Paróquia Jesuíta na AL de hoje segundo o documento da CPAL A

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Paróquia Jesuíta na AL de hoje segundo o documento da CPAL A
Paróquia Jesuíta na AL de hoje segundo o documento da CPAL
A América Latina, com mais de 550 milhões de habitantes, é um continente jovem, com
uma média de idade que não chega aos 20 anos, e em crescimento urbano acelerado.
Nesta porção de nossa Terra, a maioria católica atinge mais de 80% da população. No
entanto, a América Latina é a região que tem menos sacerdotes por católico. As
necessidades e carências pastorais são grandes e sentidas. Estamos conscientes de que a
solução das grandes necessidades sociais e eclesiais latino-americanas só vai acontecer
se houver um esforço de toda a sociedade, da qual a Igreja faz parte, e que a
contribuição que podemos dar é pequena diante da magnitude de nossos problemas.
2. O carisma que o Senhor presenteou à Companhia de Jesus, de buscar com empenho
sua maior glória, suscitou em nossas Províncias uma rica variedade de serviços aos
povos e à Igreja. Entre estes serviços floresceu a pastoral paroquial. Atualmente, a
Companhia de Jesus na América Latina tem a responsabilidade pastoral de 191
paróquias[1], envolvendo 300 jesuítas aproximadamente. Na Companhia universal, cerca
de 3.200 jesuítas trabalham atualmente em 2.000 paróquias dispersas pelo mundo[2]. A
C.G. 34a. discerne os sinais dos tempos e assinala que o apostolado paroquial é um
valioso serviço eclesial que oferece um contexto que favorece a vida e a solidariedade
com os pobres e em certas circunstâncias, constitui um apostolado apto a realizar
nossa missão de serviço da fé e promoção da justiça (D. 19, no 2 e 1).
3. Santo Inácio mostrava-se contrário ao trabalho paroquial porque os membros da
Companhia hão de estar sempre prontos a percorrer as diversas partes do Mundo[3].
Uma interpretação do texto, que não levasse em conta o contexto social e eclesial de
Inácio, induziria a pensar que o serviço paroquial contraria o nosso carisma e, portanto,
a considerar os que o exercem, como desobedientes ao nosso modo de proceder. É
evidente que o contexto social e eclesial passou por mudanças substanciais, desde o
momento da fundação da Companhia até nossos dias. Baste indicar que as paróquias
latino-americanas não gozam de benefícios (renda) ou subsídios da monarquia. Mais
ainda, diferentemente daquele tempo, dentre nossas obras e instituições, as paróquias
são as que apresentam maior facilidade na hora de deixá-las e de assumir outras em
lugares mais necessitados, oferecendo a agilidade apostólica tão desejada por Inácio.
4. A C.G. 34a. sublinha que, conforme nosso carisma, o jesuíta que está na paróquia, é
chamado a oferecer uma contribuição relevante à vida da mesma[4]. Por isso,
experimentamos o desafio de colaborar com a Igreja na busca de novos modelos de
Pastoral Paroquial que ajudem a melhorar o serviço evangelizador, neste início de
século[5].. Confiantes no Senhor e iluminados pelo Vaticano II, o Magistério,
particularmente o Magistério latino-americano, e a C.G. 34a., elaboramos este projeto
para as paróquias confiadas aos jesuítas. Esperamos que contribua para a construção de
comunidades eclesiais que sejam proféticas, sejam sinais claros do Reino de Deus e
ajudem no surgimento da sociedade solidária. Este projeto, que está sendo trabalhado
[1]
Estas paróquias organizam-se em rede, RELAPAJ (Rede Latino-Americana de Paróquias Jesuítas),
para buscar a melhor comunicação e ajuda entre elas. Neste número não estão incluídas as paróquias
em áreas indígenas, pois estas são consideradas no setor da pastoral indígena.
[2]
a
C.G.34 ., d.19, n.1
[3]
Constituições n. 588. Naquele contexto socio-eclesial, para Santo Inácio, a cura de almas opunha-se à
disponibilidade apostólica do jesuíta.
[4]
a
C.G. 34 ., d. 19, n. 7
[5]
São notáveis o esforço e a vitalidade da Igreja Latino-americana na renovação e impulso da missão
evangelizadora no atual contexto socio-eclesial, como manifestam as recentes Conferências Gerais do
Episcopado Latino-americano de Medellín, Puebla e Santo Domingo.
desde 1998, é fruto da experiência e reflexão dos jesuítas e leigos que colaboram na
pastoral paroquial. Depois de passar por revisões, agora o projeto é apresentado para
orientar nosso serviço nas paróquias que a Igreja confiou à Companhia[6].
CONTEXTO SOCIO - RELIGIOSO ATUAL
5. O contexto sociocultural no qual desenvolvemos nossas atividades está em contínua
mudança. Até os paradigmas para interpretar a realidade mudam. Estamos numa
mudança de época. Estas mudanças em nossa realidade social e religiosa implicam a
necessidade de avaliar e repensar o trabalho que como jesuítas realizamos[7]. A pastoral
paroquial não é uma exceção.
6. Realidade, encarnação, discernimento e evangelização: À luz do mistério da
Encarnação, o âmbito do universo material, o âmbito do humano e de sua história,
deixou de ser considerado como profano e vazio de significado de salvação.
Compreendemos que todo o universo, que todos os povos e suas culturas, estão
envolvidos em um processo histórico salvífico, do qual participamos com a mesma vida
divina (Col 1,15-18; Ef 1,3-6). Por isso, a realidade cotidiana, nosso trabalho, nossa
história, em particular a dos pobres, é o lugar onde encontramos o Senhor e suas
interpelações (GS 1.4). A revelação nos confirma que esta história é lugar de provação.
Por isso, na realidade devemos discernir (distinguir) entre o que é presença e vida do
Senhor, do que é ausência de Deus. Portanto, conhecer e analisar a realidade em seus
aspectos mais significativos é parte integrante de toda evangelização cristã. Por isso,
destacamos alguns traços relevantes da realidade.
7. Nível mundial: Todos navegamos no mesmo barco, a Terra. No presente, vivemos
um forte processo de globalização, controlado pelo mercado capitalista neoliberal. A
hegemonia neoliberal, marcada com frequência pela injustiça e violência, não só se
refere à economia, mas também implica forças políticas e tendências culturais,
promovidas pelos meios de comunicação. Por sua vez, os avanços científicos e técnicos
são fortes e acelerados. O sistema capitalista neoliberal impulsionou maior geração de
bens, maior inter-relação entre os povos e culturas, mas também gerou mais injustiça e
violência, devido à desigualdade na participação dos bens gerados[8] É fato reconhecido
que o principal problema da humanidade atual é a pobreza. Por outro lado, há um sinal
de esperança: a presença de homens e mulheres em todos os povos que se organizam e
trabalham na busca e implementação de um sistema social solidário, baseado nos
direitos humanos, no qual o direito à vida (com qualidade de vida digna de pessoas
humanas) seja realidade para todos os habitantes do planeta.
8. Nível latino-americano: A América Latina, multiétnica e pluricultural, apesar da fé
cristã da grande maioria de sua população, é uma das regiões do mundo com maior
injustiça e desigualdade social. A interminável dívida externa e interna sangra
gravemente nossos povos. As injustiças e violências do sistema neoliberal que sofremos
são a causa principal, não a única, do agravamento da antiga pobreza, bem como do
surgimento de novas pobrezas e de graves chagas sociais, tais como: a migração de
[6]
a
Gênese do projeto: Inspirados pelo decreto 19 da C.G. 34 ., os Provinciais da A.L. convocam as
reuniões de párocos, por assistências, em Bogotá e Porto Alegre (1998), para dinamizar e orientar este
apostolado;
[7]
Desde inícios do ano 2.000, a elaboração de prioridades e objetivos para a Companhia, na América
Latina hoje, foi e continua sendo a tarefa central da CPAL.
