OCR Document - Sociologando

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Apostila de Sociologia
2º ANO
4. Cultura, Consumo e
Comunicação de massa
Prof. Renato Fialho
Aluna(o): _____________________________________
Turma: _________
Seis questões para entender a hegemonia
midiática
Por Dênis de Moraes
1. O sistema midiático contemporâneo demonstra
capacidade de fixar sentidos e ideologias,
selecionando o que deve ser visto, lido e ouvido pelo
conjunto do público. Por mais que existam por parte
de leitores, ouvintes e telespectadores expectativas e
respostas diferençadas em relação aos conteúdos
recebidos, são os grupos privados de comunicação
que prescrevem orientações, enfoques e ênfases nos
informativos; quais são os atores sociais que merecem
ser incluídos ou marginalizados; quais as agendas e
pautas que devem ser destacadas ou ignoradas.
Os meios (de comunicação) difundem julgamentos de
valor e sentenças sobre fatos e acontecimentos, como
se estivessem autorizados a funcionar como uma
espécie de tribunal, embora sem nenhuma
legitimidade para isso. Sua intenção, assumida mas
não declarada, é disseminar conteúdos, ideias e
princípios que ajudem a organizar e unificar a opinião
pública em torno de determinadas visões de mundo
(quase sempre conservadoras e sintonizadas com o
status quo).
Os meios elegem os atores sociais, articulistas,
analistas, comentaristas e colunistas que devem ser
prestigiados em seus veículos e programações. Na
maior parte dos casos, como observa (o sociólogo)
Pierre Bourdieu, estes porta-vozes não fazem nada
mais que reforçar o trabalho dos 'think tanks'
(tanques pensantes) neoliberais em favor da
mercantilização geral da vida e da desregulação das
economias e dos mercados. Com efeito, os
'intelectuais midiáticos' ou 'especialistas' dizem tudo
aquilo que serve aos interesses de classes e
instituições
dominantes,
combatendo
e
desqualificando ideias progressistas e alternativas
transformadoras.
Os grupos midiáticos mantem também acordos e
relações de interdependência com poderes
econômicos e políticos, em busca de publicidades
pagas, patrocínios, financiamentos, isenções fiscais,
participações acionárias, apoios em campanhas
eleitorais, concessões de canais de radiodifusão, etc.
Não são neutros e isentos, como querem fazer crer;
são parciais, tomam partido, favorecem os interesses
mercantis, defendem posições políticas, combatem
ideologicamente os opositores.
2. Os meios se apropriam de diferentes léxicos para
tentar colocar dentro de si todos os léxicos, a serviço
de seus objetivos particulares. Palavras que
pertenciam tradicionalmente ao léxico da esquerda
foram resignificadas durante a hegemonia do
neoliberalismo nas décadas de 1980, 1990 e parte de
2000. Cito, de imediato, duas palavras: reforma e
inclusão. Da noite para o dia, passaram a ser
incorporadas aos discursos dominantes e midiáticos,
em sintonia com o ideário privatista. Trata-se de
indiscutível apropriação do repertório progressista,
que sempre associou reformas ao imaginário da
emancipação social. As apropriações têm o propósito
de redefinir sentidos e significados, a partir de óticas
interpretativas próprias.
3. Ao celebrar os valores do mercado e do
consumismo, o sistema midiático subordina a
existência ao mantra da rentabilidade. A glorificação
do mercado consiste em apresentá-lo como o âmbito
mais adequado para traduzir desejos, como se só ele
pudesse se converter em instância de organização
societária. Um discurso que não faz mais que realçar e
aprofundar a visão, claramente autoritária, de que o
mercado é a única esfera capaz de regular, por si
mesma, a vida contemporânea. Os projetos
mercadológicos e as ênfases editoriais podem variar,
mas menos em um ponto: as corporações operam,
consensualmente, para reproduzir a ordem do
consumo e conservar hegemonias instituídas.
4. Os discursos midiáticos estão comprometidos com
o controle seletivo das informações, da opinião e dos
julgamentos de valor que circulam socialmente. Isso
se manifesta nas manipulações dos noticiários e na
interdição (censura, proibição) dos pontos de vista
antagônicos, afetando a compreensão das
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circunstâncias em que certos fatos acontecem
(geralmente os que são contrários à lógica econômica
ou às concepções políticas dominantes).
Os meios massivos buscam reduzir ao mínimo o
espaço de circulação de ideias contestatórias – por
mais que estas continuem manifestando-se e
resistindo. A meta é neutralizar análises críticas e
expressões de dissenso. Um exemplo do que acabo de
dizer são os enfoques tendenciosos sobre as
reivindicações de movimentos sociais e comunitários.
São frequentemente subestimadas, quando não
ignoradas, nos principais periódicos e telejornais, sob
o argumento falacioso de que são iniciativas 'radicais',
'populistas', etc. A vida das comunidades subalternas
e pobres está diminuída ou ausente nos noticiários.
5. O sistema midiático rechaça qualquer modificação
legal que ponha em risco sua autonomia e seus lucros.
A qualquer movimento para a regulação da
radiodifusão sob concessão pública, reage com
violentos editoriais e artigos que apresentam os
governantes que se solidarizam com a causa da
democratização da comunicação como 'ditadores' que
querem sufocar a 'liberdade de expressão'. É uma
grosseira mistificação. O que há, na verdade, é o
bloqueio do debate sobre a função e os limites da
atuação social dos meios. As grandes empresas do
setor não têm nenhuma autoridade moral e ética para
falar em 'liberdade de expressão', pois negam
diariamente a diversidade informativa e cultural com
o controle seletivo da informação e da opinião. Se
confundem interesses empresariais e políticos com o
que seria, supostamente, a função de informar e
entreter. Tudo isso acentua a ilegítima pretensão dos
meios hegemônicos de definir regras unilateralmente,
inclusive as de natureza deontológica (relativo a
estudos sobre princípios morais), para se colocar
acima das instituições e os poderes constituídos,
exercendo não a liberdade de expressão, mas a
liberdade de empresa.
internacionais para negócios em todos os continentes;
intensificou transmissões e fluxos em tempo real; e
agravou a concentração em setores complementários
(imprensa, rádio, televisão, internet, audiovisual,
editorial, telecomunicações, publicidade, marketing,
cinema, jogos eletrônicos, celulares, plataformas
digitais, etc.).
Tudo isso faz sobressair novas formas de mais valia na
economia digital: a tecnologia que possibilita sinergias
e convergências; a repartição e a distribuição de
conteúdos gerados nas mesmas matrizes produtivas e
plataformas; a racionalidade de custos e a planificação
de investimentos.
Se origina daí um sistema multimidiático com
flexibilidade operacional e produtiva, que inclui ampla
variedade de iniciativas e serviços digitais, fluxos
velozes, espaços de visibilidade, esquemas globais de
distribuição, campanhas publicitárias mundiais e
técnicas sofisticadas de conhecimento dos mercados.
A finalidade é garantir o maior domínio possível sobre
as
cadeias
de
fabricação,
processamento,
comercialização e distribuição dos produtos e
serviços, incrementando a rentabilidade e os
dividendos monopólicos.
30 de janeiro 2015
(Publicado originalmente em Alainet)
______________
* Dênis de Moraes es investigador senior del Consejo
Nacional de Desarrollo Científico y Tecnológico (CNPq)
y de la Fundación Carlos Chagas Filho de Amparo a la
Investigación del Estado de Río de Janeiro (FAPERJ),
de Brasil. Autor, entre otros libros, de Medios, poder y
contrapoder, con Ignacio Ramonet y Pascual Serrano
(Biblos, 2013), La cruzada de los medios en América
Latina (Paidós, 2011) y Mutaciones de lo visible:
comunicación y procesos culturales en la era digital
(Paidós, 2010).
6. Os conglomerados detêm a propriedade da maioria
dos meios de difusão, da infraestrutura tecnológica e
das bases logísticas, o que lhes confere domínio dos
processos de produção material e imaterial. A
digitalização favoreceu a multiplicação de bens e
serviços de infoentretenimento; atraiu jogadores
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Na telinha da sua casa você é cidadão? – Mídia e cultura no capitalismo globalizado
A partir da II Revolução Industrial no século XIX e da
predominância das regras do mercado capitalista, as
artes, a cultura e a mídia foram submetidas à ideologia
da indústria cultural.
Ou seja, os produtos de criação da cultura dos homens
foram submetidos à ideia de consumo, como produtos
fabricados em série. As obras de arte se transformam em
meras mercadorias, produtos de consumo, onde a
maioria dos bens artísticos não são criados para a
contemplação, para a busca do belo, e, sim, para a
obtenção do lucro.
A indústria cultural massifica a cultura e as artes para o
consumo rápido no mercado da moda e na mídia.
Massificar é banalizar as artes e a produção das ideias e,
também, vulgarizar os conhecimentos.
Marilena Chauí (1995) nos dá um exemplo disso
afirmando:
"A indústria cultural vende cultura. Para vendê-la, deve
seduzir e agradar o consumidor. Para seduzi-lo, não
pode chocá-lo, provocá-lo, fazê-lo pensar. Fazê-lo ter
informações novas que perturbem, mas deve devolverlhe, com nova aparência, o que ele já sabe, já viu, já fez".
Daí surgem as revistas de fofocas, o teclado, o MSN, os
programas de TV sobre futilidades, os comerciais que
tentam vender produtos sem qualidades, mas com
ótima produção de marketing.
O poder da mídia - Expressão máxima da indústria
cultural são os meios de comunicação de massa, ou
mídia escrita ou eletrônica. Aqui vale destacar o poder
da mídia enquanto manipulação, formação de opinião,
infantilização e condicionamento de mentes e
produção cultural do grotesco visando a despolitização.
Essas características da mídia se expressam
particularmente através da TV, rádio, jornais e revistas,
que são de fácil acesso à grande maioria das pessoas.
Muitos estudiosos, jornalistas e políticos costumam dizer
que a mídia - ou meios de comunicação de massa representa um quarto poder (além dos poderes
governamentais do judiciário, do legislativo e do
executivo). Isto porque influencia comportamentos,
opiniões e atitudes de forma constante e permanente.
Vejamos essa passagem do livro Convite à Filosofia, de
Marilena Chauí (1995):
"Vale a pena, também, mencionar dois outros efeitos
que a mídia produz em nossas mentes: a dispersão da
atenção e a infantilização."
"Para atender aos interesses econômicos dos
patrocinadores, a mídia divide a programação em blocos
que duram de sete a dez minutos, cada bloco sendo
interrompido pelos comerciais. Essa divisão do tempo
nos leva a concentrar a atenção durante os sete ou dez
minutos de programa e a desconcentrá-la durante as
pausas para a publicidade."
"Pouco a pouco isso se torna um hábito. Artistas de
teatro afirmam que, durante um espetáculo, sentem o
público ficar desatento a cada sete minutos. Professores
observam que seus alunos perdem a atenção a cada dez
minutos e só voltam a se concentrar após uma pausa
que dão a si mesmos, como se dividissem a aula em
'programa' e 'comercial'."
"Ora, um dos resultados dessa mudança mental
transparece quando criança e jovem tentam ler um livro:
não conseguem ler mais do que sete a dez minutos de
cada vez, não conseguem suportar a ausência de
imagens e ilustrações no texto, não suportam a ideia de
precisar ler 'um livro inteiro'. A atenção e a
concentração, a capacidade de abstração intelectual e
de exercício do pensamento foram destruídas. Como
esperar que possam desejar e interessar-se pelas obras
de artes e de pensamento?"
"Por ser um ramo da indústria cultural e, portanto, por
ser fundamentalmente uma vendedora de cultura que
precisa agradar o consumidor, a mídia infantiliza. Como
isso acontece? Uma pessoa (criança ou não) é infantil
quando não consegue suportar a distância temporal
entre seu desejo e a satisfação dele. A criança é infantil
justamente porque para ela o intervalo entre o desejo e
a satisfação é intolerável (por isso a criança pequena
chora tanto)."
"Ora, o que faz a mídia? Promete e oferece gratificação
instantânea. Como o consegue? Criando em nós os
desejos e oferecendo produtos (publicidade e
programação) para satisfazê-los. O ouvinte que gira o
dial do aparelho de rádio continuamente e o
telespectador que muda continuamente de canal o
fazem porque sabem que, em algum lugar, seu desejo
será imediatamente satisfeito."
