Título do Sub-projeto

Transcrição

Título do Sub-projeto
Universidade Federal do Espírito Santo
Programa Institucional de Iniciação Científica
Jornada de Iniciação Científica 2007/2008
Ciências da Saúde
As relações econômicas na Web na lógica P2P
Identificação:
Grande área do CNPq.: Ciências Sociais Aplicadas
Área do CNPq: Comunicação
Título do Projeto: Nós, a mídia: conflitos e clivagens entre o universo dos blogues e o jornalismo
profissional
Professor Orientador: Fabio Luiz Malini de Lima
Estudante PIBIC/PIVIC: Thalles Gomes Waichert Santos Costa
Resumo: O formato blog assume um papel cada vez mais importante na produção de informação na
contemporaneidade. A crescente popularização que o formato alcança desde os atentados de 11 de
setembro de 2001, o legitima como uma mídia alternativa para se consumir e produzir informação. Isso
gera um turbilhão de mensagens que circulam pelo ciberespaço construindo opiniões e interferindo na
agenda midiática. Contudo, à medida que o blog se dissemina, sua linguagem se modifica – passando de
um filtro da Internet até micro-coberturas de eventos globais. E também se profissionaliza objetivando
lucros financeiros com anúncios publicitários. Esse caminho é atravessado por permutas de códigos e
valores com o jornalismo, que institui um regime de concorrência com a nova mídia emergente.
Palavras chave: cibercultura, blog, Internet, jornalismo
1 – Introdução
Negri e Hardt (2001) defendem que vivemos hoje um processo de pós-modernização ou
informatização, no qual deixamos uma economia moldada pela produção fabril e entramos em outra
moldada pela prestação de serviços e produção de informação. Nesse sentido, “o novo imperativo
administrativo é ‘trate o fabril como se fosse um serviço’” (HARDT & NEGRI, 2001, p. 307).
Essa mudança implica transformações em nossa sociedade, especialmente na qualidade e
natureza do trabalho, cuja forma que se assume como determinante na nova economia é o trabalho
imaterial, “ou seja, trabalho que produz um bem imaterial, como serviço, produto cultural, conhecimento
ou comunicação” (Ibid., p. 311).
Nesse contexto, a produção industrial de informação, característica dominante na estrutura
vigente da comunicação moderna, entra em colapso. Ocorre então a descentralização dessa produção
midiática, na qual a rede é o principal suporte. Logo, “no auge da produção contemporânea, a informação
e a comunicação são as verdadeiras mercadorias produzidas; a rede, em si, é o lugar tanto da produção
quanto da circulação” (Ibid., p. 319).
Essa estrutura é regida por uma economia política diferenciada, nomeada por Bauwens (online)
de economia política da produção entre pares (ou peer to peer), “acompanhado por uma nova ética do
trabalho (a Ética Hacker de Pekka Himanen), por novas práticas culturais, [...] por um novo movimento
social e político”. (BAUWENS, online, p.8).
Universidade Federal do Espírito Santo
Programa Institucional de Iniciação Científica
Jornada de Iniciação Científica 2007/2008
Ciências da Saúde
Nessa transição político-econômica, a emergência dos blogs – como um veículo próprio da
Internet e de seus usuários – provoca um curto-circuito com certas práticas e conceitos tradicionais, como
os de opinião pública, informação, audiência e gosto.
Tendo em vista que dentre as propostas do projeto de pesquisa a qual esse sub-projeto encontrase vinculado está o estudo das influências que o universo dos blogs provocam na narrativa jornalística, e
também que o objetivo inicial do referido sub-projeto consistia em investigar os novos arranjos
econômicos no cenário midiático provocados pela Internet e redes de compartilhamento peer to peer,
debruçamo-nos, portanto, sobre o universo dos blogs a fim de investigar as mutações no circuito
midiático provocado pela inserção de anúncios publicitários nos diários virtuais.
2 – Objetivos
Tendo definido o campo empírico sobre o qual a pesquisa atuaria – o universo dos blogs –, foram
traçadas metas para alcançar: a) os objetivos almejados pelo subprojeto de forma que contemplasse as (b)
propostas do projeto do orientador.
a) Entendemos por objetivos do subprojeto:
- A realização de um mapeamento das relações econômicas na Internet sob o viés da colaboração
peer to peer;
- E a investigação da viabilidade de uma produção de opinião independente sendo sustentável e até
lucrativa.
b) Destacamos como objetivos do projeto do orientador:
- A realização de uma revisão bibliográfica sobre a emergência das novas mídias da Internet, que
são construídas e atualizadas pelos próprios usuários – muitas vezes em um regime de colaboração1.
