MPECM_ Dissertação de Mestrado_ Stefania Reis Antunes
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MPECM_ Dissertação de Mestrado_ Stefania Reis Antunes
INSTITUTO FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS E MATEMÁTICA STEFANIA REIS ANTUNES HOFFMANN COMPETÊNCIA LEITORA E DESEMPENHO NA RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS DE MATEMÁTICA: UM ESTUDO DE RELAÇÕES Vitória 2015 STEFANIA REIS ANTUNES HOFFMANN COMPETÊNCIA LEITORA E DESEMPENHO NA RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS DE MATEMÁTICA: UM ESTUDO DE RELAÇÕES Dissertação apresentada ao Programa de Pós Graduação em Educação em Ciências e Matemática do Instituto Federal do Espírito Santo como requisito parcial para obtenção do Título de Mestre em Educação em Ciências e Matemática. Orientador: Profª. Drª. Maria Alice Veiga Ferreira de Souza. Vitória 2015 (Biblioteca Nilo Peçanha do Instituto Federal do Espírito Santo) H711c Hoffmann, Stefania Reis Antunes. Competência leitora e desempenho na resolução de problemas de matemática : um estudo de relações / Stefania Reis Antunes Hoffmann. – 2015. 120 f. : il. ; 30 cm Orientadora: Maria Alice Veiga Ferreira de Souza. Dissertação (mestrado) – Instituto Federal do Espírito Santo, Programa de Pós-graduação em Educação em Ciências e Matemática, Vitória, 2015. 1. Matemática - Estudo e ensino. 2. Matemática - Problemas, questões, exercícios 3. Matemática (Ensino médio). I. Souza, Maria Alice Veiga Ferreira de. II. Instituto Federal do Espírito Santo. III. Título. CDD 21: 510.7 MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO INSTITUTO FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CAMPUS VITÓRIA Avenida Vitória, 1729 – Bairro Jucutuquara – 29040-780 – Vitória – ES 27 3331-2110 RESUMO Esse estudo investigou, inicialmente, possíveis correlações entre a competência leitora e o desempenho na resolução de problemas (RP) de Matemática em uma perspectiva quantitativa por meio de instrumentos de medição estatísticos. 305 estudantes do Ensino Médio de uma instituição de ensino do Estado do Espírito Santo participaram dessa etapa da pesquisa. Ademais, posteriormente, desses, foi extraída uma amostra de 106 alunos para a verificação qualitativa da competência leitora e do desempenho na resolução de problemas de Matemática com e sem a aplicação dos preceitos de Pólya, principal apoio teórico pelo lado da Resolução de Problemas de Matemática. Para a Competência Leitora, contou-se com o suporte de estudos de Cagliari, Souza e outros autores que se debruçaram sobre o tema. O resultado estatístico informado pelo software SPSS sobre a existência de correlação entre a competência leitora e o desempenho na resolução de problemas de Matemática foi significativo no nível de 99% de confiança. Apesar desse resultado, a avaliação qualitativa do comportamento estatístico dos dados não permite afirmar a alta dependência entre as variáveis, pois para o mesmo desempenho em RP, ocorreram amplas diferenças nas competências leitoras – desde a mais baixa até a mais alta -, o que leva a crer em um fenômeno estatístico ilusório. Não obstante, esse resultado não descarta a importância da competência leitora e deixa a mensagem da existência de outras variáveis que atuem de maneira mais decisiva sobre o desempenho em RP. Os resultados qualitativos revelaram equívocos na compreensão dos enunciados dos problemas, destacadamente no que se refere a problemas de ordem estrutural ou lexical e de aquisição do sentido global do enunciado. Palavras-chave: Competência leitora. Educação matemática. Resolução de problemas. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO INSTITUTO FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CAMPUS VITÓRIA Avenida Vitória, 1729 – Bairro Jucutuquara – 29040-780 – Vitória – ES 27 3331-2110 ABSTRACT This study investigated, initially, possible correlations between reading competence and performance in problem solving (RP) of Mathematics in a quantitative perspective through statistical measurement instruments. 305 high school students of an educational institution of the State of Espírito Santo participated in this research. Furthermore, subsequently, a sample of 106 students for the qualitative verification of reading competence and performance in mathematics problem solving was extracted with and without the application of the precepts of Pólya, main theoretical support for on the side of Mathematics Problem Solving. For the reader competence, it counted on the support of studies of Cagliari, Souza and other authors who have studied the subject. The statistical results reported by specific software on the correlation between reading competence and performance in solving math problems were significant at the level of 99% of confidence. Despite this result, the qualitative evaluation of the data behavior does not affirm the high dependency between variables, because for the same performance in RP, there were wide differences in readers’ skills - from the lowest to the highest - leading to believe in an illusory statistical phenomenon. However, this result does not rule out the importance of reading competence and it leaves the message that there are other variables acting more decisively on the performance in problems solving. Qualitative results revealed mistakes in the understanding of the statements of the problems, notably regarding the problems of structural or lexical order and the acquisition of global meaning of the utterance. Keywords: Competence in reading. Mathematics education. Problem solving. LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Box plot - distribuição dos dados relativos. à competência leitora dos 305 alunos..........................................................................................................................92 Figura 2 - Box plot - distribuição dos dados relativos ao desempenho em resolução de problemas dos 305 alunos...........................................................................................95 Figura 3 - Diagrama de dispersão gerado pelo SPSS sobre a competência leitora e o desempenho em RP.........................................................................................................................96 Figura 4 - Extrato do resultado da correlação entre as variáveis, informado pelo SPSS............................................................................................................................97 Figura 5 - Subtração equivocada - número de alunos (1º ambiente) pelo número de objetos e personagens (2º ambiente)........................................................................................100 Figura 6 - Divisão equivocada - número de alunos (1º ambiente) pelo número de objetos e cômodos (2º ambiente)..............................................................................................101 Figura 7 - Raciocínio incompleto na resolução do problema....................................................101 Figura 8 - Adição entre dados desnecessários para a resolução do problema...........................102 Figura 9 - Multiplicação entre dados desnecessários para a resolução do problema................103 Figura 10 - Operações entre dados desnecessários para a resolução do problema...................................................................................................................103 Figura 11 - Tentativa de resolução por MMC...........................................................................104 Figura 12 - Desenho do aluno representando os cômodos, os personagens e os objetos..........105 Figura 13 - Esquema representando o princípio multiplicativo da contagem...........................105 Figura 14 - Esquema de combinação de possibilidades e análise em linguagem verbal.........................................................................................................................106 Figura 15 - Desenho da área do campo de futebol....................................................................106 Figura16 - Confusão na compreensão do enunciado no problema 1.........................................109 Figura17 - Dados em excesso (problema 2)..............................................................................111 Figura18 - Confusão entre “campo” e “estádio” (problema 2).................................................112 LISTA DE QUADROS Quadro 1 - Matrizes de Competências: Linguagem, Códigos e suas Tecnologias (Ensino Médio)...........................................................................................................55 Quadro 2 - Estrutura da pesquisa................................................................................................56 Quadro 3 - Distribuição dos problemas do instrumento 3 e 4.....................................................63 LISTA DE TABELAS Tabela 1 - Resultado estatístico do instrumento 1......................................................................91 Tabela 2 - Categorização da competência leitora aferida pelo instrumento 1........................... 92 Tabela 3 - Categorização para a competência leitora.................................................................93 Tabela 4 - Categorização do desempenho em resolução de problemas aferido pelo instrumento 2..............................................................................................................93 Tabela 5 - Categorização do desempenho em resolução de problemas aferido pelo instrumento 2..............................................................................................................94 Tabela 6 - Categorização do desempenho em resolução de problemas aferido pelo instrumento 2..............................................................................................................95 Tabela 7 - Rendimento quanto ao desempenho na resolução de problemas aferido pelo instrumento 2..............................................................................................................95 Tabela 8 - Descritores do desempenho dos participantes (instrumento 3) por estratégia empregada (problemas 1 e 2)......................................................................................99 Tabela 9 - Desempenho no instrumento 4 (apenas alunos que não obtiveram sucesso no instrumento 3)...........................................................................................................107 Tabela 10 - Desempenho no instrumento 4 (apenas alunos que deixaram o instrumento 3 em branco)................................................................................................................108 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO............................................................................................................. 12 1.1 PROBLEMA................................................................................................................... 16 1.2 ORGANIZAÇÃO DA DISSERTAÇÃO ........................................................................ 19 2 OBJETIVO .................................................................................................................... 21 2.1 OBJETIVO GERAL ...................................................................................................... 21 2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS.......................................................................................... 21 3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA E REVISÃO DE LITERATURA ...................... 22 3.1 SOBRE COMPREENSÃO LEITORA ........................................................................... 22 3.1.1 Etapas de Leitura .......................................................................................................... 22 3.1.2 A Noção de Atitude Responsiva na Leitura por Mikhail Bakhtin ........................... 27 3.1.3 Posturas Assumidas pelo Leitor diante do Texto (por Geraldi) ............................... 31 3.1.4 O Desenvolvimento da Competência Leitora ............................................................. 34 3.2 SOBRE O DESEMPENHO NA RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS DE MATEMÁTICA COM ENUNCIADOS VERBAIS ...................................................... 38 3.2.1 As Teorias de Pólya na Resolução de Problemas ....................................................... 38 3.2.2 Como Ler um Problema de Matemática .................................................................... 39 3.2.3 Estágios da Etapa de Compreensão do Enunciado ................................................... 41 3.2.4 Tipos de Problemas....................................................................................................... 44 3.2.5 Outros Estudos sobre Resolução de Problemas ......................................................... 46 3.2.6 A Avaliação da Competência Leitora ......................................................................... 52 4 MÉTODOS .................................................................................................................... 56 4.1 INSTRUMENTOS ......................................................................................................... 56 4.1.1 Sobre o Instrumento 1 – Competência Leitora em Enunciados (Questões Objetivas)....................................................................................................................... 57 4.1.2 Sobre o Instrumento 2 - Desempenho em RP (Questões Objetivas) ........................ 60 4.1.3 Sobre os Instrumentos 3 e 4 – Competência Leitora e Desempenho em RP (Questões Discursivas) .................................................................................................. 62 4.2 SUJEITOS DA PESQUISA ........................................................................................... 68 4.3 PROCEDIMENTOS ....................................................................................................... 68 4.4 O ESTUDO PILOTO ..................................................................................................... 69 4.4.1 Estudo Piloto - Instrumentos 1 e 2 – Competência Leitora e Desempenho em Resolução de Problemas................................................................................................79 4.4.2 Estudo Piloto - Instrumentos 3 e 4 – Método de Pólya.............................................79 4.4.3 Situações Observadas durante o Experimento Piloto (Problemas com o léxico). ... 79 4.4.4 Situações Observadas durante o Experimento Piloto (Problemas Estruturais). .... 81 4.4.5 Sobre o Resultado da Aplicação do Piloto dos Instrumentos 1 e 2 .......................... 81 4.4.6 Sobre o Resultado da Aplicação do Piloto do Instrumento 3 e 4.............................. 83 4.5 DESCRIÇÃO DA APLICAÇÃO DOS INSTRUMENTOS 1, 2, 3 E 4 ......................... 84 5 RESULTADOS, ANÁLISE E DISCUSSÃO .............................................................. 91 5.1 RESULTADOS DO INSTRUMENTO 1 ....................................................................... 91 5.2 RESULTADOS DO INSTRUMENTO 2 ....................................................................... 93 5.3 VERIFICAÇÃO DA RELAÇÃO DA COMPETÊNCIA LEITORA E O DESEMPENHO NA RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS .............................................. 96 5.4 RESULTADOS DO INSTRUMENTO 3 ....................................................................... 98 5.4.1 Equívocos mais Comuns............................................................................................... 99 5.4.2 Métodos Aplicados pelos Participantes na Resolução dos Problemas ................... 104 5.5 RESULTADOS DO INSTRUMENTO 4 ..................................................................... 107 5.5.1 Respostas dadas no Instrumento 4 ............................................................................ 109 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 113 REFERÊNCIAS..........................................................................................................113 ANEXOS......................................................................................................................113 12 1 INTRODUÇÃO Que relações existem, se existirem, entre a competência leitora e o desempenho na resolução de problemas de Matemática com enunciados verbais de alunos do Ensino Médio? Como podemos conduzir a resolução de problemas de Matemática com enunciados verbais à luz dos preceitos de Pólya? A valorização da leitura pelos docentes para a abordagem de conteúdos de qualquer área do conhecimento, em especial, da Matemática, pode ser o diferencial para uma educação mais significativa. Um leitor competente é capaz de refletir e se posicionar diante de ideias contidas em um texto. Por isso, acredito que, sem uma leitura competente, é improvável que o indivíduo consiga o mesmo desempenho em tarefas escolares que a têm como requisito. Em particular, algumas tarefas desenvolvidas nas aulas de Matemática, como a resolução de problemas com enunciados verbais1, por exemplo, podem ser otimizadas quando o aluno tem facilidade de se apropriar das informações presentes no texto do enunciado. Uma leitura competente de um enunciado de um problema de Matemática implica na realização de diferentes operações cognitivas envolvidas no processo de leitura, entre elas: compreender o que é solicitado, selecionar dados relevantes à resolução e associar esses dados ao que já se conhece sobre o assunto, estabelecendo uma espécie de diálogo com o autor do texto. Por meio dessas operações, o leitor buscaria caminhos que o conduzissem à resolução. Nesse sentido, a competência leitora pode ser uma condição para que o aluno obtenha um bom desempenho preliminar em Matemática, em especial, no que diz respeito à resolução de problemas com enunciados verbais. O ato de ler será entendido aqui, tal como Cagliari2 (1995, p.155) define: “toda manifestação linguística que uma pessoa realiza para recuperar um pensamento formulado por outra e colocado na forma de escrita”. Como é uma atividade individual, de acordo com Cagliari (1995, p. 150), um mesmo texto pode ser lido de formas diferentes. É possível que se assuma diferentes posturas perante a leitura: ela pode ser realizada de forma superficial, o que conforme a situação, não é algo 1 Não é de interesse, nesse trabalho, estudar enunciados de problemas de Matemática que possuam exclusivamente expressões típicas do contexto matemático, tal como, y=x+1 e similares, apesar de os numerais, números, símbolos, etc. também pertencerem à linguagem "verbal", pois apenas são apresentados "visualmente" com um tipo particular de escrita. Ler esses "símbolos" é transformá-los em "enunciados verbais"... 2 Luiz Carlos Cagliari é mestre em Linguística pela Universidade Estadual de Campinas, doutor em Linguística Fonética pela Universidade de Edimburgo (Escócia). Possui Livre Docência na Universidade Estadual de Campinas, é Professor Titular pela Universidade Estadual de Campinas e pós-doutor em Linguística (Sistemas de Escrita) pela Universidade de Londres e de Oxford. 13 condenável. Depende do propósito pelo qual se lê. Entretanto, na situação de apropriação de dados em um problema de Matemática com enunciado verbal, o tipo de leitura mais adequada será o que vai além do reconhecimento de significados das palavras que compõem o texto. Embora não seja professora de Matemática, atuo na educação, na área de Linguagem, o que está ligado, consequentemente, ao estudo da produção textual e da leitura. Graduei-me em Letras e Literatura em Língua Portuguesa na Universidade Federal do Espírito Santo, atuo em uma escola pública da rede estadual na cidade de Serra, no Espírito Santo. Entre meus objetivos no trabalho que desenvolvo nessa escola com alunos do Ensino Médio, uma das principais preocupações é ajudar o aluno a desenvolver sua competência em leitura em paralelo ao ensino de aspectos gramaticais de nossa língua, esse último usualmente valorizado na prática de alguns docentes, em detrimento do primeiro. Devido a isso, eventualmente, estou envolvida, de alguma forma, com situações nas quais sou questionada por professores de outras áreas, como a da Matemática, por pais e por outros profissionais em relação aos métodos que emprego com frequência em sala de aula para auxiliar alunos em leitura. Em um desses momentos, alguns colegas, professores de Matemática, chegaram a me confirmar que muitos de seus alunos não têm apresentado desempenho esperado em resolução de problemas com enunciados verbais e isso ocorreria, segundo eles, possivelmente, devido a problemas relacionados à leitura desses enunciados. A mesma preocupação é apresentada pelo Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), ao desejar verificar, por meio de exames, competências construídas por alunos da rede pública ao longo do Ensino Fundamental e Médio e a competência em leitura está entre elas. A respeito da competência em leitura, o documento “Saeb 2001: novas perspectivas”, com o qual concordo, esclarece que um bom leitor considera todo o texto como um ato de linguagem. Com base em seus conhecimentos, o bom leitor percebe o significado do texto e o propósito do autor, (estejam eles explícitos ou não). O bom leitor posiciona-se criticamente diante do que é lido, levantando questionamentos pertinentes sobre o tema, argumentando, manifestando seus pensamentos, enfim, respondendo ao que foi lido. A competência em leitura, portanto, implica em assumir uma postura ativa de dialogar com o texto, ou como afirma o documento: “Ser competente no uso da língua significa saber interagir, por meio de textos, em qualquer situação de comunicação.” (BRASIL, 2002, p.18). 14 Pelo lado da Matemática, a tarefa de resolução de problemas de Matemática, segundo Diniz 3 (2001), propõe a leitura de um enunciado que apresente uma situação a ser resolvida, estabelecendo que o leitor combine seus conhecimentos e decida como empregá-los para buscar uma solução. A apropriação de informações contidas no enunciado e a correlação dessas informações, ao que já se sabe, são operações mentais desenvolvidas durante o processo de leitura. Alunos que apresentam um baixo desempenho em leitura podem ter maiores dificuldades na resolução desses problemas, uma vez que Cagliari adverte que a maioria dos problemas que os alunos encontram ao longo dos anos de estudo decorre de problemas de leitura. O aluno muitas vezes não resolve problemas de matemática, não porque não saiba matemática, mas por que não sabe ler o enunciado do problema. Ele sabe somar, dividir, etc., mas ao ler um problema não sabe o que fazer com os números e a relação destes com as realidades a que se referem. Não adianta dizer que o aluno não sabe nem sequer somar ou dividir números que não apresentam dificuldades, que ele não entende Matemática... Porque, de fato, ele não entende mesmo é o Português que lê. [...] O professor de Português não ensina isso por que diz que é obrigação do professor de Matemática e o professor de Matemática, ou não desconfia do problema ou, quando muito, acha que ler e compreender um texto são um problema que o professor de Português deve resolver na educação da criança. E as crianças ficam sem as necessárias explicações. (CAGLIARI, 1995, p.148) Nesse sentido, a insuficiência em competência leitora, no momento da análise de um enunciado verbal, pode comprometer o acionamento dos módulos cognitivos envolvidos no processo para a resolução daquele problema, levando-o, possivelmente, a equívocos na tentativa de solução. Por exemplo, em algumas situações, o aluno não reconhece no problema a necessidade de determinada ferramenta matemática e recorre a estratégias simplificadas para a busca de solução. Para ilustrar, observe o enunciado do seguinte problema: “Na escola de Ana havia 754 alunos. Em certo dia chuvoso, faltaram 348. Quantos alunos foram à escola naquele dia chuvoso?”. Não raramente, ao deparar-se com problemas como o citado, alunos perguntam aos professores se estão diante de um problema de soma ou de subtração, possivelmente por não terem reconhecido no texto essa necessidade, ainda que soubessem realizar o cálculo matemático. Cabe ressaltar que a situação do problema poderia ser resolvida por alguém que não soubesse nem mesmo ler, pela força da experiência de mundo do sujeito. No entanto, na escola, os 3 Maria Ignez Diniz é professora doutora no Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo. 15 alunos parecem querer associar as operações aritméticas que conhecem para solucionar o problema esquecendo-se de dar sentido ao que se leu para, posteriormente, se valer da ferramenta matemática para a solução. Por outro lado, uma leitura que se limitasse a apenas identificar minimamente o sentido das palavras que compõe o enunciado de um problema de Matemática poderia ainda não ser suficiente. Para que o aluno tenha condições de resolvê-lo, é preciso acionar os próprios conhecimentos para interagir com o que o autor do texto declarou, analisando, refletindo e decidindo o que poderia ser feito na situação, com base no que se conhece sobre o assunto, ou seja, assumir uma postura frente ao que se lê. Conforme Bakthin (2011, p.271), “toda a compreensão do enunciado vivo é de natureza ativamente responsiva”. Compreender uma mensagem em um enunciado, de acordo com o filósofo da linguagem, não é apenas entender o significado das palavras, mas interagir com a mensagem do texto, incorporando a nossa experiência, nossa visão de mundo ao que o autor diz. A leitura evoca uma resposta. É desse modo que entenderei a compreensão textual neste trabalho. Quando alguém se encontra diante da situação de resolver um problema de Matemática, é preciso que, durante a leitura, ocorra essa interação. É preciso que o leitor consiga estabelecer relações entre o que sabe sobre o assunto e o que está sendo lido. É preciso que se inicie um diálogo mental entre o leitor e o texto. Se após a leitura do enunciado do problema, isso não ocorrer, é provável que tenha havido falhas em algum momento do processo de leitura que me interessa conhecer. Possivelmente, por não ter cumprido com a etapa que dá início ao processo de resolução de problemas, esse leitor enfrentará obstáculos para dar conta das etapas seguintes. George Pólya (1995), matemático húngaro, em sua obra “A Arte de Resolver Problemas”, propôs que a tarefa de resolução de problemas fosse decomposta em quatro etapas, a saber: 1) compreensão do problema, 2) preparação de um plano de ação, 3) execução deste plano e a última etapa 4) que é o que ele chama de looking back, que seria uma retrospectiva de todo caminho percorrido na resolução do problema. Das etapas de resolução de problemas de Pólya, a primeira, a compreensão do problema, é o foco desse estudo. É uma etapa decisiva, pois para Pólya (1995, p.4), antes de tudo, “o 16 enunciado verbal do problema precisa ficar bem entendido” para que o aluno busque, na memória, meios para resolvê-lo. Pólya leva a crer que o enunciado deva ser decifrado (todas as orações do texto sendo reconhecidas como unidade de significação) e decodificado (apropriar-se do sentido global do texto apoiando-se em sua experiência de vida). Com isso, um leitor competente poderia ter maiores chances de ter sucesso na prática da resolução de problemas de Matemática com enunciados verbais. Ainda que dividir a resolução de problemas em etapas possa facilitar o processo, se a primeira das etapas não for realizada, o sucesso na resolução do problema poderá estar comprometido. É preciso esclarecer que, para Pólya, o termo “compreensão” abarca todas as facetas referentes ao processo de leitura do texto, que serão explicitadas ao longo desse estudo e que permitem a apropriação das informações presentes no enunciado do problema de Matemática, bem como a interação entre texto e leitor, o que está em sintonia com as ideias de Bakhtin (2011) e de Cagliari (1994). A apropriação das principais informações presentes em um enunciado de um problema de Matemática seria uma condição necessária para sua resolução. Sob essa ótica, na situação da resolução de problemas, a competência leitora possivelmente facilitaria a tarefa do leitor de extrair informações do texto que o ajudassem a entender que estratégia ou conteúdo matemático poderia ser empregado naquela situação, o que já seria um grande passo no caminho para a resolução. E, por isso, como professora de Língua Portuguesa e de interpretação de textos, acredito ser conveniente investigar a relação entre a competência em leitura e o desempenho em resolução de problemas com enunciados verbais de alunos do Ensino Médio, (e, portanto, com mais de nove anos de escolaridade), bem como verificar a aplicabilidade do método sugerido por Pólya para condução do processo de leitura do enunciado do problema de Matemática. 1.1 PROBLEMA Nesse trabalho, fixei-me no estudo da competência leitora e no desempenho de alunos ao resolverem problemas matemáticos com enunciados verbais sem a aplicação do método de Pólya, em um primeiro momento e, com esse método, em um segundo momento. 17 Segundo Pólya, a compreensão do problema tem a ver com a competência leitora. Nessa direção, Pólya (1995) sugere aos professores que estimulem a compreensão do texto formulando perguntas que poderiam ajudar o aluno a perceber elementos textuais relevantes para a resolução do problema, perguntas como: “Quais os dados do problema? Qual o objetivo? Qual a condicionante?”. Segundo esse autor, tais questionamentos ajudariam a acionar operações mentais típicas da atividade de resolução de problemas e são úteis, pois sugerem de forma indireta o cumprimento de alguns procedimentos necessários à resolução. Para quem apresenta insuficiência na competência leitora, o momento de compreender o enunciado pode ser um dos mais complicados e, se a situação, em virtude da qual ele está realizando a operação, for incomum, como um exame para algum concurso, por exemplo, esse momento pode vir a se tornar ainda mais difícil. Essas situações exigem grande concentração e agilidade, já que, geralmente, é imposto um tempo determinado para que o resolvedor analise o enunciado e resolva a questão. Uma das propostas defendidas por Pólya seria a formulação de perguntas sobre a situaçãoproblema que está tentando resolver. Essa estratégia não seria proveitosa apenas no contexto escolar, pois, não é raro que nos deparemos com diversas situações complicadas que encontramos em nossa vida prática e não saibamos exatamente o que fazer e como começar a buscar soluções. Poucas pessoas param para tentar refletir sobre o problema, ou seja, entender o que está acontecendo, e se perguntar: o que deve ser feito agora? Por quais situações semelhantes a essa eu já passei? O que foi feito pra resolvê-las? Em quais condições? De quais recursos disponho para resolver essa situação? As respostas a essas indagações nos indicariam a direção para agir na situação descrita acima. No caso de uma atividade de resolução de problemas de Matemática, essa atitude ajudaria o aluno a identificar as partes mais importantes do problema. Pólya (1995) explica que é preciso ter certeza de que as partes principais do problema proposto, como a incógnita, a condicionante, entre outros dados, foram apreendidos antes de dar início ao processo de resolução. Pouca atenção a detalhes do texto, pouca persistência em compreender o que está escrito, dificuldade de concentração e falta de organização do pensamento para concatenar as ideias 18 podem advir da pouca prática em leitura. Ou, mesmo que o sujeito dedique-se ao hábito de ler regularmente, ele pode sentir constrangimento em analisar o enunciado de um problema a ser resolvido, possivelmente por ainda carecer de maior familiaridade com terminologias e expressões específicas do léxico da Matemática empregadas com tanta frequência. É possível que algumas palavras usadas na Matemática lhe sejam desconhecidas ou ainda que nessa situação apresentem um significado diferente do que lhe é familiar. Alguns professores acreditam que a prática de análise textual e as discussões sobre representações linguísticas seria uma tarefa restrita aos professores de Linguagem. Entretanto, em uma situação de resolução de problemas de Matemática com enunciados verbais, aspectos textuais poderiam ser discutidos e contornados dentro do contexto no qual surgiram, ou seja, durante as aulas de Matemática. A necessidade de se discutir a linguagem dos enunciados de problemas de Matemática, bem como outros textos da mesma área, durante as aulas de Matemática, conforme Smole e Diniz (2001) advêm do fato de que o leitor precisa familiarizar-se com a linguagem e símbolos próprios desse componente curricular, encontrando sentido nas formas escritas inerentes ao texto matemático. Pode haver também, segundo as autoras, uma organização do texto escrito diferente da organização comum utilizada na língua materna, exigindo um processo diferenciado de leitura. As autoras lembram ainda que a sala de aula de Matemática é o ambiente que mais favoreceria o desenvolvimento da competência leitora de textos matemáticos. É possível que os aspectos textuais presentes em um enunciado de um problema de Matemática, que causem conflitos para a sua compreensão, sejam discutidos entre o professor de Matemática e seus alunos sem que haja distanciamento do propósito da aula que seria discutir um determinado conteúdo matemático. Talvez ainda, refletir sobre a linguagem poderia ajudar a consolidar o entendimento do aluno sobre aquele assunto. Penso que a aplicação do método proposto por Pólya durante a atividade de resolução de problemas, além de direcionar o raciocínio do aluno para resolução do problema matemático, pode criar oportunidades para que a discussão sobre elementos linguísticos que compliquem o entendimento do enunciado do problema de Matemática viesse à tona, favorecendo o desenvolvimento da competência leitora. 