Projétil Edição 58 – Maio/2008

Transcrição

Projétil Edição 58 – Maio/2008
Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS - 2
Direito
ao espaço
Espaço:
área de possibilidades e limites reais ou simbólicos. Para
nós, local de debate, discussão e aprendizagem. Discutimos o espaço
legislativo de Mato Grosso do Sul, que é político e deveria ser público, mas
se esconde em atitudes escusas. O debate universitário, pautado pela transformação proposta pelo Reuni e pela avaliação de qualidade do ensino
público superior no Brasil. Também a falta de espaço ilustrada pelo paradoxo entre oferta de emprego e escravidão indígena, resultado do crescimento não-planejado das indústrias de etanol. E então, a discussão vem à
tona: de quem é o espaço em Mato Grosso do Sul? Da pecuária, do álcool, dos indígenas ou dos quilombolas?
Os destaques são esses espaços que se modificam em prol de um
“desenvolvimento” econômico. Espaços culturais que se perdem, o respeito ambiental que é deixado de lado e os impactos trazidos com a transformação de uma cidade. Temas que colocam em discussão a complexidade da área
geográfica e seu significado social.
Também nos propomos a falar sobre a solidariedade, a doença que separa, a
inteligência que exclui e o porquê de algumas pessoas não estarem mais no espaço
em que gostaríamos que estivessem. Lembramos do caso Dudu: o Projétil mostra
como está a vida de uma família que, de uma hora para outra, perdeu um filho e
convive há mais de cem dias alimentando esperanças sobre seu paradeiro.
Na cultura, há lugar para a discussão simbólica do cinema. O Pantanal, sempre tema central dos filmes da terra, é assunto único para as produções locais?
Cinema também é polêmica, reunida nas opiniões de David Cardoso, ator e cineasta. E por falar em polêmica, as relações entre imprensa e liberdade não poderiam fugir da pauta dessa publicação. Após vinte anos da Lei de Imprensa, o debate
sobre sua extinção (ou não) continua, e aqui queremos saber o que pensam os
profissionais da área.
Nesta edição do Projétil, as fronteiras que parecem distantes, debatem cada
vez mais de perto com o poder das restrições que o ambiente nos impõe, impedindo-nos de enxergar a sutil relação entre fatos do dia-a-dia. Uma edição voltada
para esses limites e contradições do espaço cotidiano, que pretende discutir temas
que estão em pauta, sob uma nova perspectiva. Tudo isso dentro de um espaço
universitário marcado por incoerências. Assim, a 58ª edição do Projétil é resultado
do trabalho de estudantes em teste e com muita vontade de arriscar. Tome seu
espaço e boa leitura.
Jornal laboratório do Curso de Comunicação Social – Jornalismo da Universidade Federal de
Mato Grosso do Sul. - Produzido pelos acadêmicos do 3° ano de Jornalismo, sob orientação dos
professores Antônio Sardinha (Redação e Expressão Oral em Jornalismo II), Fernanda Nascimento
Prochmann - DRT 149/MS(Edição), Jose Marcio Licerre (Planejamento Gráfico II).
Produção: Adriane Mascaro, Kaká Fernandez, Anne Durey, Bruno Grubertt, Camila
Valderrama, Caroline de Paula, Fabrício Barbosa, Fernanda Pereira, Gisleine Rodrigues,
Graziela Reis, Jefferson Baicere, Karine Dias, Marcelle de Souza, Nathaly Feitosa, Patrícia
Belarmino, Pedro Torraca, Pilar Velasquez, Renan Kubota, Stephanie Ribas, Thiago Gonçalves,
Vinícius Squinelo.
Correspondência: Jornal Projétil – Departamento de Comunicação Social – Jornalismo
(DJO/CCHS) – Cidade Universitário S/N° - Cep 79070-900 – Campo Grande – MS. Fone
(67) 3345-7600 – E-mail: [email protected]. Tiragem 5.000 exemplares.
As matérias veiculadas não representam necessariamente a opinião da UFMS ou de seus
dirigentes, nem da totalidade da turma.
Filme repetido
Opinião
Renan Kubota
Editorial
Fernanda Pereira
6,5 milhões de reais foi o custo
da obra da reitoria da UFMS, de acordo com as informações do site Campo Grande News. Conhecida pelos
acadêmicos como “Palácio das Capivaras”, a obra é o complexo administrativo da universidade reunindo a reitoria, pró-reitorias, órgãos colegiados,
assessoria de imprensa, controle interno, área jurídica e auditório. Ocupa
uma área de 4.780 metros quadrados.
E no campus, como em todo castelo
da Idade Média, não poderia deixar
de existir o “calabouço” - salas de
aulas, laboratórios e todos os outros
espaços fundamentais para as atividades acadêmicas. Apenas esse ano, depois de muita briga, o CCHS ‘ganhou’
um banheiro feminino adaptado para
cadeirantes. A escuridão, buracos pelo
piso, escadas sem rampas próximas às
salas de aula, banheiros sem condições
de uso, infiltrações no teto e paredes,
bebedouros enferrujados e sujos,
muitos sem água. Eis o retrato da
UFMS sem máscaras e sem pisos marmóreos.
Na matéria ‘Um ano de Reuni’,
que você lê neste jornal, o professor
José Luiz Magalhães acredita que “o
maior patrimônio de uma universidade são seus ‘cérebros’”, opinião que
parece não ser partilhada pela cúpula
de muitas entidades educacionais. Vários cursos oferecidos nesta renomada
instituição não tem nem a metade de
seu quadro de professores efetivos
completo. A manifestação dos alunos
do curso de Direito, no início de abril,
ilustra bem esse fato. Alunos se mobilizando para pedir por salas de aula.
Seria cômico se não fosse trágico. O
curso de Jornalismo, por exemplo,
ocupa salas emprestadas do curso de
Letras. A redação que os alunos dispõem para escrever este jornal tem
oito computadores, três com acesso
à internet, que funcionam na base da
fé de tão antigos que são.
E o presidente Lula, com o seu
Reuni, quer duplicar o número de vagas oferecidas nas Instituições de Ensino Superior sem que para isso faça
os reais investimentos. A cabeça do
nosso presidente pensa para uma universidade particular onde o que importa é quantidade e não qualidade,
salvo poucas exceções. A educação superior pública que sempre ostentou os
melhores resultados e se orgulhou de
formar os melhores profissionais agora pode ter um ensino de baixa qualidade, defasado e super lotado. Com
a única função de criar mão-de-obra
diplomada para a sociedade do desemprego.
Retratar os problemas da Educação Superior neste país é mostrar
apenas a ponta do iceberg daquilo que
vem mal das pernas há muito. Não é
de hoje que a educação pública não
atende aos requisitos básicos de formação para ingresso nas universidades, as federais principalmente. No
decorrer dos anos, os processos seletivos seguiram o padrão rigoroso de
peneirar os candidatos. Mas a universidade é um dos elos mais fracos da
corrente educacional. Os problemas
começam muito antes do ensino superior. Os investimentos e democratização do ensino devem ser feitos na
educação de base. Os alunos do sistema público devem sair do Ensino
Médio prontos para a concorrência
com os de colégios particulares. Facilitar o ingresso de jovens na universidade, por qualquer que seja o motivo,
não adianta. É despir um santo para
vestir outro. O presidente Lula quer
ampliar o acesso à educação superior
a custa da seriedade e qualidade de instituições públicas. Não seria um valor
muito alto a se pagar? Basta olhar para
trás. Já vimos esse filme, o ensino público - antigo 1° e 2° graus - viveu
sua época de ouro, mas com o sucateamento ao longo do tempo o governo forçou a migração de alunos para
escolas particulares. Tomemos cuidado, o Ensino Superior público cami-
3 - Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS
Jefferson Baicere
Você é doador de medula óssea?
Já pensou em fazer cadastro no sistema nacional de doadores? Sabe como
funciona a doação, do cadastro à cirurgia? Se você tem medo de ficar preso em uma cadeira de rodas após a
operação da retirada da medula, provavelmente é mais um que acredita nos
mitos que a cercam.
Ao contrário do que se pensa, a
doação não apresenta graves riscos à
saúde do doador. Muitos confundem
a medula óssea, responsável pela produção dos componentes do sangue,
com a medula espinhal, localizada na
coluna vertebral, que tem a função de
transmitir impulsos nervosos. Com isso,
criou-se um mito de que a retirada cirúrgica da medula pode deixar a pessoa sem o movimento dos braços e
pernas. Esse pensamento é um dos
entraves na busca por cadastros de
quem está disposto a doar. Para a médica e chefe do Setor de Medula Óssea do Hemosul, Lucéia Maria
Fernandes da Silva, “as pessoas têm
receio de doar porque elas confundem
as duas medulas. Mas para decidir ser
um doador ou não, é preciso entender
como funciona todo o processo”.
No dia 28 de maio o Hemosul vai
fazer uma campanha de conscientização
e incentivo à população para aumentar
o número de doadores de medula óssea no Estado. Uma equipe do banco
de sangue vai estar na Praça Ary Coelho, a partir das 8 horas, com uma unidade móvel fazendo os cadastros com
(Inca), com o auxílio dos bancos de
a coleta da amostra de sangue.
sangue.
O número de doadores cadastrados no Registro Nacional de DoadoCadastro
res de Medula Óssea (Redome) chega
O cidadão deve ir até um banco
a 32 mil em Mato Grosso do Sul. Apede sangue ou hospital e manifestar o
sar de parecer alto, poucos são comseu desejo de doar. Em Campo Granpatíveis com quem está na fila de espede, o cadastro pode ser feito no
ra e são necessários mais cadastros para
Hemosul, Hospitais Universitário e Reaumentar a probabilidade de se encongional, e Santa Casa. Além das infortrar um doador.
mações pessoais, serão retirados cinco
Desde o início dos trabalhos em
mililitros de sangue para fazer o exa2001, somente duas pessoas foram
me HLA (histocompatibilidade), que
compatíveis. Uma delas é Anderson
possibilitará encontrar pacientes para reSidrack, 41 anos. O policial rodoviário
ceberem a sua mefederal já doava
dula. A única restrisangue há anos
ção imediata é se a
quando o convida- “Quando dizem que você é
pessoa já teve cânram para se cadascompatível e pode doar é
cer ou passou por
trar no Redome.
difícil dizer não.
algum processo
Após um período,
constatou-se que
A única chance da pessoa quimioterápico. É
muito importante
era um doador
não morrer é você.”
que, após o cadascompatível e ele viAnderson Sidrack
tro, qualquer alteraajou até Jaú, em São
ção nos dados seja
Paulo, para fazer a
repassada ao Inca
cirurgia. Anderson
para que o doador possa ser localizadiz que doou para ajudar e explica que
do caso seja identificada a compatibili“tem pessoas que ficam 10 anos na fila
dade.
de espera e não conseguem. Quando
Nesse primeiro exame serão anadizem que você é compatível e pode
lisadas e registradas, no sistema naciodoar é difícil dizer não. A única chance
nal, as características genéticas específida pessoa não morrer é você.”
cas do possível doador. Caso haja comDesde 2001 o Redome atua com
patibilidade, o banco de sangue é coum banco nacional de doadores de
municado e entra em contato com o
medula óssea. Regularmente é feita
doador para ser feito um novo exame
uma varredura no sistema para comque comprove a possibilidade da doaparar pacientes e doadores de todo o
ção. Apenas após essa segunda confirpaís na busca pela compatibilidade. O
mação é que o Inca convida a pessoa a
sistema é controlado e monitorado
doar a medula óssea.
pelo Instituto Nacional do Câncer
Medula Óssea
A retirada da medula pode ser feita
de duas formas: ou através do osso na
bacia ou por punção sangüínea. No primeiro caso, em uma pequena cirurgia,
são feitas punções nas cavidades dos
ossos e as medulas são aspiradas. Já no
outro o doador toma um comprimido que faz com que as medulas entrem na corrente sangüínea onde o sangue é filtrado e é feita a separação dos
componentes. Em casos onde o doador e o receptor não são do mesmo
município, todas as despesas são pagas
pelo SUS (Sistema Único de Saúde),
desde os exames até a viagem com um
acompanhante para realizar a operação.
Em Mato Grosso do Sul, a compatibilidade aumentou consideravelmente
há dois meses. Outros 11 doadores cadastrados foram classificados como compatíveis após o segundo exame. “Antes,
para você fazer um cadastro era demorado, pois não tinha um laboratório no
Estado que fizesse isso. Mandávamos
para o Paraná. Em janeiro de 2007
informatizaram todo o cadastro e agora
um laboratório aqui do Estado já faz o
exame. Depois desse primeiro resultado obtido eu coloco no site do INCA e
ele logo faz a procura. Tudo ficou mais
rápido.”, afirma a médica Lucéia.
De 1984 até fevereiro de 2008, o
INCA realizou 1212 transplantes de
medula óssea no Brasil. E mesmo com
baixas porcentagens de compatibilidade entre doador e paciente (25% para
familiares e 1% para não-familiares), as
chances existem. Para mais informações basta ligar no Hemosul no telefone (67) 3312-1500.
Sociedade
Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS - 4
Medo
Doença do mundo moderno
consegue sequer tomar banho sem que
a esposa esteja com ele no banheiro.
“Quando estou andando tenho a senRubens Andrade de Souza Júnior
sação de que alguém está me seguindo.
tinha uma vida comum. Casado, pai de
Quando vem o mal-estar, a sensação é
dois filhos e gozando de boa saúde,
de que tem alguém me estrangulando”.
aos 39 anos trabalhava como gerente
Ao ocorrer a primeira crise, o inde supermercado. O cargo que ocudivíduo
passa a viver em um círculo
pava exigia metas a serem alcançadas,
vicioso
onde
o medo de reincidência
mas as pressões e responsabilidades já
precipita a própria crise. A partir daí,
faziam parte do seu dia-a-dia há muito
ele passa a evitar locais e situações até
tempo. No passado, ele sofreu uma
se isolar dentro de casa e não ter coragrande perda, seu pai deixou a família
gem de ir a lugar algum. “Tem dia que
quando Rubens tinha apenas 11 anos e
eu não atendo telefone e não tenho
desde então, como filho mais velho,
vontade de fazer absolutamente nada”
passou a assumir os deveres de casa.
conta Rubens. Para o psiquiatra Luiz
Aparentava lidar muito bem com toSalvador, a partir da primeira crise, o
dos os desafios, até ser internado com
que passa a assustar é o medo de sentir
suspeita de infarto. Os exames não idena mesma sensação de pânico outra vez.
tificaram problemas em sua saúde físi“A ansiedade antecipatória é pior do
ca, mas foi o chefe que sugeriu o diagque o transtorno em si, a pessoa fica
nóstico, confirmado depois por um
refém do próprio medo
especialista. Rubens soe sofre por antecipação.
fria de Síndrome do
A auto-estima fica baixa,
Pânico.
ela perde oportunidades
O Transtorno do
e deixa de assumir resPânico, como a doença
ponsabilidades”.
também é chamaRubens enda, é um quadro
controu
uma opclínico onde ocorção de refúgio nos
rem crises agudas
livros: “Comecei a
de ansiedade e
ler sobre a Sínmedo excessivo
Caroline de Paula
drome do Pânico,
sem que haja peripsicologia e psiquigo aparente. O
Passei a entencorpo reage como
“Hoje, minha grande atria.
der
mais
e isso me
se estivesse sofrenterapia
são
os
livros”
trouxe
uma
melhodo risco de morte.
ra
no
meu
com“O pânico é o
Rubens Andrade
portamento.
Hoje,
medo exagerado, é
minha grande teraum tipo de condipia são os livros”
ção patológica
declara. A esposa, Regina Célia dos Sanpelo qual a pessoa apresenta manifestos Souza, também teve que pesquisar
tações de medo sem nenhum motivo.
e conhecer a doença. “Fui procurar ler
Ele [o paciente] age como se estivesse
também e me inteirar sobre o assunsob ameaça” define o professor douto”, diz. A ajuda da família é fundator e médico psiquiatra Luiz Salvador
mental para a recuperação do paciende Miranda Sá Júnior. Rubens conhece
te. “Minha esposa é meu anjo da guarbem esse terror. Hoje, aos 43 anos, o
da, minha escola, minha psiquiatra, migerente aposentado por invalidez não
Caroline de Paula
Como o stress, as pressões do
dia-a-dia e grandes traumas podem
levar à Síndrome do Pânico
nha enfermeira, minha professora. A
família entender suas limitações, compreender, respeitar, saber que você está
doente e que você vai melhorar, isso é
primordial”, declara.
