Revista - Congregação MSCS

Transcrição

Revista - Congregação MSCS
Esperança
Revista
Ano III – nº 5 – 1º semestre de 2011
Trabalho:
Expressão do
Amor Criador
e Redentor
Bolivianos em
São Paulo.
Resposta de serviço
aos migrantes
O importante
é nunca
parar de
sonhar
Sumário
Capa: Mulheres bolivianas – Pastoral dos Migrantes
© Arquivo PNSA
Revista Esperança
Publicação semestral das Irmãs Missionárias
de São Carlos Borromeo – Scalabrinianas
Província Nossa Senhora Aparecida
Abril de 2011
Diretora
Ir. Neusa de Fátima Mariano, mscs
Superiora Provincial
Coordenação Geral
Ir. Sandra Maria Pinheiro, mscs
Conselheira e Secretária Provincial
Direção de redação
Ir. Elizangela Chaves Dias, mscs
Ir. Rosa Maria Martins Silva, mscs
Marina Ferraz
Colaboradoras
Ir. Elizangela Chaves Dias, mscs
Ir. Erta Lemos, mscs
Ir. Inês Facioli, mscs
Ir. Janete Aparecida Ferreira, mscs
Ir. Lídia Mara Silva de Souza, mscs
Ir. Ligia Ruiz Gamba, mscs
Ir. Maria Lélis da Silva, mscs
Ir. Neuza Botelho dos Santos, mscs
Ir. Renilda Teixeira Pereira, mscs
Ir. Rosa Maria Martins Silva, mscs
Ir. Sonia Delforno, mscs
Jornalistas responsáveis
Ir. Maria Lélis da Silva, mscs
Marina Ferraz
Revisão Geral
Ir. Sandra Maria Pinheiro, mscs
Marina Ferraz
Diagramação e arte
Inês Ruivo – HI Design
Impressão e acabamento
Edições Loyola
rua 1822, nº 347
04216-000, São Paulo, sp
Tel 55 11 3385-8500
Tiragem
1000 exemplares
Contato
Província Nossa Senhora Aparecida
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e-mail: [email protected]
EspiritualidadE
Trabalho: expressão do amor criador e redentor......................................... 2
dEcifrando as Escrituras
Espalhando as sementes do verbo –
O trabalho na perspectiva bíblica.................................................................... 4
eclesiologia
A vocação ao desenvolvimento pleno.............................................................. 6
forMação
O trabalho humano: caminho para a autorrealização................................ 8
Cuidando da vida do Migrante...................................................................... 10
ação Missionária
O importante é nunca parar de sonhar....................................................... 12
Bolivianos em São Paulo................................................................................. 14
Uma resposta, a serviço dos migrantes........................................................ 16
El bote salvavidas del Ecuador....................................................................... 18
La emigracion colombiana............................................................................. 20
O sonho americano.......................................................................................... 22
Educação
Fuga de cérebros: uma face da migração..................................................... 26
Migração e os meios de comunicação.......................................................... 28
história dE vida
Irmã Marilde: um testemunho de serviço e pertença............................... 30
Abra a porta........................................................................................................ 31
Caros Leitores
C
olocamos mais uma vez em suas mãos a Revista Esperança, publicação das Irmãs Missionárias
de São Carlos Borromeo, Scalabrinianas, da Província Nossa Senhora Aparecida – São Paulo.
Esta edição tem como tema central: Migrações e Trabalho. Sem sombra de dúvidas, trata-se de
uma temática de grande atualidade, bem como de grande abrangência, e nos coloca diante de um desafio certamente não fácil, devido ao seu vínculo com a esfera econômica, social e política. E, por outro
lado, não podemos permanecer alheios a este problema que afeta a nossa sociedade, especialmente, aos
migrantes.
O tema das migrações é associado, com frequência, à questão do trabalho, sobretudo no que diz respeito às motivações do ato migratório e suas implicações. Acredita-se, comumente, que o desempregado
migra em busca de emprego, o trabalhador à procura de salários mais justos, o profissional qualificado
em busca de melhores oportunidades de trabalho na sua área de formação.
De fato, as migrações por razões laborais são uma das dimensões mais visíveis da globalização. Excluindo as guerras e as epidemias, a fuga da pobreza e de inseguranças, pode-se dizer que a procura de um
melhor emprego é um dos fatores que mais levam as pessoas a procurarem outros países e a aceitarem,
muitas vezes, qualquer trabalho, independentemente das respectivas condições.
É nesta perspectiva que os artigos, relatos, entrevistas e testemunhos contidos nesta revista, a partir
dos vários enfoques, oferecerem valiosos elementos de reflexão e oportunas indicações sobre o tema em
questão. Ao mesmo tempo, estes querem ser uma provocação e motivação para a necessidade de incidir
nos processos conjunturais e nas instâncias institucionais eclesiais e civis. Instituições que estabelecem
leis, estratégias e políticas que atingem os migrantes, em particular, diante das atrozes formas de exploração e violação da dignidade humana, do trabalho escravo e degradante, do abuso e do engano, visando
uma política migratória que leve em consideração os direitos das pessoas em mobilidade, na promoção e
aspiração a uma sociedade mais justa e a uma convivência cidadã com bem estar e em paz.
Enfim, “louvamos a Deus porque na beleza da criação, que é obra de suas mãos, resplandece o sentido
do trabalho como participação na sua tarefa criadora e como serviço aos irmãos e irmãs... O trabalho
garante a dignidade e a liberdade do homem e da mulher, e é provavelmente “a chave essencial de toda a
questão social” (DA 120).
A todos(as), uma boa leitura!
Ir. Neusa de Fátima Mariano, mscs
Superiora Provincial
Trabalho:
expressão do amor
criador e redentor
O
primeiro livro da Bíblia, Gênesis, inicia sua
narrativa com um “hino à criação do universo”. Mostra que a existência do mesmo é fruto de um longo trabalho, “seis dias”. Não espaço de 24
horas, mas longos períodos, nos quais todo o universo
e, nele, o ser humano, aparecem como resultado de uma
ação contínua de Deus Criador. E, concluindo cada período, o autor sagrado diz: “E Deus viu que era bom”
(cfr Gn 1, 4. 10. 12. 18. 21. 25. 31).
Porém, a ação de Deus não se limitou apenas ao início da criação, mas se perpetua no tempo como no-lo
revelou o mesmo Jesus Cristo, respondendo aos judeus
que o interrogavam porque havia realizado uma cura
em dia de sábado: “Meu Pai trabalha sempre, e eu também
trabalho” (Jo 5,17).
Ao entregar a obra da criação ao ser humano, “criado à
Sua imagem e semelhança” (cfr Gn 1,26), Deus tudo confia em suas mãos. Porém, com uma tarefa e uma responsabilidade. A “missão de submeter a si a terra e tudo o
que ela contém, de governar o mundo na justiça e na santidade e, reconhecendo Deus como o Criador de todas as
coisas, de se orientar a si e ao universo todo para Ele, de
maneira que, estando tudo subordinado ao homem, o
nome de Deus seja glorificado em toda a terra” (GS, 34).
2
No desempenho de tal responsabilidade, o ser humano
não é um concorrente com Deus, mas um parceiro e colaborador através da atividade que realiza por meio do seu
trabalho. Desta forma, para os que reconhecem a Deus
como o Senhor e Criador de todas as coisas, o trabalho é
um valor, porque é realização do desejo de Deus mesmo.
Migração e trabalho
Parecem dois elementos inseparáveis. Embora o fenômeno migratório não seja um fato novo na história
da humanidade, na atualidade o vemos mais intenso e
complexo. Na fala informal dos migrantes, quando perguntados sobre o porquê migrou, é comum ouvir como
resposta: a falta de trabalho em seu lugar de origem. É
um indicador a nos apontar como causas da migração:
pobreza, violência, falta de trabalho estável e bem remunerado. Motivos que levam a pessoa à busca de melhores
condições de vida, de trabalho, oportunidade de estudo,
emprego, etc.
Se de um lado a necessidade de trabalho compele o ser
humano a iniciar um processo migratório, é bom lembrar que ele não é apenas alguém necessitado, mas uma
pessoa portadora de valores, cultura, dons, capacidades,
iniciativas e que muito pode enriquecer o ambiente que
Espiritualidade
© arquivo PNSA
o acolhe. E, sobretudo, é uma pessoa de esperança. Só se
Trabalhar é participar do projeto de Deus
coloca a caminho quem tem uma meta e sabe que leva
Pe. José e Madre Assunta Marchetti, desde a infância,
consigo grande potencial para intercambiar e alcançar o
dedicaram-se ao trabalho no seio da família e entregaram
objetivo a que se propõe.
suas vidas a Deus e ao serviço dos irmãos mais necessiEmbora sendo também uma resposta às necessidades
tados no mundo da Migração. Sempre consideraram o
pessoais de sobrevivência, o trabalho é sempre participatrabalho como um dom do Pai que quer associar toda
ção na obra da construção da sociedade humana e tem
pessoa humana, também as que lhe são consagradas, à
em vista o progresso material e cultural dos povos. PorSua obra criadora e redentora. O mesmo Pai quer contar
tanto, o migrante não é apenas força
com cada um de seus filhos para realizar
de trabalho, é também alguém que coa transformação do mundo. Se existe a
É através do
labora na obra criadora e redentora do
necessidade de um trabalho, ela protrabalho que a
Plano de Deus e abre para o comprovém do amor do Pai pela humanidade.
pessoa encontra
misso do amor e da justiça para com a
A Providência do Pai (devoção muito
Comunidade Humana.
especial de ambos) é soberana, mas não
sentido para sua
Aliás, já o bem-aventurado Scalabrini
quer agir sozinha. Por isso, a realização
vida e a forma de
considerava o trabalho como algo que
de um trabalho não é um peso, mas uma
colaborar com
confere “nova dignidade ao ser humaforma de serviço aos demais que dignio bem comum
no”. Afirmava que o “mal que aflige a
fica e realiza o ser humano. É através do
sociedade não é apenas o econômico,
trabalho que a pessoa encontra sentido
mas, sobretudo, moral e não consiste unicamente na
para sua vida e a forma de colaborar com o bem comum.
organização social, senão também e muito mais nos
Em carta ao bem-aventurado Scalabrini, as primeiras
indivíduos”. Por isso, a salvação da sociedade está na
Irmãs MSCS se referem à vida de trabalho como forma
regeneração religiosa e moral dos indivíduos. Entendia
de realização pessoal e da própria missão: “Em quase seis
ser necessário robustecer as mentes e os corações com
anos de vida, [...] nenhuma de nós deu motivo que nos fias grandes verdades
zesse desmerecer a estima dos nossos superiores, ou, por
do Evangelho.
um só instante, abandonar o campo de trabalho para
nós sempre tão agradável, porque o assumimos como
compromisso...” (Carta a D. Scalabrini, 28/12/1900).