Além disso, como a programação se dirige ao que já
sabemos e já gostamos, e como toma a cultura sob a
forma de lazer e entretenimento, a mídia satisfaz,
imediatamente nossos desejos porque não exige de nós
atenção, pensamento, reflexão, crítica, perturbação de
nossa sensibilidade e de nossa fantasia. Em suma, não
nos pede o que as obras de arte e de pensamento nos
pedem: trabalho sensorial e mental para compreendêlas, amá-las, criticá-las, superá-las. A cultura nos satisfaz
se tivermos paciência para compreendê-la e decifrá-la.
Exige maturidade. A mídia nos satisfaz porque nada nos
pede, senão que permaneçamos para sempre infantis."
(Trecho extraído do livro: "Sociologia para jovens do século XXI",
de OLIVEIRA, Luiz F. de & COSTA, Ricardo Cesar R. da)
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Noam Chomsky e as 10 estratégias de manipulação midiática
1. A estratégia da distração. O elemento primordial do controle
social é a estratégia da distração, que consiste em desviar a
atenção do público dos problemas importantes e das mudanças
decididas pelas elites políticas e econômicas, mediante o uso da
técnica de dilúvio, ou inundação contínua através de distrações e
informações insignificantes. A estratégia da distração é igualmente
indispensável para impedir que o público se interesse pelos
conhecimentos essenciais, na área da ciência, da economia, da
psicologia, da neurobiologia e da cibernética. “Manter a atenção
do público distraída, distante dos verdadeiros problemas sociais,
aprisionada por temas sem importância real. Manter o público
ocupado, ocupado, ocupado, sem nenhum tempo para pensar;
retornando à granja como fazem com outros animais (citado do
texto 'Armas silenciosas para guerras tranqüilas')”.
maior a intenção de enganar o expectador, mais se tende a adotar
um tom infantilizante. Por quê? “Se alguém se dirige a uma
pessoa como se ela tivesse a idade de 12 anos ou menos, então,
devido à sugestionabilidade, ela tenderá, com certa probabilidade,
a responder ou reagir também desprovida de um sentido crítico
como a de uma pessoa de 12 anos ou menos de idade (ver
'Armas silenciosas para guerras tranqüilas')”.
2. Criar problemas e depois oferecer soluções. Este método
também é chamado “problema-reação-solução”. Cria-se um
problema, uma “situação” prevista, para causar certa reação no
público, com o objetivo de que este pareça o mandante das
medidas que se deseja fazer aceitar. Por ejemplo: deixar que se
desenvolva ou se intensifique a violência urbana, ou organizar
atentados sangrentos, a fim de que o público solicite leis de
segurança e políticas austeras que acabem acarretando em perda
de liberdade. Ou ainda: criar uma crise econômica para que se
aceite como um mal necessário o retrocesso dos direitos sociais e
o desmantelamento dos serviços públicos.
7. Manter o público na ignorância e na mediocridade. Fazer
com que o público seja incapaz de compreender as tecnologias e
os métodos utilizados para seu controle e sua escravidão. “A
qualidade da educação dada às classes sociais inferiores deve ser
a mais pobre e medíocre possível, de forma que a distância da
ignorância que reina entre as classes inferiores e as classes
sociais superiores seja e permaneça impossíveis de ser alcançada
pelas classes inferiores (ver 'Armas silenciosas para guerras
tranqüilas')”.
3. A estratégia do gradativo. Para fazer com que se aceite uma
medida inaceitável, basta aplicá-la gradualmente, no estilo contagotas, por anos consecutivos. É dessa maneira que condições
socioeconômicas radicalmente novas (neoliberalismo) foram
impostas durante as décadas de 1980 e 1990: Estado mínimo,
privatizações, precarização do trabalho, flexibilidade, desemprego
em massa, defasagem salarial, ou seja, uma série de mudanças
que teriam provocado uma revolução se tivessem sido aplicadas
de uma só vez.
4. A estratégia de diferir, retardar. Outra maneira de convencer
de uma decisão impopular é apresentá-la como “dolorosa e
necessária”, obtendo a aceitação pública, no momento, para uma
aplicação futura. É mais fácil aceitar um sacrifício futuro que um
sacrifício imediato. Primeiro, porque o esforço não é realizado
imediatamente. E isto porque o público, a massa, tem sempre a
tendência a esperar ingenuamente que “tudo irá melhorar
amanhã” e que o sacrifício exigido poderá, quem sabe, ser
evitado. Isto dá mais tempo ao público para se acostumar com a
idéia da mudança e assim aceitá-la com resignação quando
chegar o momento.
5. Dirigir-se ao público como criaturas de pouca idade. A
maioria da publicidade dirigida ao grande público utiliza discursos,
argumentos, personagens e entonações parti-cularmente infantis,
muitas vezes próximos à debilidade, como se o espectador fosse
uma criatura de pouca idade ou um deficiente mental. Quanto
6. Utilizar o aspecto emocional muito mais que a reflexão.
Fazer uso do aspecto emocional é uma técnica clássica para
causar um curto-circuito na análise racional, e finalmente no
sentido crítico dos indivíduos. Por outro lado, a utilização do
registro emocional permite abrir a porta de acesso ao inconsciente
para implantar ou injetar ideias, desejos, medos e temores,
compulsões, ou induzir comportamentos…
8. Estimular o público a ser complacente com a mediocridade.
Promover no público a crença de que é moda o fato de ser
estúpido, vulgar e inculto…
9. Reforçar a autoculpabilidade. Fazer com que o indivíduo
acredite que é somente ele o culpado por sua própria desgraça,
devida à sua insuficiência de inteligência, de capacidade ou de
esforço. Assim, no lugar de revoltar-se contra o sistema
econômico, o indivíduo se autodesvaloriza e se culpa, o que gera
um estado depressivo, cujo efeito, para citar apenas um, é a
inibição de sua ação. E, sem ação, não há revolução!
10. Conhecer os indivíduos melhor do que eles mesmos se
conhecem. No transcurso dos últimos 50 anos, os avanços
acelerados da ciência gerou um crescente abismo entre os
conhecimentos do público e aqueles possuídos e utilizados pelas
elites dominantes. Graças à biología, à neurobiologia e a
psicologia aplicada, o “sistema” tem desfrutado de um
conhecimento avançado do ser humano, tanto no seu aspecto
físico como em seu aspecto psicológico. O sistema tem
conseguido conhecer melhor o indivíduo comum do que ele se
conhece a si próprio. Isto significa que, na maioria dos casos, o
sistema exerce um controle maior e um grande poder sobre os
indivíduos, superior ao que os próprios indivíduos tem sobre si
mesmos.
(Publicado por Omar Montilla, no Blog Gramscimania)
15/9/2010
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Governos progressistas e transformações comunicacionais
O debate sobre a participação do poder público nos
sistemas de comunicação da América Latina ganhou
ímpeto com o consenso estabelecido entre governos
progressistas quanto à importância de se fortalecer a
pluralidade e facilitar o acesso dos cidadãos à
informação, ao conhecimento e às tecnologias.
Os presidentes Hugo Chávez, Evo Morales, Rafael Correa
e Cristina Kirchner são ostensivos na rejeição ao
monopólio privado da mídia e ao desmedido predomínio
na vida social. “Não se pode aceitar a usurpação de
funções pelos meios de comunicação que funcionam
como partidos políticos e o negam, que operam como
grupos de pressão e o negam, cujas linhas editoriais não
provêm dos que trabalham nelas, isto é, os jornalistas, e
sim de seus donos, uma família ou um grupo
econômico”, declarou Chávez em seu programa
radiofônico Alô Presidente, de 10 de maio de 2009. Na
abertura do V Encontro Mundial de Intelectuais e
Artistas em Defesa da Humanidade, realizado em maio
de 2007 na cidade boliviana de Cochabamba, Morales
criticou a mercantilização da informação e disse que os
governos progressistas devem ajudar a criar “consciência
popular sobre a importância de os meios de
comunicação defenderem os valores da vida, e não os
valores do capital, do egoísmo e do individualismo”.
Correa avalia que, na prática, “mais do que liberdade de
imprensa, há liberdade de empresa, porque muitas
empresas de comunicação não cumprem com sua
missão de informar e querem direcionar a cidadania em
função de seus interesses, e isso não podemos permitir”.
Para Cristina, a mídia assume uma aparente objetividade
diante dos fatos para disfarçar um discurso que é
“diretamente atentatório contra as possibilidades de
mobilidade social, de redistribuição de renda e de
participação democrática”.
Chávez, Morales, e mais Raúl Castro, de Cuba, e Daniel
Ortega, da Nicarágua, assinaram o Manifesto do
Bicentenário durante a Cúpula da Aliança Bolivariana das
Américas, realizada em Caracas, em 19 de abril de 2010.
O documento denuncia as aleivosias [NDP: injúrias e
falsificações] da mídia contra seus adversários políticoideológicos:
“Os países da ALBA alertam sobre o perverso papel
desempenhado por importantes meios de difusão de
massa a serviço dos interesses do imperialismo e na
contramão dos interesses e aspirações dos movimentos
sociais e os povos do Terceiro Mundo. Condenam o uso,
por parte destes meios, da mentira, da distorção, da
calúnia e da omissão deliberada, amparados pelo
monopólio dos canais de comunicação e os grandes
recursos financeiros à sua disposição. Recusam a
tendência à hipocrisia rasteira de importantes meios
informativos europeus e norte-americanos, cujas
respectivas políticas editoriais respondem a objetivos
inimigos dos governos revolucionários e progressistas da
América Latina e Caribe e dos povos da região”.
A reação possível e desejável consiste em valorizar a
produção informativa, as artes e o patrimônio cultural
como partes da continuidade identitária que permite a
expressão das diferenças e a participação individual e
coletiva na vida social. Implica questionar e recusar o
monopólio privado da mídia e a concepção neoliberal de
cultura como negócio competitivo e rentável. Tornam-se
essenciais a discussão e a fixação de critérios e
parâmetros de interesse social para a definição das
linhas gerais de programação das empresas
concessionárias de rádio e televisão, bem como a
renovação de marcos regulatórios para as outorgas de
canais; a descentralização dos meios de veiculação; o
fomento
ao
audiovisual
independente;
o
estabelecimento de cotas de produção, distribuição e
exibição de conteúdos nacionais nos cinemas e nas
televisões aberta e paga; e a integração cultural em
bases cooperativas e não mercantis.
O fato alentador é a conversão de algumas dessas
premissas em fontes inspiradoras de políticas públicas.
Há uma série de coincidências nos modos de repensar a
atuação do Estado, a começar pelo entendimento de
que as questões comunicacionais dizem respeito, na
maioria das vezes, aos interesses coletivos. Não podem
cingir-se a vontades particulares ou corporativas, pois
envolvem múltiplos pontos de vista. Cabe ao Estado um
papel regulador, harmonizando anseios e zelando pelos
direitos à informação e à diversidade cultural. Também
existe consenso quanto à importância de se repor o
papel do Estado como articulador e gestor de
plataformas de comunicação e como fomentador de
espaços autônomos de expressão no seio da sociedade
civil, evitando-se que os canais informativos e de
entretenimento fiquem concentrados no setor privado.
Verificaremos, a seguir, as direções tendenciais que se
delineiam nas atuais políticas públicas de comunicação
na América Latina e os desdobramentos alcançados nas
ações dos governos progressistas.
A comunicação estatal contra o bloqueio midiático
Os sistemas estatais de comunicação incluem atividades
e veículos diretamente concebidos, financiados, geridos,
produzidos e difundidos por organismos do Estado, tais
como canais de rádio e televisão, portais informativos na
internet, agências oficiais de notícias e publicações
impressas. Divulgam atos e realizações governamentais,
convertendo-se também em instrumentos ideológicos,
já que eles põem em evidência posicionamentos do
Executivo sobre as conjunturas social, econômica e
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política, frequentemente minimizados, ou mesmo,
ignorados pela mídia comercial.
De maneira geral, os governos progressistas latinoamericanos
herdaram
sistemas
de
difusão
burocratizados e ineficientes, agravando problemas
acumulados desde a época das ditaduras militares, entre
os anos 1960 e 1980. A falta de investimentos provocou
um curto-circuito na comunicação estatal, que se
ressentia das limitações impostas por orçamentos
escassos e infraestrutura tecnológica defasada. Isso tem
a ver não apenas com a obsessão neoliberal de
desmontar o aparelho do Estado, como também com o
desinteresse em reforçar a área oficial de divulgação, em
função do maciço apoio da mídia comercial aos governos
que rezavam pela cartilha do Consenso de Washington.