A recomendação de Rubens aos
que estão com a síndrome é aceitar sua
condição, conhecer o problema e procurar ajuda profissional para um tratamento físico e psicológico. “A parte
espiritual é fundamental, independente
da igreja”, conclui. A informação é
importante nesse caso para evitar preconceitos que levam pessoas a enxergarem a síndrome como um mero capricho. “Tinha ocasiões em que eu saía
cinco e meia da manhã de casa, às três
horas da tarde eu não tinha chegado
no trabalho ainda, eu entrava no ônibus, o ônibus enchia e eu descia. Acabei perdendo um emprego por causa
disso”, lembra Rubens.
Desmistificando
a Síndrome
Geralmente a doença atinge mais
mulheres do que homens. De acordo
com o psicólogo e psicoterapeuta
paulista, Francisco Fernandes, 64% dos
casos ocorrem em pessoas do sexo feminino. Começa a se manifestar na juventude a partir dos 17 anos podendo
atingir indivíduos com até 50 anos. Não
é muito comum, mas crianças também
podem sofrer desse mal. A doença
pode ser genética, pois é mais freqüente em quem já tenha casos na família.
“Ela [a Síndrome] é relativamente simples e fácil de tratar, porém depois dos
30 anos curar fica muito difícil. Mas dá
para ter controle com doses muito
baixas de remédios”, afirma o psiquiatra Luiz Salvador. São várias as op-
ções de tratamento, entretanto a mais
recomendada é a psicoterapia, que pode
ser feita com um psicólogo, auxiliada
pelo uso de medicação controlada receitada por um psiquiatra. Em Campo Grande, o paciente pode se consultar gratuitamente com um especialista em um CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) oferecido pela Prefeitura.
A Síndrome foi primeiramente
reconhecida e descrita pelo Manual
de Diagnóstico e Estatística da Associação Americana de Psiquiatria em
1980. Porém, é provável que ela tenha surgido no século XIX durante a
guerra civil americana; a doença, que
já recebeu vários nomes, naquele
tempo era chamada de “síndrome do
coração irritável” ou “síndrome de
Da Costa”, o primeiro médico que
observou o distúrbio. Sua incidência
foi maior nos últimos anos e este aumento pode ser atribuído a modificações sócio-culturais impostas pelos tempos atuais. A sociedade capitalista tem cultivado a cultura do individualismo. A vida conturbada e agitada, característica principalmente das
grandes cidades, leva muitas pessoas
a sofrerem de stress e depressão, que
está diretamente ligada à Síndrome
do Pânico.
Para o psiquiatra Luiz Salvador, a
doença não veio com a modernidade,
mas reflete um mal estar da atualidade.
“O que faz mal é o distanciamento das
pessoas. Cada um vê no próximo um
adversário, ao invés de um amigo. O
que estraga a sociedade não é o mundo moderno, mas são as pessoas na
forma com que elas tratam os demais
com quem se relacionam”.
Sensibilidade
5 - Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS
Alterações no comportamento e dificuldades
na comunicação caracterizam os portadores
da síndrome do autismo
Pilar Velasquez
Gabriel tem cabelos ruivos e uma
beleza encantadora. No entanto, o
menino de apenas 10 anos precisa de
cuidados especiais da mãe, Laura, e da
escola em que estuda, pois é autista. A
síndrome do autismo foi detectada
quando Gabriel tinha apenas três anos;
entre algumas das características estava
a dificuldade no aprendizado e na comunicação e por isso, ausência da fala.
Laura não podia acreditar no que a
psicóloga lhe dizia.
Para a família de um autista o início é doloroso, já que o diagnóstico é
muito difícil. Mesmo se manifestando até os primeiros três anos da criança, não existe uma diferença neurológica e nem física, apenas no comportamento. Os pais precisam realizar uma verdadeira maratona por várias especialidades médicas, como pediatras, neurologistas e psiquiatras,
para tentar descobrir o que há de especial com o filho.
A primeira pessoa que identificou
Gabriel como autista foi a psicóloga
do colégio infantil onde ele estudava,
devido às diferenças de comportamento dele em relação a outras crianças.
“Meu filho não encarava as pessoas e
tinha algumas dificuldades na comunicação”. No começo Laura relutou e
não aceitou o diagnóstico. Nessa época, a família mudou de Campo Grande para o Rio de Janeiro e as manifestações da síndrome aumentaram. “Ele
não conseguia dormir, passou noites
acordado até que um médico deu um
remédio para ajudá-lo” conta.
Laura foi a vários médicos no Rio
de Janeiro. Alguns, mesmo sem conhecer, diziam entender de autismo e outros, mais sinceros, não souberam realizar um diagnóstico preciso. No entanto, o custo das consultas eram altos.
Foi então que uma amiga lhe indicou
uma fonoaudióloga especialista em crianças especiais, que tinha acabado de
voltar de uma especialização em
autismo, na França. A médica confirmou que Gabriel era autista e lhe encaminhou para tratamentos e terapias.
O autismo é um distúrbio neurológico que afeta a criança em vários aspec-
Método de ensino utilizado na escola
tos, principalmente na comunicação e no convívio social e em
muitos casos pode apresentar
um retardo mental. Não há
uma causa definida, por isso é
conhecido como síndrome, que
significa um conjunto de determinados sintomas. O autismo
é caracterizado principalmente
pela dificuldade na relação
interpessoal, que causa um atraso na fala, ou ausência dela, e
uma tendência ao isolamento.
Crianças com a síndrome costumam realizar movimentos
repetitivos e estereotipados,
podem reagir a mudanças de
rotinas, não possuem contato
visual direto e têm uma certa
resistência ao aprendizado.
É preciso muita perseverança para ensinar um autista, porque
ele não consegue se concentrar. Laura
conta que Gabriel não gostava de beijar as pessoas, mas aos poucos e com
muito cuidado, ela conseguiu ensiná-lo
e o garoto passou a aceitar. “No começo, ele dava a mão para as pessoas
e depois que elas beijavam a sua mão,
ele limpava”. O autista não gosta do
contato físico e para que isso mude é
preciso estimulá-lo desde pequeno.
Educação Alternativa
A Escola Clínica Raio de Luz, iniciou no fim de abril, um novo método de ensino, o Sistema de Intercâmbio de Figuras de Comunicação –
PECS, que busca ensinar através de figuras. O método estimula a comunicação em vários tipos de linguagem,
através de objetos, figuras e símbolos.
O objetivo é auxiliar na educação básica da escola.
O PECS foi desenvolvido nos
EUA pelo psicólogo Andrew Bondy
e pela fonoaudióloga Lori Frost.
Eles encontraram uma forma de comunicação mais simples para os pais
e outras pessoas entenderem os
autistas. O primeiro passo desenvolvido pela fonoaudióloga Maria Rita,
diretora da escola, foi fotografar as
situações cotidianas dos alunos. Assim, quando eles têm necessidade de
alguma coisa, basta apontar a figura. A partir deste primeiro contato
outras situações de casa e matérias
Fotos Pilar Velasquez
Diferenças à flor da pele
Gabriel foi
diagnosticado como
autista aos três anos
escolares são incluídas no ensino dos
autistas. “O intuito é estimular a comunicação, podendo assim evoluir
para fala” afirma a fonoaudióloga
Maria Rita.
Este sistema é um dos mais utilizados na educação dos portadores
da síndrome, pois permite que o
autista se torne mais independente e
aprenda a se comunicar. Mas uma
dificuldade encontrada é a falta de
recursos financeiros, tanto para treinamento de professores, quanto
para adquirir o material necessário.
O autista precisa de cuidado constante e é necessário que a todo o momento o professor esteja lhe chamando atenção para que ele não vá para
um mundo que é só dele. Por isso existe a necessidade de uma educação especial, mais direcionada.
Por mais que o portador da
síndrome não tenha uma independência completa é preciso ser estimulado
e aprender a se comunicar.”No começo ficaria feliz se meu filho conseguisse amarrar o tênis, mas hoje sei que
ele pode muito mais e vou fazer de
tudo para isso”, afirma Laura. A mãe
reconhece que Gabriel depende de
uma educação que o estimule a viver
melhor.
Desenvolvimento Insustentável
Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS - 6
Senzala indígena do etanol
Mais de mil e seiscentos trabalhadores escravos foram libertados em 2007 em Mato Grosso do Sul.
Muitos eram índios. Todos trabalhavam em usinas de cana-de-açúcar. Essas usinas, mesmo “sujas”, continuam recebendo incentivos fiscais. E o Estado, que apóia essas implantações, é palco de cenas de exploração e ocupa o sexto lugar no ranking de libertações de trabalhadores escravos no Brasil.
menta Maucir Pauletti, coordenador da
Comissão Permanente de Investigação
e Fiscalização das Condições de Trabalho do Estado de Mato Grosso do
Sul, que acompanhou a interdição da
Debrasa.
Mato Grosso do Sul possui a segunda maior população indígena do
Brasil. Esses índios formam o que
Pauletti denomina “favelas rurais”,
“grandes estoques de mão-de-obra barata e desqualificada que está prepara-
da para qualquer tipo de trabalho”.
Com a falta de terra, de emprego
e a miséria nas aldeias, os índios que
ainda não trabalham para uma das oito
usinas em funcionamento, provavelmente vão cortar cana para outras 43
empresas que vão se instalar no estado
até 2012.
Além do aumento da quantidade
de usinas, MS subiu em outra estatística. É agora o sexto no ranking de libertações de trabalhadores escravos no
Em entrevista ao Projétil, José Pessoa de Queiroz Bisneto, presidente
da Companhia Brasileira de Açúcar e Álcool em Brasilândia e do Sindalcool
(Sindicato dos Produtores de Álcool do MS) se defende e fala sobre as
libertações na Debrasa, criticando a fiscalização.
José – Em 1991 e 1996, você tem esses
mesmos problemas em todas as usinas do Estado. A relação entre o índio
e a empresa vem se alterando, e a última mudança foi em 1997.
dio, que a Funai tinha exigido para não
misturar índio e branco. A de 2005 foi
quando destruímos o alojamento dos
índios e passamos a trazer para o dos
brancos.
Projétil – Por que foi encontrado trabalho degradante na Debrasa?
José Pessoa - É muito simples, há 20
anos a empresa emprega índio e índio é muito visado em MS. Fomos
fiscalizados três vezes em 2007, se
os alojamentos não são condizentes,
como que há 20 anos eles servem?
Disseram que os índios pareciam
animais comendo no chão. Só que
na hora do almoço em vez de sen-
Projétil – E em 2005?
“Alguns dos que Projétil – Por que contratar
mão-de-obra indígena?
José – 2005? Não conheço
estavam na
José – Em 1997, depois do últiessa...
fiscalização
mo conflito, resolvemos que
queriam se
Projétil – A vistoria desse ano auto-promover” não íamos mais contratar.
Compramos colheitadeiras
relatou condições degramecânicas. Em 1999 paramos
dantes e instalações precáride contratar índios e a colheita passou
as. A empresa disse que iria demolir os
a ser mecânica. Em 2000, o governaalojamentos e construir novos.
dor José Orcírio Miranda, do PT, nos
José – Nós demolimos. Eram três aloprocurou, fez um apelo para voltar a
jamentos. Um só para trabalhador ín-
Marcelle Souza e
Nathaly Feitosa
No dia 13 de novembro de 2007,
fiscais do Grupo Especial de Fiscalização Móvel do Ministério Público do
Trabalho (MPT) resgataram 1.011 índios em trabalho degradante na Usina
Debrasa, empresa da Cia. Brasileira de
Açúcar e Álcool (CBAA), em Brasilândia. Quando chegaram, os alojamen-
tos, superlotados, estavam em situação
precária. O lixo espalhado pelo chão
se misturava a moscas e outros insetos.
Os sanitários exalavam mau cheiro e
não tinham condições mínimas de uso.
O esgoto corria a céu aberto e faltava
água para o banho.
“A situação era absurdamente
dantesca, em relação às condições de
trabalho e de submissão dos trabalhadores nestes alojamentos após uma jornada exaustiva no corte de cana”, la-
“Tudo não passou de uma grande palhaçada”
tar à mesa, ele põe o prato no colo e
prefere sentar no chão. Não podemos
aculturá-los. Tudo não passou de uma
grande palhaçada de alguns que estavam lá para se auto-promoverem.
Projétil – O Sr. disse que é novidade
classificar os alojamentos como degradantes. Mas desde 1991 há relatórios
com as mesmas características. Em
1991, 1996, 2005...
7 - Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS
lhorar as condições da população, só
que ele não pode vir com o aumento
da exploração do trabalhador e com
a degradação do meio ambiente”.
Empresa “suja”
Mas a exploração é fato e o que
impressiona é que muitas indústrias
mesmo “sujas” e reincidentes continuam recebendo incentivos fiscais do
governo. Segundo a Organização nãogovernamental Repórter Brasil, o
Desenvolvimento Insustentável
rismo (Seprotur), “as 8 usinas em funcionamento em MS e as 16 já em implantação receberam benefícios fiscais,
com exceção das de Quebra-Coco e
Sonora”.
Diante do incentivo estadual, o
procurador do trabalho Jonas Ratier
Moreno enfatiza que “é legítimo e
engrandecedor que um empreendimento se instale em uma região e traga progresso, mas não basta ter o
Brasil, segundo relatório da Comissão
Pastoral da Terra. Em 2006, foram 29
trabalhadores libertados. Em 2007, o
número saltou para 1.634, resultado da
soma das libertações na Debrasa e na
Destilaria Centro Oeste Iguatemi Ltda
(Dcoil), em Iguatemi. O estado só fica
atrás de Tocantins, Bahia, Maranhão,
Mato Grosso e Pará.
Todos os empregados da
Debrasa e um terço dos funcionários
da Dcoil eram indígenas. “A população daqui do estado não se sujeita a
este tipo de trabalho, que por si só já
é insalubre”, declara Egon Heck, coordenador do Conselho Indigenista
Missionário (CIMI) em MS. “Isso faz
com que as usinas contratem índios e
muita gente do Nordeste. Essas pessoas ficam mais vulneráveis porque estão longe de casa e acabam se submetendo ao trabalho escravo”.
Diante da expansão das usinas, o
advogado Maucir Pauletti teme a relação entre avanço da cana e trabalho
escravo. “Se hoje já temos problemas
aos montes, com as usinas que virão
isso vai se tornar um caos. Ou colocam quatro vezes mais fiscais do trabalho, procuradores, juízes e varas do
trabalho, ou isso aqui se torna terra de
ninguém”.
Pelo levantamento da Companhia Nacional de Abastecimento
(Conab), Mato Grosso do Sul será o
7º estado com maior produção de
cana-de-açúcar do país na safra 2007/
2008 com 15,8 milhões de toneladas.
“Esse crescimento me assusta”, revela Luís Antônio Camargo de Melo,
subprocu-rador-geral do Ministério
Público do Trabalho. “Sou amplamente favorável ao desenvolvimento do
setor, porque gera divisas e vai me-
orçamento estadual prevê a renúncia
de R$ 48,5 milhões na arrecadação de
impostos que incidiriam sobre as empresas de álcool combustível em 2008.
Conforme a assessoria de imprensa da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Agrário, da Produção,
da Indústria, do Comércio e do Tu-
contratá-los porque era um problema
tantos índios na miséria. Então, em
2001, redistribuímos as máquinas e
voltamos a contratar. Para nós era
muito melhor colher com as máquinas. Mas depois desse episódio de 2007,
estamos repensando. Se não contratarmos mais, ninguém vai poder dizer que
somos escravagistas de índio. Acho que
quem perde nisso é o índio. Os caras
que fizeram essa palhaçada toda, que
bem fizeram aos índios? Eles se
intitulam libertadores dos índios, eu
acho até um absurdo usar esse termo
‘libertar’. Libertar de quê? Não tinha
vale, não existia privação de liberdade,
nem vigilância.
gurança do trabalho, nem eram condiProjétil - Mas e os salários atrasados?
