Leia a conferência do Prof. Fernando Pedrão

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Leia a conferência do Prof. Fernando Pedrão
Evocação de Raúl Prebisch
— latino-americano e homem do mundo
Fernando Pedrão1
―Las fallas fundamentales del sistema vigente radican en la
apropriación privada del excedente y en las decisiones
individuales acerca de lo que se hace com él‖.
Raul Prebisch
O exército dos Andes
A obra de Prebisch hoje transmite a impressão de uma linguagem antiga,
como do século XIX, e uma inquietação totalmente atual, à frente das
gerações mais novas de latino-americanos que perderam sua identidade e
sucumbiram a novas ondas de alienação. Raul Prebisch foi latino-americano,
argentino e tucumano, mas acima de tudo foi um homem do mundo que
colocou a América Latina no debate mundial da economia.
Ocupou um
espaço insubstituível na história moderna da luta da América Latina
representando uma ideologia emocional de um desenvolvimento econômico
politicamente
autônomo
da
região
latino-americana.
Historicamente
representou uma ponte entre as contradições da elite burguesa argentina,
um projeto chileno de modernização e uma necessidade de encontrar um fio
condutor de linguagem que reunisse os latino-americanos. Transitou entre
os efeitos da crise de 1930, os da mudança de hegemonia mundial
consequente do fim da Segunda Guerra Mundial e das ditaduras latinoamericanas. Sua carreira foi um empenho em uma luta pela independência
econômica da América Latina reconhecida como essencial para sua real
liberdade política. Desde jovem procurou esse fundamento latino-americano
Doutor e Docente Livre pela UFBA, presidente do Instituto de Pesquisas Sociais, professor
da Universidade Salvador.
1
1
movendo-se no ambiente do poderio ocidental vitorioso do após guerra ao
tempo em que fazendo-se herdeiro das tradições republicanas espanholas.
Sua oposição ao sistema internacional de exploração econômica e
subordinação política está presente desde seus primeiros trabalhos.
Mas essa espécie de ideologia emocional tinha outra conexão cultural em
uma relação com a tradição ibérica. Estava viva para todos a participação
latino-americana na guerra civil espanhola e Prebisch se cercou desses
republicanos na construção da CEPAL. Havia ali uma fonte de inspiração e
a valorização de tradições que teriam um papel especial na aproximação
entre os latino-americanos.
Como já dissemos em outra oportunidade, a CEPAL de Prebisch tinha uma
relação muito especial no jogo entre a tradição e a modernização.
2
A teoria
da relação centro-periferia tinha o duplo caráter de explicar o mecanismo do
subdesenvolvimento
e
de
manifestar
a
luta
pela
restauração
prosperidade que se esgotou na primeira guerra mundial.
3
da
Por meio das
primeiras teses da CEPAL construiu-se uma imagem de América Latina
com a cara dos países do sul e com uma reconhecida ignorância dos demais
países, desde o Brasil até o México. O desenvolvimento de relações entre os
latino-americanos foi uma tarefa abraçada com vigor pela CEPAL, que
promoveu a criação da ALALC, o Pacto Andino e os projetos da Bacia do
Prata.
Essa luta envolveu uma complexa e intensa atividade diplomática, como
atividade de governo e no âmbito internacional, com relacionamentos
sempre difíceis com o governo norte-americano, que basicamente não estava
disposto
a
absorver
um
pensamento
nacionalista
latino-americano
tacitamente não alinhado com os Estados Unidos ou mesmo anti-americano.
A possibilidade de construir um discurso latino-americano a partir do
2
O pensamento da CEPAL, Salvador, UFBA/OEA,1988.
3
Ver O pensamento da CEPAL, PEDRÃO, RODRIGUEZ, MARINHO, BALTAR (1988).
