Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art
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Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art
Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art: Design e Narrativa em Animação Dissertação de Mestrado Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Design da PUC-Rio como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Design. Orientador: Prof. Nilton Gonçalves Gamba Rio de Janeiro Agosto de 2013. Marcelus Gaio Silveira de Senna Concept Art: Design e Narrativa em Animação Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Design da PUC-Rio como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Design. Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo assinada. Prof. Nilton Gonçalves Gamba Orientador Departamento de Artes & Design - PUC-Rio Profª. India Mara Martins Universidade Federal Fluminense – UFF Profª. Izabel Maria de Oliveira Departamento de Artes & Design - PUC-Rio Prof. Luiz Antonio Luzio Coelho Departamento de Artes & Design – PUC -Rio Profa. Denise Berruezo Portinari Coordenadora Setorial do Centro de Teologia e Ciências Humanas – PUC-Rio Rio de Janeiro, 9 de agosto de 2013. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem autorização da universidade, do autor e do orientador. Marcelus Gaio Silveira de Senna Graduou-se em Cinema na Universidade Estácio de Sá em 2007. Concluiu Especialização em Animação na CCE/PUC-Rio em 2009. Técnico em artes gráficas pelo Senai-RJ atuou como ilustrador, designer e animador. Ficha Catalográfica Senna, Marcelus Gaio Silveira de Concept Art: design e narrativa em animação / Marcelus Gaio Silveira de Senna ; orientador: Nilton Gonçalves Gamba. – 2013. 172 f. : il.(color.) ; 30 cm Dissertação(mestrado)–Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Artes e Design, 2013. Inclui bibliografia 1. Artes e design – Teses. 2. Animação. 3. Ilustração. 4. Concept art. 5. Cinema. 6. Indústria da animação. 7. Direção de arte. I. Gamba, Nilton Gonçalves. II. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Departamento de Artes e Design. III. Título. CDD: 700 . Em memória de minha Mãe, Solange Balthazar da Silveira, que sempre me incentivou a buscar os meus sonhos. A minha esposa, Luzinete Gomes de Andrade e aos meus filhos Cassius Gaio e Carlos Augustus Gaio. Sem eles esta jornada não faria sentido. Agradecimentos Ao meu orientador Professor Nilton Gamba Junior pelas revisões, opiniões e companheirismo na jornada do mestrado. E principalmente pela compreensão nas horas difíceis. Ao CNPq, pelo auxilio concedido, sem o qual esse trabalho não poderia ter sido realizado. Aos entrevistados Cesar Coelho, Andres Lieban, Marcos Magalhães, Paulo Visgueiro e Sergio Glenes, pela gentileza de me concederem entrevistas compartilhando seus conhecimentos de maneira tão generosa. À professora Claudia Bolshaw, que me incentivou a dar este passo tão importante. Aos membros da Banca, Professores Nilton Gamba, Izabel de Oliveira, Luiz Antonio Coelho e India Mara Martins, por prontamente aceitarem o convite. Ao amigo Luis Antonio Saguar, pela inestimável ajuda quando da preparação do projeto de pesquisa que veio a se tornar esta dissertação. À Daniele Vicente de Azevedo, por ter emprestado livros tão importantes para estapesquisa. Resumo Senna, Marcelus Gaio Silveira de; Gamba, Nilton Gonçalves. Concept Art: Design e Narrativa em Animação. Rio de Janeiro, 2013, 172 p. Dissertação de Mestrado – Departamento de Artes e Design, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Concept art: design e narrativa em animação tem o objetivo de investigar se existe clareza nas funções que compreendem a atividade do concept art, particularmente na relação entre design e narrativa. A motivação e objetivo geral da pesquisa é ampliar o entendimento a respeito do campo e delinear melhor os contornos da atividade. A referência para a construção deste perfil é o cinema de animação comercial norte-americano. Divide-se a pesquisa em três partes. Na primeira, faz-se uma investigação bibliográfica sobre questões etimológicas, históricas e de linguagem pertinentes ao concept art. Na segunda parte, avalia-se a posição do concept art na indústria a partir de três aspectos: como se difunde o conhecimento a respeito do campo; o contexto de produção do concept art no esquema de grandes estúdios; e quais as características de produção do concept art à luz da metodologia projetual do design. A terceira e última parte concentrase no profissional da área, investigando o que a indústria busca desse profissional e o que ele pensa sobre concept art. Primeiro, analisa-se o relato de um concept artist atuante na indústria cinematográfica norte-americana, para depois ouvir profissionais que trabalham ligados à função no mercado nacional. Concluiu-se ao final deste trabalho que existe certa clareza nas funções que compreendem o concept art, mas ainda há a necessidade de se definir melhor estas funções. Exatamente por isso não se verificou consenso entre os profissionais entrevistados na relação entre concept art e narrativa, que neste trabalho julgamos como sendo a base do campo. Palavras-chave Design; Animação, ilustração; concept art; cinema; indústria da animação; direção de arte. Abstract Senna, Marcelus Gaio Silveira de; Gamba, Nilton Gonçalves. Concept Art: Design and Storytelling in Animation. Rio de Janeiro, 2013, 172 p. Dissertação de Mestrado – Departamento de Artes e Design, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. This work aims to investigate whether there is clarity on the roles that constitute the Concept Art, especially with regard to the relation between the design and the narrative. The motivation and main objective of this research is to enlarge the understanding concerning the field and to define the contours of the practice. The construction of this profile is based on North American commercial animation movies. The research is divided into three parts. The first one illustrates a bibliographic investigation about etymological and historical issues and the specific language concerning Concept Art. The second part assesses the position of the Concept Art in the industry from three aspects: how the knowledge concerning the field is disseminated; the context of the Concept Art production according to the major studios scheme; and which are the features of producing Concept Art in the light of design projective methodology. The third and final part focuses on the professional, investigating what the industry seeks and what the professional thinks about Concept Art. Fist of all, it analyses the report of a concept artist active in the North American film industry, and the professionals related to the practice in the national market then. Finally, the conclusion of this work is that there is certain clarity about the roles that constitute the Concept Art, but it is still imperative to better define those functions. For that reason, there was no consensus among the interviewed professionals concerning the relation between Concept Art and narrative, which is, according to this work, the basis of the field. Keywords Design, Animation, illustration, concept art, cinema, animation industry, art direction. Sumário 1. Introdução 10 2. Narrativa e visualidade em concept art 20 2.1 Conceito: investigação sobre o termo 22 2.2 Concept art e Conceptual art 26 2.3 Narrativa e arte 42 2.4 Linguagem material 48 3. Formação, contexto de produção e metodologia 61 3.1 Difusão do conhecimento em concept art 62 3.2 Contexto de produção do concept art 83 3.3 Concept art como atividade projetual 88 3.4 Interseção de conhecimentos 4. O discurso dos profissionais de concept art 110 112 4.1 Feng Zhu: a visão de um profissional da indústria norte-americana 115 4.2 Animação brasileira: um contexto particular de observação 128 4.2.1 Entrevista 130 5. Considerações finais 157 6. Referências bibliográficas 166 Lista de figuras Figura 1 Mickey Mouse e Oswald the Lucky rabbit – Walt Disney Productions Figura 2 Gertie the Dinossaur (1914) – Winsor McCay Figura 03 - Keith Arnat – I’m a real artist Figura 04 - Nico Marlet – Design de personagens para Kung Fu Panda Figura 05 - Castelo de Malévola – A Bela Adormencida Figura 06 - Castelo da princesa Aurora – A Bela Adormecida Figura 07 - Scar e Mufasa - O Rei Leão Figura 08 – Sites de coletivos de computação gráfica consultados Figura 09 – Sites de computação gráfica e os grupos empresariais Figura 10 – Página de abertura do site CG Society Figura 11 - Página de abertura do site ConceptArt.Org Figura 12 Trabalhos dos designers Javier Mariscal e Neville Brody Figura 13 - Desenvolvimento visual – Como Treinar seu Dragão Figura 14 - Style boards do filme Hércules da Disney Figura 15 - Diversos estágios do desenvolvimento visual do personagem Po de Kung Fu Panda Figura 16 - Personagens desenhados por Nico Marlet para Kung Fu Panda Figura 17 – Still do filme Begone Dull Care, de Norman McLaren Figura 18 - Ilustração de Alex Panagopoulos, que poderá dar origem a um filme produzido por Dwayne “The Rock” Johnson Figura 19 - Os Minions de Meu Malvado Favorito 10 1. INTRODUÇÃO A ideia de uma pesquisa acadêmica na área de Animação surgiu enquanto cursava a Pós-graduação em Animação da PUC-RJ, em 2009. Desenhista desde a infância e fascinado há muito tempo pelos livros de arte dos filmes de animação, percebi durante a Pós-graduação que a direção de arte era o que mais me atraía na área. Entretanto, quando tentei aprofundar os conhecimentos sobre esta etapa do processo de realização de um filme de animação, me deparei com um verdadeiro oceano de imagens e com quase nenhuma informação teórica. Ainda mais problemático foi encontrar uma definição precisa sobre concept art. Como definir esta atividade, que foi descoberta pelo público não faz muito tempo, cujas principais fontes de informação estão na internet, nos making of’s dos DVD’s e nos livros de arte das produções cinematográficas de grande orçamento? Qual a metodologia de um projeto de concept art? Foram dúvidas como estas que motivaram este trabalho. Superficialmente podemos definir concept art, concept design ou entertainment design como a representação visual de personagens, ambientes e objetos, ou simplesmente a criação de uma atmosfera visual para uso em filmes, videogames, cinema de animação e histórias em quadrinhos. Uma vez que estamos atribuindo ao profissional de concept art o estabelecimento da atmosfera em um filme de animação, cabe uma breve explanação sobre o conceito de atmosfera com o qual estamos trabalhando. Segundo Inês Gil, a atmosfera é “uma impressão específica que foi expressa durante um plano ou uma sequência fílmica” (GIL, 2005, p.141). A autora coloca ainda que a atmosfera é uma figura fílmica, que ela define como sendo uma forma particular de expressão que se origina em princípios específicos ao cinema como, por exemplo, a temporalidade da imagem fílmica. Gil estabelece ainda a diferença entre atmosfera e clima. Segundo ela, o clima é mais geral e podemos falar de um clima de terror, por exemplo. A presença do clima na cena é explícita, pois ele está sempre no primeiro plano (GIL, 2005, p.141). A autora afirma ainda que “a 11 atmosfera está sempre no primeiro plano, mesmo quando está pontualmente localizada no espaço” (GIL, 2005, p.141), e aprofunda ainda mais a sua definição: A atmosfera assemelha-se a um sistema de forças, sensíveis ou afectivas, resultando de um campo energético, que circula num contexto determinado a partir de um corpo ou de uma situação precisa. Neste sentido, a atmosfera tem intensidades variadas e tende em formar-se sem produzir necessariamente representações. Sendo um sistema energético, ela tem densidades diversas e um dinamismo, mais ou menos, acentuado. (GIL, 2005, p. 142) A autora subdivide atmosfera fílmica em alguns segmentos. Aquela que mais interessa a este trabalho é a atmosfera plástica, uma vez que nosso foco é a construção da visualidade fílmica através do concept art. A atmosfera plástica se refere “à forma da imagem fílmica, e aos elementos que constituem o seu espaço plástico” (GIL, 2005, p.142). A atmosfera plástica em um filme de animação é determinada pela equipe de concept art. Em função de suas características estéticas, os filmes de animação têm grande potencial para o desenvolvimento de atmosfera, pois são naturalmente distantes do realismo, o que torna a atmosfera plástica mais destacada. Neste trabalho consideraremos então que a criação de atmosfera em filmes de animação é, na maior parte, uma atribuição da equipe de arte e, consequentemente, dos concept artists. Enquanto o clima pode ser definido por fatores variados como a ação dramática ou o diálogo, por exemplo, a atmosfera se sustenta principalmente sobre a construção da visualidade, particularmente da forma como se constitui o espaço fílmico. O concept art é frequentemente identificado com as produções de cunho fantástico, em função do uso mais recorrente desta técnica para a criação dos mundos imaginários da ficção científica, da fantasia e do horror, mas é ainda bastante usado para reconstituições históricas e, menos frequentemente, no desenvolvimento de aparatos tecnológicos e figurinos específicos para produções com ambientação contemporânea, sejam ou não de cunho fantástico. O concept art pode ser realista ─ principalmente nas produções cinematográficas live action1 e nos videogames ─, ou utilizar a estética do cartoon, como é o caso dos filmes de animação. É fato que o concept art está espalhado em vários segmentos da indústria de comunicação e entretenimento, do cinema aos games, dos parques temáticos à indústria de brinquedos. 1 Live action – designação utilizada para classificar o cinema realizado com atores reais em oposição ao cinema de animação. 12 As origens da utilização de imagens para dar corpo a conceitos não é algo novo na história da arte. Entretanto, o concept art circunscrito à indústria da Animação teria surgido na Disney Animation, que seria o primeiro estúdio a ter utilizado de forma sistematizada a prática de desenhos conceituais já nos anos de 1930. A sistematização do desenvolvimento visual dos filmes atendeu a necessidades práticas no processo de produção de filmes de animação no início do século XX. Ainda na era dos personagens com cabeças circulares e braços e pernas que se comportavam como mangueiras – dentre os quais podemos destacar o Gato Félix, o Coelho Oswald e o próprio Mickey Mouse – os estúdios Disney começaram a investir no desenvolvimento visual para incrementar a qualidade expressiva de seus personagens. Walt Disney acreditava em personagens com forte personalidade e, para isso, incrementou as habilidades técnicas dos artistas do estúdio através de aulas de arte para que eles se tornassem capazes de transmitir emoção através de seus desenhos. A razão por trás da ênfase no desenvolvimento dos personagens, não apenas em relação às questões de movimento, mas também de design, era o aperfeiçoamento da narrativa. E esta busca pelo incremento narrativo passava pelo aperfeiçoamento dos personagens que tinham que transmitir a “ilusão de vida” (LUCENA, 2002, p.99) -, bem como de cenários e objetos de cena. Figura 01 - Mickey Mouse e Oswald the Lucky rabbit – Walt Disney Productions. Winsor McCay – cartunista norte-americano, criador da clássica tirinha dominical Little Nemo e um dos pioneiros da Animação – produziu em 1910 a sua primeira animação, um pequeno curta com os personagens de Little Nemo, 13 lançado em 1911 em seus números de teatro de variedades. O filme também era exibido nas salas de espetáculo e era distribuído pela Vitagraph, de James Stuart Blackton, um dos pioneiros do cinema. Em 1912, McCay lançaria The Story of a Mosquito e em 1914 foi a vez de Gertie the Dinosaur, sua obra mais conhecida. A fluidez e a elegância da animação de McCay são mais do que reconhecidas nestas e em todas as nove animações que ele produziu entre 1911 e 1921. McCay produziu seus filmes praticamente sozinho, desenhando personagens e cenários em cada um dos frames, quantas vezes fossem necessárias para gerar a ilusão de movimento. Obviamente, um esquema de produção em larga escala não sobreviveria com este método. Figura 02 - Gertie the Dinossaur (1914) – Winsor McCay. A busca por incremento de produtividade fez com que a animação estadunidense evoluísse para um processo industrial. A lógica de produção em linha de montagem – oposta ao processo artístico e artesanal de McCay – foi desenvolvida ainda nos primórdios da animação como negócio e, já na década de 1910, o produtor de filmes de animação John Randolph Bray procurava formas de 14 incrementar os processos de produção em seu estúdio, tendo registrado três patentes com este objetivo entre 1914 e 1915. Bray é, aliás, considerado um dos grandes desenvolvedores do conceito de animação como negócio. Em 1914 o também animador e inventor Earl Hurd patenteou o processo chamado de cell animation, que consistia na utilização de lâminas de celuloide transparente onde eram desenhados os personagens que eram sobrepostos a um cenário pintado. Este processo eliminava o exaustivo trabalho de redesenhar o fundo durante todo o processo de animação do personagem, exatamente como fazia McCay. Bray imediatamente contratou Hurd para trabalhar em sua empresa de patentes (BENDAZZI, 2006, p.20). O processo de cell animation tornou-se o padrão da indústria por décadas. Entre 1913 e 1917 Bray produziu em seu estúdio 46 títulos. Em um período de cinco anos, o estúdio de Bray realizou mais de cinco vezes o total de filmes realizado por McCay em toda a sua atividade como animador. Obviamente há uma questão qualitativa envolvida. O trabalho de McCay era dotado de grande qualidade artística, mas o próprio método de Bray deixa claro que ele estava interessado em animação como uma forma de negócio e não como arte. Charles Solomon comenta a altíssima taxa de produção dos estudos sediados em Nova York durante os primeiros anos da animação nos Estados Unidos da América: By 1918, only four years after the premiere of “Gertie the Dinosaur”, there were at least a dozen studios operating in the city, some of them producing films as fast as one per week. The Raoul Barré studio (1913), the John Randolph Bray studio (1914), and William Randolph Hearst’s International Film Service (1915) dominated production between 1913 and 1919. (SOLOMON, 1989, p.22) Solomon ainda chama a atenção para a diferença de métodos de produção e de objetivos entre estes estúdios e o genial Winsor McCay: The early producers had to find ways to produce animation quickly and cheaply. Winsor McCay could take months to make a film if he chose, doing all the drawings himself and not worrying about the cost. But studios producers, with deadlines and budgets to meet, needed to streamline this new, highly, laborintensive medium. (Ibid., p.22) Apesar dos esforços no sentido de incrementar a produção, a qualidade do resultado final deixa claro que alguma coisa ainda estava por ser feita no sistema produtivo. Giannalberto Bendazzi nos fornece um retrato esclarecedor da forma 15 como os filmes de animação eram feitos nestes anos pioneiros, principalmente no que diz respeito ao processo de divisão de tarefas praticado nestes estúdios: Theoretically, the task of the animator involved the creation of stories and gags as well as the animation of characters. Sometimes one individual was responsible for a whole movie or a series, but generally the job was divided and the people who worked on its fragments did not care to maintain continuity of action. (BENDAZZI, 2006, p.23) É evidente que o processo descrito acima não poderia resultar em um material extremamente bem resolvido. Os problemas que atingiam a animação e o roteiro eram sentidos também na parte visual dos filmes: Graphically, none of these movies sparkled. Produced at a frantic pace for distributors who did not understand, or did not care about, the details of workmanship, they were unsophisticated and coarse, featuring rounded, simplified forms which were the easiest to animate. (Ibid., p.23) É nesse contexto que surge o departamento de Inspirational Sketches da Disney Animation. Walt Disney buscava a especialização de seus profissionais para incremento da qualidade e, obviamente, da produtividade. Como veremos adiante no subcapítulo 2.3, Disney tomou várias medidas para aprimorar o vocabulário técnico de seus animadores. Entretanto, o departamento de desenvolvimento visual dos filmes – o Inspirational Sketches – parece ter sido formado com profissionais vindos de áreas diversas e com sólida formação em Artes. Se tomarmos como exemplo Branca de Neve e os Sete Anões – primeiro longa-metragem do estúdio ─, fazem parte da equipe pelo menos três artistas com formação e experiências artísticas que precediam a sua entrada no staff na Disney: Joe Grant, Gustav Tenggren e Albert Hurter. Joe Grant era cartunista e trabalhava na imprensa, Tenggren era ilustrador de livros infantis e Hurter, além de sua formação em Artes, havia trabalhado no estúdio de Raoul Barré 2. Este procedimento por parte de Disney pode ter acontecido pelo fato de que a Animação era uma linguagem relativamente jovem dentro do universo das artes visuais e seus processos de produção ainda estavam em desenvolvimento, o que 2 Raoul Barré foi um pioneiro da indústria da Animação. Segundo Charles Solomon, Barré fundou o primeiro estúdio de animação dos Estados Unidos, o Raoul Barré Studio, em 1913. Em 1915 John Randolph Bray fundou o seu estúdio e em 1916 William Randolph Hearst fundou o International Film Service. Segundo Solomon estes estúdios dominaram a produção de filmes animados entre 1913 e 1919. (SOLOMON, 1989, p.22) 16 tornava a captação de mão de obra altamente especializada um desafio. Isto fez com que Disney tentasse resolver o problema internamente. Por outro lado, a ilustração e as artes plásticas tinham processos mais do que constituídos, sendo muito mais simples encontrar artistas que tivessem os predicados necessários à direção de arte. O registro histórico sobre concept art, até onde conseguimos apurar neste trabalho, é impreciso e pulverizado, mas também os parâmetros de definição do campo não são tão claros como se poderia imaginar para uma atividade que tem seus primórdios na origem da Animação. Assim como outras áreas do conhecimento humano, o exercício da atividade de concept art foi sendo construído através do tempo sem que fosse acompanhada por uma reflexão teórica mais apurada. Parte das dificuldades encontradas para definir mais precisamente a atividade pode estar no fato de que desde sua suposta origem nos estúdios Disney – e até muito pouco tempo atrás –, todo o conhecimento da área era transmitido dentro das próprias empresas ou como disciplinas isoladas em cursos de animação. A criação de cursos dedicados exclusivamente ao concept art, tanto em instituições de ensino superior quanto em instituições não acadêmicas especializadas em Computação Gráfica é um fenômeno relativamente novo. As escolas de Computação Gráfica, entretanto, saíram na frente. A primeira consequência do atraso das instituições formais de ensino em perceber a importância desta enorme gama de conhecimento que vem se desenvolvendo fora do ambiente acadêmico é que as reflexões teóricas a respeito desta área são poucas. A segunda é que este conhecimento, em função da inexistência de reflexão, vem se desenvolvendo prioritariamente no campo da técnica. Por fim, forma-se uma visão de que esta é uma área essencialmente técnica e dispensa maiores elaborações teóricas. Não se trata aqui de defender o saber científico produzido na academia como única forma de saber válida e legitimadora da área. Entretanto, a falta da reflexão teórico-científica dificulta o olhar da própria área sobre ela mesma, na definição clara de seus contornos e na sua importância para a sociedade. É em função deste cenário de grande informalidade na transmissão do conhecimento e de supervalorização da técnica em detrimento da reflexão que emerge o problema sobre o qual esta pesquisa pretende se debruçar: existe clareza 17 nas funções que compreendem o concept art, particularmente na relação entre design e narrativa que está na própria constituição do campo? Mesmo com a ausência de escolas especializadas e de reflexão teórica a respeito do campo, o concept art se desenvolveu como atividade profissional ao longo do tempo. A atividade está presente em várias categorias da Indústria do Entretenimento e é parte fundamental do processo de produção de filmes de animação. Mesmo hoje, quando a quantidade de instituições oferecendo cursos na área aumentou muito – principalmente nos EUA –, a prioridade destes cursos é a prática. Além disso, tanto os concpet artists quanto diretores, produtores e diretores de arte de filmes de animação, fazem pouca ou nenhuma reflexão sobre a área e suas características. Este panorama nos leva à predição que este trabalho pretende verificar: a atividade tem sua prática já consolidada em diversas áreas, mas pouca reflexão teórica, principalmente no que diz respeito às tensões entre design e narrativa que estão na constituição do concept art. Este trabalho parte do pressuposto de que o concept art é resultado da tensão entre design e narrativa e surgiu da necessidade de incrementar a expressividade nos filmes na indústria da animação cinematográfica estadunidense. Esta indústria se desenvolveu mais cedo que a de qualquer outro país e, por isso mesmo, tornou-se referência não apenas de estilo e linguagem, mas também de processos produtivos. Sua enorme influência fez-se sentir em todo o mundo, inclusive no Brasil. O termo concept art, por exemplo, é prioritariamente utilizado em inglês no Brasil, razão pela qual neste trabalho optamos por não traduzir o termo. A partir das questões expostas, surge o objetivo geral deste trabalho: buscar o entendimento do concept art partindo da tensão entre design e narrativa que constitui a base do campo, tomando como referência a origem da terminologia (mercado americano de audiovisual) e seus desdobramentos no contexto nacional. Alguns objetivos específicos emergem do exposto até aqui: - Revisão das definições de concept art, com foco nos conceitos relativos à área do Design e ir a campo para identificar terminologias correlatas; 18 - Identificação das funções associadas ao conceito, ilustrando através do campo as situações consolidadas e as contradições; - Ampliação da visibilidade e entendimento dessas funções através da proposição de uma classificação teórico/técnica. Este trabalho se justifica em função da perspectiva de aumento na produção de filmes de animação no país, o que exige o aumento no volume das pesquisas que auxiliem no desenvolvimento de mão de obra especializada, na criação de bibliografia técnica e no processo organizacional das empresas do setor. Podemos supor que existem trabalhos científicos sendo produzidos nos campos da animação, jogos de computador e cinema, mas o volume de pesquisa precisa aumentar para que o crescimento do mercado seja acompanhado de reflexão acadêmica e pesquisas que auxiliem nos investimentos e nas tomadas de decisão tanto das empresas públicas e privadas, quanto dos indivíduos que desejarem se estabelecer profissionalmente nestes setores. As pesquisas sobre os processos que envolvem o desenvolvimento, a produção, a gestão e a comercialização de produtos da indústria de animação focados na realidade local e tendo como parâmetro as realidades de centros produtores já estabelecidos, tais como Estados Unidos, Japão e França, podem auxiliar no desenvolvimento sustentável deste setor. Esta pesquisa pretende, portanto, contribuir com o aumento da visibilidade e compreensão do concept art, atividade importante para toda a cadeia produtiva da Indústria do Entretenimento e, particularmente, para a Animação. No cinema de animação a importância do concept art vai além da mera concepção visual. A equipe de direção de arte formada pelo production designer, diretores de arte e concept artists, desenvolve objetos de cena, cenários e personagens, bem como outros elementos importantíssimos para a narrativa, tais como color scripts e pranchas para indicação da atmosfera de cada cena. Todo este aparato técnico vai ajudar na materialização das ideias expressas no roteiro, na criação de sentido e na transmissão da mensagem do filme. O universo visual e narrativo desenvolvido até este ponto só vai se completar quando forem adicionados o movimento e o som, mas uma parte importante daquilo que será o filme já está nas pranchas conceituais. O concept art é, portanto, atividade importantíssima na construção de um filme de animação. 