ções precárias. A única coisa que eles
José - Não sei disso não. Podia ser que
viram de fato foi sujeira, cano rasgado,
estivessem uns dias, mas não foi só a
colchão rasgado. Isso acontece porque
gente. Isso não tem nada a ver com
as vezes o cara rasga com
trabalho escravo e degradano facão. Em maio você
te. O rapaz tá trabalhando,
pinta, fica tudo limpinho,
pelo menos não está desem“Não existia
mas até novembro o cara
pregado.
privação de
vai usando e às vezes rasliberdade, nem
ga. Ainda mais sendo ínProjétil - Então por que os ínvigilância”
dio. É a única diferença.
dios foram libertados e os
demais não? A Comissão
Projétil - Em 2005, a emaponta condições precárias
presa era signatária do Pacto Nacional
nos alojamentos dos indígenas e para
de Erradicação do Trabalho Escravo,
os outros só faltavam algumas ferramas foi retirada após a fiscalização de
mentas de segurança.
2007.
José - Nem faltavam ferramentas de se-
Trabalhadores aglomerados em instalações precárias
posto de trabalho, porque se ele for
indigno é melhor não tê-lo”. Ele foi
o coordenador da operação do MPT
na Debrasa. E não foi a primeira vez
que a CBAA-Brasilândia foi pega
com trabalho escravo e condições
degradantes. O histórico de inspeção
na indústria aponta irregularidades
desde 1991.
Nos relatórios são apresentadas
deficiências na segurança e saúde do
trabalhador, nos refeitórios e alojamentos. Em vários deles há observações que enfatizam que “essa é a única destilaria que não tem realizado nenhum esforço para melhorar as condições de trabalho e vida dos trabalhadores, especialmente as de moradia dos indígenas”.
Como meio de tentar barrar que
desenvolvimento sucro-alcooleiro venha junto com exploração, o deputado Pedro Kemp (PT) apresentou em
fevereiro deste ano, na Assembléia
Legislativa, um projeto de lei que cancela a concessão de serviços e incentivos fiscais para empresas com trabalho análogo à escravidão. “Nesse momento, eu acho que entra a obrigação
do Estado de suspender os incentivos fiscais e cobrar dessas empresas
o cumprimento das obrigações trabalhistas”.
“Explorar a de mão-de-obra indígena de maneira discriminatória não
garantindo a devida remuneração e os
demais direitos trabalhistas”. Esta é
uma das definições de trabalho escravo presentes no projeto, que destaca
a especificidade do trabalho indígena.
Só que a aprovação do projeto está
ameaçada. Uma estranha coincidência
revela que parte do dinheiro arrecado
nas campanhas de alguns deputados estaduais foi financiado por empresas do
setor sucro-alco-oleiro. Das 16 prestações de conta do Tribunal Regional Eleitoral de MS analisadas pelo Projétil, de
24 deputados, a metade apresentou arrecadação de dinheiro de empresas de
açúcar e álcool totalizando mais de meio
milhão de reais.
Continua
José - Ainda participamos do pacto porque acreditamos nele. Esse episódio na
Debrasa nós não achamos que seja trabalho nem escravo, nem degradante.
É um benefício social empregá-los. O
Ministério Público deve ir às aldeias e
fazer o mesmo escândalo com a Funai,
reclamar das condições degradantes
para ver que lá as coisas são muito piores do que em qualquer usina de Mato
Grosso do Sul.
Projétil – O que o Sr. tem a dizer sobre a
declaração: “Perto da Debrasa, qualquer
usina é o céu”.
José - Manda eles irem nas outras usinas,
porque eu acho que não estão indo não.
Desenvolvimento Insustentável
Foto: MPT/ MS
Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS - 8
Do Quilombo
A luta pela terra entre comunidades quilombolas
e fazendeiros
Adriane Mascaro
Em 1740, reportando-se ao rei
de Portugal, o Conselho Ultramarino valeu-se da seguinte definição de
quilombo: “toda habitação de negros
fugidos, que passem de cinco, em
parte despovoada, ainda que não tenham ranchos levantados e nem se
achem pilões nele”. Mas não é assim
que as mais de 2.000 comunidades
quilombolas brasileiras se identificam,
ou seja, com um passado de rebelião
e isolamento ou simplesmente pela
cor da pele. O poeta negro Abdias
do Nascimento define bem este conceito: “Quilombo não significa escravo fugido. Quilombo quer dizer reu-
No corte de cana, a
mão-de-obra indígena é
considerada de alta
produtividade e pouca
exigência de alimentação
e hospedagem
Direito de ser diferente
Recebendo pouco e com
um trabalho insalubre, o indígena é, para as usinas, uma
mão-de-obra com boa lucratividade. “Eles usam a mãode-obra indígena porque tem
alta produtividade, pouca exigência de alimentação e hospedagem, e com eles o
usineiro tem mais controle”,
revela o coordenador do CIMI/MS,
Egon Heck. “Quem faz a intermediação entre a usina e os indígenas geralmente é um índio que se destaca na aldeia, chamado cabeçante. Ele é responsável por reunir e coordenar um grupo de 40, 50 índios que vai trabalhar
na usina. O que facilita e faz com que
haja um tipo de controle”, explica
Egon.
O líder da comunidade indígena
de Dourados, Anastácio Peralta, confirma a existência desses cabeçantes.
Mas, segundo ele, “essa relação entre
usinas e a mão-de-obra indígena é uma
faca de dois gumes: como na aldeia falta trabalho e não temos terra, a solução é ir para a cana”, declara.
Para evitar que o trabalho prejudique a relação do indígena com
sua comunidade, o Ministério Público do Trabalho adota procedimentos específicos na garantia de seus direitos. Os acordos e contratos de tra-
balho são baseados na Convenção
169 da Organização Internacional do
Trabalho (OIT) que garante aos povos indígenas o direito de conservar
seus costumes diante das relações de
trabalho.
Mesmo assim, os impactos desse
tipo de trabalho são sentidos nas aldeias. “Está dando muitos problemas de
saúde, gripe, diarréia e câimbra. O trabalho é forçado é o homem chega em
casa sem disposição para nada, nem
mesmo para a família”, diz Peralta.
Enquanto isso, diante deste quadro de vulnera-bilidades e violações, o
procurador Cícero Rufino afirma:
“perto da Debrasa, qualquer usina é o
céu”. E ainda ameaça, “se voltarmos
naquele alojamento, naquela senzala,
com possibilidade de trabalho escravo, vamos pedir para que fechem a empresa, seja o que for”.
nião fraterna e livre, solidariedade,
convivência, comunhão existencial”.
A relação harmônica com a natureza é outro fator inerente à história das comunidades quilombolas,
pois suas ações cotidianas estão ligadas ao meio ambiente. A questão do
território é, portanto, a base para a
concepção de suas relações e manifestações culturais, capaz de resgatar
sua história e manter suas tradições.
Mas, como terra é sinônimo de poder,
a garantia de posse desses territórios é
motivo de discórdias entre comunidades quilombolas e fazendeiros no Brasil, inclusive no Mato Grosso do Sul,
principalmente depois da aprovação do
Decreto 4.887 em novembro de 2003.
Identidade Nacional
9 - Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS
ao Congresso Nacional
Enquanto isso em Brasília...
A segunda-feira está agitada. Nos
corredores modernos do Congresso
Nacional, circulam os “representantes”
do povo brasileiro. Entre eles, Waldir
Neves, deputado federal pelo PSDB de
Mato Grosso do Sul em mais um dia
de trabalho.
Waldir Neves, 45 anos, branco, é
bacharel em Direito e História. Uma de
suas ações como representante dos sulmato-grossenses em Brasília foi elaborar, com o deputado Valdir Colatto
(PMDB – SC), um projeto de lei dizendo que o decreto 4.887/2003, que garante às comunidades quilombolas o
direito à terra, é contrário à Constituição Federal.
Elaborado em 20 de novembro
de 2003, o decreto é resultado de uma
luta que vem desde a elaboração da
Constituição Federal de 1988, quando movimentos negros e lideranças
de comunidades quilombolas luta-
Maria Helena Bicudo, servidora da
ram pelo direito à preservação de sua
AGRAER (Agência de Desenvolvicultura e identidade, bem como o
mento Agrário e Extensão Rural)
direito à titulação das terras que ocu“trabalhando firme pelo voto demopam. A própria OIT (Organização
crático, pela ética na política, pelos
Internacional do Trabalho), na Condireitos humanos, por justiça aos disvenção 169, deu-lhes o direito de se
criminados, enfim, há tanto por faautodefinirem, dando-lhes autonomia
zer neste país e eles ficam perdendo
para reconhecer sua identidade como
tempo com este tipo de atitude?”.
remanescente de quilombo, segundo
Neves se defende levantando a sesua trajetória histórica comum, cosguinte pergunta “e os proprietários,
tumes e tradições. O decreto, portannão possuem seus direitos, não deto, regulamentou o procedimento de
vem ser defendiidentificação, redos?”
conhecimento,
A luta pela terdelimitação, dera no Brasil é carmarcação
e
regada de interestitulação das terses e cada um irá
ras ocupadas pedefender o seu
los quilombolas.
lado, o que acrediA identificata ser seu por direição e o reconheto.
cimento são fei“Eu não luto por
tos pela FCP
Reconheci(Fundação Cultuuma coisa que é
mento
ral Palmares). A
só para mim,
Em todo o
delimitação, deBrasil, conforme
marcação
e
mas para todos”
dados do CPISP
titulação, pelo
D. Ceci
(Comissão PróINCRA (InstituIndio de São Pauto Nacional de
lo), até novembro
Colonização e
de 2007, 81 territórios quilombolas
Reforma Agrária),. É justamente esse
encontravam-se titulados. Essas
processo que os deputados contestitulações beneficiaram 136 comunitam. “Contestamos não o direito que
dades, com cerca de 8.742 famílias.
os quilombolas possuem, mas a forAté o fim de 2007, a Fundação Palma como está sendo conduzido o
mares já tinha certificado 1.170 coprocesso. Ele precisa ser mais claro.
munidades e outras 3.524 estavam na
E quando for provado o direito defila.
les à terra, que sejam pagas indenizaNo Mato Grosso do Sul, segunções justas aos proprietários, para
do Maria Helena Bicudo, são cerca
que possam recomeçar a vida em oude 33 comunidades em 18 municítro local.”, diz Neves. Seu aliado,
pios, algumas já reconhecidas, outras
Valdir Colatto, ainda é membro da
em fase de reconhecimento e outras
bancada ruralista e é contra qualquer
ainda levantando dados para culmitipo de distribuição de terras a indínar também no seu reconhecimento.
genas, quilombolas e sem-terra.
José Roberto Camargo de Souza, adPara Jhonny Martins de Jesus,
vogado responsável pela comissão
coordenador do CONERQ (Coordos quilombos no INCRA – MS,
denação das Comunidades Negras
acrescenta que, dentre estas comuniRurais Quilombolas), a ação dos dedades, quatro já foram reconhecidas
putados é reflexo do desconhecimenpela FCP como remanescentes de
to deles da situação das comunidaquilom-bos e 12 já estão com prodes quilombolas. E acrescenta: “são
cesso de delimitação, demarcação e
pessoas da classe ruralista, o que imtitulação das terras.
porta para eles são os grandes emEntre elas a comunidade de
preendimentos”.
“Picadinha”, em Dourados, forma“Eles deveriam tratar de dar esda por descendentes de Dezidério
peranças a nossa juventude”, diz
Adriane Mascaro
Furnas do Dionísio
Domingo de manhã, a comunidade está silenciosa. Ouve-se somente o som de um riacho e do canto das
galinhas d’angola. Em meio aos morros e furnas, rodeada de flores e pássaros está a comunidade de Furnas do
Dionisio. No pé de uma das serras está
a casa de D. Maria, 49 anos, negra e
dona de casa. Ela é filha da moradora
mais velha de Furnas, D. Sinhana, neta
de Dionisio Antônio Vieira.
Situada a cerca de 45 Km de Campo Grande, em Jaraguari, a Comunidade foi fundada por volta de 1901
pelo ex-escravo, vindo de Minas Gerais, Dionísio Antônio Vieira. Ele
intitulou 914 hectares de terras que depois ficaram para seus descendentes.
A comunidade foi reconhecida,
em 2000, pela Fundação Cultural
Palmares (FCP), como “remanescente
de quilombos”, primeiro passo para
garantir sua identidade e o direito à
terra. Mas isso ainda não está muito
claro para os moradores do local. D.
Maria desabafa: “O meu sonho é que
cada um tenha a escritura da sua terra, porque a gente vive uma incerteza, sem saber do dia de amanhã”. Sonho compartilhado com outras comunidades que vivenciam cotidianamente o impasse da questão agrária.
Felipe de Oliveira. Ela já foi reconhecida como remanescente de quilombo e possui processo no INCRA,
onde cerca de 100 famílias reivindicam a demarcação de 3.748 hectares, encravada entre as grandes fazendas da região. Atualmente moram no
local 14 famílias, que ocupam uma
área de 40 hectares.
Segundo José Roberto, a maior
luta é contra os fazendeiros que compraram ou ocuparam terras dos
quilombolas. No caso de Picadinha,
eles questionam a identidade quilombola da comunidade.
Em Furnas do Dionisio o INCRA
terminou de notificar os fazendeiros
lideiros e chacareiros e estes estão em
processo de reivindicação das terras.
“Não existe um conflito direto, pois
as pessoas que têm terra em Dionísio
possuem pequenas chácaras e nem
sempre têm um poder aquisitivo para
brigar na justiça.”, diz Jhonny.
Direito garantido
O respaldo constitucional é o
que motiva as comunidades a lutarem pelo mínimo de dignidade. No
Artigo 68, está expresso “aos remanescentes das comunidades dos
quilombos que estejam ocupando
suas terras, é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado
emitir-lhes os títulos respectivos”.
José Roberto do INCRA alega
não existir ameaça dos quilombolas
perderem suas terras e, mesmo com
essa ação dos deputados, não haverá
entraves nos processo de demarcação e titulação dos territórios. Segundo ele, a escritura das terras ficará em
posse da associação de moradores de
cada comunidade, ou seja, as terras
pertencerão a todos os moradores.
Quanto aos não quilombolas, estes
terão que sair das terras que compraram e serão indenizados por isso.
“Nós temos muitas dificuldades,
mas aqui é muito bom”, comenta D.
Ceci, moradora de Dionísio, que se
emociona quando relembra o passado e as vivências na comunidade.
“Eu não luto por uma coisa que é só
para mim, mas para todos”, diz ela,
e ainda completa, “Eu ainda vou
conseguir conquistar os sonhos desse povo aqui”.
Entrevista
Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS - 10
Sônia Hess
Durey
Fotos Anne
“Está na hora da gente parar de ser hipó
Anne Durey
Karine Dias
Nascida em Florianópolis, a professora pós-doutora em química dos produtos naturais, Sônia Corina Hess chegou ao Estado em 1992. Trabalhou no campus da UFMS em Corumbá e
em 1998 veio para Campo Grande. Reconhecida nacionalmente como defensora do Meio Ambiente, enfrentou governos pela
luta ambiental. Foi contra a implantação de uma usina de energia a partir do uso de lixo em Campo Grande. Luta contra a
atuação das carvoarias na região do Pantanal e é a favor da
cobrança diferenciada para quem gera mais lixo, “por que na
minha casa são dois saquinhos por semana, e o meu vizinho
produz dois sacões a cada dois dias? Ele deveria pagar mais.”
Na Capital, esteve envolvida com o projeto de implantação
de coleta seletiva realizado pelo governo municipal. Foi uma
das especialistas que discordaram com o modelo proposto, pois
o manejo do lixo coletado seria feito por apenas uma empresa
de reciclagem após aprovação de licitação. Os catadores não
poderiam mais trabalhar e outras empresas não poderiam pegar o lixo. “Ao invés de se contratar uma empresa pra fazer
trabalho, deveria incluir o catador como agente desta ação”.
Atualmente subcoordena o Projeto “UFMS Lixo Zero”, que
procura estimular a coleta seletiva no campus da universidade.