2
âmbito internacional enfrentaria, igualmente, os nacionalismos latinoamericanos com suas rivalidades regionais e com seus conflitos de classe. O
chamado ―capitalismo progressista‖ de Prebisch seria na realidade uma
alternativa reformista à revolução mas certamente um freio aos interesses
norte-americanos. Esse quadro se tornaria mais difícil quando passou a
enfrentar outras versões de internacionalismo na America Latina e que se
apresentavam
como
alternativas
consistentes
para
conter
os
descontentamentos populares. A expansão de partidos democratas cristãos
na década de 1960, com indisfarçável apoio alemão,
democracia
cristã
chilena,
que
adiante
ganharia força na
enfrentaria
suas
próprias
contradições e seria objeto de uma sucessão de dissidências, à esquerda e à
direita,
desde a facção liderada por Jorge
Ahumada que promoveu a
chilenização do cobre até as mais conservadoras e burocráticas que se
instalaram nas Nações Unidas. O reformismo original da CEPAL se cindia
entre uma esquerda chilena que foi apoiar a revolução cubana e que
ingressou no governo de Allende e uma linha democrata cristã que chegou a
ver com simpatia o golpe de 1973. Os espaços políticos e diplomáticos de
Prebisch estavam cerceados no ambiente da decepção com a Aliança para o
Progresso e no da nova onda de golpes de Estado iniciada no Brasil e
continuada na Argentina.
A análise da atividade política diplomática não pode realmente ser fechada
sem integrar os processos latino-americanos com os do mundo ocidental em
seu conjunto, especialmente considerando que esses processos latinoamericanos transcorreram durante a Guerra Fria. Entende-se por que
Prebisch foi levado a tentar articulações que permitissem transferir a
CEPAL para o México, mesmo contra a vontade da maior parte de seus
colaboradores 4.
É preciso reconhecer o mérito da biografia de Prebisch escrita por Edgar Dosman (2011)
que desenha a linha de continuidade entre a formação familiar e a juventude de Raul
Prebisch e sua atividade voltada para a America Latina. Esse trabalho mostra a fragilidade
da base com que contou em sua audácia diplomática e em sua criatividade no mundo
internacional, ao tempo em que oferece uma explicação da disciplina férrea com que esse
trabalho foi feito.
4
3
O trânsito de sua formação de economista ricardiano a sua aproximação com
a esquerda keynesiana foi essencial em sua obra, mas no final da vida se
identificava
com
teses
marxistas
sobre
o
subdesenvolvimento.5
A
insatisfação da elite argentina em cujo ambiente se formou carregava um
tipo de americanidade diferente daquela dos países vizinhos mas continuava
com a visão do Vice- Reinado do Rio da Prata que se considerava detentor da
responsabilidade pela independência que tinha sido o motor do Exército dos
Andes de San Martin.
A compenetração do papel político da economia que se acumulou no
ambiente da análise burguesa do desenvolvimento nas Nações Unidas
tornou-se mais visível e foi posta em cheque quando o avanço político de
setores de social democracia encontrou resistências muito mais profundas
por parte das alianças das oligarquias com o grande capital internacional.
Diferenciando-se do discurso tecnicista da corrente keynesiana, Prebisch
que vinha de uma história pessoal de dissidência com a oligarquia trazia
uma compreensão política do contexto econômico. Já não era somente a
rebeldia dos ―intelectuais técnicos‖ como as demissões de Gunnar Myrdal e
de Celso Furtado, mas a constatação de que o fundo ideológico do
planejamento encontrava uma oposição política real. O seminário realizado
no Lago Como na Itália em 1959 mostrou uma divisão essencial entre
―desenvolvimentistas‖ como os da velha guarda da CEPAL e liberais
conservadores
já
representando
contestatória da CEPAL.6
uma
reação
contra
a
linguagem
A luta em torno do contexto político do
planejamento se colocou desde o início da CEPAL que conviveu com
Apresentando-se como não marxista Prebisch termina por desenvolver uma análise
substitutiva daquela análise do subdesenvolvimento que aponta à relação necessária entre
o controle do excedente – mais valia captada – e a distribuição da renda.