19 Aspectos textuais como a estrutura das frases, os termos e expressões da linguagem técnica matemática, entre outros, se devidamente esclarecidos, podem ser um diferencial para o desempenho do aluno na resolução de problemas. Cagliari (1994) lembra que, em muitos casos, a dificuldade do aluno reside não exatamente em fazer uso das estratégias e algoritmos que foram apresentados pelo professor, mas em entender o que lhe é solicitado. É possível que ele até entenda, mas de forma equivocada, daí a necessidade de familiarizar o aluno com textos específicos de cada área, bem como com textos que orientam a realização de tarefas desenvolvidas em sala de aula. O autor é enfático ao afirmar que o ensino exclusivo das relações matemáticas é insuficiente, é preciso ensinar também o português que a Matemática usa. Nesse caso, parece útil para o professor de Matemática provocar discussões a respeito do que foi entendido do enunciado de um problema de Matemática pelos alunos, já que isso pode contribuir para o desenvolvimento da competência leitora do aluno. Presumo que essas discussões sobre aspectos linguísticos presentes em enunciados verbais de problemas ajudariam bastante nesse ponto. 1.2 ORGANIZAÇÃO DA DISSERTAÇÃO Expondo as razões e objetivos que me levaram à realização dessa pesquisa, seguirei a seguinte estrutura sequencial: Capítulo I: trago o ambiente em que a problemática se insere, definindo posicionamentos sobre a competência leitora e a resolução de problemas, além de eleger desde já alguns autores que apoiam minhas opções. Capítulo II: apresento posicionamentos teóricos e resultados de investigações sobre a competência leitora e a atividade de resolução de problemas, além de aspectos relevantes sobre esses temas. Capítulo III: exponho o ambiente de pesquisa por meio dos procedimentos metodológicos, instrumentos e sujeitos participantes. Capítulo IV: analiso e discuto dados obtidos com a investigação e apresento inferências possíveis a partir dessas análises. 20 Capítulo V: nas considerações finais, procuro responder às perguntas de pesquisa, apresento limitações da investigação e proponho encaminhamentos de continuidade de estudo. Por fim, apresento as referências e os apêndices, bem como o guia didático direcionado ao ensino de Matemática a partir da resolução de problemas. 21 2 OBJETIVO 2.1 OBJETIVO GERAL Visando contribuir com o ensino da Matemática, o objetivo geral desse estudo será verificar possíveis relações entre a competência leitora de alunos do Ensino Médio em enunciados verbais de problemas de Matemática e o desempenho na resolução de problemas de Matemática, com e sem a aplicação do método de Pólya. 2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS Para tanto, os objetivos específicos a serem seguidos são: - Verificar a competência leitora em problemas de Matemática com enunciados verbais de alunos do Ensino Médio, sem o auxílio do método de Pólya. - Verificar o desempenho na resolução de problemas de Matemática com enunciados verbais de alunos do Ensino Médio, sem o auxílio do método de Pólya. - Verificar a competência leitora de alunos do Ensino Médio em problemas de Matemática com enunciados verbais aplicando-se o método de Pólya. - Verificar o desempenho de alunos do Ensino Médio na resolução de problemas de Matemática com enunciados verbais aplicando-se o método de Pólya. - Verificar possíveis relações entre a competência leitora e o desempenho na resolução de problemas de Matemática. - Elaborar um guia didático que aponte caminhos para o professor de Matemática conduzir a resolução de problemas matemáticos com enunciados verbais à luz do método de Pólya. 22 3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA E REVISÃO DE LITERATURA 3.1 SOBRE COMPREENSÃO LEITORA 3.1.1 Etapas de Leitura Não é difícil entender porque o ato de ler tem grande peso em relação às outras competências desenvolvidas na escola. É o que dá condições aos indivíduos de socializar-se, seguir instruções, reunir informações necessárias para acompanhar a construção de um pensamento, organizar o raciocínio, enfim, o ato de ler desenvolve recursos que podem favorecer a aprendizagem. Além disso, a leitura é apontada como fonte de prazer. Para Cagliari (1994, p.169), a leitura é “fonte de satisfação pessoal, de conquista, de realização, que serve de grande estímulo e motivação para que a criança goste da escola e de estudar”. Entretanto, em alguns casos, segundo o autor, ao ser introduzido no universo da leitura, o indivíduo pode se frustrar em virtude do emprego de métodos enfadonhos para trabalhar a leitura e da escolha de textos desinteressantes na visão de um leitor iniciante. Sendo assim, esse indivíduo pode passar pela fase de alfabetização sem perceber os benefícios relacionados à leitura e isso talvez possa, em parte, justificar o seu desinteresse pela atividade da leitura ao longo de toda a sua vida escolar. Não é raro encontrar alunos, considerados como alfabetizados, que chegam até ao final do Ensino Médio com problemas em relação à leitura. Muitos, ao serem convidados a ler algo em voz alta, apenas repetem sons representados pelas letras, pronunciando cada sílaba, mas sem reconhecer completamente o significado do conjunto. Alguns chegam até mesmo a ler parágrafos inteiros mecanicamente, palavra por palavra, de forma ordenada. Esse tipo de leitura, denominada “Leitura Sintagmática”, é insuficiente de acordo com Cagliari (1994), pois permite apenas a obtenção de um significado literal do texto, não trazendo para o entendimento aspectos relacionados ao conhecimento de mundo do leitor. A obtenção apenas do significado literal é um estágio inicial da leitura, porém incompleto. Não permite que o leitor perceba certas particularidades do texto, como por exemplo, ironia ou duplicidade de sentido, elementos simbólicos, anedotas, entre outros. Em alguns casos, o entendimento do texto está condicionado à realização de ligações entre elementos textuais e extra-textuais para se apropriar do pensamento do autor. Dessa forma, o leitor deve considerar aspectos textuais relacionados à linguagem (leitura literal) sim. Mas, ao mesmo tempo, deve 23 estar atento para aspectos situacionais e possibilidades de significação que as palavras podem assumir. Se um aluno, já no último ano do Ensino Médio, ainda lê de forma automática, sem produzir significados (ou não consegue realizar mais que uma leitura literal) e ao final não consegue, nem minimamente, discutir sobre o que foi lido, é provável que ele não tenha obtido um bom aproveitamento dos conteúdos vistos durante os anos escolares pelos quais passou, isso porque, quase tudo o que é ensinado na escola relaciona-se diretamente com a leitura, se apoia e se desenvolve a partir dela. (CAGLIARI, 1994). Problemas em leitura interferem na aprendizagem de conteúdos de quase todas as áreas do conhecimento. O aluno é prejudicado desde o momento em que deve examinar os livros didáticos ou outros materiais escritos, até o momento da avaliação, em que ele precisa ler instruções de como proceder para completar as tarefas exigidas. Daí, o fato de a competência leitora constituir, para a escola, um componente efetivo na formação dos alunos. O uso da expressão “competência leitora” talvez provoque divergências e faz-se necessário refletir sobre essa noção. A palavra competência pode ser entendida de forma diferente do que pretendo, por não haver, entre pesquisadores, clareza na definição do termo, o que pode ter ocorrido como resultado do seu uso exaustivo em debates, principalmente na área educacional. Buscando uma educação diferenciada e significativa, vários documentos nacionais, tais como os Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Médio ou PCN’S (BRASIL, 1999) e o Plano de Desenvolvimento da Educação (BRASIL, 2011), estabelecidos pelo Ministério da Educação, orientam o desenvolvimento de competências para a reorganização do ensino no país. O delineamento de diretrizes que orientam o processo de ensino e aprendizagem por meio do desenvolvimento de competências tem como base as ideias de Philippe Perrenoud4. Portanto, pretendo fazer uso desse termo – competência - sob a perspectiva desse autor. Atualmente, define-se uma competência como aptidão para enfrentar uma família de situações análogas, mobilizando de uma forma correta, rápida, pertinente e criativa, múltiplos recursos cognitivos: saberes, capacidades, microcompetências, informações, valores, atitudes, esquemas de percepção, de avaliação e de raciocínio. (PERRENOUD, 2002, p.19) 4 Philippe Perrenoud é doutor em Sociologia e Antropologia e professor da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Genebra. 24 Para Perrenoud, um sujeito competente é aquele que sabe analisar determinada situação, e agir sobre ela a partir do uso de conhecimentos internalizados, reunindo teoria e prática. Entendendo que o ato de ler exige domínio de habilidades linguísticas e conhecimento a respeito do funcionamento do sistema de escrita, penso que o leitor competente reúne condições de mobilizar recursos necessários para realizar cada etapa referente ao processo de leitura e, a partir do seu conhecimento de mundo, explorar as possibilidades de interpretação oferecidas. Dividindo em duas, as etapas do processo de leitura, Cagliari (1994, p. 150) as denomina como etapas de “decifração e de decodificação” e discute a relação de interdependência entre essas etapas. DecifraçãoA etapa de decifração da escrita permite que o indivíduo reconheça associe letras e outros símbolos gráficos de nosso sistema linguístico a unidades sonoras dotadas de sentido. Os símbolos, isoladamente, ou em conjunto, representam fonemas diversos, tonicidade, ênfases, pausas, entre outros aspectos que possibilitariam ao leitor expressar o que está contido no texto por meio da fala, ou organizar as informações mentalmente. Se realizada isoladamente, a decifração não é suficiente para que o sujeito afirme que leu um texto, de forma a ser capaz de discutir sobre seus possíveis caminhos de interpretação, para isso, seria preciso mobilizar mais recursos cognitivos. Apesar disso, não há como dizer que a decifração é uma etapa simples, pelo contrário, é bastante complexa para o leitor iniciante e problemas nessa etapa impedem que o leitor alcance o pensamento do autor. Não existe nenhuma possibilidade de leitura sem que haja antes, a decifração, (CAGLIARI, 1994) daí, sua importância. Dominar táticas de decifração talvez seja uma das partes mais complicadas de todo o processo de leitura, pois requer que o leitor examine os símbolos escritos e busque, em sua memória, fonemas que correspondam a esses elementos. Talvez seja nesse ponto que resida a maior parte dos problemas em leitura: quando o leitor apresenta qualquer dificuldade no domínio oral das habilidades linguísticas, ele poderá encontrar obstáculos para definir, entre as unidades sonoras, um correspondente para cada símbolo escrito e haverá um esforço maior para estabelecer uma relação semântica para o conjunto de elementos lidos, é o que Cagliari (1994, p.162) chama de “ajustamento do processo de fala para a leitura”. 25 Além disso, se os textos escolhidos para o trabalho com o leitor iniciante não provocarem nele curiosidade (ou qualquer estímulo para o aprendizado de técnicas de leitura) pode ser também que ele passe a se sentir desmotivado em relação à leitura. Portanto, inicialmente, pode haver situações que bloqueiem o amadurecimento do indivíduo como leitor. É um processo complicado. Mas, quando essa fase é superada, a partir do momento em que o leitor adquire prática, a decifração poderá ser realizada até de forma automática. Em alguns casos, o sujeito conseguirá reconhecer as palavras e reproduzir os sons correspondentes a elas, sem nem mesmo prestar atenção no seu significado. Mas, também seria um equívoco, nesse caso, dizer que o sujeito leu o texto de forma a se apropriar das ideias do autor. A leitura centrada apenas na decifração pode levar o indivíduo a desenvolver hábitos ruins de leitura, como a leitura mecânica, na qual os olhos percorrem o texto, os lábios reproduzem os sons correspondentes às letras empregadas, mas o pensamento não acompanha esse processo. Ao final dessa leitura, o aluno não sabe dizer o que foi lido. Isso porque o texto na realidade não foi mesmo lido. Apenas pode se dizer que ele cumpriu um estágio inicial do processo de leitura. DecodificaçãoA decifração, para Cagliari, constitui um meio de se chegar ao conteúdo semântico que traz consigo as razões do autor para ter construído o texto. Recuperada a significação do conjunto de símbolos empregados em um texto na etapa de decifração, o leitor deverá seguir para a realização da etapa de decodificação, a qual permite que o leitor consiga perceber as implicações do texto. Essa etapa ajuda o leitor a transpor, mentalmente, a mensagem do texto para uma variação de linguagem mais acessível, tornando, a mensagem mais clara e significativa para ele. A partir desse momento, ele começa a se apropriar do pensamento do autor. A importância do processo de decodificação está no fato de que essa etapa torna possível ao leitor perceber o que motivou o autor a escrever o texto. Embora exista esse entendimento, Cagliari afirma que um mesmo texto pode gerar interpretações diferentes. Não se trata de ler mal ou bem, mas sim de que as etapas concretizar-se-ão considerando a experiência de cada leitor com o assunto. O leitor, para Cagliari (1994), percebe a leitura conforme seu mundo interior. A realização do que o autor chama de “Leitura paradigmática” traz para o entendimento do texto não somente os significados das palavras, mas toda a interpretação 26 pessoal do leitor construída a partir de sua experiência de vida. O leitor estabelece relações entre o texto lido e todos os outros textos que conhece. Também para Smole e Diniz (2001, p.70) “a compreensão de um texto é um processo que se caracteriza pela utilização que o leitor faz, no ato de ler, do conhecimento que ele adquiriu ao longo de sua vida: conhecimento linguístico, textual e seu conhecimento de mundo”. Nessa perspectiva, para que o leitor consiga compreender um texto, de forma a apropriar-se das ideias do autor, é preciso que, durante o processo, ele lance mão de sua experiência como falante da língua. Assim, ele poderá se aproximar das ideias do autor e interpretá-las de uma forma particular, conseguindo agregar o que está escrito a uma representação mental própria. Esse processo torna o leitor um sujeito ativo na construção de sua interpretação, o pensamento que havia, inicialmente, motivado o autor, agora é tomado pelo leitor, mesmo que sob uma roupagem diferente em alguns aspectos. Sobre esse fenômeno, Geraldi5 (2012, p. 91) lembra: O autor, instância discursiva de que emana o texto, se mostra e se dilui nas leituras de seu texto: deu-lhe uma significação, imaginou seus interlocutores, mas não domina sozinho o processo de leitura de seu leitor, pois este, por sua vez, reconstrói o texto na sua leitura, atribuindo-lhe a sua (do leitor) significação. A atividade de decodificação parece mais individualizante e menos previsível que a de decifração, se a visão de mundo do leitor interfere na segunda etapa de leitura, em uma mesma sala de aula, poderá haver diferentes entendimentos de um mesmo texto por parte dos alunos. Assim como a noção de competência, a definição de decifração e de decodificação pode ser diferente para outros estudiosos da linguagem, alguns autores entendem que somente o processo de decifração já compreende as duas etapas: é um único processo no qual ocorre a percepção e reconhecimento dos símbolos escritos como unidade significativa e a compreensão do conteúdo semântico (por meio da associação desse conteúdo ao que está contido na memória do leitor). Existe também a concepção de que decodificar (palavra que também pode ser encontrada sob a forma “descodificar”) significaria apenas realizar a primeira etapa de correspondência de grafemas em fonemas. Parece-me coerente que se faça a distinção entre essas duas etapas para entendê-las, considerando que a primeira atividade concentra-se no elemento significante, e me parece 5 João Wanderley Geraldi é professor do Instituto de Estudos da Linguagem – Unicamp, além de professor de universidades como Siegen (Alemanha) e Aveiro (Portugal). 27 possível que esse processo seja realizado mecanicamente sem que, necessariamente, se alcance o pensamento do autor do texto. Decifrar seria entendido, então, como descobrir que aspectos fônicos representam cada um dos elementos escritos (grafemas), o que não garante ao leitor o entendimento da ideia principal discutida no texto. Por sua vez, a etapa de decodificação concentra-se no aspecto semântico, a atribuição de significado ao que é lido, lembrando que esse significado estaria condicionado ao contexto do material lido. Uma mesma palavra pode apresentar significados diferentes, não se atentar ao contexto facilitaria equívocos na compreensão do texto. É necessário denominar cada uma das etapas da leitura, para melhor entendê-las e perceber a importância de cada uma isoladamente, mas ressaltando que se reconheça a interdependência entre essas etapas. Não pode haver leitura baseada apenas no significante ou apenas no significado. Sob essa ótica, Cagliari (1994) afirma que as duas etapas se complementam: a leitura não funciona sem decifração. Se os símbolos impressos ou escritos não representassem nada para o leitor, penso que dificilmente ele conseguiria encontrar sentido no texto todo. Da mesma forma, para Cagliari, a decodificação também é necessária, pois torna a leitura produtiva, sem ela, a tarefa de ler torna-se desinteressante e sem sentido. 3.1.2 A Noção de Atitude Responsiva na Leitura por Mikhail Bakhtin A Estrutura do Enunciado e as Possibilidades de Leitura A atividade humana, em qualquer campo, se estabelece apoiada na linguagem. Cada ação realizada pelo homem foi, em algum momento, pensada antes de se concretizar e o pensamento se organiza por meio de palavras. A linguagem oferece condições ao ser humano de compartilhar reproduções mentais por meio de um sistema complexo e acessível apenas a nossa espécie. Para Geraldi (1993, p.5), “a linguagem é a mais usual forma de encontros, desencontros e confrontos de posições, por que por ela que estas posições se tornam públicas”. A troca de ideias entre os seres humanos possibilitou a mudança. A partir da nomeação de sentimentos, ações, elementos da natureza, etc. e da organização de formas de comunicação por meio da união de palavras em estruturas significativas maiores, o homem pôde evoluir culturalmente e tecnologicamente, transformando sua realidade. Essas estruturas significativas, que chamamos 28 de sintagmas, são organizadas com a finalidade de manifestar o pensamento humano e compõem o enunciado, que Bakhtin (2011, p.274) define como a “real unidade da comunicação discursiva”. Nessa perspectiva, entende-se o enunciado, como manifestação do pensamento humano. Elaborar enunciados de atividades que serão levadas aos nossos alunos pode ser algo mais complexo do que parece. Quando se propõe uma tarefa em sala de aula, algumas vezes não conseguimos explicitá-la por meio da escrita para o aluno, de forma que ele compreenda nosso objetivo tal como foi esquematizado no plano mental. Pode ser um pouco complicado redigir um enunciado que represente o nosso pensamento por completo para qualquer pessoa e em qualquer situação, sem que existam possibilidades de interpretação dúbia. O que parece estar claro para o autor, pode não ser entendido pelo destinatário como o autor pretendia. Cometer equívocos na interpretação de um enunciado de um problema de Matemática pode fazer com que o aluno vá perdendo o interesse pela tarefa de resolvê-lo. Em alguns casos, ele não consegue encontrar sentido algum na leitura do enunciado como um todo. Em outros, não conhece o significado de muitas das palavras empregadas, ou até conhece alguns significados literais, mas esses não parecem se adaptar significativamente ao restante do texto, pois para esse leitor a palavra tem um significado diferente daquele pretendido pelo autor. Um exemplo citado por Souza6 são os enunciados de Probabilidade que usam o termo “viciada” para expressar o fato de haver tendências que mascarem um resultado probabilístico idôneo. Souza afirma ser comum, nesses contextos, dizer que o lançamento de uma moeda está “viciado” ou, simplesmente, que a moeda esteja “viciada”. E lembra que, no senso comum, o vício vem pelo uso abusivo de alguma substância ou comportamento, o que não reflete o mesmo significado para problemas de Matemática. Devido a isso, o resolvedor do problema encontra obstáculos para entender as instruções, não consegue perceber quais informações são mais importantes e muito menos sabe como agir. O resultado quase sempre é o mesmo: o aluno procura o professor e o questiona sobre qual conta deve efetuar. Daí o professor pode acusá-lo de não querer raciocinar, mas como raciocinar sobre o que não se consegue compreender? Como compreender uma linguagem com a qual não está familiarizado? 6 Ensinamento fornecido pela Profª Drª Maria Alice V. F. Souza, no curso de Resolução de Problemas, ministrado em 2014, que integra as disciplinas oferecidas pelo Mestrado Profissional em Educação em Ciências e Matemática do Instituto Federal do Espírito Santo. 29 No ensino da Matemática, isso não costuma ser raro, parece haver um distanciamento entre a linguagem usada em alguns enunciados de problemas e o universo linguístico do aluno. Nesse caso, se não houver preocupação com o desenvolvimento da competência leitora desse indivíduo, no sentido de aproximá-lo do léxico e das estruturas frásicas mais comuns no texto matemático, ele pode criar um bloqueio até mesmo em relação à disciplina. Não pretendo, aqui, aprofundar-me a respeito da formulação de enunciados e seus impactos sobre a compreensão textual do aluno, mas vale destacar a importância do cuidado na preparação do enunciado. Se o receptor/leitor estiver inserido em uma determinada esfera social, a realidade linguística dessa esfera deve ser considerada durante a seleção de termos e expressões que irão compor um enunciado que seria dirigido a esse indivíduo, pelo menos inicialmente, até que ele esteja mais familiarizado com essa linguagem. Oportunamente, retomarei esse tópico durante a composição do guia didático que será produto dessa pesquisa, onde haverá algumas considerações sobre o léxico e as construções gramaticais escolhidos para compor enunciados de problemas de Matemática. Por hora, gostaria de discutir sobre a “peculiaridade constitutiva do enunciado” (BAKTHIN, 2011, p.305), sem a qual ele não poderia existir, que se trata do sujeito a quem o enunciado é direcionado, ou seja, seu destinatário, que, segundo o autor, é o elemento determinante da escolha dos componentes sintáticos e estilísticos do texto e que, na situação da leitura de um enunciado de um problema de Matemática, seria o aluno. Ao escrever o enunciado, o autor está abrindo um panorama discursivo para o leitor, o convidando a um debate de ideias, expondo sua posição em relação a um determinado tema. Para Bakhtin (2011, p.288) e para mim, “o enunciado é um elo na cadeia de comunicação discursiva” por ser construído em função de um receptor e apresentar algum objetivo. Um enunciado carrega consigo muitas outras vozes que são resultado da experiência humana em vários campos do conhecimento. Essas vozes compõem o que chamamos de discurso. Logo, o enunciado se constitui a partir de uma cadeia de ideias, que serão reunidas mentalmente no momento da leitura, caso o leitor tenha condições de resgatar esses conhecimentos de sua memória. Na construção do enunciado, ao sujeito do discurso (autor do texto), cabe se posicionar em relação a esse discurso, determinando características e recursos linguísticos que irão atender ao seu propósito. Mas existem fatores que podem influenciar esse processo. Escrever um enunciado implica em se considerar respostas que podem ser recebidas a partir de cada 30 proposição acrescentada ao texto. O autor, naturalmente, enquanto escreve, tece conjecturas sobre a compreensão do destinatário do seu texto e, baseando-se nisso, escolhe palavras e formas de organizá-las no enunciado que melhor lhe sirvam. Bakthin fala sobre a consideração do destinatário e a antecipação de sua reação ao que será lido. Ao construir o meu enunciado, procuro defini-lo de maneira ativa; por outro lado, procuro antecipá-lo, e essa resposta antecipável exerce, por sua vez, uma ativa influência sobre o meu enunciado [dou resposta pronta às objeções que prevejo, apelo para toda sorte de subterfúgios, etc]. Ao falar, sempre levo em conta o fundo aperceptível da percepção do meu discurso pelo destinatário: até que ponto ele está a par da situação, dispõe de conhecimentos especiais de um dado campo cultural da comunicação; levo em conta as suas concepções e convicções, os seus preconceitos (do meu ponto de vista), as suas simpatias e antipatias – tudo isso irá determinar a ativa compreensão responsiva do meu enunciado por ele. Essa consideração irá determinar também a escolha do gênero do enunciado e a escolha dos procedimentos composicionais, e, por último, dos meios linguísticos, isto é, o estilo do enunciado. (BAKHTIN, 2011, p. 302). A função do receptor no processo de comunicação, por algum tempo, era pouco reconhecida. Apenas a perspectiva do emissor era levada em conta, como se ele fosse o único personagem no ato de comunicação discursiva. Bakhtin (2011) defende a proposta dialógica que coloca a situação de interação como elemento indispensável para que algo seja comunicado. Como foi visto anteriormente, o conceito de leitura ultrapassa a ideia de reconhecer a correspondência entre fonemas e grafemas. Mas não parece suficiente ainda dizer que essa tarefa, aliada ao reconhecimento do aspecto semântico do texto dê por finalizada a tarefa de leitura. Se assim fosse, não haveria visões diferentes (para cada leitor) em relação a um mesmo texto. Existem fatores externos ao texto que interferem no processo de entendimento do pensamento do autor que pode variar de leitor para leitor. Cada leitor traz consigo um universo próprio, um conjunto de experiências, preferências, pensamentos, etc. que se fazem ouvir enquanto o leitor está processando a leitura. Esses fatores relacionados ao universo do leitor consistem em condições de comunicação contextuais, educacionais, históricas, ideológicas, etc., bem como informações internalizadas do leitor a respeito do tema que podem modificar completamente a mensagem que o enunciador proferiu. Tais fatores podem ter um grande peso na atitude responsiva do leitor. O papel do leitor não é passivo, cabe a ele assumir uma postura responsiva em relação ao que lê e essa resposta será influenciada pela sua experiência com o assunto lido. Essa atitude responsiva pode ser entendida como o comportamento do leitor diante do que é lido, sua 31 reação frente ao pensamento do autor, que pode ser de aceitação ou rejeição, familiaridade ou estranhamento, entre outros. Desse modo, não parece haver sentido em se desconsiderar o papel do leitor no processo comunicativo. É a partir da sua leitura que o caminho de interpretação do texto será definido. É a resposta do leitor que dará continuidade ao diálogo proposto pelo autor e o que propagará o discurso original que continuará criando uma sucessão de novos enunciados. Bakhtin (2011, p.301) afirma que, “o papel dos outros, para quem se constrói o enunciado, é excepcionalmente grande”. Esses outros, conforme o filósofo da linguagem, não são ouvintes passivos, mas participantes ativos da comunicação discursiva. 3.1.3 Posturas Assumidas pelo Leitor diante do Texto (por Geraldi) Ao que parece, não existe limite para o processo de ressignificação do texto. Novas possibilidades de leitura surgem a cada vez que o texto é lido, em alguns casos, é possível que existam diferentes leituras realizadas, até por um mesmo leitor, quando o texto é lido em épocas diferentes de sua vida ou quando o leitor lê com uma intenção diferente da que o levou à primeira leitura. Isso ocorre porque essa situação oportuniza novos diálogos entre leitor/autor. Podemos dizer que um texto consiste em um encadeamento de orações providas de sentido que constituem um pensamento concluído. Entretanto, não podemos pensar que esse sentido é completo e fechado em si mesmo, se entendemos que o texto foi produzido para que o outro (o leitor) o entendesse. Segundo Geraldi, “por mais paradoxal que possa parecer, um texto significa sempre uma coisa, mas essa coisa, não é sempre a mesma” (1993, p.103), ou seja, pode haver, para um mesmo texto, um sentido na visão de um leitor que pode não ser o mesmo para outro leitor. Não é tão fácil prever as possibilidades de leitura que um texto pode proporcionar a diferentes leitores. Talvez, no momento em que o escreve, o autor não tenha consciência disso, podendo até se esforçar para se fazer entender de uma forma única. Mas talvez esse esforço seja inútil, a construção de sentido do texto é um processo que não se interrompe, mas persiste encontrando novos caminhos de interpretação a cada vez que chega às mãos de um leitor diferente, em uma época diferente, em uma situação ou cultura diferentes. Como afirma Geraldi (1993, p. 110), são “leituras imprevistas que podem ser construídas, ou interpretantes, 32 não convidados pelo autor”. Geraldi lembra que por isso é que usamos a expressão “compreensão de um texto” e não “reconhecimento de um sentido único”. Nesse ponto talvez resida um elemento complicador para o professor avaliar a compreensão leitora de um aluno. Não é como se, nós, como professores, pudéssemos esperar que cada um dos alunos conseguisse encontrar, em um texto, um sentido pronto e único que estaria lá para ser facilmente recolhido. E, de uma forma mais controlada, o desempenho de cada aluno na realização dessa tarefa pudesse ser, de maneira uniforme, aprovado ou não pelo professor. Avaliar a competência em leitura, infelizmente, pode não ser algo tão simples. Talvez o sentido que o professor encontra no texto não corresponderá ao sentido encontrado pelo aluno. Mas é importante que essa visão seja considerada e levada à discussão. Expondo os motivos que o levaram a seguir determinado caminho de interpretação, o próprio leitor pode chegar a conclusão de que seu entendimento pode não ser satisfatório, se for o caso. O professor deve dar espaço ao diálogo. Na sala de aula, é preciso, não somente falar, mas também ouvir o que aluno tem a dizer sobre o conteúdo, que pode ser algo que acrescente e ajude ao professor a entender o assunto por outro ângulo. Deve haver interação e cumplicidade entre o professor e seus alunos. O professor não tem que se preocupar com o risco de perder seu comando diante dos alunos. Para Souza (2007, p. 174) “Ensinar impõe o exercício de diálogo, e quando o professor tem disposição e disponibilidade para fazê-lo a distância entre o docente e aluno se estreita”. Segundo esse autor, a mudança de atitude no que diz respeito ao diálogo é necessária para diminuir a artificialidade do ensino e transformar a perspectiva do aluno em relação ao conhecimento, fazendo com que ele se envolva com o conteúdo ensinado. Citando Geraldi, Souza (2007, p. 174) afirma ainda que isso poderia levar o aluno a se sentir confiante para trocar impressões com o professor sobre o conteúdo ensinado, as perguntas que ele elabora “deixariam de ser didáticas e se tornariam afetivas”. Caberia ao professor, diante da leitura que o aluno realizou, orientá-lo na recuperação dos elementos do texto que o levaram a seguir determinado caminho de interpretação. Convidar o aluno a defender sua visão. Nas palavras de Geraldi (1993, p. 188): Do ponto de vista pedagógico, não se trata de ter, no horizonte, a leitura do professor ou a leitura historicamente privilegiada como parâmetro de ação; importa, diante de uma leitura do aluno, recuperar sua caminhada interpretativa, ou seja, que pistas do texto o fizeram acionar outros conhecimentos para que ele produzisse o sentido que produziu, é na recuperação dessa caminhada que cabe ao professor mostrar que alguns dos mecanismos acionados pelo aluno podem ser irrelevantes para o texto 33 que se lê, e portanto, a sua “inadequada leitura” é consequência deste processos e não porque não se coaduna com a leitura desejada pelo professor. Avaliar uma tarefa de compreensão leitora é algo trabalhoso, talvez o caminho mais fácil seja estabelecer possíveis respostas a serem dadas pelo aluno após a leitura como parâmetro para correção, como é sugerido por muitos livros didáticos. Mas essa avaliação pode não explorar suficientemente as possibilidades de significação que as palavras escritas evocam. Além disso, um aluno poderia até ser capaz de responder perguntas de um roteiro de compreensão leitora, mas isso não significa necessariamente que ele se apropriou do pensamento do autor ao construir o texto. Alguns fatores relacionados às condições em que a leitura é realizada podem interferir no processo de compreensão do texto. Entre esses fatores, está a finalidade com a qual o texto é lido. Pode haver uma estreita relação entre a finalidade com a qual se lê e a qualidade da leitura realizada. Nem sempre lemos da mesma forma. Há situações em que a leitura é realizada por diversão e outras situações em que nos debruçamos sobre um texto em busca de informações específicas. Geraldi (2012, p. 92) discorre sobre quatro posturas assumidas diante de um texto pelos leitores: 1) A leitura para busca de informações, cujo objetivo é buscar no texto determinadas respostas, normalmente, para satisfazer atividades como um roteiro de questões. Se essa leitura ocorrerá mais superficialmente ou profundamente, isso dependerá da forma pela qual as questões do roteiro foram formuladas. 