reali-
zar o trabalho no bairro, o grupo participou
de reuniões e conheceu algumas lideranças para ter acesso aos
locais de gravação sem
censura.”Inicialmente,
fizemos pré-entrevis-
tas para definirmos os
personagens com histórias mais relevantes.
Após isso, iniciamos
a parte de gravação,
com as entrevistas
propriamente ditas e
as filmagens do bairro”, acrescenta Silva.
Segundo Thais, o
grupo quis mostrar a
opinião dos moradores
das palafitas. Ao todo,
foram quatro entrevistados. “Quando vi o
local, tive certeza na
mesma hora que era ali
que a gente deveria fazer o trabalho. Primeiro
a gente não pensou em
Santos, pois achou que
talvez o município não
tivesse tantas palafitas
quanto Cubatão ou outras cidades da região.
Mas foi muito chocante
descobrir aquele outro
lado santista. Eu nasci e sempre morei aqui
e nunca tinha sequer
ouvido falar do bairro”.
A estudante ainda
acrescenta que sentiu
vergonha do Município
onde mora após conhecer a comunidade.
“Uma cidade tão cara
como essa, com apartamentos de mais de R$
1 milhão, a 5ª colocada no Índice de Desenvolvimento Humano no
Brasil, ainda há uma
situação como aquela.
E o que é pior lá é um
ranking que classifica
Santos como a melhor
cidade em saneamento do Brasil quando, na
verdade, existem centenas de palafitas com
gente jogando o esgoto direto na maré”.
A orientação do trabalho ficou a cargo do
professor Marcus Vinicius Batista e a apresentação do TCC ocorreu
no início de dezembro.
GERAL
Líderes comunitários
organizam festa das crianças
Andressa Amorim
Há oito anos no Jardim
São Manoel, exatamente
na escola Dr. José Carlos
Azevedo Jr., é realizada
a festa do Dia das Crianças pelos líderes comunitários. Este ano, em 14
de Outubro, foram reunidas cerca de 800 crianças, que participaram de
várias brincadeiras.
A festa tem como uma
das organizadoras uma
das líderes comunitárias,
Regiane Cipriano dos
Santos. Ela conta que é
encaminhado um ofício
para 17 empresas, com
listagem de brinquedos, que são escolhidos
a dedo para a realização
do evento. Cada empresário escolhe quais dos
brinquedos vão patrocinar. Essa transação é
realizada por intermédio de depósito na conta corrente da entidade,
para evitar possíveis dúvidas ou atritos.
As comidas e bebidas da festa ficam por
conta das mães da comunidade, que prepa-
ram e organizam quem
fornecerá os produtos.
Tudo é feito e arrecadado por elas.
As empresas também
dão uma ajuda de custo, sem valor estipulado,
para o aluguel de brinquedos infláveis.
Daiana Cristina, 20
anos, instrutora, conta
que para fazer a recreação e cuidar das crianças no período da festa,
os pais não participam.
Ela é que tem o “poder”
de entreter os pequenos
durante o evento.
SOCIAL
Festas fazem a alegria das crianças do bairro
21
Jornal Comunitário
DEZEMBRO 2012
Jardim São Manoel
Outro olhar sobre Santos
MATHEUS JOSÉ MARIA
Lia Heck
Há dois meses atrás,
mais ou menos, entrevistei o Neto, para o programa Espaço Unisanta, que
é um laboratório de TV da
Universidade Santa Cecília. Logo no início da nossa conversa, ele me disse:
“Meu, tem que falar com
o prefeito para arrumar
a entrada dessa cidade.
Um lugar tão bonito como
Santos tem uma entrada
horrível dessas?”
Não entendi sobre qual
ponto ele se referia, mas
não entrei em detalhes
e nem quis entrar nessa
conversa, pois tinha pouco tempo para entrevista-lo e outras questões precisavam ser levantadas.
Entretanto, a observação
dele me despertou o pensamento sobre a beleza
da nossa cidade. Santos
é uma cidade muito bonita. “Eu nasci e cresci aqui.
Gosto muito desse lugar”.
Mas o que eu conheci foi
uma Santos bem diferente
da que encontrei quando
pisei pela primeira vez no
bairro Jardim São Manoel.
A primeira coisa que pensei
foi: não estou em Santos.
Um lugar desconhecido
para a maioria dos santistas. E ignorado pelos governantes.
Daqui se vê o mar, mas
não a partir de apartamentos luxuosos, construídos
em frente ao maior jardim
do mundo, e que valem cerca de 7 milhões de reais. Daqui se vê o mar nos barracos construídos em cima da
maré.