[8]
No âmbito socioeconômico e sociopolítico, a situação descrita na Carta dos Provinciais O
Neoliberalismo na América Latina (Cidade do México, novembro de 1996), continua atual e hoje tem mais
vigência frente à crescente deterioração da realidade descrita.
milhões de trabalhadores, que provoca desintegração familiar; a exclusão do trabalho e
da sociedade de milhões de pessoas, assim como o contínuo crescimento da violência e
da delinqüência. Mais ainda, assistimos a um amplo debilitamento de valores humanos
e religiosos que favorece o narcotráfico, o aumento da delinqüência comum e a
corrupção nas classes dirigentes, instituições e corpos governamentais. Estas realidades
desafiam nossa evangelização e nos convidam a enfrentá-las com decisão. É motivo de
alegria podermos constatar a existência de núcleos da sociedade civil, que vão
alcançando relevância social por desafiar os valores (negativos) e por sua árdua luta a
favor de uma ordem social que implica:
- O combate ao injusto empobrecimento e à miséria de milhões de latinoamericanos (luta a favor da justiça);
- O combate a situações e estruturas sociais que ferem a vida humana,
particularmente das maiorias pobres e excluídas (luta a favor dos direitos
humanos, a ecologia e a democracia);
- O combate à corrupção e à impunidade (luta pela ética).
9. Alguns traços da nossa realidade eclesial: Nosso continente é majoritariamente
católico, apesar da crescente presença de outros movimentos religiosos. Contudo, as
injustiças sociais nos fazem ver que não desfrutamos desta pertença à Igreja de Cristo.
Frente à crise de valores que marca a sociedade contemporânea, a Igreja Católica e
outras, de antiga tradição, tendem a proteger-se acentuando a importância do
institucional, do doutrinal e do normativo. Nesse contexto, diminui o diálogo franco e
aberto das Igrejas com a sociedade e dentro da própria Igreja, o que faz crescer as
tendências fundamentalistas e integristas. Tudo isso exige uma evangelização integral,
que construa um novo modo de ser Igreja, que seja fruto da inculturação do Evangelho.
Mesmo assim, vemos com esperança o desejo utópico e o esforço de numerosas
pessoas: casais, jovens, idosos, mulheres, indígenas, tentando dar respostas a nossos
problemas, criando comunidade cristãs nos diversos setores sociais, com a intenção de
criar sinais do Reino de Deus entre nós.
A Companhia de Jesus tem uma rica e valiosa tradição missionária, evangelizadora e
educativa em todos os países da América Latina. Atualmente estamos presentes em
todos os países da América Latina e do Caribe, com algumas obras e serviços
apostólicos muito apreciados social e eclesialmente. Mas, diante dos desafios globais
que o mundo lança à nossa missão, parece que oferecemos uma resposta fragmentada,
pouco coordenada e coerente, sem prioridades e objetivos comuns ao conjunto do Corpo
da Companhia. Não é falta de boas motivações. É necessário que nossas obras, projetos
e ações concretas dêem credibilidade aos princípios e valores que professamos e
proclamamos.
10. Breve aproximação à realidade sociológica da paróquia: Ainda que nesses
últimos anos se tenha aprofundado a constituição teológica da paróquia, sua dimensão
sociológica entrou em crise. Passamos de uma sociedade de Cristandade para uma
sociedade heterogênea e pluricultural. Além disso, o recente crescimento populacional e
a urbanização, que atinge a maioria das pessoas, apresentam novos desafios. Alguns
acreditam que a paróquia territorial não é mais conveniente nem adequada. Em muitos
lugares da América Latina, o catolicismo tem uma marca mais sociológica do que
teologal. A participação de muitos católicos nas paróquias está mais marcada pelo
costume que pela fé. A paróquia torna-se um elemento cultural e respeitado, mas que
não envolve a vida das pessoas: acontece a separação entre a Vida e a Fé. A
heterogeneidade social provoca o aparecimento de diferentes pastorais específicas e de
movimentos apostólicos, que em algumas ocasiões, dificultam uma pastoral de
conjunto. Por estes e outros problemas faz-se necessário renovar nossas paróquias, para
que respondam adequadamente ao desafio da nova evangelização neste início de século.
MARCO-TEOLÓGICO-PASTORAL DA PARÓQUIA
11. O Concílio Vaticano II, conduzido pelo Espírito Santo, nos orienta a atualizar o ser
e a missão da Igreja no mundo de hoje. Nunca na história da Igreja um Concílio
Ecumênico trabalhou tanto o tema eclesiológico. Esta conversão implicou e implica
uma revisão das estruturas eclesiais. O Vaticano II, ao iluminar a Igreja com a luz da
Revelação, nos indica primeiramente que ela é “mistério” (LG, cap.1). Isso significa que
nenhuma aproximação ou estudo é capaz de expressar a totalidade da identidade e da
ação eclesial, nem mesmo as riquíssimas expressões bíblicas: Corpo de Cristo, Templo
do Espírito Santo, Família de Deus. O Concílio quis recuperar uma expressão e fazer
dela o eixo da renovação, por isso afirmou: a Igreja é o Povo de Deus (LG, cap.2). Este
povo é, na história, o sacramentou o sinal e instrumento da íntima união com Deus e da
unidade de todo o gênero humano (LG, 1).
12. Esta compreensão fundamental do Concílio recupera o sentido comunitário e
missionário da Igreja. Por isso, a Igreja se compreende e se expressa como Igreja
comunhão[9] Ela é uma comunhão de carismas[10] É a comunidade que nasce da
obediência ao Evangelho. Nesta linha, o magistério recente vem aprofundando
teologicamente as estruturas (níveis) eclesiais fundamentais: família cristã, pequenas
comunidades eclesiais, paróquia, Igreja local, superando amplamente as descrições
meramente sociológicas[11] ou administravas [12] das mesmas (DM, 15; DP, 567-657;
DSD, 54-64). Assim, nos é ensinado que a família é “igreja doméstica”, primeira
comunidade evangelizadora (LG, 11; SA, 64), a célula primeira e vital da sociedade
(AA, 11). Os esposos, para cumprir sua missão, são abençoados e fortalecidos pelo
sacramento do matrimônio, pois devem ser para os filhos pela palavra e pelo exemplo
os primeiros mestres da fé (LG, 11).
13. Recolhendo a paradigmática experiência das primeiras comunidades, o Magistério
nos ensina que a estrutura e o nível eclesial da pequena comunidade eclesial é a célula
inicial de estruturação eclesial e foco de Evangelização (DM XV,10). As pequenas
comunidades de base são um sinal de vitalidade na Igreja, instrumento de formação e
de evangelização, um ponto de partida válido para uma nova sociedade fundada sobre
a civilização do amor (RMi 51; DSD 61). Assim pois, estas pequenas comunidades são
excelentes escolas de fé e mananciais de fraternidade e solidariedade, são uma
alternativa da sociedade capitalista fundada no egoísmo.
14. Na atual estrutura da Igreja, o Concílio Vaticano II identifica a diocese como Igreja
local, porção do Povo de Deus e, nela, as paróquias são células vivas (AA, 10). A
paróquia é uma estrutura e um nível de Igreja, é sua encarnação e sua missão em um
[9]
A expressão “Igreja comunhão” adquire uma especial importância a partir do sínodo extraordinário do
ano 1985, que a assumiu com força especial.
[10]
Os sínodos dos leigos e da vida religiosa trabalharam na ótica da Igreja-comunhão, e nesta ótica
devem ser compreendidos. Desta forma, a Igreja, Povo de Deus, vive a comunhão do carisma da vida
religiosa e os mnistérios do sacramento da Ordem. Ela é comunhão de carismas. Por isso, uma Igreja
local sem a presença da Vida Religiosa, permanece incompleta e não vive a riqueza eclesial que deve
viver (VC,29).
[11]
Segundo o antigo Código de Direito Canônico, a paróquia era definida simplesmente como um
território delimitado, um povo concreto, um templo particular e pastor próprio”.
[12]
Lugar de serviços religiosos (DP, 649).
contexto, em um lugar e em um grupo determinados (SC, 42; AG, 37; DP, 645). A
paróquia é um lugar privilegiado onde os fiéis têm uma experiência concreta da Igreja
(AS 41). Na comunidade paroquial se encarna o ser e o agir da Igreja, ou seja, a
comunhão (koinonía) e a missão (diakonía); e esta missão é vista em sua tríplice
dimensão: real profética e sacerdotal. Então, a paróquia, comunidade orgânica e
missionária, é uma rede de comunidades (DSD, 58), sacramento de fraternidade. O
primeiro serviço diaconal acontece geralmente na própria comunidade, por meio de
diversos ministérios que respondem a necessidades sentidas da comunidade, com
especial atenção aos enfermos e aos marginalizados que torna tangível a opção do
próprio Senhor pelos pobres (DSD, 178).