2) A leitura para estudo do texto que reúne as partes principais, levando o leitor a buscar a ideia central defendida, argumentos a favor ou que refutam essa tese, elementos que tornam o texto coerente. 3) A leitura “Texto-pretexto”, empregado muitas vezes em aulas de linguagem, o texto serve para ilustrar ou apresentar um conceito que deverá ser desenvolvido como conteúdo da aula. É possível que o professor leve, para a sala de aula, um texto com uma temática atraente (para a visão do aluno), mas acabe por discutir apenas um aspecto relacionado à sua estrutura linguística, por exemplo, deixando de explorar as possibilidades de leitura que esse texto poderia oferecer. 34 4) Leitura “Fruição do texto” que seria a leitura desinteressada, livre do controle pedagógico, seria uma leitura realizada com base no prazer de se estar lendo. Esse tipo de leitura parece ser o que oferece maiores condições de realização do diálogo leitor/autor de forma verdadeira e estimulante. Para alguns alunos, a pontuação usualmente oferecida pelo professor como recompensa pela tarefa de leitura realizada pode não ser um incentivo tão bom quanto o interesse genuíno do leitor pelo que o texto diz. Geraldi lembra ainda que para amadurecer como leitores é preciso ler muito, não somente os livros recomendados pela escola. A prática com a leitura favorece a competência nesse campo. Nesse sentido, quantidade é importante para gerar qualidade. O aumento do número de obras lidas cria condições para que o leitor compreenda e se aproprie de novos pensamentos. Quanto maior a bagagem de conhecimentos do leitor, maior pode ser a capacidade de análise textual e argumentação, que interferem na qualidade do diálogo do leitor com o que é lido, já que ele pode repensar a ideia sob vários aspectos. 3.1.4 O Desenvolvimento da Competência Leitora É conveniente que alguns aspectos sobre a competência leitora e sua relação com outras capacidades desenvolvidas na escola sejam tratados nessa discussão. Um deles seria: que métodos devem ser seguidos para que os professores possam ajudar seus alunos a desenvolver a leitura competente. Na situação da resolução de problema de Matemática, observa-se que é raro quando o aluno pede ajuda ao professor em relação às dúvidas sobre elementos linguísticos que compõem o enunciado, ele costuma ser mais direto quanto ao que lhe interessa e pergunta qual algoritmo matemático deve ser empregado naquela situação. Afinal, para ele, o objetivo da tarefa que lhe foi designada é encontrar a solução na Matemática e é apenas nisso que, para ele, o professor poderia de fato ajudá-lo. Isso pode acontecer porque o próprio aluno pode não estar ciente de seus limites em relação à leitura. Ele pode pensar que é perfeitamente capaz de ler o texto por conseguir reconhecer símbolos e recuperar seus significados. Entretanto, se, por meio dessa leitura, o indivíduo não consegue manifestar uma atitude responsiva e dialógica com o que o enunciado propõe, nem combinar elementos retirados do texto com conhecimentos retidos em sua memória, especificamente, conhecimentos relacionados ao pensar matemático, se ele não é capaz de 35 acionar seus recursos cognitivos para tomar uma decisão, não é possível afirmar que ele estaria lendo de forma competente. Assim sendo, um leitor não competente poderá ter problemas para associar seus conhecimentos matemáticos internalizados ao conteúdo semântico do enunciado do problema. Retomando a definição por Perrenoud (2002), na qual ser competente consiste não somente em reunir recursos cognitivos (saberes, informações, atitudes, esquemas de percepção, de avaliação e de raciocínio, etc.), mas em estar apto para lançar mão dessas possibilidades em situações inusitadas. Sob essa ótica, o indivíduo competente em leitura, ao resolver um problema de Matemática, deve ser capaz de reconhecer e saber desenvolver algoritmos e procedimentos matemáticos específicos desse problema em questão, mas, antes disso, é preciso que ele seja capaz de realizar todas as etapas de leitura do enunciado de um problema de Matemática, para que ele compreenda que conhecimentos e habilidades estariam sendo requisitados. Seria necessário aqui, expor elementos que distinguissem a ideia de competência da de habilidade, já que o conceito de habilidade também costuma sofrer alterações de acordo com o autor que emprega esse termo. Alessandrini7 (PERRENOUD, 2002) discute essa diferença entre competências e habilidades. Para ela, a competência, ou o “saber fazer algo” abarca uma série de habilidades. Entretanto, uma mesma aptidão, conforme a ótica pela qual a analisamos, apresenta particularidades que nos levam a considerá-la ora como habilidade, ora como competência. Dessa forma, a autora não apresenta uma definição clara para os termos. “Alguns autores consideram um mesmo aspecto da educação ora como habilidade ora como competência. Essa dinâmica constante da articulação dos dois conceitos dentro do sistema envolve um diálogo entre a parte e o todo” afirma a autora. (PERRENOUD, 2002, p.165) Se considerarmos alguém competente porque esse indivíduo possui recursos para realizar uma determinada tarefa, penso que entre esses recursos estão as chamadas habilidades. Perrenoud (2002) considera como habilidades as formas de realização da competência. Sob essa perspectiva, a competência leitora consiste em um conjunto de aptidões do leitor, que são utilizadas no processo de apropriação de um texto, tais como: decifração (percepção e 7 Cristina Dias Allessandrini é doutora em Psicologia Escolar e do Desenvolvimento Humano pela Universidade de São Paulo. 36 distinção de símbolos e unidades fônicas da palavra escrita e outros sinais), decodificação (análise do material lido e associação desse material às imagens mentais, processamento do conteúdo lido, análise crítica das ideias do autor, entre outras), conforme foi explicado anteriormente. Ao que parece, a associação, mobilização e aplicação desses recursos cognitivos internalizados é algo que pode ser desenvolvido, mas de que maneira? O desenvolvimento da competência leitora requer que o indivíduo conheça estratégias para compreensão textual. Essas estratégias são aprendidas, na maioria das vezes, mais por meio da prática que por meio de explanação do professor. O hábito da leitura ajuda o leitor a cada vez mais encontrar sentido no que lê. Seria útil que o ensino fosse mais voltado para a construção do sentido daquilo que é lido que para os conteúdos de aprendizagem propostos no currículo disciplinar. Cagliari (1994, p.173) também concorda que “A leitura não pode ser uma atividade secundária na sala de aula”. O autor completa lembrando que “[...] Há um descaso enorme pela leitura, pelos textos, pela programação dessa atividade na escola; no entanto, a leitura deveria ser a maior herança legada pela escola, será a fonte perene de educação, com ou sem escola”. O ideal seria que esse trabalho de orientação ao uso de estratégias de leitura fosse continuado até os últimos anos em que o aluno está na escola. Dessa forma, algumas técnicas de leitura que o aluno aprendeu enquanto ainda estava sendo alfabetizado, possivelmente, seriam aprimoradas. Entretanto, ao ser encerrada a fase de alfabetização, os conteúdos disciplinares podem passar a ser priorizados e a competência em leitura, nesse momento, mesmo que não tenha sido desenvolvida satisfatoriamente, começaria a ser exigida. Isso poderia inibir o aluno com problemas em leitura. Afinal, pedir qualquer tipo de orientação para a leitura seria admitir não estar preparado suficientemente para ocupar o mesmo nível de aprendizagem que o restante da turma. Até no ensino de Língua Portuguesa, a leitura parece ser trabalhada com maior empenho nos anos iniciais de escolaridade. Nos últimos anos, exercícios para praticar a leitura continuam sendo realizados, mas o ensino se concentra ainda na apresentação e reforço do uso de normas gramaticais. Cagliari (1994) explica que, no processo de aquisição da alfabetização, que ocorre em séries iniciais, o ensino de português é diferente do ensino em relação às séries seguintes. Isso ocorre, segundo o autor, em função do desconhecimento, por parte do aluno, da leitura e da escrita. No entanto, enfatiza a necessidade de que o aluno continue aprendendo e desenvolvendo a leitura continua acompanhando-o nas séries seguintes. “[...] Há tantas 37 coisas a respeito da escrita e leitura, e de dificuldades tão variadas, que se torna conveniente o seu ensino ao longo de todos os campos de estudo.” (CAGLIARI, 1994, p. 33). Assim como o aluno avança no entendimento de conteúdos gramaticais, ele tem um caminho a ser percorrido na aprendizagem da leitura, desde o momento em que ele aprende a identificar símbolos e letras até onde ele vai descobrindo novas técnicas para recuperar o pensamento do autor. Tais técnicas são descritas por Kleiman8 (2010), que examina o aspecto cognitivo da leitura desde a percepção do material linguístico, que seria o reconhecimento de estruturas e palavras e o resgate de seus significados, até sua organização em unidades lógicas que serão retidas em uma memória de trabalho. Essa memória de trabalho, segundo Kleiman (2010), tem uma capacidade limitada, precisando ser esvaziada à medida que o leitor vai estocando mais unidades. Mas se a unidade mínima que o leitor consegue reter não constitui uma sequência significativa, se ele precisa ler sílaba por sílaba, palavra por palavra, isoladamente, acaba sobrecarregando essa memória de trabalho e consequentemente, ao final da leitura, não consegue explicar o que foi lido, pois não se recorda do início do texto. Nesse ponto observamos a diferença da leitura competente. Segundo Kleiman (2010), o leitor proficiente consegue, baseado no conhecimento internalizado sobre a estrutura linguística e gramatical e sobre o assunto lido, agrupar várias palavras e processar a compreensão de um material de leitura maior. Conseguindo fazer isso, o leitor tem possibilidade de encerrar uma sequência e voltar a atenção para a sequência seguinte, reunindo na memória um conjunto significativo de informações. Essas fases de percepção e de processamento de informações podem ser desenvolvidas com a prática da leitura ao longo dos anos na escola, mas o professor pode adiantar esse processo se instigar o aluno a dedicar maior atenção ao significado do texto que ao instrumento usado, que, nesse caso, seria o código de linguagem escrito. Ler de forma significativa implica em fazer uso de dois tipos de estratégias de processamento textual. De acordo com Kleiman (2010, p. 40), um deles seria o processamento que a autora chama de “descendente”, em que o leitor decifra as letras e palavras e recupera seu significado. O segundo tipo consiste no processamento “ascendente” que, a partir da 8 Angela Bustos Romero de Kleiman possui Doutorado em Linguística pela University of Illinois e pósdoutorado em Linguística Aplicada no Center for the Study of Reading na University of Illinois e na University. of Georgia. Professora colaboradora na Universidade Estadual de Campinas. 38 verificação do elemento escrito, mobiliza conhecimentos anteriores para entender o sentido global do texto. Esse último tipo torna-se mais produtivo se for trabalhado interativamente, ou seja, a compreensão leitora sendo discutida em sala de aula. Para a autora, o professor pode contribuir, criando condições para que estratégias de leitura sejam imitadas, para isso ele deve tornar a atividade comunicativa, fazendo comentários, perguntas, fugindo da preocupação formal com o código e se voltando para o sentido do texto. Na escola surgem várias oportunidades para que a criança aprenda a ler de forma competente, são diferentes textos e assuntos a que o aluno é exposto, se o professor (e não necessariamente o de Língua Portuguesa) procura aproveitar essas oportunidades e mostra ao aluno como o leitor deveria proceder para se apropriar das ideias do autor, ele estará, desse modo, ajudando o aluno a desenvolver a competência leitora. 3.2 SOBRE O DESEMPENHO NA RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS DE MATEMÁTICA COM ENUNCIADOS VERBAIS 3.2.1 As Teorias de Pólya na Resolução de Problemas Pesquisadores da área de Educação Matemática têm se debruçado sobre o estudo da resolução de problemas, objetivando compreender as fases envolvidas no processo para propor métodos de obtenção de sucesso na atividade. Entre esses educadores matemáticos, destaco George Pólya (1995), matemático húngaro, que apresentou contribuição valiosa para a resolução de problemas matemáticos. Diante da situação de resolução de problemas, Pólya discute a importância de determinados procedimentos que estimulam o raciocínio e colaboram na organização dos pensamentos do resolvedor. O matemático identificou quatro etapas presentes no processo de resolução. Essas etapas, que são discutidas, principalmente, em sua obra “A arte de resolver problemas”, integram métodos baseados na heurística e consistem em: 1) entendimento do problema, 2) elaboração de um plano de ação, 3) execução deste plano e 4) verificação de sua aplicabilidade ou a retrospectiva do caminho seguido. Entre essas quatro etapas, meu foco de interesse com esse estudo é a primeira que aborda o momento de entendimento do texto que apresenta o problema. É um momento inicial decisivo para o processo, pois, se realizado de forma insatisfatória, as etapas posteriores (elaboração do plano de ação, execução e retomada do caminho escolhido) poderão ser fortemente influenciadas de forma negativa. 39 De forma detalhada, Pólya expõe algumas características referentes à primeira etapa da resolução de problemas e diz que, apesar de essa etapa ser importante no processo, é comum os alunos não dedicarem, suficientemente, a atenção que lhe é devida. Como alternativa, Pólya sugere aos professores que ensinem aos alunos a importância de compreender bem e refletir sobre o enunciado. Para facilitar essa compreensão, Pólya aconselha o direcionamento de questões que ajudariam a selecionar os elementos úteis para a resolução e conduziria o resolvedor no processo de combinações entre esses elementos e seleção de uma ideia que o levasse à solução. Seguem algumas questões sugeridas por Pólya: “Qual a incógnita?” “Que dados poderão ser necessários?” “De que forma esses dados podem ser representados matematicamente?” “Existem condicionantes a serem seguidas?” “As condicionantes oferecidas ajudam a encontrar a incógnita?”, etc. Uma das vantagens da aplicação desse método de questionar é a de que sejam evidenciados elementos realmente relevantes para a resolução. Em algumas situações, o enunciado de um problema traz em sua escrita dados e imagens completamente dispensáveis para a sua resolução, talvez esses elementos não cumpram outra função que não a de ornar o texto, que aparentemente, fica mais bem elaborado. Entretanto, há o risco de que esses elementos gerem certa confusão na leitura e atrapalhem a seleção dos elementos realmente necessários para resolver o problema. O matemático defende que o método de questionar do professor poderia revelar até onde o texto está sendo realmente compreendido pelos alunos. Mas, sobretudo, o autor acredita que o método ajuda o professor a incutir, nas mentes de seus alunos, o interesse pela resposta do problema. Além disso, é uma oportunidade para o professor mostrar ao aluno um modelo (a ser imitado) sobre como agir para se obter sucesso em situações de resolução de problemas. 3.2.2 Como Ler um Problema de Matemática Um enunciado de um problema de Matemática é um tipo de texto que tem suas particularidades e é necessário que seja não lido da mesma forma que um texto convencional 40 empregado em aulas de linguagem, por exemplo. Afinal, além da compreensão, existem objetivos diferentes para cada tipo de texto. Cagliari (1994, p.172) fala sobre essa diferença. A leitura deve variar de acordo com o texto. Não se lê uma poesia como se lê um problema de matemática ou uma narrativa. A reflexão que o primeiro tipo de leitura exige é diferente da que exigem o segundo e o terceiro. (...) Alguns tipos de leitura, como instruções e problemas de Matemática, exigem que o leitor primeiro tome conhecimento do texto inteiro, depois, releia-o por partes e em seguida, encandeie essas partes segundo resultados ou cálculos anteriores, até chegar ao fim. Uma leitura de textos desse tipo só se completa quando se conclui o que eles pedem que se faça ou calcule. Antes disso, a compreensão do texto é parcial ou, se quiserem, apenas “linguístico-literal”, o que não faz muito sentido como procedimento matemático mecânico. Dessa forma, entendo que o resolvedor para atender ao objetivo proposto pelo enunciado de um problema de Matemática (encontrar a resposta), deve estar apto para fazer uso de vários conhecimentos, como por exemplo: o domínio da sua língua nativa, da linguagem e procedimentos matemáticos, raciocínio e capacidade de realizar associações entre diferentes situações. Será preciso, então, que o enunciado seja lido de forma competente. Para Pólya (1995, p.25), a atenção concedida ao problema na primeira etapa pode também “estimular a memória e propiciar a recordação de pontos relevantes”. Entre os conhecimentos resgatados nesse momento, recupera-se também a terminologia usualmente empregada na representação de símbolos e teoremas, bem como, expressões peculiares ao universo da Matemática, pois a compreensão de enunciados de problemas de Matemática requer que o leitor esteja ao menos minimamente familiarizado com esses termos e expressões, para que se processe a transposição linguística, ou seja, para que o leitor consiga travar um diálogo entre a linguagem matemática e a sua linguagem materna9 e consiga realizar correspondência entre o que lê e a forma de representação matemática conhecida. Pólya aponta o equacionamento como uma barreira na resolução de problemas, mencionando que: Equacionar significa expressar por símbolos matemáticos uma condicionante que esta formulada por palavras; é a tradução da linguagem corrente para a linguagem das fórmulas matemáticas. As dificuldades que podem surgir no equacionamento são dificuldades de tradução. Para traduzir uma frase do inglês para o português, duas coisas são necessárias. Primeiro precisamos compreender integralmente a frase inglesa. Segundo, precisamos estar familiarizados com as formas de expressão peculiares à língua 9 Com a expressão “linguagem materna”, pretendo que seja entendida tanto como a primeira língua que o indivíduo conheceu e aprendeu a usar, quanto aquela que é desenvolvida na escola como a modalidade linguística mais prestigiada pelos nativos. 41 portuguesa. [...] O que ocorre no equacionamento é muito semelhante. Em casos simples, o enunciado verbal se divide, quase automaticamente, em partes sucessivas, cada uma das quais pode ser escrita em símbolos matemáticos. (PÓLYA, 1995, p.73-74). Esse processo de divisão do enunciado verbal, mencionado por Pólya, pode ser entendido como uma operação mental de organização das informações necessárias à resolução de problemas. Quando se está bem familiarizado com o pensamento matemático, a transposição dos dados pode acontecer de forma automática. Ainda enquanto se lê o problema, pode se visualizar a montagem da equação. Mas existem casos em que o resolvedor, talvez por não dominar a linguagem matemática ou por não ter compreendido o que leu, não consegue ter qualquer ideia de como representar matematicamente o seu pensamento. 3.2.3 Estágios da Etapa de Compreensão do Enunciado A etapa de compreensão do enunciado pode ser dividida em duas partes, a saber, a familiarização com o texto e o aperfeiçoamento da compreensão. O estágio de familiarização compreende a leitura inicial do enunciado, o reconhecimento da incógnita, dos dados do problema, da condicionante, etc. até a associação desse problema com outros problemas similares anteriormente resolvidos. Inicialmente, então, o recomendável, segundo Pólya, para se resolver qualquer problema, (sendo ele de Matemática ou não), seria que o resolvedor se concentrasse no objetivo principal do problema a ser cumprido. Tendo isso em mente, de forma clara, o próximo passo será identificar e selecionar no texto elementos úteis para se chegar ao que se pretende. O resolvedor deve perceber, no texto, quais itens podem ou não ser desconsiderados na resolução e talvez o método de Pólya possa ajudar nesse sentido. Em seguida, é preciso observar de que forma esses itens estão interrelacionados e como eles devem ser trabalhados. Em alguns casos, os dados do problema são exibidos de forma explícita. Em outros, haverá a necessidade de recuperá-los por meio de um trabalho de interpretação ou combinação dos dados oferecidos. Nesse caso, seria preciso mobilizar alguns conhecimentos para encontrá-los, pois não há como prosseguir com o raciocínio para se atingir o objetivo principal do problema sem antes estar de posse de tal informação. Esse processo divide em partes a resolução, é 42 preciso encontrar um determinado dado que será integrado a outros itens antes de se desenvolver a estratégia final que responderá o problema. Pólya recomenda que o resolvedor busque em sua memória situações similares (um problema correlato), é possível que essa lembrança traga com ela também as táticas que tenham sido empregadas naquela situação e que possam ser reaproveitadas no problema atual. É interessante então, retomar problemas que já foram trabalhados em sala anteriormente, ou até mesmo, dar liberdade para que os alunos tragam algo de sua experiência com a situação. Seria válido no estágio de familiarização também, que o professor ajudasse o aluno de forma discreta, procurando concretizar a situação descrita no enunciado. Isso ajudaria o aluno a resgatar seu conhecimento de mundo em relação ao assunto discutido. É importante que o professor exponha para os alunos sua própria experiência como resolvedor de problemas, lembrando obstáculos e progressos que teve a cada vez que se encontrou em uma situação parecida. Na vida prática sempre podemos encontrar exemplos de situações que guardam alguns aspectos em comum com o que estamos tentando resolver, talvez a comparação entre os problemas ajude a facilitar a tomada de decisões para resolver o problema. Todos os elementos do problema devem ser examinados atentamente e Pólya recomenda que se sempre se procure fazer uso dos símbolos apropriados, o que ajudariam a mente a reforçar a ideia do que procuramos. Entretanto, caso surja a necessidade, o resolvedor pode traçar alguns desenhos para facilitar sua visualização dos dados oferecidos pelo problema, um desses casos seria a resolução de um problema que estivesse sugerindo que se encontre algum dado relacionado a uma figura geométrica, por exemplo. Acredito que a elaboração de traços, desenhos ou outros esquemas do mesmo tipo já façam parte do estágio de aperfeiçoamento da compreensão, pois o resultado visual pode ajudar a perceber elementos até então não vistos com a primeira leitura, como peças que faltavam para montar o quebra-cabeça. A partir do momento em que se tem em mãos os objetivos, os dados, desenhos, esquemas, já se sabe quais cálculos devem ser realizados, acredito que já seja possível elaborar um plano de ação, começa então a segunda etapa da resolução. Mas, pensar no plano de ação implica em ter uma ideia que ajude a clarear todo o caminho para a resolução. Pode ser possível que várias ideias passem pela cabeça do resolvedor, entretanto nem todas serão proveitosas. Mas, conforme Pólya, talvez seja preciso levar em consideração qualquer ideia que pareça confiável, pois talvez ela leve o resolvedor diretamente a solução. Existem situações em que o resolvedor nem precisa se esforçar muito, 43 nem bem começa a ler o enunciado e já lhe ocorre uma ideia simples e eficaz, daí, rapidamente, ele resolve o problema. Mas isso é uma atitude arriscada, muitos equívocos ocorrem quando o resolvedor já parte para as etapas finais de resolução sem antes ter examinado bem as possibilidades que essa ideia pode oferecer. Além do mais, é difícil acontecer de alguém ter uma ideia brilhante, se esse indivíduo não dispõe suficientemente de conhecimentos relacionados à situação descrita. Alguns sujeitos acreditam que, na Matemática, possa haver pouco espaço para o pensamento criativo e flexível, geralmente essa visão equivocada é criada em função de um ensino que mostra a Matemática como algo instrucional e que explora pouco as possibilidades que a disciplina pode oferecer. Pólya afirma ser importante demonstrar o pensamento matemático e não apenas apresentá-lo ao aluno como uma ferramenta a ser usada. É preciso lembrar que a Matemática é feita para descrever o mundo real e o aluno precisa experimentá-la. Para ilustrar essa visão, Pólya usa a ideia do ensino da Matemática como “livro de receitas” que oferece uma descrição dos ingredientes e dos procedimentos, mas não demonstra as receitas, afinal, existe o pensamento de que “provas-se o pudim, comendo-o”. Nesse sentido, o livro de receita serviria apenas para esse fim. Esse tipo de ensino não permite que o aluno compreenda o que é feito, isso provavelmente é a causa da desmotivação e do esquecimento do conhecimento adquirido. De acordo com Pólya (1994, p.118), procedimentos sem demonstrações desmotivam e não serão entendidos. Regras sem razões, desconexas, são rapidamente esquecidas. Para que surjam ideias relacionadas à resolução de um problema é preciso que o resolvedor, após a realização da leitura do enunciado, resgate o que sabe sobre o assunto e o que ele sabe, o que guarda em sua memória, possivelmente está lá porque no momento em que lhe foi apresentado, foi também demonstrado. Em busca dessa ideia para resolução, Pólya (1994, p.25) recomenda que o resolvedor comece reexaminando o problema sob diversos pontos de vista. Considere o seu problema por diferentes lados. Destaque as diferentes partes, examine repetidamente os mesmos detalhes, mas de maneiras diferentes, combineos diferentemente, aborde-os por diversos lados. Procure perceber algum significado novo em cada detalhe, alguma nova interpretação do conjunto. Procure contatos com os seus conhecimentos anteriormente adquiridos. Tente pensar naquilo que já serviu de auxílio em situações semelhantes. Tente reconhecer alguma coisa de familiar no que examina e perceber algo de útil naquilo que reconhece. 44 Talvez uma segunda leitura do mesmo enunciado trará novos elementos, ou a visão da situação apresentada por um outro ângulo, a reflexão repetida sobre o enunciado a partir de uma nova perspectiva que inclua experiências anteriores pode ajudar no surgimento dessa ideia. O empenho em compreender a situação e encontrar a resposta talvez faça com que nosso raciocínio funcione de forma diferente e passe a enxergar detalhes não vistos na primeira vez. Portanto, diante de um problema a ser resolvido é importante tentar compreendê-lo em todos os seus aspectos. É possível que alguém diga que algumas das situações descritas acima já adentram outra fase da resolução de problemas de Pólya, a fase que se refere ao estabelecimento de um plano. Em vários momentos desse estudo, isso me ocorreu, mas penso que em alguns aspectos, algumas particularidades dessas fases estão tão atreladas, que não há como discuti-las em separado. Tudo que se refere à montagem do plano de ação e será efetivado na resolução, foi compreendido e decidido como necessário e ainda na primeira fase, no entendimento do problema. Portanto, acredito que esse assunto também seja interessante para quem pretende entender como a competência leitora interfere em problemas matemáticos. 3.2.4 Tipos de Problemas Diferente de outras tarefas propostas em sala de aula, a atividade de resolução de problemas pode contribuir para o desenvolvimento do raciocínio e estimular a curiosidade do aluno. Isso favoreceria não somente o ensino da Matemática, mas todas as outras áreas. Mas será que qualquer tipo de problema proposto surtiria o mesmo efeito? Cabe aqui definir o que é entendido como sendo um problema de Matemática, especificamente, com enunciados verbais neste trabalho. De acordo com ensinamentos de Souza (2014)10, problemas de Matemática com enunciados verbais são os que se apresentam formulados por escrito, recorrendo à linguagem natural, eventualmente permeada por elementos da linguagem própria da matemática (Informação verbal). Essa definição está em consonância com a versão dada por Verchaffel, De Corte e Greer (2000) que dizem ser descrições textuais de situações entre as quais questões matemáticas são contextualizadas. 10 Informação fornecida pela Profª Drª Maria Alice V. F. Souza, durante um curso de Resolução de Problemas, ministrado em 2014, que integra as disciplinas oferecidas pelo Mestrado Profissional em Educação em Ciências e Matemática do Instituto Federal do Espírito Santo. 45 Assim sendo, existem tarefas matemáticas outras que, embora as denominem como sendo problemas de Matemática, não guardam as mesmas características da definição antes disposta. Algumas são empregadas para o reforço de um tema antes explicado, cuja finalidade principal seria, nesse caso, preparar os alunos para a utilização das estratégias apresentadas pelo professor. Apesar de necessária, esse tipo de atividade pode não ser tão eficiente para estimular o desenvolvimento da autonomia e a criatividade do aluno. Smole e Diniz (2001, p.89) designam esse tipo de problema como “problemas convencionais”. Para essas autoras, se forem aplicadas como único material em sala de aula, podem tornar o aluno inseguro em situações mais desafiadoras, na qual ele não encontre um caminho pronto, ou seja, ele não tenha orientações claras sobre quais meios, estratégias e algoritmos deveriam ser empregados na busca da solução. Pólya, apesar de reconhecer a utilidade desse tipo de problema para exercitar determinadas estratégias, também confirma que é um tipo de problema que não oferece desafio. O matemático denomina esse tipo de problema como “problema rotineiro”. O resolvedor desse problema já tem um modelo de ação, a estratégia a ser usada para resolução já foi explicada pelo professor e não há mistério. Tudo já está pronto, basta, ao aluno, fazer algumas substituições em fórmulas ou equações e seguir todos os passos dos procedimentos ensinados. É chamado de rotineiro justamente por ser similar a tantos outros já corrigidos em sala de aula e não deixar espaço para o resolvedor exercitar a criatividade ou o raciocínio. Outro prejuízo que se tem é que esse tipo de problema pode proporcionar uma falsa avaliação, permite que o resolvedor seja avaliado positivamente em relação ao seu desempenho para resolver problemas matemáticos, quando, na verdade ele apenas consegue manipular uma estratégia programada, mas pode não ter nem ideia do que esteja fazendo. O que seria, então, o tipo de problema mais apropriado para estimular, no aluno, a atitude de curiosidade, de persistência ou de iniciativa? Conforme Smole e Diniz (2001, p.89), são aqueles que apresentam propostas que levassem o aluno ao enfrentamento de uma situaçãoproblema, situações que não “possuam soluções evidentes e que exijam que o resolvedor combine conhecimentos e decida pela maneira de usá-los em busca da solução”. Há também outra distinção feita por Pólya que seria interessante destacar: o que ele chama de problema de demonstração e que apresenta como objetivo a confirmação ou refutação de 46 determinada proposição. Nesse caso, a partir da análise de informações oferecidas pelo enunciado, por meio da lógica, o sujeito pode afirmar se uma afirmativa procede ou não. Há também o problema de determinação, cujo objetivo é encontrar um elemento oculto. Para isso, é necessário que se conheça bem o problema em todos os seus aspectos. Isso exige do resolvedor percepção de detalhes, curiosidade e empenho para encontrar o que se pede. É preciso realizar uma leitura competente antes que seja traçado o plano de ação. Portanto, esse último tipo pode se mostrar proveitoso se utilizado nos instrumentos destinados a essa investigação. Nesse sentido, nem todas as atividades desenvolvidas em sala de aula poderão servir ao propósito de testar a possibilidade de que o aluno apresente a uma postura mais reflexiva perante o que lê. Algumas atividades funcionam para ajudar os alunos a exercitar novos conhecimentos, mas um problema desafiador e mais complexo, sem direcionamento, obriga o resolvedor a uma leitura mais cuidadosa e à reflexão sobre os dados contidos no seu enunciado. Problemas que podem aceitar diferentes caminhos para a solução e demandam operações mentais que não são sugeridas no enunciado explicitamente, exigem tempo para pensar e curiosidade para explorar todas as perspectivas que o envolvem. É o tipo de atividade que promove a mobilização de recursos cognitivos e ajuda a desenvolver o raciocínio. Por esse motivo, esses serão os problemas que serão prioritariamente eleitos nos instrumentos deste trabalho. 