Para se construir uma
moradia ali, além do material, paga-se a diária de
quem faz o serviço. A casa
sai em média 3 mil e quinhentos reais. Há quatro
anos atrás, saía por mil e
oitocentos reais. São utili-
Visão da favela entre os barracos construídos por moradores, que sonham em um dia sair dali para uma moradia digna
zadas vigas para a base e
muitas vezes dormentes,
que são aquelas madeiras
maciças e resistentes usadas nas estruturas dos trilhos de trem.
Insegurança Constante
Juliana, de 24 anos,
mora com os dois filhos na
comunidade há dois. Ela
conseguiu juntar dinheiro e
comprou um barraco por 3
mil reais, na época. O local possui um cômodo pequeno, uma cozinha e um
banheiro. Ao entrar, é inevitável não se chocar com
o assoalho desgastado e
com fendas por onde se vê
a água do mar. Ela diz ter
medo dessa situação de insegurança, mas não tem
para onde ir. Desempregada, ela recebe apenas
o bolsa – família e seu
marido está preso.
Juliana disse ter procurado
a Prefeitura e a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano
para realizar o cadastro e
tentar uma nova moradia,
mas que até o momento
nada conseguiu. Quando perguntei a ela o que
pensava quando olhava
para a própria casa, ouvi
a resposta: “Sair daqui,
né! Mas, sair pra onde?”.
E, logo em seguida, vejo
as lágrimas escorrerem de
seus olhos azuis esverdeados, assim como o mar
que corria logo abaixo de
nossos pés.
Muitos dos barracos
não são cadastrados junto à Prefeitura. São o que
chamam de “invasão”. Os
riscos de acidentes nos
locais são enormes. Ligações elétricas clandestinas
e ausência de saneamento
básico são realidades.
Evelise Sabino, moradora do local, conta que há
aproximadamente quatro
anos houve um incêndio
que acabou com muitos
barracos. Isso sem falar
em afogamento.
Ano passado, Rafaela, de
20 anos, perdeu o filho, que
tinha apenas um ano e meio,
afogado. Ele caiu do barraco
em que morava a família e,
apesar das tentativas de socorro, acabou morrendo.
Andando pelo local, reparei em várias placas de
“Vende-se”. Entrei num
barraco à venda na rua
principal, que é aterrada e
possui asfalto. O lugar possui dois quartos, sala, cozinha e banheiro, feito de
madeira, porém com piso
frio. A moradora não soube informar a metragem,
mas calculo que tenha de
OPINIÃO
Lixo e falta de saneamento básico causam mau cheiro e trazem riscos aos que vivem no bairro
22
Lia Heck
50 a 60 metros quadrados. O preço, 50 mil reais.
E claro, à vista e sem documentação regularizada.
Visitei outra casa também
construída na parte aterrada. Esta, porém, de alvenaria, dois quartos, o que
chamamos de sobrado. O
valor, 60 mil reais, e também sem documentação.
Outro grande problema
é o lixo. A quantidade de
detritos que fica depositada entre as casas, boiando
sobre a maré, é grande.
O mau cheiro, também.
É comum os moradores
falarem do aparecimento de ratos. Não existe
uma campanha efetiva de
orientação quanto ao descarte dos resíduos, ou até
de reciclagem.
Foram muitas as percepções que tive daquela
comunidade. Andei por ali
vários dias e conversei com
diversas pessoas. E apesar
de notar que muitos possuem TV de LCD e pagam
por assinaturas de canais
fechados, e que ainda possuem computadores, a pobreza é muito grande.
São muitas histórias
a serem contadas. Um
local que só é lembrado
na época das eleições.
Soluções precisam ser
cobradas dos que estarão no governo pelos
próximos quatro anos. Cobrança para que melhorias
sejam feitas numa comunidade em que os moradores não precisem mais
desabafar a mesma frase,
quando questionados sobre seus sonhos de moradia: “Sair daqui!”.
Jornal Comunitário
DEZEMBRO 2012
Jardim São Manoel
Choque Social
Luciana Mohallem
Adentrar a uma comunidade carente é uma experiência que todo cidadão que reside em bairros
não periféricos deveria ter.
Digo deveria porque não
há como entrar e sair dali
a mesma pessoa. Não,
mesmo! Nada como uma
palafita para estourar
nossa bolha...
A transformação se
inicia logo nos primeiros
passos, ao se realizar a
passagem entre o bairro consolidado e o anexo vulnerável sobre uma
ponte acima do mangue
e esgoto. O choque cultural vem junto com o odor
da falta de saneamento
básico. É percebido de
imediato. Localizado às
margens da Via Anchieta,
a comunidade não é distante do centro da cidade
– em torno de seis quilômetros. Suas distâncias
são outras.