Além disso, articula a implantação de outros dois projetos junto à prefeitura de Campo Grande: “Fumaça Zero”, que propõe
utilizar o lixo para geração de energia, evitando a poluição com
a queima desses resíduos e “Cidade Verde”, pensado com o
objetivo de obrigar o proprietário de qualquer área a manter
20% do seu terreno como área verde.
Nesta entrevista, a ambientalista analisa as políticas públicas de tratamento de lixo na Capital, o trabalho realizado pelos
catadores e declara que a situação poderia melhorar se leis
fossem estabelecidas e cobradas.
Existe coleta seletiva do lixo
em Campo Grande?
Existe a coleta não oficial. Praticamente todas as ruas da cidade são
percorridas por pessoas que recolhem
materiais recicláveis. Entretanto, na
maioria dos casos elas não têm o apoio
necessário da população. O governo
municipal até fez trabalho com os
catadores. Ofereceu carrinho, uniforme
e deu capacitação, só que o número de
pessoas que realiza este trabalho é maior do que a prefeitura pode atender.
São profissionais não cadastrados e não
registrados que trabalham na
marginalidade.
Qual seria o modelo ideal de
coleta para a cidade?
Qualquer modelo que inclua os
catadores, até por uma questão de respeito por estas pessoas. É difícil porque quem trabalha nessa área são pessoas de difícil acesso, que não aceitam
participar de cooperativas ou associações, eles preferem ficar na informalidade. Isso traz junto uma situação
até cruel, porque tem pessoas doentes
que trabalham, até crianças. É um problema sério, que acontece porque o
poder público não consegue resolver
sozinho. A meu ver a sociedade é muito hipócrita e pouco solidária com essas pessoas.
Não é difícil auxilia-los em seu trabalho. Se a população deixasse esse material limpo, pronto para o catador levar, ele teria uma condição de vida bem
melhor. Deveria haver essa sensibilidade da prefeitura para ampliar essa atenção com o catador, até pela importância do trabalho dele, mas o mais importante é a sociedade. Porque na hora
que a sociedade se importar e tentar
ajudar, haverá cobrança do poder público.
Como funciona este sistema de
coleta na cidade?
Hoje funciona um sistema em que
se tem o catador como parte de uma
cadeia de reciclagem, uma cadeia muito rica, onde circula muito dinheiro. As
grandes empresas da reciclagem estabeleceram parcerias com pequenas
empresas que recebem o material dos
catadores. Elas repassam para as grandes porque não têm a infra-estrutura
para transportar o material coletado
para grandes indústrias. Mato Grosso
do Sul tem poucas indústrias para absorver o material reciclável, e tem áreas que não existe este tipo de trabalho.
A cadeia produtiva da reciclagem
está bem estabelecida, mas é muito
complexa. Eu acho que vale a pena
fazer um trabalho do governo do estado para ver quais os “gargalos” para
trazer as indústrias de reciclagem para
o nosso Estado, porque com os pólos
de reciclagem daqui bem estruturados,
aumentariam os lucros e a geração de
empregos.
As cooperativas, elas existem
mesmo na capital?
A Coopervida é sempre mencionada, mas ela não consegue dentro de
sua estrutura manter o que é efetivamente uma cooperativa, ou seja, ela não
cumpre com toda a legislação necessária para isso. Basicamente porque as
pessoas que fazem esse trabalho de
coleta seletiva são pessoas desconfiadas que não aceitam com facilidade a
associação em grupos. A organização
desse setor é muito difícil.
O que é necessário para que
haja uma conscientização da população em relação à reciclagem e ao
trabalho do catador?
Acho que no Brasil a gente vive
um momento bem ruim em termos
de cultura e de atitude. Eu vejo as pessoas muito centradas em si, parecem
não se importar com o que acontece
ao seu redor. Elas querem chegar em
casa, ter seu conforto. Se o caminhão
de lixo passar está ótimo, se não passar elas se incomodam, as pessoas
querem que o lixo saia da frente de
casa. Fala-se muito em meio ambiente, em lixo, mas o que eu vejo nas ruas
desmente o que as pessoas falam. Eu
vejo o povo muito mal educado, pessoas que não têm o básico da educação, se não têm o básico da educação
como vão conseguir o resto? A solidariedade para com o catador e a
consciência de que a pessoa que gera
o lixo deve se interessar em minimizar
este impacto não existem.
Onde está o início do problema? O que deveria investir?
A educação da população tem que
estar na base de todo o processo, por-
Entrevista
11 - Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS
que quem gera o lixo é a população.
Não adianta o governo inventar as coisas se quem vai meter a mão na massa
é a população. Nós estamos vivendo
em uma sociedade completamente
desagregada, ninguém age em favor do
bem coletivo. A sociedade brasileira tem
que mudar rapidamente para absorver
os conceitos de responsabilidade pelo
bem coletivo, de agir efetivamente.
Além das ações da população,
o que pode ser feito?
A indústria tem que ser cobrada.
Por que a indústria pode gerar o que
quiser e quem tem que se importar com
o lixo é o governo ou a sociedade? Por
que ninguém vai em cima da indústria
para ela pensar no resíduo que gera? Já
se tentou muitas vezes, mas o lobby
delas é muito grande, e em Brasília nada
muda. A responsabilidade pós-consumo está acontecendo em várias partes
do mundo, por que no Brasil não? A
indústria gera produtos perigosos, ela
gera materiais que não são recicláveis e
não tem que dar explicação para o poder público do que fazer com aquilo.
Ela não tem que gastar dinheiro com
nada para ajudar a tratar seu resíduo,
isso está errado, quem gera tem que ser
co-responsável.
Como cobrar?
Leis. A gente deveria cobrar que
fossem estabelecidos regulamentos e
leis para obrigar as indústrias a colocar
em cada produto uma indicação dizendo “O melhor destino final para esta
embalagem é tal”, “Este produto con-
tém tais e tais substâncias que fazem
com que ele não seja adequado para
tal tratamento”. Porque hoje as embalagens são como caixas pretas, ninguém
sabe o que há dentro que possa gerar
problemas para o meio ambiente.
Qual o futuro da coleta seletiva e do aproveitamento de lixo em
Campo Grande?
Eu acredito que o mercado dita
muito disso, estamos com o petróleo
a 117 dólares o barril. Assim, seus derivados vão ficar cada vez mais caros
no mercado e isso vai valorizar ainda
mais o aproveitamento de materiais.
Em 2003 eu fui frontalmente contra a
incineração do lixo de Campo Grande. A reciclagem dos materiais, como
as garrafas pet que demoram até 400
anos para se decompor, vão começar
a ser procuradas como material precioso. A tendência, com a escassez de
matérias-primas é a valorização da
reciclagem.
Lixo Zero
na UFMS
Foto: Ariane Comineti
ó crita e agir de acordo com o que se fala”
Com nove anos de história, o Projeto UFMS Lixo Zero
já produziu mais de 10 mil cadernos, reduzindo em 70% a
produção de lixo no campus.
Com a coordenação de Alberto
Pontes da Divisão de Urbanismo da faculdade e Sônia Hess,
o projeto acontece por meio da
coleta seletiva de materiais
recicláveis e orgânicos, recolhidos duas vezes por semana. Desse material
são separados os papéis brancos, que são transformados em cadernos
pela equipe do projeto, que inclui alunos da APAE. O restante é vendido
para catadores ou recicladores. O dinheiro arrecadado é convertido para a
compra de cola, espirais e tesouras que são utilizados na confecção dos
cadernos. As capas são feitas com caixas de leite longa vida, limpas e cortadas, que são doadas pela comunidade interna e externa da UFMS. Além
do reaproveitamento de materiais recicláveis, o lixo orgânico produzido
no campus é convertido em adubo.
E para o meio ambiente, quais
as perspectivas?
Não podemos achar que está tudo
bem, que os recursos da Terra são infinitos. É agora que a gente tem que
mudar, se a sociedade não mudar não
há o que se fazer daqui a 10 anos. Está
na hora da gente parar de ser hipócrita
e agir de acordo com o que se fala. Se
as pessoas se importam com o meio
ambiente e com o bem-estar do próximo é agora que tem que parar de agir
como se nada estivesse acontecendo.
- Somente 2% do lixo produzido no país é coletado
seletivamente
Por que a indústria
pode gerar o
que quiser e quem
tem que se
importar com
o lixo é o governo
ou a sociedade?
- Apenas 6% das residências são atendidas por
serviços de coleta seletiva
- O Brasil é recordista mundial em reciclagem de latas
de alumínio: mais de 89% do volume produzido é
reciclado
- Em 9 anos (1993-2002) a reciclagem de papel
aumentou apenas 5,1%
IBGE – Indicadores de Desenvolvimento Sustentável - 2004
Incoerência
Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS - 12
Renan Kubota
Assembléia Blindada
Bruno Grubertt
Patrícia Belarmino
Quando se trata de mandatos políticos, está na moda falar em transparência. Seja por conta de alguns episódios como irregularidades nas compras
com os cartões de crédito do Governo Federal ou pela ampla repercussão
das pesquisas e levantamentos feitos por
setores organizados da sociedade. Informações referentes ao perfil dos deputados e a forma como eles gastam
o dinheiro que recebem estão à disposição do eleitor na rede mundial de
computadores para a consulta em qualquer momento.
Segundo a organização não-governamental Transparência Brasil, cada deputado de Mato Grosso do Sul custa
aos cofres públicos quase R$ 6 milhões
por ano, o que classifica o legislativo estadual como o sexto mais caro do Brasil. Apesar de o montante ser considerável, não se sabe para onde vai tanto
dinheiro, pois não há divulgação oficial
dos gastos de cada deputado.
Para o cientista político Eron
Brum, deveria ser obrigatória a divul-
gação desses dados, porque o dinheimente divulgadas. Em outubro de
ro vem da própria população. “A
2007, ele entrou com uma ação públitransparência das ações parlamentares
ca contra todos os deputados estadudeveria ser uma obrigação. Os repreais de Mato Grosso do Sul. O motisentados elegem os representantes para
vo? Eles estavam recebendo mais do
um cargo aberto, transparente, e não
que deveriam.
para uma sociedade secreta”, pondera
A Constituição Federal, no artiEron. Foi pensando nisso que José Mago 27, parágrafo 2, prevê que a regalhães Filho, militar reformuneração dos deputamado, acreditou que a não
dos estaduais deverá ser
divulgação das movimenfixado por lei de iniciatações financeiras da
tiva da própria AsAssembléia Legislasembléia Legistiva poderia esconder
lativa, na razão de,
alguma irregularidano máximo, 75%
de. Ao ler as manchedo subsídio destites dos jornais da canado aos deputapital, Magalhães soudos federais. Em
be que os salários dos
Mato Grosso do
deputados estariam
Sul estava aconteem situação ilegal. Foi
cendo diferente.
“Tem deputado que
atrás dos dados, reuSegundo Maganiu provas para conlhães, os deputados
não gosta de
testar a remuneração
recebiam mais de
divulgar não. Acho
dos legisladores e no
R$ 15 mil, enquanque a sociedade tem
ano passado resolveu
to o certo seria
buscar, na justiça, inpouco mais de R$
que saber”
formações que já de12 mil. “Um depuPedro Kemp
veriam ser amplatado não pode ale-
gar que fazia isso por não conhecer a
lei. Não sejamos tão anjos assim. Isso
é premeditado.” De acordo com ele,
o acontecido é um crime que deve ser
investigado para que se possa saber
desde quando acontece e quais os valores envolvidos no caso. José afirma
que a ação “é uma oportunidade para
mostrar à sociedade o que está acontecendo”.
As afirmações do militar estão baseadas em uma certidão emitida em 2005
e assinada pelo primeiro secretário da
Assembléia Legislativa, o deputado Ary
Rigo (PDT). Conforme o documento,
cada deputado recebia um salário de
R$15.502,50, mais R$12.902,57 como
cota de serviço, ou verba indenizatória
- valor máximo mensal ressarcido aos
deputados mediante comprovação por
recibos e/ou notas fiscais para cobrir
os gastos com abastecimento de automóveis de assessores, investimentos em
publicidade, entre outros. Além desses
rendimentos, duas vezes por mandato
- no início e no final dele - os deputados ainda tinham direito a uma “ajuda
de custos” de R$9.540,00 .
À época, o deputado Jerson
Incoerência
13 - Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS
galidade dos proventos até então recebidos.
Falsa transparência
A divulgação dos dispêndios do
legislativo estadual é feita somente
como manda a lei. A cada três meses,
a Assembléia Legislativa divulga o balanço de gastos por meio do Diário
Oficial, disponível na internet e, na versão impressa, nos órgãos governamentais. A última publicação, referente aos
meses de janeiro e fevereiro, foi feita
no último dia 27 de março. Entretanto, os gastos não são discriminados na
planilha de custos do legislativo sulmato-grossense, o que dificulta o entendimento das receitas e despesas. Os
dados publicados são enquadrados
apenas em duas categorias: despesas
correntes, que englobam gastos com
pessoal, encargos e “outras despesas
correntes”; e de capital, relativas aos investimentos e inversões financeiras –
repasses para outros fundos ou para o
OGU (Orçamento Geral da União).
A publicação não contempla a discriminação dos investimentos feitos com
a cota de ser viço, ou verba
indenizatória, dinheiro que engrossa ainda mais os salários dos deputados. A
reportagem do Projétil procurou o primeiro-secretário da Assembléia, deputado Ary Rigo, para esclarecer os gastos publicados no Diário Oficial, mas
ele não atendeu. Outros deputados e
assessores também foram procurados,
mas quando informados do tema da
entrevista., preferiram não comentar o
assunto.
A realidade de MS é a mesma
da maioria das assembléias legislativas
brasileiras. Somente o Rio Grande do
Sul saiu na frente com relação à efetiva
transparência. Lá, todos os 55 legisladores têm os seus gastos discriminados e divulgados através do site da
Assembléia gaúcha. A assessoria de
imprensa da Assembléia de MS afirmou que não tem nem mesmo previsão para que isso aconteça aqui.
Questionado sobre os gastos de
seu gabinete, o deputado Pedro Kemp
(PT) afirmou que não vê empecilhos
para a divulgação dos dados. “Não vejo
problema em divulgar isso (planilha de
despesas mensais) no meu site, por exemplo, mas tem deputado que não gosta
de divulgar não. Acho que a sociedade
tem que saber sim dos gastos dos parlamentares”, afirmou Pedro Kemp. O
deputado, entretanto, não divulga esses
números.
O assessor parlamentar Marcos
Augusto está na Casa há mais de 15
anos e, atualmente, trabalha com a
deputada Dione Hashioka (PMDB).
Ele garante que até mesmo dentro da
própria assembléia muita gente, inclusive deputados, não sabe para onde
vai o dinheiro do orçamento anual.
Para os especialistas, essa realidade é difícil de ser mudada, seja por
falta de vontade política ou pela falta
de interesse dos eleitores e de toda a
população. O professor David Tauro
defende que somente entidades organizadas da sociedade conseguiriam
exigir a efetiva transparência política.
“Apenas movimentos sociais poderi-
am conseguir alguma mudança”. No
mesmo caminho, o cientista político
Eron Brum defende a mobilização da
sociedade para a mudança da conjuntura atual. “A partir do momento
em que a população acordar e exigir
os seus direitos ‘a casa cai’. É necessário um movimento nacional para
exigir a reforma, pois, sem ela, vamos continuar patinando” ressalta. O
militar José Magalhães, cidadão dedicado e defensor da transparência,
também concorda, mas pondera:
“Para ser cidadão leva tempo. É demorado”.
Bruno Grubertt
Domingos (PMDB), presidente da
casa, chegou a afirmar que os holerites
(documentos que comprovam os
proventos) seriam publicados em outdoors pela capital. Isso até hoje não aconteceu. O juiz Dorival Moreira dos Santos determinou, então, que os deputados deveriam discriminar seus gastos.
Eles, por sua vez, reagiram. Entraram
com um recurso questionando a competência da Vara na qual o processo
tramita – Vara de Direitos Difusos,
Coletivos e Individuais Homogêneos.