Assim, não é o trabalho que faz com que uma pessoa
seja importante, mas, o trabalho se torna importante
por causa da pessoa que o faz e mais ainda, pelo motivo pelo qual o faz. É da relação pessoal e íntima com o
Deus da vida e o desejo de através do próprio trabalho
colaborar na construção do Reino de Deus, na justiça,
amor, solidariedade que o torna sempre mais importante e indispensável.
É o espírito e a interioridade da pessoa
que permite descobrir no trabalho o
novo significado que este contém,
pois, é o Espírito do Senhor, presente
em nossas vidas, quem “faz novas todas as coisas” (Ap 21,5).
Ir. Sônia Delforno, mscs
Jundiaí – SP
Esperança | 1º semestre de 2011
3
Espalhando as
sementes do verbo
O trabalho na perspectiva bíblica
A
bordar a questão do trabalho a partir da visão
modo, decide criar o homem para encarregá-lo do trababíblica e na perspectiva da migração é um tema
lho dos deuses. Ea (também chamado de Enki), deus das
sugestivo. Poderia partir de um silogismo: ‘o
águas, deu este conselho:
homem trabalha, o migrante é homem, logo, o migrante
“... que se degolasse um deus e todos os demais deuses se pué trabalhador’. Isso não é somente para dizer o que é óbrificassem no banho de seu sangue. E que a sua carne e o
vio, o fato é que o trabalho é uma realidade significativa
seu sangue, Nintu, a deusa-mãe, misturasse um pouco de
da vida humana.
argila, de maneira que deus e o homem estivessem mistuAntes de analisar o tema nas Sagradas Escrituras, seria
rados, constituindo assim uma só carne e um só espírito.”
interessante apresentar uma visão panorâmica das culOs deuses presentes concordaram e degolaram Wé,
turas que influenciaram o seu ambiente histórico cultuque era desconhecido. Ea e a deusa-mãe chamaram enral, bem como sua interpretação ao longo dos séculos.
tão as sete genitoras, que se puseram a trabalhar a argila.
Com referência ao ambiente histórico cultural, tem-se
A deusa-mãe cortou então 14 pedaços de argila – sete à
conhecimento da chamada Epopéia
esquerda e sete à direita – e as deusas
de Atrahasis, poema épico da mitoloderam à luz sete varões e sete mulheres
O trabalho é fonte
gia suméria sobre a criação e o dilúvio
que, imediatamente, foram juntos, aos
de bênçãos e não
universal. O poema inicia com a narrapares, e a raça humana recebeu as leis
de maldições ou
tiva do trabalho dos deuses. Anu, pai
do trabalho.
castigo
pelo
pecado,
dos deuses, impõe o trabalho somente
Observa-se algumas semelhanças
o
trabalho
já
existia
aos deuses menores, chamados Igigi, os
entre a teologia e antropologia babilôantes da queda
quais se rebelam. A solução do problenica com a narrativa bíblica da criação
ma do trabalho representa a primeira
do homem: o mito de Atrahasis tametapa da ordem do mundo. Segundo a narrativa, os deubém destaca a total participação do elemento divino na
ses estavam reunidos em um conselho. Anu admite que
formação do composto humano. Mas, esse mito deixa
os rebeldes tinham motivos para suas queixas e, deste
claro que a criação do homem tem a finalidade de so4
Decifrando as escrituras
lucionar o problema do trabalho dos deuses e que, por
natureza, o homem é a mistura de elementos divinos e
humanos.
Dando um salto no tempo e no contexto histórico-cultural no que se refere ao trabalho e a migração, o pensamento grego também oferece uma significativa contribuição a esta reflexão. Em Atenas, o trabalho manual e o
comércio eram verdadeiramente desprezados. Como tal,
os ofícios manuais eram exercidos, sobretudo, por escravos ou estrangeiros, sendo que os cidadãos só recorriam
a eles quando pressionados pela necessidade. Raramente
um cidadão aceitaria um trabalho como pedreiro – ou
outro qualquer – que o obrigasse a estar sujeito às ordens e ao pagamento de outros. O cidadão trabalhava,
mas tentava ser o mais livre possível. O homem verdadeiramente livre deveria ser dono de si mesmo. Quem dependesse do salário de outro não era livre, sendo a pior
das condições humana a do operário agrícola, que tinha
que alugar o serviço de seus braços.
Diversamente, nas Sagradas Escrituras o trabalho é
uma realidade importante na vida humana, bem como
característica da vida divina. As narrativas bíblicas deixam transparecer um Deus trabalhador, que atua na
criação como um oleiro (Gn 2,4b-24). Ele mesmo modela e plasma o homem com as suas mãos. Seu trabalho
não termina, Ele continua atuando na providência, no
sustento e na conservação do mundo. Em João 5,15,
Jesus afirma: “Meu Pai trabalha sempre e eu também
trabalho”. O ser humano foi criado para trabalhar. No
entanto, não como vimos no mito anteriormente, como escravo dos deuses ou substituição da
mão de obra de deuses menores, pois o trabalho não tem um fim em si mesmo.
Em Genêsis (1,28), o homem recebe a ordem
divina de sujeitar a terra e dominar os animais, mostrando que tudo está colocado por
Deus, sob o cuidado e a serviço do homem. E
Genêsis (2,15) diz que a tarefa do ser humano
é cultivar e guardar o jardim. O trabalho é fonte de bênçãos e não de maldições ou castigo
pelo pecado, o trabalho já existia antes da
queda. O castigo que decorre do pecado
não é o trabalho, mas seu caráter penoso e
afadigador (Gn 3,17-19).
Nas Sagradas Escrituras, temos uma visão
positiva do trabalho que, como vimos, contrasta
com outras culturas. Na cosmovisão bíblica, todo trabalho é valorizado, seja intelectual ou manual, pois, todos
são necessários, assim como testemunha Jesus (o carpinteiro, filho de carpinteiro), Paulo (o fazedor de tendas) e
Pedro (o pescador).
A recomendação de Jesus sobre o não andar ansioso
com o que comer, beber ou vestir (Mt 6,25-44) certamente não é um estímulo à preguiça, nem implica o não
trabalhar ou deixar de ser previdente. Pelo contrário, é
um convite a ter o trabalho não como fim em si. Deste
modo, vale lembrar a exortação de Paulo em 2Ts 3,6-12:
“Nós vos ordenamos, irmãos, em nome do Senhor Jesus
Cristo, que vos afasteis de todo irmão que leve vida desordenada. Não vivemos de maneira desordenada em vosso
meio, nem recebemos de graça o pão que comemos; antes,
no esforço e na fadiga, de noite e de dia, trabalhamos para
não sermos pesados a nenhum de vós. Quando estávamos entre vós, já vos demos esta ordem: quem não quer
trabalhar, também não há de comer. Ora, ouvimos dizer
que alguns entre vós, levam vida à toa, muito atarefados
sem nada fazer. A estas pessoas ordenamos e exortamos,
no Senhor Jesus Cristo, que trabalhem na tranquilidade,
para ganhar o pão com o próprio esforço.”
Seguindo a tradição do pensamento bíblico cristão,
o Beato João Batista Scalabrini, defendendo o direito
à vida, se coloca ao lado daqueles que precisam migrar
para encontrar trabalho e salário digno. Diferente do
pensamento grego, que tira do estrangeiro o direito de
ser cidadão, Scalabrini afirma que “para o migrante, a
pátria é a terra que lhe dá o pão”.
São Paulo foi migrante por causa
de Cristo e se fez trabalhador para
poder sustentar sua missão. Tantos
outros exemplos poderiam ser tomados das Sagradas Escrituras para
demonstrar a importância do trabalho na vida dos cristãos. A migração, por causa de trabalho
não deve ser vista como
problema, mas como
oportunidade de
espalhar as sementes do Verbo.
Ir. Elizangela
Chaves Dias, mscs
São Paulo – SP
Esperança | 1º semestre de 2011
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A vocação ao
desenvolvimento
pleno
A
reflexão da Igreja sobre a dignidade da pessoa
humana é antiga e sempre nova, pois continuamente se dedica ao aprofundamento das verdades que alimentam a vocação humana à realização plena
neste mundo, aspirando à transcendência. Nossa reflexão é bastante elementar, porém, rica de luzes.
A dignidade transcendente
Iniciamos com a encíclica Rerum novarum, de Leão
XIII, que é uma resposta moral às questões trabalhistas
do seu tempo e, de modo especial, à luta de classes. É
uma escola sobre a dignidade da pessoa humana que,
pela inteligência, capacidade de produção, de gerenciar
a própria vida e aspiração ao transcendente, é capaz de
buscar a realização plena de sua existência no aqui e agora da história e na eternidade depois. Neste trabalho,
Leão XIII desenvolveu como tema principal a proclamação das condições fundamentais da justiça na conjuntura econômica e social daquele momento histórico,
momento que é também extremamente atual.
6
Com a Rerum novarum, o Papa oferece ao mundo uma
fonte de unidade e paz frente aos conflitos que surgem
no setor socioeconômico, com a possibilidade de viver
novas situações sem degradar a dignidade transcendente
da pessoa humana.
Dignidade do trabalho e do trabalhador
A pessoa é dona de sua força ativa, é senhora do seu
desenvolvimento e dos benefícios advindos de sua doação. O trabalho pertence à vocação de todos aqueles que
se expressam e realizam mediante atividade laboral. Ainda com a Rerum Novarum, “pode-se afirmar com verdade
que o trabalho dos operários é o que produz a riqueza
dos Estados”. Por isso, não é demais exigir a limitação
das horas de trabalho e o legítimo descanso.
Existem leis internas e convenções internacionais que
obrigam as empresas a pagarem um salário suficiente
para o sustento do operário e de sua família. Porém, isso
não se faz realidade na maioria dos países. O Papa declara imorais os casos de contratos de trabalho que igno-
eclesiologia
ram a justiça em matéria de trabalho,
crianças e mulheres, horários, higiene,
salubridade e legítima retribuição. Ainda ratifica a necessidade do descanso
festivo para que o trabalhador eleve seu
pensamento aos bens de cima, e renda
o culto devido à majestade divina.
de bem-estar alcançados, graças a deA pessoa é dona
cênios de crescimento econômico. Na
maioria dos casos, entretanto, os imide sua força ativa,
grados respondem a uma demanda
é senhora do seu
de trabalho que, do contrário, ficaria
desenvolvimento
insatisfeita, em setores e em territórios
e dos benefícios
nos quais a mão de obra local é insufiadvindos de sua
ciente ou não está disposta a fornecer
doação. O trabalho
Trabalhadores migrantes
o próprio contributo em trabalho em
pertence
à
vocação
determinadas áreas (DSI, 297).