O chamado “Caminho
de São Manoel”, parte
frágil anexada ao bairro, é composto por uma
única rua e dezenas de
vielas e becos erguidos
sem medo sobre as palafitas. Apesar de muitas
construções, residências
e estabelecimentos comerciais serem de alvenaria, a maior parte está
sobre o mangue poluído
com todo tipo de lixo.
A sensação é que todas
as garrafas PET do mundo foram parar lá. Difícil
identificar ali onde come-
Rafael Correia
ça uma casa e termina
outra. É surreal observar
que naquele emaranhado
de placas de madeira sob
telhas de Eternit sobrevivem centenas de famílias. Como conseguem?
Sim, eles conseguem.
A rica estética da comunidade não é páreo para
as histórias de seus moradores. Pais e mães de
família, crianças, mães
solteiras, idosos, comerciantes, donas de
casa e líderes religiosos.
Tudo junto e misturado.
E todos se respeitando.
Um valor em déficit na
“praia”, assim chamada
a parte rica da cidade de
Santos.
Nós somos observados
o tempo todo. A primeira
visita, realizada num sábado de sol escaldante,
ficou marcada para ambos: de um lado, nós, os
“forasteiros”, e do outro
os “nativos”. Mas as diferenças começam a se
dissipar por aí. Os sentimentos são os mesmos:
curiosidade e receio.
Nossa guia é a Evelise
de Oliveira Silva. “Evelise com s”, ela diz logo de
cara. Apesar de não se
intitular líder, pode ser
considerada sim, uma líder informal. Cheia de
personalidade, me deu
algumas broncas quando
questionei se as Casas
Bahia chegavam até as
palafitas.
- Claro que chega! Só
porque é favela não vai
vir?
Mal sabíamos que ela
seria minha principal
fonte e que conversaríamos por horas e horas,
estabelecendo um vínculo até então improvável.
Evelise é um doce e me
afeiçoei imediatamente.
Mostrou-nos toda a comunidade e seus principais personagens, frutos
da dura realidade da vida
sobre as hastes de madeira.
Algumas cenas chamam a atenção mais do
que outras, assim como
ocorreu em nossa primeira incursão a um dos becos. Presenciar crianças
brincando de esconde-esconde sob os barracos,
em meio à lama e sujeira, dá um certo mal estar. Não somente pela situação, mas também por
perceber que o ser humano se adapta a todo tipo
de adversidade em nome
da sobrevivência, mesmo
tendo tão pouca idade. Ao
observar a ingenuidade
daqueles sorrisos em sua
primeira infância, me pergunto se permanecerão
fortes o suficiente para
continuar a batalha ao
longo da vida.
De fato, o Jardim São
Manoel proporciona reflexões sobre temas aos
quais não estamos acostumados. Sabemos que
existem, sabemos que
podem estar logo ali, mas
só temos contato via noticiários. E uma coisa é certa: a realidade não cabe
em uma tela de 20 pole-
MATHEUS JOSÉ MARIA
Contraste: os primeiros passos sobre vigas e a antena de TV
gadas ou mesmo em uma
primeira página. Como
eu poderia, por exemplo,
descrever com exatidão o
contraste entre a falta de
saneamento e as dezenas
de antenas de TV por assinatura da Sky?
Fui duas vezes à comunidade. Em ambas, fui
uma das últimas a sair e
um detalhe me chamou a
atenção. Na primeira visita, assim que cruzamos
OPINIÃO
a ponte na volta, ouvi estouro de fogos, provavelmente para comemorar
algo ou dar algum “aviso” de “barra limpa”. Na
segunda vez, me atentei
para ouvir novamente o
estouro e nada. Nessa ausência, percebi agradecida que já tínhamos sido
aceitos pela comunidade
do Jardim São Manoel.
Tão longe e tão perto da
nossa “praia”.
O bairro na internet
O São Manoel não foi divulgado somente no jornal impresso do curso de
Jornalismo da Unisanta.
Este ano, a comunidade escolhida pode contar
pela primeira vez com a
integração de um áudio
blog, um espaço disponibilizado na internet
com áudios e vídeos das
matérias
produzidas.
Sob a orientação da
professora de Radiojornalismo, Valéria Vargas,
cerca de 45 universitários visitaram e conheceram o local, podendo
assim, repassar ao público o dia-a-dia e as pecu-
liaridades deste bairro,
que normalmente não é
evidenciado na Cidade.