3.2.5 Outros Estudos sobre Resolução de Problemas Esse estudo contou também com a contribuição de diversos outros autores, estudiosos da área do ensino de Matemática, em especial, no que se relaciona à atividade de resolução de problemas. Alguns desses estudos buscam examinar aspectos da linguagem empregada no enunciado. Embora minha atenção esteja voltada para o estudo da competência leitora, essa investigação implica em alguns aspectos da análise do enunciado. Portanto, é provável que algumas considerações possam ser úteis para justificar determinados fenômenos relacionados à compreensão leitora que deverão surgir na investigação. 47 Foram consultados também, e serão discutidos aqui, alguns documentos públicos que orientam e discutem o ensino a partir do desenvolvimento de competências relacionadas à área de Linguagem e Matemática. Inicialmente, cito a tese de doutorado, intitulada “Relações entre a compreensão em leitura e a solução de problemas aritméticos”, desenvolvida por Marta Santana Comério (2012), que apresenta características que se aproximam em parte do trabalho que proponho, por ter como objetivo (com base em estudos da educação matemática, da psicologia cognitiva e da psicologia educacional) investigar a leitura de problemas aritméticos de seus alunos. Contudo, o trabalho da Comério é voltado para estudantes do 5º ano do Ensino Fundamental, enquanto minha proposta é voltada para o Ensino Médio. Comério ressalta a importância da linguagem para o ensino dos componentes curriculares da Matemática e a necessidade do desenvolvimento de uma prática pedagógica voltada para a Matemática que permitisse aos alunos uma leitura mais significativa de textos matemáticos. Lembra que a Matemática possui uma forma de comunicação que apresenta características mais específicas, portanto afirma ser necessário para o aluno o desenvolvimento dessa linguagem de uma forma gradativa (COMÉRIO, 2012). Assim, desde o início de sua escolaridade, o aluno vai se apropriando da linguagem matemática juntamente com os conceitos que vai desenvolvendo em sala de aula. Dessa forma, o conhecimento adquirido na escola não estará limitado à memorização de fórmulas, algoritmos, táticas, entre outros, de maneira vazia, ou seja, desligada de sentido, mas o aluno se torna capaz de se expressar matematicamente, aprende a se comunicar por meio de “argumentos convincentes e representar ideias matemáticas de forma verbal, gráfica ou simbólica” (COMÉRIO, 2012, p. 57). O ensino mecanizado de Matemática, limitado à memorização por meio de exercícios periódicos de definições expostas pelo professor, pode funcionar bem para objetivos educacionais despreocupados com a produção de significados no contexto da Matemática pelos alunos. Assim sendo, possivelmente, o conhecimento adquirido em sala de aula dificilmente será aproveitado plenamente em situações ligadas em sua vida profissional, acadêmica e científica (SOUZA, 2013), podendo ser, até mesmo, completamente esquecido. Um professor que utiliza apenas esse método parece desconsiderar o fato de que o aluno precisa dominar e aplicar a linguagem específica utilizada nessa área do conhecimento ao estar exposto a diferentes situações na qual esse conhecimento possa ser útil. 48 Empecilhos na compreensão leitora, conforme já foi discutido aqui, de uma maneira geral, pode prejudicar o desempenho em uma ação que dela dependa. Para o caso da resolução de problemas de Matemática, pode haver casos em que o resolvedor compreenda textos de outras áreas com facilidade, mas, no entanto, sua compreensão leitora não avança por não dominar termos específicos da Matemática e isso pode ser considerado um empecilho. A proposta de Comério consistiu na aplicação de quatro instrumentos de verificação da capacidade em leitura e resolução de problemas aritméticos. No primeiro deles, a autora utilizou o Teste de Cloze, que consistia na apresentação de um texto narrativo aos alunos, cabendo a esses a atividade de interpretação textual. O teste divide em níveis a capacidade de compreensão da leitura e foi aplicado de forma a recolher dados a respeito do desempenho dos alunos nessa leitura. Os testes seguintes consistiam em uma prova de Língua Portuguesa, uma de Matemática e uma prova voltada a medir o desempenho do aluno especificamente na leitura de problemas aritméticos. Em uma segunda etapa, foi aplicada uma entrevista semiestruturada com o objetivo de recolher mais detalhes a respeito dos entraves encontrados durante a aplicação dos testes. A entrevista faria emergir pormenores não contemplados nos outros instrumentos, possibilitando, assim, uma visão mais completa do que o aluno compreendeu na leitura do material de teste. Os resultados dos estudos de Comério pareceram confirmar a ideia de que existe relação entre o desempenho em leitura e a capacidade de resolver problemas de Matemática. A ligação entre essas capacidades também é defendida no artigo de Bat-Sheva Ilany e Bruria Margolin, de 2010, intitulado “Linguagem e Matemática: ponte entre a linguagem natural e linguagem matemática na resolução de problemas em Matemática.”11, no qual expõem os resultados da aplicação de um modelo de instrução que auxiliaria alunos de diferentes níveis de escolaridade na resolução de problemas. Essa experiência constituiu um estudo de caso de dois pesquisadores israelenses, um da área de Matemática e o outro, de Linguística. Foram oferecidas, aos alunos, questões a serem respondidas seguindo aquele modelo de ensino. No fim do processo, os alunos foram orientados a retornar ao problema a fim de 11 Do original: Language and Mathematics: Bridging between Natural Language and Mathematical Language in Solving Problems in Mathematics. 49 verificar se a solução estaria de acordo com o que se esperava. O modelo apresentado se revelou uma excelente ferramenta para o ensino da Matemática. O artigo traz um diagrama daquele modelo de ensino e descreve sua aplicação, destacando diferenças que existem entre a linguagem matemática e a natural, tal como a precisão e objetividade matemática e a flexibilidade da linguagem natural. Defende a ideia de que um problema de Matemática, para ser lido significativamente, precisa ser percebido como uma unidade textual e não um conjunto de dados. Nesse sentido, uma leitura que promova unicamente a extração de dados do texto, desligados de seu contexto, pode acabar por gerar equívocos. Ao contrário, o texto deve ser visto em sua totalidade. A partir de sua leitura como uma unidade, serão realizadas operações lógicas necessárias à resolução do problema. Ilany e Margolin (2010, p.138), assim como Comério, acreditam que a linguagem matemática deva ser desenvolvida na escola. É preciso que o aluno saiba fazer uso da terminologia e das expressões comuns ao texto matemático. Concordo com as autoras de que “a linguagem matemática é uma linguagem de símbolos, conceitos, definições e teoremas, [...] precisa ser aprendida, não se desenvolve naturalmente, como língua natural da criança”. A preocupação em tornar a linguagem matemática acessível ao aluno parece ser comum, em especial para professores que desenvolvem atividades de resolução de problemas com enunciados verbais. Em algumas situações, a linguagem matemática parece ser bem diferente da linguagem materna. É uma linguagem que apresenta um vocabulário próprio, com termos não comuns e significações alteradas. Portanto, não é de se estranhar que os alunos apresentem embaraços. Entre os aspectos que podem originar esses conflitos está a modalidade linguística (variação ou linguagem técnica da Matemática) escolhida na construção do enunciado. O aluno, que ainda está estabelecendo o seu conhecimento matemático, possivelmente, não conseguirá dominar termos e expressões pertencentes ao universo da Matemática. Embora o livro didático ou outros materiais de apoio empregue a modalidade matemática regularmente, pode não ser o bastante para que o aluno, no momento de resolução de um problema, consiga fazer associações entre esses termos e a linguagem comum, compreendendo, assim, o que diz o enunciado. Talvez uma reformulação textual nos enunciados de problemas de Matemática pudesse ser adotada, no sentido de torná-los mais acessíveis aos alunos, adaptando a linguagem 50 matemática a uma modalidade que o aluno poderia entender mais facilmente. Mas, em algum momento, passará a ser necessário que o aluno avance e domine a linguagem puramente matemática para se apropriar de seus domínios específicos. A contribuição da linguagem materna, portanto, é limitada. Outro fator que poderia ser considerado como elemento complicador para o entendimento do texto se refere ao modo de estruturar as frases escolhidas para construir o texto do enunciado. Para Jiménez (1995), o modo pelo qual se formula a pergunta pode facilitar ou dificultar a posterior resolução do problema. Uma construção textual mais complexa presente em um enunciado, para leitores mais experientes, pode não ser considerada uma limitação. Em alguns casos, a estrutura e a organização das frases que compõem o enunciado podem parecer claras e estilisticamente bem formuladas. Para quem tem o hábito da leitura, deparar-se com textos desse tipo, é comum e nem um pouco assustador. Mas se o indivíduo já demonstra problemas em leitura em textos de estrutura mais simples, qualquer aspecto que complique o entendimento do enunciado do problema poderá desestimulá-lo ainda mais. Abedi, Lord e Hofstetten (1998) colocam esse assunto em evidência e apontam algumas variáveis linguísticas presentes nos enunciados dos problemas de Matemática que podem afetar o desempenho do aluno no processo de resolução. Pesquisas têm identificado várias características linguísticas que parecem contribuir para a dificuldade de um texto; elas diminuem a velocidade do leitor, induzem a más interpretações mais prováveis, ou acrescentam carga cognitiva aos leitores e, portanto, interferem em tarefas simultâneas. Além disso, algumas variáveis lingüísticas foram correlacionadas com dificuldade; estas variáveis podem ou não ser consideradas como as causas da dificuldade, mas podem servir como índices convenientes para as causas reais da dificuldade e podem, portanto, serem usadas para prever dificuldades. Índices de dificuldades de linguagem incluem frequência de palavras, extensão das palavras e comprimento da sentença. […] Seguindo-se uma discussão sobre as características lingüísticas que podem causar dificuldades para os leitores; estas incluem construções de voz passiva, sintagmas nominais longos, frases interrogativas longas, estruturas comparativas, locuções prepositivas, frase e estrutura do discurso, tipos de cláusulas, cláusulas condicionais, orações relativas e representações concretas vs. abstratas e impessoais. (ABEDI; LORD; HOFSTETTEN, 1998, p.7, tradução nossa.) Alternativamente, Abedi, Lord e Hofstetten sugerem o uso de meios facilitadores como recursos linguísticos para se escrever o que se quer visando atingir o leitor inexperiente e inicial em Matemática. Se o professor analisar aspectos textuais complicados presentes em enunciados de problemas de Matemática com a turma, pode ser que alguns bloqueios dos 51 alunos relacionados à leitura sejam minimizados. É preciso que a linguagem matemática seja discutida durante as aulas, mesmo que apenas inicialmente, para que o aluno possa, com o tempo, ir se apropriando dessa linguagem. Conservar a terminologia matemática, bem como o uso de estruturas textuais mais complexas durante as aulas poderia introduzir os alunos em uma linguagem mais científica, exatamente como costuma ser utilizada pelos matemáticos. Mas a aquisição dessa linguagem pode se tornar um processo menos demorado se houver empenho, por parte do professor, em desenvolvê-la com seus alunos, discutindo o texto do enunciado, o que poderia também ajudar o aluno, a partir disso, a analisar mais cuidadosamente o que lê. Mas o problema pode não estar somente na linguagem matemática, dominar a linguagem corrente também é algo que leva tempo. Nem sempre conseguimos comunicar nossos pensamentos por meio do sistema linguístico com absoluta clareza. As palavras podem assumir diferentes significados e, provavelmente, não se pode prever quando isso irá acontecer. Fatores históricos, políticos, religiosos, socioculturais, etários, regionais, etc., podem interferir na significação de uma palavra, atribuindo-lhe novos sentidos. Esse é um dos fenômenos que tornam a comunicação complexa. Nas palavras de Cagliari (1994, p. 80): Outro ponto não muito bem compreendido, nem mesmo por alguns linguistas, é o caráter convencional da linguagem. Naturalmente, a linguagem é convencional, por isso, a comunicação pode se estabelecer. Porém, a linguagem não é necessariamente aberta, clara, explícita. Podem-se dizer muitas coisas, de modo que, em seu sentido literal e por uma interpretação superficial, apresentem um determinado significado, mas que, à luz de certos conhecimentos específicos, revelam seu significado diferente. Por meio da linguagem matemática, a comunicação almeja ser exata. Símbolos universais são empregados para representar pensamentos. Poderia se pensar, então, que qualquer situação relacionada à linguagem matemática não abriria tanto espaço para mal entendidos como acontece com a linguagem materna. Contudo, se a atividade proposta for a resolução de problemas que apresentem enunciados verbais, pode ser possível que alguns dados e instruções desse problema apresentem uma construção linguística de interpretação dúbia. Talvez situações desse tipo ocasionem mais transtornos que o próprio uso da linguagem técnica da Matemática. Embora existam alguns termos específicos da Matemática que são também usados em outras áreas, carregando um significado diferente de uma área para outra e, em geral, o indivíduo que faz uso desses termos consegue perceber a diferença por meio do 52 contexto. Como, por exemplo, na área de Linguagem também utilizamos os termos “hipérbole” (figura de linguagem que denota exagero no que se diz), “elipse” (figura que denota a supressão de um termo que pode ser facilmente subentendido pelo contexto da frase) ou parábola (narrativa que passa uma mensagem por meio de analogias). Os significados desses termos nas aulas de Linguagem talvez não guardem qualquer relação com os significados dos mesmos para a Matemática, mas isso não parece causar estranhamento entre os alunos quando esses conceitos são ensinados. Em relação ao desconhecimento quanto aos termos próprios da Matemática, George Pólya (1995, p. 52) lembra da importância de se retomar as definições da palavra: “Precisamos saber que o poder de uma palavra não reside no seu som, nas vibrações produzidas pelas cordas vocais do locutor, e sim, na ideias que a palavra nos traz a mente”. Pólya aconselha que se procure o sentido e os fatos que estão por detrás das palavras. Talvez porque, para a Matemática, pode não ser suficiente que se conheçam os significados dos termos empregados, é preciso também conhecer sua aplicabilidade e sua relação com outros elementos envolvidos na operação. Independente que o problema de interpretação do enunciado ocorra em função da construção do texto, da variação linguística empregada, da duplicidade de sentido, ou outros, a competência leitora poderá ser importante. Um leitor competente, seja a partir da análise do contexto do enunciado, seja pela sua experiência com leituras anteriores, terá maiores chances de contornar características problemáticas relacionadas à linguagem e tentar buscar meios de compreender a mensagem. 3.2.6 A Avaliação da Competência Leitora A competência leitora parece também ser o foco de avaliações em larga escala sobre a qualidade da aprendizagem, como o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) que, desde 1990, vem medindo para a evolução da qualidade do ensino no país. O Saeb tem, entre seus objetivos, a realização de uma análise sobre o desempenho dos alunos do Ensino Médio em Matemática e Língua Portuguesa, estabelecendo de forma quantitativa, referências para avaliar esse desempenho. 12 12 Dados fornecidos pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Disponível em <http://portal.inep.gov.br/web/saeb/escalas-de-proficiencia>. Acesso em 31 jan 2014. 53 A cada dois anos, os alunos da rede pública são submetidos a avaliações do Saeb, com a intenção de que, dentro de alguns anos, a maior parte dos alunos do Ensino Fundamental e Médio possa obter, nas disciplinas de Língua Portuguesa e Matemática, um aprendizado satisfatório conforme o ano que esse aluno cursa. Conforme as matrizes de referência do Sistema Nacional de Avaliação Básica estabelecidas no Plano Nacional de Educação, lançado em 2007, as provas do Saeb, aplicadas aos alunos, são elaboradas com base na associação entre os conteúdos ensinados em sala de aula e as competências utilizadas no processo de construção do conhecimento. (BRASIL, 2008) O programa considera a leitura como “condição essencial para que o aluno possa compreender o mundo, os outros, suas próprias experiências e para que possa inserir-se no mundo da escrita, torna-se imperativo que a escola proporcione as oportunidades de construção das competências linguísticas necessárias para se formar um leitor competente” (BRASIL, 2008, p.76). Nessa perspectiva, coloca como principal objetivo das questões aplicadas na prova de Língua Portuguesa a avaliação da competência leitora. A prova de Matemática do Saeb, por sua vez, estrutura suas questões mantendo o foco voltado para a resolução de problemas. De acordo com o documento, essa atividade oportuniza ao aluno um confronto com situações desafiadoras que tornam o conhecimento matemático mais significativo (BRASIL, 2008). Aparentemente, a competência leitora e o desempenho em resolução de problemas de Matemática não apresentam muita relação entre si. Mas, considerando o requisito da primeira em alguns aspectos da segunda, entende-se que deve haver interesse por parte do programa em incentivar a formação de bons leitores e avaliar o quanto as instituições de ensino do país estão estimulando o domínio da linguagem escrita em seus alunos. É possível que de todas as metas estabelecidas pelo programa, essa seja a mais importante, levando em conta que, para aperfeiçoar a qualidade do ensino no país, é preciso que se priorize a formação de leitores competentes. E, se realmente existem chances maiores de que um leitor competente logre sucesso na resolução de problemas de Matemática, é preciso que exista essa preocupação. O Exame Nacional de avaliação do Ensino Médio (Enem) avalia competências e habilidades adquiridas do indivíduo e vem sendo adotado por muitas instituições de Ensino Superior como parte do processo seletivo. 54 O Instituto de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), órgão responsável pelo Exame Nacional do Ensino Médio entende competências como eixos cognitivos, ou seja, um conjunto que envolve percepção, conhecimento, raciocínio, ponderação e atitudes que se espera que o indivíduo tenha adquirido ao longo de todos os seus anos de escolaridade. Habilidade é um conceito que se refere a cada um desses recursos. Nesse sentido, competência, remete a algo mais amplo que habilidade. Retomando a definição de Perrenoud, competência é a condição não apenas de ter esses recursos adquiridos, mas de mobilizá-los quando necessário. Esses eixos cognitivos fazem referência às possibilidades que o indivíduo tem de realizar tarefas (como: dominar linguagens, compreender fenômenos, enfrentar situações-problema, argumentar e elaborar propostas) e se relacionam com os conteúdos ensinados por cada uma das quatro áreas do conhecimento, (a saber: Linguagens, Códigos e suas Tecnologias; Matemática e suas Tecnologias; Ciências Humanas e suas Tecnologias e Ciências da Natureza e suas Tecnologias), considerando para cada área, 30 habilidades perfazendo um total de 120 habilidades avaliadas pelo Enem por meio de questões objetivas e produção de um texto. A competência em qualquer campo de conhecimento possibilita ao indivíduo alcançar sucesso nas suas decisões e precisa ser desenvolvida. Não se trata de diminuir a importância do reforço dos conteúdos disciplinares e das formas tradicionais de exercitá-los, mas é importante ir além e trabalhar no desenvolvimento de condições para que o indivíduo enfrente situações fora do contexto escolar. Ensinar um aluno a ler de forma competente, por exemplo, tende a ser mais produtivo que submetê-lo a processos de memorização de regras gramaticais. O ensino voltado para o desenvolvimento de competências valoriza a aplicação prática dos saberes ensinados na escola e isso pode motivar o processo de aprendizagem do indivíduo. Nessa direção, os membros do INEP, possivelmente preocupados com o desempenho em leitura de estudantes do Ensino Médio, idealizaram o quadro abaixo que apresenta habilidades a serem desenvolvidas por esses alunos e suas respectivas matrizes de competência (M1 e M7), relacionando-os aos cinco eixos cognitivos definidos pelo Enem para a área de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias (Ensino Médio) 55 Quadro 1 - Matrizes de Competências: Linguagens, Códigos e suas Tecnologias (Ensino Médio) Eixos I. II III IV V cognitivos Dominar a Compreender Selecionar, Relacionar Elaborar Competências Língua fenômenos organizar, informações propostas de de linguagens, Portuguesa e naturais, relacionar, disponíveis em intervenção códigos e suas fazer uso das históricointerpretar situações solidária na tecnologias linguagens geográficos, da dados para concretas realidade, matemática, produção tomar decisões para construir respeitando artística e tecnol. e das e enfrentar argumentos valores e científica. manifestações situaçõesconsistentes. diversidade artísticas problema. sociocultural. M1 Aplicar H1 Identificar __________ H2 Recorrer a H3 Relacionar H4 Reconhecer tecnologias da diferentes conhecimentos informações posições comunicação e linguagens e de linguagens de sobre os críticas aos usos da informação recursos como sistemas para sistemas de sociais feitos em contextos elementos de resolver comunicação e das linguagens relevantes para caracterização dos problemas informação, e dos sistemas sua vida. sistemas de sociais e do considerando de comunicação comunicação. mundo do sua função e informação. trabalho. social. M7 Confrontar H21 Reconhecer, H22 Relacionar, H23 Inferir no H24 Reconhecer __________ opiniões e em textos de em diferentes texto os objetivos estratégias pontos de vista diferentes gêneros, textos, opiniões, de seu produtor e argumentativas sobre as recursos verbais e temas, assuntos e seu público-alvo, de diferentes não-verbais recursos pela identificação convencimento linguagens e utilizados com a lingüísticos. e análise de do público suas finalidade de criar procedimentos (intimidação, manifestações e mudar argumentativos sedução, específicas. comportamentos e utilizados. chantagem). hábitos. Fonte: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. Disponível em: <http://download.inep.gov.br/educacao_basica/encceja/matriz_competencia/Mat_Ling_Cod_EM.pdf> Destaco, principalmente, três dessas habilidades que são requeridas no processo de resolução de problemas para que a compreensão do texto se desenvolva de forma satisfatória, de acordo com os pressupostos teóricos já mencionados neste trabalho: H2, H21, H23, ou seja, H2 Recorrer aos conhecimentos sobre as linguagens dos sistemas de comunicação e informação para resolver problemas sociais e do mundo do trabalho. H21 Reconhecer, em textos de diferentes gêneros, recursos verbais e não-verbais utilizados com a finalidade de criar e mudar comportamentos e hábitos. H23 Inferir em um texto quais são os objetivos de seu produtor e quem é seu público-alvo, pela identificação e análise dos procedimentos argumentativos utilizados. 56 4 MÉTODOS 4.1 INSTRUMENTOS Esta investigação, de cunho qualitativo e quantitativo, foi realizada em três tempos, a partir da aplicação de 4 instrumentos. No primeiro tempo foi aplicado o instrumento 1 (teste objetivo e individual). No segundo tempo, o instrumento 2 (teste objetivo e individual). No terceiro tempo, foram aplicados os instrumentos 3 e 4 (testes discursivos, individuais), sendo apenas o quarto com o uso do método de Pólya. Os tempos se caracterizaram em aulas de 55 minutos, em dias diferentes, mas próximos, conforme foram disponibilizadas as aulas pelos professores regentes. O Quadro 2 resume a distribuição dos instrumentos, sujeitos e procedimentos associados a cada objetivo de pesquisa. Título Problema/pergunta Objetivo Geral Objet. Específicos Quadro 2 - Estrutura da pesquisa Competência leitora e desempenho em Matemática: um estudo de relações Que relações existem, se existirem, entre competência leitora e desempenho em problemas de Matemática com enunciados verbais de alunos do Ensino Médio? Como conduzir a resolução de problemas de Matemática com enunciados verbais à luz dos preceitos de Pólya? Instrumentos Sujeitos Análise Verificar possíveis relações entre 1e2 305 alunos Tratamento competência leitora em enunciados Ensino estatístico verbais de problemas de Matemática. Médio/ Técnico Verificar o desempenho na resolução 3e4 106 alunos Análise de problemas de Matemática (com e Ensino qualitativa sem a aplicação dos preceitos de Médio/ Pólya). Técnico Verificar a competência leitora em 1 305 alunos Tratamento problemas de Matemática. Ensino estatístico Médio/ Verificar o desempenho na resolução 2 Técnico dos mesmos problemas do instrumento 1. Verificar o desempenho no processo de 3 106 alunos Análise resolução de um problema do Ensino qualitativa instrumento 1 Médio/ Técnico Verificar a competência leitora à luz 4 dos preceitos de Pólya. Elaborar um guia didático que: Guia didático Divulgação 1) aponte caminhos para relacionar Científica competência leitora e desempenho na resolução de problemas com enunciados verbais; 2) oriente docentes na condução da compreensão de enunciados verbais de problemas de Matemática. Fonte: Própria. 57 4.1.1 Sobre o Instrumento 1 – Competência Leitora em Enunciados (Questões Objetivas) O primeiro instrumento consistiu em um teste que demandou a verificação da competência leitora por meio do enunciado de sete problemas de Matemática extraídos do ENEM, substituindo as opções originais de respostas por sentenças. Esse tipo de instrumento foi construído e testado cientificamente pela Universidade de Kent (Reino Unido) para aferir o raciocínio verbal (aqui denominado como competência leitora) e está disponibilizado virtualmente (http://www.kent.ac.uk/careers/psychotests.htm). O modelo propõe uma série de textos breves e declarações relacionadas a eles. Após a leitura dessas declarações, o sujeito da investigação é convidado a confirmá-las, negá-las ou reconhecer não haver qualquer possibilidade de posicionamento pela carência, ou mesmo ausência, de informações suficientes. A adaptação desse modelo que foi empregada na investigação segue abaixo: Instrumento 1: verificação da competência leitora em problemas de Matemática com enunciados verbais. Leia o enunciado abaixo e analise as afirmações sobre o texto. Avalie se a afirmação é falsa (F), verdadeira (V), ou se as informações do texto são insuficientes (I) para afirmar. Problema 1 – O diretor de uma escola convidou os 280 alunos de terceiro ano para uma brincadeira. Suponha que existam 5 objetos e 6 personagens numa casa de 9 cômodos; um dos personagens esconde um dos objetos em um dos cômodos da casa. O objetivo da brincadeira é adivinhar qual objeto foi escondido, por qual personagem e em qual cômodo da casa o objeto foi escondido. Todos os alunos decidiram participar. A cada vez, um aluno é sorteado e dá a sua resposta. As respostas devem ser sempre distintas das anteriores e um mesmo aluno não pode ser sorteado mais de uma vez. Se a resposta do aluno estiver correta, ele é declarado vencedor e a brincadeira é encerrada. O diretor sabe que algum deles acertará a resposta, já que existem mais alunos do que possibilidades de respostas. Quantos alunos a mais haveria?13 (F) Na brincadeira, para cada cômodo da casa, haverá um objeto escondido. (V) Cada aluno terá direito a dar apenas uma resposta diferente das anteriores. (F) O número de alunos equivale ao número de respostas distintas. (F) Todos os seis personagens tiveram a chance de responder uma vez. ( I) O sorteio é realizado pelos próprios alunos. Problema 2 - O Brasil foi escolhido para sediar a Copa do Mundo de Futebol em 2014. Uma das cidades em que aconteceram os jogos foi o Rio de Janeiro. O Maracanã, que em tupi-guarani significa “semelhante a um chocalho”, foi um dos estádios onde ocorreram jogos. Criado em 1950, tem formato elíptico, medindo 317 metros em seu eixo maior e 279 metros no menor. O campo tem medidas oficiais de 110m x 75m. Qual a área do campo onde ocorreram as partidas? 14 (F) O problema pede a quantidade de espaço que existe dentro do estádio. (V) O texto não afirma onde o Maracanã foi construído. (F) O formato elíptico do estádio sofreu modificações em suas medidas a pedido da FIFA antes que os jogos começassem. 13 Enem 2012, Matemática e Suas Tecnologias. Questão 144. Disponível em: <http://download.inep.gov.br/educacao_basica/enem/provas/2012/caderno_enem2012_dom_azul.pdf> Acesso em: 21 jan. 2014 (adaptado) 14 Enem, 2010. Disponível em:< http://pensevestibular.com.br/enem/lista-de-exercicios-para-o-enem.> Acesso em: 06.Fev. 2014. (adaptado). 58 ( I) O nome “Maracanã” vem do tupi-guarani significa “semelhante a um chocalho”, pois, em sua construção, havia aves que produziam sons parecidos com um chocalho. ( I) O estádio do Maracanã abriu os jogos da copa de 2014. Problema 3- Muitas medidas podem ser tomadas visando à utilização racional de energia elétrica. Isso deve ser uma atitude diária de cidadania. Uma delas pode ser a redução do tempo no banho. Um chuveiro com potência de 4.800 W consome 4,8 KW por hora. Uma pessoa que toma dois banhos diariamente, de 10 minutos cada, consumirá, em sete dias, quantos KW? 15 (F) Conforme o texto é atitude diária de cidadania, tomar banhos de, no máximo, dez minutos. (V) É possível economizar energia tomando banhos menos demorados. ( I) No final de um mês essa pessoa deverá ter consumido 10,48 m³ de água. (F) O texto afirma ser desnecessário tomar banhos duas vezes ao dia. (V) Utilizar racionalmente os recursos disponíveis é uma medida de cidadania. Problema 4- Numa escola com 1 200 alunos foi realizada uma pesquisa sobre o conhecimento desses em duas línguas estrangeiras: inglês e espanhol. Nessa pesquisa se constatou que 600 alunos falam inglês, 500 falam espanhol e 300 não falam qualquer um desses idiomas. Escolhendo-se um aluno dessa escola ao acaso e sabendo-se que ele não fala inglês, qual a probabilidade de que esse aluno fale espanhol? 16 (F) O problema busca o número de alunos que falam duas línguas estrangeiras. (V) Há alunos na escola falando mais de uma língua estrangeira. (F) O problema propõe que se escolha, entre os alunos, um que fale espanhol. ( I) Dos alunos que falam línguas estrangeiras, apenas 100 têm fluência nos dois idiomas. (V) Seiscentos alunos não falam inglês. Problema 5 – Com o objetivo de trabalhar com seus alunos o conceito de volume de sólidos, um professor fez o seguinte experimento: pegou uma caixa de polietileno, na forma de um cubo com 1 metro de lado, e colocou nela 600 litros de água. Em seguida, colocou, na caixa com água, um sólido que ficou completamente submerso. Considerando que, ao colocar o sólido dentro da caixa, a altura do nível da água passou a ser 80 cm, qual o volume do sólido? 17 (F)Ao depositar o sólido na caixa, o volume da caixa aumentou em 80 cm. ( I) O cubo inserido na caixa de polietileno afundou elevando o volume da água. (V) O sólido geométrico ao qual foi acrescentada água é um cubo. (F) Antes de começar a experiência, o professor encheu completamente a caixa de polietileno com água. ( I) O sólido inserido na caixa afundou por ser constituído de material pesado. Problema 6- Um casal chega no aeroporto internacional e precisa alugar um carro por um único dia. Consultadas duas agências no próprio aeroporto, verificou que a primeira agência cobra R$ 62,00 pela diária e R$ 1,40 por quilômetro rodado. A outra agência cobra R$ 80,00 pela diária e R$ 1,20 por quilômetro rodado. Nestas condições, abaixo de qual quilometragem as duas agências cobrariam um valor igual? 