A Doutrina Social da Igreja Católica
de todos aqueles
E mais: as instituições dos países ané eloquente quando diz: a imigração
que se expressam e
fitriões devem vigiar cuidadosamente
pode ser antes um recurso que um
realizam mediante
para que não se difunda a tentação de
obstáculo para o desenvolvimento. No
explorar a mão de obra estrangeira,
mundo atual – em que se agrava o deatividade laboral
privando-a dos direitos garantidos aos
sequilíbrio entre países ricos e pobres
trabalhadores nacionais, que devem
e onde o progresso das comunicações
ser assegurados a todos sem discriminação. A regulareduz rapidamente as distâncias –, crescem as migrações
mentação dos fluxos migratórios, segundo critérios de
de pessoas em busca de melhores condições de vida.
equidade e de equilíbrio, é uma das condições indispenElas são provenientes das zonas menos favorecidas da
sáveis para conseguir que as inserções sejam feitas com
terra e sua chegada aos países desenvolvidos é geralmenas garantias exigidas pela dignidade do ser humano. Os
te percebida como uma ameaça para os elevados níveis
imigrantes devem ser acolhidos e ajudados, junto com
as suas famílias, a integrar-se na vida social. Em tal perspectiva, deve ser respeitado e promovido o direito a ver
reunida a família. Ao mesmo tempo, devem ser favorecidas as condições que consentem o aumento das possibilidades de trabalho nas próprias regiões de origem
(DSI, 298).
O Papa João Paulo II, na encíclica Laborem exercens,
disse: “O cristão que está em atitude de escuta da palavra
do Deus vivo, unindo o trabalho à oração, conhece não
só o lugar que seu trabalho ocupa no desenvolvimento
terreno, como também no desenvolvimento do Reino de
Deus, ao qual todos somos chamados pela força do Espírito Santo e pela palavra do Evangelho”. Sabemos que
o mundo desenvolvido do norte está sendo reevangelizado pelos migrantes, especialmente filipinos e latino-americanos. Por isso, nosso trabalho junto a eles é voltado para a animação, formação e atenção sócio-pastoral.
Isso, para que sejam incentivados na esperança, animados na caridade e fortificados na fé. Queremos que os
migrantes jamais se deixem vencer pela terrível tentação
de ganhar muito dinheiro em pouco tempo, em detrimento de sua saúde física, moral, social e espiritual.
Ir. Erta Lemos, mscs
Bruxelas – Bélgica
Esperança | 1º semestre de 2011
7
O trabalho humano:
caminho para a
autorrealização
O
que determinou a criação da cultura do homem, bem como sua felicidade e busca pelo
sucesso, foi a repercussão que o trabalho teve
no desenvolvimento do ser humano, desde as primeiras civilizações. Usando da inteligência e criatividade,
própria do ser humano, aprendeu a controlar o fogo e
construir habitações. Aprendeu também a se comunicar
através do trabalho de lascar pedras e pintar as paredes
das cavernas. E foi nesse conjunto de atividades que ele
pôde utilizar e favorecer a proteção da terra.
O grande valor do trabalho humano está no fato de
que, ao modificar o mundo ao redor para o seu bemestar e o bem comum, o homem transforma o mundo
interior e se revela a si mesmo e aos outros. Desta forma,
lascar pedras para escrever algo o ajuda a aprimorar a escrita, tanto quanto a pedra que ele lascou. Ao pintar para
se comunicar, dá outro aspecto à parede agora pintada e
8
se descobre um ser movido por um mistério-Outro que
dinamiza seu mundo interno e lhe dá possibilidade de
ser coautor, cocriador à imagem D’aquele que trabalha
sempre e lhe dá “anima”, com o objetivo único de comunicar o Amor. Ou seja, ao transformar a natureza, o
homem se reconhece no seu produto e se realiza com sua
obra. Ao transformar a madeira em lápis, se reconhece
no que faz e se sente “humano”, porque é capaz de colaborar com o bem comum. Neste sentido, o trabalho
dignifica o homem.
No decorrer da história, as sociedades fizeram do trabalho o fim último do homem, tornando-o objeto executor de tarefas, em vista do benefício de poucos, a serviço
do poder. O surgimento da propriedade privada levou
ao aumento das famílias nobres, o que gerou o necessário acúmulo de terras e mão de obra para cultivá-la. Esse
quadro foi causa de muitos problemas que se buscavam
Formação
ra tão automatizada que, quando a linha de montagem
resolver com guerras de conquista entre os povos vizipara, ele continua o movimento. Leva-se em consideranhos e os nobres que repartiam as terras conquistadas.
ção que o chefe os monitora através de um aparelho fiOs vencidos se tornavam escravos e propriedade do estaxado em seu escritório e ainda contava com a máquina
do que os repassavam aos nobres.
de alimentação automática, que visava eliminar o tempo
No feudalismo, o processo não foi muito diferente.
perdido do almoço.
Os escravos se tornaram servos, manipulados e escraviConsequência: o personagem surta e é levado para
zados, pois deviam permanecer presos e obedientes aos
uma instituição de saúde mental. Ao
seus senhores, os quais lhes deixavam
recuperar-se, volta às ruas e ainda é
permanentemente na terra por eles do“Mais
do
que
preso, pois foi confundido pela políada. Por sua vez, os senhores de escramáquinas,
cia. Conclusão: o sujeito em questão
vos se tornaram senhores feudais.
precisamos de
não passou de um mero dente de uma
Já no capitalismo, o trabalhador
engrenagem, humanamente devorado
não tem mais nada de seu, nem as ferhumanidade; mais do
pela máquina.
ramentas, nem o produto final. Tem
que de inteligência,
Sabemos que o que dá sentido ao
apenas a sua força de trabalho para
precisamos de
trabalho é o prazer pessoal em fazer o
vender como mercadoria em troca de
afeição e doçura!”
que se faz, é a necessidade de criar relaum salário. Um dos sintomas desse sisções fraternas no ambiente em que se
tema laboral foi a “Grande Depressão
trabalha, é o prazer de parar para sentir-se cansado por
Econômica” de 1929, nos Estados Unidos, que abalou
ter feito tudo o que deveria ter feito, contemplar os seus
o mundo. Os países que sofreram menos foram aqueles
resultados e ter-se sentido útil em benefício dos outros.
que, como a União Soviética, estavam econômica e poliSão Thomás de Aquino, ao tratar do tema da autorreticamente fechados ao sistema capitalista.
alização, “refere-se a um processo levado a cabo, de maO cinema de Charles Chaplin retratou as consequênneira livre e responsavelmente e que incide sobre o nível
cias desse sistema, fazendo críticas do trabalho realizado
mais fundamental, o do ser homem” (Lauand, 1993, p.
em detrimento da pessoa:
“O caminho da vida pode ser o da liberdade e da beleza,
40). Isto quer significar que o homem torna-se realizaporém, desviamo-nos dele. A cobiça envenenou a alma
do ou desenvolve sua realização no percurso da vida,
dos homens, levantou no mundo as muralhas do ódio e
num movimento contínuo e dinâmico que o leva a extem-nos feito marchar a passo de ganso para a miséria e
perimentar sua existência como um “já e ainda não”. Essa
os morticínios. Criamos a época da produção veloz, mas
forma de pensar ajuda o homem a entender-se como
nos sentimos enclausurados dentro dela. A máquina, que
um ser inacabado, um
produz em grande escala, tem provocado a escassez. Nostornar-se, um vir-a-ser,
sos conhecimentos fizeram-nos céticos; nossa inteligência,
o que o coloca sempre a
empedernidos e cruéis. Pensamos em demasia e sentimos
caminho, na descoberta
bem pouco. Mais do que máquinas, precisamos de humae na busca da realização.
nidade; mais do que de inteligência, precisamos de afeição
Neste sentido, o fee doçura! Sem essas virtudes, a vida será de violência e
nômeno migratório se
tudo estará perdido.” (Charles Chaplin)
torna um direito, na
Foi dessa e de outras maneiras inteligentes que Chamedida em que o ser huplin expressou sua indignação aos rumos que o trabalho
mano livremente busca
humano estava conduzindo o homem, no decorrer da
melhores condições de
Depressão nos Estados Unidos. As suas indagações no
trabalho para favorecer
filme Tempos modernos nos ajuda a refletir sobre a finalia sua realização plena.
dade do trabalho do homem e da mulher.
Ir. Rosa Maria
Chaplin interpreta no filme o personagem que executa
Martins Silva
a tarefa única e repetitiva de apertar parafusos de maneiBrasília – DF
Esperança | 1º semestre de 2011
9
E
trabalho deprimentes às quais muitos desses migrantes
sta tarde, folheando uma revista, me deparei
submetem-se a fim de garantir a própria sobrevivência e
com uma imagem muito interessante: pezinhos
a de suas famílias, “as outras vidas” apontadas no texto
frágeis e delicados de uma criança apoiados sodo anúncio.
bre os pés de um adulto. A imagem vistosa e atraente
Diante desta realidade, me perguntava: como as emocupava quase toda a página. No centro, emergia uma
presas que oferecem trabalho hoje aos migrantes, copequena frase, simples e despretensiosa: “Por trás de uma
laboram para cuidar de sua saúde?
vida existem muitas outras”.
Estudos realizados nos últimos anos
Segui lendo para ver do que se traUm
pai
relatou
que,
destacam aspectos do universo laboral
tava. Era o anúncio de uma empresa
no retorno ao país
que afetam a sanidade física e mental
que, em poucas linhas, traçava sua vido trabalhador migrante. Tomo aqui
são e missão, destacando o compromisde origem, o filho
alguns exemplos que servem para ilusso com a humanidade e sublinhando
não o reconheceu
trar a nossa reflexão sobre o tema.
a atenção com a pessoa dos seus coe o rejeitou,
A pesquisadora Maria A. Moraes
laboradores. As palavras que seguiam
suscitando nele
Silva (2006) relaciona o sofrimento e
eram incisivas, bem elaboradas e forcerto desconforto
a morte dos migrantes canavieiros ao
tes o suficiente para impactar olhos e
psicológico
processo global de racionalização ecoouvidos do leitor. O texto remeteu-me
nômica. Ela recorda que os trabalhaimediatamente aos trabalhadores e
trabalhadoras migrantes, talvez por conhecer um pouco
dores são submetidos a situações de exploração e degrada situação de muitos deles, que padecem grandes sofridação que produz várias formas de sofrimento. Como
mentos e dificuldades para inserir-se numa nova cultura
exemplo, temos o karoshi, que mata os trabalhadores da
e conseguir trabalho. Lembrei ainda das condições de
indústria automobilística no Japão; a birôla, que mata
10
© arquivo PNSA
Cuidando
da vida
do Migrante
Ação Missionária
Formação
Brasil também foi mencionado. Dentre os exemplos, cônjuges trabalhando em turnos distintos não conseguiram
conviver em harmonia, optando pela separação, o que
desencadeou depressão e outros transtornos mentais.