15. Em cada Igreja local, a Igreja manifesta e encarna a missão do Senhor, o Evangelho
do Reino. As Igrejas particulares têm como missão prolongar para as diversas
comunidades a presença e a ação evangelizadora de Cristo (Puebla, 224),... A Igreja
particular é chamada a viver o dinamismo de comunhão-missão, a comunhão e a
missão estão profundamente unidas entre si... ao ponto de a comunhão representar, ao
mesmo tempo, a fonte e o fruto da missão (DSD, 55). Assim esta porção – aderindo ao
seu pastor e por ele congregada no Espírito Santo mediante o Evangelho e a Eucaristia
– constitui uma Igreja particular. Nela verdadeiramente opera e reside a Una, Santa,
Católica e Apostólica Igreja de Cristo (ChD 11; DM XV, 17). Além do serviço à
comunhão interna da Igreja local, cabe ao bispo exercer o ofício de representar a
unidade de sua Igreja junto às outras Igrejas locais, para manifestar o vínculo de
comunhão que as une entre si e com a Igreja de Roma[13], à qual as “preside na
caridade” (Inácio de Antioquia).
16. A Igreja local não é “uma parte” ou setor da Igreja Universal, mas nela, em germe,
está toda a Igreja[14]. Se em cada Igreja local está toda a Igreja, então a intercomunhão
eclesial, a catolicidade, é essencial à sua vida. A Igreja universal não é uma federação
de “Igrejas”, nem existe anteriormente, nem fora das Igrejas locais. E vice-versa, uma
Igreja local fora da comunhão das outras Igrejas já não seria Igreja, porque os dons do
Espírito se encontram no conjunto das Igrejas locais. Na Igreja atual, pelas orientações
do Concílio Vaticano II, do magistério pontifício e do episcopado latino-americano, as
paróquias são chamadas a viver o modelo eclesial “Povo de Deus”, mais bíblico e
carregado de tradição e um conseqüente novo modelo de paróquia.
17. Para realizar a tarefa recebida do Senhor, de levar o Evangelho do Reino de Deus a
todo o mundo (Mt 28,16-20), a Igreja, desde suas origens, tratou de vivê-lo, guiada pelo
Espírito Santo, na koinonía (comunhão fraterna) e difundi-lo por meio do kérigma
(anúncio missionário), a diakonía (diversos serviços e ministérios) e da liturgia (a
celebração e alimentação da vida cristã), como nos narra o livro dos Atos dos
Apóstolos. Estas dimensões da mesma e única missão – testemunhar e comunicar o
Reino de Deus – nunca devem dissociar-se uma da outra, se desejamos uma ação
evangelizadora integral. O Vaticano II destacou esta compreensão do ser e do agir da
Igreja, ao assumir sua índole comunitária (koinonía), na ótica do Povo de Deus. Assim,
sublinhou a Missão da Igreja na ótica da profunda tradição bíblica, marcada pelas três
dimensões: real, profética e sacerdotal. Por tanto, a Igreja local e cada comunidade
paroquial vivem e cumprem sua única missão, compreendida segundo estas óticas e
dimensões:
[13]
Vaticano II recupera o sentido de “colégio” (colegialidade), no qual os bispos são vistos como
sucessores dos apóstolos. Esta visão tem profundas raízes na Patrística Oriental e Ocidental.
[14]
Só a comunhão eclesial entre as Igrejas locais nos permite falar da “única Igreja de Cristo”. Esta
comunhão fundamenta a Colegialidade Episcopal e o Primado de Pedro.
Povo de Deus, organizado em COMUNIDADES FRATERNAS -------koinonía,
o que conjuga em única MISSÃO EVANGELIZADORA as óticas e dimensões:
- pastoral kerigma missionárias
- profética diakonia solidárias
- sacerdotal liturgia litúrgicas
Nós jesuítas, neste dinamismo do espírito, com humildade e fervorosa paixão,
vamos nos empenhar em renovar as paróquias que a Igreja nos confiou.
PARÓQUIA JESUÍTA: COMUNIDADE DE COMUNIDADES DE FÉ,
FRATERNAS, MISSIONÁRIAS SOLIDÁRIAS, y LITÚRGICAS
FIDELIDADE CRIATIVA À MISSÃO, NA PASTORAL PAROQUIAL ATUAL
18. Neste ano de 2002 temos a graça e o desafio de estar comemorando os 450 anos da
páscoa de São Francisco Xavier. Ele foi expressão especial do carisma inaciano e de sua
missão de levar o Evangelho a todas as pessoas e rincões da Terra. Constatamos que
essa vida e fervor de Xavier encontram hoje, na América Latina, especial encarnação
nos jesuítas que nas paróquias populares levam o Evangelho a essas multidões
empobrecidas de nossos povos, que muitas vezes parecem ovelhas sem pastor. Por isso,
assumimos, com renovada alegria e fervor, o caráter missionário de nosso carisma, no
serviço a esses 6 milhões de pessoas, na maioria pobres, que vivem nas “paróquias
jesuítas”.
19. A Companhia de Jesus quis explicitamente assumir e dar impulso à evangélica
opção preferencial pelos pobres. Se somos coerentes, esta opção deve afetar nosso estilo
de vida. Esta opção leva consigo uma atitude de sólida e generosa solidariedade com os
pobres, que perpassa todas as nossas pessoas e obras apostólicas. Mas se enfraquece e
carece de credibilidade, se não temos uma porcentagem suficiente de jesuítas vivendo
na inserção e no serviço direto aos pobres. Considerando-se os níveis de pobreza da
América Latina, esta porcentagem não deve ser inferior a um terço do corpo apostólico
ativo de cada Província, e de seus segmentos de idade. Nas atuais circunstâncias sociais
e eclesiais, servir e viver com os pobres e excluídos realiza-se, em boa parte, nas
paróquias populares (C.G. 34a., d.19, n.2). Este serviço pastoral é o que, da melhor
maneira, torna transparente o caráter de gratuidade (“graça”) da evangelização. Cada
Província, dedicada ao serviço da fé e à promoção da justiça, está chamada a preparar e
incentivar os jesuítas para continuarem levando o Evangelho aos pobres e necessitados.
20. O serviço evangelizador nas paróquias tem peso diverso na variedade de nossas
Províncias. Em algumas, é um setor com bastante presença e peso apostólico; em
outras, é presença reduzida e ainda, às vezes, pouco estimado; em algumas o setor é
jovem; em outras está envelhecido. As paróquias confiadas à Companhia estão
localizadas nas capitais, nas cidades médias e pequenas e na área rural; estão nas
montanhas, nos planaltos e no litoral. Nelas trabalhamos com o homem do campo,
donas de casa, ambulantes, operários(as), burocratas, profissionais; com crianças,
adolescentes, jovens, adultos idosos(as). Neste serviço pastoral temos jesuítas com
grande experiência e especialização em muitos e variados campos pastorais. Todavia,
com freqüência, em nossas paróquias, são promovidos diversos modelos de pastorais.
De certo modo damos a impressão de que não temos clareza em nosso serviço
paroquial. Esperamos que com este projeto consigamos a unidade na diversidade e
melhoremos a qualidade de nosso serviço.
21. Um modelo inspirador para nosso serviço pastoral atual: No início deste novo
século e milênio, queremos dar continuidade à secular tradição evangelizadora e
missionária da Companhia. Em particular, desejamos nos unir e inspirar na realização
missionária e pastoral das reduções do Paraguai, onde se conseguiu e viveu uma
contribuição relevante à tarefa evangelizadora da Igreja, durante mais de 150 anos. Na
sua época, nossos irmãos jesuítas do Paraguai concretizaram nas “reduções” um
magnífico modelo eclesial e social de fraternidade, justiça e solidariedade. Hoje, cabe a
nós continuar essa magnífica e inspiradora missão evangelizadora, pondo em prática
este projeto e conseguindo que seja um sacramento de fraternidade e solidariedade,
promovido com ardor por cada pároco jesuíta e companheiros, na sua realidade
concreta. Este projeto tem essa pretensão. Os jesuítas, em fidelidade criativa ao
Evangelho, à Igreja e ao nosso carisma, queremos decididamente priorizar a paróquia
como comunidade de comunidades de fé, fraternas, missionárias, solidárias e litúrgicas.