- A análise da influência dessas novas mídias na construção da narrativa jornalística;
- E a comparação entre a narrativa blogueira e jornalística a fim de identificar clivagens e conflitos
entre essas duas formas de linguagem.
Nesse sentido, empreendemos esforço para direcionar a abordagem inicial do subprojeto de cunho
mais empirista para uma abordagem mais sociológica. Essa mudança teve como conseqüência o seguinte
encaminhamento dos dois objetivos inicias do subprojeto:
1° Objetivo – o mapeamento econômico: Antes de qualquer passo teve-se claro a restrição
empírica de abordagem circunscrita no universo dos blogs brasileiros. Ademais, nos debruçamos na
prática conhecida no meio blogueiro como “monetização”, que consiste em acrescentar anúncios
publicitários nos blogs com o intuito de obter lucros financeiros com a página virtual. Essa orientação
teve como desdobramentos na organização da pesquisa as seguintes preocupações:
1
Basta observar as ferramentas (conhecidas no meio blogueiro como plugins) que são construídas e disponibilizadas
gratuitamente em código aberto.
Universidade Federal do Espírito Santo
Programa Institucional de Iniciação Científica
Jornada de Iniciação Científica 2007/2008
Ciências da Saúde
- Quais são as características do público que serve de audiência a essas mídias? Ou seja, de que
maneira a interação do usuário da Internet com anúncios publicitários configura novas estratégias na
busca por audiência?
- Quais as implicações dessa nova configuração no perfil do emissor de informação no cenário das
novas mídias? O que por conseqüência resulta questionar:
- Quais são os valores éticos do blogueiro e qual sua relação (se existe) com os valores
jornalísticos?
2° Objetivo – a viabilidade da produção de opinião independente: Esse objetivo assume um papel
coadjuvante às preocupações supra mencionadas, de forma que acompanha como uma espécie de olhar
crítico todo o desenvolvimento da pesquisa.
3 – Metodologia
Ao longo do ano dedicado ao desenvolvimento da pesquisa realizamos reuniões regulares para
discussão bibliográfica, leituras orientadas e busca do material empírico na Internet (através de
acompanhamento de blogs e buscas). Entendendo como material empírico publicações de blogs sobre os
comportamentos dos blogueiros, assim como sua conduta ética, opiniões a respeito do imbricamento da
narrativa jornalística e da produção blogueira e relatos sobre processo jurídicos contra blogueiros. Ainda
dentro do material empírico encontra-se também o acompanhamento da lista de discussões chamada
“Blogosfera”, hospedada no Yahoo Grupos.
Assim o itinerário metodológico partirá de quatro operações fundamentais:
1. pesquisa bibliográfica: nesse momento, buscou-se a realização de leituras sobre cibercultura,
blogs e jornalismo, em particular, uma revisão teórica sobre conceitos como redes, informação e campo,
fundamentais para o entendimento dos regimes comunicacionais que o jornalismo e a blogosfera estão
imersos.
2. pesquisa documental em blogs: nessa segunda operação, o objetivo foi realizar a pesquisa de
campo, através da coleta de dados em blogs que tratam de assuntos relacionados ao campo jornalístico,
bem como sobre o próprio campo blogueiro. A pesquisa então coletou:
- publicações de blogs que discutem a própria atividade, a fim de procurar uma definição do
universo brasileiro de blogs através da visão dos próprios blogueiros;
- publicações de blogs cuja temática gire em torno da comparação entre blog e jornalismo;
- publicações de blogs contendo relatos de processos jurídicos contra blogueiros com acusações
baseadas em preceitos jornalísticos, tal como calúnia e difamação.
Universidade Federal do Espírito Santo
Programa Institucional de Iniciação Científica
Jornada de Iniciação Científica 2007/2008
Ciências da Saúde
3. tratamento e análise dos dados. Quando o conjunto de dados coletados foi categorizado a
partir dos conceitos teóricos e variáveis empíricas surgidas da pesquisa de campo. Nessa fase, o objetivo
foi realizar um relatório parcial de descrição de quadros que detalham as características dos blogs
enquanto novos emissores de informação. Realizou-se também a elaboração de um artigo científico
submetido ao XIII Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste, que ocorreu em São Paulo
– SP entre os dias 7 e 10 de Maio de 2008.