José Wanderley Bezerra Alves, advogado dos deputados, justifica a reação
afirmando que “a ação teria que ter sido
distribuída a uma das Varas de Fazenda Pública e Registros Públicos de
Campo Grande, e não à Vara de Direitos Difusos”. O questionamento dos
deputados atrasou a decisão, e até hoje
nenhum deles apresentou a comprovação de seus salários.
Para Eron Brum, a atitude do militar é legítima, apesar do paradoxo de
se requerer na justiça algo que já deveria ser divulgado. Para ele, a atitude dos
deputados também é compreensível. “A
fúria se explica porque eles não estão
interessados que o povo saiba como é
gasto o seu ‘santo’ dinheirinho ganho
todos os meses”, ironiza. O cientista
social e professor da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, David
Tauro, concorda. “É perfeitamente legítimo esse pedido. A fúria dos deputados é devida à divulgação possível
das somas de gastos hoje desconhecidos”.
Enquanto a competência do julgamento da ação é questionada por
nossos legisladores, tudo parece acontecer como sempre. Só parece, pois no
começo deste ano, os deputados estaduais diminuíram seus salários, mesmo
sem uma redução do subsídio dos deputados federais. O salário foi reduzido para R$12,3 mil, exatamente 75%
do valor do salário dos deputados federais, que é de R$16,4 mil.
“Porque diminuíram seus salários? Espírito público ou consciência
da ilegalidade? Estavam dando tempo para se adequarem ao que estavam roubando. O crime foi cometido. Ou eles assumem ou a justiça vai
dar conta disso”, acredita Magalhães.
“Eu entendo que nossos deputados
iriam diminuir seus salários silenciosamente. Eles queriam que isso fosse
enrolando na Justiça. Mas eles têm
que responder por isso”, completa.
Ao anteciparem-se à decisão judicial
e diminuírem silenciosamente seus
salários, os deputados atestam a ile-
Lição de Cidadania
José Magalhães Filho, 62 anos, define-se como uma pessoa que hoje
tem emoções que um jovem não tem. Durante os mais de 30 em que
esteve no Exército Brasileiro, Magalhães morou no Rio de Janeiro, Minas Gerais, São Paulo e em Mato Grosso do Sul, onde reside até hoje.
Quando se aposentou, decidiu que passaria a se envolver diretamente nas questões políticas. Havia então dois caminhos a seguir:
filiar-se a um partido político ou criar uma ONG (Organização NãoGovernamental). Ele ficou com a segunda opção, já que os partidos,
na sua opinião, eram muito ‘viciados’.
A ONG Pela Cidadania no Brasil foi criada por ele com o objetivo de
levar informações aos menos favorecidos. Magalhães queria ajudar a
transformar indivíduos em cidadãos. No começo, muita gente ajudou,
mas a falta de resposta fez com que desanimassem. Magalhães continuou firme, pois acredita que quem vai mudar a Nação é cada um de nós.
O modo de conscientizar agora mudou: nos finais de semana, seu José
pega um megafone e vai para a Avenida Afonso Pena expor suas convicções políticas e defender a não-reeleição dos cargos públicos.
Ele acredita que nenhuma instituição deve permanecer na dependência de uma pessoa e que os cargos eletivos não são profissão,
por isso, não deveria existir reeleição. Por acreditar nisso e viver em
permanente estado de alerta sobre os passos do poder público, Magalhães já foi expulso várias vezes da Assembléia Legislativa e da Câmara Municipal. Se tiver que interromper uma sessão, ele interrompe. É
um cidadão que sabe cobrar seus direitos e que tem consciência de
seus deveres.
Industrialização e Sociedade
Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS - 14
O Custo do Progresso
Expansão industrial de Três Lagoas agrava problemas urbanos e questiona os impactos
do desenvolvimento no Estado
Pedro Torraca
Com o maior crescimento econômico do Estado de Mato Grosso do
Sul, segundo o IBGE, e um orçamento
atual 18% maior do que em 2007 - 126
milhões – Três Lagoas está entre as cidades do estado na mira dos investidores. O município vai receber duas
grandes multinacionais que pretendem
gerar 30 mil novos empregos, além dos
nove mil trabalhadores já contratados.
Frente à atrativa realidade econômica, as mudanças são percebidas no
cotidiano com o aumento da população e dos problemas na infra-estrutura
urbana. A falta de moradia e saneamento básico na cidade de pouco mais de
87 mil habitantes refletem uma polêmica que se repete em regiões de fronteiras agrícolas, como a Amazônia, e
em países como a China que passa por
um surto de crescimento. A questão
central que divide opiniões de empresários e ambientalistas é focada nos
custos ambientais e sociais do desenvolvimento econômico. A dúvida é
como solucionar uma contradição aparente: garantir geração de riquezas e
emprego sem prejudicar o meio ambiente e a população local, alvo do setor produtivo.
Três Lagoas, com localização estratégica na divisa com o estado de São
Paulo, já despertava o interesse de investidores em épocas remotas. A construção da Estrada de Ferro Noroeste
do Brasil (NOB) impulsionou o desenvolvimento do município. Na década
de 1990, a chegada de indústrias alimentícias e a construção de uma
hidroelétrica alteraram de maneira significativa a economia local, inaugurando um período de prosperidade.
No ano passado, contudo, a implantação de duas indústrias internacionais de produção de papel fez a cidade abrigar não apenas caldeiras, galpões
e campos de eucalipto, mas também
trabalhadores que migraram principalmente das regiões Norte e Nordeste
do país para servir de mão-de-obra.
A situação mudou a geografia urbana
do município e trouxe problemas comuns a cidades que crescem sem planejamento ordenado, como habitação
e saneamento urbano.
Mesmo apostando em um plano de urbanização, a prefeitura tem dificuldades para minimizar impactos
causados pela ampliação das atividades produtivas. As mudanças passaram
a ser percebidas pelos moradores
como Zuleika Freitas. “Os problemas
sociais gerados pela superpopulação
ainda marcam presença no jornal diário”, explica.
Zuleika, que vive em Três Lagoas há exatos 41 anos, presenciou
outros períodos de crescimento. “Dessa vez nunca chegou tanta gente para
trabalhar em um lugar só, colocando
põe os riscos da falta de saneamento
em localidades, fazendo referência ao
caso de um hotel notificado no início
de 2008 onde uma fossa se rompeu na
entrada da cidade.
“As questões
urbanas acentuadas pela industrialização
rápida começam a delinear três grandes
dimensões do desenvolvimento sustentável. As dimensões econômica, social e
ambiental”, explica a bioquímica e mestre em Desenvolvimento Sustentável
Tânia Marchesi. Para a especialista, o desenvolvimento sustentável só é possível
quando crescimento econômico acontece com preservação ambiental e eqüidade social.
A unidade da Votorantim Celulose e Papel em Três Lagoas
uma grande quantidade de habitantes
em uma cidade pequena, sem estruturar
seu espaço urbano”, afirma. Para ela,
além do problema da violência, a questão da moradia e do saneamento básico tem chamado atenção nos últimos
meses. “Três Lagoas está mais suja e
algumas localidades passaram a não
comportar a quantidade de gente”, diz.
É comum encontrar dentro da cidade
residências sendo habitadas por até 20
trabalhadores.
O fiscal sanitário, Fábio Bogamil, alerta para a realidade do saneamento básico. “A rede de esgoto doméstico
não está agüentando”, atesta. Fábio ex-
A prefeita de Três Lagoas, Simone Tebet (PMDB), já começou a
proibir o aluguel de casas na cidade
para as repúblicas dos novos trabalhadores, mas acredita que os recursos
gerados com os investimentos privados pode solucionar a falta de moradia. Para o fiscal sanitário Fábio Bogamil, ainda há muito que ser feito,
principalmente na questão do esgoto
O que a população se pergunta
é se o desenvolvimento econômico, a
geração de empregos e riquezas compensam os problemas com que passam a conviver todos os dias.
Quadro Industrial
Com 79% das obras
construídas, a fábrica em
Três Lagoas da multinacional
americana, e segunda maior
empresa de celulose do mundo, International Paper (IP),
terá capacidade inicial para
produzir 200 mil toneladas de
papel por ano. Juntamente
com a IP, a Votorantim Celulose e Papel (VCP) mostra
claramente seu potencial na
cidade. Considerada a maior planta de celulose do País
com uma única linha, a unidade da VCP de dois milhões de metros quadrados
vai ter capacidade de produção de 1,3 milhão de toneladas de celulose branqueada
de eucalipto por ano, das
quais 80% será destinada à
exportação e 20% para o
mercado interno.. A fábrica,
que projeta o início de sua
produção para maio de 2009,
estima contribuir economicamente com a região com 30
mil novos postos de trabalho,
elevando o Produto Interno
Bruto (PIB) da cidade em
300% e em 13,5% o PIB de
Mato Grosso do Sul.
Segundo o técnico da
VCP Ilton Dias Viana, neste
quadro o serviço de
contratação de mão-de-obra
para a montagem das unidades é tercerizado e “a empresa espera receber 14 mil trabalhadores até o início do segundo semestre deste ano”,
explica. A VCP, que atualmente está com 55% de suas
obras concluídas, em parceria com a IP escreve assim
seu nome em um momento
de crescimento ímpar para a
cidade de Três lagoas e,
conseqüemntemente o Mato
Grosso do Sul.
15 - Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS
Planejamento Urbano
Estragos: até quando?
Prefeitura inicia plano de trabalho
para evitar enchentes na capital
Campo Grande vive, em sua história recente, uma situação de constantes cheias e enchentes. Desde 2005, e
com uma piora este ano, o centro e a
periferia da cidade têm tido uma série
de estragos decorrentes das fortes chuvas. A prefeitura iniciou, em parceria
com engenheiros especialistas na área,
um estudo que pretende diagnosticar
e, posteriormente, resolver os problemas de drenagem urbana.
A preocupação do poder público, e de toda sociedade campograndense, não é sem motivo. A temporada de chuvas desse ano realmente vem castigando a capital. Para se
ter uma idéia, somente no dia primeiro de abril, foram registrados 55 mm
de chuva, ou seja, em cada metro quadrado de Campo Grande caíram 55
litros de água, que no total, seriam
suficientes para encher dois estádios
Morenão.
O centro foi bastante atingido,
principalmente a Av. Mato Grosso, que
foi, em alguns pontos, destruída pela
força das águas. Os bairros também
foram danificados, principalmente o
Caiobá (saída para Sidrolândia). Na
vila Marli (próximo a UCDB), a erosão formou uma enorme cratera na
lateral da Av. Tamandaré.
As enchentes trazem enormes
prejuízos para a administração municipal. As reformas das vias urbanas,
por exemplo, são muito caras para o
cofre público. Somente no citado primeiro de abril, a prefeitura teve um
ônus calculado em mais de R$ 2 milhões.
Com todos esses prejuízos sociais e financeiros, a prefeitura lançou o
“Plano Diretor de Drenagem Urbana”. Ainda em fase de estudos, o projeto foi iniciado em três de março e
tem previsão de término de oito meses.
O objetivo, segundo o professor
Carlos Tucci, um dos engenheiros responsáveis pelo plano, é “estudar e di-
agnosticar os problemas de inundação,
identificando os locais críticos e o planejamento do controle dessas áreas
para um determinado risco, e medidas
para evitar que a urbanização continue
aumentando a freqüência das inundaNorte-Sul, esquina da Ernesto Geisel com a Bom Sucesso,
ções”. Essas ações
em dias de chuva forte
devem servir para
auxiliar o escoamenvernamental acrescenta que deve existo nos “canais naturais”. As medidas
do às “alterações climáticas” e porque
tir a conscientização da população. “A
envolvem propostas de legislação para
as “chuvas estão bem mais fortes”, exidrenagem inclui outros fatores, como
as novas construções e melhoria da
mindo a culpa da prefeitura. Estudos
o lixo e o desmatamento; deve existir
gestão por parte da prefeitura. Nesta
comprovam que o problema é grave,
uma solução coletiva; de todos em
fase do Plano, o detalhamento de connão é recente, e que não é somente culconjunto”, completa.
trole estrutural ocorrerá no córrego
pa das fortes chuvas. Lorena Gutierrez,
Prosa e o diagnóstico para toda essa
em trabalho realizado em conjunto
Nada de novo
bacia.
com o INPE (Instituto Nacional de PesComo o problema, a reivindicaCampo Grande não é a primeira
quisas Espaciais), revela que Campo
ção também é antiga. Já em 2006, o
cidade a realizar um plano como esGrande não suporta chuvas fortes. A
ECOA enviou uma carta ao prefeito
ses antes, Porto Alegre, Caxias do Sul
capital tem um índice de escoamento
pedindo melhorias
e Curitiba já pas(volume de águas pluviais que correm
e sugerindo medisaram por essa
pelo terreno sem se infiltrar) de 80%
das e técnicas para
reformulação espara 100 mm de chuva, valor consideEm apenas um dia, as
evitar os alagamentrutural. A vantarado péssimo.
enchentes causaram
tos. Dentre elas está
gem de ter um PlaA expansão do asfalto e o desno desta ordem é prejuízo de R$ 2 milhões o “desenvolvimenmatamento também influenciam no baito de ações nas mipermitir o investixo índice de escoamento. O Professor
ao município
cro-bacias do mumento mais eficiMauro Polizer, mestre em Tecnologias
nicípio, sendo essas
ente dos fundos
Ambientais, afirma que “a cobertura veas principais fontes de acomodamento
públicos disponíveis ao longo do temgetal atenua os picos de chuvas e o
de águas, criação de novas leis, principo. Quando implementada as ações
desmatamento e urbanização auxiliam na
palmente as que protejam a vegetação
podem reduzir os prejuízos.
impermeabilização do solo. As cheias
urbana”. Também aconselhava um esDentre as mudanças sugeridas,
possuem estreita ligação com o grau de
tudo detalhado dos córregos, para espor exemplo, na capital gaúcha, desimpermeabilização do solo urbano”.
tabelecer diretrizes de preservação
taca-se a legislação criada. A princiMesmo com esses alertas sobre
ambiental. Alessandro Menezes ainda
pal, segundo Tucci, é a que regulamencomo o asfalto pode prejudicar a dreacrescenta que deve existir uma política
ta a for ma de desenvolver os
nagem urbana, a prefeitura continua
de “solo permeável”, ou seja, a preserloteamentos urbanos, que devem precom seus projetos de urbanização. Em
vação de parte da vegetação em cada
zar pela vazão, natural ou não, das
junho de 2007, em mega evento realilote, para melhor escoamento. “Se em
águas pluviais.
zado na capital, o prefeito anunciou
São Paulo, por exemplo, cada terreno
A prefeitura espera que esse plaseu pacote “200 Obras”, até agora a
mantivesse cinco metros quadrados de
no seja o “salva-vidas” contra as enprincipal realização de sua gestão.
vegetação, a cidade não teria problemas
chentes. Por outro lado Alessandro
Dentre elas, 70 frentes de trabalho são
com inundações”, explica Alessandro.
Menezes, presidente do ECOA (Ecopara construção de asfalto, com custo
O prefeito Nelson Trad Filho
logia e Ação), acredita que somente
de R$ 100 milhões. A Prefeitura, por
(PMDB), afirmou, após os prejuízos do
obras não devem resolver a situação.
meio de sua assessoria, não quis coinício de abril, que os estragos são deviO presidente da organização não-gomentar o assunto.
Foto: Victor Morelo
Vinícius Squinelo
Stéphanie Ribas
Em abril de 2007, o presidente
da República, Luiz Inácio Lula da Silva, publicou o decreto que institui o
Programa de Apoio a Planos de
Reestruturação e Expansão das Universidades Federais, o Reuni, causando polêmica e muitas manifestações
em várias universidades do país. O que
incomodou parte dos estudantes foi
o aumento da proporção de alunos
por professor. A meta do governo é
que as salas de aula tenham 18 alunos
para cada professor. Para se ter uma
idéia, a proporção atual na Universidade Federal Mato Grosso do Sul é
de 12 alunos por professor.