Em contrapartida à adesão política, os grupos midiáticos
receberam outorgas de licenças de canais de rádio e
televisão, volumosas verbas publicitárias, facilidades de
importação de equipamentos, isenções fiscais para o
papel-imprensa e financiamentos a juros baixos ou
reescalonamento de dívidas em bancos e agências
oficiais.
A reorganização da comunicação estatal decorreu da
necessidade de se contar com meios mais eficientes de
difusão para se contrapor a noticiários negativos da
mídia, sobretudo quando entram em pauta assuntos
relacionados à radiodifusão ou à defesa da soberania
nacional sobre as riquezas naturais. Os governos da
Venezuela, da Bolívia, do Equador e da Argentina, em
particular, tentam reinserir seus meios de divulgação no
território de disputa pela hegemonia simbólica. É uma
disputa desigual porque esses veículos estão longe de
alcançar a penetração social dos grupos midiáticos.
Mesmo assim, existem esforços para alargar os espaços
de comunicação com a sociedade, sem intermediação
midiática. Uma das ações incisivas é a criação de jornais
e canais de televisão estatais, que intentam reverberar
outros modos de compreender, interpretar e refletir o
mundo.
O surgimento de jornais estatais
Hugo Chávez, Evo Morales, Rafael Correa e Fernando
Lugo decidiram lançar jornais impressos, com versões na
internet, para tentar furar o bloqueio à divulgação de
suas ações na mídia impressa. O público-alvo são as
classes de menor poder aquisitivo e acesso mais restrito
à informação. São basicamente, três os objetivos
perseguidos pelas publicações: a) conquistar uma fatia
do público com distribuição dirigida e preços de capa
simbólicos, o que se torna viável porque os custos são
cobertos com recursos públicos (geralmente, anúncios e
patrocínios de empresas estatais); b) abordar fatos e
acontecimentos a partir de lógicas interpretativas afins
com o ideário governamental; c) rebater acusações e
críticas alardeadas pela mídia massiva.
O primeiro jornal estatal foi criado no Equador. El
Ciudadano
(http://www.elciudadano.gov.ec/),
“periódico do governo da revolução cidadã”, chegou às
bancas na segunda quinzena de abril de 2008. Com 16
páginas e tiragem de 60 mil exemplares, circula
quinzenalmente, sendo que, em Quito, também é
distribuído aos usuários nas estações dos trólebus. Sua
diretriz editorial: “El Ciudadano difunde, através de suas
linhas, as informações da atividade governamental sobre
diversos aspectos, para que se conheça de perto a
grande obra que se leva adiante e que outros meios de
comunicação se recusam a divulgar”.
Em setembro de 2010, surgiu outro diário ligado ao
governo equatoriano. PP [Periódico Popular], El
Verdadero, é um tablóide de 16 páginas com impressão
em cores e paginação atraente, matérias curtas, títulos
fortes e muitas fotos, além de suplemento de
variedades. Dispõe-se a divulgar “notícias positivas”:
crônicas sobre a vida cotidiana, prestação de serviços
aos consumidores e orientação aos que desejam abrir
micronegócios. “Todos devem comprá-lo e ajudar a
derrotar as empresas voltadas para o lucro e que dizem
fazer comunicação: na verdade, só defendem os
próprios negócios e interesses", disse Rafael Correa.
Para chegar a leitores de menor poder aquisitivo, o
preço de capa (equivalente a R$ 0,68) é o mais baixo da
imprensa equatoriana. A estratégia de marketing
assemelha-se à de jornais de penetração popular,
incluindo promoções como as raspadinhas premiadas,
nas quais o leitor pode ganhar recargas para celulares ou
dinheiro. Semanalmente dois canais de televisão
realizam sorteios de eletrodomésticos com os números
que saem no PP. Mensalmente, os leitores concorrem a
um carro zero quilômetro. Umas das razões da
orientação mais agressiva do ponto de vista
mercadológico foi a insatisfação de Correa com os rumos
de El Telégrafo. A BBC Mundo divulgou que o governo
equatoriano estava gastando US$ 6 milhões anuais e não
conseguia alcançar mais do que 1% do público, o que
teria levado o presidente a optar por uma
reestruturação editorial de El Telégrafo e pelo
lançamento do PP, a fim de aumentar a penetração em
áreas populares.
Na Bolívia, Evo Morales lançou, em 22 de janeiro de
2009, Cambio (http://www.cambio.bo/). São 16 páginas
em formato tablóide, 5 mil exemplares diários e preço
de capa equivalente a R$ 0,70. “Cansamos das mentiras
difundidas pela mídia. São por demais conhecidas as
agressões de alguns meios de comunicação: ofensas,
humilhações, mentiras atrás de mentiras. Por isso,
decidimos que o Estado terá seu próprio jornal”, afirmou
Morales, completando: “Todos devem ter um espaço
para expressar suas opiniões e fazer suas observações ao
Executivo, mas com a verdade. O nosso diário fará um
jornalismo sem discriminação, sem racismo, sem
exclusões e com igualdade”. Segundo o diretor de
SOCIOLOGIA - 2º ANO - Apostila nº 4 - Prof. Renato Fialho Jr.- Página 7
Cambio, Delfin Arias Vargas, a missão do jornal não é de
ser pró-governamental, e sim estatal: “Estamos
manejando a informação como um bem social ao qual o
povo boliviano tem direito. Aqui não há militantes, há
jornalistas profissionais. Em nenhum momento se
perguntou se eram filiados a algum partido ou
movimento social; o que examinamos foi seu currículo
profissional”. Segundo ele, desde a posse de Evo
Morales, “os meios de comunicação viraram trincheiras;
hoje eles fazem oposição política frontal ao governo,
tratam a informação sem nenhum respeito, tratam-na
como bem comercial, não como bem social”. Vargas
rejeita a agressividade da mídia e da oposição
conservadora contra a criação do novo jornal: “Dizem
que estamos violando a liberdade de expressão. Mas
apesar de se terem cometidos vários abusos, não há
nenhum jornalista preso ou processado aqui. A liberdade
de imprensa é plena na Bolívia. Só não podemos permitir
que ela não seja usada para tratar a informação como
bem social que é”. Morales transmitiu apenas uma
orientação editorial ao diretor de Cambio: “Ele nos disse
que está apoiando o jornal, mas não quer propaganda
do governo. ‘Quero que vocês deem informações
corretas sobre nossa gestão’. ‘Vocês devem dar uma
aula de jornalismo aos meios comerciais’, ele
completou”. Delfin Vargas disse, ainda, ter sido
procurado por dirigentes partidários e de movimentos
sociais que apoiam o governo na semana seguinte ao
lançamento do jornal, cada um com uma receita
editorial própria. “Eu até entendo, porque estão
desesperados para que haja mais meios alternativos no
país. O que nós faremos será simplesmente tratar a
informação como bem social, com manejo plural,
responsável e veraz da informação. Isso nos fará
independentes”, observou o jornalista.
Na
Venezuela,
Correo
del
Orinoco
(http://www.correodelorinoco.gob.ve/)
chegou
às
bancas em 30 de agosto de 2009 com 32 páginas e 50
mil exemplares diários. O título é idêntico ao jornal que
circulou de 27 de junho de 1818 a 23 de março de 1822,
durante a guerra de independência da Venezuela. Foi
criado por Simón Bolívar para contrabalançar a
influência da Gazeta de Caracas, que se pôs ao lado da
Coroa Espanhola. Hugo Chávez afirmou que o jornal foi
concebido para reforçar o enfrentamento com o
“terrorismo midiático”:
“Um jornalismo da verdade e para a verdade, que
sempre é e será revolucionária: isso é o que se propõe
nosso Correo del Orinoco, ainda mais nestes momentos
quando novamente os interesses imperiais pretendem
impedir a liberdade e unidade de nossos povos. A tarefa
do Correo del Orinoco, criado por nosso libertador faz
191 anos, não terminou, e ainda temos o enorme
compromisso de atingir nossa definitiva independência,
de todo domínio, de todo o colonialismo, de todo
império. É a hora de fortalecer a luta no campo das
ideias. É a hora de vencer...”
Correo del Orinoco faz sobressair as intervenções de
Chávez (discursos, artigos, entrevistas), ilustradas com
fotos ou vídeos de atos e eventos de que participa.
Embora haja variedade temática (política, economia,
educação, energia, saúde, comunicação e cultura, meio
ambiente, ecologia, ciência e tecnologia, esportes,
segurança pública, direitos humanos, internacional,
regiões do país), a maioria das notícias reflete o ponto
de
vista
governamental,
seja
através
dos
esclarecimentos de autoridades, seja pela ênfase com
que são destacadas as realizações presidenciais, ou
ainda na seleção de articulistas alinhados politicamente
com o Palácio Miraflores.
Em fins de 2010, Fernando Lugo lançou o primeiro
semanário governamental...
{NDP: Trecho suprimido: O presidente paraguaio
Fernando Lugo foi deposto por um golpe parlamentar
orquestrado pela Monsanto, a CIA e os EUA em
25/06/12}.
A mídia dos quatro países recriminou Chávez, Morales,
Correa e Lugo por supostos desperdício do dinheiro
público com propaganda oficial, “proselitismo político” e
“falta de isenção e neutralidade” dos jornais estatais.
A alegação de falta de isenção e de neutralidade não
resiste a um exame aprofundado da própria práxis
jornalística. Em primeiro lugar, o jornalismo baseia-se
nos acontecimentos do mundo e na vida cotidiana,
assumindo critérios de valor nas escolhas temáticas, nas
linhas de abordagem e nas estratégias de veiculação.
Está longe de ser uma atividade contemplativa, muito
menos dissociadas do jogo de forças e das disputas de
sentido e poder que se manifesta na sociedade. Se a
atualidade histórico-social, em si mesma, é repleta de
contradições, antagonismos e dissonâncias, o que
significa exatamente ser objetivo e imparcial diante
dela? Abster-se, alienar-se, evadir-se? E como exigir
“isenção e neutralidade” frente a conflitos de classes, de
greves, de escândalos de corrupção, rixas políticas,
interesses econômicos e temas que dividem opiniões e
pressupõem alinhamentos ou recusas?
Em segundo lugar, omite-se que a chamada grande
imprensa é a primeira a faltar com isenção e
neutralidade quando intenta orientar ideologicamente
os leitores, em editoriais e artigos; quando adota juízos
particulares para selecionar, tratar e hierarquizar as
informações; quando exerce controle sobre o que vai ser
difundido, restringindo, silenciando ou amplificando
questões e pontos de vista; quando nos diz quais são os
escândalos, as crises, os banhos de sangue e as tragédias
que devem ser conhecidos, discutidos, aceitos,
rejeitados ou tolerados; quando espetaculariza situações
e até guerras e atentados, ora para despertar comoção e
SOCIOLOGIA - 2º ANO - Apostila nº 4 - Prof. Renato Fialho Jr.- Página 8
adesão, ora para infundir ódio e preconceito, ora para
naturalizar desigualdades; quando descontextualiza e
isola as notícias de suas causas e consequências
históricas, políticas e culturais; quando incentiva
modismos e ondas consumistas, acentuando ganhos,
lugares de mando, estratificações e subalternidades.
(...) Seja como for, as impugnações da mídia comercial
contra os meios estatais visam impedir que o Estado
disponha de veículos próprios para esclarecimento e
convencimento da opinião pública a partir de seus
pressupostos de compreensão da realidade, com os
comprometimentos daí resultantes. Em última análise, a
mídia quer conter, sem nunca assumir tal intenção
publicamente, a pluralidade na produção de sentido e a
emergência de oponentes nos embates pela hegemonia,
sobretudo aqueles que questionam a concentração
monopólica e se confrontam com o pensamento único
neoliberal.
Exemplos de canais de televisão financiados
por verbas públicas:
- TELESUR: http://www.telesurtv.net/ – Com o slogan
“Nosso norte é o sul”, a Telesur está no ar desde 2005.
Sediada em Caracas, é financiada pelos governos de
Venezuela (51% das cotas), Cuba, Argentina, Bolívia,
Equador e Nicarágua.
- ECUADOR TV – Equador: http://www.ecuadortv.ec/
- ENCUENTRO – Argentina: http://www.encuentro.gob.ar
- EBC – Brasil: http://www.ebc.com.br/
Fonte: MORAES, Dênis de. “Vozes abertas da América
Latina: Estado, políticas públicas e democratização da
comunicação”. Rio de Janeiro: Mauad X: Faperj, 2011. P.