18 ( I) A agência com diária mais cara é mais afastada do aeroporto que a outra. (F) O aluguel por um dia na primeira agência é maior que na segunda. (V) Um aumento do número de quilômetros rodados automaticamente afetará o valor cobrado pela agência. ( I) O casal não pretende permanecer na cidade. (V) Calcular o número de quilômetros que serão rodados nessa cidade, ajudaria a decidir qual empresa fornecerá o serviço mais barato. Problema 7 - Uma pessoa possui um espaço retangular de lados 11,5 m e 14 m no quintal de sua casa e pretende fazer um pomar doméstico de maçãs. Ao pesquisar sobre o plantio dessa fruta, descobriu que as Enem 2011– Matemática e suas tecnologias. Questão 164. <http://download.inep.gov.br/educacao_basica/enem/provas/2011/07_AZUL_GAB.pdf.> Acesso em: 21 jan. 2014 (adaptado). 16 Enem, 2013. Questão 150. Disponível em: <http://download.inep.gov.br/educacao_basica/enem/provas/2013/caderno_enem2013_dom_azul.pdf.> >Acesso em 11.Jan. 2015 (adaptado) 17 Enem 2006. Disponível em: <http://euresolvomatematica.blogspot.com.br/2009/08/prova-de-matematica-do-enem.html.> Acesso em: 26 jan. 2014 (adaptado). 18 Enem. 2010. Disponível em: http:<//pensevestibular.com.br/enem/lista-de-exercicios-para-o-enem.> Acesso em: 06.Fev. 2014. (adaptado). 15 59 mudas de maçã devem ser plantadas em covas com uma única muda e com espaçamento mínimo de 3 metros entre elas e as laterais do terreno. Ela sabe que conseguirá plantar um número maior de mudas em seu pomar se dispuser as covas em filas alinhadas paralelamente ao lado de maior extensão. Qual o número máximo de mudas que essa pessoa poderá plantar no espaço disponível? 19 (V) As mudas de maçã precisam de um pouco de espaço para se desenvolver. (F) As laterais do terreno usado na construção do pomar têm medidas iguais. ( I) As mudas devem ser plantadas com, pelo menos, 60 cm de profundidade. (V) As covas serão dispostas a três metros da lateral do terreno. (F) É preciso descobrir o número máximo de mudas que podem ser plantadas em cada cova. Em atividades aplicadas nas aulas de interpretação textual, é comum o uso do modelo “falso ou verdadeiro”, mas não é comum encontrar, nesse tipo de atividade, a alternativa que possibilitaria ao sujeito considerar que não havia meios para proferir uma declaração por falta de informações no enunciado. Ao que parece, a inserção dessa possibilidade exige do leitor aprofundamento na leitura, ou seja, uma leitura com foco no todo e que não se limite ao reconhecimento de “palavra por palavra”, tal como afirma Cagliari (1994, p. 105) uma leitura que não se reduza à somatória de significados individuais dos símbolos (letras, palavras, etc.), mas ao ajuste de todos esses elementos no universo em que o escritor se baseou para escrever. Para que o sujeito possa atestar que, em nenhum momento, o texto mencionou determinada declaração, ou sugeriu qualquer ideia que pudesse ser inferida, tornando a declaração verdadeira ou falsa, é preciso que ele tenha refletido sobre o significado de cada palavra e expressão. É preciso que ele tenha entendido a função desses elementos no sentido global do texto que carrega em si tudo o que o autor quis comunicar. Esse aspecto da estrutura parece obrigar o leitor a reconhecer os limites da compreensão textual. Procurei, então, adaptar a proposta desse modelo à nossa realidade, reunindo alguns problemas de Matemática fornecidos pelo instrumento nacional de avaliação do ensino, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Os testes do Enem costumam apresentar questões inteligentes e bem elaboradas quanto à sua estrutura linguística, além de estarem eventualmente presentes na realidade do aluno do Ensino Médio, já que muitos professores adotam essas questões como modelo para explicar alguns conteúdos. Eu mesma já trabalhei algumas vezes a partir das provas do Enem. Foram escolhidos do exame problemas aplicados em diferentes anos, com enunciados formulados em língua materna, apresentando termos ou expressões próprios do léxico 19 Enem, 2014. Questão 172. Disponível em:< http://download.inep.gov.br/educacao_basica/enem/provas/2014/CAD_ENEM_2014_DIA_2_08_ROSA.pdf> Acesso em 15.Dez.2014. (adaptado) 60 matemático, evitando caracteres exclusivamente ligados à Matemática, mas, na totalidade, textos em linguagem corrente, a respeito dos quais, haveria cinco declarações que deveriam ser classificadas em “verdadeiras”, “falsas” ou “insuficientes”. Inicialmente, havia escolhido doze problemas para compor esse instrumento, mas após a aplicação do experimento piloto, decidi, por motivos que explicarei posteriormente, reduzir a quantidade para sete problemas. Para cada um desses sete, o sujeito deveria analisar cinco declarações. Portanto, a análise desse primeiro instrumento incide sobre um total de 35 declarações, com as quais pretendo obter uma visão geral sobre o rendimento dos sujeitos na competência leitora a partir dos enunciados (APÊNDICE A). Neste trabalho, considerei como falsas, verdadeiras ou insuficientes as afirmações, de acordo com os seguintes critérios: - Falsa: caso estejam em total desacordo com o texto do enunciado; - Verdadeiras: quando a ideia concorde com o que está dito no texto, ou esteja presente de forma implícita, devendo, então, ser inferida durante a leitura; - Insuficientes: quando a afirmação, embora exista alguma chance de ser verdadeira, não puder ser verificada apenas com os dados que estão no enunciado, ou seja, não há informações suficientes no texto para entendê-la como verdadeira. 4.1.2 Sobre o Instrumento 2 - Desempenho em RP (Questões Objetivas) Após a aplicação do instrumento 1, em outro dia de aula, o aluno foi convidado a resolver as mesmas questões para, dessa vez, ser avaliado em relação ao seu desempenho na resolução do problema matemático. Esse seria, então, o instrumento 2, no qual os mesmos enunciados seriam reapresentados com as respectivas alternativas de soluções possíveis no que concerne ao raciocínio matemático do sujeito, originais do Enem. Os alunos responderam ao teste escolhendo uma das alternativas que respondessem ao problema matemático. Segue abaixo o modelo utilizado na investigação, com opções de resposta. 61 Instrumento 2: verificação do desempenho na resolução de problemas de Matemática. Encontre a resposta para os problemas: Problema 1 – O diretor de uma escola convidou os 280 alunos de terceiro ano para uma brincadeira. Suponha que existam 5 objetos e 6 personagens numa casa de 9 cômodos; um dos personagens esconde um dos objetos em um dos cômodos da casa. O objetivo da brincadeira é adivinhar qual objeto foi escondido, por qual personagem e em qual cômodo da casa o objeto foi escondido. Todos os alunos decidiram participar. A cada vez, um aluno é sorteado e dá a sua resposta. As respostas devem ser sempre distintas das anteriores, e um mesmo aluno não pode ser sorteado mais de uma vez. Se a resposta do aluno estiver correta, ele é declarado vencedor e a brincadeira é encerrada. O diretor sabe que algum deles acertará a resposta porque há alunos a mais do que possíveis respostas distintas. Nesse caso, quantos alunos a mais haveria? (X) 10 alunos a mais do que respostas distintas. ( ) 20 alunos a mais do que respostas distintas. ( ) 119 alunos a mais do que respostas distintas ( )260 alunos a mais do que respostas distintas. ( )270 alunos a mais do que respostas distintas. Problema 2 – O Brasil foi escolhido para sediar a Copa do Mundo de Futebol em 2014. Uma das cidades em que aconteceram os jogos foi o Rio de Janeiro. O Maracanã, que em tupi-guarani significa “semelhante a um chocalho”, foi um dos estádios onde ocorreram jogos. Criado em 1950, tem o formato elíptico, medindo 317 metros em seu eixo maior e 279 metros no menor. O campo tem medidas oficiais de 110m x 75m. Qual a área do campo onde ocorreram as partidas? ( ) 1100m² ( ) 750m² ( ) 11000m² ( ) 75000m² (X) 8250m² Problema 3 – Muitas medidas podem ser tomadas visando à utilização racional de energia elétrica. Isso deve ser uma atitude diária de cidadania. Uma delas pode ser a redução do tempo no banho. Um chuveiro com potência de 4.800 W consome 4,8 KW por hora. Uma pessoa que toma dois banhos diariamente, de 10 minutos cada, consumirá, em sete dias, quantos KW? ( ) 0,8 ( ) 1,6 ( ) 5,6 (X) 11,2 ( ) 33,6 Problema 4 – Numa escola com 1 200 alunos foi realizada uma pesquisa sobre o conhecimento desses em duas línguas estrangeiras: inglês e espanhol. Nessa pesquisa se constatou que 600 alunos falam inglês, 500 falam espanhol e 300 não falam qualquer um desses idiomas. Escolhendo-se um aluno dessa escola ao acaso e sabendo-se que ele não fala inglês, qual a probabilidade de que esse aluno fale espanhol? (X) 1/2 ( ) 5/8 ( ) 1/4 ( ) 5/6 ( ) 5/14 Problema 5 – Com o objetivo de trabalhar com seus alunos o conceito de volume de sólidos, um professor fez o seguinte experimento: pegou uma caixa de polietileno, na forma de um cubo com 1 metro de lado, e colocou nela 600 litros de água. Em seguida, colocou, dentro da caixa com água, um sólido que ficou completamente submerso. Considerando que, ao colocar o sólido dentro da caixa, a altura do nível da água passou a ser 80 cm, qual o volume do sólido? (X) 0,2 m3 ( ) 0,48 m3 ( ) 4,8 m3 ( ) 20 m3 62 ( ) 48 m3 Problema 6 – Um casal chega no aeroporto internacional e precisa alugar um carro por um único dia. Consultadas duas agências no próprio aeroporto, verificou que a primeira agência cobra R$ 62,00 pela diária e R$ 1,40 por quilômetro rodado. A outra agência cobra R$ 80,00 pela diária e R$ 1,20 por quilômetro rodado. Nestas condições, abaixo de qual quilometragem as duas agências cobrariam um valor igual? ( ) A primeira agência oferece melhor negócio, independentemente da quilometragem rodada. ( ) A primeira agência cobra menos somente até 80km rodados. ( ) A segunda agência é melhor acima de 100km rodados. ( ) A segunda agência é melhor, se rodados no máximo 120km. (X) Existe uma quilometragem inferior a 100, na qual as duas agências cobram o mesmo valor. Problema 7 – Uma pessoa possui um espaço retangular de lados 11,5 m e 14 m no quintal de sua casa e pretende fazer um pomar doméstico de maçãs. Ao pesquisar sobre o plantio dessa fruta, descobriu que as mudas de maçã devem ser plantadas em covas com uma única muda e com espaçamento mínimo de 3 metros entre elas e as laterais do terreno. Ela sabe que conseguirá plantar um número maior de mudas em seu pomar se dispuser as covas em filas alinhadas paralelamente ao lado de maior extensão. Qual o número máximo de mudas que essa pessoa poderá plantar no espaço disponível? ( ) 4. ( ) 8. (X) 9. ( ) 12. ( ) 20. 4.1.3 Sobre os Instrumentos 3 e 4 – Competência Leitora e Desempenho em RP (Questões Discursivas) Avaliar desempenho de alguém em alguma tarefa pode ser algo complexo. Muitas atividades realizadas em sala de aula, propostas ou não pelo livro didático, são do tipo objetivas, tais como os instrumentos 1 e 2. Esse tipo de atividade pode possibilitar uma visão parcial dos resultados, já que não expõe o caminho utilizado pelo resolvedor para se chegar àquele resultado. Dessa forma, julguei importante obter dos sujeitos informações sobre o processo de raciocínio para a busca da solução e, portanto, se constituindo em um instrumento de cunho qualitativo. Por se tratar de análise qualitativa, houve necessidade de redução de sujeitos. Por isso, para os instrumentos 3 e 4, selecionei seis turmas entre as onze participantes do primeiro e segundo tempos da investigação. Para equilibrar a escolha, foram eleitas duas turmas em cada turno, mantendo, assim, proporcionalidade com a quantidade de sujeitos que participaram da aplicação dos instrumentos 1 e 2. Foram usados, na composição do instrumento 3, dois problemas diferentes (retirados do instrumento 1). Os problemas foram selecionados pelos professores das turmas (um professor de cada turno), parecia haver interesse por parte deles em vivenciar a experiência com dois 63 problemas diferentes, já que isso poderia dar origem a boas discussões sobre o conteúdo. Os professores também escolheram as turmas que participariam da experiência. Das seis turmas que participaram dessa fase da investigação, três resolveram o modelo I (de Probabilidade), as outras três resolveram o modelo II (de encontrar a área). Os problemas foram primeiramente oferecidos sem qualquer direcionamento de Pólya e, após, 20 minutos, foram novamente oferecidos, mas, agora com um roteiro que auxiliasse o estudante a resolvê-lo a partir das premissas de Pólya, se constituindo, assim, no instrumento 4. Esse problema foi aplicado a três turmas (uma de cada turno) das seis que constituíram o estudo qualitativo. Assim sendo, os instrumentos 3 e 4 foram construídos a partir dos dois primeiros problemas dos instrumentos 1 e 2, contudo, os participantes não responderiam objetivamente dessa vez. Cada um dos dois problemas foi aplicado em três turmas escolhidas pelos professores (uma em cada turno). O esquema a seguir resume a aplicação desses instrumentos. Quadro 3 - Distribuição dos problemas do instrumento 3 e 4. Fonte: Própria. O aluno deveria resolver o problema matemático e deixar o registro dos cálculos realizados. Foram dados alguns minutos para que o teste fosse recolhido. A maioria dos alunos pareceu se empenhar para concluir o teste. Embora houvesse um método considerado, pelos professores de Matemática, ideal para a resolução de cada um dos problemas, essa experiência mostrou, que em alguns casos, é possível chegar à solução por caminhos diferentes. Os modelos I e II, que seguem abaixo, trazem os dois problemas empregados no instrumento 3 (que serão empregados também no instrumento 4): 64 Nome: Modelo I Instrumento 3: verificação do desempenho na resolução de problemas de Matemática. Turma: Problema 1 (Probabilidade) - O diretor de uma escola convidou os 280 alunos de terceiro ano para uma brincadeira. Suponha que existam 5 objetos e 6 personagens numa casa de 9 cômodos; um dos personagens esconde um dos objetos em um dos cômodos da casa. O objetivo da brincadeira é adivinhar qual objeto foi escondido, por qual personagem e em qual cômodo da casa o objeto foi escondido. Todos os alunos decidiram participar. A cada vez, um aluno é sorteado e dá a sua resposta. As respostas devem ser sempre distintas das anteriores, e um mesmo aluno não pode ser sorteado mais de uma vez. Se a resposta do aluno estiver correta, ele é declarado vencedor e a brincadeira é encerrada. O diretor sabe que algum deles acertará a resposta porque há alunos a mais do que possíveis respostas distintas. Nesse caso, quantos alunos a mais haveria? Nome: Modelo II Instrumento 3: verificação do desempenho na resolução de problemas de Matemática. Turma: Problema 2 (Encontrar a área) – O Brasil foi escolhido para sediar a Copa do Mundo de Futebol em 2014, e uma das cidades que aconteceram os jogos foi o Rio de Janeiro. O Maracanã, que em tupi-guarani significa “semelhante a um chocalho”, foi um dos estádios onde ocorreram jogos. Criado em 1950, tem o formato elíptico medindo 317 metros em seu eixo maior e 279 metros no menor. O campo tem medidas oficiais de 110m x 75m. Qual a área do campo onde ocorreram as partidas? Vale destacar que no instrumento 4 foi avaliada a competência leitora em nível qualitativo e à luz do método de questionar proposto por Pólya para condução do resolvedor no processo de resolução do problema matemático, que consistiu em dez questões discursivas. Essas questões foram elaboradas de forma a estimular gradativamente à reflexão de aspectos textuais relevantes e que ajudarão a construir uma estratégia de resolução. A minha expectativa era de que essa reflexão permitisse aos sujeitos uma visão mais clara da situação proposta no problema e lhes possibilitasse organizar os conhecimentos empregados para resolvê-la, bem como cada ação a ser tomada. Coube aos sujeitos responder à série de questões fazendo uso da linguagem materna na forma escrita e, quando necessário, de símbolos matemáticos para a estruturação dos cálculos. Esse teste foi aplicado imediatamente após a aplicação do instrumento 3, a intenção era que ficasse evidente a diferença entre resolver um problema de Matemática sem qualquer interferência externa e resolver o mesmo problema a partir do método de Pólya. Como a aula tem apenas 55 minutos, foi calculado um tempo para aplicação de ambos os testes, de forma que restassem ainda alguns minutos para que o professor pudesse iniciar uma discussão sobre o problema no final do processo. 65 O roteiro do instrumento 4 foi idealizado da seguinte maneira: as primeiras perguntas foram mais genéricas (aplicáveis a qualquer tipo de problema) e seguiram as propostas de Pólya: qual o objetivo, dados que seriam utilizados no processo de resolução, condicionante, etc. Posteriormente, foram apresentadas perguntas mais restritas àquela situação, conforme aconselhado por Pólya (1994, p.14). Nas palavras desse autor, “O método de questionar do professor consiste nisto: começar por indagação ou sugestão genérica de nossa lista e, se necessário, descer gradualmente para outras mais específicas, até chegar a que provoque a resposta na mente do estudante”. Segue abaixo, o modelo de questões utilizado com base nas propostas de Pólya. Modelo I Instrumento 4: verificação da competência leitora e do desempenho na resolução de problemas de Matemática com enunciados verbais à luz dos preceitos de Pólya. Nome: Turma: Problema 1 - O diretor de uma escola convidou os 280 alunos de terceiro ano para uma brincadeira. Suponha que existam 5 objetos e 6 personagens numa casa de 9 cômodos; um dos personagens esconde um dos objetos em um dos cômodos da casa. O objetivo da brincadeira é adivinhar qual objeto foi escondido, por qual personagem e em qual cômodo da casa o objeto foi escondido. Todos os alunos decidiram participar. A cada vez, um aluno é sorteado e dá a sua resposta. As respostas devem ser sempre distintas das anteriores, e um mesmo aluno não pode ser sorteado mais de uma vez. Se a resposta do aluno estiver correta, ele é declarado vencedor e a brincadeira é encerrada. O diretor sabe que algum deles acertará a resposta porque há alunos a mais do que possíveis respostas distintas. Nesse caso, quantos alunos a mais haveria? Roteiro semiestruturado de questionamentos Obs.: As perguntas abaixo compõem o roteiro de questionamento elaborado com base nas teorias de George Pólya, logo abaixo, entre parênteses, seguem as respostas esperadas, considerando que podem surgir outras versões que apresentem o mesmo raciocínio que serão consideradas. Em negrito, explico a intencionalidade de cada questão. 1) O que o problema propõe conhecer? (Quantos alunos há além da quantidade de respostas diferentes). Essa pergunta deve ser feita no início de toda a discussão para que o resolvedor não perca de vista o foco do problema. Ele precisa reconhecer o que o problema quer como resposta. 2) O que o diretor propôs aos alunos? (Uma brincadeira). Essa pergunta visa promover a construção do contexto do problema para a percepção do que seja um dado. Esse encaminhamento auxilia o aluno a construir uma estrutura cognitiva para o contexto do problema. 3) Qual brincadeira foi proposta pelo diretor? (Os alunos devem descobrir qual objeto foi escondido, em qual lugar e por quem). Essa pergunta visa promover a construção do contexto do problema para a percepção do que seja um dado. Os dados do problema serão importantes para a elaboração de uma estratégia de resolução, que é a etapa posterior do método de Pólya. 4) Qual o objetivo da brincadeira? 66 (Descobrir qual objeto foi escondido, em qual lugar e por quem). Conhecer o objetivo da brincadeira envolve realçar os elementos envolvidos para a solução, quais sejam: 5 objetos, 6 personagens e 9 cômodos. Não basta conhecer os elementos, é útil que o aluno perceba a necessidade de que a resposta correta é composta pelo acerto dos 3 elementos juntos e não apenas de um ou dois isoladamente. Esse realce implica em provocar a percepção pelo aluno da ideia de cruzamento das possibilidades de resposta, o que o direciona para a elaboração de uma estratégia, por exemplo, objeto1 + personagem1 + cômodo1, objeto1 + personagem1 + cômodo2, etc. 5) De novo, o que o problema quer saber? (Quantos alunos há além da quantidade de respostas diferentes). Em meio à resolução, o professor deve sempre relembrar o foco do problema, ou seja, o que se deseja responder. Essa providência ajuda o aluno a não perder o foco do que se quer. Chamar a atenção do aluno sobre o fato de a resposta alcançada na pergunta anterior ainda não ser a resposta do problema. Muitos alunos interrompem o curso de resolução por terem obtido algum resultado numérico. 6) Um aluno pode repetir a resposta dada por outro aluno que já tenha respondido? (Não). Essa pergunta visa a garantir a compreensão do aluno quanto à quantidade máxima de respostas diferentes, ou seja, não se podem admitir respostas iguais, o que impactaria na resposta correta. 7) Em que parte do texto você se baseou para essa resposta? (Nas linhas 6 e 7: “As respostas devem ser sempre distintas das anteriores, e um mesmo aluno não pode ser sorteado mais de uma vez.”) Essa pergunta visa manter a atenção do aluno sobre os aspectos explícitos no texto. 8) Quantas respostas distintas são possíveis? (5 x 6 x 9 = 270 possibilidades). Essa pergunta provoca o aluno a criar uma estratégia de contagem: (O1,P1,C1; O1,P1,C2; ...; O2,P1,C1; O2,P2,C1; ... O5,P6,C9). É possível que ele tente enumerar cada resposta possível, o que não é ruim, pois esse é o princípio da contagem e, cognitivamente, ele tenta se organizar, mas é preciso levá-lo a perceber uma regularidade e generalidade para encontrar a resposta. É indicado que o professor exemplifique com números menores para que ele compreenda a solução com quantidades maiores e até infinitas. 9) Quantos alunos participaram da brincadeira? (280 alunos.) Resgata uma informação dada no início da leitura e que, agora, integrará a resposta. Leva o sujeito a comparar esse dado numérico com o dado encontrado na pergunta anterior, o que ajuda a construir o raciocínio para encontrar a resposta do problema. 10) Quantos alunos há a mais sobre a quantidade máxima de possibilidades de respostas distintas? (280 alunos -270 possibilidades de resposta= 10 alunos a menos). Essa pergunta chama a atenção do aluno sobre a diferença que deve ser realizada entre a quantidade de alunos e a quantidade de respostas possíveis, que é a solução do problema. Obs.: Após a aplicação do instrumento, é útil que o professor repasse todos os passos do problema, em síntese. Essa medida visa dar organização mental aos alunos e a desenvolver o hábito de seleção de aspectos textuais importantes para os próximos passos da resolução do problema: planejamento, execução e looking back. Modelo II Instrumento 4: verificação da competência leitora e do desempenho na resolução de problemas de Matemática com enunciados verbais à luz dos preceitos de Pólya. Nome: Turma: Problema 2 - O Brasil foi escolhido para sediar a Copa do Mundo de Futebol em 2014, e uma das cidades que aconteceram os jogos é o Rio de Janeiro. O Maracanã, que em tupi-guarani significa “semelhante a um chocalho”, é um dos estádios onde ocorreram os jogos. Criado em 1950, tem o formato elíptico medindo 317 metros em seu eixo maior e 279 metros no menor. O campo tem medidas oficiais de 110m x 75m. Qual a área do campo onde ocorreram as partidas? 67 Roteiro semiestruturado de questões 1)O que o problema propõe conhecer? (Qual a área do campo de futebol). Essa pergunta deve ser feita no início de toda a discussão para que o resolvedor não perca de vista o foco do problema. Ele precisa reconhecer o que o problema quer como resposta. 2) Que dados foram fornecidos pelo problema? (Medidas do eixo maior e menor: 317 metros por 279 metros e medidas oficiais do campo: 110m x 75m). Percepção de dados numéricos. 3) Quais desses dados serão usados na resolução? (As medidas oficiais do campo). O aluno deve extrair do problema apenas as informações relevantes para a solução. Dizer será usada a informação de que o estádio tem dimensões elípticas de 317 metros por 279 metros demonstra desatenção sobre o que realmente o problema pede. 4) Desenhe o que você imagina ser um formato elíptico. Mostra a compreensão que o sujeito teve do que leu no enunciado, verificando se o sujeito tem conhecimento matemático (formas geométricas) ou se ele consegue resgatar da memória a imagem mental que tem do estádio do Maracanã (conhecimento do mundo) e associá-la ao que diz o enunciado. 5)Será preciso calcular a área da elipse? (Não). Essa questão mostra que o sujeito percebe que há informações no enunciado que ele pode compreender, mas que não serão necessárias para se chegar ao objetivo do problema, portanto, não serão selecionadas no processo de resolução. 6)Qual o objetivo do problema? (A área do campo de futebol). Em meio à resolução, o sujeito deve sempre relembrar o foco do problema. 7)O formato de um campo de futebol se assemelha a qual figura geométrica conhecida? (Sim. A um retângulo). Essa pergunta visa direcionar o aluno para aspectos da Matemática sobre o problema. 8) Como chegamos à área de um retângulo? (Base x altura). Pergunta direta de aspectos da Matemática que o auxiliarão a responder ao problema. 9)De novo, o que o problema quer saber? (A área do campo). Ajuda a relembrar o foco do problema, ou seja, o que se deseja responder. 10)Qual a área do campo de futebol do Maracanã? (110 x 75 = 8250m²). Pergunta do problema. É preciso que o resolvedor consiga manter o foco sobre o que deve buscar, as questões mais genéricas ajudariam a reforçar essa atitude. Por outro lado, as questões mais particulares relativas a cada problema permitiriam que os aspectos textuais e situacionais presentes no enunciado sejam aprofundados, ajudando a desenvolver a competência leitora do sujeito. 68 Ao final do roteiro, foram usadas perguntas que provocassem uma retomada do pensamento elaborado desde o início da resolução, o que Pólya recomenda e denomina de looking back. 4.2. SUJEITOS DA PESQUISA Participaram da pesquisa trezentos e cinco alunos do Ensino Médio e Técnico nas primeiras etapas da investigação (instrumentos 1 e 2), a maioria dos turnos da manhã e tarde, e alguns do turno da noite, todos da rede estadual de ensino, situada na cidade de Serra, Espírito Santo. Essa instituição atende a vários bairros da região e é vista pelos moradores como referência na educação pública. Esses sujeitos da manhã e da tarde apresentavam níveis intelectuais, comportamentais e culturais semelhantes. Os 44 participantes da noite possuíam idades variadas, alguns adolescentes, outros com idades girando em torno de 40 anos. Trabalhar especificamente com o Ensino Médio me pareceu vantajoso pelo fato de os alunos estarem sujeitos a algumas avaliações realizadas por organizações ligadas ao Ministério da Educação e por terem, pelo menos, onze anos de escolaridade, por isso, é esperado que eles já tenham sido expostos à maior parte dos conteúdos trabalhados em aulas de Matemática, o que me fez julgá-los capazes de responder aos instrumentos, o que foi confirmado no estudo piloto. 4.3 PROCEDIMENTOS A pesquisa foi organizada da seguinte forma: I – seleção dos sujeitos, época e instituição onde se realizou a aplicação dos instrumentos; II – apresentação da pesquisa ao corpo docente e pedagógico da escola e solicitação de autorizações; III – Elaboração e validação dos instrumentos da investigação por meio de um estudo piloto. IV – apresentação da pesquisa aos sujeitos, coleta do termo de livre consentimento e aplicação do instrumento 1; V – aplicação do instrumento 2; VI - aplicação dos instrumentos 3 e 4; 69 VII – correção dos problemas, análise quantitativa e qualitativa dos dados da investigação. 4.4 O ESTUDO PILOTO O estudo piloto permitiu ajustes necessários aos instrumentos e foi levado a cabo com estudantes diferentes dos que integraram a amostra efetiva de participantes da pesquisa, mas os participantes deste experimento eram também alunos do terceiro ano na mesma escola escolhida para a investigação. Essa turma contou com 26 alunos. O piloto foi realizado em duas etapas: a primeira testou os instrumentos 1 e 2, a segunda, os instrumentos 3 e 4. 4.4.1 Estudo Piloto - Instrumentos 1 e 2 – Competência Leitora e Desempenho em Resolução de Problemas Após autorização da direção, dos coordenadores e professores, uma aula me foi cedida para a aplicação do teste que validaria os primeiros instrumentos. Como são 55 minutos por aula, me apresentei aos alunos como pesquisadora e falei brevemente sobre os objetivos do projeto e expliquei que pretendia testar os efeitos do instrumento proposto para essa pesquisa na prática, o que me possibilitaria realizar algumas correções ou melhorias que se fizessem necessárias na estrutura textual desse instrumento antes da investigação. Em seguida, falei sobre a estrutura do instrumento 1 e expliquei que minha intenção seria a verificação da competência leitora. Segue o instrumento 1 utilizado no experimento piloto. Nesse caso, a proposta seria que os sujeitos lessem cada questão de Matemática e analisassem as afirmativas referentes a essas questões. (O instrumento 2 consistia nas mesmas questões, mas oferecia, no lugar das afirmativas, alternativas de respostas matemáticas para o problema). Instrumento para verificação da competência leitora em problemas de Matemática com enunciados verbais (Experimento Piloto) Nome: Turma: Leia o enunciado abaixo e, em seguida, analise as afirmações sobre o texto. Avalie se a afirmação é falsa (F), verdadeira (V), ou se as informações do texto são insuficientes (I) para afirmar. Questão 1 O diretor de uma escola convidou os 280 alunos de terceiro ano para participarem de uma brincadeira. Suponha que existam 5 objetos e 6 personagens numa casa de 9 cômodos; um dos personagens esconde um dos objetos em um dos cômodos da casa. O objetivo da brincadeira é adivinhar qual objeto foi escondido, por qual personagem e em qual cômodo da casa o objeto foi escondido. Todos os alunos decidiram participar. A cada vez, um aluno é sorteado e dá a sua resposta. As respostas devem ser sempre distintas das anteriores e um mesmo aluno não pode ser sorteado mais de uma vez. Se a resposta do aluno estiver correta, ele é declarado vencedor e a brincadeira é encerrada. O diretor sabe que algum deles acertará a resposta, já que existem mais alunos do que possibilidades de respostas. Quantos alunos a mais haveria? 70 ( ( ( ( ( ) Na brincadeira, para cada cômodo da casa, haverá um objeto escondido. ) Cada aluno terá direito a dar apenas uma resposta que deverá ser diferente das anteriores. ) O número de alunos equivale ao número de respostas distintas. ) Todos os seis personagens tiveram a chance de responder uma vez. ) O sorteio é realizado pelos próprios alunos. Questão 2 – “Os calendários usados pelos diferentes povos da Terra são muito variados. O calendário islâmico, por exemplo, é lunar e nele cada mês tem sincronia com a fase da lua. O calendário Maia segue o ciclo de Vênus, com cerca de 584 dias, e cada 5 ciclos de Vênus corresponde a 8 anos de 365 dias da Terra.” (MATSUURA, Oscar. Calendários e o fluxo do tempo. Scientific American Brasil. Disponível em: http://www.uol.com.br. Acesso em: 14 out. 2008) (adaptado). Baseado na informação acima, calcule quantos ciclos teria, em Vênus, um período terrestre de 48 anos. ( ) De acordo com o texto, todos os calendários citados seguem o ciclo terrestre. ( ) Cada ciclo de Mercúrio equivale a 730 dias da Terra. ( ) Um ciclo em Vênus corresponde a aproximadamente 584 dias, um ciclo terrestre, 365 dias. ( ) As fases da lua determinam as mudanças de ciclo em um dos calendários citados. ( ) De acordo com o texto, um ano para os Maias teria aproximadamente 584 dias. Questão 3 - Muitas medidas podem ser tomadas em nossas casas visando à utilização racional de energia elétrica. Isso deve ser uma atitude diária de cidadania. Uma delas pode ser a redução do tempo no banho. Um chuveiro com potência de 4.800 W consome 4,8 KW por hora. Uma pessoa que toma dois banhos diariamente, de 10 minutos cada, consumirá, em sete dias, quantos KW? ( ) De acordo com o texto é uma atitude diária de cidadania tomar banhos de, no máximo, dez minutos. ( ) É possível economizar energia tomando banhos menos demorados. ( ) No final de um mês essa pessoa deverá ter consumido 10,48 m³ de água. ( ) O texto afirma ser desnecessário tomar banhos duas vezes ao dia. ( ) Utilizar racionalmente os recursos disponíveis é uma medida de cidadania. Questão 4“A vacinação da gripe suína entre grávidas e jovens está abaixo da meta do Ministério da Saúde. “O ministro da Saúde, José Gomes Temporão, informou nesta sexta-feira que 47,5 milhões de pessoas foram imunizadas contra o vírus H1N1, o equivalente a 81% do público-alvo convocado até o momento para a campanha. Ainda assim, a vacinação entre jovens de 20 a 29 anos e mulheres grávidas está abaixo da média de 80% estabelecida pelo ministério. Em entrevista para divulgar um balanço da campanha, Temporão disse que 63% das gestantes tomaram a vacina e, entre os jovens, a porcentagem fica em 70%, também abaixo da meta”. (O Globo, 07/05/2010. Disponível em: http://oglobo.globo.com/pais/mat/2010/05/07/vacinacao-da-gripe-suina-entregravidasjovens-esta-abaixo-da-meta-do-ministerio-da-saude-916527031.asp. Acesso em: 10 maio, 2010) Considerando as informações contidas na reportagem, qual o número de pessoas, ainda não imunizadas contra o vírus H1N1, de acordo com a meta do governo? ( ) O ministro da saúde afirmou que mais de 70% das pessoas, que foram convocadas até a campanha de controle da gripe suína, foram imunizadas. ( ) O ministério da saúde atingiu, nessa campanha, a meta de 80% de gestantes e jovens entre 20 e 29 anos imunizados contra o vírus H1N1. ( ) O Sr. José Gomes Temporão alertou, durante entrevista realizada na sexta-feira, sobre todos os perigos que o vírus H1N1 pode acarretar para mulheres grávidas. ( ) A vacina da campanha promovida pelo Ministério da Saúde combate a gripe comum e o vírus influenza A (H1N1). ( ) O objetivo é descobrir o número de pessoas que ainda não foi imunizada contra o vírus HPV. Questão 5O Brasil foi escolhido para sediar a Copa do Mundo de Futebol em 2014, e uma das cidades em que aconteceram os jogos foi o Rio de Janeiro. O Maracanã, que em tupi-guarani significa “semelhante a um chocalho”, foi um dos estádios onde ocorreu alguns jogos. Criado em 1950, tem o formato elíptico medindo 317 metros em seu eixo maior e 279 metros no menor. O campo tem medidas oficiais de 110m x 75m. Qual a área oficial do campo onde ocorreram as partidas no Maracanã? ( ) O problema pede que seja encontrada a quantidade de espaço que existe dentro do estádio. ( ) O texto não afirma onde o Maracanã foi construído. ( ) O formato elíptico do estádio sofreu modificações em suas medidas a pedido da FIFA antes que os jogos começassem. 