O blog Jardim São
Manoel, assim como o
Primeiro Texto Comunitário, é um projeto acadêmico sem fins lucrativos, e foi desenvolvido
pelos alunos do 2º ano de
Jornalismo/2012 da Universidade Santa Cecília.
O projeto foi praticado durante os meses de
setembro a novembro,
e é destinado a fotodocumentários sobre o
Jardim São Manoel. O
material impresso será
encaminhado ao prefeito e aos 21 vereadores eleitos em 2013.
Acesse o web blog do Jardim São Manoel:
http://jardimsaomanoel.blogspot.com.br
Moradores e visitantes podem conferir os fotodocumentários do blog na Internet
23
Jornal Comunitário
DEZEMBRO 2012
Jardim São Manoel
MATHEUS MARIA JOSÉ
Apesar de rica, Santos esconde palafitas ao longo do Rio do Bugre, que faz divisa entre os moradores do Jardim São Manoel, Rádio Clube e Castelo
À espera da igualdade
João Diwan
Ao entrar em ruas do
Jardim São Manoel, o que
se vê não é algo parecido
com um jardim, porque o
que compõe a paisagem
não é um campo florido
com grama verde. O que
se sente é um mau-cheiro
e a ausência de qualquer
política pública parecida
com a existente no restante de Santos.
Se houver uma reflexão
sobre essa realidade, em
relação à propaganda do
governo municipal sobre
os projetos de revitalização de áreas públicas, nas
praias, bairros e fachadas
do centro antigo, fica logicamente evidenciado que
a evolução socioeconômica ainda não foi apresentada, de fato, ao segundo
bairro mais afastado do
Município, competindo nos
limites cubatenses apenas
com a Alemoa, bem ao
lado.
Como viver em um bairro separado pela Via Anchieta e o Rio Casqueiro,
sem ter um bom serviço de
transporte coletivo? São
poucas as linhas de ônibus
que chegam até o Jardim
São Manoel. “Eu desisti de
pegar o ônibus até o Rio
Branco, voltei para cá, pois
fiquei uma hora esperando
no ponto”, desabafa Maurício Leandro de Souza, que
mora no local há 16 anos.
E ele completa, em tom de
indignação: “Além de tudo,
‘asfaltaram’ o mangue e
não fizeram calçadas. O
povo anda nas vias, competindo no espaço com os
carros e caminhões”.
O homem procura a solução do seu próprio problema quando se vê sozinho e sem destino. Nestas
duas últimas décadas, daria para contabilizar uma
evolução socioeconômica
“devagar quase parando”,
porém progressiva. Será
que é “graças a Deus”?!
Mas, nem tudo é determinado por vontade divina.
Brotou uma consciência
de que algo precisava ser
feito, de qualquer maneira. Se não houve a pré-disposição do governo para
com a melhoria do bairro,
a própria população local
começou a tentar transformar o seu lugar num
verdadeiro jardim, onde se
possa mais do que brincar,
viver.
Aos poucos, foram deixando o preocupante passado de mangue para trás,
ao passo que cada um começou a lutar a favor do
seu espaço e dos demais.
Agora, a comunidade conta com a ajuda da Sociedade de Melhoramentos,
uma entidade que faz a
mediação entre os colaboradores, que hora ou outra
ajudam financeiramente
com eventos e melhorias
naquela área de Santos.
União faz a diferença
Regiane Cipriano enfatiza a situação: “São os próprios moradores que fazem
a diferença, motivados pelo
instinto de sobrevivência.
Antes, cada um tinha uma
atitude. Agora, junto aos líderes comunitários, convocamos a comunidade para
votar e discutir os assuntos, a fim de resolver os
problemas da melhor maneira possível para todos”.
A criação dos estabelecimentos comerciais é a
chave do avanço. Segundo
ela, devido ao comércio local, que cresce a cada dia,
as pessoas preferem ficar
em casa, no bairro, geran-
SOCIAL
Má distribuição da riqueza
Uma pesquisa feita
pelo Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada
(IPEA), apresentada em
2011 ao Conselho de Desenvolvimento Econômico
e Social (CDES), mostra
como os pobres sofrem
uma tripla injustiça, dentro das legalidades do
sistema tributário - sendo a má distribuição da
riqueza o fator principal.
Segundo o levantamento,
os 10% mais pobres do
País gastam 33 por cento
de seus rendimentos em
impostos - enquanto que
os 10% mais ricos pagam
23 por cento pelos mesmos tributos.
Isso porque o valor
pago é proporcional à renda do cidadão, tanto para
os ricos, quanto para os
pobres. Ou seja, os que
possuem a menor renda
acabam pagando proporcionalmente mais do que
24
do renda com o seu próprio
negócio. “Aqui, cada um
faz algo que não seja igual
ao comerciante próximo.