19 Esta pesquisa está focada em aspectos específicos do concept art, tais como design, narrativa, linguagem material, metodologia, difusão de informação, perfil profissional dentre outros. É uma pesquisa de escopo amplo, mas ainda assim inevitavelmente deixa muitas questões importantes de fora. Não haveria tempo ou espaço físico para tratar do concept art em todas as suas dimensões. Espera-se, entretanto, que este trabalho venha auxiliar a outros pesquisadores na árdua tarefa de lançar um olhar mais apurado sobre o concept art para animação. 20 2. NARRATIVA E VISUALIDADE NO CONCEPT ART O objetivo deste capítulo é estabelecer uma contextualização teórica mediante uma série de elementos que podem auxiliar no entendimento do que é o concept art a partir da relação entre design e narrativa, que acreditamos estar na base do campo, tomando como referência a origem da terminologia (mercado norte-americano de audiovisual) e seus desdobramentos no contexto nacional. Aqui investigaremos algumas questões que ajudarão a desenhar os contornos do que é essa atividade, hoje tão difundida através dos mais diversos canais de mídia e, no entanto, tão pouco estudada. Apenas no terceiro capítulo deste trabalho, trataremos do caráter projetual3 do concept art e da sua relação com o Design. Iniciaremos nossa pesquisa no subcapítulo 2.1, Conceito: investigação sobre o termo. Como o próprio título revela, investigaremos a etimologia do termo “conceito”, na Filosofia e na Ciência, bem como as implicações do seu emprego na atividade a qual nos propomos estudar neste trabalho. No subcapítulo 2.2, Concept Art ou Conceptual Art, pesquisaremos essas duas modalidades artísticas, que, apesar das designações semelhantes, são tão diferentes entre si, tanto em suas motivações quanto em seus resultados. Através deste estudo, pretendemos esclarecer melhor os contornos do concept art por meio da investigação do seu negativo, ou seja, entender melhor o que ele é, conhecendo o que ele não é e identificando o que está ausente na sua estrutura. No subcapítulo 2.3, Narrativa e Arte, abordaremos o caráter narrativo do concept art e suas implicações com a imagem, partindo da análise do conceito de narrativa de Barthes e, posteriormente, analisaremos a relação entre arte narrativa e não narrativa na História da Arte, tendo como referência o trabalho de Gamba Junior. Ainda neste subcapítulo entenderemos um pouco mais o conceito de 3 O termo projetual é utilizado com base no livro Uma Introdução à História do Design de Rafael Cardoso. Na página 20 da introdução, Cardoso informa que o termo não será grafado em itálico ou com aspas ao longo do texto. Neste trabalho usaremos o termo em concordância com Cardoso, entendendo projetual como aquilo que tem por qualidade ser projetado. Que é produzido a partir de um projeto. 21 imagem narrativa segundo reflexões dos ilustradores Rui de Oliveira e Ciça Fitipaldi. No subcapítulo 2.4, Linguagem material, trataremos de como o concept art participa da construção da materialidade do discurso fílmico. Para tanto, utilizaremos o conceito “pasoliniano” de discurso para além do verbal. Além disso, estudaremos a Animação diante do conceito de cinema como janela da realidade. O objetivo é entender se esse conceito atende a uma teoria da linguagem do filme animado. Para isso, trabalharemos com o texto da animadora e teórica da animação Marina Estela Graça. Por fim, investigaremos quais são os dispositivos que legitimam a atividade dentro da sociedade e o próprio conhecimento em concept art. Esse processo de legitimação do saber dentro de uma área na sociedade será investigado sob a perspectiva teórica de Lyotard e de seu trabalho A condição pós-moderna. No subcapítulo 3.1 – Difusão de conhecimento em Concept Art, analisaremos de que forma o saber sobre a área é legitimado e como ele – difundido através de instituições de ensino acadêmicas ou não, sites de conteúdo especializado, livros e DVDs – também passa a ser legitimador da atividade pelo relato dos experts do mercado. Os problemas que nos propomos a investigar neste capítulo e naqueles que estão por vir, não são simples. Como definir exatamente algo que pouco foi investigado até o momento e que, muitas vezes, é confundido com outra área da Arte com a qual pouco ou nada tem em comum? Como contextualizar historicamente algo que é investigado pelos principais canais, oficiais ou informais, apenas através de seus rastros mais evidentes, ou seja, a produção visual como resultado do fazer artístico? O concept art é um conhecimento pouco explorado em termos teóricos, porém largamente difundido enquanto prática em vários segmentos da indústria do entretenimento. O grande paradoxo é que aquilo que é desenvolvido por um concept artist normalmente é visto por milhares de pessoas, seja em filmes, em games, em brinquedos ou em parques temáticos. No entanto, até bem pouco tempo atrás, quando surgiram os extras em DVDs de animação e filmes de ficção, terror e fantasia, praticamente ninguém fora do circuito profissional sabia da existência dessa atividade. A partir das questões levantadas neste capítulo, poderemos dialogar com outra questão estrutural nesta pesquisa, que vem a ser a dimensão projetual em concept art. Esperamos que, 22 uma vez terminado este diálogo entre disciplinas tão diversas – e que nos parecem tão imbricadas nesse fazer artístico –, tenhamos subsídios para lançar um olhar sobre a realidade do mercado local e concluir esta tentativa de definir esse objeto capaz de encantar pela beleza de suas imagens e, ao mesmo tempo, nos intrigar pela irregularidade de seus contornos. 2.1. Conceito: investigação sobre o termo O problema para definirmos mais apuradamente o concept art começa pela própria nomenclatura da área. Primeiro investigaremos o significado da palavra “conceito” para, em seguida, avaliar a significação do termo ao ser utilizado como designação da área. Comecemos, então, pela definição do Dicionário Houaiss: (s.m.) produto da faculdade de conceber; faculdade intelectiva e cognoscitiva do ser humano, mente, espírito, pensamento; compreensão que alguém tem de uma palavra, noção, concepção, ideia.(HOUAISS & VILLAR, 2001, p. 783) No Dicionário de Filosofia de Nicola Abbagnano, o termo “conceito” é descrito da seguinte forma: Em geral, todo processo que torne possível a descrição, a classificação e a previsão dos objetos cognoscíveis. Assim entendido, esse termo tem significado generalíssimo e pode incluir qualquer espécie de sinal ou procedimento semântico, seja qual for o objeto a que se refere, abstrato ou concreto, próximo ou distante, universal ou individual, etc. Pode-se ter um C. de mesa tanto quanto do número 3, de homem tanto quanto de Deus, de gênero e espécie (os chamados universais [v.])tanto quanto de uma realidade individual, como p. ex. de um período histórico ou de uma instituição histórica (o "Renascimento" ou o "Feudalismo"). (ABBAGNANO, 1998, p. 194) Abbagnano nos diz, ainda, que um conceito não é um nome “já que diferentes nomes podem exprimir o mesmo C. (conceito) ou diferentes conceitos podem ser indicados, por equívoco, pelo mesmo nome”(Ibid. p.194). Segundo ele, o conceito não é um elemento simples ou indivisível, pois é constituído por “um conjunto de técnicas simbólicas complexas” ”(Ibid. p.194) tais como, os conceitos científicos. Mais ainda, Abbagnano coloca o conceito na qualidade de um signo linguístico cuja primeira e principal função é a comunicação: [...] o C. é um signo do objeto (qualquer que seja) e se acha em relação de significação com ele. Por essa interpretação, encontrada pela primeira vez nos estoicos, a doutrina do C. é uma teoria dos signos. ”(Ibid. p.196) 23 E completa: A função lógica do C. é a da suposição, pela qual, em todos os complexos em que entra, o C. está no lugar das coisas significadas [...].”(Ibid. p.197) Entretanto, há outra forma de interpretar o conceito. Abbagnano explica que, em oposição a esta visão da escola estoica que considera o “conceito” como “um signo do objeto (qualquer que seja) e se acha em relação de significação com ele” (Ibid. p.196), o termo pode, ainda, ser interpretado como a essência das coisas – noção que, segundo o autor, teve sua origem no período clássico da Filosofia Grega. Entretanto é a ideia do conceito como significado que se consolidou em grande parte da Filosofia Contemporânea. O autor acrescenta: Em 1942, Susan K. Langer reconhecia formalmente a identificação ocorrida entre C. e significado, mostrando a convergência de muitas correntes da filosofia contemporânea para o reconhecimento do simbolismo em ciência, arte, filosofia e em todas as formas culturais em geral (Philosophy in a New Key, 1942, cap. III). ”(Ibid. p.198) Ao assumirmos a função de signo dos conceitos, “admite-se ipso facto também a sua instrumentalidade; e essa instrumentalidade pode ser aclarada e descrita nos seus múltiplos aspectos” (Ibid. p.198). Segundo Abbagnano, pode existir um conceito de “coisas inexistentes ou passadas, cuja existência não é verificável, nem tem um sentido específico” (Ibid. p.198), não tendo o “conceito” que se referir necessariamente a coisas reais. Os filósofos Gilles Deleuze e Félix Guatarri em seu livro O que é Filosofia?, complementam esta visão multifacetada do conceito: Não há conceito simples. Todo conceito tem componentes, e se define por eles. Tem portanto uma cifra. É uma multiplicidade, embora nem toda multiplicidade seja conceitual. Não há conceito de um só componente: mesmo o primeiro conceito, aquele pelo qual uma filosofia "começa", possui vários componentes, já que não é evidente que a filosofia deva ter um começo e que, se ela determina um, deve acrescentar-lhe um ponto de vista ou uma razão. (DELEUZE & GUATARRI, 2002, p. 27) Deleuze e Guatarri parecem alinhar-se à ideia de conceito como signo e não como essência: 24 O conceito é um incorporal, embora se encarne ou se efetue nos corpos. Mas, justamente, não se confunde com o estado de coisas no qual se efetua. [...] O conceito diz o acontecimento, não a essência ou a coisa. (Ibid. p. 33) Da mesma forma Lakatos e Marconi nos mostram que, também na Ciência, os conceitos existem para representar os fenômenos ou aspectos dos fenômenos investigados. Os diferentes fenômenos são estudados por cada uma das ciências que, para interpretá-los, possui um sistema abstrato de pensamento e, por isso, cada ciência desenvolve conceitos próprios. O sistema teórico de uma ciência, em consequência, pode ser chamado de sistema conceitual. Nesse raciocínio, é reafirmada a ideia do conceito como signo: Em consequência, ao formularmos uma proposição utilizamos os conceitos como símbolos dos fenômenos que estão sendo inter-relacionados. Portanto, "a distinção entre fato e conceito é a de que o conceito simboliza as inter-relações empíricas e os fenômenos que são afirmados pelo fato”. (LAKATOS E MARCONI, 1991, p. 102) As autoras citam ainda Ander-Egg, que aprofunda o caráter simbólico do conceito científico: Segundo esse autor, conceitos são abstrações, isto é, construções lógicas elaboradas pelo cientista, de tal forma que podem captar ou apreender um fato ou fenômeno por eles representados (simbolismo lógico), expressos através de um sinal conceitual (simbolismo gramatical). Dessa forma, o conceito difere do fenômeno, coisa ou fato que representa ou simboliza, sendo, porém, básico como instrumento do método científico, em sua função de analisar a realidade e comunicar seus resultados. (Ibid. p. 102) Essa é a definição de conceito que iremos adotar neste trabalho, aquela que entende o conceito como um conjunto de signos. O concept art, portanto, assume o papel de signo, pois é a representação imagética de ideias concebidas anteriormente na forma de discurso. É outra forma de simbolismo – a qual poderíamos chamar de simbolismo imagético – que vai complementar o simbolismo do discurso, seja ele textual ou verbal. As imagens concebidas pelo concept artist têm uma dimensão simbólica clara, ou seja, um conjunto de signos que representa alguma coisa. Tal origem a partir do discurso é, aliás, outro aspecto interessante no processo de desenvolvimento do concept art ao longo da produção do filme de animação. O roteiro de um filme animado não é obrigatoriamente originado a 25 partir de um texto escrito. Há tantos métodos de produção quanto realizadores de filmes, porém, na indústria de filmes de longa-metragem, o processo de desenvolvimento da história se dá no Departamento de Histórias, que é formado pela equipe de roteiristas e pelos storyboarders, que trabalham em conjunto com o diretor. O texto escrito é o ponto de partida para a produção dos storyboards4, em que a narrativa e as gags visuais serão desenvolvidas. O concept artist também vai partir tanto do discurso escrito – que pode ser tanto o argumento, a sinopse ou o roteiro –, quanto do discurso verbal do diretor para empreender o desenvolvimento visual do filme. É, portanto, a partir do fenômeno da linguagem que a concepção visual do filme é construída. Esse embate entre os diferentes integrantes da equipe de produção é um exemplo daquilo que Lyotard chama de jogos de linguagem: Quando Wittgenstein, recomeçando o estudo da linguagem a partir do zero, centraliza sua atenção sobre os efeitos dos discursos, chama os diversos tipos de enunciados que ele caracteriza desta maneira, e dos quais enumerou-se alguns, de jogos de linguagem. Por este termo quer dizer que cada uma destas diversas categorias de enunciados deve poder ser determinada por regras que especifiquem suas propriedades e o uso que delas se pode fazer, exatamente como o jogo de xadrez se define como um conjunto de regras que determinam as propriedades das peças, ou o modo conveniente de deslocá-las. (LYOTARD, 2009, p. 16) Esses jogos de linguagem apresentam tal e qual qualquer jogo, regras claras e bem definidas, e a ausência de regras implica a inexistência do jogo. A dinâmica entre as diferentes partes envolvidas na produção de um filme de animação – roteiristas, concept artists, storyboarders, animadores etc. – é evidentemente um exemplo de jogos de linguagem, em que cada parte expõe suas ideias, cabendo ao diretor ou ao produtor, conforme a dinâmica da empresa, o lance final. O concept artist vai receber as especificações sobre personagens, situações, objetos e cenários, e a partir daí se inicia o jogo. Ele produz as imagens – faz o seu lance –, e recebe o contragolpe que pode vir tanto do diretor de arte, quanto do diretor do filme, ou dos animadores; enfim, qualquer um envolvido no desenvolvimento criativo do filme. Novos lances ocorrerão, até que todos se deem por satisfeitos, e 4 Os storyboards são desenhos que descrevem plano a plano a ação de uma cena. Colocados em sequência darão à equipe a noção exata de como irá se desenrolar a narrativa, a ação dramática dos personagens, os movimentos de câmera etc. Quando os quadros são capturados por qualquer processo opto mecânico (escaneamento, fotografia) e montados sequencialmente em um editor de vídeo, surge o animatic, quase um copião de um filme que ainda não foi feito e que fornece em tempo real o andamento da narrativa fílmica. Frequentemente o storyboard é relacionado com as histórias em quadrinhos, mas essa visão é, no mínimo, questionável. 26 o processo chegue ao fim. O objetivo é a excelência do discurso, no caso, o filme que está sendo produzido. Deleuze e Gautarri propõem a relação entre conceito e problema, importantíssima para entendermos o “conceito” dentro do contexto específico do concept art. Segundo os autores, os conceitos são formulados em resposta a um problema que se encontra malvisto ou mal colocado. Mais do que apenas criar a representação ou a aparência das coisas e personagens que estarão no filme, o concept art auxilia na solução de problemas de comunicação e de design que estão presentes no projeto de um filme, tornando imagéticos, através de formas e cores, os conceitos abstratos presentes no discurso. A dimensão semiológica das ilustrações conceituais será analisada mais adiante na unidade 2.4, mas citamos esse aspecto, porque a partir do momento em que as ideias indicadas no argumento ou no roteiro do filme passam a existir como representação na forma de desenhos, pinturas e esculturas, transformam-se em guias que contribuirão para a construção do universo diegético. Entretanto, não podemos nos esquecer de que as ilustrações conceituais não estarão no filme. Elas são representações daquilo que será efetivamente um cenário, um objeto ou personagem. Para este trabalho, então, entendemos “conceito” como um fenômeno linguístico, constituindo-se em um conjunto de signos que representam um objeto. Esse conjunto de signos não necessariamente representa objetos reais, podendo referir-se a coisas inexistentes e não verificáveis. Tal aspecto tem relação direta com o desenvolvimento dos mundos imaginários com que o concept artist trabalha. E no contexto específico do concept art, o conceito é resultado desta tensão entre discurso verbal/textual e o discurso imagético que vai sendo produzido ao longo do processo, através dos jogos de linguagens empreendidos pelas partes envolvidas na produção. 2.2. Concept Art e Conceptual Art O objetivo desta unidade é investigar o termo “arte” e algumas de suas implicações históricas, sociais e metodológicas para estabelecer uma relação com o concept art. Essa investigação será feita em função de alguns parâmetros que serão analisados ao longo da unidade. Uma vez que foi feita uma investigação a 27 respeito do termo “conceito”, faz-se necessário compreender um pouco do termo “arte” e contextualizá-lo no âmbito do concept art. Entretanto, a investigação também contará com uma comparação entre concept art e Conceptual Art, pois ambos se apropriam dos mesmos termos para a designação da área. Assim, os dois termos podem ser fonte de congruências e digressões ao serem utilizados por duas manifestações tão diferentes. Não é, entretanto, apenas pela possibilidade de possíveis confusões que se faz esta investigação sobre a Arte Conceitual. Muitas vezes pela impossibilidade de definirmos algo por aquilo que ela é, seguimos o caminho inverso e tentamos conhecê-la através do seu negativo, ou seja, por aquilo que ela não é ou é diverso. Por ser um movimento específico dentro do universo das Artes Plásticas, a Arte Conceitual possui uma historiografia mais precisa do que, no geral, as formas artísticas ligadas à indústria do entretenimento. Antes de nos aventurarmos diretamente na investigação sobre concept art e Conceptual Art, é importante lançar um olhar retrospectivo sobre o termo “arte”, mesmo que breve e consequentemente incompleto. A palavra “arte” já foi alvo de várias análises e tentativas de revisão. Nela está contemplado um enorme conjunto de habilidades humanas diferentes, e seria ingênuo pensar que é possível definir cada uma delas apenas para encontrar uma melhor definição para o concept art. Para este trabalho, o que está sendo tomado como sinônimo de arte está inserido no universo das Artes Visuais, território no qual se situa o concept art e onde estão reunidas todas aquelas atividades cuja experiência principal repousa na visualidade. Em seu livro A história da arte, Gombrich lança um olhar esclarecedor sobre o termo: Nada existe realmente que se possa dar o nome de Arte. Existem somente artistas. Outrora, eram homens que apanhavam um punhado de terra colorida e com ela modelavam toscamente as formas de um bisão na parede de uma caverna; hoje, alguns compram suas próprias tintas e desenham cartazes para tapumes; eles faziam e fazem muitas coisas. Não prejudica ninguém dar o nome de arte a todas essas atividades, desde que se conserve em mente que tal palavra pode significar coisas muito diversas, em tempos e lugares diferentes, e que Arte com A maiúsculo não existe. (GOMBRICH, 1999, p. 15). Ao longo do tempo, o termo “arte” foi alvo de diferentes interpretações, e, em sua dimensão prática, a arte passou por transformações tanto no modo de 28 representação da realidade quanto nas diversas técnicas desenvolvidas para este fim. Também o estatuto do artista dentro da sociedade passou por profundas transformações. Durante a Antiguidade, o artista não era mais do que um artesão, pois dependia do trabalho com as mãos para concretizar a sua obra, ao contrário dos poetas, que tinham o privilégio, segundo o ideal platônico, de produzir maravilhas apenas com o trabalho intelectual. A visão sobre o fazer artístico e o estatuto do artista na sociedade começaram a se transformar a partir do século XIII, e Gombrich assinala que a prosperidade das cidades italianas, no período, fez com que elas rivalizassem entre si para assegurar o serviço dos grandes artistas que embelezassem suas construções. Nesse contexto, o pintor Giotto di Bondone alcança prestígio sem precedentes em Florença. Gombrich explica: Sua fama era tão grande que a comuna de Florença se orgulhava dele e estava ansiosa por ter o campanário de sua catedral projetado pelo celebrado mestre. Esse orgulho das cidades, que rivalizavam entre si para assegurar os serviços dos grandes artistas que embelezavam seus edifícios e criavam obras de fama duradoura, foi um grande incentivo para os mestres se superarem mutuamente [...]. (Ibid., p.287) O processo de transformação do estatuto da arte na sociedade se estendeu por um bom tempo ainda depois de Giotto. Durante o Renascimento, os artistas conquistaram uma posição diferenciada em função das grandes conquistas artísticas do período – os estudos da perspectiva e da anatomia que elevaram a Arte a outro patamar no que dizia respeito à imitação da natureza: O artista deixou de ser um artífice entre artífices, pronto a executar encomendas de sapatos, armários ou pinturas, conforme fosse o caso. Era agora um mestre dotado de autonomia, não podendo alcançar fama e glória sem explorar os mistérios da natureza e sondar as leis secretas do universo. (Ibid., p.287) O estatuto da Arte sofreu outra transformação significativa quando se tornou “acadêmica”, expressão que faz referência direta ao lugar onde Platão e seus discípulos se reuniam em busca de sabedoria. Segundo Gombrich, o termo começou a ser utilizado pelos artistas italianos ainda no século XVI, aproximava dos humanistas que tanto admiravam; mas só no século pois os XVIII, a “academia” substituiu o ateliê como lugar de ensino da Arte. Estas mudanças tiveram grande influência na percepção sobre a Arte, como demonstra Gombrich: 29 [...] a pintura deixara de ser um ofício ordinário cujos conhecimentos eram transmitidos de mestre para aprendiz. Convertera-se, em vez disso, numa disciplina, como a filosofia, a ser ensinada em academias. [...] Assim, os antigos métodos, pelos quais os grandes mestres do passado tinham aprendido o seu ofício, triturando cores e ajudando os mais velhos, entraram em declínio. (Ibid., p. 480) No século XIX, segundo Gombrich, a liberdade quase completa permitia ao artista plástico não mais limitar-se às convenções do passado, e abria-se o caminho para o individualismo, o que resultaria na grande ruptura do Modernismo. No contexto histórico que se inicia no século XIX e se consolida com a ascensão do Modernismo, a mudança de status da Arte implicou uma alteração no papel do artista, antes um profissional dotado de certas habilidades contratado para dar corpo às necessidades de seus clientes, fossem elas meramente ornamentais, como naturezas mortas e paisagens; de comunicação, como quadros históricos e religiosos; de hierarquia social e notoriedade, como retratos; e assim por diante. A mudança desse status transforma as relações do artista com o mercado e com a sociedade em geral e provoca a separação entre ilustração e artes plásticas. Como resultado dessa mudança de paradigma, a ilustração – ao lado do design gráfico e da fotografia – passa a assumir algumas funções que anteriormente estavam no âmbito das artes plásticas, por exemplo, a produção de imagens voltadas para as necessidades de um indivíduo ou grupo de indivíduos, como os grandes veículos de comunicação de massa que estão se desenvolvendo exatamente nesse período. O artista plástico passa a ter a liberdade de produzir o seu trabalho em função de sua subjetividade, e não em função dos desejos de outrem. Mesmo que na prática, em alguns casos, esta máxima possa ser contestada, ela passa a fazer parte do estatuto da Arte na sociedade. O artista plástico passa a criar primeiro para depois submeter o seu trabalho à apreciação do público, ao contrário do cenário anterior no qual ele produzia a partir de uma demanda pré-estabelecida. As habilidades artísticas – do inglês craftsmanship que significa habilidade, perícia profissional, arte (Novo Michaelis, 1970, p.248). –, e a metodologia das Artes Plásticas são duas questões importantes para este estudo e que estão diretamente ligadas a essa transformação no cenário das Artes. Por ser um termo por demais aberto e consequentemente pouco preciso, neste trabalho, entendemos essas habilidades como sendo o domínio das técnicas de representação figurativa, o que foi importantíssimo nas Artes Plásticas entre os séculos XVI e XIX. Os 30 artistas plásticos tinham que desenhar precisamente o mundo a sua volta e eram exaustivamente treinados em perspectiva, figura humana, desenho de animais e vegetação, paisagens e naturezas mortas. Afinal, eram eles os responsáveis pela representação visual do mundo sensível. E com isso, o domínio sobre as diversas técnicas de pintura e escultura também deveria ser total. Após a mudança ocorrida no estatuto das Artes Plásticas no século XIX, este cenário foi mudando pouco a pouco. O primeiro quesito a cair foi a representação figurativa realista. Depois a própria representação da realidade foi derrubada pela arte abstrata e, como veremos adiante, até mesmo os suportes tradicionais foram questionados. Essas habilidades técnicas de representação figurativa, ou seja, a perícia no manuseio das diversas ferramentas, materiais e técnicas das Artes Plásticas, eram um dos pontos fundamentais da formação de um artista durante o academicismo e sobreviveu de alguma forma durante o Modernismo. Entretanto, com o advento da pós-modernidade e a ascensão da Arte Conceitual, as habilidades artísticas foram renegadas e sua sobrevivência se deu em parte no âmbito da ilustração. Também no âmbito da ilustração, sobreviveu a metodologia da Arte desenvolvida a partir da Renascença. A arte renascentista era uma Arte não apenas de reprodução, mas principalmente de investigação da natureza. Com o desenvolvimento de técnicas como a perspectiva, essa representação do mundo sensível se tornou progressivamente mais apurada. Além do desenvolvimento técnico do qual tratamos anteriormente, era importante o estabelecimento de uma metodologia. A pintura e a escultura eram projetuais e como todo processo artístico, contavam também com grande dose de subjetividade e intuição. Entretanto é evidente que não se pinta algo como os afrescos da Capela Sistina se não houver um planejamento apurado. Dentre os exemplos de metodologia melhor documentada, está o de um dos pintores mais influentes do século XVI, Federico Barocci (1535 – 1612), cujo método foi registrado por Bellori em seu livro de biografias sobre grandes pintores. (TURNER, 1996, p.253). Barocci sempre recorria à observação do real (life drawing) na preparação de seus quadros, investigando apuradamente iluminação, cor, perspectiva e outros problemas formais. O pintor fazia inúmeros desenhos de observação com a finalidade de estudar poses, partes da figura e dobras de vestimentas. (TURNER, 1996, p. 256) Muitos dos estudos de Barocci eram feitos independentemente da observação, a partir de elaboração pessoal e outros ainda eram feitos com base no estudo de 31 trabalhos de outros artistas. Barocci, dentre outras experiências, produzia pequenos desenhos a bico de pena e carvão para os estudos iniciais e posteriormente estudos mais apurados de figuras e composição. No livro Imaginative Realism, James Gurney enumera de forma direta as etapas de trabalho de Barocci: I. After deciding on his idea for a picture, Barocci made dozens of loose sketches to establish the gestures and arrangement of the figures. 