71 ( ) O nome Maracanã vem do tupi-guarani, significa “semelhante a um chocalho”, porque, no local de sua construção, havia aves que produziam sons parecidos com um chocalho. ( ) O estádio do Maracanã abriu os jogos da copa de 2014. Questão 6Numa escola com 1 200 alunos foi realizada uma pesquisa sobre o conhecimento desses em duas línguas estrangeiras, inglês e espanhol. Nessa pesquisa constatou-se que 600 alunos falam inglês, 500 falam espanhol e 300 não falam qualquer um desses idiomas. Escolhendo-se um aluno dessa escola ao acaso e sabendo-se que ele não fala inglês, qual a probabilidade de que esse aluno fale espanhol? ( ) O problema busca saber o número de alunos que falam duas línguas estrangeiras. ( ) Há alunos na escola falando mais de uma língua estrangeira. ( ) O problema propõe que se escolha, entre os alunos, um aluno que fale espanhol. ( ) Dos alunos que falam línguas estrangeiras, apenas 100 têm fluência nos dois idiomas. ( ) Seiscentos alunos não falam inglês. Questão 7Um executivo sempre viaja entre as cidades A e B, que estão localizadas em fusos horários distintos. O tempo de duração da viagem de avião entre as duas cidades é de 6 horas. Ele sempre pega um voo que sai de A às 15h e chega à cidade B às 18h (respectivos horários locais). Certo dia, ao chegar à cidade B, soube que precisava estar de volta à cidade A, no máximo, até às 13h do dia seguinte (horário local de A). Para que o executivo chegue à cidade A no horário correto e admitindo que não haja atrasos, ele deve pegar um voo saindo da cidade B, em horário local de B, no máximo a que horas? ( ) Quando o executivo decola da cidade A às 15 hs., a hora local na cidade B é de 18 hs. ( ) O vôo da cidade A para a cidade B leva aproximadamente três horas. ( ) O fuso horário da cidade na qual o executivo decola às 15 hs. é análogo ao da sua cidade de destino. ( ) O executivo teve que retornar à cidade A para uma reunião que teria início às 13 hs. ( ) O problema quer saber que horas o executivo deverá sair da cidade A para chegar às 13 hs do dia seguinte no seu destino. Questão 8 Com o objetivo de trabalhar com seus alunos o conceito de volume de sólidos, um professor fez o seguinte experimento: pegou uma caixa de polietileno, na forma de um cubo com 1 metro de lado, e colocou nela 600 litros de água. Em seguida, colocou, dentro da caixa com água, um sólido que ficou completamente submerso. Considerando que, ao colocar o sólido dentro da caixa, a altura do nível da água passou a ser 80 cm, qual era o volume do sólido? ( ) Ao depositar o sólido dentro da caixa o volume da caixa aumentou em 80 cm. ( ) O cubo inserido na caixa de polietileno afundou elevando o volume da água. ( ) O sólido geométrico ao qual foi acrescentado água é um cubo. ( ) Antes de começar a experiência, o professor encheu completamente a caixa de polietileno com água. ( ) O sólido inserido na caixa de polietileno afundou por ser constituído por um material pesado. Questão 9Um casal chega no aeroporto internacional e precisa alugar um carro por um único dia. Após serem consultadas duas agências no próprio aeroporto, verificaram que a primeira agência cobraria R$ 62,00 pela diária e R$ 1,40 por quilômetro rodado. A outra agência cobra R$ 80,00 pela diária e R$ 1,20 por quilômetro rodado. Nestas condições, abaixo de qual quilometragem as duas agências cobrariam um valor igual? ( ) A agência que cobra a diária mais cara é bem mais afastada do aeroporto que a outra agência. ( ) O valor do aluguel dos carros por um dia na primeira agência é maior que na segunda. ( ) Um aumento do número de quilômetros rodados automaticamente afetará o valor cobrado pela agência. ( ) O casal não pretende permanecer na cidade. ( ) Se o casal puder calcular o número de quilômetros que deverão rodar nessa cidade, poderão chegar a uma conclusão sobre qual empresa forneceria o serviço mais barato. Questão 10 Um show especial de Natal teve 45.000 ingressos vendidos. Esse evento ocorrerá em um estádio de futebol que disponibilizará 5 portões de entrada, com 4 catracas eletrônicas por portão. Em cada uma dessas catracas, passará uma única pessoa a cada 2 segundos. O público foi igualmente dividido pela quantidade de portões e catracas, indicados no ingresso para o show, para a efetiva entrada no estádio. Suponha que todos aqueles que compraram ingressos irão ao show e que todos passarão pelos portões e catracas eletrônicas indicados. Qual é o tempo mínimo para que todos passem pelas catracas? ( ) Cada portão conta com apenas uma catraca eletrônica pela qual passará uma pessoa a cada dois segundos. ( ) 45.000 pessoas devem entrar no estádio para assistir a um espetáculo natalino. 72 ( ) O estádio tem a capacidade para acomodar mais de 45.000 pessoas. ( ) É impossível entrar mais de uma pessoa no estádio ao mesmo tempo. ( ) Dividiu-se o número de pessoas que adquiriram os ingressos para a entrada no show de acordo com o número de portões e catracas. Questão 11 Uma pessoa compra, semanalmente, numa mesma loja, sempre a mesma quantidade de um produto que custa R$ 10,00 a unidade. Como já sabe quanto deve gastar, leva sempre R$ 6,00 a mais do que a quantia necessária para comprar tal quantidade, para o caso de eventuais despesas extras. Entretanto, um dia, ao chegar à loja, foi informada de que o preço daquele produto havia aumentado 20%. Devido a esse reajuste, concluiu que o dinheiro levado era a quantia exata para comprar duas unidades a menos em relação à quantidade habitualmente comprada. Qual era a quantia que essa pessoa levava semanalmente para fazer a compra? ( ) Um possível acréscimo no valor das unidades não havia sido previsto pelo comprador. ( ) O comprador tem por hábito levar sempre a quantia exata para pagar pela quantidade do produto que compra. ( ) O comprador levou dinheiro a mais, isso lhe permitiu comprar a quantidade habitual mesmo com o reajuste. ( ) O reajuste do produto costuma acontecer a cada dois anos. ( ) A quantia que o comprador levava usualmente é o que o problema põe em questão. Questão 12 Uma pessoa possui um espaço retangular de lados 11,5 m e 14 m no quintal de sua casa e pretende fazer um pomar doméstico de maçãs. Ao pesquisar sobre o plantio dessa fruta, descobriu que as mudas de maçã devem ser plantadas em covas com uma única muda e com espaçamento mínimo de 3 metros entre elas e as laterais do terreno. Ela sabe que conseguirá plantar um número maior de mudas em seu pomar se dispuser as covas em filas alinhadas paralelamente ao lado de maior extensão. Qual o número máximo de mudas que essa pessoa poderá plantar no espaço disponível? ( ) As mudas de maçã precisam de um pouco de espaço para se desenvolver. ( ) As laterais do terreno que será usado na construção do pomar têm medidas iguais. ( ) As mudas devem ser plantadas com, pelo menos, 60 cm de profundidade. ( ) As covas serão dispostas a três metros da lateral do terreno. ( ) É preciso descobrir o número máximo de mudas que podem ser plantadas em cada uma das covas. Para resolver o instrumento 1 do piloto, o leitor precisaria levar em conta que o fato de algo não ser informado no texto não significa que aquilo não possa ser verdadeiro. Para exemplificar junto à turma onde apliquei o experimento piloto, utilizei a última questão do instrumento. Nessa questão o leitor precisava calcular o número de mudas de macieiras que poderiam ser plantadas em um determinado terreno, dado seu tamanho. Pedi que, para essa questão, os alunos imaginassem, entre as afirmativas que seriam classificadas, uma que dissesse que uma macieira leva dois ou três anos para dar frutos. Alguns sujeitos não conseguiram perceber, mas o enunciado não coloca em momento algum essa informação. Talvez isso ocorra porque a leitura realizada por eles não foi suficiente para compreender o sentido global do texto, ou talvez tenha chamado a atenção o fato de que a afirmativa emprega também o termo “macieira”. Entretanto, a leitura do enunciado nem mesmo sugere essa ideia. 73 Mas a informação não estar presente no enunciado não significa que ela seja forçosamente inválida. Portanto, o leitor deveria afirmar, nesse caso, que o texto do enunciado não ofereceria base para se realizar aquela afirmação, optando, assim, pela alternativa “insuficiente”. O leitor precisa considerar que existem vários aspectos relacionados ao assunto que está sendo discutido no texto que talvez não seja do conhecimento dele, mas nem por isso podem ser descartados como verdadeiros. O que retoma as proposições de Bakhtin a respeito da leitura: o entendimento do texto não está preso às palavras escritas, ele passa pela visão de mundo do leitor. Mediante a explicação do que seria feito, os alunos deram início à leitura das questões, mas antes disso, procurei deixar claro que seria útil se eles pudessem expor qualquer tipo de embaraço que surgisse com a leitura, que é exatamente o objetivo desse estudo piloto. Desde o início da aplicação percebi que, como em qualquer outra atividade em sala de aula, alguns alunos se mostraram menos interessados que outros na pesquisa, embora muitos tenham se empenhado bastante, até chegaram a pedir que eu retornasse com os testes corrigidos para discutirmos sobre os resultados. Mas percebi também, na aplicação desses dois primeiros instrumentos, que mesmo que alguns alunos se empenhassem, o tempo destinado à aplicação do instrumento foi curto para que o aluno lesse e analisasse as alternativas dos doze problemas. Isso pode ter sido uma das causas da falta de motivação dos alunos. 4.4.2 Estudo Piloto - Instrumentos 3 e 4 – Método de Pólya Considerando os problemas encontrados com a aplicação do primeiro experimento piloto, imaginei ser necessária também a realização de um segundo experimento que testasse a leitura e resolução de problemas à luz das teorias defendidas por Pólya. Selecionado um problema de Matemática sobre equação do 2º grau, para o experimento piloto foram construídas, a partir do enunciado, dezenove questões, baseadas no método de Pólya, que poderiam ajudar no entendimento do problema e na organização e construção de um caminho de resolução. Segue o problema utilizado no experimento piloto que testaria os instrumentos 3 e 4. 74 Verificação da competência leitora e condução da resolução de problemas de Matemática à luz das teorias de George Pólya (Experimento Piloto) Nome: Turma: Um grupo de nobres romanos resolveu premiar o mais valente gladiador de Roma com 720 moedas de ouro. Cada um deles contribuiria exatamente com o mesmo número de moedas. Porém, Cícero disse que seus dois filhos mais velhos entrariam na divisão. Augusto também se manifestou dizendo que todos os seus filhos iriam participar. Para saber quantos eram os filhos de Augusto, bastava descobrir o número que, somado a seis, é o quíntuplo de sua raiz quadrada. Mas prestem muita atenção, que eles podem ser contados com os dedos de uma única mão. E por isso cada nobre contribui com 6 moedas de ouro a menos que a quantidade original. Digam-me doutores matemáticos, quantos eram os nobres romanos, sem contar os seus filhos? (Extraído de “Contando Histórias da Matemática: história da equação do 2º grau”, de Oscar Guelli, São Paulo, Ática, 1996, p.51.) Roteiro semiestruturado de questionamentos: 1.O que queremos saber? 2.Quais são os dados do problema? 3.A palavra “deles” na linha 1 está se referindo a quem? 4. Quem é Cícero (linha 2)? 5.E quem é Augusto (linha 3)? 6. Precisamos conhecer a quantidade de filhos de Augusto? Por quê? 7.Que expressão matemática informa o número de filhos de Augusto? 8. Quantos filhos tinha Augusto? 9. Por que o texto disse que a quantidade de filhos de Augusto pode ser contada com os dedos de uma única mão? 10. De novo, o que queremos saber? 11. Se os filhos não entrassem na divisão, como saberíamos quantas moedas cada nobre iria dar? 12. Mas agora temos os filhos que também entrarão na divisão das moedas. Quantos filhos são ao todo? 13. Agora contando com os filhos, como saberíamos quantas moedas cada um iria dar? 14. O que aconteceu com a quantidade de moedas que cada nobre iria dar quando entraram os filhos? 15. Como escrevemos matematicamente a quantidade de moedas que cada nobre iria dar menos a quantidade de moedas que os filhos iriam dar? 16. Como escrevemos matematicamente a quantidade de moedas que cada um iria contribuir, contando com os filhos? 17. Que expressão matemática informaria a quantidade de nobres? 18.Qual a quantidade de nobres? 19. Se o texto omitisse a informação sublinhada nas linhas 6 e 7, o que poderia acontecer com sua resposta ao problema? Assim sendo, retornei à escola para requerer autorização para mais um momento com a turma escolhida para esse experimento piloto. Em conversa com o professor da turma, pedi que ele analisasse o problema e me comunicasse sua visão em relação ao roteiro. Como a experiência nesse momento envolveria discussões sobre conceitos ligados à Matemática, achei que seria 75 útil a presença do professor no processo, pois ele conhecia as formas pelas quais esses conteúdos foram abordados em sala de aula. Ao analisar o problema, o professor advertiu-me de que os alunos poderiam não conseguir resolvê-lo, pois considerou seu nível complexo para a turma em questão. O problema exigia, para atender a um objetivo, que o resolvedor realizasse alguns cálculos para obter dados do problema. Os dados não estavam explícitos, portanto, a resolução estaria dividida em etapas. Segundo o professor, era provável que boa parte dos alunos não conseguisse ultrapassar a primeira etapa. Ele me sugeriu, então, que aplicasse a atividade em duplas, pois a interação entre os sujeitos facilitaria o raciocínio e daria origem a discussões férteis para o que me proponho a pesquisar. O experimento que testava os instrumentos 3 e 4 foi então, realizado em duplas. O problema, que apresentava dezenove questões no seu roteiro, continha seis questões iniciais que eram as questões que Pólya denominou genéricas, exigiam a compreensão dos elementos básicos. A partir da sétima questão já eram questões mais específicas e seria necessário exercitar o pensamento matemático. A questão 7 solicitava a transposição da linguagem materna para a linguagem matemática, ou seja, que o sujeito analisasse o problema e o transcrevesse sob forma de expressão numérica. Segue abaixo o relato do experimento e a transcrição de falas de parte da aula na qual foi aplicado o piloto que testava os instrumentos 3 e 4. Inicialmente, houve a aplicação de um problema de equação do 2º grau, o qual os alunos resolveriam sem qualquer direcionamento. Ao final, foram recolhidos os testes e esse problema foi reaplicado a partir do método de Pólya para condução do processo de resolução de problemas de Matemática com enunciado verbal, a fim de observar diferenças de um método para outro. Relato do experimento piloto com o Método de Pólya As primeiras perguntas (de 1 a 6) tencionavam avaliar a leitura. Seguiam as orientações de Pólya para elaboração de questões, ou seja, fazer primeiro perguntas mais genéricas, como: Qual o objetivo? Dados? Condicionante? Entre outras. Em seguida, outras específicas e à medida que o questionário chegava ao fim, o raciocínio do resolvedor seria guiado para a realização de ações necessárias no caminho da resolução. Alguns alunos apresentaram um pouco de dificuldade. Uma das perguntas, que retomava o trecho “Um grupo de nobres romanos resolveu premiar o mais valente gladiador (...). Cada um deles contribuiria exatamente com o mesmo número de moedas.”, pedia o referente para o pronome “deles” Apesar de parecer simples, alguns não conseguiram responder essa pergunta, talvez por falta de atenção ou problemas em leitura. 76 A partir da questão 7, as perguntas já eram voltadas para o conhecimento matemático. Como já me havia prevenido o professor da turma, alguns alunos não conseguiram respondê-las. A questão 7 pedia a transposição das informações que lhe foram passadas verbalmente para a linguagem matemática, por meio de expressões numéricas. Buscava-se o número de filhos de um dos nobres que se juntariam ao grupo para dividir as tais moedas que seriam oferecidas ao valente gladiador. No enunciado havia a informação de que o número de filhos de Augusto somado a seis equivaleria “ao quíntuplo de sua raiz quadrada”. Considerando as respostas, realmente essa questão pode ter exigido mais reflexão. Agrupando-se a turma por estratégias escolhidas para responder a essa questão, a sala ficou dividida em cinco grupos: GRUPO 1 - Por tentativas, montaram a expressão, empregando X como incógnita, mas sem realizar o cálculo. GRUPO 2 – Não montaram a expressão. Encontraram a solução por meio da lógica. GRUPO 3 – Montaram expressão e apontaram o resultado, não apresentando o processo de resolução por escrito. GRUPO 4 - Não houve montagem da expressão, explicaram como se resolveria por meio da linguagem verbal. GRUPO 5 - Não conseguiram achar a expressão, mas usaram um caminho diferente para resolver a questão. Aproximadamente cinco sujeitos afirmaram que não se lembravam o que significava a expressão “quíntuplo”, alguns pareciam na verdade estar confundindo o seu significado, acreditando que o quíntuplo seria resultado de uma divisão e não de multiplicação. Isso pareceu ser o principal problema apontado por aqueles que não conseguiam montar a expressão. Relataram também não encontrar o elemento referente ao pronome “sua” em “sua raiz quadrada”. Considerando que esse elemento era uma incógnita (a raiz quadrada de X), possivelmente foi difícil para os sujeitos identificarem-no como referente, chegando ao resultado: X (número de filhos) mais seis que seria igual a cinco vezes a raiz quadrada desse mesmo número, ou (X+6 = 5√ X). O problema com a identificação de referentes em pronomes utilizados no enunciado já havia sido percebido nas respostas da terceira questão sobre o pronome “deles” e acredito que, nesse caso, não se trata exatamente de insuficiência em relação ao conteúdo matemático, mas de problemas com a leitura e associação de conectivos empregados com seus respectivos referentes. O segundo grupo, por inferência, chegou à conclusão de que o número deveria ser 4, já que entre 1 e 5 (possibilidades baseadas na dica sobre os números dos dedos de uma única mão de uma pessoa), seria um número que apresentaria possibilidade de se extrair raiz quadrada, além de atender a outra condição: o fato de que “todos os filhos” do nobre Augusto, conforme afirma o personagem no enunciado, seria um número no plural, descartando a ideia de se considerar o número 1 como possibilidade. Isso mostra que a informação (de que o número de filhos de Augusto poderiam ser contados com os dedos de uma única mão) teve grande importância, pois possibilitou uma das formas de resolução. Caso o aluno opte por resolver a expressão algébrica ele pode chegar a dois resultados sobre a idade dos filhos de Augusto: 4 e 9. 2x² + 12x + 36 = 25x 2x² - 13y + 36 = 0 x' = 4 ; x" = 9 Nesse caso, seria a informação dos dedos da mão que o ajudaria a decidir-se entre as duas soluções. Mas é possível que o sujeito pensasse a situação problema considerando desde o início essa dica. Como foi o caso do segundo grupo que calculou de forma direta, respondendo às perguntas seguintes mais facilmente. A questão 10 dirigida aos sujeitos retomava a primeira pergunta sugerida por Pólya: o que se pretende descobrir nesse problema? A pergunta se repete no roteiro para relembrar ao aluno o foco de seu problema. Alguns sujeitos, apesar de responderem corretamente na primeira vez que a pergunta aparece, erram na segunda. Provavelmente, perdem o foco ao investigar o número de filhos de Augusto. Então afirmam que o objetivo do problema seria o de encontrar o número de filhos de Augusto. Ora, o número de filhos de Augusto era apenas um dos dados necessários para que o número de nobres (objetivo do problema) fosse encontrado. 77 Outros não conseguiram, nem mesmo no início, identificar o objetivo a ser descoberto, apesar de estar bem destacado na última oração do enunciado. Alguns afirmaram que se pretendia saber o número de filhos dos nobres que participariam da divisão, outros, o número de moedas que caberia a cada um dos nobres, ou seja, a maioria das respostas desses sujeitos sugere leitura insuficiente e a seleção de elementos que eles imaginavam ser importantes, em especial os dados numéricos. Com a questão 11, esperava-se que o sujeito pudesse construir uma nova expressão usando incógnitas diferentes, a questão pedia o número de moedas que cada nobre daria caso os filhos não entrassem na divisão, alguns sujeitos assumiram que era impossível encontrar a resposta e não conseguiram pensar em montar a expressão. Isso pode sugerir dificuldades em pensar de forma abstrata sobre uma situação, acreditando que, se não se conhece uma determinada quantidade, não há como investigá-la. A partir da questão 15, eram pedidas expressões matemáticas que representassem a quantidade de moedas que cada nobre daria, com e sem os filhos e qual seria a quantidade de nobres. Essas perguntas construiriam a 2ª parte da expressão matemática. Mas muitos não conseguiram chegar até a essa etapa. Diálogo entre professor e alunos durante o debate realizado para correção das perguntas. (Os nomes dos alunos são fictícios e são usados para facilitar a transcrição da conversa, a sequência de pontinhos significa os momentos nos quais os alunos estão calados). Transcrição do debate Professor: - “O que queremos saber?” Como vocês responderam? Aline: - Quantos nobres... Professor: - Ele quer saber quanto cada um tem que pagar? Todos: -Não. Professor: - Isso! Ele quer saber quantos nobres... Quais os dados? Jéssica: - 720 moedas... Aline: -E os dois filhos que entram na divisao... Felipe: - Cada nobre pagaria partes iguais (Professor escreve no quadro as informações.) Professor: - Qual a informação matemática sobre os filhos de Augusto? Como escrevo essa expressão, mesmo? ............................................................ Professor: - Não sabemos? E nós devemos usar o quê? Usamos uma incógnita, letra ou símbolo, vamos usar X... (Professor começa a escrever a expressão no quadro: 5+ 6 = ? ) - E depois? Como faço? ............................................................ Professor: - Vamos ler a questão de novo... que número que somado a seis é o quíntuplo de sua raiz quadrada? O que é quíntuplo? Aline: - Cinco vezes. Professor: - E a raiz? “De sua raiz quadrada”... O que é esse “sua”? É a raiz quadrada de quê? Anderson: - Do número, não é? Aline: -É o X... Professor: - X? Não é a quantidade que ele está se referindo? A quantidade somada ao seis... Então esperem... são cinco vezes a raiz quadrada de X. Basta descobrir o número... Mas é isso que o problema tá pedindo? Aline – Não. Professor: - Que informação temos mais? 78 Anderson: - As moedas... as moedas foram divididas! Cada um deu o mesmo valor... Jéssica: - Partes iguais Professor: - Ah, isso é importante! - O professor anota no quadro: 720 N Professor: - O valor das moedas pelo número de nobres, podemos chamar de N, de nobres, ok? Para não confundir com o X. Que expressão representa o número de filhos? Alguns pensaram um pouco mais e arriscaram a partir dessa informação: a quantidade de filhos de Augusto não estava entre um e cinco? Os dedos de uma mão, vocês se lembram? Então... O X... O quíntuplo da raiz quadrada de X não é igual a X mais seis? Qual o número de um a cinco que tem raiz? Felipe e Aline: - Quatro! Professor: - Só o quatro? Felipe: - Tem o um, mas... Aline: - O um, sim! Mas a raiz quadrada de um é um... Professor: - Mas o um tem raiz. Aline:- É! (O professor incentiva o raciocínio, deixando que eles experimentem a alternativa inadequada para que eles possam entender porque devem descartá-la). Professor: Ok... 2, 3 e 5 eu descarto por que não tem raiz, podemos usar o um? Raiz quadrada de um é um, vezes cinco? (o quíntuplo). Todos: - Cinco. Professor: - E um mais seis é igual a cinco? Todos: - Não. Professor: - Então, só pode ser o quatro. Raiz de quatro? Todos: - Dois Professor: - Cinco vezes dois: dez e aqui? (O professor aponta o outro lado para que calculem 6+4). Todos: ........................................................................... Professor: - Como X é quatro, não é dois, então quatro mais seis, dez. O número de filhos, é... Todos: -Quatro Professor: - Sim, pensando de maneira aritmética. Agora, de maneira algébrica escrevemos a expressão xis mais seis é igual a cinco vezes a raiz de xis... Isso é uma equação de segundo grau... O professor vai avançando e chega à equação X² -13X+ 36=0, anotando-a no quadro. Professor: - Está aí: uma equação! O que faremos agora? Anderson: -Use o delta... Professor:- Isso! Mas nós temos outros mecanismos, lembram? Dois números que multiplicados darão 36? Marcos e Aline: - Seis vezes seis... Professor: - A soma dá 13? Anderson: - Tente dezoito vezes dois... Aline: - Não. Nove vezes quatro, a soma dá treze. (O professor disponibilizou caminhos diferentes para chegar ao objetivo, alguns alunos pareciam dominar essa estratégia, outros, mais calados, tentavam resolver do modo convencional, mas era notável que a turma estava envolvida na busca da resposta). Professor: - Sim, então X’= 9 e X”= 4 (escreve no quadro). E aí? Qual o número dos filhos de Augusto? 79 Marcos: - Quatro, mesmo! (Aponta a outra resolução que ainda estava escrita no quadro). Professor: - Sim e por que não pode ser nove? Se não tivéssemos feito aquele cálculo, daria para saber? Todos: -Não. Professor: - Qual a dica que está no enunciado, mesmo? Aline: - É mesmo! Os dedos da mão... Professor: - E sem essa informação? Daria pra saber? Vamos ver se confere? Vamos dizer que o X é nove, 9+ 6 =15 e 5 . 3 (raiz de nove)= 15. Anderson: - É, daria para ser nove. Professor: - Por isso essa informação é importante, se dissesse que só daria pra contar o número de filhos com dedos das duas mãos, aí você indicaria o nove. A dica é pra gente descartar uma das duas. Anderson: - A primeira forma, com certeza, é mais fácil professor. (Outros alunos concordam). Professor: - Não. Nem sempre... Pra você, pode ser, depende... Há quem prefira a equação. Muitas vezes achamos que em Matemática só há um caminho e isso não é verdade. (O professor continuou os cálculos junto com os alunos, chegando a outra equação N²+6N – 720 = 0, sendo N, o número de nobres, que é o objetivo do problema. Dessa vez, ele exemplifica uma situação na qual o pensamento algébrico caberia melhor). Professor: - Como resolver? Achando dois números que multiplicados dariam -720? Complicado, não? Vamos pelo delta? Aplicando as fórmulas o professor chega aos resultados: N’= -30 ; N" = 24. E explica que se o não pode ser negativo, a alternativa possível é o número 24. Resposta para o problema. O experimento deu origem a um debate final e uma aula produtiva. Durante a correção o professor retomou (de forma direta e indireta) a maioria das perguntas sugeridas por Pólya, o que originou uma discussão entusiástica por parte dos alunos. Acredito que o método fez o aluno refletir sobre a leitura e parece ter ajudado a aguçar o espírito investigativo e a vontade de encontrar a solução para esse problema. 4.4.3 Situações Observadas durante o Experimento Piloto (Problemas com o léxico). Tanto no experimento piloto que testava os instrumentos 3 e 4, quanto no que testava os instrumentos 1 e 2, as dúvidas para as quais os alunos mais chamavam a atenção eram relacionadas ao desconhecimento do significado de algumas palavras ou equívocos em relação a esse significado. Em alguns casos, isso pode ter se originado da insuficiência quanto ao hábito de leitura. Um número significativo (entre 6 e 7) de alunos desconheciam palavras utilizadas até com alguma frequência na elaboração de exercícios escolares comuns, palavras como: “usualmente”, “equivalente” ou “inserido”. 80 Em uma das questões dos instrumentos 1 e 2 onde se lia o trecho “O fuso horário (...) é análogo ao da sua cidade de destino”, quatro alunos afirmaram não saber o significado da palavra “análogo”. Acredito que a palavra “análogo” não é tão incomum, mas pode ser pouco utilizada na oralidade, assim, é mais fácil reconhecer seu significado a partir da escrita, que, possivelmente, não é tão praticada por esses alunos, talvez por isso, eles não a tenham identificado. Em outros casos, os alunos conheciam o significado da palavra, mas não conseguiam relacioná-la ao contexto. Dois alunos relataram não conhecer o significado de “sincronia” em um dos problemas do instrumento 1 e 2 que trazia a sentença: “O calendário islâmico (...) é lunar, nele cada mês tem sincronia com a fase da lua”. Talvez não estivesse no significado da palavra o real problema do aluno, a dificuldade pareceu estar ligada à estrutura semântica que discutia a contagem de dias por várias culturas, compondo um ciclo fechado. O texto compara esses registros cronológicos vistos por diferentes culturas com base nos ciclos sazonais dos planetas. Se o aluno não entender essas relações, mesmo compreendendo o significado isolado da palavra “sincronia”, ele não compreenderia sua aplicação no texto. O termo “elíptico” em uma das questões também causou dúvida, no entanto, nesse caso, a aluna parecia saber de que se tratava de uma forma geométrica, mas provavelmente não se lembrava qual exatamente era essa forma. Sob essa ótica, a dúvida pode não estar relacionada à leitura, até porque todo o contexto apresentado pelo problema de Matemática ajudou no sentido de levar a aluna à conclusão de que “elíptico” é uma forma geométrica. Durante a leitura é possível que o significado de algumas palavras não seja reconhecido completamente, mas se conseguimos nos apropriar da ideia central, a leitura não fica comprometida. Pelo resultado dos testes, a aluna citada acima, embora afirmasse não se lembrar da palavra, pareceu haver compreendido o sentido global do texto. Conforme Kleiman (2010, p.37) “(...) grande parte do material que lemos é adivinhado ou inferido, não é diretamente percebido. (...) durante a leitura, podemos reconhecer estruturas e associar um significado a elas, a partir de apenas algumas pistas.” Essas inferências são realizadas com base em nossos conhecimentos e leituras anteriores sobre o mesmo assunto. Ou seja, o entendimento do texto pode estar mais ligado à interação que ao puro reconhecimento do léxico. 81 4.4.4 Situações Observadas durante o Experimento Piloto (Problemas Estruturais). Uma das questões foi construída de tal forma que um leitor desatento ficaria confuso. Foi o que aconteceu. O enunciado falava de uma escola com 1200 alunos, na qual 600 falavam inglês, 500, espanhol e 300 não falavam nenhum desses dois idiomas. A aluna observou que a soma dos alunos não correspondia com o total de alunos informado no enunciado. Ela, em nenhum momento, considerou o fato de que alguns dos alunos dessa escola poderiam falar inglês e espanhol de forma simultânea. Considerei que não houve reflexão sobre a situação apresentada. Talvez esse caso possa não representar tão bem o que entendo por um problema estrutural do enunciado, mas há um elemento complicador no texto que pode confundir o leitor. Isso me remeteu à discussão sobre se é válido expor o leitor a esse tipo de estrutura, ou se devemos evitá-la. Acredito que em alguns casos a oportunidade de mostrar ao leitor iniciante a importância da reflexão sobre a leitura não deve ser perdida, portanto, achei que a estrutura desse texto poderia me trazer informações importantes sobre a competência leitora do sujeito. Algumas questões do instrumento semelhantes a essa parecem ter sido um problema também para muitos dos alunos, esses, não expuseram suas dúvidas, porém, elas ficaram perceptíveis pelas respostas dadas por eles no instrumento 1 e 2. Houve também um caso de uma questão que trazia dados numéricos em excesso. Alguns desses dados pareciam até desnecessários para a resolução do problema matemático, mas acredito que isso seja uma estratégia de construção textual, que são muito vistas em concursos, talvez até empregadas de forma proposital, pois ajudaria a identificar candidatos não competentes em leitura, como uma pré-seleção. Se o aluno não é capaz de ler o enunciado, presume-se que ele não poderá resolver a questão, já um leitor competente, possivelmente, não terá problemas com esse tipo de texto. Talvez por isso, estruturas textuais mais complexas parecem ser mais produtivas para selecionar candidatos competentes em um concurso. 