O texto toca um elemento que está presente nas falas e
projetos da sociedade atual: “O cuidado com a vida”. Nunca se falou tanto na importância de cuidar da vida em todos os sentidos como se fala hoje: o cuidado da vida das
pessoas, da natureza, dos animais, enfim, da vida do planeta. Parece que esta consciência realmente está crescendo, já não se pode simplesmente ignorar esta necessidade. Uma atitude prática que expressa “o cuidado” da vida
da pessoa que trabalha é o investimento em saúde física,
psicológica, social e espiritual, segurança e treinamento para que todos trabalhem seguros e bem dispostos.
O beato João Batista Scalabrini dizia: no migrante eu
vejo o rosto do Senhor. O cenário da estação de Milão,
onde os migrantes italianos esperavam o trem para seguir para o porto de Genova, de onde partiriam para as
Américas, tocou profundamente o coração de Scalabrini, que a partir de então não pôde deixar de envolver-se
com a causa dos migrantes. A partir deste fato, o Estado,
a Igreja, as autoridades migratórias de outras nações todos foram convocados a se unirem para atender as necessidades de um povo a caminho. Iniciou-se assim uma
nova página em sua vida, tornando-se assim um grande
“cuidador da vida”, especialmente da vida dos migrantes.
Irmã Neuza Botelho dos Santos, mscs
São Paulo – SP
© arquivo PNSA
os canavieiros de exaustão e overdose de trabalho nas
usinas do sudeste do Brasil. Karoshi, segundo a autora,
é uma patologia do trabalho que resulta da tolerância
pelo trabalhador de práticas psicologicamente nocivas
e acúmulo de fadiga crônica do corpo, derivada do excesso de trabalho, que termina com o esgotamento e a
morte. Ela diz ainda que Karoshi e birôla são termos equivalentes para designar a patologia de uma nova doença
relacionada com a produção e o trabalho.
Um estudo realizado por Percy Galimbertti (O Caminho que o Dekassegui Sonhou, 2002), com os migrantes
brasileiros que retornaram do Japão, observa que após
a volta ao Brasil houve um desencadeamento de sofrimento emocional muito intenso nestas pessoas, traduzido
como manifestações somáticas, ansiedades, transtornos
de humor, insônia, angústias, depressões, isolamento,
irritação, agressividade, alcoolismo, uso de drogas e distúrbios de percepção (como falsas percepções e ideias
delirantes, especialmente de caráter persecutório). Tais
sintomas, em muitos deles, ultrapassaram os limites do
suportável, requerendo assistência médica.
Nos relatos dos migrantes, percebeu-se que as motivações que os conduziram ao trabalho no Japão, sejam
objetivas ou subjetivas, são apontadas como mais fortes
que suas condições psicológicas, o que tem levado um
número muito grande desses trabalhadores a sofrer desconfortos emocionais durante sua estadia no Japão e/ou
seu retorno ao Brasil, com comprometimentos, muitas
vezes, graves.
Em alguns casos, foi relatada a desestruturação do ambiente familiar. Alguns se separaram da família, deixando
cônjuges e filhos pequenos no Brasil. Um pai relatou que,
no retorno ao país de origem, o filho não o reconheceu e
o rejeitou, suscitando nele certo desconforto psicológico.
Quanto às questões comportamentais, há indícios
de isolamento do convívio social, descrito como
“muitos acumulam silenciosos sofrimentos que
fragilizam seus egos, comprometem seu emocional, sua capacidade psíquica, comprometem sua
capacidade laborativa e de inter-relacionamento com a sociedade. Perdendo sua capacidade
laborativa ou reduzindo sua produtividade,
tornam-se, então, descartáveis, ficando sem
atenção para seus sofrimentos”. O compromisso de economizar dinheiro e trabalhar
arduamente para o retorno antecipado ao
Esperança | 1º semestre de 2011 11
“A
cada minuto de trabalho, um cortador de
E o que dizem os cortadores de cana?
cana realiza 17 flexões de tronco e aplica 54
No final da safra de 2010, numa roda de conversa entre
golpes de facão. Tudo isso com o joelho semigrantes cortadores de cana que residiam em Guariba –
miflexionado e a cervical estendida, o que o faz perder
SP, não foram revelados dados técnicos e nem números.
oito litros de água ao final de cada jornada. Em média,
Eles falaram de seu corpo e emocional, das percepções e
são cortadas e carregadas 12 toneladas de cana num perconstatações que afetam diretamente suas vidas.
curso de quase nove quilômetros”.
“A gente trabalha até o limite das condições físicas e,
Esse é o resultado de um estudo divulgado em janeino final da tarde, o corpo fica esquisito, parece que não
ro de 2011 pela Secretaria de Saúde de São Paulo, em
é o da gente, o olhar chega a ficar turvo. Quando o tradiversos jornais do país. Em nota, o estudo indica que
balho vai ficando pesado demais
“o setor sucroalcooleiro apresenta grandes
alguns gritam, outros cantam,
contrastes em sua cadeia produtiva. Apesar
“Se
a
gente
for
levar
xingam, sai muito palavrão e
de ser uma indústria altamente lucrativa, as
em
conta
as
dores
alguns choram escondido. Se a
condições de trabalho ainda são, geralmente,
que aparecem no
gente for levar em conta as dores
de qualidade ruim, colocando em risco a saúque aparecem no corpo, a gente
de dos trabalhadores”. O governo estadual
corpo, a gente se
se encolhe e não faz mais nada.
prometeu regulamentar o setor em 2011 para
encolhe e não faz
Quando o fiscal pede pra termimelhorar as condições de trabalho dos cortamais nada”
nar o trabalho após o horário, é
dores de cana.
12
© arquivo PNSA
O importante é nunca
parar de sonhar
Ação Missionária
Sonhos e conquistas
“A gente sai em busca de muitos sonhos: casa, estudos
para os filhos, tratamento da saúde, ter uma moto, fazer algum curso, enfim, melhorar as condições de vida.
E já na primeira viagem aparecem as dificuldades; saí do
Maranhão com apenas 10 reais no bolso, comia nas paradas porque os outros me davam. Eu vim sem dinheiro,
mas não quero voltar sem ele. A primeira vez que a gente
vai para um lugar diferente é mais difícil. Para conseguir
a casa que quero vou bater como doido no pé da cana.
Nós, jovens, queremos estruturar o futuro, há sonhos
que demoram para serem alcançados. Nem tudo sai
como a gente planeja, depende da safra e de nossa saúde.
O importante é nunca parar de sonhar, buscando uma
conquista atrás da outra. Com a migração e o trabalho
estou adquirindo muitos conhecimentos e novas amizades, meu mundo ficou maior”.
Dificuldades e confiança
“A maior dificuldade é levantar às três horas da madrugada para fazer comida e, quando volto da roça,
estar super cansado, enfadado,
e ainda ter que fazer
a janta. Sinto muita falta de minha família, e muitas vezes lá da roça ligo para minha esposa. Aqui dói, mas no
Maranhão dói mais ainda. O conselho da maioria das
mães é pra gente não viajar, não ficar distante da família,
porque vai perdendo o amor pelos filhos e pela esposa.
Na saúde percebo que tive uma recaída, muitas dores no
corpo, câimbras, fraqueza e estou envelhecendo mais
rápido. Há muitos jovens com rugas no rosto. Aqui a
gente fica preso no trabalho e quando a gente volta pra
nossa terra, dá vontade de andar sem parar. Tenho 15
anos de trecho, e o que estou passando não quero para
meus filhos. Aqui dói, mas no Maranhão dói mais ainda.
Sinto Deus sempre ao meu lado, converso direto com
Ele. É Deus que me controla nesse jogo, ele tem paixão
por mim. O rio que ele me deu para atravessar é um rio
pesado, mas Ele não me abandona”.
Memória
Desde 2004, a Pastoral do Migrante em Guariba – SP
recebe informações sobre mortes envolvendo trabalhadores migrantes empregados no corte da cana no interior
paulista. Os dados mostram que pelo menos 21 cortadores de cana morreram entre 2004 e 2009. Alguns morreram supostamente por exaustão, devido ao trabalho
árduo no corte. Outros podem ter sido vítimas da falta
de cuidado com a saúde. José Pereira Martins, 51 anos,
reclamou da “dureza” do seu trabalho um dia antes de
morrer num canavial de Guariba, em março de 2008. Ele
disse ao jornalista: “canavieiro é o pior serviço que existe,
estou nessa porque é o último recurso”. (O Estado de São
Paulo, 31/03/2007).
Ir. Inês Facioli, mscs
Guariba – SP
© arquivo PNSA
duro demais! Chego quase morto em casa quando corto
360 metros de cana; também, quando chove, fica difícil
trabalhar na roça. Pra dizer a verdade verdadeira, o trabalho na roça só é bom por causa das conversas e amizade com os colegas. Entre nós, usamos algumas palavras
que são próprias do nosso trabalho: ‘goela’ é quando
o cara é bom de facão; ‘borracheiro’ quando o outro é
pior que a gente no corte de cana; ‘ficar borrado’ é passar
mal, perder os sentidos e cair no chão. Sofremos muitas
injustiças, e não temos o controle do que produzimos
sobre o que vamos ganhar”.
Esperança | 1º semestre de 2011 13
E
m setembro de 2010, um boliviano foi preso em
São Paulo, acusado de manter seis compatriotas
em regime de escravidão. Um fato que atraiu a
atenção da mídia e indignou a população. No entanto,
casos como esse acontecem todos os dias envolvendo
bolivianos que vem à capital em busca de melhores condições de vida.
Alguns dias antes da prisão, as Irmãs Scalabrinianas realizaram o seminário “Imigração Latina no Brasil: o caso
dos bolivianos em São Paulo”. Apesar de São Paulo ser a
cidade brasileira que mais concentra imigrantes vindos
da Bolívia, ao longo dos dois dias do evento nenhum deles apareceu. O motivo? Medo de serem descobertos em
situação irregular e terem que deixar o país.
O medo faz com que bolivianos que não possuem
documentos para permanecer legalmente no Brasil não
procurem hospitais quando estão doentes, não prestem
queixas quando são roubados, não matriculem os filhos
na escola, entre outras situações que são cotidianas a
qualquer brasileiro. Esse é o caso de grande parte dos
que aqui vivem.
14
A Bolívia não integra o Mercosul (Mercado Comum
do Sul). Portanto, para entrarem no Brasil, os bolivianos precisam de visto. Boa parte vem com documentos
de permanência por determinado período ou de turista.