4. redação dos dados. Fase final da pesquisa, quando os dados já analisados ganham última análise, mais
interpretativa, rumo à construção do relatório final da pesquisa e de um segundo artigo científico a ser
enviado para o XXXI Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, que ocorrerá em Natal – RN
entre os dias 2 e 6 de Setembro de 2008.
4 – Resultados e Discussões
Para chegarmos a resultados satisfatórios foi necessário estar constantemente atento à metodologia
empregada para se fazer o recorte do material empírico (o universo dos blogs ou blogosfera) e em seguida
sua análise. É importante aqui ressaltar – pois consideramos como um dos resultados alcançados que
poderá influenciar futuros estudos – que a nossa dedicação de análise fora aos posts dos blogs.
Referimos-nos, pois, a posts tratados individualmente, sem a preocupação de que aquele conteúdo é
componente de um blog e que este blog pertence a um autor. Caso nosso esforço de análise fosse voltado
para os blogs enquanto unidade de pesquisa seria preciso também se preocupar com a subjetividade
pessoal empregada naquela produção e com os modos de produção aos quais o blogueiro está submetido.
Ou seja, cada autor – cada blogueiro – detém o potencial de uma empresa de mídia para os nossos olhos.
A saída para essa problemática encontrou-se em entender o conjunto de blogs – conhecido como
blogosfera – como um único espaço. Um espaço por onde trafegam informações na forma de posts, não
na forma de blogs. E esse é ponto a qual chegamos para daí desenvolver a pesquisa e chegar aos demais
resultados: na blogosfera não circulam blogs, mas posts. Pela lógica, portanto, devemos (e assim o
fizemos) nos debruçar sobre os posts enquanto material de análise. Chris Anderson, autor do livro A
Cauda Longa, demonstra também entender os blogs de forma semelhante: “a blogosfera é um
empreendimento coletivo – não 12 milhões de empreendimentos isolados, mas um único empreendimento
com 12 milhões de repórteres, articulista e editorialistas”.(ANDERSON, 2006, p.185).
Deixando esse importante ponto devidamente esclarecido vamos aos resultados da pesquisa. É
possível dividir o estudo em dois momentos: o primeiro momento é quando nossa preocupação foi
compreender as características culturais do blogueiro para posteriormente, num segundo momento da
pesquisa direcionar nosso olhar para o blogueiro profissional, ou seja, o blogueiro que obtém lucro
financeiro com seu blog.
Para compreender as características culturais do blogueiro coletamos posts que objetivavam
discutir a ética blogueira, o comportamento do blogueiro na Internet. Ao mesmo tempo organizamos uma
revisão bibliográfica reunindo autores como Manuel Castells, Dan Gillmor e Rebecca Blood, além da
importante contribuição dos artigos científicos de Raquel Recuero. Com esse arsenal bibliográfico foi
Universidade Federal do Espírito Santo
Programa Institucional de Iniciação Científica
Jornada de Iniciação Científica 2007/2008
Ciências da Saúde
possível, primeiramente, compreender o papel dos blogueiros na construção da Internet. Castells afirma
que a Internet é fruto de quatro camadas culturais: a comunidade acadêmica – que Castells chama de
tecnomeritocrática –, os hackers, as comunidades virtuais2 e o empresariado. Ainda que o autor não
mencione os blogs em seu estudo, foi possível concluir que os blogs contribuem para essa construção
formando comunidades virtuais.
Mas antes de classificar o blogueiro numa dentre as camadas culturais de Castells, podemos
pensar simplesmente que tipo de usuário da Internet é o blogueiro. E nesse ponto é crucial o entendimento
de dois tipos de usuários:
Por produtores/usuários refiro-me àqueles cuja prática da Internet é diretamente
reintroduzida no sistema tecnológico; os consumidores/usuários, por outro lado, são
aqueles beneficiários de aplicações e sistemas que não interagem diretamente com o
desenvolvimento da Internet, embora seus usos tenham certamente um efeito agregado
sobre a evolução do sistema. (CASTELLS, 2003, p. 34).
Considerando que a ação dos blogueiros colaboram tanto de maneira direta – desenvolvendo novos
aplicativos de publicação ou aperfeiçoando os já existentes – como indireta para o desenvolvimento da
Internet, consideramos os blogueiros como produtores/usuários. Interessa-nos nessa pesquisa a
contribuição indireta do blogueiro. Essa contribuição se dá através dos debates e discussões que a
blogosfera alimenta, servindo tanto como um espaço para se discutir a mídia quanto para se produzir uma
mídia alternativa e independente. É nesse ponto onde a proposta da pesquisa se cruza com esses primeiros
resultados e formulamos a seguinte questão: quais as influências que a profissionalização dos blogueiros
através da inserção de material publicitários nos blogs proporciona para a informação, até então dita
independente, dos blogs?