A PARÓQUIA, COMUNIDADE DE COMUNIDADES DE FÉ
EM JESUS CRISTO E NO SEU REINO
22. Diante de um mundo dilacerado e desejoso de unidade, é necessário proclamar com
alegria e fé firme que Deus é comunhão, Pai, Filho e Espírito, unidade na diferença,
que chama todos os homens e mulheres a participar da mesma comunhão trinitária. É
necessário proclamar que a essa comunhão é o projeto magnífico de Deus, em Jesus
Cristo... É necessário proclamar que a Igreja é sinal e instrumento da comunhão
querida por Deus, iniciada no tempo e dirigida à sua perfeição na Plenitude do Reino
(SA, 33).
23. A vocação humana é viver em comunhão plena com Deus. Toda espiritualidade
pretende ser um caminho que conduz à comunhão com Deus. Aprouve contudo a Deus
santificar e salvar os homens não singularmente, sem nenhuma conexão uns com os
outros, mas constituí-los num Povo (LG, 9), o Povo da Aliança (Ex. 20). Deus é
Trindade, o Povo é comunidade. A Igreja, Povo de Deus (1 Pe. 2,9-11), sacramento de
salvação (LG, 48), tem como finalidade última unir (“religar”) a humanidade com seu
Senhor (GS, 32). Amar e comungar com Deus implica amar ao próximo (Jo. 15,9-13; 1
Jo 4,19-21). O Senhor, ao contemplar a existência desumana de pessoas oprimidas e
ignorantes de sua dignidade se compadece delas (Ex. 3,7-9; Mc. 6,34) e pela força de
seu Espírito as liberta e, a partir delas, forma seu Povo: consciente, organizado, livre. A
iniciativa foi e é de Deus (1 Jo. 4,10). Hoje o Senhor continua nos convidando a
rejuvenescer a Igreja, seu Povo, e a chegar a ser pessoas adultas na fé, o que é mais fácil
de se conseguir nas pequenas comunidades de base (DM, 15, n.10; DP, 642). Por isso,
as paróquias se organizam como comunidade de comunidades de filhos e filhas de
Deus, para o serviço do Reino (EN, 58; RMi, 51).
24. Jesus Cristo, o Verbo encarnado, é o Bom Pastor que dá a vida para que tenhamos a
vida eterna, na comunhão plena com Deus (Jo. 10,10-18). A Companhia de Jesus,
seguindo o Bom Pastor, quer que a pastoral paroquial tenha como centro e finalidade
última ajudar a comunhão perfeita com Deus e o próximo, na Igreja, Povo de Deus. Nós
jesuítas, temos em Santo Inácio um exemplo inspirador. Em toda a sua vida ele
procurou em tudo servir e amar ao seu Senhor. Procurou dilatar o seu Reino e assumiu
como centro de sua missão a tarefa de levar todo homem e mulher à comunhão com seu
Criador e Senhor. Inácio foi um místico e destacado mestre de espiritualidade. Os
Exercícios Espirituais continuam sendo um instrumento privilegiado para ajudar no
encontro da criatura com seu Senhor. Os jesuítas nas reduções do Paraguai foram fiéis
ao evangelho e a Inácio, ao responder em primeiro lugar à fome e sede de Deus dos
guaranis. A união com Deus é vida e força de um povo digno e organizado em
comunidades de filhos e filhas de Deus.
25. Atualmente, nossas paróquias devem priorizar e distinguir-se por sua espiritualidade
e vida comunitária e assim ajudar no processo de unir, pelo Espírito, toda pessoa com
Deus e seu Povo. Assim, a paróquia está chamada a ser manancial da experiência de
Jesus Cristo e de seu Reino; escola notável de fé, esperança e caridade; lugar onde se
vive e partilha a mística cristã; fonte donde cresce e se expressa nosso amor a Maria;
organização para o bem das pessoas em comunidades evangelizadas e evangelizadoras.
Portanto, cooperaremos com leigos(as) para que vivam sua espiritualidade, ou seja, a
espiritualidade do Povo de Deus, e seu conseqüente chamado à santidade, o qual
implica a descoberta do próprio modo de ser santo em seu contexto social e eclesial (LG
capa 4[C4] ).
26. Por isso, queremos ajudar e promover um processo que:
 Suscite e alimente prioritariamente o amor pessoal e apaixonado a Jesus Cristo e
a seu Reino. Para isso, temos o meio privilegiado dos Exercícios Espirituais.
 Assuma a espiritualidade cristã, encarnada, comunitária, fraterna, solidária,
litúrgica que vive a evangélica opção preferencial pelos pobres e ajude os fiéis
da Paróquia a fazer sua esta espiritualidade e opção, a partir de sua condição de
leigos.
 A consciência de que Deus nos salva, não de modo isolado, nem como uma
massa informe, mas como Povo da Nova Aliança. Por isso, trata-se ajudar a
superar as situações eclesiais de massa sem forma e inconsciente, organizando a
paróquia em forma de comunidade de comunidades pequenas que favoreçam a
participação e crescimento de todos adultos na fé.
 Coopere para que nossos povos cresçam no carinho e devoção a Maria e saibam
pedir a ela que “nos ponha com seu Filho”, seguindo e exemplo de Santo Inácio
que nos estimula.
 Inculque em nós a consciência de que somos “pacientes pastorais”, ou seja,
pessoas e comunidades necessitadas de evangelização e conversão permanente.
 Edifique a paróquia como manancial e escola de oração, na qual se formam
cristãos contemplativos na ação. Facilite os fiéis a terem momentos de encontro
pessoal com o Senhor e promova a realização de retiros espirituais periódicos.
 Ofereça instâncias de acompanhamento espiritual para que cada pessoa perceba
os apelos do Senhor em suas atividades cotidianas, suas alegrias e dificuldades.
Ajudaremos especialmente aos jovens, para que descubram ou fortaleçam sua
vocação.
 Facilite a descoberta de nossa espiritualidade inaciana[15], para que ela enriqueça
a comunidade paroquial e a Igreja local. Ajudar a conhecer e empregar o método
pedagógico inaciano[16] nos diversos processos de formação. Um indicador da
qualidade de nossa espiritualidade será se surgem ou não vocações à
Companhia.
[15]
CG 34, d.10, n.3
O paradigma pedagógico inaciano, agora recuperado e atualizado, está descrito e aprofundado em:
“Características da Educação da Companhia de Jesus”, Ed. Loyola. E para sua prática: “Pedagogia
inaciana, uma proposta prática”, Ed. Loyola.
[16]
 Eduque para o discernimento da Vontade de Deus nas situações concretas, no
espírito e tensão do “magis”. Contribuir para que as pessoas que trabalham
conosco tenham uma atitude de busca da vontade de Deus, e não se conformem
com “fazer coisas”, mas que descubram aquilo que responde melhor aos desejos
do Senhor.
 Ajude a formação e colaboração com os leigos(as) na missão, com os quais
busquemos fervorosamente esculpir em nossos povos os valores evangélicos.
Somente junto com eles, poderemos contribuir melhor para a inculturação do
Evangelho e para o diálogo religioso, dada a diversidade de culturas e
manifestações religiosas.
A PARÓQUIA: COMUNIDADE DE COMUNIDADES FRATERNAS
27. Faz parte da essência e revelação de Deus que recebemos de Jesus, crer que Deus é
Pai de todos os seres humanos e que, por isso, todos gozamos da comum dignidade de
filhos e filhas de Deus (Col 1,15-18; Mt 28,8-12; 6,9-13; GS 22). Deus quer que
tenhamos sua vida em abundância (Jo 10,10), a vida de filhos e filhas adotivas de Deus
(Ef 1,3-6; Rom 8,15-17). A vida divina é amor: Deus é amor. Isto se funda na revelação
que diz: Deus é o único Deus verdadeiro e vive na Trindade de Pessoas. Deus é
comunidade no amor. Jesus é alguém que acredita no amor (Mt 22,34-40; Lc 10,25-37).
Daí que Jesus faz do amor mútuo o mandamento e sinal de seus seguidores (Jo 13,3435). E por sua fé no amor, Jesus rechaça frontalmente aquela sociedade romana-judaica,
discriminatória, injusta e violenta (e é rechaçado por ela), e se empenha em construir,
como fermento e semente de mostarda, uma comunidade fraterna, centrada no amor.
Por isso, os Evangelistas situam, inicialmente, como fundamental na prática de Jesus, a
formação da comunidade fraterna (Lc 5,1-6,16; Jo 1,35-51; Mc 1,14-20; Mt 4,17-22).