6 O próprio Prebisch se refere com ironia ao menosprezo dos acadêmicos norte-americanos
pela suposta ―indigência teórica‖ do trabalho da CEPAL, seguramente sem imaginar uma
correspondente rejeição por parte dos latino-americanos ao pragmatismo e ao
conservadorismo norte-americanos. Com suas críticas ao monetarismo norte-americano a
CEPAL inaugurou uma vertente de crítica interna no sistema do capitalismo periférico que
teria desdobramentos na esquerda no Chile, no Uruguai, no México, na Venezuela além de
influir no planejamento no Peru.
5
4
governos autoritários pouco propensos a aceitar a racionalidade de políticas
de desenvolvimento. Dificuldades com os governos conservadores da
Argentina e do Chile seriam inesperadamente compensadas pelo apoio
brasileiro em Quitandinha mas continuaria a relação multifacetada e difícil
com o poderio norte-americano engajado em ações em longo prazo de
predomínio na região. 7
Algo essencial acerca de Raul Prebisch foi sua vitalidade e capacidade de se
superar, com uma atualização incessante de seu discurso sobre o
subdesenvolvimento.
Ao
longo
de
uma
tumultuosa
relação
entre
participação política e engajamento internacional a carreira de Prebisch
pode ser dividida em cinco períodos. O primeiro foi o de sua formação
acadêmica até sua vida profissional, que culminou com a criação do Banco
Central da Argentina. 8 O segundo de sua passagem pela CEPAL, de 1948 a
1963, quando elaborou sua primeira obra teórica. O terceiro período, quando
empreendeu a criação da UNCTAD por conta da qual se foi para Delhi. O
quarto, quando voltou ao Chile, dessa vez para dirigir seu projeto predileto
que foi o Instituto Latino-americano de Planejamento Econômico e Social
(ILPES) no qual se aposentou. Finalmente, já retirado de funções continuou
batalhando por uma frente unida de política de desenvolvimento latinoamericana defendendo a tese de uma cooperação latino-americana em torno
de projetos industriais.
A CEPAL foi essencial no apoio às iniciativas de planejamento nacional no
Uruguai, na Bolivia, no Peru, na Venezuela e deu uma contribuição valiosa
no Brasil. Abriu frentes de trabalho em planejamento agrícola, industrial,
dos transportes e principalmente em comercio internacional. As pesquisas
Os meandros dessa movimentação diplomática estão minuciosamente apresentados na
obra de Edgar Dosman que combina riqueza de detalhes com sensibilidade para perceber os
limites dentro dos quais foi preciso trabalhar para ampliar margens de movimento.
Percebe-se que a luta diplomática por independência política latino-americana ganhava
status de representação mundial quando o prestigio da CEPAL passou a outras regiões
periféricas. Mas está claro que os norte-americanos desejavam neutralizar a CEPAL desde
os primeiros anos 50 quando foram surpreendidos pelo Estudo de 1949.
88 Até agora a principal fonte sobre esse primeiro período é o trabalho de Joaquim Miguel
Couto – dissertação e tese de doutoramento — feitas sobre pesquisa original exaustiva.
7
5
sobre a brecha no comércio internacional fundamentariam a proposta de
uma cooperação em torno do comércio.
A saída de Prebisch e dos
integrantes da ―velha guarda‖ no início da década de 1960 concluiu aquele
primeiro período, tendo lugar outro, da década seguinte, quando se
desenhou uma sociologia do desenvolvimento, com trabalhos de Medina,
Cardoso,
Faletto,
Quijano,
Solari,
e
uma
proposta
de
teoria
do
subdesenvolvimento com os trabalhos de Sunkel, Paz, Rodriguez. Em seu
retorno Prebisch finalmente publicaria Capitalismo periférico, crisis y
transformación (1981) que marca uma mudança de rumo em suas idéias e
uma ruptura com o discurso inicial da teoria de relações entre centro e
periferia.