Essa pergunta nos leva ao segundo momento da pesquisa, no qual direcionamos nossa análise para
os blogueiros profissionais. Foi realizada uma análise de conteúdo de diversos posts coletados na Internet
através de motores de busca e pelos redirecionamentos (links) de tráfego feitos pelos próprios blogs3. Essa
análise resultou em duas hipóteses:
1ª hipótese – a autonomização do campo blogueiro: A primeira coisa a ser feita, antes mesmo da
análise de conteúdo dos posts, foi estudar o funcionamento dos mecanismos publicitários utilizados nos
blogs para traçar as semelhanças e diferenças da publicidade de massa. Pois bem, esse momento foi
crucial do ponto de vista metodológico, uma vez que percebemos que o capital publicitário não vê os
blogs como várias micro-empresas de mídia, mas como um único e grande empreendimento de 12
milhões de repórteres, como bem descreve Chris Anderson. Essa é, pois, a primeira das diferenças entre
publicidade de Internet e publicidade de massa.
A segunda diferença é conseqüência da primeira. O conteúdo dos blogs não é afetado pelo
conteúdo publicitário. O que implica dizer que não importa se o blog ostenta um anúncio do Mercado
Livre e o blogueiro faz diversos posts prejudicando a imagem do Mercado Livre. Esse ponto é
2
Entendendo aqui comunidades virtuais no conceito de Wellman: “redes de laços interpessoais que proporcionam
sociabilidade, apoio, informação, um senso de integração e identidade social” (Castells, 2003, p. 106).
3
Todo o material coletado se encontro nos anexos desse relatório.
Universidade Federal do Espírito Santo
Programa Institucional de Iniciação Científica
Jornada de Iniciação Científica 2007/2008
Ciências da Saúde
fundamental: a regra disciplinar imposta às redações tradicionais não tem valor na blogosfera, ou seja,
publicar conteúdo contrário às opiniões de grandes patrocinadores não resulta numa sanção do
patrocinador.
Por conseguinte nos ocupamos para melhor compreender essa nova publicidade que se configura
na Internet, chegando ao resultado de que os anúncios se aperfeiçoam no sentido de se misturarem às
mensagens. Há um salto de análise aqui. Deixamos de lado a analogia com a publicidade de massa e nos
dedicamos a entender a publicidade de Internet especificamente. Elaboramos a seguinte tabela para
facilitar a compreensão:
Publicidade 1.0
Os banners são o principal meio
Publicidade 2.0
Anúncios
contextuais
de anunciar na Internet, assim
buscam se relacionar com o
meme intencionado em divulgar
como os floating ads , e as
conteúdo da página. Exemplo:
uma marca ou produto.
janelas pop-up, que se destacam
Google
em uma janela à parte.
Mercado Livre entre outros.
4
Adsense,
que
Publicidade 3.0
Publicidade viral.
Exemplo:
Hotwords,
Tabela 1: Evolução das formas de publicidade na Internet.
A Publicidade 1.0 é baseada nas experiências anteriores de anúncios nos meios de massa,
procurando inovar apenas no visual. Insere alguns movimentos nos anúncios e proporciona alguma
interatividade.
A Publicidade 2.0 se permite certo refinamento no que diz respeito ao público alvo a ser
atingido. Os anúncios contextuais buscam relacionar o conteúdo da página ao anunciante. Dessa forma,
ao entrar num blog sobre música será possível encontrar anúncios de instrumentos musicais, por exemplo.
Ou então quando se trata de um blog sobre literatura, será possível encontrar anúncios de livros. Outro
diferencial dos anúncios contextuais é que eles podem produzir resultados por demanda, ou seja, apenas
quando um leitor clicar no anúncio exibido o blogueiro irá lucrar com ele, o que se torna vantajoso para
quem anuncia. Entre os mais famosos exemplos estão o Google Adsense , Hotwords e Mercado Sócio .
Na Publicidade 3.0, o próprio receptor do anúncio o transmite, fazendo com que a publicidade
assuma um caráter viral. Atingindo a fusão da publicidade com o conteúdo. Já não existe um anúncio
propriamente dito, pois os elementos utilizados na estrutura da publicidade já estão difusos na
informação.