Jesus não só falou do amor, mas viveu o amor.
28. Seguindo esta luz, ao falar da vocação humana, o Concílio indica que é uma
vocação à fraternidade humana, à qual a Igreja oferece toda colaboração (GS 3), pois ela
mesma é sinal dessa fraternidade (GS 92). Fiel ao Evangelho, Inácio quer que, na
Companhia, nós jesuítas vivamos e incentivemos ativamente a comunidade fraterna,
onde se cuide especialmente do que tem maior necessidade. São Pedro Claver se
destacou em viver esta espiritualidade inaciana, rompendo com a discriminação dos
negros. Milhares de missionários que viveram fraternalmente com indígenas fizeram a
mesma coisa, especialmente nas reduções do Paraguai. Atualmente, um bom número de
jesuítas vive a fraternidade comprometida com os pobres. Nossa proposta é que os
pobres em espírito sejam o coração de nossas paróquias, parte substancial de nosso
grupo de referência e assim se constituam como sujeitos da Igreja e da Igreja e da
sociedade.
29. A vontade de Deus é que formemos uma humanidade como comunidade fraterna no
amor. Mas a sociedade latino-americana, em seu conjunto sob a hegemonia do sistema
neoliberal, está marcada pelo egoísmo e a violência que geram desigualdades injustas,
desumanas exclusões e muita delinqüência e insegurança; acrescente-se ainda a secular
discriminação dos indígenas, dos afrodescendentes, das mulheres e dos marginalizados.
Neste contexto social, nós jesuítas obedecendo ao Evangelho queremos destacar-nos na
fraternidade com todos, mas especialmente com os pobres, os desprezados, os
discriminados e excluídos. Isto implica a difícil construção de comunidades alternativas
fraternas e que, na prática, nossas paróquias sejam um corpo organizado de
comunidades fraternas, inclusivas, acolhedoras, simpáticas, sem discriminação alguma.
Para lograr isto, queremos continuar implementando a recente e profunda renovação
comunitária, organizando a paróquia como rede de pequenas comunidades, geralmente
chamadas de CEBs por nossos bispos[17]. Mais ainda, nesta vivência eclesial os leigos
pobres reconhecem sua dignidade e, por variados ministérios, são também sujeitos e
agentes da pastoral. Isto ajuda a superar atitudes antievangélicas na Igreja, tais como o
clericalismo, o centralismo, o sentir-se superior e não necessitado de evangelização.
30. O que foi dito acima exige assumir algumas linhas e atitudes pastorais:
Ø Pastoral de comunidades: Para construir a paróquia como comunidade de
comunidades, o que geralmente ajuda é organizá-las em setores – o que facilita o
surgimento das pequenas comunidades ou CEBs – e procurar chegar a todas as
pessoas da paróquia[18]. Também ajuda, incentivar para que os diferentes grupos e
movimentos da paróquia entrem no processo de transformar-se em pequenas
comunidades ou CEBs, e assim se forme a rede de Comunidades[19]. Devemos
implementar estratégias e ações que possibilitem chegar aos cristãos afastados e
excluídos, procurando ajudar a todos para que cresçam como pessoas, filhos e filhas
de Deus. As pequenas comunidades de base estão abertas a todos. Queremos
fortalecer nelas o protagonismo dos jovens, conformando autênticas comunidades
juvenis. Estas são a boa berra terra onde o Senhor semeia vocações para os
ministérios leigos, sacerdotais, religiosas e para a Companhia.
Ø Protagonismo dos leigos: A CG 34 nos ajudou a redescobrir que junto com os
leigos participamos da Missão de Jesus. Por isso nos convida a ajudar aos leigos e
leigas a viver sua vocação própria e, junto com eles, colaborar na comum missão
cristã que recebemos, tal como experimentamos nos exercícios[20]. Por isso,
devemos facilitar nas comunidades eclesiais os espaços de participação leiga em
nossa única Missão, como adultos na fé, para que nos ajudem a fortalecer o sentido
do presbiterato como ministério de comunhão. Com Dom Romero, precisamos
possibilitar que os pobres nos ensinem a ler o Evangelho.
Ø Promoção da comunicação humana e comunitária: é tarefa indispensável em nossa
pastoral ajudar o crescimento na comunicação humana, na estima e no uso do
diálogo. Que a comunidade desenvolva sua comunicação para que seja de fato
comunidade.
Ø O Conselho Paroquial de Pastoral junto com os leigos(as) deve ser antes de tudo
vivência comunitária e participação na missão cristã comum a todos. Sua existência
é a base para vida em comunhão e participação eclesial. Por isso, onde não existe
deve ser formado, onde está fraco deve ser fortalecido.
[17]
DM c.15, n.10-11; DP, 96.640-643; DSD 61-63.
A experiência pastoral nas décadas passada mostrou o valor do método das CEBs. Consideramos que
este método pode ser enriquecido ao assumir expressões e ótica da espiritualidade cristã e inaciana. Por
isso sugerimos o seguinte acréscimo:
Ver ------------- Contemplar (a realidade, depois da Encarnação é veículo da Palavra de Deus)
Julgar --------- Discernir (o contemplado na realidade, se discerne à luz da Palavra)
Agir ------------ Missionar (toda nossa vida, também o ordinário e cotidiano é missão).
[19]
É oportuno recordar que as CEBs se formam do fermento (o grupo pequeno que é fermento sal e luz),
e do fermentado (o grupo humano que o rodeia e é influenciado por ele, mesmo que não participe de
reuniões formais). Por isso, quando falamos de CEBs, nos referimos tanto ao fermento como ao
fermentado. Isto é, uma CEB, fermento e fermentado, é chamada a “con-formar-se” por todos os cristãos
de um setor.
[20]
A CPAL oferece uma contribuição clara e bem fundamentada a esse respeito, no folheto: “A
colaboração com os leigos na Missão”, Rio de Janeiro, Brasil, 2001.
[18]
Ø O Conselho Paroquial Administrativo: A partir da gratuidade de nossos ministérios,
nos esforçamos por encontrar renovadas formas de participação econômica dos fiéis
nas paróquias. O ideal é que as paróquias possam auto-sustentar-se e contribuir
responsavelmente para prover as necessidades econômicas da Igreja local.
Ø Pastoral de Conjunto Diocesana: nosso trabalho deve contribuir para a
consolidação e melhoria dos Projetos Diocesanos de Pastoral. No horizonte do
comunitário fraterno, devemos nos esforçar para que todos os membros da Paróquia
se sintam responsáveis pela Igreja local. Devemos procurar que todos os membros
das Paróquias em que trabalhamos colaborem ativamente nas instâncias de
organização da Igreja local.
A PARÓQUIA: COMUNIDADE DE COMUNIDADES MISSIONÁRIAS
31. Deus, nosso Pai, criou o homem e a mulher em Jesus Cristo, seu Filho, com vocação
filial e fraterna, no amor (Col 1,15-18; Ef 1,2-6). Mas o pecado que brota do egoísmo
humano fere e estraga a vida das pessoas e a fraternidade (Gen 4,5-12; Rom 5,12).
Diante desta realidade, o amor de Deus se torna missionário e libertador: “Deus amou
tanto o mundo que enviou seu Filho único... não para condenar, mas para salvar o
mundo” (Jo 3,16-17). “A glória de Deus é o homem vivo” (Santo Irineu). Jesus, ungido
pelo Espírito Santo, “sai” para libertar-nos de todo mal e reconstruir a fraternidade.
Liberta-nos pela entrega plena de si mesmo (Mc 1,14-15; Lc 4,16-21; Jo 10,11-17; 15,
13). Jesus missionário harmoniza a confiança em Deus com o esforço humano: prega o
Reino usando todos os talentos recebidos (Mt 6,24-34; 9,35.36; 25,14-30); e rechaça
como contrárias a sua missão, como tentação: o intimismo, o “fugir do mundo”, o
providencialismo, o protagonismo, a religião mágica, o basear sua força no dinheiro e
no poder opressor (Mt 28,16-20; 4,1-11).
32. Jesus chamou e formou seus discípulos(as) para que continuassem sua missão e
“saíssem”, com plena entrega, a pregar o Reino (Mt 10,1-26). Para isso, lhes transmitiu
o Espírito que os ungiu e possibilitou a missão (Jo 20,22; At 2,1-4). O Espírito Santo é o
agente principal da Evangelização (EN 75). Ele vai nos conformando com o Filho (2
Cor 3,17-18), levando a seu seguimento (Mt 5,3-12), e guiando todo discernimento (Gal
5,16-24). Surge a Igreja sob o impulso do Espírito, pela obediência ao Evangelho.