2. He then made studies in charcoal or pastel from live models. 3. Next he sculpted miniature figurines in wax or clay, each draped in tiny costumes to see how they would look under various lighting arrangements. 4. He proceeded with a compositional study in gouache or oil, considering the overall pattern of light and shade. 5. He then produced a full-size tonal study or "cartoon" in pastels or charcoal and powdered gesso. 6. He transferred this drawing to the canvas. 7. Before proceeding with the painting he made small oil studies to define the color relationships. 8. Finally he went ahead with the completed painting. Barocci may have been more meticulous than some of his contemporaries, but his process was not unusual, and almost every imaginative artist since has followed at least some of these steps (GURNEY, 2009, p. 11). A conclusão de Gurney é mais verdadeira ainda quando pensamos na ilustração e na maioria dos exemplos de projetos de concept art relatados nos livros de Arte das produções dos grandes estúdios. Nas Artes Plásticas, entretanto, a partir do Modernismo, os artistas foram se distanciando progressivamente desta metodologia, buscando maior autenticidade e subjetividade em suas obras. Com o advento daquilo que se convencionou chamar de pós-modernidade e o surgimento de manifestações artísticas características desse período, muitos outros paradigmas foram derrubados. Uma das manifestações artísticas mais características desse período é a Conceptual Art, da qual nos ocuparemos agora. Paul Wood, em seu livro Arte Conceitual, investiga as origens desse movimento artístico e suas principais características políticas e formais. Desde o início, entretanto, o autor nos informa que não é simples estabelecer contornos bem definidos do movimento: Até mesmo o nome propõe desde o início, uma dificuldade. Já me utilizei da expressão “arte conceitual” para fazer referência a uma forma histórica de vanguarda que floresceu no final da década de 60 e ao longo da década seguinte. O termo era corretamente empregado na época, para designar uma multiplicidade de atividades com base na linguagem, fotografia e processos, as quais se esquivavam do embate que então se efetuava entre, de um lado, a arte minimalista e várias 32 práticas “antiformais” e, de outro, a instituição do modernismo, num contexto de crescente radicalismo cultural e político. (WOOD, 2002, p. 7) Alguns dados podem ser imediatamente retirados desta passagem. Em primeiro lugar, o estabelecimento de um período histórico para o florescimento da Arte Conceitual: o final da década de 1960 e a década de 1970. Esse dado será importante ao analisarmos aquilo que se conseguiu detectar sobre as origens do Concept Art. Além do destaque dado à fotografia como meio de expressão, é relevante a definição da arte conceitual como uma atividade artística baseada na linguagem: Porém o primeiro a empregar, de fato, a expressão “arte conceito” foi o escritor e músico Henry Flynt, já em 1961, em meio às atividades associadas ao grupo Fluxus de Nova York. Em um ensaio posterior publicado na Anthology do Fluxus (1963), Flynt escreveu que “arte conceito” é acima de tudo uma arte na qual o material são os “conceitos”, argumentando em seguida que,“uma vez que ‘os conceitos’ são estritamente vinculados à linguagem, a arte conceitual é um tipo de arte na qual o material é a linguagem”. (WOOD, 2002, p. 8) Por exemplo, a linguagem textual no trabalho de Keith Arnatt, I’m a real artist. Essa obra esteticamente tão simples não é mais do que uma foto em que vemos um homem segurando um cartaz contendo a frase “Eu sou um verdadeiro artista”. Há, entretanto, um jogo claro com as características representativas da linguagem, tanto textual quanto imagética. O texto afirma que vemos um artista real que, entretanto, está representado por uma fotografia. Ao substituir o fato que provava que ele é artista (a obra de arte) Arnat opta por explicitar apenas o conceito. Esse foco na linguagem era fruto da desconfiança dos artistas da Conceptual Art em relação ao afastamento do intelecto da esfera da Arte promovido pelo Modernismo e sua proposta de autonomia do suporte. Com a colocação da ideia no centro do processo, e não mais a expressividade do meio (tinta, carvão, pedra), o artista conceitual abandonou a produção de objetos e tornou-se “um manipulador de signos, engajado criticamente com a ampla esfera da representação”(WOOD, 2002, p.55). 33 Figura 03 - Keith Arnat – I’m A Real Artist (1972). Aqui retornamos à nossa reflexão da unidade 2.1 sobre o termo conceito. Naquela unidade, vimos que o conceito é na verdade formado por um conjunto de signos e que por isso mesmo ele representa alguma coisa sem, no entanto, ser a essência da coisa. Podemos deduzir então pelo próprio discurso de Henry Flynt que a Conceptual Art recebe esta designação exatamente porque lida com a manipulação do código linguístico, além de jogar também com as questões semióticas suscitadas pela Fotografia. A negação da exclusividade estética pela Conceptual Art a colocava em oposição com duas questões importantes do Modernismo: a produção de objetos para a fruição estética do observador e, particularmente, a tensão entre conceito e representação. Para os modernistas, era fundamental a exploração das 34 propriedades expressivas do meio (especificidade do meio) com a finalidade de criar uma obra que proporcionasse no espectador emoção, o que origina a importância do Abstracionismo, negando os traços narrativos que vigoravam na arte acadêmica. Para os conceitualistas, entretanto, a questão estética não ocupava lugar de destaque. Em primeiro lugar, os artistas da Arte Conceitual queriam uma ampliação de seus suportes, renegando assim a especificidade do meio. Em segundo lugar e não menos importante está a negação da forma, a antiforma: “a obra de arte como qualquer coisa, pedaços de lixo, feltro, matéria indiferenciada, e até mesmo nenhuma ‘coisa’, exceto ações e ‘ideias’” (Ibid., p.30). Esta negação da estética levou ao distanciamento do fazer artístico como reflexo de habilidade e sensibilidade diferenciadas. Os conceitualistas utilizariam os meios e as técnicas comuns que a modernidade tornara acessíveis, como a fotografia, utilizada não como “fotografia-de-arte, mas uma fotografia amadorística e de massa”. (Ibid., p.45) O movimento da Arte Conceitual tinha ainda fortes inclinações políticas. Os artistas lançavam-se em prática que ultrapassava as paredes das galerias, tidas como espaços burgueses, para práticas culturais radicais, envolvendo grupos comunitários e sindicatos. Paul Wood descreve um pouco deste espírito altamente politizado e predominantemente de esquerda, através das ideias do artista Ian Burn: Nas suas Memórias de um ex-artista conceitual, de 1981, Burn isolou cinco características progressivas da arte conceitual: uma reação contra o sistema de mercado; uma tendência a usar formas mais democráticas de mídia e comunicação; uma atenção maior com relação aos relacionamentos humanos reais; uma ênfase em métodos de trabalho organizado de maneira coletiva; e um interesse em educação, levando a uma desmistificação da arte e uma crescente consciência do papel que a arte desempenha no sistema social. Ele concluiu: “O real valor da arte conceitual está no seu caráter transitório, não no estilo propriamente dito”. (Ibid., p.67) Ao contrário da Conceptual Art e de outros movimentos da Arte ao longo do tempo, as origens do concept art são incertas e mesmo não sendo esta a única variável de avaliação do setor é, sem dúvida, um dado importante. Além disso, a falta de problematização sobre a área ao longo do período em que a atividade existe inibiu não apenas a reflexão teórica sobre questões importantes como metodologia e linguagem, como também minimizou – se não inviabilizou – a construção da memória sobre concept art de maneira organizada e cientificamente 35 fundamentada. Tomamos como marco inicial da atividade o surgimento do departamento de ilustrações conceituais na Disney Animation. É um recorte arbitrário, mas que não é desprovido de fundamentação. A Disney é considerada o ponto culminante dos procedimentos industriais nos primórdios da Animação. É sabido que Walt Disney e seus artistas e técnicos não inventaram todos os procedimentos inovadores que deram impulso industrial à Animação, mas ele foi sem dúvida um visionário ao adotar e desenvolver técnicas que incrementavam a produção de filmes animados, tanto em termos qualitativos quanto quantitativos. Além disso, existe material bibliográfico expressivo sobre a produção do estúdio, analisando tanto aspectos artísticos, quanto formas de organização e produção. Giannalberto Bendazzi em seu livro Cartoons: a hundred years of cinema animation, chama a atenção para o fato de que nos primórdios da Animação estadunidense, os estúdios de animação delegavam aos próprios animadores diferentes etapas tais como animação, roteiro e concept art. Não havia naquele momento uma preocupação maior com a diferenciação através do Design, pois as formas eram definidas em função da facilidade para serem animadas.( BENDAZZI, 2006, p.23) Obviamente a qualidade final era determinada pelas limitações do método. Ainda na era dos personagens com cabeças circulares e braços e pernas que se comportavam como mangueiras – dentre os quais podemos destacar o Gato Felix, o Coelho Oswald e o próprio Mickey Mouse – os estúdios Disney começaram a investir no desenvolvimento visual para incrementar a qualidade expressiva de seus personagens. Walt Disney acreditava em personagens com forte personalidade e, para isso, incrementou as habilidades técnicas dos artistas do estúdio, recorrendo a aulas de Arte para que eles se tornassem capazes de transmitir emoção por meio de seus desenhos. John Canemaker em seu livro Before animation begins fala da preocupação de Disney com a formação artística de seus animadores: “Walt knew instinctively that the tyranny of the circle and rubber-hose template must be replaced by expressive and complex drawings in order to caricature reality. Most of the experienced animators he was recruiting from the east and newcomers he hired in Los Angeles were clever but limited cartoonists, untrained in academic arts.( CANEMAKER, 1996, p.4) A razão por trás da ênfase no desenvolvimento dos personagens não apenas em relação ao movimento, mas também da forma, era o aperfeiçoamento da narrativa. E essa busca do incremento narrativo passava pelo aperfeiçoamento dos 36 personagens, bem como de cenários e objetos de cena. No início dos anos de 1930, Disney iniciou o treinamento regular em Artes para os seus desenhistas, procedimento que se tornou comum no estúdio. Dentro de um profundo remodelamento do sistema de sua linha de produção, Disney contratou em 1931 o artista Albert Hurter, que se tornou o primeiro inpirational sketch artist do estúdio. John Canemaker nos fala sobre a importância da estética dos livros infantis europeus sobre os filmes do estúdio e do impacto do trabalho artístico que Hurter teve sobre Walt Disney: Those illustrative references became major stylistic motifs in the features Snow White and Pinicchio (both adapted from European literary sources), and can be directly attributed to Albert Hurter, an artist who arrived at the studio in 1931 with “a cigar in his left hand, a magic wand in his right”. Walt immediately saw in the academically trained, older artist a conduit for his vision of animation as believable, personality-driven storybook illustrations come to life. (Ibid, p.7) Esta profunda mudança de paradigma nos estúdios Disney teria como resultado um incremento qualitativo em todas as áreas, e principalmente naquilo que no futuro ficaria conhecido como concept art. Não temos como afirmar categoricamente que o concept art surgiu na Disney, mas o fato de o estúdio ter criado um departamento unicamente voltado para esta atividade, no momento em que a animação está sendo construída tanto em termos de linguagem quanto de metodologia, sugere um marco importante no desenvolvimento da área. Assim podemos ver que as diferenças entre concept art e Conceptual Art começam na própria origem de ambas. O Conceptual Art se formou dentro do processo de declínio do Modernismo na década de 1960. Se tomarmos como marco inicial para surgimento do concept art no cinema de animação a criação do departamento nos estúdios Disney, esta atividade começou seu desenvolvimento a partir da década de 1930. Disney, em seus primeiros trabalhos de longametragem, tinha como referência a arte figurativa e acadêmica do século XIX, principalmente os livros infantis europeus. É notório que Walt Disney contratou os ilustradores europeus de livros infantis Kay Nielsen e Gustaf Tenggren para colaborar na concepção visual de seus filmes. Isso, em plena vigência do ideário da Arte Modernista. Outra diferença importante entre concept art e Conceptual Art é a questão da estética. Enquanto para o conceptual artist as questões estéticas deviam ser 37 minimizadas, mesmo quando ele exprimia suas ideias mediante um meio plástico como a fotografia, no concept art pelo contrário, o Design e consequentemente a Estética são essenciais. Mesmo quando busca mais a expressão – caso, por exemplo, daqueles filmes mais calcados no estilo cartum – do que propriamente a beleza, o concept artist ainda assim deve se preocupar se aquelas formas são ou não adequadas àquele projeto. A preocupação com a adequação do seu trabalho ao produto é análoga à questão vivida pelos artistas da era pré-moderna que executavam seus trabalhos por encomenda e tem pouco a ver com a realidade vivida pelos modernistas ou pós-modernistas. Retornando à questão da fotografia, para os artistas do Conceptual Art a importância da fotografia era comunicacional e um fim em si própria, enquanto para o concept art a fotografia em geral é avaliada prioritariamente por suas características formais, servindo como matéria-prima para a produção de outras imagens. Podemos citar três métodos, dentre tantos outros possíveis, de utilização da fotografia no concept art. Em primeiro, a utilização de uma foto tratada digitalmente de maneira a possibilitar uma leitura que não existia antes da manipulação. Por exemplo, a foto de um prédio em perfeitas condições transformada na imagem de um prédio em ruínas. Uma segunda forma de utilização é a fotografia como matéria-prima para colagens. O concept artist reúne partes de várias fotos em um editor de imagens, produzindo, após complexa manipulação, uma nova imagem que atende às necessidades estéticas do filme. Por fim, podemos citar o uso da fotografia enquanto referência de formas, cores e texturas, bem como de estilo arquitetônico, adereços e figurinos, animais e seres humanos. A lista é praticamente interminável. Nesse caso, o concept artist utiliza as fotos como um ponto de partida para a produção das ilustrações, que podem ser produzidas em qualquer técnica, desde lápis grafite até pintura digital; e, nesse ponto, retornamos à questão das habilidades técnicas de representação figurativa, aquilo a que anteriormente nos referimos como expressividade do meio. Jeff Wall afirmava que “a vanguarda crítica ‘não sentia mais a necessidade de aquisição de habilidades e sensibilidades enraizadas em uma exclusividade artística de corporação de ofício’”.(WOOD, 2002, p.45) Os artistas do Conceptual Art negavam o desenvolvimento dessas habilidades – aqui identificadas como habilidades técnicas de representação figurativa. Entretanto, em concept art o 38 desenvolvimento de tais habilidades é fundamental. Vejamos o que diz Canemaker a respeito do domínio técnico necessário a um inspirational artist: Using pastel or charcoal, gouache, watercolor or oil paint, pen or colored pencil, and making any size, shape, or type of surface that is comfortable, they create new worlds, new characters, and new entertainment possibilities in their own individualistic graphic styles. (CANEMAKER, 1996, p.XI) Uma simples consulta a um livro de Arte de alguma das produções de grandes estúdios tais como Pixar ou Dreamworks é o suficiente para entendermos a que John Canemaker se refere. É expressiva a quantidade de imagens produzidas para a definição de um único personagem em filmes como Kung Fu Panda. As versões dos personagens, objetos e cenários são produzidos em diferentes estilos e técnicas até que o modelo ideal seja encontrado. É importante ressaltar que a tecnologia digital veio somar novas formas de produção artística – por exemplo, a pintura digital – àquelas técnicas tradicionais citadas por Canemaker, ampliando os meios de expressão disponíveis para os artistas visuais de um modo geral e, consequentemente, para os concept artists. O concept artist está inserido em uma tradição balizada pelo desenvolvimento técnico, nos moldes das Artes Figurativas tanto pré-modernas quanto modernistas. Apesar de as rupturas com a era prémoderna, vimos que a Arte Modernista ainda tinha na expressividade do meio um elemento importante. O concept artist tem que dominar as técnicas da Arte Figurativa – perspectiva, anatomia, variedade de materiais – nos mesmos moldes dos artistas do passado, apenas com objetivos diferentes. Figura 04 - Design de personagem para o filme Kung Fu Panda pelo character designer Nico Marlet. 39 Concept art e Conceptual Art ficam ainda mais distantes um do outro quando pensamos no fato de que o Conceptual Art se dedicava a contestar não apenas o estatuto da Arte dentro da sociedade, mas também a própria estrutura da sociedade. Esta contestação era feita por meio de manifestos como os do grupo Fluxus e das próprias obras dos artistas, a maioria delas engajadas na crítica social. O concept art, por sua vez, não apresenta dimensão crítica explícita. Pelo menos nas animações comerciais produzidas pelos grandes estúdios, os concept artists não parecem ter como prioridade em seu trabalho a prática de crítica social. Entretanto, seria ingênuo acreditar que não há dimensão política no desenvolvimento de qualquer tipo de mídia. Não é do escopo deste trabalho a análise semiológica ou de discurso dos filmes animados produzidos pela indústria de Hollywood, mas obviamente os filmes dessa indústria estão inseridos em um contexto de representação que reflete as posições políticas daquela sociedade em particular, mesmo quando retrata histórias passadas em outras culturas como Mulan ou Kung Fu Panda cujas tramas se passam na China, e Rio, filme da Blue Sky ambientado na cidade do Rio de Janeiro. A unidade 2.3 será totalmente dedicada à investigação das questões ligadas à narrativa. Entretanto, não podemos deixar de abordar aqui questões que estabelecem desde já mais uma diferença radical entre concept art e Conceptual Art. Se o Conceptual Art assume um antagonismo em relação ao vazio conceitual presente no abstracionismo modernista, por outro lado também não se alinhava com o modelo narrativo da arte acadêmica do século XIX. O concept art, pelo contrário, é totalmente identificado com o modelo narrativo das Artes até o Modernismo. Sua tarefa maior é a transmissão de uma ideia por meio da narração e do design. Aliás, defendemos neste trabalho que esta tensão entre design e narrativa não apenas constitui o campo, mas é fundamental para o sucesso do filme perante o público. Nesse ponto, o concept artist ao contrário dos conceptual artists, está tão alinhado com artistas acadêmicos do século XIX, tais como Alma Tadema, quanto com os representantes do Modernismo. Se aqueles trazem como contribuição todo o legado artístico da precisão anatômica, perspectiva e dramaticidade iniciado pelos renascentistas e aperfeiçoado pelos expoentes da Arte Barroca, os artistas do Modernismo vão demonstrar o valor das cores, das texturas e das formas geométricas. Apesar de os modernistas terem se colocado em oposição à arte alegórica e histórica eminentemente narrativa praticada pelos 40 acadêmicos do século XIX, os recursos estéticos desenvolvidos no Modernismo trouxeram alternativas expressivas importantes. Podemos citar, por exemplo, a UPA5 e toda a sua estética calcada sobre os movimentos modernos da Arte, que se tornou uma referência e uma alternativa ao estilo Disney, este sim extremamente baseado na arte figurativa e acadêmica. Particularmente no cinema de animação, não faltam exemplos de concept artists com forte influência de movimentos como o Cubismo, o Expressionismo e o Surrealismo. Outro ponto divergente é quanto ao uso da linguagem escrita ou verbal. Os artistas conceituais utilizavam a linguagem como objeto artístico, manipulando o caráter simbólico da palavra. Uma palavra impressa em um determinado contexto poderia ser a própria obra de arte. Para o concept artist as linguagens escrita e verbal são o ponto de partida. As ideias expressas no roteiro ou no discurso dos membros da equipe de criação são a base para a construção da visualidade. Concept Art e Conceptual Art são atividades com modos de operação distintos. Em comum têm o fato de ambas partirem de um conceito previamente estabelecido, mas os objetivos de cada uma também são diversos, o que torna os resultados obtidos praticamente opostos. Anteriormente adotamos a definição de conceito enquanto signo linguístico e, se tomarmos como base o pensamento de Henry Flint, a manipulação desse signo linguístico é o objeto de trabalho do conceptual artist. O conceptual artist não precisa chegar necessariamente em outro lugar para além do símbolo, muito menos tem a obrigação de preocupar-se com questões caras ao Modernismo, como a já citada expressividade do meio. Mais distante estão ainda algumas questões que eram centrais para os movimentos artísticos anteriores ao Modernismo como, a verossimilhança com o tema representado. Ao conceptual artist basta a manipulação do signo e a sua consequente mensagem, que pode vir na forma de qualquer material, sobre qualquer suporte ou até nenhum suporte. O concept artist, entretanto, está no caminho oposto. Apesar de ele também interpretar e manipular os signos linguísticos, a linguagem não é o resultado final do seu trabalho. Para ele, o signo linguístico é o ponto de partida, e questões como 5 UPA – United Producers of America – Estúdio de animação criado em meados da década de 1940 por animadores egressos da Disney, a UPA se destacou exatamente por ter desenvolvido um marcante estilo próprio. O “estilo UPA” era em todos os sentidos uma antítese do “estilo Disney”. A estética da UPA influenciou gerações na animação e seus ecos são percebidos ainda hoje. Segundo Alberto Lucena, nos filmes da UPA o design era mais importante do que o movimento. (LUCENA, 2002, p.131) 41 a expressividade do meio e a verossimilhança – dentre muitas outras que estiveram em pauta nas artes até o Modernismo – são fundamentais. O objetivo final do concept artist é a criação de um código visual que será inserido em uma estrutura maior, a narrativa. Ele parte do signo linguístico para gerar um código visual que encontra a sua função maior dentro da estrutura narrativa. Podemos obviamente fruir e até compreender as imagens conceituais de um filme de animação isoladas de seu contexto maior. Porém, a imersão total só se dá quando estamos diante da peça acabada: o filme. Na tabela a seguir temos uma visão geral das oposições entre concept art e conceptual art indicadas nesta unidade: QUADRO I Concept art Conceptual art É essencial. Não é essencial. Nas animações comerciais produzidas pelos grandes estúdios não há prioridade na crítica social. Contestação do Estatuto da Arte dentro da sociedade, mas também a própria estrutura da sociedade. Estética É questão central. Negação ou minimização. Finalidade O design auxilia na transmissão da mensagem inserida na narrativa. A mensagem é a própria obra. Suporte Utilização dos suportes tradicionais e dos novos (tecnologias digitais). Independência em relação aos suportes tradicionais. Narrativa Totalmente identificado com o modelo narrativo das Artes até o Modernismo. Não se alinhava com o modelo narrativo da arte acadêmica do século XIX. Uso da linguagem O signo linguístico é o ponto de partida, mas o resultado final é uma imagem. Manipulação do signo linguístico. O signo linguístico pode ser a própria obra. Habilidades técnicas de representação figurativa Engajamento político 42 O trabalho de concept art não é um fim em si mesmo e seu verdadeiro sentido só se completa no contexto para o qual foi criado. É exatamente o contexto narrativo que investigaremos na próxima unidade. 2.3. Narrativa e Arte Concept Art é uma forma de representação visual eminentemente narrativa que fornece ao filme suas primeiras impressões imagéticas. No princípio, em uma boa parte dos casos, um filme de animação é composto apenas pelo discurso textual – argumento, sinopse ou roteiro –, ou seja, os signos linguísticos que são interpretados e transformados em códigos visuais pelo concept artist. As ilustrações conceituais são, muitas vezes, as primeiras imagens de uma animação, servindo tanto como representação estética quanto como indicações esquemáticas de objetos, personagens e ambientes. O Dicionário Houaiss define narrativa da seguinte forma: S.f. ação, processo ou efeito de narrar, narração 1 exposição de um acontecimento ou de uma série de acontecimentos mais ou menos encadeados, reais ou imaginários, por meio de palavras ou imagens.