Essas comparações e análises nos levaram a concluir que a publicidade assume um papel de motor
de autonomia na blogosfera, fazendo com que ela possua um sentido próprio de produção e seja autosuficiente e lucrativa. É auto-suficiente porque possuiu um público que a consome e a alimenta de
informações e é lucrativa porque a partir de mecanismos de publicidade conseguiu uma forma de obter
retorno financeiro com sua atividade. E aqui entra a necessidade de uma teoria que ampare esse
movimento de autonomização, encontrado em Pierre Bourdieu. O autor descreve que para a
autonomização do campo de produção de bens-simbólicos foram necessárias três mudanças:
4
Anúncios que surgem sobre o conteúdo normal da página web, flutuando livremente sobre ela.
Universidade Federal do Espírito Santo
Programa Institucional de Iniciação Científica
Jornada de Iniciação Científica 2007/2008
Ciências da Saúde
(a) a constituição de um público de consumidores virtuais cada vez mais extenso,
socialmente diversificado, e capaz de propiciar aos produtores de bens simbólicos não
somente as condições minimais de independência econômica mas concedendo-lhes
também um princípio de legitimação paralelo; b) a constituição de um corpo cada vez
mais numeroso e diferenciado de produtores e empresários de bens simbólicos cuja
profissionalização faz com que passem a reconhecer exlusivamente um certo tipo de
determinações como por exemplo os imperativos técnicos e as normas que definem as
condições de acesso à profissão e de participação no meio; c) a multiplicação e a
diversificação das instâncias de consagração competindo pela legitimidade cultural […]
e das instâncias de difusão”. (Bourdieu, 1930, p. 100).
Traçando um paralelo ao pensamento de Bourdieu é possível afirmar que o processo de autosustentabilidade gerado pelo financiamento das verbas publicitárias nos blogs é oriundo do alargamento
da comunidade de blogueiros (decorrente da popularização das ferramentas de edição) que,
conseqüentemente, alargaram o público consumidor dessa produção, uma vez que os próprios produtores
são também consumidores. Soma-se a isso o restante do público não produtor. Resultado: busca por
profissionalização e uma audiência cada vez maior em uma mídia caracterizada pelo amadorismo e
pequenas audiências.
2ª hipótese – os novos regimes de dependência: Através de um olhar mais atento, maior
dedicação empregada nas análises de conteúdos e uma ampliação da bibliografia consultada foi possível
problematizar o processo de autonomização desvendado pela primeira hipótese. Ao coletar posts que se
dedicam a dar dicas de como melhorar o faturamento dos blogs através dos mecanismos publicitários e
diversos outros posts que dialogam de alguma forma com essa temática, percebemos que o discurso ali
enunciado girava em torno de quatro eixos: (a) mudanças na linha editorial do blog, (b) mudanças de
público e estratégias para conquista de audiência, (c) resistências ao modelo de monetização e (d)
elaboração de modelos alternativos de monetização.
Por mudanças na linha editorial do blog compreende-se a inclinação dos autores em tratarem
mais de assuntos generalistas do que íntimos, privados ou específicos. Essa mudança se faz necessário
para se alcançar uma parcela maior de audiência. Portanto, nota-se aqui o princípio da preocupação em
alargar seu público-alvo de maneira que torne possível maior faturamento com os mecanismos de
publicidade.
A segunda mudança toca exatamente na distinção que se começa a fazer de audiência. Notamos
que para os blogueiros existe a audiência qualitativa, caracterizada por grande interatividade e
participação do leitor com o blogueiro; e a audiência quantitativa, marcado por um tipo de leitor –
apelidado pelos blogueiros de “pára-quedista”, que acessa o blog rapidamente à procura de uma
informação específica, tendo mais chance, portanto de clicar em um anúncio.
O terceiro eixo do discurso é uma reação às mudanças até então suscitadas. Um movimento de
resistência emerge através de alguns blogueiros contra a monetização dos blogs – Ad-free blogs,
afirmando que essa prática desvirtua os princípios blogueiros, como a interatividade, a participação e a
construção coletiva da informação.
E como resposta ao movimento de resistência identificamos o quarto eixo do discurso que se
propõe a pensar alternativas a monetização, através da criação de novos modelos de mecanismos
Universidade Federal do Espírito Santo
Programa Institucional de Iniciação Científica
Jornada de Iniciação Científica 2007/2008
Ciências da Saúde
publicitários. Visto, portanto, que não há uma exaltação unicamente otimista da utilização de publicidade
em blogs a pesquisa se encaminhou, finalmente, para estudar os pontos de conflito observados.