Temos uma boa distribuição do espaço, em relação
ao número de habitantes e
comércios locais. Isso ajuda o vizinho que vende o
pão e também ao outro,
que vende a sacola”.
Ela mora há mais de 20
anos no bairro e está lá antes de qualquer desenvolvimento: “Eu tomava banho
na maré e catava caranguejo”. Há 18 anos, Regiane diz
lutar pela melhoria de onde
mora, trabalhando na única
escola municipal do local.
Também é representante da
comunidade na Sociedade
de Melhoramentos.
A chefe de seção da Unidade Centro Comunitário,
responsável pela área, Mônica Bertan, é assistente
social e trabalha dentro do
bairro junto à população.
Ela confirma que os moradores se ajudam, se mantêm no que podem e o comércio que lá dentro existe
faz com que o bairro seja
um local que tem o bastante para fazer valer o conceito de comunidade com
sociabilidade.
os ricos. Este imposto é
cobrado tanto do produtor
como do consumidor, independentemente da condição social do indivíduo.
O ICMS (Imposto sobre
Circulação de Mercadorias e Serviços) é o que
mais causa essa distância entre os pobres e os
ricos, causando um efeito
social regressivo. A alíquota (percentual de tributo proporcional ao total da renda) fica, então,
proporcionalmente menor quando a renda fica
maior.
Com isso, o rico gasta
uma média de 5,7% proporcionais a sua renda
gorda, enquanto um pobre deve arcar com 16%
do total da sua respectiva “renda” magra.
O outro fator desfavorável aos pobres está nos
impostos diretos (renda e
propriedade). Apesar de
Qualidade de vida
A socióloga e professora
de ensino superior na Universidade Santa Cecília,
Maria Cristina Lopes, vê o
conceito de cidadania aplicado à realidade no São
Manoel.
“A cidadania é o conjunto de direitos e deveres a
que o cidadão está sujeito no seu relacionamento
com a comunidade em que
vive. Verificamos que os
moradores do bairro estão
organizando projetos sociais, preocupados com a
qualidade de vida e fazendo cumprir o exercício da
cidadania”, destaca a professora universitária.
Segundo a socióloga, o
projeto de melhoria socioeconômica desenvolvido
pela comunidade possibilita a integração de seus
moradores, proporcionando a solidariedade na forma de um comércio local,
por exemplo.
Essa atividade pode gerar emprego, propiciando
um crescimento econômico com sustentabilidade, desenvolvendo assim
um dos papéis principais
do cidadão: gerar renda.
MATHEUS MARIA JOSÉ
ser menos corrosivo ao
bolso, o Imposto sobre
Propriedade de Veículos
Automotores (IPVA) cobra
os 0,5% proporcionais à
renda dos mais pobres. Já,
os mais ricos devem desembolsar de 0,6% a 0,7%
do total, no mesmo IPVA.
Para pagar o Imposto
sobre Propriedade Territorial e Urbana (IPTU), a
alíquota é de 0,4% mais
barata para os mais ricos,
em comparação ao tributo
de 1,8% proporcionais ao
total da renda dos mais
pobres. Levando em conta os fatos e situações de
ambas as partes, quem
mora numa mansão paga
menos do que o que reside na favela.
Ou seja, o país precisa
de um sistema tributário
mais justo, pois não ter um
serviço público equivalente
para todos os cidadãos já é
Um córrego de cascalho e água suja em meio às moradias
muito desumano. (J.D.)
DEZEMBRO 2012
Jornal Comunitário
Jardim São Manoel
FOTOS
MATHEUS
JOSÉ
MARIA
Ensaio
É a ponte que
marca a fronteira
das duas realidades
do bairro Jardim
São Manoel.
A parte que fica
antes da ponte é
mais antiga, dotada
de maior infraestrutura e se assemelha
à um bairro periférico comum.
Já o outro lado
mostra uma realidade que muitos santistas não conhecem:
a extrema necessidade. Esquecidos pelos órgãos públicos,
os moradores sofrem
com a falta de saneamento básico, aten-
dimento de saúde
e escolar. Muitos já
perderam bens e familiares na maré.
O prejuízo moral
e material é incompensável, porém os
moradores sobrevivem à falta de assistência e batalham
por um futuro melhor. Seja dentro ou
fora da comunidade.
Histórias de superação, de perda, de
choro, de glória, de
revolta... O misto de
sentimentos que invade uma comunidade, que é cheia de
vida. E cheia de vontade.
25