4.4.5 Sobre o Resultado da Aplicação do Piloto dos Instrumentos 1 e 2 Algumas questões ficaram incompletas, talvez por desinteresse por parte dos alunos ou por falta de tempo. Havia nesse instrumento doze questões e cada uma trazia cinco afirmativas a serem lidas e analisadas, exigindo atenção, reflexão e tempo. Considerando-se o tempo gasto 82 com a entrada dos alunos na sala e acomodação nas cadeiras, a apresentação da pesquisa e as orientações para a atividade, o teste foi feito em aproximadamente 40 minutos. Pode ser que tenha havido algum prejuízo em relação ao tempo disponibilizado para a aplicação do instrumento, daí a decisão de reduzir para sete problemas. Foi útil nesse experimento observar quanto tempo levaram para ler os problemas, tive a oportunidade também de controlar o tempo gasto além do que foi determinado para implementar o teste. Quando a aula chegou ao fim, alguns alunos entregaram as folhas de teste com as perguntas referentes aos últimos problemas em branco. Seis alunos me pediram mais alguns minutos para terminar de responder, conversei com a professora da aula seguinte e após o recreio eles terminaram de responder com alguns minutos de acréscimo. Não foram mais que quinze minutos, mas eu percebi que esses alunos parecem ter conseguido mais acertos no teste, já que puderam reler mais vezes e refletir sobre os enunciados. Imaginei, então, que reduzir o número de problemas favoreceria os resultados. Ao final do experimento, concluí que o material foi útil para avaliar a eficiência do instrumento para responder meus objetivos, pelo menos, foi possível perceber que parte dos sujeitos concentrou-se na leitura, examinando repetidamente os enunciados, enquanto outro grupo demonstrou insegurança, pedindo constantemente ajuda para confirmar seu entendimento do texto. Três alunos acabaram abandonando a atividade alegando não conseguir, deixando de responder as duas últimas questões. Dois alunos demonstraram total desinteresse em desenvolver a atividade, entregando-a em branco e outro aluno chegou a responder, mas sem nem mesmo ter lido as questões, de forma mecânica ele marcou todas as respostas como verdadeiras e entregou o teste. Dessa forma, seu teste foi desconsiderado. Entretanto, a turma, em sua maioria, pareceu estar colaborando com a realização da investigação, embora poucos tenham conseguido responder às questões conforme se esperava, os alunos parecem ter se empenhado na tentativa de entender os textos. De acordo com os resultados, concluí que há pouca familiaridade com a leitura nessa turma, poucos alunos mostraram bons resultados, tanto no piloto que testava os instrumentos 1 e 2, quanto no piloto que testava os instrumentos 3 e 4. 83 4.4.6 Sobre o Resultado da Aplicação do Piloto do Instrumento 3 e 4 Seguindo o plano de aplicação, os alunos tentaram resolver primeiro o problema por meio de cálculos, sem o método de questionamento de Pólya. De fato, como o professor da turma havia previsto, poucas duplas conseguiram chegar ao resultado parcial. O trabalho em dupla possibilitou, entre os alunos, situações de negociação onde decidiriam quais tentativas seriam válidas para solucionar o problema, o que pode tê-los ajudado a construir uma visão mais ampla da situação-problema, embora não tenha sido suficiente para chegarem à solução. Percebi que realizar o teste em dupla poderia trazer algum prejuízo em relação ao meu entendimento sobre a competência leitora de cada integrante da dupla. Assim sendo, concluí que o trabalho em dupla pode favorecer à discussão, mas, por outro lado, pode mascarar os resultados dos testes escritos. Por isso, optei por realizar a aplicação de forma individual, mas buscar problemas de matemática menos complexos (segundo a avaliação dos professores das turmas). Resolvi então, usar, no lugar do problema aplicado no experimento piloto, um dos problemas do instrumento 1. Como os professores das turmas ficaram divididos na seleção de apenas um deles, achei que poderia ser enriquecedor realizar a experiência com os dois problemas escolhidos pelos docentes. Os alunos responderam ao problema a partir do método de questionar desenvolvido por Pólya. Ao final do tempo estipulado, recolhemos o material e os próprios alunos pediram que houvesse um momento para que o problema fosse solucionado pelo professor. Como não havia mais tempo de aula, essa correção aconteceu na aula seguinte, possibilitando-me o registro de todo o processo de resolução do problema. Pude constatar que o método sugerido por George Pólya foi realmente um diferencial, mesmo alunos que não conseguiram responder todas as perguntas do roteiro, parecem ter avançado mais que conseguiram chegar no momento de aplicação do instrumento 3. Comparando os resultados do instrumento 3 com os do instrumento 4, ficou evidente para mim que o método funciona como um elemento motivador. As perguntas do roteiro parecem ter instigado a curiosidade de alguns alunos que parecem ter se empenhado mais em encontrar a solução para o problema. Os resultados desse segundo experimento piloto proporcionaram experiência para a construção dos roteiros dos dois problemas que efetivamente compuseram o instrumento 4. Inicialmente, foram elaboradas 19 perguntas, em conjunto com uma professora-pesquisadora 84 que domina o método de Pólya, relacionadas a um problema escolhido da obra de Oscar Guelli (1996, p.51) “Contando Histórias da Matemática: história da equação do 2º grau”. Esse estudo revelou alguns questionamentos desnecessários e, por vezes, repetidos, fazendo com que julgássemos – eu e a professora-pesquisadora – sobre a pertinência de dez perguntas para o roteiro. 4.5 DESCRIÇÃO DA APLICAÇÃO DOS INSTRUMENTOS 1, 2, 3 E 4 A aplicação dos instrumentos 1 e 2 foi realizada com onze turmas, sendo duas do segundo ano e nove do terceiro ano do Ensino Médio, distribuídas entre os três turnos. Cinco turmas no turno matutino (147 alunos), quatro turmas do turno vespertino (114 alunos) e duas turmas do noturno (44 alunos). Perfazendo um total de 305 alunos. A forma de aplicação dos instrumentos 1 e 2 foi a mesma para todas as turmas. Entrei em sala de aula e me apresentei como pesquisadora. Apresentei minimamente as razões e o objetivo de minha pesquisa, dando algumas orientações sobre a tarefa a ser realizada. Como as aulas terminam em 55 minutos, procurei não me estender muito para que sobrasse tempo suficiente para que os sujeitos realizassem a tarefa com tranquilidade, até mesmo porque os professores das turmas já haviam falado um pouco sobre o meu objetivo antes que eu estivesse com eles. O mesmo se deu no momento da aplicação dos instrumentos 3 e 4, apenas com a diferença de que desta vez, o trabalho estava sendo realizado com apenas uma amostra de 106 alunos, distribuídos em seis turmas escolhidas pelos professores entre as turmas que participaram da primeira etapa da investigação. Como a segunda etapa envolvia questões discursivas, em todas as turmas, os professores promoveram um debate para discutir a respeito das perguntas dispostas no roteiro, que foram baseadas no método de Pólya. Segue a transcrição das discussões originadas a partir da aplicação dos instrumentos 3 e 4. Transcrição de partes do debate realizado logo após da aplicação do instrumento 4. Problema 1 (de Probabilidade) Alguns professores iniciaram a discussão a partir das primeiras perguntas do roteiro, mas, por darem ênfase em pontos diferentes do processo de resolução, a discussão tomou caminhos diferentes entre as turmas do matutino, vespertino e noturno. O problema 1 retomava noções relacionadas à análise combinatória e à probabilidade. Seguem os pontos principais das discussões. (Foram usados números para identificar os alunos). Resolução do problema de probabilidade (Matutino). Após ler o inicio do roteiro, o professor da turma da manhã se dirige aos alunos: Prof. – Então, de acordo com o que lemos, quantas respostas são possíveis? 85 Alunos – 270. Prof. - Em qual parte do conteúdo nós vimos isso? Aluna 1 – Probabilidade. Aluno 2 – Multiplica os personagens pelos cômodos e pelos objetos Prof. - Probabilidade e análise combinatória, não é? Então chegamos a 270? (O professor escreve a sequência abaixo). Ob1 - Qual objeto será escondido? Ob 2 - Por qual personagem? Ob 3- Em que cômodo? Prof - Pra chegar a 270, precisamos trabalhar com esses objetivos. E agora, o que a gente faz? Aluno 3 – Multiplica 5x6 é igual a 30, 30x 9 é igual a 270. Prof – Sim, mas há outro questionamento: como o diretor tinha certeza de que alguém responderia? Aluna 1 - Por que tinha mais alunos que respostas... Prof. - Análise combinatória é uma técnica, mas pra funcionar precisamos ter que noção? Multiplicação, que dentro da análise combinatória chama-se “Princípio Multiplicativo da Contagem. Há outra forma de fazer isso? Aluno 4 - Há, o espaço amostral, certo? Prof. – Isso, o espaço amostral seria: (O professor escreve: O1-P1-C1; O1-P1-C2; mudando só os cômodos, eu teria quantas combinações? O1-P1-C3...) Se eu for Aluno 2 – Nove combinações? Prof.- E se mudar só o personagem? (O professor, então, vai exemplificando no quadro). Aluno 5 - Mais seis. Prof. – Posso usar o princípio multiplicativo, estou trabalhando com a quantidade de vezes que eu posso alterar aquela possibilidade. Usando o principio multiplicativo você usa análise combinatória. (No fim da discussão, o professor reforça a necessidade de identificar pontos principais, como objetivo, dados, etc. e que se deve ler uma ou duas vezes, associando ao conhecimento matemático). Resolução do problema de probabilidade (Vespertino). O professor da turma da tarde trouxe vários exemplos e dramatizou algumas ideias. Usou o quadro também para desenhos (árvore de possibilidades) e cálculos. Prof. - Imagina que um dos alunos que irá responder é você, o que você responderia? Qual o objeto escondido? Aluno 1 - Uma toalha... no banheiro! Prof. - E escondida por quem? Aluno 1 - Joãozinho. Prof. - Pois é, cada um vai ter sua vez de falar. Agora, o próximo... você! (aponta outro aluno) Ele pode falar, de novo: “Joãozinho-banheiro-toalha”? Aluno 2 – Não. Prof.-: “O diretor sabe que alguém dará a resposta, porque há alunos a mais”, certo? Qual o objetivo do problema? Aluno 3 - Saber quantos alunos a mais. Prof. – Sim, dos 280 alunos todos terão chance de responder? Aluna 4 – Não, porque alguém vai acertar antes! Prof. – E a questão 6: o aluno pode repetir a resposta do aluno que já respondeu? Aluno 5 – Não. Porque se eu respondo a minha errada, na sua vez você vai repetir o que eu falei e vai errar de novo. Prof. - Só se não tiver prestando atenção, não é? (risos) Quantas respostas são possíveis? 270? Por que 270? 86 Aluna 6 – 5 vezes 6, vezes 9. Prof. – Sim, mas por quê? Aluna 6 - Multiplica personagens, cômodos e objetos (o professor escreve os números no quadro). Prof. –Por que você multiplicou, não daria pra somar não? Aluna 6 – É preciso fazer 3 escolhas, há cinco possibilidades de objetos... Prof. – Sim e isso foi visto em que matéria? Aluno1 – Ah, probabilidade... Estudamos no ano passado. Prof. - Pra cada personagem, tem quantas opções de objetos e cômodos? Se Joãozinho escolheu sabonete, Maria vai escolher um celular, fulano escolhe outra coisa, enfim... 5x6, tem trinta possibilidades, certo? Mas cada uma dessas trinta opções devem ser combinadas com os cômodos. (o professor desenha a árvore de possibilidades). Prof. - Cada objeto é escondido por um personagem e cada personagem tem quantos lugares para esconder? Olhem as ramificações... nós chamamos isso de árvore! Precisamos contar o número de ramificações. Se teremos 270 ramificações, serão 270 possibilidades. Agora, quantos alunos participaram da brincadeira? Aluna 6 – 280. Aluno 3 – Não, são 270 que responderam. Prof. – É, e essa pergunta ficou complicada, foram 280 convidados para a brincadeira, mas só 270 alunos participaram, pode ser que na primeira tentativa o aluno acerte. Então, acabou! Só quem irá ter respondido será ele. Ou, na pior das hipóteses, 269 alunos responderiam errado, mas o último acertaria. Mas os dez que sobraram, participariam só olhando! A essa multiplicação a gente chama de (O professor escreve as iniciais PFC no quadro) Princípio Fundamental da Contagem! Resolução do problema de probabilidade (Noturno). O professor do noturno também mencionou a árvore de possibilidades, tentou recordar de um problema que eles realizaram e que era semelhante a esse. Mas chamou a atenção o momento em que ele sugeriu que as possibilidades fossem simplificadas para que o resolvedor pudesse visualizar melhor cada passo da operação. Prof. – E então, houve dificuldades? Conseguiram chegar ao número de respostas distintas possíveis? Aluno 4 – 270. Aluno 5 – O meu foi 260. Aluno 6 – Não, é 270. (O professor coloca as respostas dos alunos no quadro). Aluno 7 – Pra mim, 225. Prof. - Mais alguma? Quem quer comentar? Aluno 1 - Eu encontrei assim 5, 6 e 9, deu 270, usei o mínimo múltiplo comum... Prof. - Mínimo múltiplo comum? Vamos tentar... (o professor escreve no quadro). Prof.- E depois? Bom, o que eu faço com esses valores? Aluno 1 – Multiplico por 3, dará 270. 87 (Posteriormente, o professor comentou que o caminho que esse aluno seguiu deu certo por acidente e que procuraria uma forma de explicar a esse aluno, por meio de outros exemplos, que essa estratégia não era ideal nesse caso.) Prof. – Sim, mas qual a relação do M.M.C. com a ideia desse problema? Em algum momento da leitura, você não percebeu a ideia de possibilidade? Existem várias possibilidades de soluções, mas como saber a totalidade? Aluno 4 – E se fizéssemos P.A.? Aluna 3 – P.A.? Prof. - Por que progressão aritmética? Aluno 4 - Porque há cinco objetos, seis personagens... Prof. – Não, isso não é P.A., não há progressão aqui, na P.A. você tem um valor inicial que atinge um padrão de crescimento. Não. O que você tem que fazer é trabalhar com os valores. Está difícil trabalhar com valores maiores? Então é possível simplificar: suponhamos que temos só dois personagens, dois objetos e dois cômodos. É possível criar até nomes para facilitar também, mas vamos usar números. Eu sou o diretor e vocês irão me dar uma resposta possível, certo? Você, (aponta para a aluna) diz uma opção... Aluna 3 - Objeto 1, cômodo 1, personagem 1... (O professor continua perguntando aos outros alunos e anotando no quadro). O1C1P1............ O2C1P1 O1C1P2............ O2C1P2 O1C2P1.............O2C2P1 O1C2P2..............O2C2P2 Prof. - Há mais possibilidades com essa quantidade? Aluno- Ah, certo... Podemos ir variando só o personagem, depois só o cômodo... Prof.- Isso, uma outra forma de demonstrar isso é a “árvore de possibilidades”. (O professor desenha a árvore de possibilidades, representada abaixo). Prof. - Outra forma mais rápida é 2x2x2, mas, usando a árvore de possibilidades, você vai perceber qual a relação ou qual alteração vai acontecer. É possível ver quantas vezes podemos combinar os elementos, são oito possibilidades? Que relação existe entre 2 objetos, 2 cômodos e 2 personagens que resultaria no valor 8? A multiplicação, certo? Então, se você estiver em dúvida, reduza os valores... Agora vamos aplicar a multiplicação entre 2, 5 e 9, o resultado será 270. Problema 2: Encontrar a Área do Maracanã Resolução do problema de encontrar a área (Matutino). O professor do matutino iniciou seguindo as perguntas do roteiro e anotando no quadro as respostas. Alguns alunos afirmaram ter dificuldade com o significado da palavra “elíptico”. O professor tentou então, relembrar com eles algumas noções de Geometria. Prof. - Em uma circunferência com o raio 2 por exemplo, esse raio será igual em todos os lados. Já na elipse, não. Um lado é mais próximo que o outro. É um formato oval. Por isso, aqui o formato dos eixos é diferente. 88 A discussão não se estendeu além da correção das perguntas que constavam no roteiro. O professor seguiu até chegar à resposta do problema. Ao final, questionou se os alunos encontraram mais facilidades com a aplicação do método de Pólya, os alunos afirmaram que ajudou bastante. A condução do raciocínio durante o processo de resolução parece realmente facilitar a tarefa. Resolução do problema de encontrar a área (Vespertino). Na turma do vespertino, o professor releu o problema e iniciou a discussão perguntando se os alunos acharam a questão difícil. Releu a questão que pedia para desenhar o que se imaginava ser um formato elíptico e perguntou o que eles achavam que era. Aluno1 - Um formato oval. Aluno 2 – É como se fosse uma bola amassada. Aluno 3 – É. Assim... redondo, mas achatado em cima. Prof. - Eu estou vendo que vocês estão me dando exemplos todos espaciais. Mas, na verdade, o formato elíptico é uma forma plana, ela não tem volume... como um ovo. Então, como reconhecemos? Imagine duas circunferências postas lado a lado, é elíptico o contorno dessas circunferências. (Desenho no quadro). Prof. - O formato elíptico não tem um ponto central como na circunferência, tem dois. Imagine dois pontos: ponto 1 e ponto 2, você quer uma elipse, pega uma cordinha fixa assim... em um ponto e no outro (o professor demonstra pelo desenho). Mantém ela esticada em volta. Prof. - Quando o ponto sair e ir para esse lado (do ponto 2), o que vai acontecer? Essa cordinha ficará maior e a outra, menor. Então, na verdade, a elipse tem dois pólos, qualquer ponto que você pegar até o pólo central será a mesma distância, essa é uma característica da elipse. Na circunferência, a distância é chamada de raio. Está claro agora o que é elipse? É como uma circunferência com dois centros. E então, temos que calcular a elipse? Alunos – Não. Prof. - Temos que trabalhar com o quê? A área do campo. Qual o formato desse campo? Aluno 1 – Retângular. Prof. – Mas, por quê? Aluno 1 - São quatro lados opostos de tamanhos iguais. Prof. – Sim, mas há também outras figuras assim, com lados opostos paralelos... Essa figura aqui: o paralelogramo... (Professor desenha no quadro) também tem lados iguais. Por que tem que ser um retângulo? Aluno 2 – Ah, porque eu já vi o Maracanã (Risos). 89 Prof. – O que caracteriza um retângulo? Lados opostos, paralelos e de mesma medida ocorrem no paralelogramo, no retângulo, no quadrado, no losango... Como nós reconhecemos um retângulo? (O professor aponta o paralelogramo e o retângulo) Qual a diferença entre essas figuras? Aluno 4 - Ele é mais torto... (Risos). Prof. – Torto, como? Aluna 5 - O ângulo desse aqui... Prof. – Hum! Que ângulo? Aluna 5 – Sim, aquele ali tá mais fechadinho. Prof – Ah! Por que o campo de futebol é um retângulo? Porque as quatro quinas, seus ângulos, são retos. Se eu digo que a figura tem lados paralelos e ângulos de 90 graus, ela só pode ser um quadrado ou um retângulo, mas qual a diferença entre um quadrado e um retângulo? Aluno 1 - O retângulo tem duas medidas. Aluna 5 - A diferença é que o quadrado tem os quatro lados iguais, é isso? Prof. – Não. Por que não? Características do retângulo: ângulo de 90, lados opostos da mesma medida, esse igual a esse... (aponta no quadro, no desenho, os lados do retângulo), mas o quadrado também, então, na verdade, o quadrado é um tipo de retângulo, mas que tem todas as medidas iguais. (Após essa explicação, o professor continuou e chegou à resposta: 8250 m², questiona, então, o que são metros quadrados. Os alunos fazem silêncio. O professor começa a desenhar no quadro). Prof. – Imagina assim... Um quadrado com quadradinhos, todos medindo um metro. Calcular a área é como contar quantos quadradinhos de um metro tem dentro desse quadrado grande. (o professor exemplifica usando a parede da sala de aula que é revestida por pequenos quadradinhos de cerâmica. Ele convida os alunos a contar quantos quadradinhos há, horizontalmente e verticalmente, depois questiona o que fazer para saber a área e os alunos afirmam que é preciso multiplicar). Resolução do problema de encontrar a área (Noturno). O professor iniciou questionando quais as dificuldades que os alunos encontraram. Novamente, falaram da forma geométrica “elipse” e também do excesso de dados numéricos desnecessários para a resolução do problema. Ao recordar as formas geométricas o professor percebe que os alunos não estavam diferenciando “campo” de “estádio” e discutiu sobre o significado dos termos. Em seguida, concentrou-se nas perguntas do roteiro. Prof. – Então, como vocês desenharam a elipse? Aluno l - Eu consegui desenhar o que a gente vê do Maracanã, não é? Um formato oval... (O professor desenha uma elipse no quadro e vai respondendo com os alunos as outras perguntas até o momento da realização do cálculo. Após esse momento, o professor também questiona seus alunos sobre a noção de metro quadrado. Usa, como exemplo, os pisos da sala de aula que eram divididos em quadrados largos). Prof. – Vamos contar... Quantos quadrados há nessa fileira? Aluno 2 – Um... Dois... São cinco, professor... Prof. – E aqui? Aluna 3 - Cinco também... Prof. – Certo, usando a mesma estratégia, imagina que cada quadrado desses tem um metro. Qual é a área da sala? Aluna3 – É cinco vezes cinco, não é? Prof. – Isso... largura e comprimento... Alunos - 25 m². Prof. – Sim, olhem o que podemos fazer com esse conhecimento... Quantos alunos temos aqui hoje? Alunos – 23. 90 Prof. – Sim, contando comigo e com a professora (eu), 25 pessoas. Então, eu quero saber qual a densidade demográfica? Qual a ocupação da sala? Quantas pessoas por metro quadrado? Aluno 4 – Como assim? Prof. – Vocês já viram isso em Geografia, não? Dividimos 25 pessoas pela área (25 m²), então, sabemos que há uma pessoa por metro quadrado. Esse, normalmente, é o calculo aproximado feito para se estimar quantas pessoas estão, por exemplo, participando de uma passeata. Calcula a área da avenida, rua, espaço onde eles estão. Pega uma amostra e vê quantas pessoas tem ali e depois é só calcular. Perceberam? É o conhecimento de área... (O professor mostra como um conteúdo trabalhado na aula de Matemática pode ser útil em situações da vida prática, o que remete a ideia de competência: para afirmar quantos manifestantes participam de uma passeata é preciso mobilizar alguns recursos cognitivos, como a noção do cálculo de área, ensinado nas aulas de Matemática, e o cálculo sobre a densidade demográfica, em Geografia). Prof. - Um quadrado tem um metro e tem duas dimensões: comprimento e largura. Se você tem uma cartela de ovos e quer saber quantos ovos existem na cartela, você iria contar um por um? Não, você multiplicaria as dimensões. Aluno 5 – É a mesma coisa que comprimento e largura... Prof. – Agora, vamos transpor essa ideia para o campo de futebol. (o professor usa o quadro) 110 comprimento x 75 largura m¹ x m¹ = 8250 m² (O professor comenta que essa experiência fez com que ele se lembrasse do que leu na época da faculdade sobre conduzir o raciocínio do aluno no processo de resolução de problemas. Afirmou ter lido Pólya e lembrou uma de suas recomendações: que cada problema resolvido deveria ser guardado na memória, para ser retomado quando uma situação parecida se apresentasse. Finalizando o debate recomenda aos alunos que, no futuro, em outra situação que envolva noções de geometria, metro quadrado ou medida de área, eles se lembrassem das estratégias que adotamos para resolver esse problema). 91 5 RESULTADOS, ANÁLISE E DISCUSSÃO 5.1 RESULTADOS DO INSTRUMENTO 1 Durante a aplicação, a maioria dos alunos pareceu ter compreendido o que deveria ser realizado no instrumento, ou seja, considerar as cinco afirmativas relacionadas a cada um dos enunciados como verdadeiras, falsas, ou insuficientes, atendendo à proposta. Entretanto, mais tarde, no decorrer do processo, alguns sujeitos alegavam dificuldade para realizar a tarefa por não conseguir se posicionar em relação a algumas declarações. Na maioria dos casos, a dúvida era em relação às afirmativas que deveriam ser consideradas como “insuficientes”. O tratamento estatístico dado a esse instrumento contou com uso do software SPSS (Statistical Package for the Social Sciences), que revelou normalidade dos dados, segundo o teste Kolmogorov-Smirnov (K-S Test), K-S(305)=1,230; p=0,09720, no nível de 95% de confiança, e apresentou os seguintes resultados descritivos para os 305 sujeitos que responderam às 35 afirmações (5 afirmações para cada um dos 7 textos): Tabela 1 - Resultado estatístico do instrumento 1 Medidas N Média aritmética (X) Mediana (Md) ou quartil 2 (Q2) Moda (Mo) Desvio-padrão (s) Mínimo Máximo Assimetria (As) Curtose (k) Quartil 1 (Q1) Quartil 3 (Q3) Coeficiente de variação (CV) Estatísticas 305 18,1 18 21 5,5 1 30 -0,4 -0,02 15 22 30,5% Fonte: SPSS. Nenhum estudante acertou mais do que 30 afirmações. Considerei, portanto, a amplitude total (R) de 29 unidades (mínimo de 1 e máximo de 30 afirmações corretas) para a categorização dos 305 sujeitos. Sendo a distribuição normal, é razoável adotar 4 categorias para a 20 No teste de normalidade de Kolgomorov-Smirnov, resultados não significativos, ou seja, quando p>0,05, indica existência de normalidade, no nível de 95%. Ao contrário, quando p<0,05, indica inexistência de normalidade. 92 competência leitora a partir dos quartis, que foram assim denominadas: baixa, relativamente baixa, relativamente alta e alta (Tabela 2). Tabela 2 - Categorização da competência leitora aferida pelo instrumento 1 Qtde. Afirmações Corretas fi 01 ├ 15 15 ├ 18 18├ 22 22├┤ 30 ∑ 66 69 83 87 305 Categorização para a competência leitora Baixa Relativamente baixa Relativamente alta Alta - Fonte: própria A maior incidência de alunos nas duas últimas categorias confirma a ligeira assimetria da distribuição (As=-0,4), indicando uma discreta tendência para o sentido da alta competência leitora, mas incapaz de descaracterizar a normalidade dos dados, o que pode ser conferido na disposição do box plot (Figura 1). A curtose (k=-0,02) revelou haver concentração de dados em torno do eixo de simetria da distribuição dos dados, indicando existência de muitos alunos com competência leitora entre relativamente baixa e relativamente alta. No entanto, o coeficiente de variação (CV=30,5%) aponta para uma tendência de alta dispersão da amostra, confirmada pelos longos whiskers (bigodes) do box plot (Figura 1), o que permite inferir haver heterogeneidade da competência leitora entre os estudantes participantes. Figura 1 - Box plot - distribuição dos dados relativos à competência leitora dos 305 alunos. Fonte: Tratamento de dados no SPSS Alternativamente, a Estatística nos ensina que, de maneira geral, dados além e aquém de dois desvios-padrão da média aritmética são considerados fora dos padrões normais. Seguindo essa direção, 53 alunos foram considerados excepcionalmente competentes e outros 14 excepcionalmente não competentes em leitura, considerando a amplitude de 29 unidades. 93 Tabela 3 - Categorização para a competência leitora Qtde. afirmações corretas fi Categorização para a competência leitora 01 ├ 08 14 Excepcionalmente não competentes 24 ├ 30 53 Excepcionalmente competentes Fonte: Própria Para esses alunos, é indicado, como uma continuidade da investigação, estudo qualitativo que justifique/esclareça o processo de apreensão textual dos sete problemas. Cada um dos sete problemas apresentava cinco afirmativas, cada qual recebendo um ponto caso fosse considerada correta. Sendo assim, a maior nota possível seria de 35 pontos para o instrumento 1. A competência leitora dos sujeitos da Universidade de Kent (Reino Unido) foi classificada em três categorias, segundo parâmetros de alunos da graduação daquela universidade. Como se trata de uma realidade diversa da brasileira, realizei um estudo estatístico, a partir dos dados dos participantes desta pesquisa para gerar uma estratificação ajustada a esses sujeitos. 5.2 RESULTADOS DO INSTRUMENTO 2 A segunda parte dessa investigação visou verificar o desempenho dos sujeitos na resolução dos mesmos problemas avaliados pelo instrumento 1. Do mesmo modo, foi realizado tratamento estatístico para a variável estudada por esse instrumento que contou com uso do software SPSS (Statistical Package for the Social Sciences) que revelou não haver normalidade dos dados, segundo o teste Kolmogorov-Smirnov (K-S Test), K-S(305)=2,736; p=0,000, no nível de 95% de confiança, e apresentou os seguintes resultados descritivos para os 305 sujeitos que resolveram os 7 problemas de Matemática (Tabela 4). Tabela 4 - Categorização do desempenho em resolução de problemas aferido pelo instrumento 2 Medidas N Média aritmética (X) Mediana (Md) ou quartil 2 (Q2) Moda (Mo) Desvio-padrão (s) Mínimo Máximo Assimetria (As) Curtose (k) Quartil 1 (Q1) Quartil 3 (Q3) Coeficiente de variação (CV) Fonte: SPSS Estatísticas 305 2,1 2 2 1,3 0 6 0,2 -0,5 1 3 65% 94 Nenhum estudante acertou os 7 problemas. Considerei, portanto, a amplitude total (R) de 6 unidades (mínimo de 0 e máximo de 6 problemas indicados os resultados corretamente) para a categorização dos 305 sujeitos. Como a distribuição não é normal e possui acentuada assimetria positiva (As=0,2), ou seja, os dados tendem para o lado de poucos acertos nos problemas, é preciso adotar estratificação diferenciada do instrumento 1. Uma opção é a de dividir essa base de dados em 4 partes de acordo com a amplitude total R. A estratificação em 4 partes mantém coerência com a quantidade de categorias estabelecida no instrumento1. Como os dados são discretos (quantidade de acertos são uma contagem e não uma medida), não podemos dividir os acertos em 0 a 1,5; 1,5 a 3; 3 a 4,5 e 4,5 a 6, nesse caso, optei pela segmentação: 0 a 2; 2 a 3; 3 a 4 e 4 a 6, com as respectivas denominações, baixo, relativamente baixo, relativamente alto e alto (Tabela 5). Tabela 5 - Categorização do desempenho em resolução de problemas aferido pelo instrumento 2 Qtde. problemas indicados corretamente fi 0├2 2├3 3├ 4 4├┤ 6 ∑ 100 84 72 49 305 Categorização para o desempenho na resolução de problemas Baixo Relativamente baixo Relativamente alto Alto - Fonte: Própria A maior incidência de alunos está nas primeiras categorias, o que confirma a assimetria positiva, indicando forte tendência para o sentido do baixo desempenho na resolução de problemas, o que pode ser, igualmente, conferido no deslocamento para baixo da caixa do box plot (Figura 2). A curtose (k=-0,5) revela alta concentração de dados em certo trecho da distribuição, no caso, do lado de poucos acertos na resolução dos problemas. O coeficiente de variação (CV=65%) aponta para uma alta dispersão da amostra, confirmada pela existência do longo whisker (bigode) do box plot (Figura 2), o que permite inferir haver poucos com alto desempenho na resolução dos problemas, nesse caso. 95 Figura 2 - Box plot - distribuição de dados relativos ao desempenho em resolução de problemas dos 305 alunos. Fonte: Tratamento de dados no SPSS É útil, para estudos posteriores, identificar sujeitos que se destaquem tanto para o lado do baixo desempenho quanto para o outro, para fins de estudos qualitativos que justifique/esclareça os processos cognitivos na resolução de problemas. Sendo assim, vale conhecer os sujeitos que se encontram em uma zona que exceda os dois desvios-padrão para aquém e além da média aritmética, conforme informa a Tabela 6. Tabela 6 - Categorização do desempenho em resolução de problemas aferido pelo instrumento 2 Qtde. resoluções indicadas corretamente fi Categorização para o desempenho em resolução de problemas 0 29 Excepcionalmente baixo desempenho 4├┤ 6 49 Excepcionalmente alto desempenho Fonte: Própria Tabela 7 - Rendimento quanto ao desempenho na resolução de problemas aferido pelo instrumento 2. Nº de acertos Turno Matutino Vespertino Noturno Nº de sujeitos em relação ao seu desempenho em Resol. de Problemas. 0 1 2 12 28 09 29 11 10 Inferior 99 39 20 12 3 4 5 35 23 33 19 10 01 Médio 192 10 03 00 Fonte: Própria 6 7 00 00 01 00 00 00 Superior 14 Total de alunos 147 114 44 305 96 5.3 VERIFICAÇÃO DA RELAÇÃO DA COMPETÊNCIA LEITORA E O DESEMPENHO NA RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS A existência ou não de relação entre a competência leitora e o desempenho na resolução de problemas foi estudada com apoio do software SPSS (Statistical Package for the Social Sciences) que gerou o diagrama de dispersão da Figura 3. Figura 3 - Diagrama de dispersão gerado pelo SPSS sobre a competência leitora e o desempenho em RP. Fonte: SPSS O gráfico (Figura 3) está apoiado em uma correlação não paramétrica (a correlação de Spearman), uma vez não ser normal a distribuição dos desempenhos em RP. Apesar de o SPSS informar haver alta dependência entre as duas variáveis – competência leitora e o desempenho em RP, no nível 0,01 (Figura 4), é prudente analisar cuidadosamente esse fenômeno. 97 Figura 4 - Extrato do resultado da correlação entre as variáveis, informado pelo SPSS. Correlações Competência Resolução de Problema Correlações de coeficiente Competência Resolução de Problema Sig. (1 extremidade) N Rô de Spearman Correlações de coeficiente Competência Leitora 1,000 . 305 ,230** Sig. (1 extremidade) ,000 N 305 Correlações Competência Leitora Competência Resolução de Problema Rô de Spearman Competência Leitora Correlações de coeficiente Sig. (1 extremidade) N Correlações de coeficiente Sig. (1 extremidade) N ,230 ,000 305 1,000** . 