A identificação de obstáculos e busca de soluções
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A identificação de obstáculos e busca de soluções
A identificação de obstáculos e busca de soluções por MAC CHAPIN SEÇÃO DE TEMAS 12 Mac Chapin apresenta seu documento aos participantes na conferência Mapeamento para Mudança. Introdução A natureza dos mapas Em primeiro lugar, existe confusão a respeito de que mapas são. A confusão deriva do fato de serem de natureza ‘técnica’ e ‘política’. Os cartógrafos profissionais tendem a encará-los como técnicos porque eles se empenham na produção de mapas. A delineação de mapas é um exercício técnico que exige habilidades especializadas e capacidades técnicas. Darei maiores esclarecimentos sobre este ponto mais adiante. A natureza política dos mapas manifesta-se quando são postos em uso. Isso se aplica especialmente quando os mapas são usados para reivindicar ou defender terras e para consolidar o poder político. Nos finais do século 19, os europeus dividiram o mapa da África em colônias de sua posse. Isso foi feito com Fotografia: Giacomo Rambaldi Os projetos de mapeamento com comunidades, especialmente no caso destes serem genuinamente ‘participativos’ (uma palavra com muitos significados), são bem mais complexos e difíceis do que muitos de nós gostaríamos que fossem. Devido ao fato que são complexos e envolvem uma série de pessoas e instituições de modo geral, são várias as áreas em que poderão ocorrer falhas. Gostaria de salientar algumas dessas áreas de perigo e, em seguida, descrever brevemente algumas maneiras pelas quais elas podem ser evitadas. um mapa e essa divisão dos espólios aconteceu na Europa, não na África. A mesma coisa foi feita em toda parte do globo durante séculos e resultou na definição de impérios e nações políticas. Hoje em dia, os mapas são usados pelos governos e empresas multinacionais para definir concessões para a extração da madeira, mineração e empresas petrolíferas, e os conservacionistas os estão utilizando para demarcar terras para reservas de vida selvagem e áreas protegidas. No passado, os mapas foram utilizados somente pelos governos e as elites, para estes fins a cartografia foi conhecida como ‘a ciência de príncipes’. Porém, atualmente os povos indígenas e tradicionais já utilizam os mapas para proteger e legalizar suas próprias pátrias. Isso tem sido uma verdadeira aprendizagem e ação participativas 54 abril de 2006 93 SEÇÃO DE TEMAS 12Mac Chapin “Os projetos de mapeamento com comunidades, especialmente nos caso destes serem genuinamente ‘participativos’ (uma palavra com muitos significados), são bem mais complexos e difíceis do que muitos de nós gostaríamos que fossem” revolução na maneira pela qual os mapas são usados. Os mapas também têm outros usos. Eles podem ser usados como uma base para discussão, negociação, gestão e resolução de conflito. Eles provêem um quadro visual de paisagens que todos podem entender – os idosos analfabetos e até mesmo os funcionários governamentais – e permite a participação de todos em discussões sobre assuntos de contenção freqüentes, tais como os direitos de terras e a propriedade de recursos. No nosso trabalho, constatamos que os governos e os povos indígenas e tradicionais estão a favor deste proceder. Ele é propício para a conversação quieta e razoável em vez da confrontação que normalmente aumenta a suspeita e causa dificuldades desnecessárias. A negociação é bem mais efetiva do que a confrontação. Levando isso em consideração, apresentar os projetos de cartografia como exercícios técnicos – a construção de mapas pelo uso de dados de campo – facilitará o processo de discutir o uso de terras, os direitos de terra e outros assuntos. Em segundo lugar, encarar os projetos de mapeamento participativo como empreendimentos sócio-organizacionais e não como exercícios de transferência de tecnologia. Encará-los como projetos comunitários que por coincidência tem um componente técnico; não os conceber como projetos técnicos que se apegam às comunidades. Quanto mais os aldeões e seus líderes tiverem controle da administração de projetos e puderem dirigir as atividades, mais participativos serão os projetos. Os técnicos – os especialistas de SIG e cartógrafos – não devem mandar nos projetos de cartografia. Os aldeões e seus líderes devem estar na direção para que os projetos desse gênero possam produzir mapas que eles descrevam como próprios deles. É necessário incutir neles um senso de propriedade; sem isso, eles normalmente não fazem nada com os mapas. Outra maneira de formar um conceito sobre isso é por observar os projetos de cartografia dirigidos por pessoas locais com a assistência técnica de cartógrafos. Eles não são projetos dirigidos pelos cartógrafos e especialistas de SIG com informantes locais. 