Quando vence, ficam irregulares. Outros não possuem
nenhum tipo de documento. Essas pessoas não têm direito a se matricularem em cursos, abrirem conta em
banco ou arrumarem trabalho regulamentado.
O que eles buscam quando decidem mudar para o Brasil é melhorar a vida, ganhar dinheiro para ajudar a família e, posteriormente, abrir um negócio próprio. Mais
uma barreira imposta pela condição de irregulares. Os
bolivianos vêm com a promessa de um bom emprego,
moradia e alimentação. O sonho fica para trás quando
percebem que a vida no Brasil não é bem como esperavam. Na realidade, trabalham em jornadas que regularmente ultrapassam 15 horas, moram em porões, se alimentam mal e são obrigados a viver de maneira reclusa
– por ordem do empregador e pelo medo de serem presos
e deportados. Vivem em condições análogas à escravidão
em um país livre.
© arquivo PNSA
BOLIVIANOS EM
SÃO PAULO
Ação Missionária
www.sxc.hu
Uma parte desses imigrantes acerta com o empregador
acordo, em 2005, para a regularização dos indocumenantes de sair da Bolívia. O contratante dá um empréstitados. Calcula-se que havia 60 mil bolivianos vivendo de
mo para pagar a viagem fazendo com que o contratado
maneira irregular no estado. No entanto, apenas 10 mil
já chegue ao Brasil com dívida. Uma vez no país, devem
entraram com o processo para obtenção do documento.
pagar uma quantia mensal pelo aluguel do quarto e aliPor outro lado, nem todos os bolivianos de São Paumentação. Como o salário desses tralo vivem em regimes análogos ao de
balhadores é baixo, a dívida se acumula
escravidão: existem oficinas com me…
trabalham
em
a cada mês.
lhores condições e que possibilitam ao
Um estudo realizado por Sidney
trabalhador uma vida social e familiar.
jornadas que
Antonio da Silva e apresentado no arEles participam de feiras, missas, festas,
regularmente
tigo “Bolivianos em São Paulo, entre
jogos de futebol e outras atividades.
ultrapassam
o sonho e a realidade” mostra que o
E é contribuindo para a superação
15 horas, moram
imigrante boliviano é, em sua maioria,
destes problemas, a defesa dos direiem porões, se
jovem, solteiro e de escolaridade média.
tos humanos e maior dignidade dos
alimentam mal e
Instala-se principalmente na região
migrantes que as Irmãs Missionárias
são
obrigados
a
viver
central, em bairros como o Brás, Bom
Scalabrinianas realizam ações bem
de maneira reclusa
Retiro e Pari.
concretas a favor desta população de
Trabalham no seguimento de costumigrantes, na região do bairro “Alto
ra, um setor que não exige qualificação
do Pari”. Ali elas mantêm o CESPROM
profissional nem idade mínima. Em geral, um membro
(Centro de Promoção do Migrante): um centro que ofeda família vem primeiro – para conhecer o local e comerece formação e cursos profissionalizantes, apoio social
çar a trabalhar. Depois, os outros seguem seus passos e
e religioso, com o objetivo de promover e formar aos mise mudam para o Brasil.
grantes bolivianos e paraguaios, bem como, aos migranAssim, o número de bolivianos em situação irregular
tes internos provenientes das várias regiões do interior
na cidade de São Paulo é maior a cada ano. Tentando
do Brasil, que vem participando deste espaço de formaamenizar o problema, o governo brasileiro assinou um
ção e recreação.
Marina Ferraz
São Paulo – SP
Esperança | 1º semestre de 2011 15
Irmã Elizangela Chaves Dias é natural de Brasília/DF. Mora atualmente no bairro do Pari,
em São Paulo/SP – na comunidade do antigo Colégio Santa Teresinha, local que sempre manteve
especial atenção à educação dos filhos de imigrantes.
G
ostaria de usar esse espaço para falar de pessoas, histórias vivas que se encontram nos
caminhos da migração e experiência pastoral
vivida por mim.
Também eu vivi a vida de imigrante, quando morei na
Itália por três anos, durante meus estudos de teologia.
Neste período, durante as férias de verão, tive a oportunidade de fazer uma experiência missionária com imigrantes em Reggio Calábria, sul da Itália. Eram africanos
que desembarcavam na ilha de Lampedusa e imigrantes
provenientes de diversos países do leste europeu (Geórgia, Albânia, Romênia). Chegavam ao nosso Centro de
Escuta em busca de orientação, emprego, defesa dos
direitos. Mas, também nos buscavam na esperança de
16
serem vistos como seres humanos. Queriam conversar,
contar suas dores e sonhos, encontrar um albergue, receber alimentos e agasalhos.
O que me impressionava era o rosto desfigurado com que
chegavam a nós. Muitas vezes, a comunicação era difícil,
pois falavam a língua nativa. Podíamos, porém, compreender que buscavam a última chance de sobrevivência.
Depois de três ou quatro meses, retornavam alegres e
agradecidos, não mais com a face desfigurada, mas sim transfigurada.
Ao retornar deste estágio do sul da Itália, estando em
Roma, me dispus como voluntária a colaborar no serviço em uma Casa de Refugiadas, chamada Casa di Giorgia.
Ali, todos os sábados, ao longo de dois anos, cozinhei
© arquivo PNSA
Uma resposta, a
serviço dos migrantes
Ação Missionária
Quando uma pessoa está na condição de estrangeiro,
sobretudo em uma situação irregular (sem documento)
e sem saber a língua, sente-se limitada na possibilidade
de estabelecer laços sociais. É como estar sem lugar no
mundo. Por isso, o CESPROM-SP empenha suas forças
e recursos para a promoção humana do migrante e a integração do mesmo na comunidade em que se encontra. Através do contato e do estabelecimento de laços,
os migrantes deixam de serem “eles”, “os estrangeiros”,
e passam a ser “João, Maria, Javier...”. Hoje, em nossa comunidade, temos uma vez por mês a missa em espanhol,
nesta conquista os migrantes foram e são os principais
sujeitos e protagonistas.
Os desafios são muitos, essa é uma pastoral que está
sempre começando. São poucos os agentes pastorais sensibilizados para essa causa: acolher a proposta missionária de ir além dos muros de nossos templos e abraçar o
desafio de não se deter no que tantas vezes nosso Cardeal
Dom Odillo nos tem chamado a atenção, ou seja, a pastoral de manutenção, voltada unicamente para a conservação da fé e assistência restrita da Comunidade (DA, 370).
A presença dos migrantes e imigrantes é um clamor
que provoca nossas pastorais e nossas Igrejas de São
Paulo a dar uma resposta evangélica e missionária, no
sentido de ir ao encontro das ovelhas que estão dispersas, em nosso redil.
Ir. Elizangela Chaves Dias, mscs
São Paulo – SP
© arquivo PNSA
juntamente com um norte africano naturalizado italiano. As moradoras eram mulheres refugiadas, entre 35 e
50 anos, vindas de diversos países da África e também
algumas filipinas, mexicanas, colombianas, etc. Certo
dia, um pedido me surpreendeu: “Irmã, antes de ir, reze
conosco, permaneça mais um pouco. Seu olhar e seu jeito nos
confortam!” A única coisa que eu fazia era acolher, deixava tudo para estar ali, ouvir suas histórias.
Quando voltei ao Brasil, fui enviada à comunidade
Santa Teresinha, no bairro do Pari. Esta região é notoriamente marcada pela presença de migrantes e imigrantes. Partindo da experiência das visitas e do atendimento
aos migrantes no CESPROM-SP (Centro Scalabriniano
de Promoção do Migrante), ao menos com os que temos
contatos, é possível perceber que,
em sua maioria, são cristãos e na
… africanos que
terra de origem eram praticantes.
desembarcavam na
Junto com as demais Irmãs da
Comunidade, encontramos alilha de Lampedusa…
guns que eram líderes, animadochegavam ao nosso
res de pastorais, ex-seminaristas,
Centro de Escuta em
etc. Ao chegarem aqui, acabam
busca de orientação,
por se distanciar do credo e da
emprego, defesa
prática religiosa. Pode ser pelas
dos direitos
distâncias culturais, dificuldades
psíquico-sociais ou as exigências
para corresponder com o objetivo de um trabalho novo.
Por isso, procuramos nos fazer presentes junto aos recém-chegados, acolhê-los e integrá-los dentro de nossa
perspectiva pastoral. Digo pastoral e ressalto este aspecto, porque, de fato, os muitos que visitamos diariamente
não têm solicitado de nós somente assistência material,
mas sim presença, amizade, diálogo, momentos de encontro, oração, e reflexão.
Esperança | 1º semestre de 2011 17
www.sxc.hu
El bote
salvavidas
del Ecuador
H
ace 11 años el Ecuador atravesó una grave crimenzaron a captar personal de manera no oficial para
sis económica que provocó que el Sucre sufrierealizar trabajos pesados. Por lo tanto, pese a representar
ra una híper devaluación, llegando a niveles
muchos esfuerzos e inclusive ingresar como irregulares
nunca antes presentados, ocasionando su desaparición
a otros países y ser víctimas de los traficantes de persoy que el País entrara en el fenómeno de la dolarización y
nas, muchos ecuatorianos se endeudaron para viajar y
adoptara como moneda oficial al dólar.
arriesgaron lo poco que tenían con la
Esta medida afectó directamente a
finalidad de alcanzar mejores ingresos
la clase más desposeída de la sociedad,
económicos, sobre todo con el afán de
…gran parte de los
incrementando los niveles de pobreza y
obtener una remuneración más digna
ecuatorianos, al no
de indigencia en el país, disminuyendo
y mejorar su nivel de vida y el de sus
tener un ingreso fijo
a niveles mínimos su poder adquisitivo.
familias en el país de origen.
que les permitiera
Presentándose además, una serie de feDe este hecho ha dado como resulsatisfacer sus
nómenos económicos que contrajeron
tado que muchos ecuatorianos/as
necesidades básicas,
la economía a nivel nacional, incremensean explotados y tratados de manera
optaron
por
ofertar
tando el desempleo en el país y ocasioinfrahumana, sufriendo abusos, pero
su
fuerza
laboral
en
nando que el ingreso familiar no lograsobre todo afrontando la soledad y la
el extranjero
ra cubrir ni la canasta básica.
separación de su familia, cónyuges, hiBajo este panorama desalentador,
jos e hijas.
gran parte de los ecuatorianos, al no teLa migración ecuatoriana en estos
ner un ingreso fijo que les permitiera satisfacer sus neceúltimos años se ha convertido en el bote salvavidas del
sidades básicas, optaron por ofertar su fuerza laboral en
Ecuador. Según información del Banco Central, los emiel extranjero, puesto que en ciertos países se alcanzaban
grantes aportaron con aproximadamente 550 millones
niveles de remuneración sensiblemente más elevados.
de dólares en el segundo trimestre del año 2010, conPor esta causa, varios países de Europa y los EEUU covirtiéndose en el segundo aporte económico más impor-
18
Ação Missionária
© Mauricio Alvarado
tante después del petróleo. Estos ingresos han permitido la circulación de dinero, lo cual hace que la economía
ecuatoriana no termine por hundirse.