Uma outra queixa dos acadêmicos é a exigência, pelo Ministério da
Educação, de aumento para média de
conclusão dos cursos de graduação em
90%. Um dos problemas das universidades públicas é a evasão, que, para
alguns alunos, não seria resolvido com
aumento do percentual de conclusão
porque estimularia a aprovação sem
critérios de qualidade. Para receber recursos federais pelo Reuni, as universidades se comprometem a alcançar
até 2012 metas pactuadas com o MEC,
ligadas à melhoria de infra-estrutura,
aumento de alunos por professor, de
matrículas, de vagas e dos índices de
conclusão de curso.
As críticas ao programa acontecem porque as contrapartidas exigidas
das universidades para recebimento de
recursos podem comprometer a qualidade do ensino superior no país, apesar do Reuni destacar a preocupação
com a formação, mesmo com a ampliação do acesso e o aproveitamento
da estrutura física já existente. Com a
implementação do Reuni, o investimento na UFMS será de R$ 34,2 milhões
para os próximos quatro anos. De
acordo com o MEC, o número de
cursos da UFMS vai subir de 83 para
111. Em números absolutos, as vagas
vão de 3.280 para 5.006 e as matrículas de 15.457 para 23.282, no período
de 2007 a 2012. Além disso, a partir de
2008, as universidades integradas ao
Reuni devem cumprir o aumento mínimo de 20% nas matrículas, principal-
Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS - 16
Entre expectativas e
queixas, está a promessa de
expansão do ensino superior
André Hollender
Educação Superior
Acadêmicos de Direito em manifesto em frente à reitoria
mente no período noturno.
Os acadêmicos que rejeitam o
programa afirmam que não é possível aproveitar uma estrutura física que
não apresenta boas condições nem
para os alunos que estão matriculados. Em alguns cursos, é freqüente o
compartilhamento de recursos. “Às
vezes, no laboratório não há computadores disponíveis para todos os alunos”, afirma Lucas Santos, acadêmico do primeiro ano do curso de Ciência da Computação. O colega de
curso, Rafael Nascimento, lembra que
“o laboratório só comporta 45 alunos, não tem como manter a qualidade com tanta gente”. Ele acredita que
“o Reuni vai tornar o ensino público
superior abrangente, porém fraco”.
A reação dos estudantes aos problemas da universidade gerou um manifesto no último dia 10 de abril em
frente à reitoria da UFMS. Acadêmicos do curso de Direito exigiam professores efetivos, salas de aula e um
Núcleo de Práticas Jurídicas. De acordo com a aluna do 1º ano, Cecí
Medeiros, após o protesto “a universidade se comprometeu a implantar
um Núcleo de Práticas Jurídicas nas
redondezas da UFMS, sob a justificativa de que o núcleo não pode ser dentro do campus por motivos de segurança, visto que haverá circulação de
pessoas”.
Marcus Vinícius da Cruz de Mendonça, acadêmico do 1º ano do curso de Medicina, diz que apesar de serem poucas as reclamações em relação ao seu curso, lamenta a pouca disponibilidade de livros na biblioteca e
diz que “as salas da FAMED (Faculdade de Medicina Dr. Hélio Mandetta)
deveriam ter sistemas de refrigeração
condizentes com seu tamanho, para
melhorar o aprendizado”.
O professor José Luiz Magalhães,
do departamento de Matemática, ressalta que a eficiência do Reuni depende da integração de vários fatores
como investimentos em recursos humanos, por meio de novas contratações, da melhoria das condições de
trabalho e da capacitação de seu quadro de servidores, investimentos na
infra-estrutura física e aprimoramento
do funcionamento dos órgãos de gestão e os instrumentos de avaliação e
regulação em todas as áreas e setores.
O professor considera injusta a contratação de professores substitutos, pois
recebem salários baixíssimos e não têm
vínculos empregatícios. Magalhães atenta
que “o maior patrimônio de uma universidade são seus cérebros”. Ambientes de estudo e, em particular a biblioteca, devem ser o “coração” da universidade e permanecerem em funcionamento o máximo de tempo possível”.
O Reuni prevê também a oferta
de bolsas de mestrado e doutorado nas
universidades federais de todo o país.
A meta para 2012 é ofertar 4.115 bolsas de mestrado e 5.746 de doutorado.
A voz da minoria
O Reuni entrou em discussões inclusive na internet. No site de relacionamentos Orkut, Luanda Chaves
Botelho, for mada em Direito e
mestranda em Sociologia pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio
de Janeiro, é moderadora da comunidade “Reuni: eu digo sim!”, que conta com 73 membros. Ela diz que muitas mentiras são veiculadas sobre o
programa. “A meta de formatura de
90% dos alunos que ingressarem na
universidade não implicará na adoção
da aprovação automática. Quem reprova nesse semestre, irá se formar
com atraso, mas irá se formar, de
modo que a meta não fica prejudicada. O que se visa é apenas a redução
das taxas de evasão”. E ainda
complementa: “outra mentira muito
veiculada e que é facilmente abraçada
pelos setores mais conservadores das
universidades é a da superlotação das
salas de aula. Na verdade, o que a meta
de 18 alunos por professor pretende
é evitar o sub-aproveitamento de recursos universitários”. Apesar disso, a
comunidade oposta “Diga não ao
Reuni!!” ainda é maioria, compartilhada com 1.591 participantes.
17 - Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS
Super Cérebros
Quando habilidade é confundida com deficiência
Fabrício Barbosa
Larissa tem 12 anos e está no sétimo ano escolar. Vai para a escola pela
manhã e à tarde vê televisão ou brinca
na casa de suas amigas. É muito comunicativa, se relaciona bem com todos e vive feliz com a sua família. Uma
criança igual a todas as outras, mas com
uma característica especial: ela é
superdotada. Apesar disso, Larissa não
tem nada a ver com a figura típica dos
“nerds”, tidos como pessoas retraídas,
que vivem escondidas atrás de livros,
óculos gigantes e aparelhos dentais.
Pelo contrário, Larissa é uma das mais
“populares” de sua turma, sempre
rodeada por amigos.
Ao contrário do que muitos imaginam, os alunos superdotados não são
deficientes e apresentam as mesmas características mentais, sociais, emocionais
e físicas de outros alunos da mesma
idade, e isso os torna nem sempre facilmente identificáveis. A diversidade de
características que podem ser apresentadas pelo superdotado, tais como habilidades psicomotoras, artísticas, traços de criatividade e senso de liderança, implica na necessidade de utilizar os
mais diversos recursos para a identificação. “Nunca pensei que o fato de minha filha ser muito comunicativa e ter
espírito de liderança poderiam ser características da superdotação”, conta
Neusa, mãe de Larissa. A dificuldade
na identificação de alunos superdotados também se deve ao despreparo dos educadores. “A formação do
professor é deficiente. Ele não é treinado para olhar e mapear os interes-
tir de então, iniciar o atendimento dos
ses, estilos de aprendizagem e haalunos superdotados dentro da própria
bilidades do aluno”, afirma a
escola, porém sem descartar os atenpesquisadora Jane Chagas, do
dimentos extra-escolares, para o aperInstituto de Psicologia da Univerfeiçoamento das habilidades e necessisidade de Brasília(UnB).
dades particulares de cada um.
A superdotação é, na verNo entanto, segundo Nilcemar
dade, uma predisposição genétiMartins, diretora da Escola Estadual
ca. Todos os tipos de superdoCoração de Maria, não é bem isso que
tação e talento correspondem a
acontece na prática. Nilcemar conta que
características psicológicas e a haa escola onde trabalha só começou a
bilidades que estão sempre muser atendida pelo NAAH/S em 2007.
dando. Essas características exisHoje, um aluno já foi identificado cotem em diferentes intensidades,
mo superdotado e outros quatro esem todas as pessoas, variando de
tão realizando acompanhamento junuma para outra. Até mesmo entre os
to ao núcleo. Contudo, ainda há muito
superdotados existem diferenças de
a ser feito. A diretora relata que quanperfis. Um aluno pode demonstrar
do o primeiro aluno foi identificado,
grande aptidão com máquinas e
não houve uma conscientização entre
tecnologia, enquanto outro se destaca
os outros alunos sobre a superdotação,
nas artes. O processo de identificação
muitos inclusive nem sabem que estudeve levar em conta todas essas condidam com um colega superdotado. A
ções e a conscientização da escola e da
única formação que aconteceu foi com
família também é importante, já que
os professores, que receberam orienmuitas vezes a superdotação é confuntações sobre como lidar com alunos
dida erroneamente com deficiências ou
superdotados, sem
autismo, o que
um maior aprofungera preconceito
damento.
e sofrimento para
O Censo Esos superdotados.
Superdotação
colar 2006, do InsNas escolas
não é doença, mas
tituto Nacional de
estaduais de MS, o
Estudos e Pesquisas
processo de idenuma predisposição
Educacionais Anísio
tificação da sugenética
presente
Teixeira (Inep),
perdotação é feiaponta a existência
to pelo NAAH/S
em todas as
de 2.553 alunos suNúcleo de Ativipessoas
perdotados no Bradades de Altas
sil, mas a estimativa
Habilidades /
é que possam exisSuperdotação, órtir até 1.487.431 jovens de 6 a 17 anos
gão do Governo Federal. O NAAH/
S é um projeto que foi criado pelo
/com superdotação que ainda não foram identificados. Segundo Nilcemar,
MEC em 2005 e implantado em todo
é um risco muito grave não identificar
o Brasil. Ele identifica superdotados e
esses alunos e deixar de explorar suas
desenvolve atividades personalizadas de
habilidades, seria um desperdício de
acordo com o perfil de cada aluno, no
potencialidades muito grande, tanto
horário oposto ao da escola. A
para o aluno quanto para o país onde
pedagoga Angélica Guerra, funcionária
ele vive. Larissa é um exemplo disso:
do NAAH/S, disse que o atendimento
“Quando soube que era superdotada
oferecido fora do contexto escolar se
fiquei muito feliz, pois poderia usar
deve ao fato de que as Altas Habilidaminhas qualidades para ajudar quem
des só começaram a ser atendidas reprecisa”. Por isso é extremamente imcentemente e, portanto, não são de coportante investir na identificação de tais
nhecimento da grande maioria dos proalunos e na conscientização das pessofissionais da educação. Segundo ela, a
as que convivem com eles – só assim
proposta do núcleo visa antes a formais Larissas poderão surgir.
mação desses profissionais para, a par-
Inclusão pedagógica
Mitos e verdades
Mito: A superdotação é uma doença.
Superdotados são frágeis, orgulhosos, instáveis e solitários.
Não é uma doença. Pelo contrário, é uma predisposição genética
presente em todas as pessoas e que
implica em habilidades avançadas
em determinadas áreas. A superdotação se manifesta mais em algumas pessoas do que em outras. Os
superdotados, ao contrário do que
se imagina, têm menos transtornos
de conduta que os alunos “médios”
e se destacam por seus recursos pedagógicos, autonomia, autocontrole
e sociabilidade.
Mito: O superdotado possui bom rendimento escolar. Destaca-se em todas as áreas do currículo acadêmico.
Superdotação não é garantia de
rendimento escolar. Cerca de 33%
dos superdotados passam despercebidos e outros 33% fracassam ou
têm problemas de aprendizagem
Mito: O superdotado é um gênio e é
superior em todas as categorias da vida e
em todas as áreas de desenvolvimento.
O superdotado não precisa, necessariamente, ser um gênio. São conceitos diferentes. O habitual é que ele
se destaque em um aspecto ou área
específica.
Mito: Os superdotados formam um
único estereótipo: o de indivíduo esquisito,
que vive constantemente aborrecido.
Os superdotados apresentam
tantas diferenças entre si como o resto das crianças e jovens chamados
“normais”. Na escola, podem se
aborrecer se as atividades não
corresponderem às suas capacidades.
Fonte: NAAH/S
Campo Grande - MS
Justiça e Jornalismo
Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS - 18
Reformulação de lei da época
da ditadura mobiliza discussão
na imprensa nacional
No dia 21 de fevereiro deste ano,
o Ministro Carlos Ayres Britto do Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu 22 dos 77 artigos da Lei de Imprensa graças a uma ação impetrada pelo
deputado federal Miro Teixeira (PDTRJ). Criada em 1967 pelo governo do
presidente Castelo Branco é ainda anterior à Constituição vigente. A decisão
do Supremo renova as discussões a respeito da necessidade de uma lei que regulamente a atuação do jornalista e dos
órgãos de imprensa no país. Mário
Magalhães, repórter especial e exombudsman da Folha de S.Paulo, afirma que “essa Lei de Imprensa é parte
do chamado entulho autoritário. A ditadura militar se foi em 1985. É o que
também precisa acontecer com essa Lei:
ser revogada”. Entre os artigos derrupositivos da lei ficam suspensos até o
bados estão os que permitem censura a
julgamento do mérito que será feito pelo
espetáculos e diversões, vedam aos jorplenário do STF. Está incluído nesse grunalistas a possibilipo inclusive, o podade de provar
lêmico caso Igreja
que publicaram a
Universal X Folha
verdade caso os
de S.Paulo.
atingidos sejam alO duelo entre
“A imprensa não é
tas autoridades da
igreja e jornal comepara ser cerceada,
República. Caíram
çou com a matéria
também artigos
da jornalista Elvira
embaraçada
que permitem
Lobato: “Universal
É para ser facilitada,
apreensão e fechachega aos 30 anos
agilizada”
mento de emprecom império emsas de comunicapresarial”, publicada
ção por mero ato
em 15/12/2007.
Carlos Ayres Britto
do Executivo, sob
A reportagem deso argumento de
tacava o conglome‘subversão da orrado empresarial
dem política e social’ e os que impõem
construído pelo bispo Edir Macedo,
limites à indenização por dano moral.
proprietário da Rede Record e de ouTodos os processos judiciais que a
tras 23 emissoras de TVs, 40 de rádio e
invocaram e estão em tramitação bem
de importantes jornais impressos. Em
como as decisões com base nos 22 disresposta à divulgação desses fatos, fiéis
e dirigentes da universal moveram, de acordo com o jornal, 85 processos semelhantes em dezenas de comarcas
de diferentes estados. Foi
uma ação visivelmente orquestrada na opinião do jornalista Graciliano Rocha.
“Qualquer cidadão que se
sinta ofendido tem o direito de processar veículos de imprensa. É um direito inalienável, porém nesse caso a Igreja tenta intimidar a jornalista e o veículo
de comunicação”, defende. Até agora
28 ações já foram julgadas, todas favoráveis à Folha e à repórter. Os juízes não
têm acolhido as ações e estão enquadrando os autores por litigância de má
fé, (tentar usar a Justiça para fins ilícitos)
“defendendo assim o livre exercício do
jornalismo”, pondera Mario Magalhães.
O ministro Ayres Britto declara
que a Constituição fez da imprensa a
Renan Kubota
Fernanda Pereira
Renan Kubota
irmã siamesa da democracia. Uma se
alimenta da outra, é uma relação de
mútuo proveito. “Em termos de imprensa, essa lei, em boa parte prolonga
a vida de uma ordem constitucional superada. Entendi que havia perigo na
demora, não poderia permitir que essa
lei continuasse sendo aplicada”, explica
em entrevista ao jornal O Estado de
S.Paulo, justificando sua atitude ao suspender parte da legislação. “A imprensa
não é para ser cerceada, embaraçada. É
para ser facilitada, agilizada”, completa.
Justiça e Jornalismo
Divulgação
Para o jornalista e advogado Vinícius
Ferreira Laner essa desatualização cria
graves prejuízos aos interesses públicos
e atrasa o processo de democratização
dos meios de comunicação. “E o que é
pior, o próprio jornalista, por ocasião
de sua graduação, não é instruído a respeito da legislação que vigora na área”,
adverte Laner.