61-90 (trechos)
A sociedade brasileira precisa reinventar a esperança
A proposta de impeachment implica sérios riscos à
constitucionalidade democrática consolidada nos últimos 30 anos
no Brasil. Representaria uma violação do princípio do Estado de
Direito e da democracia representativa, declarado logo no art.1o.
da Constituição Federal.
Na verdade, procura-se um pretexto para interromper o mandato
da Presidente da República, sem qualquer base jurídica para
tanto. O instrumento do impeachment não pode ser usado para
se estabelecer um “pseudoparlamentarismo”. Goste-se ou não, o
regime vigente, aprovado pela maioria do povo brasileiro, é o
presidencialista. São as regras do presidencialismo que precisam
vigorar por completo.
Impeachment foi feito para punir governantes que efetivamente
cometeram crimes. A presidente Dilma Rousseff não cometeu
qualquer crime. Impeachment é instrumento grave para proteger
a democracia, não pode ser usado para ameaçá-la.
A democracia tem funcionado de maneira plena: prevalece a total
liberdade de expressão e de reunião, sem nenhuma censura,
todas as instituições de controle do governo e do Estado atuam
sem qualquer ingerência do Executivo.
É isso que está em jogo na aventura do impeachment. Caso
vitoriosa, abriria um período de vale tudo, em que já não estaria
assegurado o fundamento do jogo democrático: respeito às regras
de alternância no poder por meio de eleições livres e diretas.
Seria extraordinário retrocesso dentro do processo de
consolidação da democracia representativa, que é certamente a
principal conquista política que a sociedade brasileira construiu
nos últimos trinta anos.
Os parlamentares brasileiros devem abandonar essa pretensão de
remover presidente eleita sem que exista nenhuma prova direta,
frontal de crime. O que vemos hoje é uma busca sôfrega de um
fato ou de uma interpretação jurídica para justificar o
impeachment. Esta busca incessante significa que não há nada
claro. Como não se encontram fatos, busca-se agora
interpretações jurídicas bizarras, nunca antes feitas neste país.
Ora, não se faz impeachment com interpretações jurídicas
inusitadas.
Nas últimas décadas, o Brasil atingiu um alto grau de visibilidade e
respeito de outras nações assegurado por todas as administrações
civis desde 1985. Graças a políticas de Estado realizadas com
soberania e capacidade diplomática, na resolução pacifica dos
conflitos, com participação intensa na comunidade internacional,
na integração latino-americana, e na solidariedade efetiva com as
populações que sofrem com guerras ou fome.
O processo de impeachment sem embasamento legal rigoroso de
um governo eleito democraticamente causaria um dano
irreparável à nossa reputação internacional e contribuiria para
reforçar as forças mais conservadoras do campo internacional.
Não se trata de barrar um processo de impeachment, mas de
aprofundar a consolidação democrática. Essa somente virá com a
radicalização da democracia, a diminuição da violência, a derrota
do racismo e dos preconceitos, na construção de uma sociedade
onde todos tenham direito de se beneficiar com as riquezas
produzidas no pais. A sociedade brasileira precisa reinventar a
esperança.
Assinam, entre outros: Antonio Candido; Alfredo Bosi; Evaristo de
Moraes Filho e Marco Luchesi, membros da Academia Brasileira
de Letras; Andre Singer; o físico Rogério Cézar de Cerqueira Leite;
Ecléa Bosi; Maria Herminia Tavares de Almeida; Silvia Caiuby;
Emilia Viotti da Costa; Fabio Konder Comparato; Guilherme de
Almeida, presidente Associação Nacional de Pós-Graduação em
Direitos Humanos, ANDHEP; Maria Arminda do Nascimento
Arruda; Gabriel Cohn; Amelia Cohn; Dalmo Dallari; Sueli Dallari;
Fernando Morais; Marcio Pochman; Emir Sader; Walnice Galvão;
José Luiz del Roio, membro do Fórum XXI e ex-senador da Itália;
Luiz Felipe de Alencastro; Margarida Genevois e Marco Antônio
Rodrigues Barbosa, ex-presidentes da Comissão Justiça e Paz de
São Paulo; os cientistas políticos Cláudio Couto e Fernando
Abrucio; Regina Morel; o biofísico Carlos Morel; Luiz Curi; Isabel
Lustosa; José Sérgio Leite Lopes; Maria Victoria Benevides, da
Faculdade de Educação da USP; Pedro Dallari; Marilena Chaui;
Roberto Amaral e Paulo Sérgio Pinheiro
FONTE: http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/Intelectuaispara-afrontar-o-golpe-e-preciso-resgatar-a-esperanca-/4/34757
SOCIOLOGIA - 2º ANO - Apostila nº 4 - Prof. Renato Fialho Jr.- Página 9
Uma agenda de curto prazo para o Ministério das Comunicações
30/01/2015 - Nesta quarta-feira (28), o ministro das
Comunicações Ricardo Berzoini recebeu a executiva do
Fórum Nacional pela Democratização das Comunicações
(FNDC), que reúne os principais movimentos e
organizações que defendem a liberdade de expressão e
o direito à comunicação no país. O Intervozes esteve
presente. Na pauta, necessariamente, o debate sobre
como Berzoini pretende conduzir as discussões públicas
sobre a elaboração de um novo marco regulatório para o
setor no Brasil. O ministro reafirmou as declarações já
feitas na imprensa: esta gestão Dilma quer enfrentar o
tema, “desmistificando conceitos e compartilhando
informações”, como explicou.
O processo de construção e aprovação de um novo
marco regulatório, entretanto, levará tempo e
encontrará obstáculos não apenas junto ao
empresariado, mas também no Congresso Nacional.
Como o quadro atual do sistema midiático brasileiro
requer ações urgentes, bastando para isso vontade
política e uma mudança de postura do Ministério das
Comunicações, o FNDC apresentou a Berzoini questões
que podem ser tratadas no curto prazo,
independentemente da aprovação de uma nova lei geral
para o setor. Isso porque o marco normativo atualmente
em vigor no Brasil já garante os elementos necessários
para que tais desafios sejam finalmente enfrentados por
essa gestão do governo federal. É só querer.
Compartilhamos abaixo algumas delas, na expectativa
de que o novo ministro efetivamente cumpra o que tem
anunciado: fazer diferente.
1. Proibição de outorgas para deputados e senadores
O artigo 54 da Constituição aponta, em seus dois
primeiros parágrafos, como fundamento da República,
que deputados e senadores não podem firmar ou
manter contrato com pessoa jurídica de direito público,
autarquia, empresa pública, sociedade de economia
mista ou empresa concessionária de serviço público. O
artigo 38 do Código Brasileiro de Telecomunicações
também determina, em seu parágrafo primeiro, que não
pode exercer a função de diretor ou gerente de
concessionária, permissionária ou autorizada de serviço
de radiodifusão quem esteja no gozo de imunidade
parlamentar ou de foro especial. No entanto, há 40
deputados federais e senadores, da legislatura que
termina neste domingo (1), que controlam diretamente
pelo menos uma emissora de rádio ou televisão em seu
estado de origem.
2. Combate aos arrendamentos/subconcessões
Levantamento de arrendamentos na grade de
programação da TV aberta, feito pelo Intervozes, aponta
que algumas emissoras chegam a ter 92% do seu tempo
vendido para terceiros, como a Rede 21, do Grupo
Bandeirantes. Há casos também de emissoras maiores,
como a RedeTV, que cresceu, nos últimos quatro anos,
de 32% para 50% o percentual de sua grade arrendada.
As igrejas cristãs são as responsáveis pela parte mais
significativa dessas compras. A Igreja Universal do Reino
de Deus, proprietária da Record e da TV Universal, por
exemplo, paga cerca de 12 milhões por mês para o Canal
21 e para a CNT. Recentemente, o Ministério Público
Federal de São Paulo entrou com três ações contra
arrendamentos ilegais. Foram acionados na Justiça o
grupo de TV CNT e o Canal 21 do grupo Bandeirantes
pelo arrendamento ilegal de 22 horas diárias das suas
programações para a Igreja Universal do Reino de Deus.
O Ministério das Comunicações é réu nas ações, pois o
MPF considera que o órgão deveria impedir a prática, e
não o faz.
Segundo o MPF, a subconcessão é inconstitucional pois
(i) viola o princípio da licitação e a regra da isonomia, e
(ii) a concessão possui caráter personalíssimo. Ainda que
se admita a legalidade da subconcessão, seriam
necessárias (i) a previsão no edital de licitação inicial da
outorga, (ii) a permissão contratual, (iii) a prévia
autorização do Poder Executivo e (iv) a realização de
concorrência pública. Na venda de programação, nada
disso é feito. Já se for considerado o aspecto
mercadológico do negócio, a legislação brasileira
também está sendo desrespeitada, visto que o art. 124
Código Brasileiro de Telecomunicações e o art. 28, §12,
“d”, do Decreto Presidencial nº 52.795/63 determinam
que o tempo destinado à publicidade comercial não
poderá exceder 25% da programação. O Código
Brasileiro de Telecomunicações (CBT) determina fim do
direito à outorga se a concessionária ou permissionária
descumprir o contrato de concessão ou permissão, ou as
exigências legais e regulamentares (art. 67). Mas o
Ministério das Comunicações e o Congresso nacional
nunca fizeram isso.
3. Enfrentamento ao livre mercado de compra e venda
de outorgas de rádio e TV
A radiodifusão, além de ser um serviço público, utiliza
um bem público: o espectro eletromagnético. Apesar
disso, muitos concessionários utilizam a outorga obtida
junto à União como uma mercadoria por meio das
vendas declaradas ou das negociações não públicas
conhecidas como "contratos de gaveta". Ao mesmo
tempo, transferências diretas e indiretas de outorgas
também revelam a apropriação privada de recursos
públicos. Previstas em lei, desde que autorizadas pelo
Poder Executivo, as transferências de outorgas já são
consideradas inconstitucionais – há jurisprudência nesse
sentido e uma ação da Procuradoria Geral da República
questiona um dispositivo análogo na lei de concessões.
SOCIOLOGIA - 2º ANO - Apostila nº 4 - Prof. Renato Fialho Jr.- Página 10
Além disso, uma série de transferências ocorrem sem a
anuência do Poder Executivo.
4. Garantia do respeito aos limites à concentração de
propriedade já existentes
A legislação brasileira veda que um mesmo ente possua
mais de cinco emissoras em VHF ou mais de 10 em UHF
no território nacional, bem como duas outorgas do
mesmo serviço na mesma localidade. No entanto, esses
limites são burlados cotidianamente no país. Um
primeiro problema é o uso de estruturas societárias
diferentes dentro de um mesmo grupo comercial. Um
segundo problema é a afiliação em rede, cuja ausência
de regramento permite, além da concentração de
veículos por poucos grupos econômicos, contratos com
obrigações excessivas para as afiliadas e a verticalização
da produção audiovisual brasileira. Normas infralegais
poderiam constituir mecanismos que identificassem os
grupos comerciais, aplicando os limites à concentração
de propriedade já existentes para estes.
5. Responsabilização das emissoras por violações de
direitos humanos na programação
Em busca de audiência, canais multiplicam violações
com a profusão de programas policialescos e conteúdos
baseados na estigmatização e humilhação. Denúncias
crescentes nas Procuradorias dos Direitos do Cidadão
comprovam uma questão sistemática. No processo de
fiscalização das obrigações de conteúdo, além de não
realizar um acompanhamento sistemático do que é
veiculado, o MiniCom trabalha e orienta a Anatel a
considerar apenas as normas dispostas no CBT e no
regulamento do serviço de radiodifusão. O Código
afirma que constitui abuso no exercício da radiodifusão
o emprego dos meios de comunicação para a promoção
de campanha discriminatória de classe, cor, raça ou
religião. Já o Decreto Presidencial 52.795/63 proíbe as
concessionárias de “transmitir programas que atentem
contra o sentimento público, expondo pessoas a
situações que, de alguma forma, redundem em
constrangimento, ainda que seu objetivo seja
jornalístico” (Art.28, item 12).