En los últimos diez años, tres millones de ecuatorianos han emigrado en busca de trabajo, de los cuales más
o menos un millón y medio viven en los Estados Unidos,
casi un millón en España, seguido de otros países como
Italia, Bélgica.
Los que migran al exterior no son los más pobres, por
las obvias barreras de costo, migra la gente con cierto
ingreso, experiencia laboral y calificación. Entonces más
allá de una estrategia de supervivencia, la migración es
también una estrategia familiar de movilidad. Lo que
buscan son nuevas oportunidades, un mejor futuro. Un
rasgo interesante acerca de la migración ecuatoriana a
España, es que los migrantes lograron encajarse dentro
de una economía que continúa demandando mano de
obra de bajos salarios, semicalificados, y con preferencia,
en el caso de los hombres para trabajos agrícolas y de
las mujeres para el servicio doméstico. España parecería
ser entonces, un destino lógico para los emigrantes ecuatorianos, dadas las similitudes culturales y de idioma.
A finales de los años 70 y comienzos de los 80, cuando
la economía española entra en auge, muchos jornaleros
agrícolas españoles pudieron encontrar mejores trabajos, creando así un vacío en la oferta de empleo.
La mayoría de los ecuatorianos llega a España sin un
permiso de trabajo e inmediatamente contacta a amigos
y familiares y/o un patrocinador que pueda hacer una
oferta de contrato formal. Los migrantes usan lugares
de reunión públicos, como los parques de El Retiro y El
Oeste en Madrid, para socializarse y enterarse de las oportunidades de empleo. Aquellos con suficiente suerte
para obtener un permiso de trabajo, están usualmente
restringidos a un empleo de corto plazo y con sueldos
relativamente bajos.
La emigración ecuatoriana se asemeja, en varios aspectos, a muchos otros flujos de la migración internacional: el rol fundamental de las familias en las decisiones y
organización del proyecto migratorio, la gran capacidad
y flexibilidad de las redes para sostener las experiencias
migratorias, la existencia de jerarquías y desigualdades
de género en su interior, entre otros.
Dos elementos resaltan en estas explicaciones: la importancia de las mujeres liderando las redes de emigración, y la presencia de redes basadas en la pertenencia
étnica y/o comunitaria, en el caso indígena. La feminización de las redes también ha sido señalada en el caso
italiano. Son las mujeres que han llegado primero, se
han insertado en el mercado laboral y han formado las
primeras redes sociales. Son ellas también las que han
promovido la reunificación familiar.
El Ecuador es un país de emigrantes, inmigrantes
internos y externos, refugiados y de tránsito. Tiene un
carácter complejo y multidimensional y plantea una serie de retos, desafíos y oportunidades, que pueden ser
potenciados con una visión de proceso y asumiendo un
abordaje integral que articule sus diversas expresiones.
Tanto en la emigración como en la inmigración se evidencian problemas comunes: irregularidad, procesos de
restricción y persecución, implementación de políticas
de control, afectación individual, familiar y social. Finalmente, se evidencia un contexto mundial y regional de
recrudecimiento de las políticas migratorias de restricción, hecho que va a determinar nuevos desafíos para
trabajar por los derechos de los migrantes, las sociedades de acogida, tránsito y recepción.
Hna Janete Aparecida Ferreira, mscs
Quito – Ecuador
Esperança | 1º semestre de 2011 19
© arquivo PNSA
www.sxc.hu
La emigracion
colombiana
L
penetrado también en algunas estructuras políticas del
os Colombianos en el exterior variaron de 1,5
Estado, generando un alto índice de refugiados, asilados
millón en 1985 a más de 4 millones en el 2008, en
y desplazamientos forzados.
situación regular e irregular. El 35% reside en los
Los colombianos son la 7º población más grande de
Estados Unidos de América y el 23% en España, de acuerorigen hispano que vive en los EUA. Hay grande concendo al censo del 2005 del Departamento Administrativo
tración en la Florida, en Nueva York y
Nacional de Estadística – DANE.
Nueva Jersey. Más del 50% son mujeEn general, los que toman la decisión
Debido
al
idioma,
res y la destinación más constante de
de emigrar son el padre o la madre de
los que van a EUA,
esa emigración es la España. La mayor
familia, seguido por los hermanos y
concentración de esta población se da
por hijos del jefe de hogar. El nivel edues normal que
en Madrid y Barcelona. Actualmencativo es en el orden del bachillerato
tengan un nivel de
te se ha incrementado la emigración
completo o incompleto al nivel univereducación superior
regular-laboral-temporal (MLTC) por
sitario. Debido al idioma, los que van
que los que se
los acuerdos entre los dos gobiernos,
a EUA, es normal que tengan un nivel
dirigen a España
destinada a favorecer el trabajo en los
de educación superior que los que se
sectores agrícola, hotelero, peluquero,
dirigen a España. Según la I Encuesta
Nacional sobre Migraciones Internacionales y Remesas,
atención a niños y ancianos, bien como también en el
campo de la salud. Parte de la población femenina está
2008-2009 (ENMIR), los motivos que llevaron los coconformada por mujeres cabeza de familia y algunas de
lombianos al exterior, a partir del 2005, son: económico
ellas han sido o son víctimas de Trata de Personas.
laboral, matrimonio, reunificación familiar, estudio, coEl “amor en efectivo” como en algunos países se le dice
nocer y aventurar, seguridad y otros. Es de recordar que
a las remesas familiares son también indicadores visibles
Colombia continua viviendo en un contexto de conflicto
del creciente flujo de colombianos hacia el extranjero.
armado interno donde confluyen grupos armados de izPara el 2000, se registraron 1,5 millones de dólares y en
quierda y de derecha, bien como, el narcotráfico, que han
20
Ação Missionária
© arquivo PNSA
vida en el lugar de residencia. Dicho programa ha conel 2007, 4,5 millones de dólares – siendo el 1.9% y el 3.3%
cebido la Política Integral Migratoria – PIM, que está en
si comparado con el Producto Interno Bruto – PIB resla primera etapa de diseño, y será ejecutada por un Vice
pectivamente. Como receptores se destacan las mujeres
Ministerio de Migración creado al interior del Ministey los jefes del hogar.
rio de Relaciones Exteriores, pero los analistas advierten:
En los dos países hay dificultades para los colombiaquizá no continúe siendo mera teoría y
nos, siendo las más recurrentes en EUA
distante de la práctica.
debido a la situación de irregularidad
En
los
dos
países
Tanto en España como en EUA, la
de muchos de ellos, por lo que piden
hay dificultades para
mayoría de los colombianos contial gobierno colombiano que los visibilos colombianos,
núan practicando la religión cristialice y que se trabaje para conseguir el
na católica. Por su parte, la Iglesia de
Temporary Protected Status (TPS), – estasiendo las más
Colombia en las últimas dos décadas
tus temporal de protección – conferido a
recurrentes en EUA
ha demostrado su preocupación con
inmigrantes que no pueden regresar a
debido a la situación
los emigrantes. Es de destacar que ha
su país a causa de un conflicto armado,
de irregularidad de
desastres ambientales, u otras condidespertado la emigración hacia EUA
muchos de ellos
ciones extraordinarias o temporales.
también con el motivo de acompañaEs un consenso que, hasta el momenmiento pastoral a la población hispato, en materia de migración internacional en Colombia,
na. Como ejemplo, puedo citar la diócesis de Garagoa,
departamento de Boyacá – Colombia, donde soy oriunsólo se han adoptado políticas públicas de gobierno de
da. Conozco a más de 12 misioneros, entre sacerdotes
carácter aislado, siendo necesaria una visión integral,
diocesanos y religiosos que han sido y son puente de
con coordinación estratégica y de arraigo entre la misunidad entre nuestras comunidades católicas, varios de
ma población emigrante. Algo a destacar es el programa
ellos en coordinación con las misiones Scalabrinianas,
de gobierno “Colombia nos Une”, que entre los objetilos cuales tratan de apoyar los connacionales en su desvos están el de identificar intereses y necesidades de los
tino y susténtalos en la fe en que nacieron, crecieron y
colombianos en el exterior, fortalecer la participación
fueron bautizados.
política desde el exterior en temas de interés nacional y
Hna Lígia Ruiz Gamba
Bogotá – Colombia
gestionar mecanismos para mejorar sus condiciones de
Esperança | 1º semestre de 2011 21
H
destruição deixada pelo furacão Mitch, em 1988. Fala-se
onduras, um dos países da América Central,
de uma perda de 60% da infraestrutura de transporte
possui uma população aproximada de oito
e mais de 70% das plantações. O presidente da época,
milhões de habitantes. Apesar da grande riCarlos Flores, declarou que a destruição correspondia a
queza natural, é um dos países mais pobres da região e
50 anos de retrocesso para o país. Hoje, é evidente que
de toda América Latina.
o Mitch foi uma das primeiras causas
A América Central é constituída pelos
do aumento da migração forçada nos
países do Panamá, Costa Rica, NicaráSegundo
últimos anos.
gua, Honduras, El Salvador Guatemala
estatísticas
oficiais,
Honduras tem uma estrutura polítie Belize. Destes, com exceção de Costa
a
cada
hora
ca-economica-socio-cultural que conspira
Rica, todos têm sido palco de grandes
saem do país 17
contra os pobres e sustenta a fortuna
conflitos políticos, econômicos e sode alguns poucos e bem sucedidos no
ciais, e sofreram inúmeras catástrofes
hondurenhos.
país. É certo que gramaticalmente não
naturais. São países que estão marcaSão mais de
é correto escrever ‘política-economicados pela violência, corrupção, destrui100 mil por ano
-socio-cultural’ tudo junto, mas, no caso
ção e por uma conjuntura que perpetua
de Honduras, necessariamente é asum sistema de pobreza e de miséria.
sim. Ao longo da história, desenvolveu-se uma cultura
Considerando tudo isso, muitos veem como única alde silêncio e submissão que favoreceu o crescimento de
ternativa para a sobrevivência, migrar para os Estados
Unidos, na tentativa de obter um melhor nível de vida:
uma sociedade classicista. Aqui existem apenas alguns
esse é o sonho americano. Em Honduras, o grande flupoucos ricos e muitos pobres, e não é possível identificar
xo migratório aos Estados Unidos começou a partir da
uma classe média. Uma sociedade com traços de machis-
22
© arquivo PNSA
O SONHO
AMERICANO
Ação Missionária
© arquivo PNSA
© arquivo PN
SA
mo, violência e corrupção. Essa estrutura de
divisão de classes prejudica a maioria da população que se encontra em situação bastante difícil, e em alguns casos, até mesmo subumana.