94 aprendizagem e ação participativas 54 abril de 2006 Deixe-me citar um exemplo disto. A organização Terras Nativas desenvolveu uma metodologia nos últimos doze anos que foi usada em vários cantos da América Latina, na África, e no Sudeste da Ásia. Os projetos iniciais eram precários, mas aprendemos lições deles e os esforços subseqüentes prosseguiram sem dificuldades. Utilizamos a mesma metodologia geral em todos os lugares. O fundamento técnico consiste em uma seqüência de três seminários entremeados com dois períodos de campo com duração de três a quatro meses. Equipes de ‘pesquisadores’ das aldeias trabalham de perto com cartógrafos para reunir mapas de esboço da comunidade que contêm conhecimentos locais da paisagem junto com fotografias aéreas, imagens de satélite e mapas básicos. Este processo é muito intenso, gastando muito tempo com a coleta de dados no campo, conferindo e fazendo referências cruzadas das informações cartográficas existentes com os mapas de esboço das aldeias e construindo mapas novos, repletos de informações culturais sobre as características físicas significativas e os usos das terras, e dotados de referências geográficas. Envolve muitas atividades repetidas, indo de um lado para outro. O resultado é um conjunto de mapas produzidos pelos aldeões e seus líderes, com assistência de cartógrafos, que são altamente detalhados e precisos. Planejamento de projetos Qualquer que seja a metodologia a ser usada, os projetos devem ser planejados cuidadosamente. Primeiro, a equipa principal do projeto deve ser formada. Nos planos da Terras Nativas, há uma unidade comunitária, uma unidade técnica (cartográfica) e uma unidade administrativa. Todos têm seu próprio trabalho a fazer e deve haver uma coordenação entre todos. É extremamente importante que a unidade administrativa seja forte. Ela cuidará das logísticas relativamente complexas: viagens, contratação, pagamentos e reembolsos, programação de atividades, locação de instalações, compra de materiais e equipamentos e assim por diante. As decisões têm que ser tomadas de modo oportuno, as pessoas têm que ser gerenciadas e, no redemoinho de atividades, após o início do projeto, geralmente ocorre certo grau de confusão – especialmente se não foi estabelecida nenhuma unidade administrativa efetiva. Não é possível exagerar a importância deste aspecto. Tanto a unidade comunitária quanto a unidade técnica devem ser fortes, mas a unidade administrativa é realmente o fundamento do sucesso. Ela pode ser constituída de várias maneiras. O que funcionar melhor. Por exemplo, o projeto de cartografia do povo Kuna no Panamá, ao qual prestamos A identificação de obstáculos e busca de soluções 12 O processo cartográfico em andamento na Papua-Nova Guiné SEÇÃO DE TEMAS assistência, foi dirigido por uma equipe pequena, formada pelo Congresso Geral de Kuna. Foi composta totalmente de pessoas Kuna, com a exceção de um dos cartógrafos, que era um empregado do Instituto Geográfico Nacional. Na Papua Ocidental, o projeto foi dirigido por uma ONG papuana muito arraigada nas comunidades que foram mapeadas; receberam assistência da agência britânica DFID (Departamento para Desenvolvimento Internacional). Nos Camarões, o projeto foi administrado por uma organização binacional (anglocamaronês) chamada Mount Cameroon Project. Na região Darién do Panamá, o projeto foi administrado por uma ONG não-indígena. Todos nós sabemos que os mapas não são apenas pedaços de papel neutros com linhas neles traçados Se fossem, por que gastaríamos tempo para produzi-los? Os mapas são documentos poderosos usados para vários propósitos políticos. Diante dessa realidade, devem-se antecipar as possíveis sensibilidades em pelo menos duas áreas: entre as comunidades que estão sendo mapeadas e com as autoridades governamentais. As pessoas das comunidades suspeitarão do projeto porque nunca fizeram algo semelhante antes e são tradicionalmente suspeitosos de pessoas alheias. Eles não sabem quem controlará os mapas quando estiverem completos. As pessoas do governo freqüentemente, se não sempre, encararão o mapeamento comunitário como uma ameaça potencial, como parte de uma campanha pelos direitos agrários e poder. Isso é tudo muito natural e deve ser esperado. Então, o que pode ser feito para dirimir essas suspeitas? Preparo básico É necessário fazer preparação básica e cuidadosa antes do início do mapeamento propriamente dito. Isso pode exigir muito tempo, e para ser eficaz deve-se gastar muito tempo. Algumas pessoas desejam iniciar o mapeamento imediatamente, mas este proceder deve ser evitado. Essa é uma tendência comum entre pessoas técnicas, que só querem que as coisas andem. Mas, é imperativo que o trabalho preparatório seja feito e, embora exija algum tempo, servirá para ganhar tempo no fim. Reduzirá substancialmente as tensões e permitirá que o