“Nascida da missão de Jesus Cristo, a Igreja é por sua vez enviada por Ele” (EN 15).
“Evangelizar é a vocação própria da Igreja, sua identidade mais profunda. Ela existe
para evangelizar” (EN 14). O Espírito, segundo as necessidades, suscita ministérios e
ministros (At 6,1-7). Na Igreja, comunidade missionária, o ser testemunhas (mártires)
do Senhor e de seu Reino é tarefa de todos: “A missão é um compromisso comunitário”
(RMi 27). A missão se realiza em povos e culturas diferentes: para que alcance o
coração das pessoas e dos povos deve ser inculturada (DSD 243-248; SA 70).
33. A vocação do cristão, à imagem e semelhança de Jesus Cristo, é missionária, isto é,
é “sair de si mesmo” para servir aos outros; é entregar-se, “perder-se” em favor do
próximo necessitado e da fraternidade (Mc 8,35; Jo 12,25; Lc 10,25-37). A vida cristã
deve ser o primeiro testemunho e missão dos que crêem em Cristo. Inácio recebe do
Senhor um carisma marcadamente missionário, como bebemos da fonte dos Exercícios.
Por isso, Xavier, o coração de Inácio, deixa a Europa, “sai” a dar a vida em favor dos
mais necessitados e se entrega com total dedicação e imensa alegria a proclamar Jesus
Cristo e seu Reino, na Índia e no Japão. Este carisma missionário se transmitiu e
continua sendo transmitido a milhares de jesuítas que se entregam e “saem” para servir
e levar o Evangelho aos diversos povos e continentes da Terra. Em algumas partes
conseguiu-se implementar, de modo notável, a evangelização inculturada.
34. O Evangelho é mensagem de vida e, por isso, exige de nós o afastamento de tudo o
que corrompe a vida, isto é, de todo o pecado, que também afeta a Igreja, santa e
pecadora. Dentro e fora de nossas comunidades, todos estamos necessitados de perdão e
conversão (SA 26-32). A missão cristã na América Latina se realiza em um contexto
social onde continua válida a denúncia dos bispos: “comprovamos como o mais
devastador e humilhante flagelo a situação de inumana pobreza em que vivem milhões
de latino-americanos e se manifesta na mortalidade infantil, nos salários de fome, no
desemprego, nas migrações em massa” (DP 29), que pela “política de tipo neoliberal
predominante na América Latina, aprofunda ainda mais suas conseqüências negativas”
(DSD 179; SA 56). Diante da sociedade egoísta, violenta e anti-fraterna em que
vivemos, é urgente criar comunidades missionárias que semeiem vida, paz e
fraternidade. Nós jesuítas que estamos na pastoral paroquial queremos encarnar-nos na
comunidade humana para a qual somos enviados, fazendo nossas suas alegrias e
esperanças, suas tristezas e angústias, especialmente dos pobres e dos que sofrem, para
construir com eles um mundo fraterno. “Nossas” paróquias devem ser comunidade de
comunidades missionárias, manancial de ministérios e ministros que “saiam” em missão
pela vida e pela fraternidade, afim de inculturar o Evangelho em tudo e em todos.
35. Isto implica o viver a missão evangelizadora tanto “ad extra”, como “ad intra”:
+ Anúncio “ad extra” (ir para fora). As esperanças e as tristezas de qualquer
pessoa, particularmente dos pobres, não devem ser alheias para nós (GS 1).
Procuremos ser criativos e ampliar nossa visão e nosso coração missionário para
“sair” a serviço das grandes causas da humanidade: justiça, paz, ecologia, direitos
humanos.
+ Anúncio “ad intra” (ir para o interior). A Igreja, cada comunidade eclesial e cada
cristão(ã) deve ser evangelizada e é evangelizadora. O primeiro ministério
acontece usualmente na comunidade paroquial, através da pregação da Palavra na
liturgia, na catequese, na reflexão das pequenas comunidades e na prática da
caridade com os enfermos, pobres e marginalizados (1 Jo 4,19-21). O jesuíta, por
seu ministério, é sinal e dinamizador da comunhão eclesial.
+ Melhorar nossa relação e união com o corpo apostólico da Companhia. Os
vários setores, nos quais prestamos nosso serviço evangelizador, vão melhorando
sua comunicação e organização, como o manifestam Ausjal, Fé e Alegria, Flacsi,
Relapj, a rede de serviços sociais. Mas este dinamismo deve atingir uma melhor
cooperação entre os diversos setores, na comum rede apostólica inaciana.
+ Estar atentos e secundar os ministérios leigos e ministros que o Espírito suscita.
Diante dos diversos desafios em que vivemos em nossos povos, o Senhor concede,
a pessoas e comunidades, variados ministérios leigos e talentos para responder a
eles. Devemos ajudar a sua preparação e acompanhar seu serviço (Mc 10,43-45).
+ Trabalhar para garantir futuro à missão da Companhia. Quem dá a vocação é o
Senhor, mas Ele quer nossa colaboração. Ele é Deus conosco não sem nós. As
paróquias são terreno fértil de vocações para a Companhia.
36. A missão evangelizadora é também um processo de formação de pessoas e povos
adultos na fé, no qual devemos aproveitar a pedagogia inaciana. Para isso:
+ Fortalecer o processo de formação cristã. A formação na vida cristã é um
processo permanente que ajuda a crescer na identidade cristã, e enriquece a
própria cultura (evangelização inculturada). Esta formação requer processos
pedagógicos e materiais didáticos adequados para as diversas idades e situações
das pessoas e comunidades.
+ A formação deve ser bíblica. Ajudar a descobrir a Bíblia como história de
Salvação, na qual, em um contexto determinado, Deus foi se revelando a seu
Povo.
+ Formação a serviço da evangelização inculturada. Ajudar a compreender e viver
o Evangelho inculturado na própria cultura. Formar para o diálogo inter-cultural e
religioso. Redescobrir criticamente a religiosidade popular.
+ Formação cristã que una Fé e Vida. Fundamentados no mistério da Encarnação,
ajudar a superar os intimismos religiosos. A formação deve incluir temas de
análise da realidade e seu discernimento crítico, à luz da Palavra de Deus.
+ Formação cristã básica. Esta formação se inicia com a preparação para os
sacramentos da iniciação cristã (também de adultos), continua na Pastoral de
Juventude, e amadurece com a formação de adultos na fé. Do começo ao fim, deve
ser uma formação comunitária.
+ Formação na comunicação social. O uso e a influência dos Meios de
Comunicação Social é uma das características da sociedade atual. Isto exige de
nós formação para usar tais meios e para evitar os males que pode ocasionar o mau
uso deles.
A PARÓQUIA, COMUNIDADE DE COMUNIDADES SOLIDÁRIAS
37. Deus é solidário com todos. Por isso, não só não abandona nossos povos, não
abandona o pecador e o necessitado, mas até nos entrega seu Filho para salvar-nos, o
qual solidariamente se faz um de nós até a morte e morte de cruz (Fil 2,6-11). Este amor
solidário abarca o homem todo e sua sociedade: é integral. Por isso, Jesus nos ensinou a
unir “Pai Nosso” com “Pão Nosso”, pois o mesmo Criador nos deu coração e estômago.
Isso implica trabalhar para que o pão seja nosso, (de todos). Assim, vivendo na mesa
como irmãos, manifestamos que Deus é o Pai Nosso (de todos). Jesus completou o
anúncio do Reino do Pai e da fraternidade, bem como a denúncia da injustiça, com
ações e sinais que lhe deram credibilidade e pelos quais o povo o reconheceu como
profeta (Mt 16,14). Ele fez do amor solidário aos irmãos o critério último, segundo o
qual Deus vai nos acolher na comunhão com Ele ou nos rechaçar do seu Reino (Mt
25,31-46 – o amor é critério de comunhão ou de rechaço). Mais ainda, Jesus é o
samaritano solidário (Lc 10,25-37) “que encarna a caridade e não só se comove, mas se
transforma em ajuda eficaz” (DSD 159).
38. “O Povo de Deus participa também da função profética de Cristo” (LG 12).