Por isso, depois de mais de 20 anos do furacão
Mitch, ainda são muitos os hondurenhos que se
sentem obrigados a migrar a outros países.
Segundo estatísticas oficiais, a cada hora saem
do país 17 hondurenhos. São mais de 100 mil por
ano. Desses, somente 17% permanecem nos Estados Unidos, sendo que 7% são documentados e
outros 10% de forma irregular; 1% passa a viver no
México ou na Guatemala e os demais são deportados. Os dados do Centro de Atenção ao Migrante
Retornado – CAMR confirmam que, em 2010, foram deportados, via aérea e terrestre, mais de 40
mil hondurenhos. Antes da lei Arizona SB 1070,
que atualmente criminaliza a migração irregular, várias
fábricas empregavam a esta categoria de migrantes.
Em sua grande maioria, os migrantes hondurenhos
nos Estados Unidos trabalham servindo em bares e restaurantes, serviços de jardinagem, construção civil, agricultura e como empregados domésticos. Esses trabalhadores sofrem discriminações, humilhações e, para poder
enviar algo para suas famílias, vivem de forma muito
simples, chegando, às vezes, a passar fome. São vítimas
de todo tipo de violência e, muitas vezes, por xenofobia,
são assassinados.
Na rota migratória, os migrantes enfrentam todo tipo
de violação de seus direitos: extorsão, roubos, violência física, sequestros, violação sexual, trabalho escravo,
fome, enfermidades, morte e milhares estão desaparecidos. Muitos são os migrantes, homens e mulheres, que
regressam mutilados, com fraturas celebrais ou na coluna em consequência de caídas do trem. Seis de cada
cem mulheres que saem em busca do sonho americano
sofrem algum tipo de
violência.
Por que não
No massacre de
diminui o número
São Fernando de Tade hondurenhos
maulipas, em agosto
que saem de seu país
de 2010, dos 72 miem busca do sonho
grantes assassinados
americano?
pelo grupo criminal
Zeta, 22 eram hondurenhos. Dos migrantes sequestrados em México, 67%
são hondurenhos. As autoridades civis e religiosas confirmam que os hondurenhos são os mais vulneráveis na
rota migratória. Então podemos nos perguntar: por que
não diminui o número de hondurenhos que saem de
seu país em busca do sonho americano? Simplesmente
porque o sistema econômico e político não satisfazem
as necessidades básicas de alimentação, saúde, moradia,
educação e emprego, fazendo de Honduras um país difícil para a sobrevivência dos pobres, impelindo-os a saírem em busca de uma vida mais digna.
Ir. Lídia Mara Silva de Souza, mscs
Tegucigalpa – Honduras
Esperança | 1º semestre de 2011 23
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15,17
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o!
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e eu também
Migrantes com os Migrantes
Venha trabalhar conosco!
A
lguns dias atrás, lendo uma entrevista sobre
Convido você que me acompanha nesse espaço da
educação e pesquisa, me deparei com a seguinRevista Esperança a pensar por alguns instantes no quate frase: quem gosta de estudar não é admirado
dro da educação no Brasil, bem como, nos incentivos e
no Brasil. Quis seguir adiante na minha
investimentos que são aplicados nessa
leitura, mas confesso que essa frase me
área. Se lançarmos um olhar sobre a
causou um forte impacto. Isso porque
trajetória do ensino e aprendizagem,
Sem motivação e
é uma afirmação que não morre em si
procurando perceber como se dá esse
apoio, fica difícil
mesma, mas gera outras reflexões. Paprocesso, desde as bases até alcançar
para aqueles
rei ali e comecei a pensar sobre aquele
o nível superior, nos damos conta de
que
desejam
jogo de palavras diretas e ao mesmo
que não existe no Brasil uma cultura
qualificar-se
e
tempo preocupantes que me lançavam
que valorize o conhecimento. Constaque valorizam o
de encontro a uma realidade vivida
tamos a falta de iniciativa por parte do
pelos brasileiros. E você? Já tinha pengoverno em um investimento a longo
estudo e a pesquisa
sado em algo semelhante? Mencionei
prazo que favoreça a capacitação de
permanecerem
bons profissionais na área da pesquisa
esse fato porque acredito que ele tem
no país
e da técnica.
a ver com o tema que vamos discutir.
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www.sxc.hu
Fuga de cérebros:
uma face da migração
Educação
O sistema educacional brasileiro é marcado por lacunas, o que compromete a seriedade de todo um processo
que visa o desenvolvimento do Brasil. Afinal, um país
que leva a sério a educação, se encontra em ascensão. Entre os principais entraves para atrair potenciais cientistas ao meio acadêmico estão os baixos valores das bolsas
de estudos e o futuro incerto da carreira. Sem motivação
e apoio, fica difícil para aqueles que desejam qualificar-se
e que valorizam o estudo e a pesquisa permanecerem no
país. Tudo isso torna crescente a chamada fuga de cérebros, que atinge estudantes em várias instâncias, sobretudo pesquisadores, mestrandos e doutorandos.
Destaca-se também o fato de que, muitas vezes, o Brasil não sabe aproveitar os bons profissionais que, atraídos pela escassez de oportunidades de trabalho para mão
de obra qualificada, migram para outros países. Aqueles
que decidem permanecer aqui, o fazem por
opção e não por receberem algum tipo de
estímulo. Além do mais, existe uma visão
distorcida sobre pessoas que se dedicam
à pesquisa, as quais são tidas como estudantes por um longo tempo e não como
profissionais.
Dentro dessa lógica, podemos dizer que
a fuga de cérebros é um tipo de migração
forçada. Podemos pensar: fuga por quê?
Fugimos daquilo que nos amedronta, que
tira as nossas possibilidades, que fecha os
nossos horizontes. Fugimos porque queremos algo melhor e que dê consistência às
nossas vidas, aos nossos projetos, sonhos
e empreendimentos. A partir do momento
em que o país não favorece esse espaço – ao
estudante ou ao profissional –, consequentemente estará perdendo a oportunidade
de acelerar o processo de desenvolvimento
interno. Ao mesmo tempo, força a migração, assumindo uma postura de omissão.
Sabemos que a migração deve ser um direito de todos, porém não podemos permanecer passivos diante de um quadro que,
analisando as possibilidades somente se
encontre uma opção: migrar. Ir e vir, alargar
os horizontes do conhecimento, compartilhar experiências. Tudo isso é um grande
tesouro para a humanidade, sobretudo no
campo do conhecimento. Porém, que seja um ato livre e
espontâneo.
Enquanto a mídia se preocupa em destacar que só se
admira quem participou do Big Brother, tem dinheiro, é
modelo, tem fama, etc., a nossa consciência como educadores e cidadãos deve buscar formar crianças, adolescentes, jovens e adultos para uma cultura do conhecimento. Conhecimento é possibilidade, é emancipação, é
vislumbrar à nossa frente novos horizontes. Essa é uma
urgência necessária para o bem do nosso povo e da nossa
nação. É preciso exigir das nossas autoridades governamentais compromisso sério com a educação para que a
migração ou fuga de cérebros, não seja por uma falta de
opção e perspectivas geradas pelo nosso solo nativo. Eu
defendo essa causa. E você?
Ir. Renilda Teixeira Pereira
São Paulo – SP
Esperança | 1º semestre de 2011 27
“Q
não era nenhuma daquelas citadas. Padre Alfredo havia
uero ir para o Brasil e necessito que me
enviado uma carta de Padre Gelmino contando as difiajudes a fazer o visto”, disse Erik. “Não
culdades enfrentadas pelos haitianos em Manaus e nas
quero ir irregular como uns haitianos
fronteiras Colômbia, Peru e Brasil. Neste momento, se
que estão lá”, explicou. Perguntado sobre qual o moperguntou ao Erik se o nome da cidade era Manaus e ele
tivo de ir ao Brasil, que tipo de visto queria e em que
confirmou.
cidade desejava viver, ele respondeu que queria ir para
Erik não sabia nem o nome da cidade e nem o nome
uma cidade que estava distante de São Paulo três noidos amigos de seus amigos. Ele se aferrava na informates e três dias de ônibus. Não sabia o nome da cidade
ção de que em Manaus havia trabalho para as pessoas
nem tinha parentes no Brasil. Inicialmente, dizia que
de outras nacionalidades, informação
entraria no seminário com os salesiaesta recebida por telefone e confirmada
nos e foi orientado que, neste caso, os
Os
meios
de
sacerdotes deviam pedir um visto de
através de consultas feitas na internet.
comunicação…
estudante para ele na embaixada. Por
Eram os meios de comunicação que
fim, Erik confessou que desejava ir ao
haviam facilitado a divulgação da noexercem sobre as
Brasil trabalhar. Que nesta cidade, cujo
tícia e motivado a Erik, como a muitos
pessoas uma força
nome não se lembrava, estavam uns cohaitianos, a sair do Equador, onde recede atração e um
nhecidos de seus amigos que, por teleberam um visto especial por ocasião do
desejo ingênuo de
terremoto em Haiti, para aventurar-se,
fone, haviam dito que estavam bem e
migrar para sair
uns de forma regular, outros de forma
trabalhando.
irregular, a ingressar na região norte
O problema era saber a que cidade se
da pobreza e das
do Brasil e de modo especial no Amareferia. Tentou-se dizer o nome de todificuldades
zonas, como porta de ingresso ao país.
das as maiores cidades do Brasil e nada,
28
www.sxc.hu
Migração e os meios
de comunicação
Assim como o telefone, a internet, a televisão e outros meios de comunicação são
os veículos através dos quais os migrantes
motivam de forma direta ou indireta a seus
familiares, amigos ou amigos dos amigos
a tomar o caminho da migração regular e,
muitas vezes, irregular em direção a países
vizinhos ou a outros continentes.
Em um encontro de Cáritas Internacional, em Senegal, na África, muitas mães
partilharam sobre jovens que arriscam
suas vidas, cruzando o oceano em barcos
inseguros e sobrecarregados para chegar
à Espanha ou Itália. Tudo no intuito de
realizar seus sonhos e conseguir um bom
trabalho para enviar dinheiro às suas
mães e irmãos. São, em geral, motivados
pelos meios de comunicação, familiares e
amigos que estão na Europa.