processo corra mais suavemente. Deverá ser efetuado em pelo menos três áreas. Visitar as comunidades a serem mapeadas É provável que ninguém das comunidades tenha feito al g um a a t iv ida de d e s te ti p o . N i n g u é m s a b e o que Fotografia: Native Lands A dimensão política acontecerá, qual é a metodologia ou por que o projeto está sendo empreendido. Os membros da comunidade tinham muito pouco a ver com mapas e não sabem para que finalidade prática estes servem. Mas, apesar disso, espera-se deles que selecionem um representante entre eles próprios para trabalhar como ‘pesquisador’ da aldeia. Essa pessoa coletará informações de pessoas conhecedoras das comunidades, lançando-as num mapa de esboço. Essas informações – informações pertencentes à comunidade – poderão então ser levadas a um seminário fora da comunidade e lançadas em mapas novos com a assistência de cartógrafos. Os aldeões precisam entender todo esse processo e seu significado. Suas perguntas devem ser respondidas e debatidas. Senão, eles hesitarão em participar, e somente por meio de ampla participação que o projeto funcionará. Os líderes do projeto devem visitar as comunidades e explicar tudo isso aos aldeões, comunidade por comunidade, e permitir tempo para discussão. Eles precisam recrutar os líderes comunitários neste empenho. Em alguns projetos iniciais, quando ainda desenvolvíamos a metodologia, a preparação básica nas comunidades era fraca e sofremos as aprendizagem e ação participativas 54 abril de 2006 95 12Mac Chapin Fotografia: Native Lands SEÇÃO DE TEMAS Uma foto da equipe do projeto de cartografia na Papua-Nova Guiné conseqüências disso. Algumas comunidades se recusaram a cooperar no momento de execução e uma comunidade disse que só participaria se fosse paga em dinheiro. Foi necessário muito esforço para recuperar o tempo perdido porque este processo foi extremamente demorado. Convém notar que, mesmo com esse tipo de preparação básica, os aldeões, de modo geral, ficarão de resguardo, especialmente nas regiões onde eles foram maltratados por pessoas de fora (normalmente pessoas do governo ou de empresas, ou ambos). Foi assim quando trabalhamos em Papua Ocidental, por exemplo, onde existe conflito aberto entre o governo da Indonésia e as comunidades locais. Feita a preparação inicial básica, conseguimos avançar o projeto, mas os aldeões não tinham confiança completa e não disponibilizaram as informações até mais tarde na seqüência das atividades. Foi necessário cultivar a confiança com o passar do tempo. 96 aprendizagem e ação participativas 54 abril de 2006 Contatar agências governamentais É extremamente importante que o governo esteja informado do que está sendo feito. Isto é mais imperativo ainda nos países em que existe conflito ou relações difíceis entre os povos indígenas e o governo. Devido ao potencial para sensibilidades políticas, deve haver transparência e franqueza por parte dos líderes do projeto. Se o governo não estiver informado do projeto, ele pode: • Se opor e bloquear o projeto; ou • Se recusar a aceitar os mapas como legítimos quando a produção dos mesmos estiver completa. Solucionamos este problema fazendo com que os líderes de projeto, junto com os cartógrafos e líderes comunitários, fizessem demonstrações da metodologia em vários ministérios e agências. Um pequeno ‘show divertido’ que mostrava como o processo funciona tecnicamente. Essas ocasiões proporcionam boas oportunidades para conversar sobre a utilidade dos mapas como ferramentas para negociação e A identificação de obstáculos e busca de soluções Solicitar a colaboração da(s) agência(s) cartográfica(s) do governo Apresentar-lhes uma demonstração da metodologia e convidálos a emprestar alguns de seus cartógrafos para trabalhar no projeto. Em alguns casos, isto será mais fácil do que em outros. Mas, constatamos que, quando os cartógrafos do governo percebem o que o projeto fará e assistem a uma demonstração da metodologia, eles se interessam muito em aproveitar a oportunidade para se unir à equipa do projeto. Poucos deles trabalham com dados de campo. Eles passam a maior parte de seu tempo copiando mapas velhos para vários propósitos – trabalho não muito estimulante. A criação de mapas novos com dados de campo e a verificação cruzada com imagens de satélite e fotografias aéreas representam uma proposta atraente – especialmente se eles recebem um pequeno pagamento extra por sua participação. Deve-se lembrar, ainda, de que eles encararão o projeto como algo técnico em vez de político. Isto é importante por várias razões. Primeiro, em muitos países, a maior parte dos recursos cartográficos – mapas básicos, fotografias aéreas e imagens de satélite – são disponibilizados somente por agências do governo. O governo normalmente tem alguns dos melhores cartógrafos – embora isto esteja mudando