Seguindo a Jesus, a Igreja é comunidade profética que anuncia o Evangelho da
solidariedade, novo nome do amor (SA 52-58; SRS 38-40). A Igreja, movida pelo
Espírito de Amor, no atual contexto social, injusto e violento, quer brilhar como
comunidade samaritana, sendo profeta do amor solidário. Como em Jesus, este serviço
se dirige a todo ser humano, desde aquilo que pode parecer mais insignificante e
humilde, até as estruturas sociais e a totalidade do universo (DP 327). Assim a pastoral
da Igreja solidária deve viver a evangelização integral, que em tudo e a todos busca
“ajudar a passar de formas de vida menos humanas a formas mais humanas” (PP 20).
Inácio gravou em nós a fogo, nos Exercícios, a espiritualidade encarnada e solidária.
Movido por esse desejo, São Roque Gonzalez e companheiros ajudaram nas reduções
do Paraguai a construir comunidades e povos solidários, nos quais não havia excluído
da oração, do alimento, do trabalho e da habitação. Recentemente, são exemplos
notáveis de solidariedade o P. Hurtado, no Chile, e o P. Espinal, na Bolívia
39. A gravidade “dos pecados sociais clama ao céu” (SA 56). O crescimento da
violência e da injustiça institucionalizada” (DM, c.2,n.16; DP 609.632), nos leva a
contemplar, à luz da fé, o rosto desfigurado do Senhor no rosto dos que sofrem fome,
dos meninos de rua, das mulheres humilhadas, dos migrantes abatidos (DSD 178). Esta
realidade nos mostra a urgência de “fomentar e acompanhar os esforços em prol da
integração latino-americana como “pátria grande”, a partir de uma perspectiva de
solidariedade que exige uma nova ordem internacional” (DSD 209). Isto requer a
contribuição para “criar uma verdadeira cultura globalizada da solidariedade (SA 55).
Com fidelidade criativa ao Senhor e à sua Igreja, contribuiremos para fomentar a
solidariedade. Temos o propósito de construir nossas paróquias como comunidades
alternativas e abertas, germes do Reino, que promovam uma sociedade solidária, que
fomente a cultura da democracia, dos direitos humanos, da vida. A paróquia profética
deve ser centro de irradiação de comunidades solidárias e, mais do que ter alguns
serviços isolados, trabalhe para transformar-se em uma comunidade de comunidades
solidárias, e assim chegar a ser sacramento de solidariedade. E onde seja possível,
colaborar com membros de outras igrejas, credos religiosos, instâncias da sociedade
civil e até do Estado, a favor da sociedade solidária, do bem comum e da paz.
40. Por isso, nos comprometemos a:
+ Cooperar eficaz e profeticamente na construção da sociedade solidária.
Promover uma nova ordem social, centrada na pessoa e na comunidade humana,
e não no mercado e no egoísmo, é tarefa árdua e dolorosa, mas indispensável.
Ajudaremos a construir estruturas justas e fraternas nas quais floresça a paz (um
outro mundo é possível, já). “A promoção da fé e a luta pela justiça”, expressão
de nossa missão hoje, exige de nós sermos criativos, com esperança e fogo
solidário.
+ Serviço solidário paroquial em nível pessoal ou de pequenos grupos. Não se
poupem esforços para que, a partir da Paróquia, em coordenação com outros
grupos e pessoas, surjam serviços (na educação, saúde, alimentação, promoção
social) de acordo com as necessidades dos pobres. Os beneficiários destes
serviços não são só os membros da paróquia, mas toda pessoa necessitada e
excluída da sociedade.
+ Reconhecer e suscitar ministérios para a solidariedade. A evangelização abre
caminhos e se concretiza em múltiplos ministérios que brotam da comunidade
eclesial, para ajuda-la a cumprir sua missão profética e a crescer como corpo
organizado (Ef4,7.11-13; DSD 65-66). Importa incentivar e reconhecer os
distintos ministérios que o Espírito suscita, conforme as necessidades do Corpo
de Cristo (At 6,1-7).
+ Distinguir-nos na solidariedade com os migrantes. A Companhia quer servir
aos migrantes, como serve aos refugiados. Dentro do possível, “nossas”
paróquias sejam centros de apoio aos migrantes e de solidariedade com eles, e
participem do seu serviço em rede.
+ Colaborar para robustecer as redes civis e eclesiais solidárias. A formação de
uma sólida sociedade civil na América Latina é tarefa de especial importância.
Estão florescendo diversas organizações civis que se articulam em redes, tanto
eclesiais, como sociais, que representam valiosas contribuições para a sociedade
solidária.
+ Promover a pastoral social e a Doutrina Social da Igreja. Esta é um valioso
apoio para nosso serviço profético na sociedade. (SA 54). Esta iluminação ajuda
a superar o grave erro do “divórcio entre a fé e a vida diária” (GS 43).
+ Promover os direitos humanos. O trabalho em favor dos direitos humanos é
uma expressão magnífica da dimensão profética de nossa missão evangelizadora.
Por seu caráter humanista, o serviço aos direitos humanos resgata o que é central
na história: a vida humana (Mc 2,26-28), em contraste com um sistema social
centrado no mercado e no dinheiro.
+ Fomentar a consciência e a ação ecológica. O coração do cristão é solidário
com a vida toda e por isso também está chamado a destacar-se no cuidado e
promoção da consciência e ação ecológica. Causa indignação observar a
desapiedada destruição do meio ambiente nos últimos 50 anos, que atingiu
florestas, bosques, rios, mares e a atmosfera. Isto urge de nós uma cooperação
assídua na conscientização e ação em favor do meio ambiente.
A PARÓQUIA, COMUNIDADE DE COMUNIDADES LITÚRGICAS
41. Liturgia agradável ao Pai foi a oferta de toda a vida feita Jesus Cristo, que atinge a
plenitude na sua Páscoa (Fil 2,5-11). Jesus Cristo é o Sumo Sacerdote da Nova Aliança:
por isso vive seu ser sacerdotal em cada momento de sua vida (Hb 5,1-10; 9,11-10,25).
Seu sacerdócio está enraizado e centrado na solidariedade e na misericórdia: “quero
misericórdia e não sacrifícios” (Mt 9,13). A vida e páscoa de Jesus Cristo são a fonte e
cume do sacerdócio de compaixão e misericórdia, em oposição a um culto formal e
vazio (Hb 10,5-10; SC 7.10). Esta oferta martirial de Jesus a Deus e seu Reino foi seu
Sim agradável ao Pai, que respondeu glorificando e ressuscitando seu Filho (Hb 4,1416; 9,11-14).
42. Jesus Cristo faz com que a Igreja participe do seu sacerdócio e a constitui como
Povo Sacerdotal. A Igreja é comunidade sacerdotal que continua a missão do Senhor na
história (LG 10). Por isso, o sacerdócio cristão deve ser encarnado, profético, pascal,
inculturado. Uma liturgia desencarnada e a-histórica não vive o sacerdócio de Jesus
Cristo. Por sua vez, uma fé que não se expressa e celebra é desumana. A comunhão da
Igreja no sacerdócio solidário de Jesus Cristo alcança uma plenitude particular na
entrega e no sangue derramado pelos mártires (Ap 7,13-17), dos quais devemos cultivar
a memória (TMA 37). Maria é modelo para a Igreja em sua total oblação ao Senhor:
“faça-se em mim, segundo a tua palavra” (Lc 1,38). A comunidade eclesial vive de
momentos fortes para orar e necessita deles, para chorar e para festejar. As celebrações
do povo cristão, de suas comunidades e pessoas, participam da única e grande festa da
Páscoa de Jesus Cristo (Gal 2,19-21). Estas celebrações devem ser vivenciadas
inculturadamente, em fidelidade a Jesus encarnado e inculturado em seu povo judeu.
43. Pelo batismo, o ser humano, regenerado como filho de Deus pela água e pelo
Espírito, é enxertado na Igreja e torna-se membro do povo sacerdotal, profético e real
(LG 10-12). O sacerdócio comum do Povo de Deus é a base dos ministérios leigos e do
sacerdócio ministerial. A participação ativa de todo cristão na liturgia, por seu ser
sacerdotal, é um direito e um dever (SC 14 e 26). O Coração de nossa salvação é a
Páscoa de Jesus Cristo, que se vive sacramentalmente na Eucaristia, num tempo e lugar
definidos (SC 42). Na Eucaristia, celebramos a memória do Sim total do mártir Jesus
Cristo a Deus e seu Reino, que inclui o Sim do seu Corpo Místico, que comunga no
mundo com a Páscoa do seu Senhor (Rom 12,1). Jesus acolheu os pobres e com eles
celebrou a Última Ceia. A Eucaristia deve ser a casa e a mesa dos pobres, sacramento
do pão partilhado, símbolo profético da luta para erradicar a fome de nossos povos.