(HOAISS & VILLAR, 2001, p.1996) A narrativa existe nas culturas e se faz presente em diferentes suportes, como nos informa Barthes: [...] a narrativa pode ser sustentada pela linguagem articulada, oral ou escrita, pela imagem fixa ou móvel, pelo gesto ou pela mistura ordenada de todas estas substâncias; está presente no mito, na lenda, na fábula, no conto, na novela, na epopéia, na história, na tragédia, no drama, na comédia, na pantomima, na pintura, (recorde-se a Santa Ursula de Carpaccio), no vitral, no cinema, nas histórias em quadrinhos, no fait divers, na conversação. (Barthes et al, 2001, p.19) Os vários suportes narrativos são formados pelos elementos constitutivos da linguagem de cada um especificamente. Por exemplo, a narrativa escrita é formada por um conjunto de frases e, segundo Barthes, a linguística para na frase que é “a última unidade da qual se julga com direito de tratar”. (Ibid, p.22) No entanto, o próprio Barthes também nos adverte de que uma narrativa é muito mais do que um conjunto de frases. Assim também a narrativa fílmica é formada por unidades menores (plano, cena e sequência), mas o resultado final de um filme é muito maior do que a soma de suas unidades. A obra narrativa está no plano da 43 significação, e essa é alcançada pelo acúmulo de funções narrativas que estão agrupadas de acordo com uma hierarquia. No caso da narrativa fílmica obviamente, por se tratar de um meio audiovisual, as imagens têm grande importância na criação de significados. Ao lermos a descrição de Barthes sobre tantos suportes narrativos, podemos deduzir que ele provavelmente incluiu a Animação no conceito de Cinema e, por isso, não a citou nominalmente. Tratamos no subcapítulo Linguagem material sobre esta relação entre o cinema convencional e a animação, mas aqui vamos nos ater ao que foi incluído mais do que ao omitido. É de particular interesse a inclusão da pintura enquanto suporte possível para a narrativa, isso porque o concept art é uma forma de representação pictórica, estática, podendo ser bidimensional e ocasionalmente tridimensional, quando são construídos modelos em argila para servirem como referências para os membros da equipe. Na História da Arte, o potencial narrativo das imagens foi mais ou menos explorado dependendo do momento histórico, mas em concept art – assim como em ilustração e quadrinhos, por exemplo –, a narrativa está na maioria das vezes dentro do processo. Isso é mais verdadeiro ainda quando nos reportamos ao objeto de estudo deste trabalho, o concept art para Animação, particularmente a animação comercial de longa-metragem. É importante neste ponto frisarmos que, ao longo da História da Animação, vários gêneros se constituíram, e autores elaboraram suas formas de expressão. A animação abstrata, eminentemente formalista, tem sua importância focada muito mais na estética do que no conteúdo. Exemplos desse tipo de trabalho são os filmes de cineastas como Oskar Fishinger, Hans Richter, Walter Ruttmann e Norman Mclaren, que exploram o movimento de formas e cores em sincronia com a trilha sonora. Evidentemente, as questões envolvidas na construção de um trabalho abstrato são diferentes daquelas encaradas em um trabalho figurativo e eminentemente narrativo, como é o caso da maioria dos filmes de longa-metragem e das séries de televisão. Entretanto, mesmo artistas figurativos podem abrir mão da narrativa, pelo menos daquilo que se entende como narrativa nos grandes meios de comunicação, ou seja, a narrativa aristotélica clássica. É o caso, por exemplo, do animador suíço Georges Schwizgebel, que trabalha em espirais não apenas narrativas como também imagéticas, seguindo um fluxo totalmente diferente do usual. 44 Os longas-metragens e as séries de televisão – sejam live action ou animação – de uma maneira geral têm como finalidade contar histórias, o que torna a narrativa visual um recurso muito importante. Tão importante que foi no contexto de produção de filmes animados que surgiu o storyboard. Há casos, entretanto, em que o realizador pode não considerar o uso dos storyboards necessário. Formas de animação não narrativas, como os filmes animados diretamente sobre a película ou casos em que diretores de cinema live action desejam mais espontaneidade e acaso em seus filmes, por exemplo, talvez possam prescindir de um planejamento mais rígido. Entre os filmes de animação que têm a narração de histórias como principal objetivo e os filmes de autor não narrativos que trabalham com temáticas frequentemente, porém não apenas, abstratas, encontramos uma tensão semelhante àquela existente entre arte narrativa e não narrativa dentro da História da Arte, a oposição, por exemplo, entre o formalismo impressionista e as imagens representacionais do Romantismo. Mesmo que ambos os movimentos estivessem se opondo ao racionalismo acadêmico na Arte, os grupos estavam em meio a um embate que dividia as reflexões sobre a Arte no final do século XIX. Em sua tese de doutorado Narrativa e AIDS : Noites felinas e as dualidades da experiência narrativa pós-moderna, Gamba Junior descreve esse embate, adicionando ainda a importância do Simbolismo como mais uma frente de oposição às forças estéticas vigentes naquele momento: Assim teríamos nesse período três eixos de ruptura manifesta para a representação artística: o Romantismo (anterior) com o uso da metáfora de forma alegórica, criando um primeiro embate ao discurso racionalista; o Impressionismo, privilegiando a percepção em função do tema, resultando em outra forma de reagir ao discurso vigente, e o Simbolismo, dialogando com ambos na busca do símbolo como substituição à alegoria romântica e ao materialismo impressionista. (GAMBA JUNIOR, 2004, p.83) Enquanto um artista romântico buscava registrar os fatos através de figuras alegóricas como uma forma de representação ideológica, os impressionistas privilegiavam a percepção e as sensações ópticas mais do que “a representação de elementos figurativos (contorno, figura e fundo, etc.)”. (Ibid, p.85) Não é mais o tema que importa ao artista impressionista, mas a maneira como este objeto será representado, deslocando-se o foco do objeto para o processo. Gamba Junior 45 coloca a narrativa no centro desse embate entre as duas vertentes estéticas, Romantismo e Impressionismo: O desafio central ainda é a fidelidade entre discurso e objeto, entre representação e realidade. Dilemas diretamente ligados à reflexão da experiência de narrar como uma reelaboração do percebido e, agora, como proposta clara de um movimento para abolir antigas estruturas históricas de visão de mundo que não dão mais conta desse novo contexto. (Ibid., p.85) O Simbolismo, por sua vez, se opõe tanto à alegoria romântica quanto ao materialismo impressionista. Até mesmo o tempo tem uma representação diferenciada nos três estilos, sendo o tempo romântico aquele tempo histórico convencional, atrelado ao fato em questão. O tempo no Impressionismo é o do movimento, daquele instante congelado oriundo da linguagem fotográfica e que agora passa a habitar o universo da pintura por meio das experiências impressionistas. Finalmente o tempo do Simbolismo é o tempo onírico, não pode ser mensurado e tampouco o momento representado pode ser datado. Gamba Junior completa: Essas três formas de representar o mundo esboçam então os primeiros contornos para uma crise das antigas formas de elaborar a realidade que irá atravessar a cultura ocidental até o Pós-Modernismo: a oposição entre metáfora e denotação (Romantismo), percepção e narração (Impressionismo) e símbolo e alegoria (Simbolismo) vai-se constituir como as sementes do que viria a ser denominado Arte Moderna e também como os fundamentos de uma rejeição à representação integrativa da realidade já abordada – a oposição entre o sujeito e o dito mundo objetivo – mas agora passível de uma estruturação clara de ruptura estética. (Ibid., p.87) Entretanto, se a narrativa tornou-se cada vez menos presente nas Artes Plásticas, na Ilustração ela continuou parte essencial do processo. Área ligada às Artes Visuais, arte aplicada por excelência, a ilustração requer, para a sua realização, habilidade artística, domínio da linguagem das Artes Visuais e domínio da narrativa. A tarefa do ilustrador é comunicar através de imagens uma mensagem específica que pode ser desde uma especificação técnica – como a perspectiva explodida de um motor, por exemplo –, e que, dependendo do contexto, envolve pouco de narrativa, até uma ilustração literária onde a narrativa é parte inerente ao processo. Em função de algumas de suas características, alguns autores consideram Concept Art como um subgrupo da ilustração, assim como ilustração editorial, 46 ilustração publicitária ou ilustração para livros infantis. Esta opinião, entretanto, não é unânime. Veremos mais adiante, no capítulo 4, que o concept artist Feng Zhu faz distinções importantes entre concept art e Ilustração. Além disso, os cursos de Concept Art não estão ligados aos cursos de Ilustração mesmo quando alocados em instituições de ensino superior onde já existem cursos de ilustração. Apesar das diferenças, investigar a ilustração e suas relações com a narrativa pode nos ajudar a encontrar analogias importantes com o concept art. E mais relevante do que saber se o concept art é mais próximo das Artes Plásticas ou da Ilustração, uma mistura de ambas ou nenhuma das duas, é identificarmos com que cada uma dessas áreas contribui para a formação do campo. O ilustrador Rui de Oliveira em seu livro Pelos Jardins Bobolidistingue três categorias na ilustração – persuasiva, informativa e narrativa –, e define a ilustração narrativa da seguinte forma: A ilustração narrativa está sempre associada a um texto, que pode ser literário ou musical, como é o caso das ilustrações para capa de CDs e DVDs. No entanto, o que fundamentalmente caracteriza esse gênero são [SIC] o narrar e descrever histórias através de imagens, o que não significa em hipótese alguma uma tradução visual do texto. A ilustração começa no ponto em que o alcance literário do texto termina, e vice-versa. (OLIVEIRA, 2008, p.44) Se a ilustração, assim como o Concept Art, é eminentemente narrativa, e esse ato narrativo se materializa através da imagem, o que afinal faz com que uma imagem possa ser considerada narrativa? Em seu texto O que é uma imagem narrativa?, a ilustradora Ciça Fitipaldi define assim as condições para que uma imagem possa ser considerada narrativa: Uma ou mais personagens em ação, objetos postos em relação num lugar em acontecimento: essas são as condições essenciais para colocar histórias em andamento. A composição dos elementos do desenho numa configuração espaçotemporal confere narratividade à imagem.( FITIPALDI, 2008, p.98) As imagens narrativas, portanto, devem conter em sua configuração algo que remeta ao acontecimento e que suscite um antes e um depois. A autora complementa: Quando as imagens em sua espacialidade incorporam a dimensão temporal, seja pela representação de ações e eventos, seja pela articulação de vários quadros ou cenas, em sequências, expondo uma ordem de acontecimentos temporal, são imbuídas da fluência narrativa. (Ibid., p.109) 47 As imagens narrativas podem estar em sequência, como nos storyboards, em que a imagem seguinte complementa o sentido da anterior, ou podem ser imagens isoladas desde o momento que as relações espaço-temporais induzam à existência de uma sucessão de acontecimentos, no qual aquela imagem representa apenas um fragmento isolado. Nesse contexto, uma pintura abstrata é pouco ou nada narrativa, e um retrato é menos narrativo do que uma pintura histórica. Esse tipo de embate está presente no concept art desde o início do cinema de animação. Desde os primórdios da animação, vemos que o seu desenvolvimento se dá em meio a este embate e nela tanto poderemos encontrar a narrativa aristotélica quanto o filme abstrato. Tanto características eminentemente formais quanto simbólicas e, por vezes alegóricas. O filme Fantasia (1940) de Walt Disney é um caso particular em que encontraremos essas dimensões reunidas em uma única peça. As diferentes temáticas e abordagens estéticas e narrativas que se sucedem ao longo do filme nos levam tanto às alegorias mitológicas na parte do filme dedicada à Sinfonia Pastoral de Beethoven, quanto ao abstracionismo radical utilizado para a Toccatta e Fuga em Ré Menor de Johan Sebastian Bach. O caráter narrativo do concept art está em acordo com a abordagem do próprio termo “conceito”, entendido como signo linguístico e, consequentemente, com caráter representacional. O concept artist faz uso do signo interpretando-o e manipulando-o para criar o código visual que estará a serviço da narrativa. Mais ainda, ele deve conhecer e fazer uso das técnicas de construção narrativa para criar imagens que serão ao mesmo tempo representações estéticas e indicações técnicas para o desenvolvimento do filme. Exatamente por isso o concept artist não relega ao segundo plano o caráter estético como o faziam os representantes da Conceptual Art, e também não pode deixar de lado o conteúdo narrativo como faziam os impressionistas. Assim como o ilustrador, o concept artist interpreta o texto e as informações transmitidas a ele para desenvolver imagens narrativas que transmitam a atmosfera de uma cena ou um enquadramento específico e várias informações que completam a narração, como iluminação, cor e atitude dos personagens. Uma questão que fica para a reflexão é se o desenvolvimento de cenários, personagens e adereços produz imagens narrativas ou se estão mais próximas daquilo que Rui de Oliveira chama de ilustração informativa. 48 Por ora, é importante termos a consciência de que os concepts darão ao filme o seu primeiro corpo visível, um universo imagético apoiado sobre a história e que servirá de recipiente para a ação dramática que será insuflada nos personagens pela magia dos animadores. É função do concept artist a construção deste discurso material que nos parece estar, acima de tudo, a serviço da narrativa. É dessa linguagem material que trataremos na próxima unidade. 2.4. Linguagem material No momento em que nos propomos a refletir sobre a linguagem material, é importante reforçar que o objeto da pesquisa é o concept art no contexto da animação. A animação está circunscrita ao universo audiovisual, pelo menos no que diz respeito ao dispositivo que torna possível o filme animado e, de resto, todo o Cinema. Como já especificamos anteriormente, dentro do universo da animação, propomo-nos a estudar mais particularmente os filmes de longametragem com forte apelo comercial e esteticamente relacionados ao cartum. Ainda mais, partimos dos exemplos da indústria de cinema de animação dos Estados Unidos. Entendemos nesta pesquisa que o concept art é ainda uma área nova que carece de definições acadêmicas. Sua origem no Cinema de Animação, ao que tudo indica, ocorreu nos estúdios Disney durante os anos de 1930 quando da contratação de Albert Hurter, exatamente para aumentar a expressividade dos personagens das animações do estúdio. Tomando-se esta informação como marco inicial, o concept art para filmes de animação nasceu e consolidou-se no contexto da animação comercial estadunidense, definindo-se assim tanto as práticas quanto as terminologias utilizadas, bem como a estética geral do longa-metragem de animação. No universo do Cinema de Animação, os longas-metragens sempre foram considerados o ponto alto, tanto pelo trabalho imenso que esse tipo de filme requer quanto pelo acúmulo de recursos materiais e humanos que envolvem as produções. Logo, consideramos, para este estudo, que a investigação sobre os filmes animados de longa-metragem produzidos na indústria de Cinema norteamericana fornecerão informações exemplares sobre métodos e procedimentos que poderão auxiliar na tarefa de definir o que é o concept art para filmes animados. 49 Faz-se necessário aqui, mais uma vez, reafirmar com que recorte dentro do universo da animação estamos trabalhando, por que se estivéssemos trabalhando, por exemplo, com os filmes de animação feitos com captura de movimento ou com filmes de autor, certamente teríamos outras categorias a estudar dentro do contexto específico da linguagem material. Aliás, aqui lançamos mão do trabalho Entre o olhar e o gesto: elementos para uma poética da imagem animada, de Marina Estela Graça, um dos poucos trabalhos a abordar a animação como linguagem e que tem como objeto exatamente a animação autoral, para contrapor ao conceito de cinema como janela da realidade, que por sua definição já exclui a animação e que aqui está representado pelo pensamento do cineasta e semiólogo italiano Píer Paolo Pasolini. Em seu trabalho, Marina Estela Graça, logo de início, avisa que praticamente todos os estudos a respeito de Animação “têm-se mantido exclusivos – de índole técnica, biográfica ou histórica” (GRAÇA, 2006, p.13) e complementa que se o Cinema de Animação é ignorado total ou parcialmente na teoria cinematográfica é porque se insiste em privilegiar um determinado modelo de Cinema como sendo o único: Evidentemente, daqui se deduz que a teoria do cinema não encarou, ou não quis encarar, como admissível a existência de práticas fílmicas – no plural – como necessariamente decorrente da manipulação e manuseamentos diferenciados, literais dos mecanismos e dispositivos tecnológicos; não sentido, em consequência, compelida a considerar eventuais distinções pertinentes ao estudo fílmico. (Ibid., p.32) Esse modelo ao qual se refere a autora é o modelo do Cinema Realista, que tem em André Bazin seu teórico mais representativo. Bazin foi um crítico de Cinema francês atuante durante os anos de 1940 e 1950, cofundador da influente revista Cahiers du Cinema e principal mentor dos diretores da Nouvelle Vague, importante movimento de cinema de vanguarda francesa. Defendia que a realidade era a matéria-prima do cinema, mas não a realidade como a conhecemos. Para Bazin, a câmera fotográfica tirava uma impressão do objeto. “Não é o objeto real, mas em vez disso, seu “desenho” real e verificável, sua impressão digital”. (ANDREW, 2002, p.117) Mais ainda, no sentido psicológico, Bazin acreditava que o realismo cinematográfico tinha mais a ver com a crença do espectador na origem da reprodução do que propriamente na verossimilhança da 50 cópia em relação ao original. Esta verossimilhança teria sido, segundo ele, um dos pontos de sustentação da Arte; uma vez que ela, destituída de seus atributos mágicos, passa a ter a função de resistir ao tempo. O indivíduo ou objeto representado escapa de uma segunda morte espiritual uma vez que sua imagem está preservada. Bazin afirma: Que coisa vã a pintura, se por trás de nossa admiração absurda não se apresentar a necessidade primitiva de vencer o tempo pela perenidade da forma! Se a história das artes plásticas não é somente a de sua estética, mas antes a de sua psicologia, então ela é essencialmente a história da semelhança, ou, se quer, do realismo. (BAZIN, 1991, p.20) Para Bazin, a pintura esteve dividida por muito tempo entre duas vertentes: uma simbólica e outra que buscava o realismo das formas. A partir do século XV, entretanto, com o desenvolvimento da perspectiva e de instrumentos como a câmara escura, a busca por uma representação exata do mundo exterior passou a progressivamente ocupar lugar de destaque na arte ocidental. Bazin completa: Desde então, a pintura viu-se esquartejada entre duas aspirações: uma propriamente estética – a expressão das realidades espirituais em que o modelo se acha transcendido pelo simbolismo das formas – e outra, esta não mais do que um desejo puramente psicológico de substituir o mundo exterior pelo seu duplo. (Ibid., p.20) Apesar dessa busca pela reprodução do real, havia na obra de qualquer pintor, segundo o crítico, uma carga inevitável de subjetividade, e aí se faz a diferença entre a busca inglória pelo realismo empreendido pela Pintura e a bem sucedida realização do Cinema e da fotografia. Para Bazin, é na exclusão do homem no processo de registro que reside a superioridade da fotografia em relação à pintura no quesito representação da realidade. A objetividade do registro fotográfico sem a intervenção do homem constitui a grande novidade, não tendo o fotógrafo condições de ir além de um determinado ponto na elaboração da fotografia, já que cabe ao jogo de lentes a captação do registro. O realismo não foi a única teoria do cinema. Os formalistas como Rudolf Arnheim e Sergei Eisenstein tinham opiniões bem diferentes sobre o que se constituía em cinema como forma de arte. Entretanto, o realismo foi o princípio naturalizado pela indústria, até se tornar preponderante, tendo a busca por este realismo se tornado comum até nos filmes mais fantasiosos. 51 O conceito de que o Cinema é uma janela da realidade torna imensa a dificuldade em se desenvolver qualquer estudo que tenha como objetivo uma análise aprofundada da animação – ou de qualquer de seus processos constitutivos – como linguagem, frente à teoria do Cinema. A fidelidade do registro fotográfico não é uma questão primordial no Cinema de animação em que a imagem fotografada é construída por um artista nos filmes autorais, ou grupo de artistas no caso dos filmes de indústria. Logo, as imagens dos filmes de animação são carregadas de subjetividade, mesmo se considerarmos que em um filme de indústria os artistas vão moldando seu estilo às necessidades expressivas do filme. O simbolismo das imagens animadas é, de maneira geral, buscado pelos diretores mesmo em filmes CGI em que os processos de texturização e de iluminação tornam a imagem muito mais realista do que na animação 2D. O embate sobre a legitimidade da animação como cinema, apesar de desgastado, ainda é vivo principalmente se observarmos as discussões em torno dos processos de captura por meio de câmeras digitais ou sobre a tecnologia de captura de movimento. É nesse contexto que Michel Lahud coloca o pensamento de Pasolini: E é justamente nisso que consiste para Pasolini a grande "importância revolucionária" da criação do cinema: transcrevendo por assim dizer “literalmente” a linguagem do real, ele representa ao mesmo tempo a sua mais primitiva forma de conhecimento; evidencia a sua expressividade, sublinha a sua fenomenologia, traz à tona alguns de seus mecanismos que antes dele, passavam despercebidos; realiza em suma, uma semiologia natural da realidade. (LAHUD, 1990, p. 44). A ideia de que a câmera captura a realidade tal como ela é perpassa a teoria do Cinema ao longo do tempo desde sua criação. Pasolini vai além, colocando que o Cinema live action, por meio da fotografia, transforma cada coisa em um índice dela mesma, ou mais ainda, que as coisas já são signos antes de serem capturadas pela câmera: De fato, enquanto para o literato as coisas estão destinadas a se tornar palavras, isto é, símbolos, na expressão de um cineasta as coisas continuam sendo coisas: os "signos" do sistema verbal são, portanto, simbólicos e convencionais, ao passo que os "signos" do sistema cinematográfico são efetivamente, as próprias coisas, na sua materialidade e na sua realidade. É verdade que essas coisas se tornam "signos", mas são "signos", por assim dizer vivos, de si próprias. (PASOLINI, 1990, p.128) 52 Marina Estela Graça faz um contraponto importante a essa noção do Cinema como janela da realidade: Na história da arte e dos processos representativos, verificou-se frequentemente o equívoco de considerar que a finalidade desses processos consistia no elaborar não de um sub-rogado, um substituto, mas de uma reprodução verídica, fiel e equivalente à realidade figurada. Embora atualmente todos concordemos nesta falácia das imagens, ainda é possível detectar atitudes que, em seu confronto, deixam transparecer ingenuidade ou completo desconhecimento. Como interpretar os discursos que lamentam ou sublinham a atual e assumida manipulação digital das imagens cinematográficas obtidas ou não fotograficamente? Onde situar a famosa frase, proclamada por Jean Luc Godard no início de sua atividade e ecoada por tantas outras vozes, entre elas a de Pasolini o – "A fotografia é a verdade, e o cinema é a verdade 24 vezes por segundo", afirmação que, ainda hoje, parece indiscutível a tanta gente que escreve sobre cinema? (GRAÇA, 2006, p. 54) Afinal, mesmo que esteja correta a noção de que a imagem cinematográfica transforma as coisas em signos de si próprias, é importante lembrar que o olhar da câmera não é isento. O processo fotográfico é fruto de uma série de decisões e escolhas que fazem parte do processo, aquilo que Estela Graça chama de “boas práticas”. Além disso, acrescenta ela, “a execução de uma boa fotografia implica uma competência simultaneamente técnica e poética”. O repertório de procedimentos para a execução de uma boa foto é significativo e mesmo no cinema documental não podemos falar de um recorte pura e simplesmente, como pretenderam os defensores do Cinema direto, mas talvez de uma interpretação da realidade. Quanto à influência do conjunto de procedimentos sobre o resultado, Estela Graça completa: No filme fotográfico, entre a realidade objetiva – o mundo material e visível – e a película em que aquela é registrada, ou entre esta e a projeção cinematográfica, existem certas operações, todo um trabalho que tem como resultado o produto acabado. Por um lado, todos estes procedimentos pressupõem escolhas de codificação, as quais, na maior parte dos casos, encontram-se normalizadas segundo valores ou fixadas em dispositivos automáticos ideologicamente discutíveis ou mesmo fisicamente inacessíveis, de acordo com protocolos industriais; por outro, estão protegidos do olhar, não permitindo a observação imediata das transformações que ocorrem no processo. (GRAÇA, 2006, p. 58) O problema específico da animação frente ao conceito de Cinema como janela da realidade complica-se ainda mais quando pensamos que na animação a interferência da mão humana é muito maior do que no Cinema live action. Se for verdade, como afirmava Bazin, que no Cinema de live action cabe ao fotógrafo apenas algumas decisões – nesse ponto Estela Graça colide frontalmente com o 53 pensamento baziniano –, e que a captura em si parte da câmera, que prescinde da intervenção do homem para o registro; o animador, por sua vez, cria a ilusão de movimento a partir de sua subjetividade tanto através do gesto firme que risca a linha sinuosa sobre o papel, quanto por meio dos movimentos precisos que movem braços e pernas de pequenos personagens construídos de arame e plasticina. Esse gestual é comum a todas as técnicas de animação analógicas, mas, mesmo naquelas produzidas por meio dos programas de computador, há a inequívoca presença da mão criadora que dá vida aos personagens. Em animação, o artifício não está oculto por trás de uma aparência de realidade, antes se revela por inteiro. Marina Estela Graça chama a nossa atenção para o fato de que a teoria oficial do Cinema sempre desqualificou a participação da mão e dos instrumentos, interpretando a técnica como neutra e relegando a ideologia – “padronização dos modos de reconhecimento e de codificação” – ao nível da mensagem. Disso advém que “o estudo oficial do ‘fato fílmico’ não incluirá, por isso, a dimensão crítica da mão no interior dos dispositivos que suportam o discurso fílmico [...]”