É indispensável ressaltar que a profissionalização dos blogueiros não tardou a entrar em conflito
com as práticas jornalísticas, ou seja, surge um debate no âmbito da comunicação online que contrapõe
jornalistas e blogueiros como concorrentes um do outro. Destacamos em nossa pesquisa a campanha
lançada pelo jornal Estado de São Paulo como ponto alto desse embate. Uma das peças da campanha é
um vídeo publicitário no qual blogueiros são comparados a macacos que copiam o conteúdo dos jornais e
colam nos blogs. Mas é preciso observar que não se trata de ataque fortuito do jornal. O caráter válido
para se destacar nesse estudo é o embate de concorrência que o Estadão demarca entre profissionais da
informação (jornalistas) e amadores da informação (blogueiros).
Figura 1. Peça da campanha publicitária do Estadão.
Esse ponto alça uma investigação do caráter da informação produzida pelos blogueiros
atualmente. O objetivo da pesquisa não é fazer da blogosfera um objeto de sentença, condenando ou
absolvendo o uso de publicidade nos blogs, mas estudar as implicações que a monetização implica na
narrativa blogueira. E nesse quesito concluímos que se a monetização dos blogs não impulsiona um
Universidade Federal do Espírito Santo
Programa Institucional de Iniciação Científica
Jornada de Iniciação Científica 2007/2008
Ciências da Saúde
processo de autonomização do campo blogueiro, ao menos podemos considerar que ela põe em
movimento a potencialidade informativa e noticiosa dos blogs. Tal potencialidade já deu mostras através
dos atentados de 11 de Setembro, a prévia democrata norte-americana de 2004 (o caso Howard Dean), o
furacão Katrina e etc.
Tendo isso em vista, decidimos remontar o percurso histórico da blogosfera através de consultas
bibliográficas utilizando Rebecca Blood, Giuseppe Granieri, Juan Varela e a tese de doutorado do
professor orientador deste projeto, Fábio Malini. Através desse levantamento percebemos que os autores
reconhecem, de forma geral, três momentos da blogosfera: (a) a fase filtro, no qual se limitava a indicar
sites interessantes pela Internet; (b) a fase diário, marcada pela popularização de ferramentas de
publicação de blogs e uma escrita voltada para a vida privada; (c) e a fase informativa, que marca a
emergência do jornalismo cidadão e da utilização dos blogs para micro-coberturas de eventos,
ocasionando eventuais furos na mídia tradicional – vide o caso do 11 de Setembro.
Mas em nossa pesquisa descobrimos um quarto momento da blogosfera, responsável pela
consolidação da fase informativa. Esse quarto momento é a fase profissional, marcada pela inserção dos
anúncios publicitários, lucros e dedicação exclusiva do blogueiro. Essa fase gera um curto-circuito no
cenário midiático, visto que a produção amadora emerge como concorrente direta da produção
profissional de informações.
Novamente aqui as noções de Pierre Bourdieu nos é útil para compreender de que maneira o
blog se comporta diante da mídia. Ou seja, o desafio aqui é entender se o blog consolida sua autonomia
em relação ao campo da mídia através da fase profissional ou marca sua entrada como componente do
campo midiático. Para melhor compreender essa problemática é preciso ter claro que um campo é o
espaço onde as posições dos agentes se encontram a priori fixadas. O campo se define
como o locus onde se trava uma luta concorrencial entre os atores em torno de
interesses específicos que caracterizam a área em questão. (ORTIZ, 1983 p. 19).
A reflexão, portanto, se dá no sentido de compreender a blogosfera como um novo ator social
que força sua entrada no campo da mídia ou de compreender a blogosfera como um novo campo no qual
são produzidos sentidos e informações. Essa segunda prerrogativa corresponde à primeira hipótese
lançada nessa pesquisa. A primeira prerrogativa, por sua vez, vai de encontro a essa primeira hipótese.
Nota-se, então, que a blogosfera é campo e ator. É campo no momento inicial de sua história, instaura
uma linguagem própria de orientação pela Internet (advinda da cultura hacker e de excelência acadêmica).
Mas à medida que se profissionaliza e entra na lógica de produção de informação e micro-coberturas, se
constitui, então, como um ator social do campo da mídia.
Assim sendo, a blogosfera se coloca em um novo regime de dependência. Não depende de um
patrocinador para sancionar o que é pode e o que não pode ser dito, mas por outro lado, depende cada vez
mais dos fluxos de audiência na rede, é preciso capturar a audiência. Isso é feito através de agendamentos
editoriais visando assuntos que chamem maior atenção nos motores de busca, podendo dessa forma,
alcançar uma parcela maior de audiência.