Além de ser complexo enquadrar determinada
programação na definição de campanha discriminatória,
o MiniCom não considera as demais leis e tratados
internacionais ratificados pelo Brasil que tratam do
tema, como o Estatuto da Igualdade Racial, que prevê,
por exemplo, que o poder público deve garantir medidas
para “coibir a utilização dos meios de comunicação
social para a difusão de proposições, imagens ou
abordagens que exponham pessoa ou grupo ao ódio ou
ao desprezo por motivos fundados na religiosidade de
matrizes africanas”(Art. 26). Em relação às eventuais
sanções aplicadas, apesar de serem gradativas, elas não
podem ser consideradas cumulativas em casos de
reincidência. Assim, mesmo que uma emissora tenha
como prática sistemática a difusão de conteúdos
atentatórios contra os direitos humanos, ela nunca
chegará a perder sua licença por este motivo. O valor
aplicado também não é dissuasivo. Em 2013, as multas
tinham como teto R$ 76.155,21, sendo que, por apenas
30 segundos de inserção publicitária, as emissoras
cobram o valor médio de R$ 15 mil.
6. Fim da criminalização às rádios comunitárias
É urgente promover uma mudança institucional no
sentido de barrar a criminalização histórica das rádios
comunitárias. Principal veículo de exercício da liberdade
de expressão de milhares de comunidades em todo o
país, essas rádios sofrem a frequente repressão por
parte da Anatel, movida na maior parte dos casos por
denúncias de rádios comerciais concorrentes. Ações de
fechamento e lacração de emissoras tem levado, sem
qualquer justificativa, além da detenção de líderes
comunitários, à apreensão de equipamentos preciosos
para a população e à cobrança de multas que colocam as
associações em situação mais precária do que a em que
já se encontram. A anistia dessas multas e a devolução
dos equipamentos confiscados é uma medida urgente
para a sobrevida deste movimento. A desburocratização
dos processos de autorização (há casos de espera de
quase 10 anos) e a criação de um mecanismo de
financiamento para as rádios comunitárias, que seja
compatível com a lei 9612/98, também são estratégicos
para a sustentabilidade dos canais.
7. Universalização do acesso à banda larga
O Programa Nacional de Banda Larga foi lançado em
maio de 2010 com objetivo de ampliar os acessos à
Internet de alta velocidade no país. Embora os acessos
tenham crescido desde então, mais da metade dos
domicílios brasileiros permanece desconectada, o que se
soma a uma considerável desigualdade regional e um
profundo fosso entre áreas urbanas e rurais. O cenário
atual é reflexo de uma das falhas mais graves do
Programa – a não consideração do serviço de banda
larga como essencial e a crença de que meros incentivos
ao mercado são capazes de superar desigualdades e
garantir direitos. O plano de banda larga popular e as
metas destinadas à área rural são também retratos
dessa insuficiência e precisam ser revistos. A Presidenta
Dilma tratou esse tema com prioridade em sua
campanha e se comprometeu com a universalização do
acesso à banda larga. Contudo, isso deve ser feito de
acordo com a legislação brasileira, com a sua prestação
também em regime público, conferindo ao poder
público instrumentos regulatórios suficientes para exigir
obrigações das empresas. Deve ser feito também com
investimentos em redes de fibra ótica e fortalecimento
da Telebras. Por fim, a concepção e implementação de
uma nova fase do PNBL deve ter a participação social
como um de seus pilares, assim como ocorreu com o
Marco Civil da Internet.
Extraído
de:
“http://www.alainet.org/active/80495”.
SOCIOLOGIA - 2º ANO - Apostila nº 4 - Prof. Renato Fialho Jr.- Página 11
O Panóptico ou a casa de inspeção
algum outro, ele o será apenas na medida em que esse outro
possa dele se aproximar.
Jeremy Bentham
Carta I
A idéia do princípio da inspeção
Crecheff, Rússia Branca, 1787
Caro ***, vi, outro dia, em um de seus jornais ingleses, que se
falava, em um anúncio, de uma Casa de Correção, planejada
para *****. Ocorreu-me que o plano de um edifício concebido
por meu irmão que, sob o nome de Casa de inspeção ou
Elaboratório, ele está para construir aqui, para propósitos, sob
alguns aspectos, similares aos daquela casa, pode
proporcionar algumas sugestões para o estabelecimento acima
mencionado. Em consequência, obtive alguns desenhos
relativos a esse plano, os quais anexo a esta carta. Com efeito,
por razões que você logo perceberá, eu o vejo como capaz de
aplicações da mais ampla natureza.
Para dizer tudo em uma palavra, ver-se-á que ele é aplicável,
penso eu, sem exceção, a todos e quaisquer estabelecimentos,
nos quais, num espaço não demasiadamente grande para que
possa ser controlado ou dirigido a partir de edifícios, queira-se
manter sob inspeção um certo número de pessoas. Não
importa quão diferentes, ou até mesmo quão opostos, sejam os
propósitos: seja o de punir o incorrigível, encerrar o insano,
reformar o viciado, confinar o suspeito, empregar o
desocupado, manter o desassistido, curar o doente, instruir os
que estejam dispostos em qualquer ramo da indústria, ou
treinar a raça em ascensão no caminho da educação, em uma
palavra, seja ele aplicado aos propósitos das prisões perpétuas
na câmara da morte, ou prisões de confinamento antes do
julgamento, ou casas penitenciárias, ou casas de correção, ou
casas de trabalho, ou manufaturas, ou hospícios, ou hospitais,
ou escolas.
É óbvio que, em todos esses casos, quanto mais
constantemente as pessoas a serem inspecionadas estiverem
sob a vista das pessoas que devem inspecioná-las, mais
perfeitamente o propósito do estabelecimento terá sido
alcançado. A perfeição ideal, se esse fosse o objetivo, exigiria
que cada pessoa estivesse realmente nessa condição, durante
cada momento do tempo. Sendo isso impossível, a próxima
coisa a ser desejada é que, em todo momento, ao ver razão
para acreditar nisso e ao não ver a possibilidade contrária, ele
deveria pensar que está nessa condição. Esse aspecto, como
você pode imediatamente ver, é completamente assegurado
pelo plano de meu irmão; e, penso eu, parecerá igualmente
evidente que não pode ser abrangido por nenhum outro ou,
para falar mais apropriadamente, que se for abrangido por
Para abreviar o assunto tanto quanto possível, considerarei,
imediatamente, suas aplicações para aqueles propósitos que,
por serem os mais complexos, servirão para exemplificar o
poder e a força máxima do dispositivo preventivo, isto é,
aqueles que são sugeridos pela ideia de casas penitenciárias,
nas quais os objetos da custódia segura, do confinamento, da
solidão, do trabalho forçado e da instrução, devem, todos eles,
ser considerados. Se todos esses objetivos podem ser
alcançados em conjunto, naturalmente o serão – com, no
mínimo, igual certeza e facilidade – em qualquer número menor
deles.
Carta II
Plano para uma casa de inspeção penitenciária
Antes de ver o plano, tenha, em
palavras, uma ideia geral dele.
O edifício é circular.
Os apartamentos dos prisioneiros
ocupam a circunferência. Você
pode chamá-los, se quiser, de
celas.
Essas celas são separadas entre
si e os prisioneiros, dessa forma, impedidos de qualquer
comunicação entre eles, por partições, na forma de raios que
saem da circunferência em direção ao centro, estendendo-se
por tantos pés quantos forem necessários para se obter uma
cela maior.
O apartamento do inspetor ocupa o centro; você pode chamalo, se quiser, de alojamento do inspetor.
Será conveniente, na maioria dos casos, se não em todos, terse uma área ou um espaço vazio em toda volta, entre esse
centro e essa circunferência. Você pode chamá-lo, se quiser,
de área intermediária ou anular.
Cerca do equivalente da largura de uma cela será suficiente
para uma passagem que vai do exterior do edifício ao
alojamento.
Cada cela tem, na circunferência que dá para o exterior, uma
janela, suficientemente larga não apenas para iluminar a cela,
mas para, através dela, permitir luz suficiente para a parte
correspondente do alojamento.
SOCIOLOGIA - 2º ANO - Apostila nº 4 - Prof. Renato Fialho Jr.- Página 12
A circunferência interior da cela é formada por uma grade de
ferro suficientemente fina para não subtrair qualquer parte da
cela da visão do inspetor.
Uma parte suficientemente grande dessa grade abre-se, na
forma de uma porta, para admitir o prisioneiro em sua primeira
entrada; e para permitir a entrada, a qualquer momento, do
inspetor ou qualquer de seus assistentes.
Para impedir que cada prisioneiro veja os outros, as partições
devem se estender por alguns pés além da grade, até a área
intermediária: eu chamo essas partes protetoras de partições
prolongadas.
Pensa-se que a luz, vindo dessa maneira através das celas e,
assim, passando pela área intermediária, será suficiente para o
alojamento do inspetor. Mas para esse propósito, ambas as
janelas nas celas e aquelas que lhes correspondem no
alojamento deverão ser tão largas quanto o permita a
resistência do edifício e o que se possa considerar como uma
necessária atenção à economia.
As janelas do alojamento devem ter venezianas tão altas
quanto possa alcançar os olhos dos prisioneiros – por
quaisquer meios que possam utilizar – em suas celas.
Para impedir uma luz plena, pela qual, não obstante as
venezianas, os prisioneiros pudessem ver, a partir das celas,
se há ou não uma pessoa no alojamento, o apartamento é
dividido em quatro partes, por partições formadas por dois
diâmetros do círculo, cruzando-se em ângulos retos. Para
essas partições podem servir os materiais mais finos; e elas
devem ser feitas de forma que possam ser removidas quando
se queira; sua altura deve ser o suficiente para impedir que os
prisioneiros se vejam mutuamente a partir das celas. As portas
dessas partições, se deixadas abertas em qualquer momento,
podem produzir uma luz plena. Para impedir isso, divida cada
partição em duas, em qualquer parte que for preciso, fazendo
com que a distância entre elas seja igual à metade da abertura
de uma porta.
Essas janelas do alojamento do inspetor abrem-se para uma
área intermediária, na forma de portas, em tantos lugares
quanto se julgarem necessários para que ele possa se
comunicar prontamente com qualquer das celas.
Lâmpadas pequenas, no exterior de cada janela do alojamento,
tendo por trás um refletor para lançar luz nas celas
correspondentes, estenderão à noite a segurança do dia.
Para poupar o esforço problemático de voz que poderia, de
outro modo, ser necessário, e para impedir que um prisioneiro
saiba que o inspetor está ocupado, a distância, com outro
prisioneiro, um pequeno tubo de metal deve ir de uma cela ao
alojamento do inspetor, passando através da área, indo, assim,
até o lado da janela correspondente do alojamento. Por meio
desse implemento, o menor murmúrio de um pode ser ouvido
pelo outro, especialmente se ele for orientado a aplicar seu
ouvido ao tubo.
Com respeito à instrução, nos casos em que ela não possa ser
devidamente ministrada sem que o instrutor esteja próximo ao
trabalho, ou sem que ele possa colocar sua mão nele, como
exemplo, diante do rosto do aprendiz, o instrutor deve, aqui,
como, na verdade, em outros casos, mudar seu lugar tão
frequentemente quanto for possível para atender diferentes
trabalhadores; a menos que ele convoque os trabalhadores
para que cheguem até ele, o que, em alguns dos casos em que
esse tipo de edifício é aplicável, tal como o de indivíduos
aprisionados, não pode ser feito assim tão facilmente. Mas em
todos os casos em que instruções, dadas verbalmente ou a
distância, são suficientes, esses tubos poderão ser
considerados úteis. Eles evitarão, por um lado, o esforço de
voz que seria necessário, por parte do instrutor, para ministrar
instrução aos trabalhadores sem deixar seu posto central no
alojamento; e, por outro, a confusão que se seguiria se
diferentes instrutores ou diferentes pessoas no alojamento
estivessem falando com as celas ao mesmo tempo. E, no caso
de hospitais, o silêncio que pode ser assegurado por esse
pequeno dispositivo, por menos importante que possa parecer
à primeira vista, propicia uma vantagem adicional.
Um sino, destinado exclusivamente aos propósitos de alarme,
ficará suspenso em um campanário com o qual se coroa o
edifício, comunicando-se por meio de uma corda com o
alojamento do inspetor.