A Obra de Prebisch na CEPAL , coligida por Adolfo Gurrieri, reúne seus
trabalhos mais famosos e O pensamento da CEPAL de Octavio Rodriguez
constitui uma síntese dos aspectos técnicos da obra da Primeira CEPAL, que
foi o período fértil que contou com as contribuições de Jorge Ahumada,
Carlos Oyarzun, Julio Melnick, Pedro Mendive, Santiago Macario e vários
outros. Prebisch foi um trabalhador incansável e rigoroso com seu próprio
trabalho e com o dos demais. Jamais considerou caso fechado nenhum de
seus trabalhos. No segundo semestre de 1970 empreendeu uma obra
gigantesca, com a colaboração de vinte intelectuais e técnicos, que foi
interrompida mas que deveria substituir o Estudo econômico da América
Latina de 1949, que a seu ver estava completamente superado pelo
conhecimento
acumulado
naquele
período.
Entre
suas
primeiras
formulações de uma teoria de relações desiguais entre centro e periferia, de
1949 e seu último artigo de 19819 há uma clara mudança de posição no
relativo às relações de causalidade política do processo econômico que deve
ser revisada. Mas em toda sua obra o eixo dinâmico da acumulação de
capital conduzida pelos países dominantes vinha de seu controle do comércio
internacional, que funcionava como bomba de sucção para favorecer as
empresas e os governos dos países dominantes. No entanto Prebisch tornouRaul Prebisch, La periferia latinoamericana en el sistema global del capitalismo,
Santiago, Revista de la CEPAL, abril, 1981
9
6
se um grande desconhecido porque suas idéias foram reduzidas a chavões e
sua contribuição para a polêmica fundamental do subdesenvolvimento
raramente é exposta em seus elementos essenciais. Para uma apresentação
singela das idéias de Prebisch destacam-se três pontos fundamentais que
são a questão dos mecanismos desfavoráveis de comércio, a metáfora do
equilíbrio e a dinâmica da periferia.10
Os mecanismos desfavoráveis de comércio
A condição de periferia surge de uma formação histórica que combina o
parasitismo ibérico com a exploração organizada pelo Império Britânico
mediante um comércio mundialmente controlado. Pode-se falar de
colonização indireta, um estilo que foi aperfeiçoado pelos norte-americanos.
O parasitismo colonial se baseou no uso de trabalho indígena para obtenção
de minerais preciosos e usando a escravidão para produzir mercadorias
mundiais. O parasitismo deu lugar à criação de elites nacionais alienadas
sempre a serviço de poderes externos. Nesse ambiente favorável a
exploração britânica se organizou para usar – direta e indiretamente –
trabalho para produzir matérias primas para indústria, transformando a
periferia em espaço auxiliar de expandir e controlar o mercado europeu. O
sistema da exploração britânica alcançou seu apogeu com a integração dos
sistemas de infra-estrutura que foi fundamental para aprofundar o
aproveitamento dos sistemas periféricos. A Grã Bretanha colocou-se como
núcleo fabril central de um sistema que mobilizava grandes quantidades de
materiais e necessitava vender seus produtos. Com elevados coeficientes de
importação e de exportação o sistema britânico transferia impulsos de
demanda para as suas diferentes periferias em um jogo de desigualdades
administradas. Há diversas explicações do ocaso desse império 11, mas cabe
entender que se trata de uma combinação de fatores políticos, econômicos,
Não é uma escolha aleatória. Reporta-se a uma longa conversa com Prebisch em abril de
1974 na Secretaria das Nações Unidas, depois do bloqueio ao trabalho iniciado em Santiago,
quando ele fez uma súmula do que considerava sucessos e fracassos e defendia a
necessidade de continuar a escrever e debater.
11 Ver John Strachey El fin del império (1976).
10
7
tecnológicos e de escala de mercado que se anunciavam desde o fim do século
XIX
12
e se consolidaram após a primeira guerra mundial. A substituição do
Império Britânico pelo poderio ascendente dos Estados Unidos teve
conseqüências nefastas para o comércio mundial, em primeiro lugar por seus
baixos coeficientes de exportação e de importação e em segundo lugar por
ser uma potência que concorre com suas próprias áreas de controle
econômico. Com os Estados Unidos o sistema mundial do capital torna-se
mais excludente e passa a subordinar as economias periféricas a condições
inferiorizadas de trabalho. Crescem os fluxos de comércio bilateral e
aumenta a dependência frente ao mercado norte-americano.