305 **. A correlação é significativa no nível 0,01 (1 extremidade). Fonte: SPSS O estudo baseado na disposição relativa dos pares ordenados no plano cartesiano – competência leitora versus desempenho em RP - indica uma organização que leva à declaração da existência de alto grau de relacionamento entre as variáveis (a correlação é significativa no nível 0,01), não significando, aliás, haver causalidade de uma em relação à outra. Apesar desse resultado, é útil observar no diagrama que diferentes competências leitoras estão associadas ao mesmo desempenho em RP (por exemplo: para alunos que declararam corretamente de 5 a 27 afirmações, todos erraram os 7 problemas), o que indica ter havido independência nas observações. Em outras palavras, para o mesmo desempenho em RP, houve diferentes competências leitoras, o que distorce o padrão associativo dito pela declaração dada pelo SPSS: a correlação é significativa no nível 0,01. Assim sendo, posso afirmar não haver qualquer relacionamento entre as duas variáveis? Também não. Posso, sim, dizer que o desempenho em RP parece depender de variáveis não estudadas nesse trabalho, sem excluir absolutamente a competência leitora. Em outras palavras, a competência leitora deve participar dos resultados do desempenho em RP parcialmente, mas de difícil mensuração quantitativamente falando. 98 5.4 RESULTADOS DO INSTRUMENTO 3 O instrumento 3 solicitou o registro escrito de cálculos ao longo da resolução do problema, possibilitando, então, observar, além do desempenho dos alunos na resolução dos problemas, a estratégia escolhida para solucioná-lo. Durante a aplicação do instrumento, o professor regente da turma solicitou, de forma opcional, que os alunos descrevessem, em linguagem verbal, o caminho escolhido para resolver o problema e o porquê dessa escolha. Alguns alunos contribuíram deixando anotações que ajudaram a explicar o raciocínio seguido. Seguem abaixo os problemas aplicados e os procedimentos que os respectivos professores de Matemática daquelas turmas esperavam que os alunos realizassem. Para o problema 1 (Problema de probabilidade): O diretor de uma escola convidou os 280 alunos de terceiro ano para participarem de uma brincadeira. Suponha que existam 5 objetos e 6 personagens numa casa de 9 cômodos; um dos personagens esconde um dos objetos em um dos cômodos da casa. O objetivo da brincadeira é adivinhar qual objeto foi escondido, por qual personagem e em qual cômodo da casa o objeto foi escondido. Todos os alunos decidiram participar. A cada vez, um aluno é sorteado e dá a sua resposta. As respostas devem ser sempre distintas das anteriores e um mesmo aluno não pode ser sorteado mais de uma vez. Se a resposta do aluno estiver correta, ele é declarado vencedor e a brincadeira é encerrada. O diretor sabe que algum deles acertará a resposta, já que existem mais alunos do que possibilidades de respostas. Quantos alunos a mais haveria?” O professor declarou esperar a multiplicação entre: número de objetos, número de personagens e número de cômodos (5x6x9), encontrando, assim, quantidade de combinações possíveis. Em seguida, que se estabeleça a diferença entre esse número e o número de alunos da escola, chegando ao resultado de 10 alunos a mais que o número de combinações. Para o problema 2 (Encontrar a área): O Brasil foi escolhido para sediar a Copa do Mundo de Futebol em 2014, e uma das cidades em que aconteceram os jogos foi o Rio de Janeiro. O Maracanã, que em tupi-guarani significa “semelhante a um chocalho”, foi um dos estádios onde ocorreram alguns jogos. Criado em 1950, tem o formato elíptico medindo 317 metros em seu eixo maior e 279 metros no menor. O campo tem medidas oficiais de 110m x 75m. Qual a área oficial do campo onde ocorreram as partidas no Maracanã? O professor declarou ter a expectativa da identificação e seleção apenas dos dados necessários (base e altura) para multiplicação. 99 Como a tabela 8 abaixo apresenta, os participantes usaram estratégias diferentes para resolver os problemas. Em alguns casos, os caminhos eleitos levaram-nos à solução, em outros, não (Tabela 8). Sobre as estratégias de resolução descritas na tabela 8, esclareço que, como “meio esperado”, entenda-se: método esperado pelos respectivos professores de Matemática para resolver o problema, a saber: Tabela 8 - Descritores do desempenho dos participantes (instrumento 3) por estratégia empregada (problemas 1 e 2). Turmas Estratégia de resolução adotada pelos alunos Chegaram ao resultado correto por meios esperados. Chegaram ao resultado correto por meios não esperados. Usaram meios esperados, mas não chegaram ao resultado correto. Usaram meios não esperados, mas não chegaram ao resultado correto. Deixaram a questão em branco 1 29 Partic. 2 34 Partic. 3 27 Partic. 4 18 Partic. 5 26 Partic. 6 26 Partic. Total 160 Partic. 11 18 11 10 10 6 66 - 1 - - 2 - 3 - - 3 - 3 5 11 14 12 13 6 10 8 63 4 3 - 2 1 7 17 Fonte: Própria A tabela 8 permite destacar que 66 alunos (41,25%) alcançaram a solução do problema 1 adotando estratégias esperadas. Apenas 3 dos 160 participantes (1,9%) obtiveram sucesso utilizando um método diferente do esperado que ocorreu, particularmente, apenas no problema 1. É útil conhecer os equívocos mais frequentes cometidos por esses participantes. 5.4.1 Equívocos mais Comuns Para o Problema 1 - O problema envolve probabilidade e apresenta ao leitor dois ambientes diferentes: No primeiro: uma escola, onde ocorre uma brincadeira com um número desconhecido de participantes (alunos dessa escola). No segundo: um ambiente fictício para os integrantes do primeiro ambiente: uma casa, na qual, seis personagens interagem, escondendo objetos nos seus cômodos. 100 O resolvedor deve se ver como um daqueles alunos do primeiro ambiente e calcular as possibilidades envolvendo elementos do segundo ambiente. É preciso atenção na leitura, caso contrário, o leitor pode confundir-se entre elementos de cada um dos dois ambientes apresentados pelo texto. Assim, sendo, é possível que algum equívoco tenha sido gerado na etapa da leitura. Dos 160 sujeitos que responderam ao instrumento 3, oito misturaram os dois contextos e tentaram relacionar elementos do primeiro ambiente com elementos do segundo e vice e versa (Figura 5 e 6). O diretor de uma escola convidou os 280 alunos de terceiro ano para participarem de uma brincadeira. Suponha que existam 5 objetos e 6 personagens numa casa de 9 cômodos; um dos personagens esconde um dos objetos em um dos cômodos da casa. O objetivo da brincadeira é adivinhar qual objeto foi escondido, por qual personagem e em qual cômodo da casa o objeto foi escondido. Todos os alunos decidiram participar. A cada vez, um aluno é sorteado e dá a sua resposta. As respostas devem ser sempre distintas das anteriores e um mesmo aluno não pode ser sorteado mais de uma vez. Se a resposta do aluno estiver correta, ele é declarado vencedor e a brincadeira é encerrada. O diretor sabe que algum deles acertará a resposta, já que existem mais alunos do que possibilidades de respostas. Quantos alunos a mais haveria?” Respostas obtidas: Figura 5 - Subtração equivocada - número de alunos (1º ambiente) pelo número de objetos e personagens (2º ambiente). Fonte: Própria. 101 Figura 6 - Divisão equivocada - número de alunos (1º ambiente) pelo número de objetos e cômodos (2º ambiente). Fonte: Própria. Outra ocorrência comum foi a resolução incompleta do problema. Parte do processo de resolução exigia que fosse calculada a quantidade de possibilidades distintas envolvendo os três fatores: cada um dos seis personagens do primeiro ambiente esconderia um, entre os cinco objetos citados em um dos nove cômodos da casa. Por meio do princípio multiplicativo, chegar-se-ia a 270 possibilidades, o que constitui parte da resposta para o problema. No entanto, o objetivo é encontrar a quantidade de alunos da escola que não responderiam à questão antes que a resposta correta fosse dada, considerando a quantidade de combinações possíveis. Se o sujeito mantém o foco no objetivo do problema, percebe que chegar a 270, ainda não é chegar à solução. Muitos realizaram a multiplicação (6x5x9), e interromperam os cálculos por acreditar que o produto dessas quantidades, 270, era o que o problema pedia conforme é visto na figura 7. Figura 7 - Raciocínio incompleto na resolução do problema. Fonte: Própria. 102 Para o Problema 2 - Nesse problema, é exigido apenas conhecimento matemático sobre o cálculo de área, no caso, as medidas 110m x 75m. Porém, há grande quantidade de informações numéricas desnecessárias. Informações em excesso podem constituir um elemento complicador. Houve diversas ocorrências nas quais, provavelmente, não foram envolvidas, no cálculo, apenas as medidas de comprimento e largura, mas outros dados presentes no enunciado, como medidas do eixo maior e do eixo menor. O enunciado retoma o formato geométrico do estádio do Maracanã. Essa informação pode levar um leitor desatento a perder o foco do objetivo. Não importa o formato do estádio, o campo dentro dele, do qual se quer saber a medida, é retangular como qualquer outro campo de futebol. Mas alguns sujeitos confiaram que todos os dados numéricos disponibilizados pelo enunciado deveriam ser envolvidos no processo de resolução. Assim, foram registrados os seguintes equívocos: O Brasil foi escolhido para sediar a Copa do Mundo de Futebol em 2014, e uma das cidades em que aconteceram os jogos foi o Rio de Janeiro. O Maracanã, que em tupi-guarani significa “semelhante a um chocalho”, foi um dos estádios onde ocorreram alguns jogos. Criado em 1950, tem o formato elíptico medindo 317 metros em seu eixo maior e 279 metros no menor. O campo tem medidas oficiais de 110m x 75m. Qual a área oficial do campo onde ocorreram as partidas no Maracanã? - Em diversas situações foram utilizados dados presentes no enunciado que não eram necessários para o cálculo da área do campo. Na figura 8, a operação combinou dados não necessários (medidas do eixo maior e menor) com uma das medidas de base e altura. Figura 8 - Adição entre dados desnecessários para a resolução do problema. Fonte: Própria. 103 Na figura 9, a operação envolveu apenas as medidas do eixo maior e menor. Figura 9 - Multiplicação entre dados desnecessários para a resolução do problema. Fonte: Própria. - Um dos participantes imaginou que seria útil calcular os dados que faziam referência aos anos de 2014 (ano em que o Brasil sediaria a copa do mundo) e de 1950 (ano de construção do estádio). Embora esses dados estejam presentes no enunciado, não ajudam o resolvedor a chegar ao objetivo do problema. Na figura 10, ocorre o envolvimento do ano (1950) e da medida do eixo maior do estádio no que parecia ser uma operação de radiciação, mas em seguida, esse raciocínio equivocado parece ser abandonado e o resolvedor tenta realizar a multiplicação entre os dados realmente necessários (base e altura), conseguindo encontrar a resposta para o problema. Figura 10 - Operações entre dados desnecessários para a resolução do problema. Fonte: Própria. 104 - Houve também situações de falta do conhecimento matemático, em que foi realizada a seleção correta dos dados (base x altura), mas houve erro na execução das contas, ou escolha de uma operação errada (adição ou divisão no lugar de multiplicação). 5.4.2 Métodos Aplicados pelos Participantes na Resolução dos Problemas Para os dois problemas, surgiram muitas ideias em busca da solução. Em algumas situações, o sujeito parecia não ter mesmo noção sobre qual estratégia deveria ser aplicada. Alguns caminhos alternativos parecem ter funcionado, outros, não. Todas essas possibilidades foram analisadas no momento do debate entre o professor e os alunos. Problema 1 O diretor de uma escola convidou os 280 alunos de terceiro ano para participarem de uma brincadeira. Suponha que existam 5 objetos e 6 personagens numa casa de 9 cômodos; um dos personagens esconde um dos objetos em um dos cômodos da casa. O objetivo da brincadeira é adivinhar qual objeto foi escondido, por qual personagem e em qual cômodo da casa o objeto foi escondido. Todos os alunos decidiram participar. A cada vez, um aluno é sorteado e dá a sua resposta. As respostas devem ser sempre distintas das anteriores e um mesmo aluno não pode ser sorteado mais de uma vez. Se a resposta do aluno estiver correta, ele é declarado vencedor e a brincadeira é encerrada. O diretor sabe que algum deles acertará a resposta, já que existem mais alunos do que possibilidades de respostas. Quantos alunos a mais haveria?” Na figura 11, um dos alunos chegou à resposta esperada (10 alunos a mais que possibilidades de resposta) por meio da aplicação do mínimo múltiplo comum. Figura 11 - Tentativa de resolução por MMC. Fonte: Própria. Outro (Figura 12), da mesma turma, não fez uso de estratégias matemáticas, mas buscou resolver o problema a partir de desenhos. 105 Figura 12 - Desenho do aluno representando os cômodos, os personagens e os objetos. Fonte: Própria. Em outra turma, um sujeito conseguiu chegar ao resultado a partir de desenhos e um esquema contendo uma série de multiplicações (Figura 13). Figura 13 - Esquema representando o princípio multiplicativo da contagem. Fonte: Própria. A figura 14 apresenta a tentativa de resolução por meio de raciocínios desligados de formalidade matemática, na qual o sujeito se expressou verbalmente. 106 Figura 14 - Esquema de combinação de possibilidades e análise em linguagem verbal. Fonte: Própria. Problema 2 O segundo problema não apresentou métodos diferenciados para se encontrar a solução. Ressaltou-se a quantidade de representações do pensamento por meio de desenhos. Talvez as ilustrações facilitem a visualização da situação proposta no enunciado. Boa parte dos resolvedores deixou algum tipo de esboço do estádio com suas medidas expressas, como se vê na figura 15. O Brasil foi escolhido para sediar a Copa do Mundo de Futebol em 2014, e uma das cidades em que aconteceram os jogos foi o Rio de Janeiro. O Maracanã, que em tupi-guarani significa “semelhante a um chocalho”, foi um dos estádios onde ocorreram alguns jogos. Criado em 1950, tem o formato elíptico medindo 317 metros em seu eixo maior e 279 metros no menor. O campo tem medidas oficiais de 110m x 75m. Qual a área oficial do campo onde ocorreram as partidas no Maracanã? Figura 15 - Desenho da área do campo de futebol. Fonte: Própria. 107 Da mesma forma que no problema anterior, surgiram várias ocorrências de destaque ou utilização de dados inúteis para a resolução do problema, em especial os dados que faziam referência às medidas do eixo maior e menor. Após 15 minutos da aplicação, os testes com o instrumento 3 foram recolhidos para que não influenciassem as respostas do instrumento 4. Não houve interferências por parte do professor de Matemática durante a aplicação do instrumento 3. O desempenho dos sujeitos na resolução de problemas deveria ser avaliado sem que o sujeito obtivesse qualquer apoio. Dos 160 participantes, 69 alcançaram o resultado correto, 74, não alcançaram e 17 deixaram o teste totalmente em branco. 5.5 RESULTADOS DO INSTRUMENTO 4 Quase todos os 69 alunos que obtiveram sucesso na resolução do instrumento 3 conseguiram responder o roteiro de perguntas do instrumento 4 por completo, indicando terem cumprido os preceitos de Pólya com sucesso. Aqueles que não conseguiram, deixaram incompletas uma ou duas perguntas apenas, mas responderam, corretamente, às perguntas finais que pediam a solução do problema. Algumas perguntas foram formuladas de modo a ajudar na condução do raciocínio do participante, mas não era, necessariamente, obrigatório que fossem respondidas por escrito para que o leitor pudesse criar conexões mentais necessárias à resolução do problema. Portanto, foi possível que algumas perguntas ficassem incompletas e isso não impedisse que as últimas perguntas que continham o objetivo central do problema fossem respondidas. Nesse caso, penso ser útil analisar o desempenho dos 74 alunos que não conseguiram chegar à resposta correta e os 17 alunos que deixaram o teste em branco. Isso será apresentado na tabela 9. Tabela 9 - Desempenho no instrumento 4 (apenas alunos que não obtiveram sucesso no instrumento 3). Turmas Desempenho 1 2 3 4 5 6 Responderam todas as perguntas. 12 10 8 3 3 10 Total 74 suj. 46 Incompleto, porém chegaram à solução. - - - - - - 0 Incompleto, não chegaram à solução 2 2 8 3 10 3 28 Deixaram o texto em branco. - - - - - - 0 Fonte: Própria. 108 Com o roteiro de condução do último instrumento, 46 alunos, ou seja, 62% do total de sujeitos que tentaram, mas não conseguiram responder ao instrumento 3, conseguiram compreender o que o problema pedia e encontrar uma estratégia para chegar à resolução. Seguem, na tabela 10, os resultados obtidos no instrumento 4 por alunos que deixaram o instrumento 3 em branco. Tabela 10 - Desempenho no instrumento 4 (apenas alunos que deixaram o instrumento 3 em branco). Turmas Desempenho 1 2 4 5 6 Responderam todas as perguntas. 4 3 1 - 1 Total 17 suj. 9 Incompleto, porém chegaram à solução. - - - 1 - 1 Incompleto, não chegaram à solução - - 1 - 6 7 Deixaram o texto em branco. - - - - - 0 Fonte: Própria. Vale observar, no entanto, que a tabela 10 não mostra os resultados referentes a uma das turmas do vespertino (turma 3), visto que nessa turma, não houve casos de testes em branco na aplicação do instrumento 3. Ao que parece, o instrumento 4, que empregava o método de Pólya para a condução do raciocínio na resolução de problemas foi um diferencial para alguns participantes. Como pode ser visto na tabela 10, dezessete participantes haviam abandonado o instrumento 3 sem ao menos tentar respondê-lo, possivelmente alguns assim procederam por não conseguir compreender o que deveria ser feito para resolver o problema. Entretanto, ao responder o instrumento 4, conduzidos pelo método de Pólya, dez desses dezessete participantes (59%) conseguiram obter sucesso dessa vez. Sete entre os dezessete participantes que deixaram em branco o instrumento 3, diante do instrumento 4, não conseguiram finalizar o teste chegando à solução, mas tentaram formular respostas para algumas perguntas do roteiro. Entre esses sete alunos, quatro não conseguiram responder às perguntas que exigiam o conhecimento matemático específico, como por exemplo: “Como calculamos a área do campo?” O que leva a crer que se o aluno não conhece a estratégia matemática necessária para o cálculo de área, possivelmente ele não conseguirá obter a solução do problema. Talvez, nesse caso, o obstáculo do resolvedor está além da falta de compreensão do enunciado. Não obstante, pelos resultados descritos nas tabelas 9 e 10, o que se pode notar é que o método de 109 condução de Pólya parece ter funcionado para a maioria, pelo menos, como um elemento motivador para que os participantes, antes desestimulados, se aventurassem a encontrar uma forma de responder o problema. 5.5.1 Respostas dadas no Instrumento 4 No instrumento 4 confirmaram-se algumas proposições que havia feito quando realizava a análise do instrumento 3. Problema 1: O diretor de uma escola convidou os 280 alunos de terceiro ano para participarem de uma brincadeira. Suponha que existam 5 objetos e 6 personagens numa casa de 9 cômodos; um dos personagens esconde um dos objetos em um dos cômodos da casa. O objetivo da brincadeira é adivinhar qual objeto foi escondido, por qual personagem e em qual cômodo da casa o objeto foi escondido. Todos os alunos decidiram participar. A cada vez, um aluno é sorteado e dá a sua resposta. As respostas devem ser sempre distintas das anteriores e um mesmo aluno não pode ser sorteado mais de uma vez. Se a resposta do aluno estiver correta, ele é declarado vencedor e a brincadeira é encerrada. O diretor sabe que algum deles acertará a resposta, já que existem mais alunos do que possibilidades de respostas. Quantos alunos a mais haveria?” Figura 16 - Confusão na compreensão do enunciado no problema 1. Fonte: Própria. 110 Alguns alunos deixaram explícita a confusão entre o primeiro e o segundo ambientes citados no problema 1, como mostra a figura 16. O objetivo do problema era saber quantos alunos a mais havia em relação às possibilidades de respostas. Saber qual o objeto que seria escondido seria o objetivo da brincadeira proposta pelo diretor na situação fictícia. O que torna a resposta para as perguntas 1 e 5 do roteiro diferente da resposta para a pergunta 4. Problema 2: O Brasil foi escolhido para sediar a Copa do Mundo de Futebol em 2014, e uma das cidades em que aconteceram os jogos foi o Rio de Janeiro. O Maracanã, que em tupi-guarani significa “semelhante a um chocalho”, foi um dos estádios onde ocorreram alguns jogos. Criado em 1950, tem o formato elíptico medindo 317 metros em seu eixo maior e 279 metros no menor. O campo tem medidas oficiais de 110m x 75m. Qual a área oficial do campo onde ocorreram as partidas no Maracanã? O instrumento 4 confirmou que, de fato, o excesso de informações pode ter ocasionado confusões. A leitura rápida e desatenta de muitas informações desnecessárias e a falta de reflexão sobre o significado destinado a cada um dos termos usados no enunciado podem ter sido a causa de alguns equívocos na resolução do problema 2. A expressão “formato elíptico”, por exemplo, presente no enunciado evocava a ideia de uma figura geométrica que parecia ser ignorada por muitos alunos, pelo menos dois alunos em cada turma pediram ajuda para relembrar seu significado. Saber identificar essa forma poderia ajudar a entender o enunciado, mas não seria fundamental para encontrar a área. Entretanto, muitos alunos pareciam se sentir inseguros diante da situação, alguns selecionaram esse dado como um dos que seriam utilizados no processo de resolução. Outra informação, presente no enunciado, mas desnecessária para se encontrar a área do campo era a que trazia as medidas do eixo maior e menor do estádio. Houve vários casos do envolvimento dessa informação nos cálculos para encontrar a área, alguns alunos chegaram a desprezar a informação sobre as medidas de base e altura, para utilizar as medidas dos eixos. Muitos acreditavam que esse era um dado fundamental para a resolução e isso ficou explícito em respostas dadas ao roteiro de perguntas (Figura 17). 111 Figura 17 - Dados em excesso (problema 2). Fonte: Própria. Boa parte do enunciado se prende a transmitir a imagem do estádio do Maracanã. Seu formato, nome, tamanho, ano de construção, etc. O leitor pode ser levado a acreditar que será preciso encontrar a medida do estádio e não do campo. De fato, pelas respostas dadas, é possível inferir que alguns alunos não conseguiam diferenciar o termo “campo” de “estádio”. Talvez daí se origine a ideia de calcular as medidas do eixo maior e menor do estádio esperando se encontrar a área do campo de futebol (Figura 18). 112 Figura18 - Confusão entre “campo” e “estádio” (problema 2). Fonte: Própria. Na figura 18, o participante respondeu corretamente quando questionado sobre o objetivo do problema (Pergunta 9), mas, logo na pergunta seguinte, ele não apresenta as medidas da área conforme o enunciado disponibilizava, mas apresenta as medidas do eixo maior e menor referentes ao estádio, o que demonstrou que pode estar havendo dificuldades na discriminação desses termos. 113 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS A leitura parece ser a mais valorizada, entre as competências desenvolvidas nos anos escolares, por alguns educadores. Pois ler, de forma proficiente, fornece ao indivíduo autonomia para continuar aprendendo dentro e fora do ambiente escolar. Entretanto, ainda existem educadores que, mesmo valorizando a leitura, não se preocupam ou não sabem como desenvolver em seus alunos essa competência. Não basta, ao aluno, estar alfabetizado, é preciso que ele conheça diferentes situações ou tipos de leitura específicos que, muitas vezes, não são trabalhados em aulas de Linguagem. Uma dessas situações, que constitui o foco do presente estudo, é a leitura de instruções, dados e outras particularidades presentes em um enunciado verbal de um problema de Matemática. Esse tipo de texto exige métodos diferentes dos empregados na prática da leitura de textos comuns. É um tipo de leitura que pode e precisa ser desenvolvido durante as aulas de Matemática. Para Cagliari (1994, p.172), “uma leitura de textos desse tipo, só se completa quando se conclui o que eles pedem que se calcule. Antes disso, a compreensão do texto é parcial, o que não faz sentido como procedimento matemático mecânico”. A ideia de que o desenvolvimento da competência leitora de enunciados de problemas pode contribuir para o ensino da Matemática fez surgir as seguintes perguntas que nortearam esse estudo: quais as relações entre competência leitora e desempenho na resolução de problemas de Matemática com enunciados verbais de alunos do Ensino Médio? E de que forma podemos conduzir a resolução desses problemas de Matemática a partir dos preceitos do matemático George Pólya? O objetivo da investigação consistiu em, a partir da aplicação de quatro instrumentos de pesquisa aplicados em alunos do Ensino Médio, verificar relações entre a competência na leitura de enunciados verbais de problemas de Matemática e o desempenho na resolução desses problemas, com e sem a aplicação do método de Pólya. A investigação foi realizada contando com 305 participantes e apresentou os seguintes resultados: O tratamento estatístico (informado pelo software SPSS) referente ao primeiro instrumento, que verificou a competência leitora dos participantes, indicou existência de normalidade dos dados. Organizando os participantes, de acordo com a quantidade de afirmações corretas, em quatro categorias, a saber, baixa, relativamente baixa, relativamente alta e alta. O resultado mostra que a maior parte dos 305 alunos se enquadra entre as categorias “relativamente 114 baixa” e “relativamente alta”, o que revela a diversidade entre a competência leitora desses alunos. Além desses, 14 alunos foram considerados excepcionalmente não competentes e 53 excepcionalmente competentes, o que demanda a continuidade do estudo, de forma qualitativa, visando compreender elementos que tenham interferido no processo de compreensão do enunciado nesses casos. O segundo instrumento, que verificou o desempenho dos sujeitos em resolução de problemas, passou também por tratamento estatístico que revelou, por sua vez, não normalidade nos dados. A maioria dos 305 participantes ficou entre as categorias “relativamente baixo” e “relativamente alto”, apresentando uma tendência para o baixo desempenho na resolução dos sete problemas de Matemática propostos. Nenhum participante conseguiu resolver todos os problemas do instrumento 2. Assim como no primeiro instrumento, foram observadas as situações extremas. Nesse caso, 29 alunos tiveram o desempenho considerado excepcionalmente baixo e 49 alunos, excepcionalmente alto, essa categorização poderá ser útil em investigações posteriores relacionadas aos processos cognitivos envolvidos na atividade de RP. Quanto à correlação entre a competência leitora e o desempenho na resolução de problemas, o software SPSS indicou alta dependência ilusória entre as variáveis. Esse fenômeno pode ser explicado pela identificação pelo software de alguma regularidade matemática entre os dados, mas quando interpretados revelavam que qualquer competência leitora estava associada ao mesmo nível de desempenho, o que, na verdade, não se configura como uma correlação. O resultado qualitativo mostrou a possibilidade de que a leitura tenha se realizado de forma superficial. Em decorrência do interesse de se partir de imediato para a finalização da atividade, seja a escolha de alternativas (no primeiro instrumento) ou a efetivação dos cálculos matemáticos (no segundo), os participantes podem ter lido o enunciado de forma mais rápida e sem atenção. Isso pode ter interferido, de forma parcial ou integral, para o insucesso na resolução do problema. O resultado do instrumento 4 confirmou que os equívocos cometidos por alguns participantes na realização do instrumento 3, em diversas situações, se deram devido a problemas na leitura do enunciado. Mas ocorreram também, por várias vezes, situações, nas quais, a deficiência estava no conhecimento matemático e não apenas na leitura. Talvez uma das limitações para a segurança dos resultados nessa investigação esteja em identificar se a origem da dificuldade do aluno está na leitura ou nos conceitos matemáticos. 115 Falhas no reconhecimento de algumas noções específicas da Matemática poderão obstruir o raciocínio na resolução de problemas, bem como o desconhecimento de palavras e expressões ligadas ao léxico matemático, o que pode estar ligado à falta de domínio em Matemática, mas não deixa de ser um problema de leitura também. Identificar e delimitar esses pontos problemáticos apresentados por alguns alunos constituiu um dos principais obstáculos para o sucesso dessa pesquisa, seguido da desmotivação e falta de comprometimento de alguns participantes na realização das atividades propostas. Um posterior aprofundamento nesse estudo, no sentido de isolar cada etapa, tentando identificar e destacar aspectos relacionados à competência leitora de outras pendências apresentadas pelos alunos pode trazer resultados mais completos para averiguação. Para isso, pode se fazer necessário algumas alterações nos métodos de pesquisa, possivelmente incluindo entrevistas ou acompanhamento do aluno durante a realização da atividade. Esses resultados, associados às informações obtidas em outras etapas da resolução, talvez ajudassem mais facilmente a descobrir a relação entre competência leitora e desempenho em resolução de problemas. Sugiro, como continuidade da investigação, experimentos longitudinais com o método proposto por George Pólya, de forma a acompanhar a evolução dos estudantes ao serem submetidos a esse método após um determinado período de tempo. Embora não tenha se evidenciado, por meio dessa investigação, a interdependência entre a competência em leitura e o desempenho na resolução de problemas, é inegável a necessidade de encontrar meios de contribuir para o desenvolvimento da leitura de nossos alunos. Por isso, faz-se necessário empenhar-se em buscar e organizar informações que possam auxiliar no desenvolvimento da competência leitora. Tentando, dessa forma, todas as possibilidades para ajudar o aluno a superar problemas na leitura de diferentes tipos de texto. 116 REFERÊNCIAS ABEDI, J.; LORD, C.; HOFSTETTER, C. H. Impact of selected background variables on students' NAEP math performance. Los Angeles: CRESST, 1998. Disponível em:< http://www.cse.ucla.edu/products/Reports/TECH478.pdf> Acesso em 12 jun. 2014. BAKHTIN, M. M. Estética da criação verbal. 6. ed.. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011. BRASIL. Ministério da Educação. PDE/SAEB Plano de desenvolvimento da educação. Brasília: MEC, 2011. BRASIL. 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Vitória: Flor & cultura, 2007. p.174. 118 ANEXO A - Carta de solicitação de aplicação da pesquisa ao diretor da escola 119 ANEXO B - Termo de livre consentimento para os alunos 120 ANEXO C - Carta de solicitação de autorização de aplicação de instrumento de pesquisa científica CARTA DE SOLICITAÇÃO DE AUTORIZAÇÃO DE APLICAÇÃO DE INSTRUMENTO DE PESQUISA CIENTÍFICA Ao Sr. Diretor .................................................................. Assunto: Aplicação de instrumento de pesquisa científica Prezado senhor, Gostaria de apresentar o projeto de pesquisa intitulado: COMPETÊNCIA LEITORA E DESEMPENHO EM MATEMÁTICA: UM ESTUDO DE RELAÇÕES, desenvolvido com a finalidade de servir como suporte para a dissertação de mestrado do curso Mestrado Profissional em Educação em Ciências e Matemática do Instituto Federal do Espírito Santo – IFES, que deverá ser realizado entre os meses de janeiro a maio de 2015. Quero esclarecer que todas as informações que serão coletadas durante a pesquisa serão guardadas pelo tempo que determinar a legislação, não sendo utilizadas com outro propósito que possa prejudicar de alguma forma essa instituição e/ou pessoas que participaram da pesquisa, inclusive na forma de danos à estima, prestígio e/ou prejuízo econômico ou financeiro. Além disso, serão utilizados no relatório e em apresentações do trabalho nomes fictícios para preservar o anonimato dos sujeitos da pesquisa, alunos dessa instituição, durante e depois de sua conclusão. A pesquisa será desenvolvida pela mestranda Stefania Reis Antunes Hoffmann do curso de Mestrado Profissional em Ciências e Matemática do Instituto Federal do Espírito Santo e orientanda da professora Drª Maria Alice Veiga Ferreira de Souza, professora do Programa de Pós-graduação em Educação em Ciências e Matemática. Para isso, respeitosamente, venho solicitar sua autorização para que a pesquisa seja realizada na instituição que dirige, permitindo que à aluna-pesquisadora desenvolver uma investigação junto aos alunos relacionada à competência leitora em enunciados de problemas de matemática. Vitória, 30 de janeiro de 2015. _________________________________ Profª Stefania Reis Antunes Hoffmann Mestranda do EDUCIMAT _________________________________ Profª Drª Maria Alice Veiga Ferreira de Souza Professora do EDUCIMAT