A forma mais econômica, e talvez a mais conveniente, de
aquecer as celas e a área, seria por tubos em torno delas, com
base no princípio dos existentes nos viveiros. Uma
necessidade total de – por todos os meios – produzir calor
artificial poderia, em um clima como o que temos, algumas
vezes, na Inglaterra, ser fatal às vidas dos prisioneiros; em
qualquer hipótese, seria, com frequência, totalmente
incompatível com seu trabalho em qualquer atividade
sedentária. Os tubos, entretanto, e as fornalhas
correspondentes, em vez de ficarem no exterior, como nos
viveiros, deverão ficar no interior. Por esse meio, não haverá
nenhum desperdício de calor, e a corrente de ar que correria
em todos os lados através das celas, para fornecer as chamas
feitas pelo fogo, atenderia, até aqui, ao propósito da ventilação.
Mas mais sobre isso será dito no capítulo dos Hospitais.
(Trecho do livro O Panóptico, de Jeremy Bentham. Belo
Horizonte, Autêntica, 2008. Org.: Tomaz Tadeu).
SOCIOLOGIA - 2º ANO - Apostila nº 4 - Prof. Renato Fialho Jr.- Página 13
Orwell na ONU: Para Obama, só há “democracia” em país que apoia a
política dos Estados Unidos
Publicado por: Redação Irã News
Autor: Share Button
Publicada em 30/09/2015 às 20:42
Michael Hudson, Counterpunch
Tradução: Vila Vudu
Em seu discurso Orwelliano de 28/9/2015 na ONU, o
presidente Obama disse que, se houvesse democracia
na Síria, nunca teria havido revolta contra Assad. Por
“revolta contra Assad”, Obama entende: o ISIL. Onde
há democracia, disse ele, não há violência ou
revolução. Foi a mais violenta, embora velada,
ameaça, feita dentro da ONU, de que os EUA
continuarão a promover revoluções, golpes e
violência contra qualquer país que não seja…
“democracia”.
Nessa ameaça, afinal nem tão velada assim, Obama
redefiniu o vocabulário da política internacional.
“Democracia” existe onde a CIA derrube Mossadegh,
no Irã, para lá instalar o Xá. “Democracia” há onde os
EUA patrocinem os Talibãs, contra a Rússia, para
derrubar o governo secular do Afeganistão.
“Democracia” há na Ucrânia do golpe para pôr no
poder “Yats” e Poroshenko. “Democracia” é os EUA
instalando Pinochet no governo do Chile.
Democráticos, só “os nossos felás-da-puta”, como
disse Lyndon Johnson referindo-se aos ditadores que
a política externa dos EUA instalou no poder na
América Latina.
Há um século, a palavra
nação cujas políticas
representantes eleitos.
Grécia, “democracia” foi
aristocracia.
“democracia” aplicava-se a
fossem delineadas por
Sempre, desde a antiga
o contrário de oligarquia e
Mas depois da Guerra Fria, os políticos norteamericanos passaram a usar a palavra de outro modo.
Quando um presidente dos EUA diz “democracia”,
está falando de país que siga cegamente as políticas
neoliberais dos EUA, não importa se é ditadura militar
ou governo que chegou ao poder por golpe (sempre
chamados de “revolução colorida”) como na Georgia e
na Ucrânia.
Para que um governo seja “democrático”, na
novilíngua dos políticos norte-americanos, basta que
apoie sem reclamar o Consenso de Washington, a
OTAN e o FMI.
“Democrático”, nesse caso, é governo que transfere o
direito de construir e aplicar políticas, das mãos de
políticos eleitos, para algum “banco central
independente”, cujas políticas são ditadas
diretamente pela oligarquia encastelada em Wall
Street, na City de Londres e em Frankfurt.
Por artes dessa operação orwelliana de redefinir o
vocabulário político, quando o presidente Obama diz
que esses países jamais conhecerão golpes, revolução
violenta ou terrorismos, ele está dizendo que países
que se mantenham bem-comportados, ou seja,
dentro da órbita diplomática dos EUA, não correm
risco de serem desestabilizados (processo patrocinado
pelo Departamento de Defesa e Departamento do
Tesouro dos EUA).
E países cujos eleitores elejam democraticamente
governo ou regime que aja com independência (ou
que apenas reivindique o poder de agir com
independência, sem ter de seguir cegamente diretivas
dos EUA), esses, sim, serão desestabilizados – à moda
do que foi feito na Síria, do que foi feito na Ucrânia,
do que foi feito no Chile do general Pinochet. Como
Henry Kissinger ‘argumentou’: só porque um país
elege comunistas não significa que tenhamos de
aceitar. É a cara das “revoluções coloridas”
patrocinadas pelo National Endowment for
Democracy [Dotação Nacional para a Democracia,
órgão do Congresso dos EUA, que mantém
incontáveis ONGs e grupos de ativistas pelo planeta,
todos “democráticos”].
Na sua fala na ONU, o presidente Putin da Rússia
alertou contra a “exportação de ‘revolução
democrática'”, [1] referindo-se aos EUA em apoio aos
seus factótuns locais. O ISIL é armado com armas dos
SOCIOLOGIA - 2º ANO - Apostila nº 4 - Prof. Renato Fialho Jr.- Página 14
EUA e seus soldados foram treinados por instrutores
das forças armadas dos EUA.
E caso houvesse ainda alguma dúvida, o presidente
Obama reiterou diante da ONU que até que o
presidente Assad da Síria seja substituído por alguém
mais submisso à política militar e do petróleo dos
EUA, o principal inimigo é Assad, não o ISIL.
“É impossível tolerar por mais tempo essa situação” –
Putin respondeu. E o mesmo se aplica à Ucrânia: “O
que me parece absolutamente inaceitável” – disse
Putin, em entrevista ao programa 60 Minutes da CBS
[2] –, “é impor a resolução de questões políticas
internas nas repúblicas que formaram a URSS, com
‘revoluções coloridas’, com golpes de Estado, pela
remoção inconstitucional de quem esteja no poder.
Isso é totalmente inaceitável. Nossos parceiros nos
EUA apoiaram os que derrubaram Yanukovych (…).
Sabemos quem e onde, quando, quem falou com
quem, quem trabalhou com quem para derrubar
Yanukovych, como foram pagos, como foram
treinados, onde, em que países e quem foram os
instrutores. Sabemos de tudo. É inaceitável”.
O que significa tudo isso, para as relações EUA-Rússia?
Por um momento, cheguei a ter esperanças de que
talvez aquela conversa anti-Rússia de Obama seria
alguma espécie de ‘cobertura’ para proteger algum
acordo que estivesse em preparação para a reunião
das 17h, com Putin. Falar de um modo, para conseguir
(tentar) agir na direção oposta, tem sido o modus
operandi de Obama, como de tantos políticos. Mas,
não. Obama continua sob total domínio dos
neoconservadores.
A que tudo isso levará? Há muitos modos de pensar
fora da caixa.
E se Putin propõe transportar por avião e navios os
refugiados sírios – 1/3 da população do país – para a
Europa, entregando-os na Holanda e Inglaterra, países
que, pelas regras Shengen, são obrigados a aceitá-los?
E se resolver levar para a Rússia os melhores
especialistas em computação e inúmeros outros tipos
de trabalho altamente especializado, para os quais o
sistema educacional sírio forma mão de obra
respeitada em todo o planeta, para assim
suplementar o rio de emigração que sai da Ucrânia
“democratizada” por Victoria Nuland?
E o que acontecerá se os planos conjuntos já
anunciados no domingo entre Iraque, Irã, Síria e
Rússia para dar combate aos terroristas do ISIS –
coalizão à qual EUA/OTAN recusaram-se a se unir –
resultarem em ataques a soldados dos EUA ou,
mesmo, ao principal financiador do ISIS, a Arábia
Saudita?
Agora, o jogo já não está nas mãos dos EUA. Tudo que
os EUA sabem fazer é ameaçar com golpes e mais
golpes, que para eles seriam “democratizar” –
enquanto vão convertendo países recalcitrantes em
Líbias, Iraques e Sírias. *****
[1] Putin fez esse alerta, num comentário no qual
equiparou a ‘exportação’ de ‘revoluções’ que os EUA
fazem hoje, à exportação do modelo, como os
soviéticos faziam: “Todos devemos lembrar o que
nosso passado nos ensinou. Também recordamos
alguns episódios da história da União Soviética.
“Experimentos sociais” para exportação, tentativas de
impor mudanças dentro de outros países baseadas em
preferências ideológicas, quase sempre levaram a
consequências trágicas e à degradação, não ao
progresso. Parece, contudo, que longe de aprender
com os erros dos outros, tantos agora se põem,
exatamente, a repeti-los. Por isso continua a
exportação de revoluções, agora chamadas
“democráticas” [NTs].
[2] “All eyes on Putin,” CBSNews.com, 27/9/2015.
FRASE PARA REFLETIR:
"Eu nunca pensei que viveria para ver o dia em que o
Departamento de Estado dos Estados Unidos se aliou
a pontos de vista neonazistas e de uma gangue de
bandidos que tomaram o poder em um violento golpe
de Estado. No Iraque, Líbia e Síria, os formuladores de
políticas dos EUA acabaram fortalecendo grupos
islâmicos radicais. Isso já foi ruim o suficiente. Agora,
na Ucrânia eles estão fortalecendo herdeiros de Adolf
Hitler. Como isso não é um escândalo?"
(Justin Raimondo, In: ‘From Iraq to Ukraine : A Pattern
of Disaster’)
SOCIOLOGIA - 2º ANO - Apostila nº 4 - Prof. Renato Fialho Jr.- Página 15
Os novos Estados de vigilância
Confiamos à Internet nossos pensamentos mais pessoais e
íntimos. Com a vigilância massiva, o controle do Estado
chegou a dimensões alucinantes.
Ignacio Ramonet*
07/10/2015 - Durante muito tempo, a ideia de um mundo
sob “vigilância total” foi vista como um delírio utópico ou
paranoico, fruto da imaginação mais ou menos alucinada
dos que sonham com teorias da conspiração. Contudo, é
preciso reconhecer a evidência: vivemos, aqui e agora, a
mercê de um império da vigilância. Cada vez são mais os
que nos observam, nos espionam, nos vigiam, nos
controlam, fazem arquivos sobre nós sem que saibamos. A
cada dia, novas tecnologias são refinadas, buscando facilitar
o seguimento do nosso rastro. Empresas comerciais e
agências publicitárias registram nossas vidas. Com o
pretexto de lutar contra o terrorismo, ou contra outras
pragas (pornografia infantil, lavagem de dinheiro,
narcotráfico), os governos – incluindo os mais democráticos
– se transformam no Grande Irmão, e já não titubeiam
diante da possibilidade de infringir suas próprias leis
quando o objetivo é espionar melhor os seus próprios
cidadãos. Em segredo, os novos Estados orwellianos
querem estabelecer enormes arquivos sobre os nossos
contatos e dados pessoais, guardados em diferentes
suportes eletrônicos.
Com a ajuda de algoritmos cada vez mais sofisticados,
milhares de investigadores, de engenheiros, de
matemáticos, de estadistas e de técnicos em informática
buscam e classificam a informação que geramos sobre nós
mesmos. Satélites e drones de visão de longo alcance nos
seguem do espaço. Nos aeroportos, scanners biométricos
analisam nosso andar, “lendo” nossas íris e nossas digitais.
Câmaras infravermelhas medem nossa temperatura. As
pupilas silenciosas das câmaras de vídeo apuram nossos
passos nas cidades e nos corredores dos hipermercados.
Também seguem nossas pegadas no trabalho, nas ruas, nos
ônibus, no banco, no metrô, no estádio, nos
estacionamentos, nos elevadores, nos centros comerciais,
nas estradas, nas estações de trem, nos aeroportos…
Vale destacar que a inimaginável revolução digital que
vivemos, que já transformou tantas atividades e profissões,
também transformou totalmente os serviços de informação
e de vigilância. Na época da Internet, a vigilância passou a
ser algo onipresente e perfeitamente imaterial,
imperceptível, indetectável, invisível. Além disso, se
caracteriza tecnicamente por uma simplicidade pasmosa –
já não precisa mais daqueles trabalhos artesanais de
instalação de cabo e microfones, como no antigo filme A
Conversação (2), onde podíamos ver como um grupo de
“encanadores” apresentava, numa conhecida feira, as
técnicas de vigilância, as bugigangas mais bem elaboradas,
caixas cheias de cabos elétricos que precisavam ser
escondidos nos muros ou no chão…
Após a onda de ataques terroristas que golpeou cidades
como Nova York, Paris, Boston, Ottawa, Londres e Madrid,
as autoridades perderam os pudores e utilizaram o grande
pavor das sociedades comovidas para intensificar a
vigilância para reduzir mais a proteção da nossa vida
privada.