Outro ponto negativo é o Decreto-Lei nº 972, editado pela junta militar
que governou o Brasil em 1969 e criou
a exigência do diploma e da nacionalidade brasileira para trabalhar e exercer
a profissão no país. Os militares acreditavam que barrando os intelectuais e os
estrangeiros, não haveria ataques ao governo, pela imprensa. E essa medida
afeta profissionais da área como a recém- formada, Amanda* (que prefere
que as previstas no Código Penal e a
não ser identificada), chilena que mora
blindagem de autoridades contra as
regularmente no Brasil desde os dois
quais não se poderia provar a veracianos e que ao tentar tirar seu registro
dade de reportagem, além de ter ponprofissional, deparou-se com essa exitos divergentes do resto da Constituigência. “Meus pais vieram ao Brasil para
ção Federal. Enfugir de uma ditaquanto a Lei de Imdura que sufocava
prensa prevê para o
a liberdade de pen“Qualquer cidadão
crime de calúnia
samento, e hoje sou
uma pena máxima
vítima de um preque se sinta ofendido
de três anos de deconceito bobo, frutem
o
direito
de
tenção, o código
to de uma lei que
penal prevê dois;
nada têm a ver com
processar veículos
para a injúria, a lei
esse país que nos
de imprensa
prevê um ano e o
acolheu”, declara
É um direito
Código, seis meses;
indignada.
e para a difamação,
Apesar disso,
inalienável”
a lei estabelece 18
o presidente do
Graciliano Rocha
meses e o Código,
Sindicato dos Jorum ano.
nalistas de Mato
Com a queda
Grosso do Sul
desses pontos a tendência é que ela seja
(SindJor-MS) Clayton Sales, ressalta que
derrubada e reformulada na íntegra. De
“apesar da lei de imprensa ter pontos
acordo com Magalhães uma nova Lei
altamente autoritários ela também posde Imprensa deve assegurar direitos
sui pontos positivos, como o que obricomo o de resposta, que não é garanga a presença de um profissional para
tido pelas leis gerais. Independente de
realizar qualquer publicação”. Já para o
quais sejam os novos artigos, ela deve
jornalista Mário Magalhães, “a manutencaminhar em harmonia com a constição da Lei de Imprensa herdada da dituição, assim como toda lei.
tadura é incompatível com o Estado
Porém a criação de uma nova leDemocrático de Direito, não haverá degislação não é um consenso entre os
mocracia plena enquanto o arcabouço
empresários e profissionais da área. No
jurídico do regime autoritário se mantidebate da 3ª Conferência Legislativa
ver, ainda que residualmente”. O advosobre Liberdade de Imprensa que
gado Gildo Sandoval Campos, acrediaconteceu no final de abril no auditóta que “a atual lei de imprensa mutila
rio da TV Câmara, em Brasília, dois
certos artigos da Constituição e carrega
dos maiores jornais impressos do país,
um espírito autoritário que não está em
O Estado de S. Paulo e a Folha de
harmonia com a mesma”.
S.Paulo, divergiram em suas opiniões.
O jornalista Júlio César Ferreira de
Ter ou não ter, eis a questão
Mesquita, do Conselho de AdministraA Lei de Imprensa no Brasil perção do Grupo Estado, declarou-se
mitia, entre outras coisas, apreensão de
contrário a uma nova Lei de Imprenpublicações sem decisão judicial, penas
sa. “A profissão de jornalista é igualzide prisão mais duras para jornalistas
“A manutenção da Lei de
Imprensa herdada da
ditadura é incompatível
com o Estado Democrático
de Direito, não haverá
democracia plena enquanto
o arcabouço jurídico do
regime autoritário se
mantiver, ainda que
residualmente”
Mário Magalhães
nha a qualquer outro tipo de profissão,
o jornalista erra como qualquer outro
ser humano erra, e o jornalista, quando
erra, tem que ser enquadrado pelo Código Penal e pelo Código Civil”, explica. Porém, acredita que deva existir a imposição de limites, por lei, ao valor das
indenizações pagas por jornais e jornalistas. No mesmo debate a opinião do
jornalista Luís Frias, da Folha de S.Paulo,
foi diferente. Frias acredita que deva existir uma nova lei de imprensa “para evitar o vazio jurídico de hoje”, e ressalta
que a nova legislação deveria contemplar dois valores principais: o direito à
informação e o direito que cada cidadão tem de controlar o uso de seu nome,
imagem ou identidade. Para o empresário da Editora Abril, Roberto Civita a
imprensa não deve ser regulamentada,
mas garantida e exercida com responsabilidade. “Na imprensa, quanto menos legislação, melhor. Nenhuma lei deve
restringir a atividade dos meios de comunicação. A auto-regulação e a livre
concorrência são as melhores formas de
“O mais importante
para uma possível nova
lei é a atualização,
porque os meios
tecnológicos mudaram
e o fazer jornalístico
vem se adaptando a
isso”
Daniela Ota
evitar eventuais abusos ou distorções na
circulação de notícias”, frisa. O presidente da Câmara dos Deputados,
Arlindo Chinaglia (PT-SP), favorável à
aprovação de nova lei, afirma que o assunto está pronto para ser discutido e
votado nos próximos meses, porém
não há previsão de quando será incluído na pauta.
Em Campo Grande, o advogado
Laércio Arruda Guilhem, que responde pelo Grupo Correio do Estado,
acredita não haver necessidade de uma
nova lei de imprensa, já que a Constituição garante a liberdade de expressão.
“Não há necessidade de uma nova lei,
os códigos civil e penal, podem responder pela demanda quando houver abusos por parte de veículos ou jornalistas,
assim como também pode defendêlos”, acredita Guilhem. A mesma opinião tem o acadêmico de jornalismo
Lucas Marinho, ele acredita que a criação de uma nova lei de imprensa seria
somente para ‘preencher tabela’, e que a
Constituição de 1988 é suficiente para
defender jornalistas e empresários da
comunicação.
A coordenadora do curso de Jornalismo da Universidade Federal do
Mato Grosso do Sul (UFMS), Daniela
Ota, acredita ser necessário a existência
de uma lei específica para a imprensa,
pois a Constituição não dá conta sozinha e dá margem a diversas interpretações. “O mais importante para uma
possível nova lei é a atualização, porque os meios tecnológicos mudaram e
o fazer jornalístico vem se adaptando
a isso”, argumenta a coordenadora,
ressaltando que o mais importante é
uma nova lei que respeite a liberdade
de expressão, o direito à informação e
de resposta e o livre exercício do jornalismo brasileiro, dando exemplos de
democracia e responsabilidade.
Fernanda Pereira
19 - Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS
“Por favor, devolvam o Dudu”
Pai vive em função da espera do filho desaparecido há quase quatro meses
Graziela Reis
“Toda Criança tem o direito de
ser criança. Até quando? Já se faz 128
dias sem o Dudu”. A faixa amarela que
estampa a frente da casa de Seu
Roberto faz contraste ao amontoado
de cartazes que forram as paredes, todos com um só sorriso e apenas um
comunicado: Luiz Eduardo Martins
Gonçalves, 10 anos, desaparecido desde o dia 22 de dezembro de 2007. Foi
visto pela última vez em Campo Grande/MS, após ter entrado na noite de
sábado na casa do ex-padrasto José
Aparecido Bispo da Silva, de 51 anos.
As histórias de desaparecimento
são em geral as mesmas, as crianças
saem para brincar ou passear com os
amigos e não voltam para casa. A Rede
Nacional de Identificação e Localização de Crianças e Adolescentes Desaparecidos (Redesap) estima que anualmente 40 mil meninos e meninas desaparecem no país. Em Mato Grosso do
Sul, de acordo com a DEPCA (Delegacia Especializada de Proteção a Criança e ao Adolescente) esse número
chega a 200 casos por ano.
As estatísticas eram apenas números que não faziam parte da vida do
vendedor de salgados Roberto Gonçalves Martins, 60 anos, pai de seis filhos. “Minha vida parou, o tempo parou, eu não consigo trabalhar, não consigo fazer mais nada depois que o neném desapareceu”, desabafa o pai.
Seu Roberto conta que Dudu brincava na rua com um amigo quando foi
chamado para ir à casa do ex-marido
da mãe, de onde não mais voltou. A
suspeita que recaiu sobre o ex-padrasto,
José Aparecido, levou a polícia a quebrar o piso da casa onde mora à procura do corpo da criança. Os policiais
não encontraram nenhuma prova.
No dia do desaparecimento o
menino queria dormir na casa da mãe,
há sete quadras dali. “Como já era noite eu não deixei ele ir sozinho, então o
Dudu me pediu para ficar brincando
com os amigos há duas quadras daqui,
e que quando o jantar estivesse pronto
era pra eu chamar”. Uma pequena pau-
sa interrompe o relato, Seu Roberto
olha para o portão da casa, como se
esperasse algo vindo dali. “Eu disse,
pode ir meu filho, quando a janta ficar
pronta o pai chama você”, completa.
E foi a última vez que Seu Roberto ouviu a voz do filho.
Era 22 de Dezembro. Às vésperas de Natal, a família de Dudu se preparava para comemorar o nascimento
de Jesus. “Meu Natal foi péssimo”. O
silêncio que outrora interrompia a fala
de Seu Roberto, agora calava o choro
que ele segurava.
“Ele estava todo feliz com o brinquedo que tinha acabado de ganhar,
Dudu deixou seu posto de gasolina ainda montado na varanda da casa”, conta Regina Martins, tia do menino. No
quarto de Luiz Eduardo, a vela acesa
sobre a mesa clareia a face do garotinho de chinelos, camiseta azul e bermuda amarela. A foto do garoto, ao
lado de uma imagem religiosa, traz à
memória uma lembrança. “Ele estava
desse jeitinho quando o levaram”.
Para Seu Roberto, a saudade de Dudu só não é maior
que as esperanças em encontrá-lo vivo
séria, mais rápida”, explica o detetive da
Central Única Federal dos Detetives do
Brasil (CUFDB), Edilmar Silva.
Para o profissional, que tem acompanhado o caso pela mídia, houve falha nas investigações. “Eles [polícia de
Campo Grande] mentiram dizendo
que a polícia do Paraná estava investigando as denúncias, sendo que eles nem
estavam sabendo. Para mim faltou investigação mais incisiva, mais imediata
e se fosse uma família de classe média
Controvérsias na investigação
alta, com certeza tudo já teria sido soPara a DEPCA, que diariamente
lucionado”.
atua na busca por desaparecidos, o
A delegada afirma que algumas incaso envolvendo
formações sobre o
o garoto Dudu
caso permanecem
foge à regra dos
em sigilo para não
“Para a polícia
desaparecimentos
atrapalhar a investisomos apenas
de crianças regisgação, mas aponta
estatísticas”
trados no Estado.
que na própria faA maioria foge de
mília há opiniões
Ivanise Esperidião
casa por conflitos
contraditórias sobre
familiares e acaba
o desaparecimento
encontrada pela polícia.
que tornam a situação ainda mais comNa opinião da delegada responplicada. O pai de Dudu desabafa. “Pasável pelo caso, Marli Kaiper, a investirece que a polícia colocou uma pedra
gação tem dado trabalho. Ela aponta
no assunto, para eles está tudo bem,
que o garoto tinha uma vida “bastante
basta esquecer o caso. Tem algo de erdescontrolada e uma liberdade muito
rado dentro da polícia, como que até
grande” pelo fato de “permanecer na
agora não acharam vestígios?”.
rua até altas horas”.
“Para a polícia somos apenas estaDesde o início das investigações, a
tísticas, depender só dela fica muito difídelegada tem trabalhado com todas as
cil de encontrar”, critica Ivanise Esperidião,
possibilidades de desaparecimento, inclupresidente da Associação Brasileira de
sive a de homicídio, hipótese consideraBusca e Defesa a Crianças Desaparecida acertada por especialistas em investidas (ABCD) Mães da Sé de São Paulo.
gações dessa natureza. “Essa linha de raEla é mãe de Fabiana, desaparecida há
ciocínio seguiria uma investigação mais
12 anos e quatro meses, e hoje coordena
um grupo que auxilia na busca de desaparecidos e propõe políticas públicas para
solucionar o problema.
História sem fim
Os dias sem Dudu vão passando
e fazendo desaparecer a noção do tempo para o pai. Em um depoimento à
polícia Seu Roberto dormiu falando na
cadeira. “Ele não dorme a noite, pensa que o filho pode aparecer a qualquer momento”, afirma Regina.
Aprender a conviver com a dor e
jamais desistir é o que aconselha a presidente da ABCD, Ivanise Esperidião.
“Com o tempo você acaba se conformando com a morte, mas com a angústia e a incerteza de não saber se seu
filho está vivo ou morto você nunca se
conforma”. A mãe de Fabiana confessa que a vida dos pais de desaparecidos passa a ser “uma ferida que nunca
cicatriza, um luto irreal”.
Mantendo as esperanças, o pai
Roberto tem fixa em sua mente a imagem do seu menino com o mesmo
sorriso dos cartazes correndo em sua
direção. No peito a camiseta com a
foto do garoto, nos olhos as marcas
do tempo e na boca a frase que seu
Roberto repete várias vezes: “Eu tenho certeza que meu filho está vivo”.
Com a voz trêmula da dor paterna, Seu Roberto olha para a rua e imagina uma cena que naquele momento
sonha se tornar real. “Se ele aparecesse
agora aqui eu iria ajoelhar, agradecer a
Deus e gritar para todo mundo ouvir,
meu filho voltou pra casa”.
Graziela Reis
Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS - 20
Angústia
Formação Profissional
21 - Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS
Sem políticas educacionais eficientes, jovens
não têm espaço no mercado de trabalho
rintendência Regional do Trabalho
(SRT/MS), Regina Rupp.
Priscilla, campo-grandense de 18
As atuais políticas do Governo
anos, representa os jovens que concluFederal para geração de emprego aos
íram o Ensino Médio, fizeram curso
jovens ainda não conseguiram reverprofissionalizante, mas não conseguiter um cenário preocupante. Pesquiram emprego por não se enquadrasas do professor Márcio Pochmann,
rem nas exigências do mercado: ter
do Centro de Estudos Sindicais e de
experiência e qualificação. O que ela
Economia do Trabalho (Cesit) mosquer resume o desejo de uma geração:
tram que entre 1995 e 2005 o país
carteira assinada e renda que possa
gerou 17,5 milhões de novas ocupacomplementar a familiar. “Não imporções, mas somente 1,8 milhão de vata o salário, nem a carga horária, desde
gas foram preenchidas por pessoas de
que tenha serviço”, diz a jovem. Os
15 a 24 anos. A percentagem de deadolescentes consideram importante
sempregados que deseja trabalhar é
estudar para terem mais possibilidades
3,7 vezes maior entre os jovens que
de conseguir emprego, mas encontram
entre os adultos.
restrições diante do
O jovem pobre é
sistema educacional
20% dos jovens
o mais visado nesse
público, que têm dicenário de desempre- brasileiros estão em
ficuldade de pensar
go. A necessidade de
em uma educação
situação de
buscar trabalho o
voltada a atender as
obriga a abandonar a vulnerabilidade; não exigências de formaescola. Sem qualificatrabalham, nem
ção para o mercado
ção, deixa de compede trabalho.
estudam
tir no mercado de traUma trajetória
balho e acaba se avenque normalmente não faz parte da
turando na informalidade. Dados do
vida de muitos jovens no país é a de
Índice de Desenvolvimento Juvenil
Marcos, que desde 2002 procurava
(IDJ) 2007 mostram que cerca de 20%
trabalho. Aos 18 anos tentou ser office
dos jovens brasileiros estão em situaboy, auxiliar administrativo, mas não
ção de vulnerabilidade, não trabalham
conseguiu. As empresas cobravam
nem estudam.
sempre o mesmo: experiência e qualiDe acordo com o Banco Munficação. Após várias tentativas sem sudial, cerca de 50% da juventude brasicesso, conseguiu seu primeiro serviço
leira trabalha. O número de jovens com
renda familiar inferior a dois salários
mínimos que procuram emprego é
muito maior que o de jovens ricos. Piora a situação o fato de o adolescente
ter uma educação deficiente e enfrentar dificuldades para completar os estudos. Em Campo Grande, cerca de
90% das vagas para esse público são
procuradas por jovens pobres que querem trabalhar para sobreviver.“A maioria trabalha pela necessidade de se
sustentar, consideram que isso é o mais
importante. Se o empregador oferecer 50 reais a mais para que ele deixe
de estudar, certamente ele aceitará trabalhar em tempo integral pela empresa”, afirma a auditora fiscal da Supe-
Funsat
Náufragos no mar do desemprego
Gisleine Rodrigues
Com educação deficiente, jovens buscam emprego sem qualificação
Ilustração Paulo Anibal
na lavanderia do Hospital Adventista
do Pênfigo (HAP). Não se contentou,
queria crescer, decidiu voltar a estudar, terminou o Ensino Médio e começou a fazer faculdade de Ciências
Contábeis. Trabalhou no departamento pessoal do HAP, e desde o final de
2005 atua como contador da Associação Sul-mato-grossense da Igreja
Adventista do Sétimo Dia. Esse ano,
conclui a faculdade e foi escolhido
pela Associação como contador responsável pelas escolas adventistas.