com a tecnologia moderna e o aparecimento de empresas consultoras que trabalham com cartografia. Em segundo lugar, a participação por parte da agência cartográfica oficial do governo atribui credibilidade aos mapas. Proporciona aos mapas um ‘selo oficial’ de aprovação – e realmente, todos os grupos com que trabalhamos procuravam ter o selo oficial da agência cartográfica do governo nos mapas acabados. É claro que isso é importante, quando os mapas são usados para fins jurídicos e políticos. Sem este relacionamento colaborador, o governo freqüentemente rejeita os mapas sem consideração. “A natureza política dos mapas manifesta-se quando são postos em uso. Isso se aplica especialmente quando os mapas são usados para reivindicar ou defender terras e para consolidar o poder político” SEÇÃO DE TEMAS resolução de conflitos e para o planejamento de administração melhor. Todos esses procederes são alternativas preferíveis à violência que freqüentemente acompanha as disputas sobre terras e recursos e que são agravadas se não existe nenhum mapa, nenhuma área de concordância para discussão. Depois disso, convidar os representantes do governo a visitar os seminários em execução para que possam observar o processo em plena ação. Eis um ponto-chave: Certificar-se de que o governo observe e até mesmo participe, mas sem tomar o controle do projeto. Isso servirá para diminuir as tensões e colocar o projeto numa boa posição para negociações e discussões de adiantamento. 12 Produção dos mapas finais Outra área de perigo ocorre depois de terminarem os seminários e o trabalho formal de campo e,a equipa do projeto está ponderando a tarefa de produzir os mapas finais. Em projetos anteriores, trabalhamos supondo que a essa altura todo o trabalho estivesse completo e seria fácil pegar os últimos desenhos e convertê-los em mapas requintados. Isto não ocorreu e sofremos as conseqüências. Quanto a essa situação, pode-se salientar vários pontos. Primeiro, certificar-se de que haja recursos financeiros suficientes no orçamento para manter o diretor de projeto, vários técnicos e os líderes comunitários no projeto por pelo menos seis meses, para guiar o processo cartográfico pelas fases finais de projeto e produção. Espera-se que tenha havido durante os seminários alguma discussão sobre a aparência desejada do mapa – como a legenda será configurada, as cores a serem utilizadas, que tipo de papel, se estarão ou não fotografias no mapa, o tamanho, o número de mapas em escalas diferentes e assim por diante. Nesta altura, tudo tem que ser decidido. Será também necessário encontrar um desenhista e fazer os planos para a impressão dos mapas. Esta tarefa é relativamente complexa porque envolve a elaboração de um mapa que contenha muitas informações. Em segundo lugar, os líderes de aldeia devem estar completamente cientes de todos esses detalhes porque eles precisam tomar decisões relativas aos mesmos. Uma área crucial é a necessidade de fazer uma revisão completa dos nomes e dos locais de marcos característicos. As pessoas da empresa gráfica não têm conhecimento da maioria dos nomes indicados nos mapas porque a maioria destes nomes, se não todos, estão num idioma (ou idiomas) que elas não entendem. Se elas forem as únicas pessoas a examinar os mapas antes de estes passarem para a produção final, haverá grande probabilidade de erros nos mapas. Assim, enquanto os mapas estão sendo preparados para impressão, os líderes comunitários que são fluentes no idioma devem ser convidados periodicamente para revisar o processo e fazer correções. Em terceiro lugar, a participação dos pesquisadores das aprendizagem e ação participativas 54 abril de 2006 97 SEÇÃO DE TEMAS 12Mac Chapin comunidades e dos líderes, junto com sua aprovação final dos detalhes dos mapas, garantirá a propriedade dos produtos finais Conclusão A nosso ver, estas são algumas das principais áreas que podem causar problemas nos projetos de mapeamento participativo. Observamos a ocorrência de dificuldades em nossos próprios projetos e nos projetos de outros quando a preparação básica é inadequada e o planejamento de atividades é precário ou defeituoso. É claro que existem outras áreas de problemas onde falhas poderão ocorrer, mas as citadas são as principais que merecem atenção a fim de se ter êxito. Quanto maior a participação dos aldeões no projeto, maior será a possibilidade do projeto se desenvolver sem empecilhos. Além disso, o planejamento cuidadoso e a preparação básica completa aliviarão as tensões entre as comunidades e o governo e possibilitarão a execução bem-sucedida do projeto sem grandes dificuldades. DETALHES PARA CONTATO Mac Chapin, The Center for the Support of Native Lands, 3503 North 13th Street, Arlington, Virginia 22201, EU. Email: [email protected]. 98 aprendizagem e ação participativas 54 abril de 2006