(GRAÇA, 2006, p. 32). O comentário de Lev Manovich sobre o impacto das novas mídias sobre o fazer cinematográfico é interessante por confrontar a visão do registro com a imagem animada, hoje cada vez mais presente dentro do próprio cinema live action: Vista sob esse contexto [isto é, do ponto de vista da história da imagem animada em sentido lato], a construção manual de imagens no cinema digital representa um retorno às práticas pré-cinemáticas do século XIX, quando as imagens eram pintadas e animadas à mão. Na virada do século XX, o cinema teve de delegar essas técnicas manuais para a animação e definir a si mesmo como um meio de registro. Conforme o cinema adentra a era digital, essas técnicas estão se tornando novamente um lugar comum no processo fílmico. Consequentemente, o cinema não pode mais ser claramente distinguido da animação. Já não é mais uma tecnologia indexical das mídias, mas, em vez disso, um subgênero da pintura. (MANOVICH apud GRAÇA, 2006, p. 35) Entretanto, se a animação não cabe na restrita teoria cinematográfica que interpreta o Cinema como registro do real, em que lugar a imagem animada se coloca enquanto Arte Cinemática? A resposta a essa pergunta, ao que parece, ainda está por ser escrita e não é tarefa deste trabalho tentar respondê-la. Aqui nos 54 interessa o entendimento do cinema como uma construção de discurso que é criado pela mão humana a partir de um aparato técnico, ideológico e, no caso específico da animação comercial, narrativo, e que não se restringe ao mero registro da realidade. No interior do processo de construção do discurso fílmico, está o objeto de estudo desta pesquisa, o concept art, que vem a ser a imagem fabricada a partir da palavra, de um input de dados passados mediante a experiência do diretor, do roteirista ou do diretor de arte. Nunca é demais lembrar que esta hierarquia, a qual nos referimos nesta pesquisa, é aquela estabelecida na metodologia de produção dos grandes estúdios de animação norte-americanos que, pelo caráter hegemônico do cinema hollywoodiano em todo o mundo, acabaram por se tornar o padrão do mercado. O concept artist partirá, então, de ideias que estão expressas em um texto escrito (no roteiro, na sinopse, no argumento) ou em discurso verbal, e as transforma em imagens narrativas. Essas imagens integrarão o processo de construção do universo diegético, mas não farão parte do filme diretamente. Os cenários, objetos e personagens idealizados pelos artistas conceituais serão depois finalizados de diferentes formas de acordo com a técnica na qual o filme será realizado, se CGI ou 2D, se stop motion ou cut out6 etc. Concept Art faz parte do processo, mas não é o resultado final. É, antes, uma etapa da direção de arte do filme que envolve outras atividades como os estudos de color scripts. Entretanto, mesmo não estando na tela no momento da exibição do filme, as ilustrações conceituais estabelecem qual é a estética geral do filme. Os filmes de animação inseridos na lógica do mercado são eminentemente narrativos, e sendo o filme uma obra audiovisual, obviamente a importância da imagem é significativa. Um filme de animação se sustenta sobre vários fatores. Os realizadores são enfáticos ao afirmar que o elemento chave de qualquer filme é a história. Porém, no caso particular do Cinema de animação, a história é contada por meio de imagens. Essas são compostas basicamente por cenários, personagens e adereços. Em todos esses itens, a expressividade é importante, porém é no personagem que se concentram as atenções da plateia. Por isso, a atuação e o design dos personagens são tão importantes em um filme de animação. A mágica do personagem animado se completa pela união das técnicas de representação 6 Animação de recorte. Pode ser realizada em meio analógico, normalmente utilizando papel recortado. No meio digital, a animação de recorte é realizada em programas tais como o Toom Booom ou o After Effects. 55 com o movimento, quando o segundo reafirma – ou contradiz gerando efeitos inusitados – por meio da ação o que o outro indicava pela aparência. Obviamente, sem movimento não há filme de animação. Vimos anteriormente que a questão cinemática é a base do campo, mas também é possível dizer que a aparência de um personagem é a forma primária de comunicação dele com o público, pois é imagética a primeira camada do discurso de um personagem. Ao lado do movimento, e muitas vezes bem antes ou até mesmo sem o suporte do diálogo, está aquilo que o personagem transmite por meio de sua aparência. “Os problemas subjacentes do design em movimento”, diz Larry Cuba, “são universais para qualquer um que trabalhe nesta tradição, quer utilize um computador ou não”. (CUBA In__GRAÇA, 2006, p.35) Além do personagem, o discurso visual de um filme de animação também depende do cenário e dos adereços. Esses são relatos sobre a ação, sobre a atmosfera da cena e sobre os próprios personagens. São discursos totalmente não verbais, mas são capazes de situar os espectadores em relação aos acontecimentos sem a necessidade de palavras. Se o cenário é calmo e tranquilo transmite uma gama de informações totalmente diferentes daquele que é anguloso e ameaçador. O castelo de Malévola em A Bela Adormecida (Walt Disney Pictures, 1959) é lúgubre, escuro e ameaçador em contraste com o belo, colorido e luminoso castelo dos pais da princesa Aurora. Figura 05 - Castelo de Malévola – A Bela Adormecida 56 Figura 06 - Castelo da Princesa Aurora – A Bela Adormecida. Todo esse discurso não verbal – na própria aparência das coisas – é idealizado pela equipe de arte e está inscrito em um esquema representacional. No Cinema de animação comercial, a necessidade de comunicação imediata com um público de escopo amplo – que precisa superar barreiras culturais, geográficas e etárias – faz prevalecer o discurso narrativo. O esforço de geração de imagens que, ao mesmo tempo, tenham a realidade como referência, mas a transcenda em termos de estética e discurso não é pequeno. Mais uma vez recorremos a Marina Estela Graça: Aqueles que constroem imagens num contexto de representação – pintores, ilustradores, designers, fotógrafos – sabem que, em seu trabalho, a tomada de decisões é inevitável, constituindo parte do processo de produção e variando segundo o tipo de documento visual pretendido. Todos os modos de fabrico e codificação de uma imagem integram obrigatoriamente procedimentos de seleção, enfatização e exclusão de porções do real que lhe serve de referente. Uma das condições prévias à representação gráfica é saber que, porquanto fiel à realidade, proporcionada e precisa nos pormenores, particularizada em cada uma de suas partes, aquela procede sempre de uma interpretação, sendo, por isso e também, uma tentativa de explicação da própria realidade. (GRAÇA, 2006, p. 54.) A criação de um esquema de representação do real em um filme de animação passa por questões expressivas que são ligadas à especificidade do meio. Principalmente quando nos referimos ao tradicional cartum que domina os centros produtores de Cinema de animação, as escolhas estéticas são decisivas para atingir o efeito desejado. Obviamente, se estivéssemos nos referindo a trabalhos que usam a verossimilhança de forma ainda mais radical, teríamos que verificar melhor essa afirmação. Uma comparação entre os filmes de animação 57 tradicional da Disney e os curtas-metragens de Alexander Petrov ou dos filmes da Pixar com o Tintin, de Steven Spielberg exigiriam uma apreciação mais apurada. A análise pasoliniana da captura da realidade não coincide exatamente com a do crítico André Bazin. A primeira partia do princípio de que a própria realidade já é editada pelo indivíduo, enquanto a de Bazin se opunha à edição cinematográfica por pensar que essa não refletia a percepção humana da realidade. Seguramente o pensamento de Pasolini não diz respeito ao que é feito pelos cineastas de animação uma vez que o cinema de animação não foi seu objeto de estudo. Nem de Bazin, aliás. Entretanto, apesar dessas diferenças importantes, podemos recorrer com muito mais tranquilidade ao pensamento de Pasolini quando ele trata da existência de um discurso que vai para além do verbal. Em seu ensaio O discurso dos cabelos, Pasolini narra a sua experiência em um restaurante de Praga, no qual entram dois cabeludos. Tendo sido o texto publicado originalmente em 1973 – em plena efervescência do flower power –, podemos imaginar o impacto que provocava àquela época os jovens a ostentar suas compridas cabeleiras. Segundo Pasolini, dentro do seu contexto teórico de uma semiologia da realidade, aquelas cabeleiras não eram apenas cabelos compridos, mas um discurso que prescindia de palavras, um discurso além do verbal: Ambos, de fato, usavam para se comunicar com os presentes, com os observadores – com seus irmãos daquele momento –, uma linguagem diferente daquela composta de palavras. Aquilo que substituía a tradicional linguagem verbal, tornando-a supérflua – e encontrando, de resto, um lugar imediato no amplo domínio dos "signos", ou seja, no âmbito da semiologia –, era a linguagem dos seus cabelos. (PASOLINI, 1990, p. 38) É uma linguagem corporal, física segundo Pasolini, capaz de explicitar o protesto daqueles jovens e servir, mais ainda, de aviso. Toda a mensagem que aqueles jovens queriam transmitir estava concentrada em um único signo, o comprimento dos cabelos. Diz Pasolini: Tratava-se de um signo único – precisamente o comprimento de seus cabelos, que caíam sobre os ombros –, no que estavam concentrados todos os signos possíveis de uma linguagem articulada. (PASOLINI, 1990, p. 38) E completa: [...] aquela linguagem desprovida de léxico, de gramática e de sintaxe podia ser apreendida imediatamente, mesmo porque, semiologicamente falando, ela nada 58 mais era do que uma forma daquela "linguagem da presença física" que os homens, desde sempre, têm sido capazes de usar. (Ibid., p38) É exatamente dentro desse contexto de uma comunicação além do verbal, que o concept artist trabalha. Aliás, o problema proposto por Pasolini é particularmente interessante para a animação, pois não apenas o Design estabelece essa linguagem visual, como também o processo de animação em si vai se valer da criação de um código visual baseado no movimento. A maneira como um personagem se move é uma das partes constitutivas de sua personalidade. Em animação não existe um ator na tela, com toda a força que a imagem de outrem tem para nós. Logo, no que diz respeito ao personagem, por exemplo, a silhueta e a maneira como ele se movimenta são fatores fundamentais para a determinação de seu caráter e de seu reconhecimento imediato no quadro fílmico. Os exemplos não são poucos. Tomemos Mufasa e Scar, personagens do filme O Rei Leão (Walt Disney Pictures, 1994), da Disney, respectivamente rei e irmão do rei. Mufasa é um rei justo e bondoso, enquanto seu irmão Scar é invejoso e quer destruir o irmão para tomar-lhe o lugar. Ambos são leões machos e adultos, mas apresentam silhuetas e atitudes físicas completamente diferentes. Enquanto Mufasa é robusto e arredondado, com um maxilar forte e uma vistosa juba avermelhada, Scar, seu cruel e invejoso irmão, é magro, anguloso e ostenta uma juba escura. Quanto à atitude corporal, Mufasa é altivo como cabe a um rei e com uma atitude afetuosa mesmo quando firme; enquanto Scar é arredio e blasé, sempre com os ombros caídos. O conjunto imagem mais atitude corporal compõem para o público a identificação imediata das características de cada personagem e, mais ainda, a posição de cada um dentro da trama. Obviamente, essa ordenação é convencional e pode ser subvertida com objetivos estéticos e narrativos diferenciados, mas de qualquer forma o conhecimento de suas possibilidades expressivas faz-se imperativo para o processo de desenvolvimento visual em animação. As questões sobre design de personagens e suas implicações narrativas serão aprofundadas no capítulo três deste trabalho. 59 Figura 07 - Scar e Mufasa – O Rei Leão. É interessante refletir sobre que pontos desta linguagem material podem ter relação dupla, tanto com o Cinema live action, quanto com a animação. É evidente que o intercâmbio entre os dois sempre existiu. E não apenas em casos mais evidentes tais como Mary Poppins (Walt Disney Studios, 1964) ou Who Framed Roger Rabbit? (Touchstone Pictures, 1988), em que há realmente o cruzamento das duas linguagens. É sabido que Disney solicitava aos animadores que estudassem os movimentos de atores de comédia tais como Chaplin e hoje muitos filmes fazem uso de estéticas ligadas ao universo da animação. Diretores oriundos do Cinema de animação tais como Jean Geunet e Tim Burton são exemplares. Porém ainda mais interessante seria identificar de que maneira os códigos da animação se refletem na realidade à nossa volta. Não é por acaso que no toy art – uma forma de Arte tão recente e produzida em outros suportes – exista tanto das representações e da linguagem visual da animação. O concept art auxilia na construção da materialidade visual de um discurso que anteriormente poderia ser apenas verbal ou textual. Uma vez o filme pronto, o discurso visual estará na ponta de lança da comunicação com o espectador, o que na animação comercial é importantíssimo pelas questões anteriormente expostas. A primeira dimensão narrativa com que a audiência se defronta em um filme animado é a plasticidade de cenários, de objetos e de personagens. Ela frequentemente pode preceder o movimento, tanto de câmera quanto de 60 personagens, e o diálogo. A importância da visualidade em um filme de animação é enorme e não pode ser relegada meramente a um plano acessório, como se fosse menos importante do que o movimento. Se o movimento é, sem sombra de dúvida, a alma da animação, o discurso visual engendrado durante a pré-produção pela equipe de arte em suas ilustrações conceituais é o seu corpo. É o veículo por meio do qual se tornará matéria a mensagem narrativa pretendida pelo diretor. 61 3. FORMAÇÃO, CONTEXTO DE PRODUÇÃO E METODOLOGIA Neste capítulo, vamos nos debruçar sobre três questões importantes para a compreensão do concept art como atividade inserida em um contexto de produção industrial. No subcapítulo 3.1, Difusão de Conhecimento em concept art, investigaremos o processo de difusão de informação em concept art, identificando os principais canais de transmissão de conhecimento e as formas de ensino mais usuais na área. Os modelos de transmissão de informação e ensino têm impacto direto na formação dos profissionais, bem como nos métodos de trabalho que estes profissionais utilizam. No subcapítulo 3.2, Contexto de produção do concept art, analisaremos este aspecto na Disney e na Pixar, estúdios que são referência na produção de filmes de animação para cinema. Os métodos de produção, a estrutura funcional e as nomenclaturas empregadas por esses estúdios acabam por se tornar modelo para outras unidades produtivas na área de Animação não apenas nos Estados Unidos, mas em centros de produção do mundo inteiro. Entender a estrutura de produção é importante para, em seguida, no subcapítulo 3.3 - Concept art como atividade projetual, investigar de maneira mais apurada a metodologia de produção em concept art. A investigação sobre a metodologia no concept art; entretanto, será realizada, tomando como referência a metodologia do Design, por entendermos que o concept art recebe influência da ilustração e das artes plásticas, conforme vimos no segundo capítulo, mas também se alinha com o Design por estar inserido no modelo contemporâneo de produção industrial. Essa última área de conhecimento é mais madura e consequentemente mais investigada, sistematizada e documentada do que o concept art. Por isso pode oferecer parâmetros importantes para entendermos o concept art também como uma atividade projetual, ou seja, uma etapa de produção que desenvolve questões estéticas, bem como instruções e padrões visuais que serão aplicados ao filme. 62 3.1. Difusão de conhecimento em concept art Nas unidades anteriores, ocupamo-nos do entendimento do concept art, tanto pela filologia do termo quanto por suas relações com outras áreas de conhecimento que estão diretamente ligadas à sua prática. Neste subcapítulo, vamos nos ocupar dos canais de transmissão de conhecimento e de quais as formas de ensino disponíveis sobre concept art. Esse conhecimento será analisado em relação ao conceito de performatividade, do filósofo francês Jean-Fraçois Lyotard, que detalharemos adiante. Conhecendo quais os principais dispositivos de transmissão de informação sobre concept art e qual o tipo de conteúdo veiculado por meio desses dispositivos, podemos entender como esse conhecimento está sendo disseminado, se é tão somente técnico ou se carrega algum tipo de reflexão teórica sobre a área, e, mais importante, como é legitimado. Na introdução deste trabalho, tratamos brevemente da difusão de conhecimento em concept art, tema no qual nos deteremos ao longo desta unidade. O universo que pretendemos observar é imenso se tomado em sua totalidade, e não podemos ter a pretensão de analisar profundamente todos os canais disponíveis, o que torna imperativo um recorte que viabilize a coleta das informações. Faremos, então, um apanhado dos principais canais de informação disponíveis com a finalidade de contextualizar o cenário geral para, em seguida, compararmos dois dos principais cursos de formação em concept art dos Estados Unidos. Esta análise dos meios de difusão do conhecimento será feita segundo a perspectiva teórica do filósofo francês Jean-François Lyotard e sua visão sobre performatividade do saber na pós-modernidade. Em seu livro A condição pós-moderna, Lyotard nos fornece os conceitos para analisarmos desde o impacto das novas mídias sobre a produção e transmissão de conhecimentos até o processo de legitimação desses conhecimentos. Conhecer como e com que configuração esses conhecimentos são disseminados pode nos auxiliar a entender um pouco mais o perfil da atividade por meio do processo de formação dos envolvidos na área. A transmissão de conhecimentos sobre concept art está disponível em diferentes canais, desde cursos presenciais até blogues na internet. Os novos dispositivos tecnológicos de armazenamento e distribuição de informações são responsáveis, ao menos em termos quantitativos, pela maior parte da informação 63 disponível sobre a área, fenômeno que certamente ocorre em muitas outras áreas do conhecimento – Animação inclusive. Entretanto, no caso do concept art, tal fato é particularmente verdadeiro. Sendo esse um conhecimento que até pouco mais de uma década contava com poucos dispositivos formais para sua difusão, a internet acabou por assumir o papel de principal propagadora desse saber. Cada veículo de informação tem suas próprias características e limitações técnicas, além de ser imensa a diversidade de informações administradas. Estão à disposição dos interessados em concept art livros técnicos e revistas especializadas, seções extras de DVDs de animação, fóruns de discussão, sites, vídeos tutoriais gratuitos e pagos distribuídos pela internet ou em DVDs, cursos à distância etc. Nessa significativa listagem de canais disponíveis, livros e DVDs têm obviamente uma importância enorme na difusão das informações a respeito de concept art, mas o alcance da internet parece em princípio muito maior, particularmente para um público que normalmente é treinado e tem domínio da tecno6logia informata. Porém, o que se tem observado é que esses canais em sua maioria – senão totalidade –, independentemente da sua natureza, difundem informações eminentemente técnicas. As principais editoras especializadas do mercado – por exemplo, a editora australiana Balistic Publishing – possuem, em seus catálogos, títulos que tratam de aspectos técnicos para criação e execução de ilustrações conceituais. A Balistic Publishing é especializada em livros sobre arte digital e publica as séries Exotique e Exposé sobre o assunto, com trabalhos de artistas de vários lugares do mundo. A série da editora que mais interessa para o nosso trabalho é d’Artiste, na qual cada volume é dedicado a assuntos tais como Character Modeling (modelagem de personagens em programas CGI), Digital Painting (pintura digital) e Mate Painting (pintura de cenários para filmes e games). Vamos nos deter nos títulos Character Design e Concept Art. No site da editora, encontramos a seguinte definição para o título d’Artiste: Character Design: [...] provides a Master Class in character design from talented artists working in game, TV and collectables. Each Master Artist shares their techniques and approaches for creating compelling characters through their insights and detailed graphic tutorials7. 7 BALISTIC PUBLISHING. d'artiste: Character Design. Disponível em: http://www.ballisticpublishing.com/books/dartiste/character_design/. Acesso em 28/04/2013. 64 Temos disponível no site, da mesma forma, o perfil do livro d’Artiste Concept Art: […] presents the techniques of leading concept artists Viktor Antonov, George Hull, Andrew Jones and Nicolas “Sparth” Bouvier. Through a series of master class tutorials this book guides readers through processes employed to create environments, characters and machinery for film, TV and games. Each master artist demonstrates a unique approach from initial sketch to concept completion through 94 pages of detailed commentary on projects like Matrix Revolutions and Half Life 28. Algumas informações interessantes podem ser extraídas desses perfis. Em primeiro lugar, a utilização do termo Master Class para ambos os títulos. Por definição, Master Class é uma aula ministrada por um especialista em determinada área, neste caso, experts em concept art, que participaram de importantes produções da indústria de cinema, TV e games. O aspecto mais relevante, entretanto, é a importância dada à transmissão dos métodos e processos de produção de profissionais envolvidos na indústria do entretenimento. Os livros são ricamente ilustrados, tanto com imagens acabadas quanto com demonstrações passo a passo de imagens conceituais. Funcionam como verdadeiros tutoriais impressos para aqueles que desejam aprender os processos de produção de imagens conceituais. Poderíamos estender este estudo pelas publicações das editoras norteamericanas Design Studio Press e Focal Press, que também têm em seus catálogos títulos voltados para concept art e pintura digital, mas todas, assim como a Balistic, concentram o conteúdo das suas publicações em descrições técnicas, ou seja, o conjunto de procedimentos para execução de ilustrações conceituais ou artes digitais. Há ainda um dado adicional: nenhuma das editoras citadas apresenta títulos que tratem exclusivamente de concept art para animação. Há uma grande quantidade de livros especializados sobre animação disponível. O caso específico do cenário brasileiro foi analisado na dissertação de mestrado de Leo Ribeiro (RIBEIRO, 2012, p.23). Estas publicações tratam de técnicas de animação analógica ou digital, produção de roteiro e storyboard, design de personagens e cenários, produção independente de filmes animados, assim como uma quantidade expressiva de títulos sobre história da animação. 8 BALISTIC PUBLISHING. d'artiste: Concept Art. Disponível em: http://www.ballisticpublishing.com/books/dartiste/concept_art/. Acesso em 28/04/2013. 65 Entretanto, talvez, os livros de animação mais conhecidos sejam os art books publicados pelas editoras Insight Editions e Chronicle Books, sobre as principais produções dos grandes estúdios de animação como Pixar e Dreamworks, dentre outros. Por tratarem prioritariamente do processo de direção de arte, são de particular interesse para os interessados em concept art, pois apresentam desde os sketchs e ilustrações conceituais de personagens e cenários até modelos digitais finalizados. Porém, de uma maneira geral, não passam de coleções de imagens normalmente acompanhadas de alguns relatos e considerações sobre as escolhas feitas pela equipe de arte durante a produção dos filmes. São fontes riquíssimas para pesquisa iconográfica e auxiliam a conhecer as etapas da direção de arte, mas apesar de não serem livros tutoriais com demonstrações passo a passo da execução de ilustrações conceituais, pouco ajudam em uma investigação teórica sobre o campo. Alguns trazem considerações, em sua maioria superficial, da equipe responsável pela direção de arte e outros sequer isso. Os DVDs de filmes animados são frequentemente generosos em extras e vêm recheados com making of’s detalhados sobre o processo de produção dos filmes. Os que possuem maior quantidade de informações são semelhantes aos art books, mas trazem informações sobre todas as etapas de produção, e não apenas sobre a direção de arte. São eminentemente técnicos, assim como os tutoriais em vídeo oferecidos em grande quantidade e variedade pela internet. Há desde tutoriais pagos em sites especializados como o da Gnomon Workshop, empresa norte-americana de ensino e à qual retornaremos mais adiante, até aqueles disponibilizados gratuitamente através do You Tube, por exemplo. Não nos deteremos mais nessas formas de divulgação, por não oferecem nada muito diferente daquilo que os livros oferecem. O diferencial desses vídeos é tão somente a imagem em movimento que permite o registro dos profissionais produzindo em tempo real. Pela internet, também podemos encontrar palestras na íntegra em sites como o CTN Animation Expo9 e blogues que oferecem informações as mais variadas, como dicas de programas, técnicas artísticas, além de artistas da indústria que disponibilizam suas artes e seus respectivos métodos de produção. Mais uma vez, aqui temos a imagem dos experts da área 9 Animation Expo é um evento promovido pelo Creative Talent Network (CTN), rede social com perfil eminentemente profissional voltada para a área de animação. A Animation Expo ocorre uma vez por ano desde 2009 sempre no mês de novembro em Burbank, Califórnia. 66 transmitindo informações aos interessados, só que por meio de um canal que atinge pessoas em escala global e, como dissemos anteriormente, para um público familiarizado com as novas tecnologias. Lyotard fornece uma importante reflexão para pensarmos o impacto dessa proposta de publicações em novas tecnologias sobre a distribuição de conhecimento: [...] hoje em dia já se sabe como, normalizando, miniaturizando e comercializando os aparelhos, modificam-se as operações de aquisição, classificação, acesso e exploração dos conhecimentos. É razoável pensar que a multiplicação de máquinas informacionais afeta e afetará a circulação dos conhecimentos, do mesmo modo que o desenvolvimento dos meios de circulação dos homens (transportes), dos sons e, em seguida, das imagens (media) o fez. (LYOTARD, 2009, p.4) Dentre os dispositivos aqui apresentados, dois foram particularmente importantes para disseminar informações sobre as técnicas de produção em animação e, consequentemente, concept art: os extras dos DVDs de filmes animados, que já comentamos anteriormente, e os sites de conteúdo na internet. Sem estes últimos, a divulgação da área dificilmente atingiria o estágio atual e, principalmente, a quantidade de aspirantes a ilustradores digitais e concept artists seria provavelmente menor. O concept art é um exemplo direto do efeito da tecnologia sobre a distribuição de conhecimento. A quantidade de tutoriais disponíveis on-line é enorme, cobrindo técnicas de pintura, perspectiva, desenho anatômico, storyboard etc. Mas, apesar de tanta informação disponível, toda ela parece tratar apenas da dimensão técnica. Mais uma vez, Lyotard nos ajuda a entender este cenário da transformação da natureza do saber frente às novas tecnologias: Nesta transformação geral, a natureza do saber não permanece intacta. Ele não pode se submeter aos novos canais, e tornar-se operacional, a não ser que o conhecimento possa ser traduzido em quantidades de informação. Pode-se então prever que tudo o que no saber constituído não é traduzível será abandonado [...].