Mas é preciso retirar a teoria do comércio desigual de sua aparente
imobilidade. O comércio se transforma junto com as transformações do
sistema sócio-produtivo. As pesquisas realizadas no ambiente do ILPES na
década de 1970 apontavam às fontes históricas do desenvolvimento do
comércio internacional que indicavam a necessidade de outra teoria da
organicidade do processo econômico.
A metáfora do equilíbrio
O fantasma da inflação, herdado do desastre da década de 30, deu lugar a
uma fixação da política econômica controlada pelo Fundo Monetário
Internacional com o paradigma do equilíbrio com as duas acepções de
equilíbrio monetário e da proporção de fatores. A primeira foi enquadrada
por Myrdal (1932) e por Hicks (1937) e Hansen (1945), em que o primeiro
colocava o equilíbrio como um estado de relações intertemporais e os outros
dois se obstinavam em pretender que o modelo IS-LM representasse um
equilíbrio entre esfera real e esfera financeira. O equilíbrio como e enquanto
proporção de fatores, em um contexto microeconômico, representaria as
condições de participação de empresas em mercado (ECKAUS, 1964)
antecipando a argumentação neoclássica pós-keynesiana. O equilibrio como
12
Ver John A. Hobson Imperialismo (1976).
8
proporção de fatores é o equilíbrio instantâneo fundamental à análise
neoclássica que ficou consagrada nos trabalhos de Paul Samuelson e Robert
Solow na década de 1960. Esse debate atingia o cerne do pensamento sobre
planejamento em que se precisava realizar esse ajuste entre a mobilização
de recursos reais e o financiamento. Tinha tudo a ver com o problema da
conversão de valor em preços, essencial ao planejamento, em que se contou
com Rubin (1980) e adiante com Dostaler (1980 ). As interpretações desse
tema no plano da política econômica se bifurcaram entre os que aceitavam a
quebra do equilíbrio para alcançar desenvolvimento e os que consideravam o
equilíbrio
como
um
pré-requisito
indispensável
para
políticas
de
desenvolvimento sustentáveis. Prebisch denominou esse debate de falso
dilema (Obra completa, vol. II, pp.9).
Continuou apoiando o modelo de
planejamento adotado por Ahumada nos cursos da CEPAL, que era uma
combinação do modelo Harrod-Domar
com o modelo de relações inter-
industriais de Leontief. Esse modelo constituía uma grande simplificação
porque supunha condições invariantes de taxa de juros e de câmbio. Mas
poderia ser usado como artifício ou como boneco de mecano como dizia Joan
Robinson. A insistência nessa quantificação apressada comprometeu
tentativas de planejamento nacional como na Bolívia em 1961 e no Peru em
1962, quando se revelou fútil a tentativa de fazer econometria como
ginástica com dados precários. Na CEPAL e logo no ILPES insistiriam nessa
mesma econometria sem base prática que já tinha dado lugar a pesadas
críticas a Tinbergen, Haavelmo e demais holandeses e nórdicos. Essa
controvérsia prosseguiu até os primeiros anos 70 quando tomou a forma de
análise
de
sensibilidade
proposta
por
Oscar
Varsawski
e
vários
colaboradores, notadamente por Norberto Gonzalez líder dos estudos sobre a
brecha comercial dos países subdesenvolvidos. Mas os problemas centrais da
formação de capital e dos seus usos sociais foram enfrentados pelo próprio
Prebisch em seu Capitalismo periférico (1981) e por Celso Furtado em seu
Formação de capital e desenvolvimento econômico (1952;1981).
vertente
que
se
apresentou
no
campo
da
análise
A outra
econômica
do
subdesenvolvimento no espaço do ILPES foi representada pelo trabalho de
9
Osvaldo Sunkel, Pedro Paz e Octavio Rodríguez, que derivou em um estudo
geral do problema e em uma síntese do pensamento da CEPAL inicial,
ficando entretanto em um ponto anterior às mudanças do próprio Prebisch.