Alguns meios de comunicação oficiais,
divulgando imagens chocantes, tentam
desmotivar aos jovens a empreender esta
travessia, mas a comunicação com seus
compatriotas é mais forte e tem o poder
de atrair os migrantes.
Quando os meios de comunicação divulgam a realidade dos migrantes que
estão bem nos países de destino, também
exercem sobre as pessoas uma força de
atração e um desejo ingênuo de migrar
para sair da pobreza e das dificuldades.
Os meios de comunicação não contam as
histórias de tantos migrantes que estão
passando dificuldades nos países de destino. Muitos deles tiveram uma migração
fracassada e não realizaram seus sonhos.
Divulgam quase sempre as situações que
deram certo, cuja porcentagem é bem
menor, sem contar que muitos outros
tiveram seus sonhos e ilusões ofuscadas
pela realidade que encontram nos países
de destino.
Ir. Maria Lélis da Silva, mscs
Quito – Equador
www.sxc.hu
Educação
Verdade, anúncio
e autenticidade de
vida na era digital
No mundo digital, transmitir informações significa com frequência sempre
maior inseri-las numa rede social, onde
o conhecimento é partilhado no âmbito de intercâmbios pessoais. A distinção
clara entre o produtor e o consumidor
da informação aparece relativizada, pretendendo a comunicação ser não só uma
troca de dados, mas também e cada vez
mais uma partilha. Esta dinâmica contribuiu para uma renovada avaliação da comunicação, considerada primariamente
como diálogo, intercâmbio, solidariedade e criação de relações positivas. Por
outro lado, isto colide com alguns limites típicos da comunicação digital: a parcialidade da interação, a tendência a comunicar só algumas partes do próprio
mundo interior, o risco de cair numa
espécie de construção da autoimagem que pode favorecer o narcisismo.
Trecho do pronunciamento do
Papa Bento XVI em ocasião do 45º Dia
Mundial das Comunicações Sociais.
Vaticano, 24 de janeiro de 2011
Esperança | 1º semestre de 2011 29
Quem não a conhece na Província Nossa
Senhora Aparecida? Irmã Marilde traz como
umas das marcas fortes da sua personalidade
o empenho na vida de oração e no trabalho,
na missão que lhe é confiada. Ela é aquela
Irmã de estatura baixa, franzina, de pernas e
pensamentos ágeis, motivados pelo grande
sentido de pertença à Congregação.
Irmã Marilde, já com os seus 81 anos, é uma
religiosa incansável, trabalhadora, de uma disponibilidade incrível. Não mede esforços para sair
a pé ou de ônibus, se preciso for, para resolver os
negócios da Província, porque veio para doar-se.
“Eu dei mesmo a minha vida pela Congregação,
não reservei nada para mim. Não preciso pensar
em mim. Ele pensa por mim. No meu trabalho
cotidiano, sempre gosto de oferecer os meus
passos pela conversão dos pecadores”.
30
Esperança: Irmã Marilde, como nasceu a sua vocação?
Irmã Marilde: Eu sempre quis ser Irmã e numa viagem
a Guaporé com meus pais, conheci as Irmãs Scalabrinianas que trabalhavam no hospital e me apaixonei pelo trabalho delas. Chamava-me a atenção a doação delas aos
doentes. Entrei para fazer experiência e ali no hospital
também comecei a doar a minha vida e nunca tive dúvida
da minha vocação. Minha vocação é Jesus e o seu Reino.
Esperança: Como foi essa experiência ali no hospital junto
às Irmãs?
Irmã Marilde: Era uma vida de doação muito bonita.
Nós levantávamos às quatro da manhã para cuidar dos
doentes e trabalhávamos o dia inteiro. Às vezes, até depois
do jantar. Tínhamos que cuidar da preparação da alimentação dos doentes, da rouparia da enfermaria e centro
cirúrgico, e cuidar do bom andamento de todos os serviços do hospital. Foi uma experiência gratificante, pois,
sentia que podia servir aos mais frágeis e necessitados.
© arquivo PNSA
Irmã Marilde:
um testemunho de
serviço e pertença
História de vida
© arquivo PNSA
Esperança: Além do trabalho missionário em hospitais,
Esperança: Que mensagem quer deixar para aqueles que
a senhora tem dedicado mais de 35 anos em trabalhos puleem a Revista Esperança e, de modo especial, às Irmãs
ramente administrativos. O que a motiva e sustenta neste
mais jovens?
tempo de trabalho?
Irmã Marilde: Amem sempre a Jesus. Estejam sempre
Irmã Marilde: É verdade. São mais de 35 anos que estou
na presença Dele. Isso é fundamental para a nossa vocacolaborando no setor administrativo da Província, enção. Peçam sempre a Jesus as melhores palavras e a hora
carregando-me entre outros da documentação de seguro
certa de dizê-las. Ele mesmo disse que iria para junto do
social e aposentadorias das Irmãs. Vejo que é importante
Pai, mas que o seu Espírito intercederia por nós, como
“cuidar dos cuidadores”. Se tantas Irmãs estão na missão
nosso advogado. Ele nos orienta, nas coisas mais simples
direta com os migrantes mais necessitados, doando todo dia-a-dia. Já estou com 81 anos e a cabeça, às vezes,
talmente suas vidas, é justo que alguém
não ajuda mais... Às vezes, estou no trase encarregue de pensar, organizar e lebalho e não sei onde coloquei um de“Amem
sempre
var em dia toda a papelada deste exérterminado documento, venho aqui na
a Jesus. Estejam
cito de trabalhadoras do Reino, para
Capela, peço a Maria para que o seu Esque num futuro elas possam gozar de
poso, o Espírito Santo me mostre, pois
sempre na
uma merecida pensão, e tranquilidade
não posso julgar ninguém e quando represença Dele”
na velhice.
torno, encontro o que eu precisava. Ele
nos orienta e nos esclarece tudo!
Esperança: Irmã Marilde, onde a senhora busca força
para trabalhar tanto, aos 81 anos?
A fala de Irmã Marilde parece nos ajudar a entender
Irmã Marilde: Basicamente na oração. Reconheço mipor onde passa a espiritualidade do trabalho: é necesnhas fragilidades, mas sei que Deus é misericordioso e
sário dar uma dimensão espiritual a tudo que fazemos,
vem ao meu encontro. Há momentos de fraqueza que
sentindo-nos cocriadoras com Deus, através de suas
a gente fica meio nervosa, reconheço a minha fraqueza,
obras. A espiritualidade do trabalho é dar essas pincemas não guardo rancor ou raiva de ninguém. Se me sinladas de espiritualidade às pequenas coisas que fazemos
to ofendida por alguém, rezo por aquela pescomo bem testemunhou Irmã Marilde. Em tudo, se persoa e sinto muita paz interior. Ao passo
cebemos bem, e de maneira silenciosa e sem alarde, ela
que a gente reza para o outro, tudo
dá um espaço para Deus, seja dando uma fugidinha para
passa. Quando estou desolada, gosto
rezar na capela, seja no caminho do trabalho, oferecendo
de rezar o salmo 141. Rezo outros
a caminhada como sacrifício para os outros, seja no resalmos, como o 15 e o 90. Mas a
conhecimento ou na oferta de suas fraquezas ao Senhor.
frase bíblica que ilumina a minha
Com
certeza,
vida é aquela expressão de Jesus:
Irmã Marilde
“permanecei em mim”. Ele pede que
é mais um panão nos afastemos Dele.
trimônio vivo
da nossa Congregação. Deo
Gratias!
Ir. Rosa Maria
Martins Silva
Brasília – DF
Esperança | 1º semestre de 2011 31
ABRA A
PORTA
São pés aos milhares
pisando firmes a estrada,
País das dores e esperanças
de minha gente cansada.
São olhos aos pares,
fixos em algum horizonte,
jovens irmãos forjando
um amanhã diferente.
São mãos de muitos calos,
porém de ternura e carinho;
mãos de todo um povo
que da história abre caminho
Corpos famintos, almas sedentas
em busca de pão e algo mais;
famílias inteiras ao relento;
na cidade e no campo, quantos ais.
Abra a porta meu irmão,
há alguém do lado de fora;
solidário estenda a mão,
abra a porta sem demora.
Abra também o coração,
rompa muros e preconceitos;
o amor supera toda lei,
eis o novo e o maior preceito.
Todo homem tem direitos:
terra, trabalho, vida,
toda família quer casa,
pra verdadeira cidadania.
Pe. Alfredo José Gonçalves, cs
32
curiosidade
Você sabia?
Que os trabalhadores noturnos perdem
cinco anos de vida para cada 15 dias de
jornada de trabalho? É o que mostra um estudo divulgado pela Unidade do Sonho do Instituto Dexeus de Barcelona, juntamente ao Serviço de
Neurofisiologia do Hospital da Paz de Madri, ambos
na Espanha.
Que estima-se que existam hoje no Brasil cerca de 30 mil trabalhadores submetidos a condições de trabalho escravo?
segundo a Organização InternaQue,
cional do Trabalho, a violência física
e psicológica no local de trabalho está
aumentando em todo o mundo e atingiu
“níveis epidêmicos” em muitos países
industrializados? O estudo diz que a violência
no trabalho, incluindo prepotência, assédio sexual
e agressão física, pode custar entre 0,5% e 3,5% do
Produto Interno Bruto dos países, através do absenteísmo, das licenças médicas e menor produtividade.
Destes, 70% estariam concentrados no Estado do
Pará, o que confere ao nosso estado o triste título de
“campeão nacional de trabalho escravo”.
Que o Brasil é responsável por 60% da
produção mundial de cana-de-açúcar?
No Brasil, há 500 mil cortadores, sendo que 70% são
migrantes temporários. Grande parte se concentra
no Estado de São Paulo, que é responsável pela produção de 75% do etanol brasileiro e 25% da produção mundial.
Que os migrantes devem ser tratados
como iguais aos nacionais do país de
acolhimento em matéria de remuneração e condições de trabalho? É o que diz o
Que além do Pará, Maranhão e Tocantins, a “Lista Suja” de estados brasileiros
com trabalho escravo conta ainda com
os estados do: Rio Grande do Sul, Mato
Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Santa
Catarina, Bahia, Rondônia e Piauí?
© SPM
documento da Convenção Internacional de Imigração. Os trabalhadores também têm direito às liberdades básicas como a de mobilização, de expressão
de pensamento, consciência e prática da religião.
© arquivo PNSA
“Somos chamados a empreender um itinerário de comunhão que
implique na aceitação das legítimas diversidades.
A defesa dos valores cristãos passa, evidentemente,
pela não discriminação dos imigrantes, pelo diálogo fraterno
e o respeito recíproco. O testemunho de amor e de acolhida
dos cristãos constitui em si mesmo a primeira e
indispensável forma de evangelização”.
(EMCC, 99)

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