(Ibid, p.4) Essa dimensão prática do conhecimento a respeito do concept art obedece à lógica da propagação do saber na sociedade pós-moderna, conforme a interpretação de Lyotard. Para ser transmitido pelos meios informacionais, esse saber tem que ser operacional. É um conhecimento sem valor de formação do indivíduo (formação artística ou humanística), mas como valor de troca, de 67 resposta a uma demanda do mercado produtor, entendido nesse contexto como as empresas produtoras de conteúdo formadoras da demanda por mão de obra qualificada de um lado e de outro as pessoas que desejam adquirir conhecimentos técnicos para atender a essa demanda. Isso explicaria o caráter eminentemente técnico de tais canais e o total descaso por uma abordagem teórica, questão também abordada no trabalho de Leo Ribeiro. Mais uma vez, Lyotard fornece uma chave para a compreensão do fenômeno: O saber é e será produzido para ser vendido, e ele é e será consumido para ser valorizado numa nova produção: nos dois casos, para ser trocado. (Ibid, p.4) Concluiremos, então, nosso pequeno percurso pelos canais disponíveis para difusão do conhecimento sobre concept art, tratando dos fóruns de discussão e sites especializados tão importantes no processo de difusão do saber na área e que congregam grande quantidade de artistas experientes, aspirantes e entusiastas. Nos fóruns de discussão, além dos debates sobre temas ligados à computação gráfica 2D e 3D, os participantes publicam suas artes para receber críticas e dicas dos outros membros da comunidade. Vários são os sites especializados em computação gráfica disponíveis na internet. Muitos deles apresentam perfis semelhantes, oferecendo vários serviços aos usuários como fóruns de discussão, portfólios virtuais, oferta de vagas de emprego, tutoriais etc. No gráfico abaixo consta a relação dos sites visitados e dos serviços por eles oferecidos: Figura 08 – Sites de coletivos de computação gráfica consultados. Os sites visitados estão entre aqueles que foram percebidos como intensamente conhecidos na área da computação gráfica. No Brasil, a quantidade 68 de sites especializados é bem menor, mas podemos citar o Universo CG10, que apresenta proposta semelhante aos sites estrangeiros citados anteriormente. Dentre os sites visitados, cinco fazem parte de algum tipo de grupo empresarial ligado à computação gráfica; CG Society, CG Channel, CG Hub, 3D Total e Concept Art Org. Os sites CG Arena e Universo CG acabaram por ser suprimidos, porque não foram identificadas ligações com grupos empresariais. Foram identificados basicamente três segmentos de atuação nas empresas ligadas a esses sites: instituições de ensino (CGMA, Gnomon Group e The Art Department), editoras (Ballistic Publishing, e 3D Total Publishing) e uma empresa que presta serviços de computação gráfica para o mercado (Massive Black). No gráfico abaixo, estão os sites de computação gráfica, seguidos das empresas aos quais estão ligados e os segmentos em que atuam: Figura 09 – Sites de computação gráfica e os grupos empresariais. É evidente que a maioria dos sites visitados está envolvida com grupos de comunicação comprometidos com a transmissão de informação técnica sobre o tema. São editoras e escolas de computação gráfica que encontram nos sites um canal de comunicação com seu público e um excelente ponto de venda de produtos e serviços. Além disso, os fóruns acabam por se tornar canais de comunicação direta e de detecção das ansiedades e desejos daquele público. Estes 10 CG - Do Inglês Computer Graphics. Em tradução livre, Computação Gráfica. 69 grupos estão suprindo uma demanda por conhecimento na área de computação gráfica em geral, incluindo-se aí o concept art. Outra questão relevante nas páginas de abertura (home) desses sites é a galeria dos artistas membros. O alto padrão de qualidade das imagens é o primeiro fator que torna evidente a participação de artistas experientes e de aspirantes com alto nível técnico. Tomemos como exemplo o site Concept Art Org, especializado em artistas que trabalham nos segmentos de concept art e pintura digital. Na galeria da página de abertura do site, estão artistas de peso como Jason Manley, especializado em pintura digital e proprietário do grupo de empresas do qual faz parte o site. Também estão no site “Android” Jones, Booby Chiu e Michael Kutsche, todos atuantes nas indústrias de games e cinema. O Concept Art Org é, talvez, o único dentre os sites selecionados que abriga também os trabalhos de artistas analógicos tais como Sterling Hundley e Mark English, ilustradores mais ligados à publicidade e ao mercado editorial norte-americano. Além da óbvia qualidade dos trabalhos, a presença desses artistas se deve também ao fato de que eles fazem parte do corpo decente do The Art Department, escola de arte que integra o grupo ao qual o Concpet Art Org pertence. A veiculação de imagens com altíssima qualidade técnica executadas por profissionais do mercado ou por aspirantes muito bem preparados se repete nos outros sites observados. Interessante que, em alguns casos, podemos encontrar o mesmo artista com imagens veiculadas em sites diferentes. Figura 10 - Página de abertura do site CGSociety 70 Mais uma vez, a participação do expert é essencial para dar credibilidade ao produto, seja um livro, um DVD ou um site especializado. Os mais conhecidos dentre esses fóruns – como o CG Society e o Concept Art Org – promovem ainda competições. Eventos virtuais que mobilizam um efetivo expressivo de participantes, os Challenges são competições on-line entre artistas que terão seus trabalhos avaliados por experts da computação gráfica em seus vários segmentos. Diversos sites promovem competições entre artistas na internet, e o conceito delas, nas quais artistas confrontam suas habilidades, não é novidade; entretanto, na internet, os eventos atingem escala planetária. Alguns dos mais conhecidos dentre esses fóruns – por exemplo, o CG Society, CG Arena e Concept Art Org – promovem os desafios (do Inglês challenges), nos quais os artistas postam artes segundo um tema proposto, e aqueles considerados melhores pelos jurados chegam à grande final. Obviamente em toda competição existe um sistema de recompensa aos vencedores, mas a participação nos challenges oferece mais do que apenas a premiação final. Além da notoriedade, há o importantíssimo aprimoramento de competências durante a execução das tarefas propostas. Nestas competições, normalmente, os vencedores de cada categoria recebem prêmios tais como pranchas digitalizadoras que permitem o desenho a mão livre direto no computador e computadores especialmente configurados para computação gráfica. O processo, apesar de competitivo, envolve grande troca de informações, uma vez que as artes são comentadas pelos participantes do fórum e pelos jurados durante toda a competição. A participação em fóruns especializados, entretanto, não se limita às competições. Os participantes cadastrados nos fóruns submetem suas imagens, que são criticadas pelos outros integrantes e pelos moderadores da lista. Além disso, há sites que não investem na estrutura de rede, como os diversos blogues especializados nos quais o modelo é geralmente unilateral, com o moderador do blogue postando informações variadas e recebendo comentários daqueles que acompanham o conteúdo. Dentre os sites especializados, além do já citado Concept Art Org, destacamos o Concpet Art World e o Concept Art Blog. Ambos oferecem portfólios, tanto de artistas quanto de produções nas áreas de animação, filmes e games. 71 Figura 11 - Página de abertura do site Concept Art. Org Após esta visão geral das formas mais comuns de difusão de conhecimento na área, vamos agora nos deter na análise comparativa de cursos presenciais oferecidos por instituições de ensino, acadêmicas ou não. Os critérios de seleção serão: o de relevância em primeiro lugar, ou seja, aquelas instituições que por razões diferentes – e que não cabe neste trabalho investigar o porquê – tornaramse referência na formação de quadros profissionais para a área; e em segundo, será avaliada a natureza da instituição, se acadêmica ou não. Uma parte das dificuldades para encontrar uma definição mais precisa da atividade pode estar no fato de que desde sua suposta origem nos estúdios Disney – e até muito pouco tempo atrás –, todo o conhecimento da área era transmitido dentro das próprias empresas, pela internet, cursos livres, ou como disciplinas isoladas em cursos de animação. A criação de cursos dedicados exclusivamente ao concept art, tanto em instituições de ensino superior quanto em escolas especializadas, é um fenômeno que se verifica a partir da década de 199011. Várias são as instituições com esse perfil: Concept Design Academy, Futurepoly, The Art Department e Gnomon School of Visual Effects, todas nos Estados Unidos, e a FZD School of Design em Cingapura. A Art Center College of Design é a única 11 Dentre as instituições pesquisadas, a Gnomon foi fundada em 1997, a Concept Design Academy em 2007 e a FZD em 2009. 72 com perfil acadêmico dentre as instituições pesquisadas. Nem todas são exclusivamente dedicadas ao ensino de concept art, oferecendo também cursos de animação, modelagem 3D, ilustração e storyboard, entre outros, mas sempre demonstrando forte acento técnico. As instituições não acadêmicas, entretanto, saíram na frente na criação de curso nessa área. Este cenário remete à Lyotard que chama a atenção para a nova forma de valoração do saber, não mais entendido como mecanismo de formação do indivíduo, mas como mercadoria, diretamente ligada a uma performatividade de mercado: O antigo princípio segundo o qual a aquisição do saber é indissociável da formação (Bildung) do espírito, e mesmo da pessoa, cai e cairá cada vez mais em desuso. (LYOTARD, 2009, p.4) No caso do concept art, as instituições de ensino não acadêmicas surgiram para atender a demandas técnicas do mercado por mão de obra qualificada e, em sua maioria, foram fundadas há não muito tempo por profissionais da área. A Gnomon School of Visual Effects – uma das escolas de referência no mercado norte-americano – foi fundada em 1997, pelo artista digital Alex Alvarez, na época com apenas 24 anos. É revelador o relato de Alvarez sobre o porquê de ter iniciado a Gnomon ainda tão jovem: In hindsight I see that as being ridiculously young to be starting a school... but things were very different in '97. At the time it was needed and studios were expanding like crazy, with practically no schools teaching 3D. Especially not 3D as it pertained to visual effects12. O relato do proprietário da Gnomon demonstra que a demanda por profissionais na área da computação gráfica, seja em 2D ou 3D, aumentava consideravelmente na época. Pelo seu pioneirismo e pela sua notoriedade, a Gnomon foi selecionada para a análise comparativa de seu currículo com o de outra instituição da área. A segunda instituição selecionada foi o Art Center College of Design em Pasadena (Califórnia), instituição acadêmica que existe desde 1930, localizada geograficamente próxima ao maior centro de produção da indústria do entretenimento no mundo, e que tem em seu currículo, inclusive, programas de 12 Alex Alvarez Web Site. Disponível em: http://www.alexalvarez.com/bio.html. Acesso em: 28/04/2013. 73 mestrado em Cinema e Artes. Seu curso de entertainment design foi criado apenas em 2008, mas sua escolha se justifica pelo fato de ser uma instituição universitária, o que nos possibilita fazer uma comparação entre escolas com perfis diferentes. Retornando à Gnomon, o texto de apresentação Your Pipeline Into The Industry13 que está no site da empresa, informa que a escola busca a interação do aluno com as tecnologias digitais capazes de materializar suas ideias, porém deixa claro que a posição da escola é de que o artista, e não a tecnologia, é quem produz os resultados. Por isso mesmo, os instrutores da escola são profissionais capacitados em técnicas tradicionais que passaram a utilizar o meio digital para a produção dos seus trabalhos. A insistência em destacar, nos seus textos de apresentação, a participação dos seus instrutores na indústria do entretenimento é mais um indício da importância dos experts no processo de legitimação do saber. Segundo o site da escola, o programa foi desenvolvido por profissionais atuantes no mercado da computação gráfica que trabalham para os grandes estúdios de Hollywood e alertam que os instrutores de outras escolas, principalmente aquelas com perfil acadêmico, podem não atuar especificamente no mercado no qual o aluno deseja trabalhar: Do you want to study anatomy with a fine artist who does abstract gallery work, or someone who designs characters for a major game studio?14 Mais adiante, encontramos outro trecho que destaca a participação ativa dos experts de mercado na escola. Esses profissionais não apenas ministram aulas e orientam os alunos, como também auxiliaram na concepção do currículo dos cursos da Gnomon: Gnomon's entire curriculum has been developed, tested and is taught by some of the most recognized CG professionals working in the industry. At no other school are the Directors, Advisory Board members and instructors more involved in the production process. They work and consult for studios such as DreamWorks, Sony Pictures Imageworks, Sony Interactive, Digital Domain, Electronic Arts, Activision, Rock Star Games, and Blizzard, just to name a few.15 13 Gnomon - School of Visual Effects. Disponível em: http://www.gnomonschool.com/experience/gnomon_experience.php. Acesso em: 28/04/2013. 14 Gnomon - School of Visual Effects. Disponível em: http://www.gnomonschool.com/programs/entertainment-design/. Acesso em: 28/04/2013. 15 Gnomon - School of Visual Effects. Disponível em: http://www.gnomonschool.com/experience/about.php. Acesso em: 28/04/2013. 74 A ênfase na participação dos profissionais de mercado no corpo docente tem obviamente o objetivo de reforçar que a Gnomon prepara os seus alunos para ingressarem na indústria do entretenimento. Os profissionais de mercado não apenas transmitem o conhecimento e as técnicas específicas necessárias a uma atuação de sucesso, como também preparam os alunos para a participação no workflow específico das empresas de filmes, games e animação. Em outro texto do site com o sugestivo título Real Professionals. Real Projects, esta ênfase no mercado fica ainda mais evidente: Gnomon's instructor's are working professionals who bring their passion and experience to the classroom. They know the importance of understanding how the real world operates and what a production pipeline looks like, to ensure our curriculum at Gnomon is always moving in tandem with the industry - wherever it might be headed.16 A posição da Gnomon em relação às instituições formais de ensino se torna mais evidente no texto intitulado College Degree Or Gnomon? Nesse texto, o candidato é questionado sobre a validade de cursar uma graduação para ingressar na indústria do entretenimento. Segundo o texto, em outras carreiras, o título de graduação pode ser importante, mas nessa indústria, isso não se aplica. A diferença entre sucesso e fracasso, nessa área, está muito mais no portfólio, no talento e no network do que no título acadêmico. Mais ainda, os cursos de graduação são obrigados a ministrar disciplinas de formação geral como inglês, história e matemática, desviando o aluno da área de interesse na qual ele deveria se formar. Colleges are geared towards educating students in a wide variety of subjects and then allowing students to focus on their area of interest down the road. If you already know what you want to do, why not focus on that career choice right off the bat? Is a vocational education that is solely focused on what you need to learn for a specific career even better?17 Vemos aqui uma clara adesão àquilo que Lyotard define como otimização das performances: 16 Gnomon - School of Visual Effects. Disponível em: http://www.gnomonschool.com/experience/about.php. Acesso em: 28/04/2013. 17 Gnomon - School of Visual Effects. Disponível em: http://www.gnomonschool.com/programs/entertainment-design/. Acesso em: 28/04/2013. 75 Em vez de serem difundidos em virtude do seu valor "formativo" ou de sua importância política (administrativa, diplomática, militar), pode-se imaginar que os conhecimentos sejam postos em circulação segundo as mesmas redes da moeda, e que a c1ivagem pertinente a seu respeito deixa de ser saber/ignorância para se tornar como no caso da moeda, "conhecimentos de pagamento/conhecimentos de investimento", ou seja: conhecimentos trocados no quadro da manutenção da vida cotidiana (reconstituição da força de trabalho, "sobrevivência") versus créditos de conhecimentos com vistas a otimizar as performances de um programa. (LYOTARD, 2009, p.7) Ainda destacando suas vantagens frente a cursos de graduação, a Gnomon defende o seu programa de um ano para a maioria de seus cursos, em função da ausência das férias de verão: Let’s clarify that four years of college represents having summers off so that you are actually attending eight ‘semesters’. Gnomon is four, although we call them ‘terms’. Therefore you will experience not one quarter, but a full half of the normal college course load.18 Além da compressão do conteúdo no período corrido de um ano, o aluno que esteja cursando, por exemplo, o curso entertainment design, pode, após concluí-lo, ingressar em outro programa da escola intitulado Entertainment Design and Digital Production, este com dois anos de duração. Segundo o texto do site da Gnomon, após cursar os dois treinamentos em três anos, o aluno teria coberto o mesmo volume de conteúdo que um aluno que houvesse feito uma graduação e um mestrado, com a vantagem de ser um aprendizado totalmente focado no desenvolvimento das técnicas e habilidades desejadas pelo mercado. A admissão, segundo o texto, é rigorosa. Os candidatos devem apresentar proficiência em desenho mesmo para os programas 3D, uma vez que os responsáveis pelo programa entendem que os melhores artistas, tanto os que trabalham com 2D quanto os dedicados ao 3D, possuem formação técnica em desenho. Quanto ao Art Center College, o que primeiro se destaca em seu texto de apresentação é a maior discrição em relação às possíveis qualidades do curso de entertainment design oferecido pela instituição. Há uma preocupação clara em realçar a importância da experiência universitária no processo de formação dos alunos por meio, por exemplo, de estúdios transdisciplinares: 18 Gnomon - School of Visual Effects. Disponível em: http://www.gnomonschool.com/programs/entertainment-design/. Acesso em: 28/04/2013. 76 Our students have the opportunity to collaborate with peers from other College departments through Transdisciplinary Studios and Designmatters projects, where they can apply skills for commercial and nonprofit causes.19 Os recursos oferecidos para o desenvolvimento acadêmico do aluno são expressivos. Estúdios e laboratórios com perfis variados estão à disposição dos alunos de acordo com o período acadêmico em que se encontram. No site da instituição, encontramos listados estúdios como o de gravura, especializado em gravação de áudio e laboratórios de fotografia e edição de vídeo. Um recurso valioso para o aluno do Art Center College que esteja cursando o curso de entertainment design é a existência permanente de workshops de desenho, descritos da seguinte forma: Drawing and sketching workshops are open to all students. A live model is provided with seating on a first-come, first-served basis most days of the week. Color Theory Workshops are also offered, based on need and are open to all majors. From the library to the technical skill center, Art Center staff members help students utilize an array of educational technology available at Art Center. The facilities and resources are listed alphabetically.20 Outro fator destacado pelo texto é a colocação no mercado, bem como a presença de ex-alunos que retornam à casa como professores ou palestrantes: Our department is relatively new, but Art Center alumni are leaders in the fields of animation, video games, film and television. Many work in the nearby hubs of those industries, bringing their expertise into the classroom as faculty and visiting lecturers.21 Ex-alunos posicionados profissionalmente na indústria servem como referência de sucesso para a instituição. Mais uma vez, vemos o mercado sendo usado como agente legitimador, aprovando o programa de estudos do Art Center College por meio da contratação de profissionais formados pela instituição. Seguindo mais uma vez o pensamento de Lyotard, o programa da instituição é bom não exclusivamente pelo caráter classificado pelo filósofo como “formativo”, 19 The Art Center College of Design. Disponível em: http://www.artcenter.edu/accd/programs/undergraduate/entertainment_design.jsp. em: 28/04/2013. 20 The Art Center College of Design. Disponível em: http://www.artcenter.edu/accd/campus/resources.jsp. Acesso em: 28/04/2013. 21 The Art Center College of Design. Disponível em: http://www.artcenter.edu/accd/programs/undergraduate/entertainment_design.jsp. em: 28/04/2013. Acesso Acesso 77 mas pelo incremento de performance que permite que seus alunos tenham o desempenho esperado pelos principais agentes produtores do mercado. O curso de entertainment design do Art Center College é composto de oito períodos de 14 semanas. Cada ano letivo é composto de três períodos divididos em outono, primavera e verão. O aluno deve cursar um total de 45 disciplinas para cumprir todos os créditos exigidos pelo programa. Somam-se a estes mais quatro disciplinas de ciências humanas e do design, totalizando 49 disciplinas distribuídas pelo tempo total de curso. Existe, entretanto, uma particularidade referente ao curso de entertainment design no que se refere à conclusão antecipada do curso: Students who choose to continue their studies uninterrupted may complete the program in a minimum of two years and eight months, with the exception of Entertainment Design students who attend studio classes in the Fall and Spring only; Summers may be taken off, or students may take Humanities and Design Sciences classes.22 Durante os quatro primeiros períodos, o aluno frequenta disciplinas fundamentadoras tais como perspectiva, comunicação visual e técnicas de pesquisa: During the first four terms, students receive a rigorous education in drawing, rendering, model building and sculpting, as well as an introduction to 3D digital tools.23 Todo este cuidadoso processo de fundamentação técnica do curso não exclui um rigoroso processo de admissão que conta com a análise de portfólio dos candidatos. O Art Center College chama ainda a atenção para o fato de que, no passado, a formação em entertainment design não era possível em apenas um curso, o que é possível agora graças ao curso de Entertainment Design: In years past, students seeking a career in entertainment design took a combination of illustration and industrial design classes to develop their skills and portfolio. Today, Art Center’s Entertainment Design program incorporates and expands upon the strengths of both disciplines.24 22 The Art Center College of Design. Disponível em: http://www.artcenter.edu/accd/programs/undergraduate/entertainment_design.jsp. em: 28/04/2013. 23 The Art Center College of Design. Disponível em: http://www.artcenter.edu/accd/programs/undergraduate/entertainment_design.jsp. em: 28/04/2013. 24 The Art Center College of Design. Disponível em: http://www.artcenter.edu/accd/programs/undergraduate/entertainment_design.jsp. em: 28/04/2013. Acesso Acesso Acesso 78 A partir das observações aqui empreendidas, pudemos perceber que existe pouco ou nenhum ensino sobre concept art para além da prática. Muito menos, uma busca sobre com que áreas do saber o concept art dialoga e como se constituiu historicamente. Questões fundamentais como as relações do concept art com o Design e a narrativa não são abordadas com profundidade, tanto em livros quanto em vídeos tutoriais e sites especializados. O departamento de Entertainment Design do Art Center College foi criado em 2008, o que demonstra o tempo que essa instituição de ensino formal levou para reconhecer essa forma de conhecimento como independente, mesmo tendo a Gnomon aberto suas portas em 1997. A primeira consequência do atraso das instituições formais de ensino em perceber a importância da produção que vem se desenvolvendo fora do ambiente acadêmico é que as reflexões conceituais e interdisciplinares a respeito dessa área são poucas e talvez inexpressivas. A segunda é que esse conhecimento, em função da inexistência de reflexão, desenvolve-se em sua dimensão meramente performativa. Por fim, forma-se uma visão distorcida de que essas áreas são essencialmente técnicas e dispensam maior elaboração de pensamento, como se concept art estivesse unicamente reduzido à prática diária dentro dos estúdios, sem merecer maior atenção em questões teóricas. Essa superficialidade teórica e supervalorização da técnica descrevem um panorama a ser pensado – não apenas no concept art, mas na animação como um todo – para entendermos melhor suas posições como atividades intelectuais produtivas. No Brasil, o cenário é ainda distante do ideal. Poucas instituições investem em cursos regulares de animação. O curso superior em animação mais antigo do país é oferecido pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)25 e existe desde a década de 1980, e, segundo a instituição, foi o único do Brasil até o início dos anos 2000. O curso começou como uma habilitação em belas artes até que, em 2007, tornou-se um curso independente chamado Cinema de Animação e Artes Digitais. Sua estrutura curricular contém uma disciplina chamada Design de Personagem, com 60 horas no sétimo período. Além disso, há disciplinas voltadas 25 UFMG. Disponível em: http://www.eba.ufmg.br/graduacao/Cinema-e-ArtesDigitais/20090709-Grade-Curricular.pdf. Acesso em 15/06/2013. 