14.05.12 - Memórias da Redação - No ar, locutores bêbados (Hic

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14.05.12 - Memórias da Redação - No ar, locutores bêbados (Hic
14.05.12 - Memórias da Redação - No ar, locutores bêbados (Hic! Hic!
Hic!)
Sandro Villar ([email protected]), correspondente do Estadão em
Presidente Prudente, conta alguns causos curiosos sobre a perigosa relação entre
locutores de rádio e a cachaça.
No ar, locutores bêbados (Hic! Hic! Hic!)
Na cidade de Adamantina (SP), terra natal de Cláudio Amaral, Gabriel Manzano
Filho e Carlos Tramontina, os moradores aguardavam ansiosamente o momento
do encontro dos ponteiros do relógio, marcando 12 horas. É que ao meio-dia em
ponto e vírgula, naqueles criativos anos 1960, começava na Rádio Brasil o
programa do locutor que só falava bêbado. Por uma questão de respeito, visto que
o personagem já foi embora deste mundo de ilusões, seu nome será preservado.
Sei que, antes, ele trabalhou em rádios paulistanas e, depois, foi morar em
Adamantina. Teria sofrido uma desilusão amorosa, motivo que o levou a beber mais
do que o personagem do cantor Vicente Celestino no filme O Ébrio. Um locutor de
porre no rádio só pode mesmo chamar a atenção. O programa dava eco em
Adamantina, e apresso-me em explicar que a expressão “dava eco” quer dizer dava
audiência. Os ouvintes se divertiam com o apresentador, ora agressivo, ora
patético, que, ao contrário dos garotos da época, não amava os Beatles nem os
Rolling Stones.
Sem ser nem uma coisa nem outra – agressivo e patético –, um locutor da Rádio
Record, que hoje reza dia e noite (a rádio, não o locutor), cismou que o relógio
marcava mais de 24 horas. Ele também apreciava a água que colibri não bebe.
Tanto que no armazém de secos e molhados a preferência dele era sempre pelos
molhados, mas essa é outra história e vamos em frente que atrás vêm os cabos
eleitorais que merecem ser promovidos a sargentos eleitorais.
Mas do que é que eu falava mesmo? Confesso que estou mais perdido que o
senador Demóstenes Torres nessa encrenca com o Carlinhos Cachoeira. Já me
lembrei: o papai aqui falava do locutor que cismou com o relógio. Um belo dia, ele,
que também já bateu as botas e outros calçados, tomou umas doses a mais de
cachaça e entrou no estúdio para anunciar a hora certa. E meteu (epa!) bronca.
Assim que o operador abriu o microfone, o locutor, com voz pastosa, mandou ver:
“Em São Paulo, são 29 horas”.
E um locutor de Presidente Prudente, que virou nome de rua, também se complicou
na hora de dar a hora certa por estar de pileque. Nos anos 1980, ele trabalhava na
Rádio Difusora, que também virou igreja eletrônica, e apresentava o programa
noturno Música Sem Compromisso. Uma noite, no momento de anunciar a hora
certa, assim falou ao respeitável público ouvinte: “Você ouve Difusora e Música
Sem Compromisso. Em Prudente são 11 horas e 77 minutos”. Isso é que é hora
certa sem compromisso com a exatidão.
Um caso famoso em São Paulo é o de um locutor-noticiarista, também amante da
loirinha e da branquinha. Ele tinha verdadeira loucura pelo álcool, assim como o
senador Sarney tem pelo poder. É ótimo profissional, não sei se ainda está em
atividade. Para evitar os tais melindres, será chamado aqui de Pantojas. Uma vez
chegou para apresentar o jornal falado de uma das mais importantes rádios
paulistanas, onde trabalhava havia anos, e deu o maior vexame. Pantojas estava
mais bêbado do que o personagem do ator Jack Lemmon no filme Vício Maldito
(crônica também é cultura). Depois que o operador de som tocou a vinheta de
abertura e abriu o microfone, Pantojas teria de fazer a apresentação de praxe. O
operador esperou, esperou e nada. Ao ver o clássico aviso “No Ar” – ou “No Ara”
como brincava Juca Amaral –, o locutor tentou se recompor. Não conseguiu e
reconheceu, falando alto e bom som: “Maldita cachaça que não me deixa ler”.
E teve o dia em que Pantojas interrompeu o trânsito ali pelos lados da avenida
Nove de Julho. Bêbado, parou o carro dentro do túnel e dormiu a sono solto, se é
que existe sono preso. Um buzinaço começou, como começou também um baita
congestionamento na região. Só algum tempo depois é que o policiamento de
trânsito descobriu a causa do congestionamento, conhecido também como
engarrafamento. Quem estava “engarrafado” mesmo era o Pantojas, que roncava
mais que a cuíca da Vai-Vai. Acordado, não sabia onde estava. Foi multado e só
não se complicou porque ainda não vigorava a lei seca.
O locutor protagonizou outro episódio que, segundo as línguas ferinas, quase
acabou com o seu casamento. Tarde ensolarada de sábado, nada para fazer em
casa, Pantojas resolveu beber num bar. A mulher dele tinha um cachorrinho poodle
que era o seu xodó. E pediu ao marido para levar o cão junto, argumentando que o
animal já estava ficando neurótico de tanto ficar dentro do apartamento. Meio a
contragosto – ou inteiro a contragosto –, ele resolveu atender a esposa. Botou o
cachorro debaixo do braço, ligou o carro e saiu em disparada, pois estava doido
para molhar a goela. Ao chegar ao bar deixou o cãozinho dentro do carro e foi
beber com os amigos. Logo depois o cachorro começou a latir, e os latidos
passaram a incomodar. Pantojas não teve dúvidas: retirou o bicho do automóvel,
afrouxou a coleira e o amarrou no parachoque traseiro. O cão se aquietou e ele
voltou ao bar.
Lá pelas tantas, depois de tomar aquela e muitas que mataram o guarda e toda a
corporação, o que explica a falta de policiamento na cidade, voltou para casa.
Entrou no carro e foi embora correndo mais do que o Thor Batista. Estacionou,
pegou o elevador e entrou no apartamento. “Cadê o cachorro?”, perguntou a “dona
da pensão”. Pantojas respondeu com um “Ah!”. Desceu ao estacionamento e, atrás
do carro, só encontrou a coleira. Para tentar limpar um pouco a barra, que estava
mais suja do que cueca de mendigo, ele teria inventado uma história: à esposa,
explicou que havia deixado o cachorro em uma clínica veterinária e que o pegaria
na segunda-feira. Para a mulher não desconfiar de nada, seu plano era comprar
outro da mesma raça, um verdadeiro clone do que morreu arrastado e esfolado no
asfalto.
Por: Sandro Villar
Foto: Mario Cesar

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