Universidade Federal do Espírito Santo
Programa Institucional de Iniciação Científica
Jornada de Iniciação Científica 2007/2008
Ciências da Saúde
5 – Conclusões
“Há uma tecnologia humana, antes de haver
uma tecnologia material”.
Gilles Deleuze
Dando seguimento à estruturada montada na seção “Resultados e Discussões”, as últimas
considerações da pesquisa realizada terá início nas dificuldades metodológicas para o estudo da
cibercultura. A dificuldade se encontra na semelhança que a blogosfera possui com o que Deleuze e
Guattari chamam de rizoma. A analogia pode ser feita na medida em que “o rizoma nele mesmo tem
formas muito diversas, desde sua extensão superficial ramificada em todos os sentidos até suas
concreções em bulbos e tubérculos” (DELEUZE & GUATTARI, 1995, p. 15). Os blogs surgem e
desaparecem a todo instante, criando novas conexões e desfazendo outras, logo, da mesma forma que
“qualquer ponto de um rizoma pode ser conectado a qualquer outro e deve sê-lo” (Ibid., p. 15), tais
conexões podem ser rompidas, quebradas, desfeitas sem que o universo dos blogs perca sentido ou força.
Do mesmo modo “um rizoma pode ser rompido, quebrado em um lugar qualquer, e também retoma
segundo uma ou outra de suas linhas e segundo outras linhas” (Ibid., p. 18). Destacamos, então, que a
multiplicidade que os blogs formam “não tem nem sujeito nem objeto, mas somente determinações,
grandezas, dimensões que não podem crescer sem que mude de natureza” (Ibid., p. 16). Destarte, a
atividade blogueira constitui um agenciamento, que “é precisamente este crescimento das dimensões
numa multiplicidade que muda necessariamente de natureza à medida que ela aumenta suas
conexões” (Ibid., p. 17). Portanto, os blogs por si só formam uma multiplicidade difícil de se recortar.
Para além disso, é preciso ter claro que “se é tão difícil mapear a cibercultura, é porque estamos
inteiramente em seu interior” (FELINTO, 2007, p. 55).
Às dificuldades metodológicas ainda se somam as limitações do estudo realizado. Mediante análise
de conteúdo de diversos posts, concentramos nossa atenção no que está sendo construído coletivamente
na blogosfera brasileira, nossa análise, portanto, não abrange ao modo como esse novo modelo opera.
Seria um erro fatal ler esse estudo esperando uma abordagem dos modos de produção da informação na
cibercultura. Não é esse o objetivo aqui. O que por um lado é uma limitação, por outro abre margem para
continuidade de estudos, aprofundando passo a passo nossa compreensão de cibercultura e informação.
Não obstante, chegamos lucidamente a duas hipóteses a respeito das implicações da monetização
dos blogs nas características da informação blogueira e, também, na blogosfera em si. Ressaltadas na
seção dos resultados e devidamente explicados, são elas: (a) a autonomização de produção de sentidos em
relação ao campo do jornalismo; e (b) a subjeção a novos regimes de dependência no campo da mídia. É
preciso, então, refletir esses resultados alcançados dentro de um contexto abrangente, à luz das teorias
estudadas durante a pesquisa.
A primeira hipótese se mostrou insuficiente a partir do momento que julgamos a segunda como
mais realista. Esse julgamento não é feito sem embasamento, pois os dados analisados indicam que a
blogosfera se submete a um regime de concorrência por atenção na rede com o jornalismo. Portanto, do
que se trata esse novo regime de dependência? Acreditamos que as reflexões de Negri, Deleuze e
Foucault podem nos ser de extrema utilidade para compreender esse regime.
Universidade Federal do Espírito Santo
Programa Institucional de Iniciação Científica
Jornada de Iniciação Científica 2007/2008
Ciências da Saúde
A transição da sociedade disciplinar para a sociedade do controle oferece uma saída para
localizarmos o eixo no qual esse movimento da blogosfera se localiza. Entendemos por sociedade
disciplinar
Aquela na qual o comando social é construído mediante uma rede difusa de dispositivos
que produzem e regulam os costumes, os hábitos e as práticas produtivas. Consegue-se
pôr para funcionar essa sociedade, e assegurar obediência a suas regras e mecanismos
de inclusão e/ou de exclusão, por meio de instituições disciplinares (a prisão, a fábrica,
o asilo, o hospital, a universidade, a escola e assim por diante) [...]. (HARDT &
NEGRI, 2001, p. 42).