Vários grandes escândalos dessa época – o caso Watergate
nos Estados Unidos, o dos “encanadores de Le Canard
enchaîné”, na França–, fracassos humilhantes para os
serviços de informação, demostraram os limites desses
antigos métodos mecânicos, facilmente detectáveis e
localizáveis.
Para entender melhor: o problema não é a vigilância em si,
e sim a vigilância massiva clandestina. É evidente que, num
Estado democrático, as autoridades contam com toda a
legitimidade, baseada na lei e com a autorização prévia de
um juiz, para colocar sob vigilância qualquer pessoa
considerada suspeita. Como disse Edward Snowden: “não
há nenhum problema em instalar um grampo contra Osama
Bin Laden. Sempre que os investigadores tenham que
dispor da permissão de um juiz – um juiz independente, um
juiz autêntico, não um juiz secreto –, e possam provar que
existe uma boa razão para emitir uma ordem, esse trabalho
poderia ser realizado sem problemas. O problema é quando
controlam a todos nós, em massa, o tempo todo e sem
nenhuma justificativa” (1).
Hoje em dia, vigiar alguém passou a ser algo
impressionantemente fácil, ao alcance de qualquer um que
saiba usar as diversas ferramentas disponíveis. Uma pessoa
normal que pretende espionar algum conhecido pode
encontrar no mercado diversas opções, meia dúzia de
programas informáticos (mSpy, GsmSpy, FlexiSpy, Spyera,
EasySpy) capazes de ler os conteúdos dos telefones
celulares, mensagens de texto, correios eletrônicos, contas
de Facebook, Whatsapp, Twitter, etc. Com o auge do
consumo online, a vigilância comercial também se
desenvolveu enormemente, dando lugar a um gigantesco
mercado dos nossos dados pessoais, que se tornaram
mercadorias. Durante cada uma das nossas conexões a uma
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nos causará mais impacto aparece em nossa tela. E assim
acabamos sendo definitivamente registrados.
A vigilância foi “privatizada” e “democratizada”. Já não é
um assunto reservado aos serviços estatais de informação.
Mas a capacidade dos Estados em matéria de espionagem
massiva cresceu de forma destacável. E isso também se
deve à cumplicidade com as grandes empresas privadas
que dominam as indústrias de informática e das
telecomunicações. Julian Assange afirmou que “as novas
sociedades como Google, Apple, Amazon, e Facebook
criaram vínculos com o aparato de Estado em Washington,
particularmente com os responsáveis de Assuntos
Exteriores” (3). Esse complexo de segurança digital – Estado
aparato militar de segurança indústrias gigantes da web –
constitui um autêntico império da vigilância, cujo objetivo
concreto e bastante claro é colocar toda a Internet e todos
os internautas sob vigilância, para controlar a sociedade.
Para as gerações de menos de quarenta anos, a rede é,
simplesmente, o ecossistema no qual a sua mente foi
polida, e também sua curiosidade, seus gostos, sua
personalidade. Desde o seu ponto de vista, a internet não é
só uma ferramenta autônoma que se utilizaria para tarefas
concretas. É uma imensa esfera intelectual, onde se
aprende a explorar livremente todos os saberes. E, de
forma simultânea, uma ágora sem limites, um lugar onde as
pessoas se reúnem, dialogam, trocam e adquirem cultura,
conhecimento, valores, e os compartilham.
A Internet representa, para estas novas gerações, o que era
a escola e a biblioteca, a arte e a enciclopédia, a pólis e o
templo, o mercado e a cooperativa, o estádio e o palco, a
viagem e os jogos, o circo e o bordel, tudo isso junto num
mesmo lugar. É tão fabuloso que “o indivíduo, em seu
prazer por evoluir num universo tecnológico, não se
preocupa em saber, e menos ainda em compreender, que
as máquinas administram o seu dia a dia. Que cada um dos
seus atos e gestos é gravado, filtrado, analisado e
eventualmente vigiado. Que, longe de liberá-lo de seus
obstáculos físicos, a informática da comunicação constitui,
sem dúvida, a ferramenta de vigilância e de controle mais
fantástica que o ser humano já criou” (4).
Essa tentativa de controle total da Internet representa um
perigo inédito para as nossas sociedades democráticas:
“permitir a vigilância da Internet – afirma Glenn Greenwald,
o jornalista estadunidense que difundiu as revelações de
Edward Snowden – é o mesmo que submeter praticamente
todas as formas de interação humana a um controle estatal
exaustivo, incluindo o pensamento em si” (5).
Essa é a grande diferença com os sistemas de vigilância que
existiam antes. Sabemos, desde Michel Foucault, que a
vigilância ocupa uma posição central na organização das
sociedades modernas. Estas são “sociedades disciplinárias”,
onde o poder, por meio de técnicas e de estratégias
complexas de vigilância, busca exercer o maior controle
social possível (6).
Essa vontade, por parte do Estado, de saber tudo sobre os
cidadãos, está legitimada politicamente pela promessa de
uma maior eficácia na administração burocrática da
sociedade. Assim, o Estado afirma que será mais
competitivo e, portanto, servirá melhor os cidadãos se os
conhece melhor, da forma mais profunda possível. Porém,
ao ser cada vez mais invasiva, a intrusão do Estado provoca,
há tempos, uma crescente insatisfação entre os cidadãos
que apreciam o santuário da vida privada. Em 1835, Alexis
de Tocqueville já dizia que as democracias modernas de
massa produzem cidadãos privados cuja principal
preocupação é a proteção dos seus direitos. E que isso faz
com que sejam particularmente exigentes e contrários às
pretensões abusivas do Estado (7).
Essa tradição se prolonga, na atualidade, em figuras como
Julian Assange e Edward Snowden, ambos perseguidos
ferozmente pelos Estados Unidos. Em sua defesa, o grande
intelectual estadunidense Noam Chomsky afirmou que “a
luta deles por uma informação livre e transparente é uma
luta quase natural. Terão sucesso? Depende de nós. Se
Snowden, Assange e outros fazem o que fazem, é porque
exercem sua qualidade de cidadãos. Estão ajudando o
público a descobrir o que os seus próprios governos fazem.
Existe missão mais nobre para um cidadão livre? E se forem
castigados severamente? Se Washington pudesse se livrar
deles, seria ainda pior. Nos Estados Unidos existe uma lei
de espionagem criada durante a Primeira Guerra Mundial.
Obama a usou para evitar que a informação difundida por
Assange e Snowden chegasse ao público. O governo vai
tentar de tudo, cruzando o limite do indescritível, para se
proteger do seu ‘inimigo principal’. E o ‘inimigo principal’
de qualquer governo é a sua própria população” (8).
Na era da Internet, o controle do Estado chega a dimensões
alucinantes, já que, de uma ou outra maneira, nós
confiamos à Internet os nossos pensamentos mais pessoais
e íntimos, tanto profissionais como emocionais. Assim,
quando o Estado, com a ajuda de tecnologias
superpoderosas, decide passar a espionar o nosso uso da
Internet, não só extrapola suas funções, mas também
profana nossa intimidade, destrincha literalmente o nosso
espírito e saqueia o refúgio da nossa vida privada.
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Sob os olhos dos novos “Estados de vigilância”, nos
transformamos, sem saber, em clones do protagonista do
filme O Show de Truman (9), expostos ao vivo à
espionagem de milhares de câmeras e à escuta de milhares
de microfones, que expõem nossa vida privada à
curiosidade planetária dos serviços de informação.
Nesse sentido, Vince Cerf, um dos inventores da web,
considera que “na época das tecnologias digitais modernas,
a vida privada é uma anomalia…” (10). Leonard Kleinroc,
um dos pioneiros de Internet, é ainda mais pessimista:
“Basicamente – considera ele –, nossa vida privada já não
existe mais, e é impossível recuperá-la” (11).
Por uma parte, muitos cidadãos se resignam, como se o fim
do nosso direito ao anonimato fosse somente uma
fatalidade da nossa época. Por outra, essa preocupação de
defender nossa vida privada pode parecer reacionária, ou
até mesmo “suspeita”, porque só aqueles que têm algo que
esconder tentam se esquivar do controle público. Portanto,
as pessoas que consideram que não têm nada para ocultar,
não são hostis à vigilância do Estado, sobretudo se essa traz
uma vantagem importante em termos de segurança, como
prometem as autoridades. Entretanto, esse discurso – “por
um pouco menos de liberdade para você, que te entrego
cinco vezes mais garantia de segurança” – é uma estafa. A
segurança total não existe, não tem como existir. É uma
enganação. Porém, a “vigilância total” se tornou uma
realidade indiscutível.
Para questionar o golpe da segurança, balela
frequentemente cantarolada por todos os poderes, vale
recordar a lúcida advertência lançada por Benjamin
Franklin, um dos autores da Constituição estadunidense:
“um povo disposto a sacrificar um pouco de liberdade por
um pouco de segurança não merece nem a primeira nem a
segunda. E acaba perdendo as duas coisas”.
Um pensamento alinhado perfeitamente com a atualidade,
que deveria nos estimular a defender nosso direito à vida
privada e a proteger nossa intimidade. Jean-Jacques
Rousseau, filósofo do iluminismo e o primeiro pensador
que “descobriu” a intimidade, nos deu o exemplo. Não foi
ele também o primeiro a se rebelar contra a sociedade do
seu tempo e a sanha inquisidora da mesma, de querer
controlar a consciência dos indivíduos?
“O fim da vida privada seria uma autêntica calamidade
existencial”, afirmou também a filósofa contemporânea
Hanna Arendt, em seu livro A Condição Humana (12). Com
uma formidável clarividência, sua obra fala dos perigos para
a democracia de uma sociedade onde a distinção entre a
vida privada e a vida pública fosse insuficiente – o que,
segundo Arendt, significaria o fim do homem livre, e
empurraria as nossas sociedades a novas formas de
totalitarismo, de maneira implacável.
* Jornalista espanhol. Presidente do Conselho de
Administração e diretor da redação do “Le Monde
Diplomatique” em espanhol. Editorial nº 240, outubro de
2015.
(1) Katrina van den Heuvel et Stephen F. Cohen, “Edward Snowden: A
‘Nation’ Interview”, The Nation, Nova York, 28 de outubro de 2014.
(2) A Conversação (The Conversation), 1973. Direção: Francis F. Coppola.
Intérpretes: Gene Hackman, John Cazale, Cindy Williams, Harrison Ford,
Robert Duvall. Palma de Ouro no Festival de Cannes em 1974.
(3) Ignacio Ramonet, “Entrevista com Julian Assange: ´Google nos espiona
e informa ao governo dos Estados Unidos´”, Le Monde Diplomatique em
espanhol, dezembro de 2014.
(4) Jean Guisnel, em seu prefácio para o livro de Reg Whitaker, Tous
fliqués. La vie privée sous surveillance, Editora Denoël, Paris, 2001 – em
espanhol: El fin de la privacidad. Cómo la vigilancia total se está
convirtiendo en realidad (O fim da privacidade: Como a vigilância está se
tornando realidade), Editora Paidós, Barcelona, 1999.
(5) Glenn Greenwald, No place to hide. Edward Snowden, the NSA, and the
US Surveillance State, Metropolitan Books, Nova York, 2014.
(6) Michel Foucault, Vigiar e Castigar, Biblioteca Nova, Madrid, 2012.
(7) Alexis de Tocqueville, “A democracia na América”, Akal, Madrid, 2007.
(8) Ignacio Ramonet, “Entrevista com Noam Chomsky: Contra o império da
vigilância”, Le Monde Diplomatique em espanhol, abril de 2015.
(9) O Show de Truman: O Show da Vida (The Truman Show) (1998).
Direção: Peter Weir. Intérpretes: Jim Carrey, Laura Linney, Ed Harris.
(10) Marianne, Paris, 10 de abril de 2015.
(11) El País, Madrid, 13 de janeiro de 2015.
(12) Hanna Arendt, A Condição Humana, Editora Paidós, Barcelona, 2005.
Tradução: Victor Farinelli
FRASE PARA REFLETIR:
A propósito da agressão imperialista à Líbia, Domenico
Losurdo, um dos filósofos marxistas mais criativos do nosso
tempo, recorda a famosa novela ‘1984’, de Georges Orwell. O
alvo desse romance era a satanização da União Soviética
contemplada pelo escritor anticomunista britânico como uma
sociedade onde a robotização do homem estaria em marcha.