79 para o ensino dos fundamentos técnicos tais como Arte e Mídia; Cor, Forma, Composição da Imagem Digital e Fundamentos da Linguagem Audiovisual. Mas não encontramos nenhuma disciplina que possa ser expressamente relacionada com o concept art ou com o design de produção. Evidentemente, como deixa claro o caso da UFMG, há pouca tradição acadêmica na área de Animação no Brasil. Em função disso, fizemos uma breve observação de algumas instituições de ensino que atuam nas áreas correlatas que abordamos neste trabalho. Pesquisamos instituições de ensino que atuam nas áreas de Cinema, Design, artes plásticas e ilustração. Além disso, fazia-se necessário observar cursos livres que possam estar sendo oferecidos na área. O Rio de Janeiro foi escolhido como campo de verificação por duas razões: em primeiro lugar, a redução do escopo geográfico facilitaria a apuração nas áreas selecionadas, reduzindo o escopo de instituições a serem pesquisadas; outro fator importante é que todos os profissionais da área no cenário local entrevistados no capítulo 4 atuam no Rio de Janeiro, o que nos daria mais um item de análise para essa área geográfica. Começando pela área de Cinema, apenas três instituições oferecem cursos de nível superior no Rio de Janeiro, e esses dedicam pouca ou nenhuma atenção à animação. A despeito de que há instituições que oferecem disciplinas sobre o assunto, a carga horária disponibilizada parece ser suficiente apenas para introduzir o assunto. São estas: a Universidade Federal Fluminense (UFF), a PUC-RJ e a Universidade Estácio de Sá. A UFF26 oferece uma disciplina em animação, no segundo período, com 60 horas, e uma em Direção de Arte intitulada Design Visual: Direção de Arte, Cenário e Figurino, no quarto período, também com 60 horas. A Universidade Estácio de Sá27 oferece igualmente uma disciplina em animação, no sexto período, intitulada Estética de Animação, com 36 horas. Há também uma disciplina chamada Direção de Arte em Cinema, no quarto período, com 36 horas. No curso de cinema da PUC- RJ28, não foi localizada nenhuma disciplina regular que trate da técnica ou da estética de animação. 26 UFF. Disponível em: https://sistemas.uff.br/iduff/sid137avUfd98/consultaMatrizCurricular.uff. Acesso em 15/06/2013. 27 Universidade Estácio de Sá. Disponível em: http://cursos.estacio.br/?estado=RJ. Acesso em 15/06/2013. 28 PUC – RJ. Disponível em: http://www.pucrio.br/ensinopesq/ccg/comunicacao_cinema.html. Acesso em 15/06/2013. 80 O universo acadêmico composto pelos cursos de Design, no Rio de Janeiro, é muito maior do que aquele composto pelos cursos de Cinema, o que obrigou a buscar outro quesito de recorte. O Guia do Estudante da Editora Abril lista 69 cursos ligados às áreas de Artes e Design disponíveis no Rio de Janeiro. Nesta categoria, estão agrupados cursos de design gráfico e de produto, design de interiores, arquitetura e urbanismo, artes visuais, teatro, dança, música dentre outros. Para tornar o estudo mais focado, optamos por investigar as instituições que oferecem cursos de design gráfico e de produto, por serem aqueles que apresentam maior proximidade com o tema desta pesquisa. Além disso, a metodologia do Design é uma questão fundamentadora nesta pesquisa. O concept artist Feng Zhu, cujo relato consta no capítulo 4, cita a formação em industrial design – que podemos deduzir que corresponde ao que aqui é chamado de Projeto de Produto – como uma das formações mais comuns dos profissionais da área de entertainment design. Das 69 ocorrências da categoria Artes e Design, 13 foram identificadas como sendo especificamente da área de Design. Excluímos do universo a ser pesquisado os cursos de Educação Tecnológica. A razão é simples. Os cursos de Educação Tecnológica têm carga horária e grade curricular mais enxutas, e seria ideal que fossem mais focadas em assuntos específicos como design gráfico, por exemplo. A única exceção é o curso da Universidade Veiga de Almeida, que apesar de sua designação – Design Gráfico – é especificado como tendo ênfase em ilustração e animação digital. A sua análise não pode ser feita, uma vez que a instituição não disponibiliza a grade curricular na sua página na internet. Com isso, o total de instituições oferecendo cursos de graduação tradicional em Design caiu para oito: Centro Universitário Carioca – Design; Centro Universitário da Cidade – Comunicação Visual e Projeto de Produto; Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM-RJ) – Design (Com. Visual); Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – Comunicação Visual e Projeto de Produto; Universidade Estácio de Sá – Comunicação Visual e Projeto de Produto; Universidade do Estado do Rio de Janeiro – Desenho Industrial; Universidade Federal do Rio de Janeiro – Projeto de Produto; Universidade Gama Filho – Design. 81 Nas instituições selecionadas foram identificadas disciplinas obrigatórias nomeadas como ilustração no Centro Universitário Carioca29 e na Universidade da Cidade30. A PUC- RJ31 têm em seu currículo disciplinas voltadas para ilustração, mas até onde pudemos verificar não são designadas com o termo ilustração. A ESPM-RJ32 apresenta um grupo de disciplinas no currículo básico voltado para animação. São elas: Estilo e Técnica da Animação, Animatic e Concept Art. Merece destaque o fato de haver uma disciplina sobre concept art e, principalmente, designada como tal. A PUC-RJ, por exemplo, oferece uma disciplina obrigatória e outra eletiva, ministradas respectivamente por Marcos Magalhães – um dos entrevistados desta pesquisa - e Claudia Bolshaw. É razoável deduzir que as outras instituições ofereçam disciplinas de animação, apesar de não termos localizado nenhuma disciplina nomeada como tal na UFRJ33, UERJ34 e Gama Filho35. O mesmo também deve acontecer com ilustração, por exemplo. Entretanto, é menos provável que o mesmo aconteça com concept art, o que é totalmente compreensível uma vez que a área se tornou mais conhecida apenas a partir dos anos de 1990. O Guia do Estudante relaciona três instituições que oferecem cursos de artes visuais no Rio de Janeiro: Instituto Metodista Bennet, UFRJ e UERJ. Em nenhuma delas foi encontrada qualquer disciplina diretamente relacionada a questões da animação ou, muito menos, concept art. É obvio que há disciplinas que abordam indiretamente temas comuns a qualquer ramo das artes visuais, mas obviamente isso ocorre frequentemente em cursos de áreas correlatas. O curso de Pintura da Escola de Belas Artes da UFRJ36 tem em seu currículo disciplinas 29 UniCarioca. Disponível em: http://www.unicarioca.edu.br/index.php/cursos/designgrafico/. Acesso em 15/06/2013. 30 Universidade da Cidade. Disponível em: http://www.univercidade.edu/cursos/graduacao/desenho_pv/pdf/2012/desenhoindustrial_pv.pdf. Acesso em 15/06/2013. 31 PUC –RJ. Disponível em: http://www.pucrio.br/ensinopesq/ccg/design_comunicacaovisual.html#periodo_1. Acesso em 15/06/2013. 32 ESPM – RJ. Disponível em: http://www2.espm.br/cursos/design-1. Acesso em 15/06/2013. 33 EBA – UFRJ. Disponível em: http://comunicacaovisualdesign.files.wordpress.com/2013/01/fluxograma_cursocvd.jpg. Acesso em 15/06/2013. 34 ESDI – UERJ. Disponível em: http://www.eba.ufrj.br/pintura/livro2014.pdf. Acesso em 15/06/2013. 35 Gama Filho. Disponível em: http://www.ugf.br/index.php?q=graduacao/6/view. Acesso em 15/06/2013. 36 EBA - UFRJ. Disponível em: http://www.eba.ufrj.br/pintura/livro2014.pdf. Acesso em 15/06/2013. 82 como Desenho Artístico e Modelo Vivo que certamente são válidas para quem deseja trabalhar com concepção visual, mas o foco do curso não é esse. Quanto à ilustração, é igualmente difícil encontrar cursos de nível superior na área. Esse fato inviabiliza a possibilidade de formar concept artists em cursos de ilustração, algo que é muito comum nos Estados Unidos. Não estamos aqui estabelecendo juízo de valor sobre os currículos das faculdades citadas, acusando-as de não darem espaço para animação ou para o concept art. Apenas constatamos que o Cinema de Animação ainda não está contemplado devidamente em instituições de ensino superior, pelo menos naquelas pesquisadas. Consequentemente, é provável que o concept art para Cinema de Animação também não seja tema para debates. Na minha experiência pessoal no curso de Cinema da Universidade Estácio de Sá, não houve nenhuma abordagem a respeito de design de produção exceto por aquelas questões tratadas na disciplina de direção de arte. Muito menos, havia qualquer referência à animação, que na época ainda não constava do currículo do curso. É notório que existe a necessidade de formação de pessoal qualificado para mercado de animação que se desenvolve no Brasil. Entretanto, talvez a solução não seja inchar mais ainda os currículos dos cursos de Design e Cinema, mas a criação de cursos de graduação e pós-graduação em Animação. Foram localizados cursos livres ligados à concept art em quatro instituições no Rio de Janeiro: Black Fox Studio, Moviluc Escola de Animação e Artes Visuais, Cria 2D Lab e Impacto Quadrinhos. Os cursos variam em tempo de duração e foco. O Black Fox Studio, por exemplo, oferece cursos de design de personagem, criaturas e ambientes. A Moviluc e o Cria 2D Lab oferecem cursos de design de personagens. A Impacto Quadrinhos oferece um curso de concept art para games. Entretanto os cursos livres estão sempre restritos aos conteúdos técnicos, não abordando questões conceituais. Após esse breve levantamento, fica claro que não há muitas alternativas para a formação de profissionais em concept art, no Rio de Janeiro, e fica a dúvida se essa situação muda radicalmente em algum outro estado da federação. Veremos mais adiante, no capítulo quatro, que o mercado interno ainda não absorve este profissional na proporção ideal; entretanto, a falta de especialização gera uma dificuldade a mais na consolidação de qualquer área do conhecimento. O questionamento que cabe aqui é qual será o lugar indicado para que sejam 83 preparados concept artists para atuação no mercado de entretenimento no Brasil, caso haja aumento na demanda por esse profissional. 3.2. Contexto de produção do concept art Após investigar o processo de difusão de conhecimento, é importante entender qual o contexto em que o concept art está inserido na produção de filmes de animação. Isto será feito por meio de uma breve observação na forma como foram organizados os departamentos nas produções da Disney Animation e da Pixar Animation. A escolha da Disney se dá pelo fato de ter sido a primeira empresa na qual a função foi entendida como essencial para ser alcançada a qualidade estética pretendida para os filmes. O padrão Disney foi referência durante toda a era da animação tradicional até o surgimento da animação CGI nos anos de 1990. Com o lançamento de Toy Story, em 1995, a Pixar passou progressivamente a ser referência da indústria para tudo o que foi produzido em animação CGI desde então. Neste novo paradigma da animação cinematográfica, é a Pixar que, de alguma forma, acaba servindo como referência de tecnologia e processos. A primeira questão difícil de precisar é em que momento o termo concept art passou a ser utilizado. Nas fontes pesquisadas, não se encontrou uma utilização expressiva do termo e o estabelecimento de uma data específica tornouse inviável. Mais importante, entretanto, é acompanhar que funções estão atreladas a essa atividade que assumiu várias designações ao longo do tempo. Inicialmente a observação recai sobre a primeira etapa na produção de longas-metragens da Disney Animation, que vai do lançamento de Branca de Neve e os Sete Anões, na década de 1930, até Mogli lançado em 1967. Walt Disney faleceu em 1966, e esse período foi marcado por grande desenvolvimento em termos técnicos e metodológicos. Obviamente, nas primeiras produções da Disney, o termo concept art não era utilizado – se é que existia – na indústria cinematográfica. Os termos comuns na indústria cinematográfica eram direção de arte e design de produção. Mesmo na Disney – onde a função de inspirational sketch artist existia desde os anos de 1930 –, nem sempre o trabalho de desenvolvimento visual era detalhadamente creditado ou era creditado com designações muito específicas como character designer e stylist, por exemplo. 84 Vejamos os exemplos de algumas das primeiras produções da Disney. Em Branca de Neve e os Sete Anões (1937), Pinóquio (1940) e Dumbo (1941) são creditadas as funções de character design, art direction e background. Não há nenhuma referência à inspirational sketch ou visual development. Entretanto, em Bambi (1942) os créditos iniciais discriminam apenas as funções de art direction e background, excluindo-se o character design. É óbvio que a função existiu, mas algo na avaliação do processo fez com que ele não fosse creditado. Os termos surgem e desaparecem dos créditos a cada filme, entretanto layout e backgrounds são termos constantes. Sabemos, contudo, que essas atividades só podem ser levadas a cabo após ter sido concluída a etapa de concept art ou de visual development. Em Cinderela (1950), já encontramos a designação Color and Styling. Os color scripts são uma etapa fundamental em um filme de animação e o fato da função ser nomeada distintamente de outras é significativo. A Bela Adormecida (1959) tem uma extensa equipe de arte e as funções estão mais bem identificadas nos créditos iniciais. Além dos já tradicionais departamentos de layout e background, são creditados production design, character styling e color styling. Esta etapa da Disney que se encerra com Mogli (1967) não apresenta grandes mudanças quanto à dinâmica de registro. Essa dinâmica pode ser, na verdade, um reflexo da própria forma de operação de Walt Disney frente ao estúdio, o que se refletia na metodologia. Segundo Frank Thomas e Ollie Johnston em The Illusion of Life, Disney nunca construiu uma organização no sentido estrito que a palavra pode assumir. Para os autores, Walt contava com um time de profissionais talentosos que ele poderia combinar continuamente dependendo das necessidades do projeto, e buscava o melhor esforço criativo em vez do sistema operacional mais eficiente (185). E complementam: “There were titles, and departaments and job classifications without end, but they had more to do with responsibility than authority” (JOHNSTON & THOMAS, 1981, p.185). Thomas e Johnston afirmam que o método de trabalho do estúdio era eminentemente coletivo e que todos da equipe criativa participavam ativamente do processo. Um filme da Disney Animation nos tempos de Walt era um trabalho de grupo. É interessante dar um salto na filmografia do estúdio para perceber como o método de operação e gestão sofreram alterações importantes ao longo do tempo e que os padrões metodológicos atuais são fruto de um processo em constante desenvolvimento. A Pequena Sereia (1989) é o filme que inaugura um novo 85 período de sucesso da Disney Animation que só se esgotou no final dos anos de 1990 com a ascensão da animação 3D. Na época, o estúdio estava sob a direção de Jeffrey Katzenberger, atual CEO da Dreamworks e que contava com uma bem sucedida carreira como executivo de emissoras de televisão. É nítida a maior estruturação na organização de departamentos quando analisamos as funções listadas na cartela de créditos dos filmes. Em A Pequena Sereia as funções são art direction, layout, backgrounds, color models supervisor, character design, visual development. Essas funções se repetem em Alladin, Rei Leão, Corcunda de Notre Dame, Hercules, Mulan e Tarzan. Esta constância indica que por esta altura as funções provavelmente já se encontravam bem definidas e com designações regulares. A própria atividade de desenvolvimento visual ou inspirational sketches, como era chamada nos primórdios da Disney, tinha então pelo menos duas designações bem claras: character designer e visual development. Contemporaneamente, como foi dito anteriormente, quem dita os padrões tecnológicos e metodológicos da indústria de animação estadunidense e, talvez, do mundo todo não é mais a Disney Animation, e sim a Pixar, estúdio responsável por sucessos tais como Toy Story, Monstros S.A. e Incríveis. Analisar a estrutura e a nomenclatura utilizada pela Pixar para as funções de concepção visual dos filmes torna evidente – ao menos em parte – a metodologia do estúdio com maior êxito de público e crítica desde a era de ouro da Disney. Para este estudo, vamos nos deter apenas nos setores e funções cujas tarefas identificamos como sendo diretamente do escopo do concept art, ou seja, o desenvolvimento visual primário do filme. Esta categorização elimina desde já qualquer departamento cujo trabalho seja subsequente ao do concept art, por exemplo, os setores de layout, background, escultura e modelagem. O primeiro longa-metragem da Pixar foi Toy Story, lançado em 1995. Marco na animação por ser considerado por muitos como o primeiro longa-metragem de animação computadorizada do mundo, o filme conta com a seguinte relação de funções e cargos ligados ao desenvolvimento visual nos créditos: art direction, designer/illustrator, character design, concept artwork, CG painter e sculptor. É curioso que, em seu primeiro longa, a Pixar tenha utilizado a terminologia concept artwork para designar as funções ligadas ao desenvolvimento visual ou concept art. Entretanto, em Vida de Inseto (1998), segundo longa-metragem do estúdio, essa nomenclatura não foi mantida: art director, sketch artists, character design, 86 aditional character design, visual development. Nos filmes que vieram a seguir, os nomes das funções nos créditos foram se alternando, mas fica claro que a função se manteve constante em todas as produções. As funções de character design e visual development estão presentes em todas as produções, mesmo que com variações de nomenclatura. Em algumas produções, surgem novas funções, como em Ratatouille, em que surge pela primeira vez o termo environment designer, que retorna em Up levemente modificada: environment art director. As designações variam sensivelmente entre as produções e entre os diferentes estúdios, mas o método parece mais do que sedimentado na indústria da animação cinematográfica. O que chama mais a atenção é o volume de pessoas envolvidas na tarefa de transformar ideias em imagens. Em Toy Story apenas naquelas funções identificadas anteriormente, contou-se um total de 23 profissionais exercendo atividades ligadas ao processo de desenvolvimento visual. Em Monstros S.A., contou-se 24 profissionais e, em Toy Story 3, chegou-se a 36 integrantes da equipe envolvidos com diversas etapas de desenvolvimento visual. Esses números não são absolutos, pois a verificação limita-se a uma única fonte que são os créditos dos filmes, mas independente de possíveis variações na contagem, fica evidente em primeiro lugar que o processo de desenvolvimento visual em filmes de animação nos grandes estúdios é coletivo. A questão da segmentação – ou seja, cada profissional se dedica a uma etapa específica do trabalho em uma determinada produção –, é difícil de ser verificada sem observação de campo. A impossibilidade de realizarmos a observação nos departamentos de arte dos grandes estúdios nos leva a lançar mão das informações disponíveis nos livros de Arte e extras dos DVDs das grandes produções. A produção que vamos investigar é o filme Mulan, da Disney. Em primeiro lugar, é válido detalhar a estrutura da equipe de desenvolvimento visual do filme: Production design: Hans Bacher Art direction: Ric Sluiter Character design : Chen-Yi Chang Layout: Robert Walker Backgrounds: Robert E. Stanton Character design/visual development: Sai Ping Lok, Paul Felix, Marcelo Vignali, John Puglisi, Caroline K. Hu, Robh Ruppel, Alex Nino, Richard P. Chaves, Jean Gilmore, Sue Nichols, Peter de Seve. 87 As equipes de layout e background não estão listadas aqui em função de serem responsáveis por etapas posteriores ao desenvolvimento visual. Alguns nomes de peso na indústria figuram nessa lista e no livro The Art of Mulan é possível observar várias artes de personagens produzidas por diferentes artistas. O disco de extras traz a seção denominada Art Design, em que a equipe de produção expõe os métodos utilizados para chegar ao resultado estético final do filme. Segundo o relato do diretor de arte Ric Sluiter, há duas maneiras de definir o estilo visual de um filme. A primeira é encontrar um artista que tenha o estilo que se deseja alcançar para o filme e condicionar todas as decisões estéticas do filme a partir dessa referência. Um dos exemplos dessa metodologia citado por Ric Sluiter é Pinóquio, em que o ilustrador Gustav Tenggren determinou o estilo geral do filme. Outro caminho possível é deixar que o estilo visual do filme se desenvolva progressivamente ao longo do processo. Ric Sluiter chama a atenção para o fato de que esse é um processo bastante trabalhoso. Segundo a produtora Pam Coats, apesar do grande efetivo de artistas competentes que trabalhava no desenvolvimento visual, a equipe não estava alcançando unidade estética. Esta unidade só começa a ser alcançada a partir do ingresso do production designer Hans Bcher na equipe de desenvolvimento visual. Coats lembra que o estilo de Bacher era extremamente simples e gráfico e essas qualidades aliadas aos elementos da arte chinesa acabaram por definir em parte o estilo visual do filme, baseado em formas amplas com poucos detalhes e que foi denominado pela equipe como “simplicidade poética”. Este estilo, segundo observação do artistic supervisor layout Robert Walker, seria menos realista do que o de produções anteriores como O Corcunda de Notre Dame. O outro ponto decisivo na definição do estilo visual de Mulan foi o trabalho do designer de personagens Chen Yi Chang. Para o diretor Tony Bancroft, foi Chang – nascido em Taiwan – quem trouxe uma riqueza enorme de detalhes tipicamente chineses para o filme. Bancroft destaca que o encontro dos estilos de Bacher e Chang foi o que definiu o estilo visual de Mulan. No livro The Art of Mulan, há um interessante comentário de Aaron Blaise – Supervisor Animator do filme – sobre o impacto do trabalho de Chen Yi Chang sobre o desenvolvimento visual de Mulan: All of us drew and drew and drew and drew, and by this time we had our own individual characters, and we kind of had personalities, and we all did tons 88 of designs of them – but none of the designs matched as one. There wasn’t a harmonious design theme through them. Then Chen Yi came in and just unified everything. (KURTTI, Jeff. The Art of Mulan. New York: Hyperion, 1998. P. 86) É interessante perceber que apesar de ser creditado como animator supervisor, Aaron Blaise está relatando participação em um processo de desenvolvimento visual de personagem. O que parece ficar claro é que o processo de desenvolvimento visual de um filme de animação é extremamente dinâmico, como deixa claro o relato de Ollie Johnston e Frank Thomas transcrito acima, e como observa Andres Lieban, diretor de animação do estúdio brasileiro 2D Lab na entrevista que será detalhada no capítulo 4.3, ao observar que o processo de desenvolvimento visual de um filme é extremamente orgânico. A existência de alguma segmentação parece não interferir no dinamismo do processo, pois um profissional pode surgir em outra função nas produções seguintes ou acumular funções em uma mesma produção. Um bom exemplo é Bob Pauley, que assumiu diversas posições no departamento de artes da Pixar. Em Toy Story integrava a equipe de concept artwork. Ocupou os cargos de art diretor e character designer em Vida de Inseto e production designer, character designer em Monstros S.A. Em Toy Story 3 atuou como production designer e aditional character designer. No próximo subcapítulo da unidade 3, procuraremos entender os procedimentos de desenvolvimento visual em um filme de animação, e, para tanto, vamos nos debruçar sobre o processo metodológico do concept art à luz da metodologia do Design. 3.3 Concept art como atividade projetual O objetivo deste subcapítulo é refletir sobre o processo de desenvolvimento do concept art tendo como referência a metodologia do Design. No subcapítulo 2.2, foi visto que o concept art herdou uma extensa tradição metodológica oriunda das artes plásticas e, no subcapítulo 2.3, foi estudada a herança narrativa que o concept art recebeu da ilustração. Outra questão fundamental – e da qual nos ocuparemos neste subcapítulo – é que o concept art está inserido em uma estrutura de negócio eminentemente industrial, o que fez com que a metodologia 89 das artes plásticas, da qual a ilustração se apropriou e que se tornou parte fundamental da metodologia do concept art, tivesse que se estruturar de forma a atender às exigências de produção do Cinema de Animação, forma de arte coletiva, dependente da tecnologia e com organização funcional baseada na divisão e especialização do trabalho. O conhecimento sobre o desenvolvimento do Design pode nos ajudar na compreensão da tensão entre uma metodologia oriunda das artes plásticas com perfil eminentemente artesanal que é inserida em um contexto de produção industrial, uma vez que esse mesmo processo aconteceu na implantação do Design. É importante notar que a ideia sobre o que é Design, as funções associadas a ele e o seu status na sociedade foram se transformando ao longo de sua história exatamente como aconteceu com as Artes. Não há aqui a pretensão nem a necessidade de fazer um revisionismo a respeito de todas essas visões sobre o Design, mas algumas serão abordadas por guardarem conceitos importantes para pensarmos o concept art e suas atribuições projetuais. Além disso, a abordagem dessas visões datadas historicamente em oposição aos conceitos contemporâneos sobre o Design auxiliam na ampliação dos horizontes sobre o campo e no estreitamento da fronteira com o concept art. Vários autores se propõem a definir o que é Design, suas características metodológicas e seu desenvolvimento através da história. Rafael Cardoso em seu livro Uma introdução à história do Design, fornece a seguinte definição para a palavra design: A origem imediata da palavra está na língua inglesa, na qual o substantivo design se refere tanto à ideia de plano, desígnio, intenção, quanto à de configuração, arranjo, estrutura (e não apenas de objetos de fabricação humana, pois é perfeitamente aceitável, em inglês, falar do design do universo ou de uma molécula). (DENIS, 1984, p.20.) Cardoso complementa que o termo provém remotamente do latim designare, que abrange tanto o sentido de designar quanto o de desenhar, o que fornece ao termo “uma ambiguidade, uma tensão dinâmica, entre um aspecto abstrato de conceber/projetar/atribuir e outro concreto de registrar/configurar/formar.” (Ibid, p.20) Para Cardoso, o Design é uma atividade que atribui forma material a conceitos intelectuais (Ibid, p.20), definição que coincide com aquela do termo 90 conceito formulada no subcapítulo 2.1. Podemos concluir, então, que Design e concept art materializam ideias expressas de diversas formas – particularmente por meio de signos linguísticos – e esta materialização pode ocorrer sobre diferentes suportes. Para Rafael Cardoso, o Design é “uma atividade que gera projetos, no sentido objetivo de planos, esboços ou modelos” (Ibid, p.20). Esta característica projetual também está presente no concept art, uma vez que os cenários, personagens, adereços e planejamentos de cena produzidos pelo concept artist serão enviados para as equipes de produção para que sejam finalizados. Tanto o concept artist quanto o Designer materializam ideias visualmente a partir das informações transmitidas pelo cliente. O Designer começa pelo briefing, documento em que constam todas as informações sobre o cliente, o produto o público alvo etc. O concept artist tem como fonte primária o roteiro ou a sinopse do filme e seus clientes são normalmente o diretor do filme, o diretor de arte e eventualmente o produtor. Seria procedente que o concept artist também recebesse ou até mesmo produzisse o seu próprio briefing. Ambos – concept artist e designer – criam visualidade a partir de informações, que na maioria dos casos estão expressas textualmente. A ideia do designer como um mero criador de instruções para produção manufatureira foi predominante e pode ser encontrada em autores como em Adrian Forty, por exemplo. Essa visão, entretanto, está ultrapassada e não cabe mais no perfil complexo e abrangente da atividade hoje. Para Cardoso, a questão das instruções para a transformação de uma ideia em algo