A dinâmica da periferia
A
virada
no
pensamento
de
Prebisch
sobre
os
processos
do
subdesenvolvimento — já não só sobre os mecanismos de desigualdade —
começou com a publicação de Rumo a uma dinâmica do desenvolvimento
latino-americano (1963)13 quando passou a focalizar em fatores ―além de
circunstanciais
ou transitórios‖.
Começou uma linha de argumentação
sobre a relação orgânica entre o modo de acumulação de capital e o padrão
de distribuição da renda, ligando os movimentos internos e os internacionais
da desigualdade. A chamada insuficiência dinâmica do desenvolvimento na
América Latina não poderia ser atribuída à falta de capital quando se
reconhecia que essa grande região continuava exportando capital para o
centro da economia mundial. Por derivação tornava-se necessária uma
revisão critica da chamada cooperação internacional, reconhecidamente um
instrumento de interesses dos países condutores do processo de acumulação
de capital.
Passa-se a falar de controle de tecnologia e não mais
de um progresso
técnico genérico tal como ainda aparece na teoria de inspiração keynesiana.
Não se trata de um progresso técnico positivo ou negativo em relação com a
sustentação da taxa de crescimento do produto social mas de um
instrumento central do poder econômico. Nessa perspectiva o controle da
tecnologia é inseparável da cooperação internacional entre países ricos e não
ricos e funciona como uma cadeia de transmissão entre a cooperação de
caráter não lucrativo e as vendas de equipamento e de prestação de serviços.
13
No original Hacia una Dinâmica del desarrollo latinoamericano, (México, Fondo de
Cultura Econômica, 1963).
10
A tese de Prebisch sobre a dinâmica da desigualdade parte da constatação
de que as periferias
da economia capitalista mundializada têm modos
próprios de dinamismo, derivados de sua interdependência desigual com os
centros da economia mundial. Como derivada desse argumento entram as
relações entre as nações integrantes da periferia que passam a ser seu
principal mecanismo de defesa. Há uma relação essencial entre a
concentração de capital, a apropriação privada do excedente e a absorção de
força de trabalho. Esta última reflete as condições de distribuição da renda
que, inversamente,
descrevem o controle social do excedente. Desde
trabalhos anteriores Prebisch já tinha recuperado o conceito ricardiano de
trabalho redundante, que colocaria o desemprego como determinado pelo
sistema social de produção e não propriamente por tecnologias. Estas em si
seriam inertes e sua aplicação seria politicamente determinada. Assim,
haveria limites críticos do sistema econômico que apareceriam no plano
político. Ao apontar as conseqüências negativas do comportamento das elites
periféricas no que elas se associam ao capital internacional explorador
Prebisch insistiu na necessidade de uma política de desenvolvimento que
ultrapasse os limites da economia e contemple os aspectos políticos.
A novidade com as idéias de Prebisch sobre a dinâmica da periferia é que
elas apontam a uma circularidade dos processos do capital na periferia que
se desloca de modo diferente às do centro, por razões econômicas e políticas.
As relações de causalidade incorporam elementos da esfera política junto
com os da esfera econômica. Abandona-se o mecanismo de reprodução linear
que formou a base do planejamento, adota-se uma visão de composição =>
circularidade => heterogeneidade, tornando-se necessária uma teoria da
ação social complexa. Subentende-se que a renovação tecnológica tem efeitos
indiretos maiores que os diretos, que é um modo de aceitar a tese de Gunnar
Myrdal sobre mecanismos de causação circular cumulativa.