“Nossas” paróquias são chamadas a ser comunidade de comunidades eucarísticas.
44. A terra latino-americana continua sendo encharcada diariamente pelo sangue de
milhares de pessoas que morrem antes do tempo, por causa do injusto empobrecimento,
da violência estrutural e da delinqüência comum. Neste doloroso contexto,
particularmente nos meios populares, as comunidades eclesiais são comunidades
martiriais em comunhão com Jesus, servo pobre e sofredor. Ao celebrar a vida na
liturgia, estas comunidades realizam um vigoroso ato de esperança. Os pobres de nossos
povos não deixaram que lhes roubasse a alegria, o sorriso, a festa e a ressurreição. Eles
gostam de preparar as festas religiosas e participar delas. Nas festas, agradecem a Deus
o dom da vida, o louvam e lhe pedem tempos melhores. Nas paróquias devemos
acompanhar e alimentar este gosto popular e fazer a festa da vida. Sabemos que “é
característica latino-americana a existência de um forte catolicismo e religiosidade
popular” (DP 444), expressão da inculturação do Evangelho em nossos povos, que deve
continuar sendo enriquecida pelo discernimento evangélico. É motivo de esperança o
fato de que nosso povo ter fome e sede de Deus e estimar a Igreja.
45. A comunhão plena de Santo Inácio com Jesus Cristo e seu Reino se expressa no
terceiro grau de humildade: sua vida foi liturgia agradável a Deus. Inácio, inspirado pelo
Senhor e buscando seu maior serviço, assumiu o sacerdócio ministerial como essencial
na missão da Companhia. Sua estima do Senhor e encontro com Ele na Eucaristia, estão
claramente recolhidos na sua autobiografia. Além disso, tinha muito gosto em participar
de belas e bem realizadas cerimônias litúrgicas. Neste espírito, a vida sacerdotal na
Companhia tem sido liturgia e culto agradável ao Pai. Por seu sacerdócio ministerial,
grande número de jesuítas procurou expressar e alimentar a fé do Povo de Deus em
cerimônias belas e bem inculturadas, como o P. Zepp e o P. Zipoli, nas reduções do
Paraguai. No atual contexto social, queremos que as paróquias “jesuítas” continuem e
melhorem esta tradição e cheguem a ser comunidade de comunidades litúrgicas que
animem, alimentem e façam crescer a fé do povo, em celebrações religiosas cotidianas e
especiais, bem preparadas e inculturadas.
46. Isto nos leva a assumir as seguintes ações e atitudes:
+ Redescobrir a dimensão litúrgica da vida cristã. Mudanças sociais recentes
atingiram a vida cristã e contribuíram para que a liturgia ficasse reduzida, muitas
vezes, a meros ritos. Nas paróquias, é preciso redescobrir a liturgia e seu caráter
comunitário, martirial e eucarístico, momento privilegiado de encontro com a
comunidade local e universal.
+ Valorizar as ações litúrgicas como momentos densos de fé e oração. É necessário
sermos criativos para que as ações litúrgicas sejam momentos privilegiados de
oração, e assim ajudem a comunhão de cada pessoa e da comunidade com Deus e
seu Povo. A comunidade paroquial celebra, com toda a Igreja, o mistério da
salvação no ano litúrgico.
+ As ações litúrgica e o culto devem ser inculturadas. As ações litúrgicas e o culto
devem assumir, com discernimento, a religiosidade popular e a cultura de cada lugar
e contribuir assim para o processo de evangelização inculturada.
+ Preparação sacramental. Os sacramentos são momentos privilegiados de encontro
e comunhão com Deus, na Páscoa de Jesus Cristo e de seu Povo. Por isso, devemos
empregar os meios necessários para que toda sua riqueza e compromisso eclesial e
social sejam apreciados e vividos. Sua preparação tenha em conta a situação das
pessoas e dos povos.
+ Eucaristia dominical. A assembléia litúrgica dominical é sinal distintivo dos
católicos. Devemos procurar que todos os cristãos(ãs) possam ter acesso a ela,
mesmo onde a situação geográfica ou social dificulte uma participação ordinária.
+ Festas litúrgicas marianas e da Companhia. O profundo carinho de nosso povo
para com Maria deve ser aprofundado e celebrado. Também não devemos esconder
o presente dos santos e beatos da Companhia que Deus dá à sua Igreja. Pelo
contrário devemos partilhar este dom com o Povo de Deus.
CONCRETIZANDO ESTE PROJETO EM CADA PROVÍNCIA
47. Considerando a pluralidade de situações em que se desenvolve nossa Pastoral
Paroquial, deparamos com o desafio de nos unir todos para colocar em prática este
projeto de paróquia que elaboramos. Para implementá-lo realizaremos:
Um Plano estratégico Provincial de pastoral paroquial.
Ø Em cada Província e Região, o plano sobre a pastoral paroquial existente se
enriqueça e situe-se conforme as orientações e decisões que assumimos neste
projeto de paróquia. Nos fins de 2007, o conjunto do setor paroquial deve estar
remodelado de acordo com este projeto.
Ø No plano estratégico do setor de cada Província, deve-se contemplar o número e
localização das paróquias que queremos e podemos assumir, cuidando que, pelo
menos 80% dessas paróquias sejam de caráter popular, conforme a evangélica
opção pelos pobres.
Ø Neste espírito, propiciar que pelo menos um terço dos membros da Província viva
em comunidades de inserção e trabalhe no serviço direto aos pobres e
necessitados do país. A paróquia nos meios populares é um meio adequado para
isso e pode ajudar a vivermos o nosso carisma missionário e, desta maneira,
podemos continuar cooperando no levar o Evangelho aos pobres.
Ø Neste plano estratégico, programar o tempo ordinário de permanência da
Companhia nas paróquias assumidas por ela, já que o setor paroquial facilita a
mobilidade apostólica tão apreciada por Santo Inácio e que nós queremos vivêla. Isto é, se não há outros motivos, além dos pastorais, para permanecer num
lugar, ordinariamente nossa permanência em uma paróquia popular será ao redor
de 20 anos. Assim poderemos ir a outro lugar, onde a necessidade seja maior.
Nesta situação, é preciso preparar o caminho para que outros possam continuar o
processo pastoral iniciado por nós, para que não se prejudique a comunidade
eclesial. É preciso providenciar e preparar com tempo suficiente um novo
serviço pastoral.
+ Planos paroquiais de pastoral:
Nas paróquias confiadas à Companhia, logo que pudermos, devemos atualizar o
plano pastoral da mesma. Este plano deve pôr em prática as orientações e decisões
deste projeto comum de paróquia. Deve ainda levar em conta os lineamentos do
plano pastoral da própria Igreja Local.
+ Cursos ou oficinas de atualização dos párocos e de suas equipes de pastoral.
Um bom plano também depende decisivamente das pessoas responsáveis por levá-lo
à prática. Por isso, nas diferentes regiões ou províncias, devem ser realizados cursos
e oficinas de atualização pastoral e capacitação para pôr em prática este projeto de
paróquia, tanto para os párocos e equipe jesuíta, como para os colaboradores leigos
mais próximos.
48. Conscientes de que a Missão que temos nas diferentes paróquias não é nossa, mas é
a Missão do próprio Senhor, queremos concluir orando junto com o Padre Arrupe:
Senhor:
Meditando em nosso modo de proceder,
descobrimos que o ideal de nosso modo de proceder é teu modo de proceder.
Dá-nos sobre tudo o “sensus Christi”...
para que possamos sentir com teus sentimentos, com os sentimentos do teu coração,
com o qual amavas o Pai e as pessoas.
Ensina-nos a ser compassivos com os que sofrem:
com os pobres, com os leprosos, com os cegos, com os paralíticos.
Ensina-nos teu “modo” para que seja “nosso modo” no dia de hoje
e para que possamos realizar o ideal de Inácio:
ser teus companheiros, “alter Christus”, teus colaboradores na obra da Redenção.

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