Orwell ideou um mundo imaginário no qual uma «neolingua»
manipulara a consciência dos povos, destruindo-a. A sua
utopia, escrita no ano em que foi fundada a OTAN
(Organização do Tratado do Atlântico Norte), adquire hoje
dramática atualidade. Mas Orwell errou o alvo. O perigo para a
humanidade vem de outro azimute. A URSS, a pátria mítica do
socialismo, desapareceu e quem simboliza o «Grande Irmão» é
o imperialismo, hegemonizado pelos Estados Unidos...
(Miguel Urbano Rodrigues in: ‘A robotização da humanidade
na agressão à Líbia’ – 1º de Maio de 2011).
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O ato revolucionário de contar a verdade
John Pilger
"Num tempo de fraude universal, contar a verdade é um ato
revolucionário", disse George Orwell.
Estes são tempos negros, nos quais a propaganda da fraude afeta todas as
nossas vidas. É como se a realidade política houvesse sido privatizada e a
ilusão legitimada. A era da informação é uma era medieval. Temos política
através dos meios; censura através dos meios; guerra através dos meios;
represália através dos meios; diversão através dos meios – uma linha de
montagem surreal de clichês e falsas suposições.
Uma tecnologia assombrosa torna-se tanto nossa amiga como nossa
inimiga. Todas as vezes que ligamos um computador ou escolhemos um
dispositivo digital – nossos rosários leigos – estamos sujeitos a controle: à
vigilância dos nossos hábitos e rotinas, e a mentiras e manipulação.
Edward Bernays, que inventou a expressão "relações públicas" como
eufemismo para "propaganda", previu isto há mais de 80 anos. Chamou a
isto "o governo invisível".
Escreveu ele: "Aqueles que manipulam este elemento não visto da
[moderna democracia] constituem um governo invisível a qual é o
verdadeiro poder dominante do nosso país... Somos governados, nossas
mentes são moldadas, nossos gostos formados, nossas ideias sugeridas,
em grande medida por homens de que nunca ouvimos falar..."
O objetivo deste governo invisível é a conquista de nós próprios: da nossa
consciência política, do nosso sentido do mundo, da nossa capacidade
para pensar independentemente, de separar verdades de mentiras.
Isto é uma forma de fascismo, uma palavra que justificadamente usamos
com cautela, preferindo deixá-la num passado hesitante. Mas um insidioso
fascismo moderno é agora um perigo que se acelera. Tal como nos anos
1930, grandes mentiras são apresentadas com a regularidade de um
metrônomo. Muçulmanos são maus. Fanáticos sauditas são bons.
Fanáticos do ISIS são maus. A Rússia é sempre má. A China está a ficar má.
Bombardear a Síria é bom. Bancos corruptos são bons. Dívida corrupta é
boa. A pobreza é boa. A guerra é normal.
Àqueles que questionam estas verdades oficiais, este extremismo,
considera-se que precisam de uma lobotomia – até serem diagnosticados
como aderindo à linha. A BBC proporciona este serviço gratuitamente. Se
deixar de se submeter será etiquetado como um "radical" – seja o que for
que isso signifique.
A dissidência real tornou-se exótica; mas aqueles que dissidem nunca
foram tão importantes. O livro que estou a lançar esta noite, "The
WikiLeaks Files", é um antídoto para um fascismo que nunca pronuncia o
seu nome. É um livro revolucionário, assim como a própria WikiLeaks é
revolucionária – exatamente como pretendia Orwell na citação que
mencionei no princípio. Pois ele diz que não precisamos aceitar estas
mentiras diárias. Não precisamos permanecer em silêncio. Ou, como
cantou outrora Bob Marley: "Emancipe-se da escravidão mental".
Na introdução, Julian Assange explica que nunca é suficiente publicar as
mensagens secretas dos grandes poderes: que perceber o sentido delas é
crucial, assim como colocá-las no contexto de hoje e na memória histórica.
Este é o feito notável desta antologia, a qual recupera a nossa memória.
Ela conecta as razões e os crimes que provocaram tanta tempestade
humana, desde o Vietnã e a América Central até o Oriente Médio e a
Europa do Leste, com a matriz na potência rapinante, os Estados Unidos.
Há atualmente uma tentativa americana e europeia de destruir o governo
da Síria. O primeiro-ministro David Cameron está especialmente
entusiasmado. Este é o mesmo David Cameron de que me recordo como
um untuoso homem de RP empregado por um desmembrador de
empresas (asset stripper) da televisão comercial independente da GrãBretanha.
Cameron, Obama e o sempre obsequioso François Hollande querem
destruir o último remanescente da autoridade multicultural na Síria, uma
ação que certamente abrirá caminho para os fanáticos do ISIS.
Isto é insano, naturalmente, e a grande mentira justificando esta
insanidade é que é em apoio aos sírios que se levantam contra Bashar alAssad na Primavera Árabe. Como revela The WikiLeaks Files, a destruição
da Síria é desde há muito um cínico projeto imperial que antecede o
levantamento da Primavera Árabe contra Assad.
Para os dominadores do mundo em Washington e na Europa, o verdadeiro
crime da Síria não é a natureza opressiva do seu governo mas a sua
independência em relação ao poder americano e israelense – assim como
o verdadeiro crime do Irã é a sua independência, e o verdadeiro crime da
Rússia é a sua independência, e o verdadeiro crime da China é a sua
independência. Num mundo possuído pela América, a independência é
intolerável.
Este livro revela estas verdades, uma após a outra. A verdade sobre uma
guerra ao terror que foi sempre uma guerra de terror; a verdade sobre
Guantânamo, a verdade sobre o Iraque, o Afeganistão, a América Latina.
Nunca contar a verdade foi tão urgentemente necessário. Com honrosas
exceções, aqueles nos meios pagos aparentemente para manter as coisas
claras estão agora absorvidos dentro de um sistema de propaganda que já
não é jornalismo, mas antijornalismo. Isto é verdadeiro tanto para liberais
e respeitáveis como para Murdoch. A menos que esteja preparado para
monitorar e desconstruir toda afirmação especiosa, as assim chamadas
"notícias" tornaram-se inassistíveis e ilegíveis.
Ao ler "The WikiLeaks Files" recordei as palavras do falecido Howard Zinn,
que muitas vezes referia-se a "um poder que governos não podem
suprimir". Isto descreve a WikiLeaks e descreve a verdade dos
denunciantes que partilham a sua coragem.
Numa nota pessoal, tenho conhecido pessoas da WikiLeaks desde há
algum tempo. Que tenham alcançado o que fizeram em circunstâncias que
não foram da sua escolha é uma fonte de admiração constante. O seu
resgate de Edward Snowden vem à mente. Tal como ele, eles são heróicos:
nada menos.
O capítulo de Sarah Harrison, "Indexing the Empire", descreve como ela e
seus camaradas estabeleceram toda uma Biblioteca Pública da Diplomacia
dos EUA. Há mais de dois milhões de documentos, agora disponíveis para
todos. "Nosso trabalho", escreve ela", "destina-se a assegurar que a
história pertence a todos". Quão emocionante é ler estas palavras, as
quais se mostram também um tributo à sua própria coragem.
Do confinamento numa sala da embaixada equatoriana em Londres, a
coragem de Julian Assange é uma resposta eloquente aos covardes que o
enlamearam e à potência canalha que procura vingar-se sobre ele e travar
uma guerra à democracia.
Nada disto desviou Julian e seus camaradas da WikiLeaks: nem um
milímetro. Não será alguma coisa?
30/Setembro/2015
O original encontra-se em
http://johnpilger.com/articles/therevolutionary-act-of-telling-the-truth. Este artigo encontra-se em
http://resistir.info/.
SOCIOLOGIA - 2º ANO - Apostila nº 4 - Prof. Renato Fialho Jr.- Página 19
A barbárie no ar: As TVs brasileiras e o estímulo à violência
Justiçamento, preconceito, discriminação. TVs brasileiras
violam direitos humanos abusivamente.
por Lalo Leal/Revista do Brasil
Exatamente 1.936 violações de direitos são cometidas em
um mês no rádio e na TV, por apenas 30 programas. Os
autores dessa façanha não são os personagens, geralmente
negros e pobres, apresentados com estardalhaço
diariamente pelos programas policialescos. São os próprios
apresentadores, em conluio com repórteres e produtores –
a autoridades –, sob o comando dos dirigentes das
emissoras que abrem espaços para essas aberrações. A
constatação está numa pesquisa realizada pela Andi –
Comunicação e Direitos, uma organização social que há 21
anos trabalha para dar visibilidade na mídia a questões
relacionadas aos direitos das crianças e dos adolescentes.
Entre outras ações, criou o projeto Jornalista Amigo das
Crianças, que já reconheceu com essa qualidade 392
profissionais em atuação no país.
Os chamados programas policialescos entraram na mira da
Andi diante das seguidas violações cometidas contra a
infância e adolescência. A pesquisa constatou que as
violações, em nove categorias de direitos, vão muito além
dessas faixas e atingem toda a sociedade.
Exemplos não faltam. A presunção de inocência, uma das
categorias selecionadas pela pesquisa, é constantemente
violada. No programa Balanço Geral, da TV Record, uma
chamada diz "Pai abandona filho em estrada do RS" e o
apresentador acrescenta: "Um pai abandonou uma criança
nas margens de uma rodovia? Fez!" Apesar do desmentido
do pai, a acusação constitui um claro desrespeito à
presunção de inocência, garantida no artigo 5º da
Constituição brasileira.
O estímulo à violência como forma de resolver conflitos é
outra marca desses programas. Como nesse exemplo
pinçado pela pesquisa na Rádio Barra do Piraí AM,
programa Repórter Policial. Uma pessoa acaba de ser presa
pela polícia e o apresentador anuncia: "Então, a praga
acabou de ser grampeada. Não seria o caso, né? Passa logo
fogo num cara desse aí! (...) É uma pena que ele não reagiu,
porque a rapaziada passaria fogo nele de uma vez e tava
tudo certo".
infração ao regulamento "incitar a desobediência às leis ou
às decisões judiciárias" e "criar situação que possa resultar
em perigo de vida") e o Código de Ética dos Jornalistas
Profissionais (jornalista não pode usar o jornalismo para
incitar a violência, a intolerância, o arbítrio e o crime).
Outra categoria: discurso de ódio e preconceito. No
programa Brasil Urgente, da TV Bandeirantes, o
apresentador José Luiz Datena faz enquete para saber
quem acredita em Deus e diz: "...ateu eu não quero
assistindo o meu programa. ‘Ah, mas você não é
democrático.’ Nessa questão não sou não, porque um
sujeito que é ateu, na minha modesta opinião, não tem
limites, é por isso que a gente tem esses crimes por aí..."
Só com essas frases o apresentador violou seis leis
brasileiras, três pactos multilaterais firmados pelo Brasil e
mais uma vez o Código de Ética dos Jornalistas, além de
desrespeitar princípios e declarações internacionais de
defesa da liberdade de expressão. E ainda ignorar os muitos
crimes de Estado, guerras e outras violências que foram
cometidos ao longo da história, e ainda o são, em nome de
supostas causas religiosas
O fato de se apresentarem como "jornalísticos" faz com
que esses programas escapem da classificação indicativa de
horários para determinadas faixas etárias do público
telespectador. Passam a qualquer hora oferecendo às
crianças e jovens esse festival de ódio e violência. Mas de
jornalismo têm pouco. São programas de variedades,
espetacularizando fatos dramáticos da vida real com
tentativas até de fazer um tipo grotesco de humor.
Numa edição gaúcha do programa Balanço Geral, por
exemplo, o apresentador Alexandre Mota, ao narrar a
morte de um suspeito pela polícia, fingia chorar
copiosamente clamando de forma irônica pela vinda dos
defensores dos direitos humanos. Em seguida, estimulado
por uma repórter, passa a sambar alegremente diante das
câmeras.
Texto extraído de:
http://www.patrialatina.com.br/.
Postado em 15/10/2015 ás 09:04
Só nesse caso são violadas cinco leis brasileiras, cinco
acordos internacionais firmados pelo Brasil e um código de
ética profissional. Entre eles a Constituição Federal, o
Regulamento dos Serviços de Radiodifusão (é considerada
SOCIOLOGIA - 2º ANO - Apostila nº 4 - Prof. Renato Fialho Jr.- Página 20

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