As escolhas em política econômica
11
O miolo controverso da obra de Prebisch tendeu a ser diluído nas leituras
burocráticas posteriores e em críticas acadêmicas simplificadoras. Sem
recuar diante da alternativa de estatização dos meios de produção Prebisch
escolhe uma ação reguladora do Estado sobre os usos do excedente por
considerar a democracia indispensável (1981; pp.46). É sua opção pelo que
chamou de capitalismo progressivo que seria uma opção não violenta de
mudança mas que tinha perspectivas cada vez menores. O ponto central da
sua proposta estaria em uma crítica do ―mito da virtude reguladora do
mercado‖ (pp.49) que tornaria necessária uma teoria da transformação
social. Daí que sua teoria do desenvolvimento se consolida como uma teoria
do uso social do excedente, que tem conseqüências em uma teoria do
planejamento como e enquanto ação do Estado sobre a distribuição da
renda. No entanto para Prebisch não se trata de uma ação apenas ideológica
senão de uma conclusão prática sobre os limites da concentração da renda
que levariam a uma crise insuperável do sistema. No entanto não era
ingênuo sobre as possibilidades reais do planejamento, cuja eficácia depende
dos atores do processo social da política econômica (1981; p.144). O
mecanismo central do capitalismo age em desfavor das nações periféricas
que deverão superar condições de dependência. Há uma dependência
cultural e outra ideológica que será preciso reverter. A teoria da
transformação defendida por Prebisch será de uma transformação orgânica
inseparável de um fundamento ético. A luta pelo desenvolvimento será em
todo caso social e terá que romper com a hegemonia cultural dos países
centrais.
A originalidade das teses de Prebisch frente aos seus contemporâneos –
considerando que ele pertenceu ao momento do após guerra — consistiu em
considerar que a desigualdade se propaga através dos mecanismos de
dependência que convergem em aprofundar as desigualdades na periferia.
Segundo ele esse processo é estimulado pelos ciclos, que ao favorecer
exportações de produtos primários, estimuladas por preços favoráveis,
aumenta o montante do excedente ampliando o ciclo da exploração.
12
Estamos, portanto, diante de um processo contraditório que assume as duas
caras de variações no montante da exploração e de aumento progressivo da
taxa de exploração no sistema em seu conjunto.
Diante da opção de estatização dos meios de produção Prebisch escolhe uma
ação reguladora do Estado sobre os usos do excedente por considerar a
democracia indispensável (p.49) que tornaria necessária uma teoria da
transformação social. Tal teoria da transformação social propõe-se substituir
a do desenvolvimento porque se remete à dinâmica do sistema do capital em
seu sentido mais amplo. Refere-se ao problema da apropriação do excedente
no sistema em seu conjunto, compreendendo os países centrais e os
periféricos, que se revela contraditória com a reprodução do capital. Sua
originalidade estará em substituir a referência ideológica por uma visão de
organicidade do sistema. O crescimento do excedente que Prebisch (pp.109)
não é mais que o aumento da taxa de mais valia, que por sua vez depende do
sistema de exploração. Daí que sua teoria do desenvolvimento se consolida
como uma teoria do uso social do excedente, que tem conseqüências em uma
teoria do planejamento como e enquanto ação do Estado sobre a distribuição
da renda. No entanto, para Prebisch não se trata de uma opção apenas
ideológica senão de uma conclusão prática sobre os limites da concentração
de renda que levariam a uma crise insuperável do sistema.
―La portada colonial‖ 14
A obra da CEPAL causou indisfarçável ciúme por parte de grande parte da
academia saxônica, basicamente conservadora, e por seus discípulos latinoamericanos. Parecia quase uma insolência que alguns intelectuais latinoamericanos
desafiem,
ou
pior,
ignorem
os
preceitos
das
grandes
universidades norte-americanas e européias e não reconheçam sua
Em julho de 1970 foi oferecido a Prebisch um almoço no restaurante La portada colonial
que reuniu amigos e inimigos e foi saudado por aqueles que tramavam sua saída da
CEPAL.