Já a sociedade do controle é caracterizada pela difusão desses dispositivos de controle nos próprios
indivíduos, dessa forma,
o poder agora é exercido mediante máquinas que organizam diretamente o cérebro
(em sistemas de comunicação, redes de informação etc.) e os corpos (em sistemas
de bem-estar, atividades monitoradas etc.) no objetivo de um estado de alienação
independente do sentido da vida e do desejo de criatividade. (Ibid.)
“A disciplinaridade fixou indivíduos dentro de instituições mas não teve êxito em consumi-los
completamente no ritmo das praticas produtivas e da socialização produtiva” (Ibid., p. 43), êxito tal,
alcançado através da plenitude do controle. É como ilustra o filme Matrix; Morpheus alerta Neo: todo
cidadão é um potencial agente. Deleuze esclarece que “longe de se exercer numa esfera geral ou
apropriada, a relação de poder se insere em todo lugar onde existem singularidades” (DELEUZE, 2006, p.
37). Hardt e Negri situam o trabalho nesse contexto: “Marx reconheceu algo familiar no que chamou de
passagem da subordinação formal para a subordinação real do trabalho ao capital”. (HARDT & NEGRI,
2001. p. 44).
O que queremos destacar aqui é que os dados observados nos encaminham a dizer que o trabalho
aplicado na produção de informação é atravessado por um novo diagrama de poder. Aplicamos a
concepção de Deleuze sobre diagrama: algo que “nunca age para representar um mundo preexistente, ele
produz um novo tipo de realidade, um novo modelo de verdade”. (DELEUZE, 2006, p. 45). As diferenças
e semelhanças entre essas duas formas de produção, entre esses dois modos de produção, não foram
levantas nesse estudo. Contudo, vemos nas Olimpíadas de Pequim um evento global através do qual serão
destacados com clareza a potência dos dois modos de produção da informação: o amador, através do
jornalismo cidadão nos blogs e portais5; e o profissional, através da tradicional cobertura midiática oficial.
6 – Referências Bibliográficas
ANDERSON, Chris. A Cauda Longa: do mercado de massa para o mercado de nicho. Rio de Janeiro:
Editora Campus/Elsevier, 2006. 2ª edição.
BAUWENS, Michel. A Economia Política da Produção entre Pares. Disponível na Internet:
http://www.p2pfoundation.net/A_Economia_Pol%C3%ADtica_da_Produ
%C3%A7%C3%A3o_entre_Pares. Acessado em 24 de abril de 2007.
5
Eu, Repórter do jornal O Globo; Yo Periodista, do jornal El Pais; I Report, da CNN; entre outros.
Universidade Federal do Espírito Santo
Programa Institucional de Iniciação Científica
Jornada de Iniciação Científica 2007/2008
Ciências da Saúde
BOURDIEU, Pierre. A Economia das Trocas. 6ª edição. São Paulo: Ed. Perspectiva. 2005.
CASTELLS, Manuel. A Galáxia da Internet. 1ª edição. Rio de Janeiro: Ed. Jorge Zahar. 2003
DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil Platôs Capitalismo e Esquizofrenia vol. 1. Editora 34, 1995.
DELEUZE, Gilles. Foucault. São Paulo: Ed. Brasiliense. 2006.
FELINTO, Erick. Sem mapas para esses territórios: a cibercultura como campo de conhecimento. In:
HERSCHMANN, Micael (Org.); FILHO, João Freire (Org.). Novos Rumos da Cultura da Mídia.
Rio de Janeiro: Ed. Mauad, 2007. P. 45-58.
HARDT, Michael e NEGRI, Antonio. Império. São Paulo: Ed. Record, 2001.
ORTIZ, Renato (org.). Pierre Bourdieu: Sociologia. São Paulo: Ed. Ática, 1983.

Documentos relacionados

Judy 2 - ppgccom

Judy 2 - ppgccom As ferramentas da Web 2.0, como os Weblogs, foram adotadas pelos interagentes de identidade física e/ou jurídica do ambiente da internet para fazer divulgação científica dos resultados desenvolvido...

Leia mais

Cartografias da Blogosfera

Cartografias da Blogosfera mesmo se segue em outros capítulos, como o sétimo: coletamos materiais produzidos pelos blogueiros nas Olimpíadas de Pequim e buscamos identificar segundo critérios teóricos de outros autores e tam...

Leia mais