Hoje, oferece uma vida financeira confortável para sua família.
O governo federal diz investir no
jovem por meio da implementação de
programas como o ProJovem, que
visa proporcionar ao cidadão de baixa
renda, qualificação profissional e um
primeiro trabalho, com um incentivo
de R$100. Cícero Ávila, diretor-presidente da Fundação do Trabalho de
Mato Grosso do Sul, crê que o Estado
também colabora para o desenvolvimento juvenil ao propor que seja efetivado “um conjunto de medidas, que una
trabalho, educação e assistência social
para colocar o jovem no mercado de
trabalho”.
Algumas iniciativas municipais têm
funcionado com o desenvolvimento de
propostas de qualificação profissional,
como programas Juventude Cidadã e
Escola de Fábrica, e de geração de
emprego e renda, por meio do programa Campo Grande Digital.
Entretanto, para a socióloga Maria
Virgínia de Freitas, coordenadora do
Programa Juventude da ONG paulista,
Ação Educativa, as políticas públicas são
consideradas pontuais, com pouco impacto positivo na vida da juventude. O
problema está na desatenção com a área
educacional que, segundo Maria Virgínia,
é essencial para prevenir situações de riscos, mas não tem recebido devida atenção, por isso os programas têm resultados limitados.
O Instituto Brasileiro de Análises
Sociais e Econômicas (Ibase) aponta o
nível de escolaridade, a qualificação profissional e a experiência anterior, como
dificuldades da juventude para acesso
ao mercado. A falta de investimentos
no jovem - hoje 19% da população brasileira - pode levar o país a perder
R$320 bilhões na próxima década, estimulando a exclusão ao desenvolvimento profissional e intelectual do jovem,
conforme estudos do Banco Mundial.
O desafio, segundo a socióloga Maria
Virgínia, é estabelecer programas que
permitam a continuidade da formação
escolar e do desenvolvimento da trajetória profissional do jovem.
Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS - 22
Rapidinha
David
Fotos:Renan Kubota
O Rei diz a que veio, sem delongas
Lima Duarte é Lima Duarte,
Tarcísio Meira é Tarcísio Meira,
Cardoso é David Cardoso
Kaká Fernandez
Achá-lo não é difícil. David Cardoso se “esconde” em um escritório,
aos fundos de um de seus imóveis na Avenida Afonso Pena, região central
de Campo Grande. Nascido em Maracajú, hoje com 63 anos, esbanjando
saúde, com o humor ácido e pensamento aguçado típicos de um ariano,
apresenta impressões sobre carreira, projetos futuros e questões que envolvem um cotidiano ainda agitado.
O ator começou a carreira em 1961, por trás das câmeras, nos filmes
do consagrado Mazzaropi, em uma época que se fazia cinema “por amor
a causa. Da minha turma 50% já morreram”. Antes disso, ele atuou como
modelo. Os recortes de propagandas da época estão em quadros espalhados pela saleta, com pôsteres de filmes e fotos com outros famosos, como
Pelé e De Niro. Ele não nega que o cinema é sua grande paixão e sente
falta da produção artesanal em que os atores faziam quase tudo sozinhos.
“Motivava mais a gente, porque você ia descobrindo o filme aos poucos”.
O auge do cinema de David foi durante o governo militar, onde censura era rotina. Para o ator, o seu filme de maior sucesso foi rodado em
Mato Grosso do Sul. Era o 19 mulheres e um homem e tinha seios e bumbuns
como parte do figurino. “Para a época era pesado, mas hoje é uma bobagem, você vê na novela das oito cenas muito mais fortes”. E engana-se
quem acredita que o ator já se aposentou. Ele acaba de terminar o filme
Os Niños de la Guerra, sobre a Guerra do Paraguai, e deve gravar um
filme a convite do ator global Marco Ricca, em Pedro Juan Caballero.
Incansável, no jeito de viver e pensar, David Cardoso parece a todo
o momento reafirmar suas idéias de vanguarda, tornando uma entrevista
de duas horas, um “papo” rápido como um filme de ação. Provocado,
David ironiza e apresenta visões peculiares sobre temas que para outros
olhares, pareceriam triviais, mas que em sua mente ávida, tornam-se
nitroglicerina.
“Sou o
único
artista no
Brasil a
sair duas
vezes nas
páginas
amarelas
da Veja”
“Se eu fosse governador
colocaria cassino em Corumbá”
Cinema novo - Uma câmera na
mão, uma idéia na cabeça e uma
merda na tela?
“Tem exceções.(...) Por exemplo,
o Glauber Rocha foi um dos grandes
críticos de cinema desse país, mas como
diretor era péssimo, ele não entendia
nada, tinha uma idéia na cabeça, fazia
um filme que às vezes nem ele via. Agora você pega um Anselmo Duarte, que
fez o Pagador de Promessas, é o diretor com 90 anos mais consagrado do
cinema. Mas só falam de Glauber Rocha, porque quem escreve é o pessoal
de esquerda, que gosta desse tipo de
coisa”.
Igreja Universal – Templo é dinheiro?
“Fui entrevistado em uma rádio, e o cara me perguntou: ‘- e aí
David, como está o cinema?’, e eu
respondi:’O cinema tá mal, o povo não
vai mais ao cinema, e por que ir? Para
você ter uma idéia, só o Edir Macedo
comprou 40 cinemas pra transformar
em igreja, e esse desgra... . Quando eu
ia terminar o cara falou: ‘Pois ele é o
dono dessa rádio’, e eu disse:”‘Parabéns
pra ele, vai dar emprego pra muita gente...”. Mas pra falar a verdade eu deveria ter entrado nessa merda dessa igreja quando começou, mas agora já era”.
Nosso estado – Provinciano demais ou com identidade de menos?
“Se eu fosse governador colocaria cassino em Corumbá; pega esse
dinheiro dá 15% pros donos, o resto
aplica tudo, porque Corumbá é a cidade mais bonita do Brasil. Histórica
como é, aqueles casarões, o rio
Paraguai à sua frente e o Pantanal inteiro. O que quer mais, cara?(...) Se eu for
pra Bahia eu não quero comer mandioca, lingüiça de Maracaju ou pintado,
então se eles vem pra cá, têm que escutar a nossa música, comer as nossas
iguarias”.
Quem David Cardoso, o Rei da
Pornô-Chanchada, acha que é?
“Sou o único artista no Brasil a
sair duas vezes nas páginas amarelas da
Veja, o Lula saiu na capa e eu na amarelinhas, o Fernando Henrique saiu na
capa e eu na amarelinhas, então devo
ter alguma coisa pra dizer, porque não
Cinema em pauta
23 - Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS
Para bons filmes, bons cinemas
Arquivo MIS
Dinheiro x Fama – O que termina primeiro?
“Tive a sorte, premonição ou o
senso de ver que tudo passa, e que dinheiro não aceita desaforo. (...) Não sou
o felizardo da turma, mas posso me
dar ao luxo hoje de toda noite ter minha picanha e meu uísque, não vou viver tanto pra ver acabar o que tenho.
Fiz a minha história, fui pequenininho,
mas lancei um gênero”.
Meio Ambiente - Ainda tem fôlego para ser ecologicamente correto?
“Era jurado do Raul Gil, eu já entrava fazendo uma denúncia, contra
caça criminosa, pesca predatória,
desmatamento irregular, peguei vários
inimigos por causa disso. Eu não agüento não falar, posso pecar por falar demais, mas não por omissão. (...) Esses
dias passando no rio uma menina jogou uma lata e eu disse: ‘Oh querida,
jogando lata de cerveja!’, e ela: ‘Pega
pra você’!
Apesar da forma invejável ’’peso 80 quilos há 20 anos”-, ninguém
escapa do tempo. As rugas e a experiência inquieta garantem mais um projeto ambicioso: O Museu David Cardoso, que abrigará peças de seu acervo pessoal, com filmes dele e de cineastas e atores como Mazzaropi,
Anselmo Duarte, Grande Otelo e
Dercy Gonçalves. Boa parte do acervo ficará em Campo Grande e a outra
em um segundo museu em São Paulo.
Controverso, engraçado, com o
charme inconfundível de um galã, a
majestade não perde o trono. “David
Cardoso - O Rei da Pornô Chanchada” continua sua trajetória de produções. Pretende filmar agora “Amor
Pantaneiro”, com Camila Pitanga,
David Cardoso Jr. e o outro rei, o Pelé.
O que se pode esperar de uma produção como essa? Ele responde e fecha
o bate-papo: “Eu quero filmar mesmo, ou eu faço um espetáculo pra encher os olhos ou eu não faço nada”.
Considerado um cinema popular,
o Alhambra tinha capacidade
para 1500 pessoas e ficava na
Afonso Pena, entre a 14 e a
Calógeras
Camila Valderrama
Thiago Gonçalves
Uma boa companhia, o cheiro da pipoca, a escolha de um
bom filme, tudo isso envolve o prazer de ir ao cinema. Em Campo Grande, quando vemos as poucas opções oferecidas, nem
imaginamos a quantidade de salas de cinema que nossa cidade já
teve.
Eram lugares onde as pessoas não iam apenas para ver
filmes. Era um acontecimento social, cheio de expectativas e encontros que não iriam acontecer em outros lugares. Na falta de
bares e boates, era em torno dos cinemas que a vida social campograndense girava.
Para contar a história desses cinemas, será lançado em junho,
o livro “Salas dos Sonhos – História dos cinemas em Campo
Grande”, da jornalista Marinete Pinheiro. Ela conta, por meio de
depoimentos e entrevistas, a história de cada cinema da capital.
Voltando ao passado
A primeira exibição cinematográfica do Estado aconteceu
em Corumbá, no ano de 1903. E só cinco anos depois o cinema
chegava em Cuiabá. Em Campo Grande, que ainda era apenas
uma vila, o Cine Brasil foi o primeiro, e durou de 1910 a 1912. Era
um cinema a céu aberto, com assentos feitos de tábuas e caixotes.
Mais tarde veio o Cine Central, que ficava em frente ao quartelgeneral da avenida Afonso Pena.
Em tempos de cinema mudo, havia uma orquestra para
animar os filmes. As salas também não se restringiam a exibições
cinematográficas, elas eram palco de eventos políticos e culturais
da história. O Cine Trianon, que ficava na 14 de julho, surgiu em
1919 e era um bom exemplo disso.
Mais tarde apareceram o Santa Helena, na Dom Aquino, o
Rialto na Antônio Maria Coelho e o Alhambra, que era na Afonso Pena entre a 14 de julho e a Calógeras. Este tinha capacidade
para 1500 pessoas e ficava onde, desde 1993, está uma construção
desativada.
Uma das curiosidades contadas no livro, e que ainda não
tinha sido relatada, fala sobre uma sala de cinema construída no
bairro Nova Campo Grande. A intenção era que essa região da
cidade se desenvolvesse, mas como não foi o que aconteceu, o
projeto que era monumental, logo fracassou.
Entre as várias salas que a capital já teve, havia o Cine Acapulco
na 26 de agosto. Hoje seu prédio é apenas ruína do que um dia foi
um ponto de encontro da cidade. O cinema que pegou fogo,
sequer desperta curiosidade de quem por ali passa. No máximo
tem fotos de sua fachada destruída publicadas nos jornais, por
ser um criadouro de mosquitos da dengue. Os donos são os
irmãos Abud e Bernardo Elias Lahdo, que foram donos de
várias salas por todo o Estado e também de São Paulo. A família
Lahdo tem uma importante história ligada ao cinema em Mato
Grosso do Sul, pois eles produziam, distribuíam, exibiam e
importavam filmes.
Outra sala dos Lahdo é a do Cine Plaza que fica na estação
rodoviária e está desativada. Lá também está o Cine Center, que
hoje exibe filmes pornográficos mas que, em 1997, chegou a
exibir Titanic como último filme convencional.
Nas salas de cinema de Campo Grande foram exibidos
grandes lançamentos que nem mesmo na capital brasileira da
época (Rio de Janeiro) haviam chegado. Isso só mostra que, ao
contrário do que pensam os mais jovens, Campo Grande teve
tempos áureos em termos culturais.
Camila Valderrama
sou ator de novela, fiz só seis, não sou
o João de tal novela. Ou me conhece
como David Cardoso ou não me conhece, Lima Duarte é Lima Duarte,
Tarcísio Meira é Tarcisio Meira, David
Cardoso é David Cardoso, poucos são
assim, e eu estou parado vinte anos,
imagina se tivesse trabalhando”.
As ruínas do Cine Acapulco, que hoje
só é lembrado quando se fala dos
criadouros do mosquito da dengue
Cinema em pauta
Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da UFMS - 24
Glooge Imagens
Além da fronteira
O cinema em Mato Grosso do Sul vai além dos regionalismos
e mostra sua outra face
Camila Valderrama
Thiago Gonçalves
Thiago Gonçalves
Lançado no dia 17 de abril, o filme ‘A Poeira’ coloca em pauta a discussão sobre o cinema sul-matogrossense. Baseado no conto “Nessa
poeira não vem mais seu pai”, de
Augusto César Proença, o filme foi
produzido e dirigido pelo próprio au-
tor e por Hélio Godoy - figura de destaque no meio audiovisual em Campo
Grande. A produção tem características bem regionalistas, mas é nesse contexto que descobrimos que quem trabalha com cinema no Estado começa
a percorrer novos caminhos.
A questão é que poucas pessoas
sabem, mas o cinema em Mato Grosso do Sul tem facetas diferentes. Um
caso interessante é o do curta Nanquim
“Nossa cultura é
multifacetada e está
em constante
mutação,
reinventando-se a
todo instante, a
todo momento”
Rodolfo Ikeda
(2005), de Mauricio Copetti. O filme
brinca com a percepção sensorial, misturando imagem, som e forma e mostra que nem só de pantanal vivem as
produções sul-mato-grossenses. “Fazer
cinema é difícil em qualquer lugar, não
é um problema exclusivo do Estado.
O que falta são idéias novas,
transgressoras. Chega de ficar estereotipando a cultura daqui dizendo que ela
é assim e pronto”, diz Copetti.
Um dos fatores que permitiram
essas mudanças é a tecnologia. Com
ela fica mais fácil de se produzir e divulgar o trabalho, que há alguns anos
atrás precisaria de muito mais investimento. Hoje estamos bem mais próximos da máxima de que basta “uma
idéia na cabeça e uma câmera na mão.”
A internet, que hoje está repleta de sites
de vídeos e relacionamentos, traz uma
imensa facilidade.
Mas apesar das novas possibilidades, ainda há muito por fazer: “precisamos de mais preparo técnico, pessoas com uma melhor formação, mais
estudo específico, mais arte na hora de
produzir cinema”, afirma Ubirajara
Martins, que é jornalista e docu-
mentarista local. Ele também nos diz
que começam a surgir idéias inovadoras, mas ainda faltam pessoas dispostas a trabalhar.
Uma figura nova na área, Rodolfo
Ikeda, segue por essa trilha. Um de
seus trabalhos, o documentário Entremundos, fala sobre a integração
bioceânica da América do Sul. “Acho
que através do audiovisual, podemos
não só difundir, valorizar e (re)conhecer
nossa cultura, nossa identidade, mas
construí-la. Porque nossa cultura, assim
como quase todas as outras do mundo contemporâneo, é multifacetada e
está em constante mutação, reinventando-se a todo instante, a todo momento”, diz Ikeda.
É comum imaginar o cinema do
Estado, como algo que retrata apenas tuiuiús e outras cenas pantaneiras.
Mas ao conversar com as pessoas do
meio vemos que há idéias diferentes.
Ubirajara Martins afirma que para as
novas mudanças, esse é o momento
propício, quando estão surgindo pessoas dispostas a trazer um outro conceito de cinema para Mato Grosso
do Sul.