14
13
hegemonia15. As críticas seriam no sentido de invalidar a posição
contestatória e não somente de questionar suas teses específicas. Os
movimentos políticos da segunda metade da década de 60, inaugurados com
o golpe de Estado no Brasil e seguidos dos golpes na Argentina, na Bolívia,
no Peru, corresponderam a uma adesão da democracia cristã chilena ao
golpismo com conseqüente pressão sobre a CEPAL. Antes mesmo do golpe
que derrubou Allende, o golpe liderado por
Ongania que derrubou o
presidente Ilya em 1967 fechou as portas da Argentina para um regime
democrático, excluindo Prebisch que ajudara os Radicais. O isolamento das
nações latino-americanas aparecia gradualmente nos regimes retrógrados
da América Central. Nos anos seguintes a expansão da Democracia Cristã,
com financiamento alemão que chegava através da Venezuela e do Equador,
tomava a forma de uma versão mais conservadora no Chile e a CEPAL
tornava-se uma prenda cobiçada pelos quadros intelectuais dessa corrente
política para sua legitimização.
Desde então o pensamento de Prebisch e da primeira CEPAL tem sido objeto
de diversas simplificações que os reduziram a um suposto modelo, isto é, a
um corpo de idéias imobilizado, a uma visão simplificadora da indústria e a
um economicismo primário.
Em outras obras Prebisch aparece como
simples colaborador de pessoas que sequer participaram dos principais
trabalhos da CEPAL
16.
Na realidade e no essencial a CEPAL foi um centro
―fomos acusados de indigência intelectual por mais de um professor norte-americano‖ diz
Prebisch (pp. )
16 Duas das injustiças acumuladas por ―cepalinos‖ posteriores referem-se a Celso Furtado e
a Anibal Pinto Santa Cruz. Na realidade o primeiro incorporou-se à CEPAL antes de
Prebisch e teve sua principal participação nas Análises e projeções da economia do México e
na do Brasil, chegando com uma linha doutrinária definida em obras anteriores ( PEDRÃO,
2009). A pressão do governo do México contrariado pela análise crítica de Furtado e sua
saída impediram que ele participasse da bifurcação da CEPAL na década de 60 entre teoria
econômica crítica e sociologia da dependência. Como já mostrei antes (PEDRÃO, 2011), o
perfil teórico de Celso Furtado se desenha em seus artigos da década de 1950 e toma sua
forma acabada em seu Prefácio a uma nova Economia Política. Aníbal Pinto não foi parte da
equipe inicial da CEPAL e veio a destacar-se em trabalhos a partir da década de 1960
(PEDRÃO, 2006). Os dois colaboraram de perto com Prebisch no que se pode considerar
como a polêmica central do desenvolvimento, Celso Furtado por ter trazido a visão do
subdesenvolvimento como processo (FURTADO, 1959) e Anibal Pinto por representar a
defesa do conceito de heterogeneidade do capital (ANIBAL PINTO, 1967; 1978). Houve uma
interrupção da produção teórica e no inicio dos anos 70 quando o debate sobre o modelo
15
14
de pensamento para o qual Prebisch trouxe, como professores ou como
conferencistas figuras como Nicholas Kaldor, Thomas Balogh, Hollis
Chenery, Albert Hirschman e muitos outros. Quanto ao economicismo – que
interpreto como redução da análise social aos termos de uma análise
econômica não histórica – há um contencioso a ser esclarecido. Há um
defeito indiscutível de ter-se descuidado da historiografia latino-americana.
A principal influência intelectual sobre Prebisch na CEPAL foi de José
Medina
Echevarria,
filósofo
e
sociólogo
espanhol,
declaradamente
weberiano, que conduziu o estudo de Análise e projeções do desenvolvimento
da Bolívia em 1959 priorizando a relação entre a moderna estrutura de
classes sociais e a hierarquia colonial. O desenlace do golpe de 1973 foi a
ocupação da CEPAL por economistas conservadores, na sede e nas subsedes, e o fim até mesmo da versão conservadora da teoria da dependência.
Referências bibliográficas
AGARWALA, A.N.;, SINGH, S.P., The economics of underdevelopment,
Oxford, Galaxy, 1963.
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