material, palpável, está na base da suposta distinção entre Design, artes plásticas e artesanato e a busca por esta distinção têm resultado em um conjunto de “prescrições extremamente rígidas e preconceituosas” sobre o que efetivamente é Design (DENIS, 1984, p.21). O designer, sob essa ótica, seria aquele que projeta, mas não procede a construção do objeto que projetou, o que nos dias atuais, particularmente após o desenvolvimento de novas tecnologias tais como as impressoras 3D, por exemplo, não pode ser tomado de maneira tão rígida. Em muitos casos, realmente, o designer está dissociado da execução final do produto projetado por ele, e a produção se dá por meios mecânicos aos quais o designer não tem acesso direto. Entretanto, apesar destas possíveis diferenças, para Cardoso, as artes plásticas, o artesanato e o Design têm muito em comum e os designers já reavaliam sua 91 posição, propondo uma nova valoração do fazer manual. Vimos, no subcapítulo 2.2, que a pintura e a escultura já eram projetuais no Renascimento, como deixa evidente o relato de Bellori a respeito da metodologia do pintor Federico Barocci. Outra ideia que vigorou nos compêndios sobre Design por muito tempo foi a de que o Design estaria ligado unicamente à produção industrial. O crítico de arte Gilo Dorfles afirma categoricamente que uma das primeiras condições necessárias para se considerar um produto como pertence à categoria do Design “é que seja produzido por meios industriais e mecânicos; ou seja, mediante a intervenção, não apenas fortuita, ocasional ou parcial, mas exclusiva da máquina” (DORFLES, 1984, p.8). Esse é outro aspecto da visão sobre Design que está ultrapassado e que é desmontada por Cardoso. Cardoso cita o exemplo do Design para meios digitais como os sites de internet, em que o processo pode ser executado inteiramente por uma única pessoa e ainda assim estar disponível para o acesso a um público de massa. Uma página de internet é inequivocamente um produto de Design que tem um processo de produção artesanal, mas que não pode ser classificado simplesmente como artesanato. Não é nem Design de produto nem design Gráfico se tomarmos como referência a questão dos suportes, mas é gráfico na medida em que tem como função transmitir informação visual, e é um produto na medida em que é uma mercadoria. O Design inclusive tem uma contribuição contemporânea importante no desenvolvimento estético, de gestão e de processos não industriais como artesanato, grafite etc. O exemplo de Cardoso cabe perfeitamente no filme de animação comercial. É um produto na medida em que se destina ao mercado de exibição de filmes. A imagem audiovisual é gráfica no sentido em que transmite informação, mas não é impressa. E isso já é algo integralmente incorporado ao Design a partir do advento das mídias eletrônicas e digitais. A equipe de direção de arte como um todo – e particularmente o concept artist – trabalha no processo de preparação dos modelos que darão a aparência do filme. Os filmes produzidos em programas de computação gráfica têm as etapas de desenvolvimento visual e de produção bem definidas e obviamente são mais fáceis de serem percebidos como produtos industriais por dependerem da intervenção da máquina de maneira ostensiva, mas não seria razoável chamar de artesanal uma produção full animation, em que o trabalho foi dividido entre uma equipe enorme, apenas porque as células de animação foram produzidas em lápis e papel, mesmo porque, como vimos, já não 92 seria também a natureza artesanal que impediria o método projetual. Essa visão restrita estaria logo em cheque ao nos depararmos com os filmes em full animation produzidos em programas vetoriais. O filme de animação é um produto que se desenvolve, então, com uma clara influência do Design e este se insere na produção através da direção de arte e consequentemente do concept art. É exatamente nesta região nova e ainda em fase de exploração, essa área do Design que está se constituindo conforme os dispositivos digitais e a própria noção do que é a atividade rompem com as antigas fronteiras entre Design e artes plásticas que já haviam sido historicamente esfumaçadas – como visto antes –, que está localizado o concept art, atividade que recebe heranças de outras artes visuais, mas cujas funções são particulares e voltadas para a cultura de massa, que antes não existia. Outro autor importante para se refletir sobre as questões do Design é André Vilas-Boas, que, em seu livro O que é e o que nunca foi Design Gráfico, coloca quatro aspectos importantes que definem se um objeto pode ser considerado como fruto de design gráfico: aspectos formais, aspectos funcionais-objetivos ou simplesmente funcionais, aspectos metodológicos e aspectos funcionaissubjetivos ou simbólicos (VILAS-BOAS, 1998, p.8). Neste subcapítulo, estamos analisando o aspecto metodológico do Design para comparar com a metodologia do concept art. Ao longo deste trabalho, temos focado também no aspecto funcional, ou seja, qual é a função do concept art na produção de um filme de animação comercial. As questões formais e simbólicas não estão expressamente analisadas neste trabalho, mas é importante registrar a relevância dessas questões no escopo do concept art. A dimensão comunicacional é a própria razão de existir da atividade e essa comunicação se expressa através das formas. O profissional deve ter domínio não apenas das anteriormente definidas habilidades técnicas de representação figurativa, quanto também pelo conhecimento de Teoria da Percepção e de Teoria da Comunicação. Nos aspectos metodológicos, Vilas-Boas aborda a questão da autoria coletiva importante para o pensamento sobre Design e consequentemente sobre o concept art, uma vez que o filme de animação comercial é uma atividade dotada de atribuições artísticas em que a autoria compartilhada é sem dúvida uma realidade incontestável: 93 A autoria do Design, em geral, se reveste de um teor coletivo que inclui tanto o designer propriamente dito quanto o cliente que encomendou o projeto, a eventual intermediação de agentes entre um e outro (agências de publicidade, diretores de arte, produtores culturais etc.), os integrantes do processo de produção (artes-finalistas, gráficos, técnicos de acabamento, fabricantes e fornecedores dos insumos para a reprodução etc.), a conformação do público-alvo segundo a concepção do designer, do cliente e dos agentes intermediadores e, finalmente, a própria inserção simbólica do projeto junto ao público-alvo – sendo esta, necessariamente, intermediada por alguém que a analisa e avalia, que tanto pode ser o designer como o cliente ou os eventuais agentes intermediadores (VILAS-BOAS, 1998, p.52). Todos esses envolvidos acabam por retirar a ação de um cunho exclusivamente expressivo. Entretanto, apesar de todos estes aspectos serem importantes, cabe aqui uma avaliação cuidadosa e é importante relativizar. Por mais que o designer tenha que negociar com as partes envolvidas no projeto, no que diz respeito aos aspectos formais e simbólicos, existem profissionais que trabalham de forma personalista e têm grande espaço de subjetividade nos projetos que realizam. Exemplos não faltam e alguns são notórios, por exemplo, Neville Brody e Javier Mariscal. Brody ficou notório na década de 1980 por utilizar a linguagem dos fanzines e a estética punk no Design. Mariscal alcançou reconhecimento internacional quando venceu o concurso de criação do mascote da Olimpíada de Barcelona. Seu estilo é marcado pela utilização da linguagem do cartum no Design. Pensar que nenhum designer expressa sua subjetividade durante um projeto é o mesmo que dizer que um artista plástico sempre tem controle total sobre o trabalho. Um artista plástico que receba uma encomenda específica de um cliente – um painel para uma empresa, por exemplo – pode ter que se valer de características do método projetual para gerir certos aspectos de seu trabalho – solicitado ou não por um cliente. Em linhas gerais, entretanto, o artista plástico contemporâneo concebe sua obra e, depois desta pronta, submete-a ao público, o que não é o workflow típico do Design. O trabalho do designer obedece a parâmetros restritivos desde o início do projeto e dificilmente será isento de interferências externas, a menos que ele esteja trabalhando em um projeto totalmente pessoal. 94 Figura 12 - Trabalhos de Javier Mariscal e Neville Brody, respectivamente, que demonstram o grau de subjetividade que o designer pode inserir no trabalho. O concept artist está inserido na mesma lógica de trabalho do designer no que diz respeito à autoria, pois sua autonomia é limitada pelo diretor de arte, e em última instância esbarra invariavelmente nas decisões do diretor. Mas assim como o designer, o concept artist não é um autômato e existe espaço para o desenvolvimento de trabalho com forte carga de subjetividade, dependendo da natureza da produção. Obviamente em uma produção própria, autoral, a autonomia do concept artist é total e esse grau de autonomia criativa varia de acordo com as características do projeto. Praticamente todos os designers – não importando em qual segmento estejam atuando; se preferem trabalhar sozinhos ou inseridos em equipes, se canônicos ou não canônicos – compartilham uma ferramenta de trabalho: o projeto. A metodologia projetual é um dos pontos mais característicos do Design e hoje atinge contornos que extrapolam a simples solução estético/funcional. Surgiram novas formas de pensar o papel do Design e, em consequência, novas abordagens metodológicas como o design thinking. Villas-Boas define a importância da metodologia projetual para o Design: 95 O design gráfico enquanto atividade profissional e parâmetro conceitual para análise de objetos comunicacionais requer uma metodologia específica através da qual o profissional tenha controle das variáveis envolvidas no projeto. E faça opção expressa entre alternativas de consecução, a partir de testagens realizadas por ele ou por outrem. (VILAS-BOAS, 1998, p.15) Para Vilas Boas o projeto não é apenas um elemento de caracterização do Design, mas a sua própria essência, definindo a própria inserção de uma atividade no campo do Design. Ele afirma que uma atividade ou um objeto só podem ser enquadrados na categoria de design gráfico se a metodologia projetual – problematização, concepção e especificação – tiver sido expressamente considerada “ainda que sem o uso formal do léxico e do aparelho conceitual” próprio da área (VILAS-BOAS, 1998, p.15). E completa: É através da atividade projetual, que “o desenhista industrial coteja requisitos e restrições, gera, seleciona alternativas, define e hierarquiza critérios de avaliação e engendra um produto que é a materialização da satisfação de necessidades humanas, através de uma configuração e de uma conformação palpável [...]” (Ibid, p.20) A metodologia está presente no concept art desde sempre, e, como vimos anteriormente, uma parte substancial foi herdada das artes plásticas e da ilustração; entretanto, o contexto em que está inserido o concept art o coloca alinhado com questões semelhantes às do Design. É um grande processo de análise, geração de alternativas e escolhas com que o profissional deve lidar. O diretor de arte delega aos membros da equipe as diversas etapas de desenvolvimento visual e de finalização artística do projeto. Nessa configuração, os artistas de concept responsáveis pelo desenvolvimento visual dividem entre si diversas etapas do processo. Vão se debruçar sobre personagens, cenários e adereços, muitas vezes com mais de um artista trabalhando em um mesmo personagem, por exemplo. O constante processo de testes dos concepts gerados sempre buscando o aprimoramento do trabalho, o intercâmbio de detalhes entre trabalhos de diferentes artistas, a busca pela unidade estética do filme são algumas das questões que o concept artist tem que enfrentar e a metodologia auxilia nesse processo. A criação do personagem Banguela no filme Como Treinar seu Dragão (Dreamworks Animation. 98min. 2010). é um ótimo exemplo desse processo. Como o próprio título nos informa, no filme há dragões, criaturas mitológicas que, até onde sabemos, nunca existiram. Entretanto, existe uma numerosa iconografia 96 formada a respeito destas criaturas que estão mais do que consolidadas no imaginário coletivo. Um dos desafios da equipe de arte do filme era fazer dragões diferentes de tudo que houvesse sido feito antes, já que a intenção era não trabalhar com o modelo clássico de dragão comumente difundido na mídia, e o desenvolvimento visual do personagem Banguela, um dragão da espécie Fúria da Noite que se torna o melhor amigo de Soluço, protagonista do filme, é emblemático pelas dificuldades extras que a própria equipe se impôs. No making of A Técnica Artística do Dragão no DVD de Como Treinar Seu Dragão, o codiretor Dean Deblois diz que a equipe de arte buscou referência em mamíferos como lobos e, principalmente, em felinos como a pantera negra. No livro The Art of How to Train Your Dragon, Deblois amplia nossa visão sobre o processo criativo do Fúria da Noite, que tem semelhanças com o processo criativo da ilustração: His color was inspired by a black panther screensaver on one o four story artist’s monitors. That image was striking and electrifying, with those eyes staring out from the darkest black face. (ZARNEKE, 2010, p.27) Figura 13 - Desenvolvimento visual do personagem Banguela do filme Como Treinar Seu Dragão. 97 A busca por um resultado inusitado gerou obviamente uma quantidade grande de alternativas, opções, e muito teve que ser cotejado em termos de informação até que uma opção fosse considerada ideal para aquilo que se pretendia para o visual do personagem. Talvez o procedimento de trabalho do concept artist não seja tão integralmente regido pelo método projetual, mas, sem dúvida, há procedimentos em comum. O mais importante, entretanto, é que concept art e Design compartilham o mesmo objetivo, ou seja, o desenvolvimento de informação visual que comunique um determinado conteúdo. O que se percebe no processo descrito acima é a busca pela solução de um problema estético e comunicacional para um personagem de destaque no filme. A busca por uma forma que expresse a função narrativa de um personagem. Um dos pontos de destaque da atividade do Design é a solução de problemas. O livro Das coisas nascem coisas, do designer italiano Bruno Munari, foi uma das principais referências em metodologia do Design. Hoje, talvez esteja superado pelas novas formas metodológicas do campo, mas recorreu-se a ele para definir de forma mais precisa o que é o problema no Design. Para Munari, cabe ao designer definir o problema, que é resultado de uma necessidade e que não se resolve por si. Entretanto, ele contém todos os elementos para a sua solução. Esses elementos devem ser conhecidos pelo designer para que possam ser utilizados no projeto que solucionará o problema (MUNARI, 2002, p. 30). Um problema pode ser dividido em seus componentes; operação que “facilita o projeto, pois tende a pôr em evidência os pequenos problemas isolados que se ocultam nos subproblemas”. Cada um desses pequenos problemas deve ser resolvido antes de seguir adiante com o projeto (Ibid. p.36). O filme de animação Hellboy: a espada das tempestades (Starz media. 77min. 2006) é um bom exemplo de solução de problemas específicos através do design do personagem. Personagem oriundo das histórias em quadrinhos e com características físicas muito peculiares, Hellboy não foi criado originalmente para ser animado. Seu criador, o ilustrador e quadrinista Mike Mignola, preocupou-se com as características expressivas do personagem incluindo uma série de detalhes que incrementassem a sua silhueta. Entretanto, ao ser transposto para o universo da animação, particularmente para animação 2D, essa silhueta gerou dificuldades adicionais. Ao analisarem o personagem, a primeira coisa que saltou à vista dos produtores era a sua assimetria. Hellboy tem uma enorme mão direita de pedra 98 desproporcional ao resto do corpo e no lado oposto a cartucheira de seu revólver, chamado de Samaritano. Essas duas características complicaram o trabalho dos animadores, dificultando o giro de 360° do personagem. A simetria do personagem em animação diminui o nível de dificuldade de um trabalho que, por natureza, é extremamente laborioso. Os designers do filme, particularmente o então novato – e principal concept artist do filme – Shawn “Cheeks” Galloway, tiveram que simplificar as formas para que o personagem pudesse ser adaptado para a animação sem lhe retirar o charme original. A solução foi trabalhar com uma silhueta marcante e com estética do cartum. Entretanto é importante frisar que a identificação do problema é importante, mas é apenas uma dentre outras etapas da metodologia do Design. Ambrose e Harris no livro Design Thinking, enumeram sete etapas no processo do Design: definição, pesquisa, geração de ideias, prototipagem, seleção de alternativas, implementação e aprendizagem (AMBROSE e HARRIS, 2011, p.12). As nomenclaturas podem variar, assim como as etapas podem ser subdivididas e mais detalhadas dependendo do autor; entretanto, o cerne do processo metodológico está contemplado nessas categorias. A primeira etapa diz respeito à definição do problema e dos objetivos do projeto. A seguir vem pesquisa – ou levantamento de dados –, que se refere à coleta de informações que possam alimentar o processo criativo. Essa pesquisa, segundo Ambrose e Harris, pode ser quantitativa – baseada em estatísticas sobre público alvo, mercado consumidor etc. –, ou qualitativa – informações sobre hábitos do consumidor e seu estilo de vida, por exemplo. A geração de ideias ocorre a partir do briefing – onde está definido o problema –, e da pesquisa. A partir dessas informações, o designer pode iniciar o processo de geração de alternativas para o projeto por meio de ferramentas tais como brainstorming, esboços e rafes preliminares. A prototipagem é a materialização de um modelo do produto que será apresentado para avaliação aos membros da equipe, ao cliente que solicitou o trabalho e aos grupos de foco antes que o produto seja produzido e entregue ao usuário final. Na etapa de seleção, serão escolhidas aquelas soluções que estiverem de acordo com as demandas do projeto. Após a seleção das alternativas, segue-se a implementação do projeto, ou seja, o produto ou serviço será disponibilizado para o consumidor final. Finalmente, após a implementação do projeto, os autores incluem a etapa de aprendizado na qual são avaliados os resultados do processo pela equipe de design 99 com base no feedback dado pelo cliente. Essa etapa que, no livro de Ambrose e Harris é chamada de aprendizado, também pode ser encontrada em outros textos sobre metodologia do Design com o nome de validação e é uma parte importante da metodologia projetual. Recentemente a metodologia do Design assumiu maior destaque em função da constante busca por inovação na sociedade de consumo e passou a ser um paradigma importante não mais apenas para o Design. O processo do design thinking passou a ser um modelo de desenvolvimento de soluções criativas tanto para produtos quanto para serviços. Ainda mais importante é a percepção de que o Design, hoje, é entendido como algo mais abrangente do que simplesmente a produção de bens materiais produzidos por processos mecânicos. Rafael Cardoso convida a pensar o Design em um sentido mais amplo: [...] como uma área múltipla, capaz de abarcar desde a criação de interfaces de navegação visual até o reaproveitamento de garrafas PET, e como um meio profissional plural, que possa acomodar, sem facciosismo, produções tão diversas quanto móveis dos irmãos Campana e os quadrinhos de Angeli. (DENIS, 1984, p.253) O Design, hoje, não está mais preso como esteve, no passado, ao produto industrial produzido através de meios mecânicos, e tampouco exclui de seu escopo as questões da imagem em movimento e da interatividade. Mesmo em Bruno Munari – um autor cujo trabalho deve ser atualizado pela evolução da tecnologia e do conceito de Design – cita o Cinema e a televisão entre diversas áreas possíveis de atuação para o designer, listando atividades tais como titulação de programas televisivos; titulação de filmes; efeitos especiais; textos, grafismos e animação de imagens dentre outras, como pertencentes ao universo do Design. Munari já considerava a imagem em movimento campo para a atuação do designer. Atualmente os cursos especializados em mídias digitais são um bom exemplo da atuação do designer nas mídias audiovisuais. A PUC-RJ e a PUC-SP têm em seus portfólios os cursos Design – Mídia Digital e Tecnologia em Mídias Digitais respectivamente. Ambos são cursos transdisciplinares em que o Design é questão fundamental e as disciplinas vão da tecnologia informática ao Design. Mesmo antes do surgimento de cursos especializados, a questão das mídias era contemplada nos cursos de Design. Não há dúvida que hoje as mídias digitais são 100 áreas que passam pelas questões funcionais e estéticas, além das questões simbólicas e comunicacionais, e todas essas instâncias estão na área de abrangência do Design. Conforme explicado anteriormente, a metodologia do Design será a referência para avaliarmos a metodologia do concept art, mas antes, é importante ter uma visão mais detalhada de algumas funções essenciais no processo de desenvolvimento visual de filmes de animação. A partir das funções extraídas da cartela de créditos dos longas-metragens animados da Pixar, construiremos com o auxílio da bibliografia breves definições para as funções mais importantes para este trabalho. Assim será possível separar o que está no escopo de tarefas de concept art e o que já está fora das atribuições de um profissional que esteja ocupando essa função. O diretor de arte é responsável pela impressão visual geral do filme. Todos os elementos visuais do filme são desenvolvidos sob a sua orientação e aprovados em última instância por ele. (HAN, 2000, p.29) Character designer é o profissional que cria os personagens de um filme, sejam eles humanos, animais, criaturas ou objetos. Os personagens devem ser dotados de personalidade e ter apelo visual. O character designer deve pensar no personagem como um todo, em seu figurino, seus adereços, estilo de cabelo, tudo que puder definir o personagem e sua personalidade para a audiência. Em uma típica produção dos grandes estúdios, vários profissionais podem trabalhar na função. Na equipe de Toy Story, são listados oito profissionais na função de character designer. Consideramos, neste trabalho, as denominações visual development, inspirational sketches e stylist como diferentes maneiras de nomear o concept art. O visual development artist indica qual será a atmosfera, o estilo e o Design do filme em termos visuais. Pode ser um artista convidado apenas para emprestar seu estilo, como é o caso do cartunista britânico Gerald Scarfe em Hercules, da Disney, mas também pode ser um profissional experiente no processo de desenvolvimento visual de filmes como Rob Ruphel. Seja como for, é um trabalho realizado em equipe conforme podemos ver nos créditos de filmes de Toy Story, em que são listados oito profissionais como concept artists. No livro A técnica da animação cinematográfica John Halas e Roger Manvell nomeiam este 101 profissional como projetista e o definem como “responsável pela impressão gráfica a ser causada pelo filme”. (HALAS e MANVELL, 1978, p.218) Essas funções são importantes para entender o processo de desenvolvimento do concept art nos longas-metragens de animação dos grandes estúdios. Ele está a serviço da história, citada como o elemento mais importante de qualquer produção no making of’s dos filmes dos grandes estúdios. A história é a espinha dorsal de qualquer filme, e o concept art é o pontapé inicial para contar a história por meio de imagens. O audiovisual, como o próprio nome diz, depende de imagens para estabelecer efetivamente sua comunicação, e todos os esforços durante a produção serão feitos para que a ideia inicial expressa na sinopse e no roteiro se transforme em uma narrativa visual. A narrativa visual será definitivamente detalhada no storyboard, mas o concept art está no início do seu desenvolvimento. A visualidade de um filme de animação, entretanto, não é aquela dos livros ilustrados ou das histórias em quadrinhos, pois em animação existe o movimento, parte fundamental da expressão cinematográfica. Quando finalmente história, Design, movimento e som são reunidos, o filme de animação se materializa e se torna algo único, que transcende a simples soma de suas partes. Geralmente é a partir da história que os artistas de concept art vão começar o seu trabalho. David Silverman, codiretor de Monstros S.A (Pixar Animation. , 92min. 2001) diz, nos extras do DVD do filme, que, antes de qualquer coisa ser feita no computador, tudo deve ser desenhado. É o mesmo processo desde Branca de Neve e os Sete Anões, afirma Silverman. Metodologicamente, o procedimento desenvolvido na Disney, nos anos de 1930, não sofreu transformações significativas, apenas atualizações. Assim como o designer, o concept artist começa com um problema de comunicação. O problema para este e para todas as equipes de arte envolvidas no filme é a história. Como interpretar visualmente a história para construir um mundo que seja a expressão daquela história e de nenhuma outra. Os caminhos para a solução desse problema estão expressos na metodologia empregada. No filme Hercules (1997), da Disney, o estilo foi baseado no trabalho do cartunista britânico Gerald Scarfe. Entretanto, Sue Nichols relata no livro de arte do filme que os diretores, Ron Clemens e John Muskeer, queriam manter as características do estilo gráfico de Scarfe com o estilo dos filmes da Disney, e, ao mesmo tempo, com um apelo visual grego. Para integrar com sucesso as 102 diferentes influências artísticas que concorriam para a formação da visualidade do filme, foram feitos style boards, pranchas que continham coleções de referências visuais de formas e padrões estéticos da arte grega, esboços preliminares de Gerald Scarfe e de artistas da Disney. Depois, esse material foi condensado e refinado, resultando no style guide, ferramenta de guia sobre o estilo gráfico geral do filme. Essa pesquisa de referências é importantíssima para que os artistas envolvidos no processo de desenvolvimento visual sejam alimentados com informações que lhes permita ter um direcionamento durante o processo criativo. A busca por referências, entretanto, não necessariamente se esgota com os style guides. Em muitas produções, particularmente aquelas que lidam com culturas ou lugares específicos, a equipe de arte é enviada para fotografar, pintar e vivenciar o lugar. No caso de Mulan (Disney, 1998), figuras chaves da equipe – Pam Coats, Barry Cook, Ric Sluiter, Robert Walker e Mark Hem – foram enviadas para a China, onde coletaram referências diversas sobre arquitetura indumentária, cores, enfim, tudo que pudesse criar o mundo em que a protagonista viveria suas aventuras (KURTTI, Jeff. 1998. p. 44). Ainda nos momentos iniciais do projeto, artistas chineses foram contratados para produzirem sketches inspiracionais (Ibis. p.14). Os exemplos podem se estender longamente, passando pelos clássicos da Disney e da Pixar, os filmes da Dreamworks e da Blue Sky. O processo de pesquisa visual é fundamental para a narrativa imagética do filme. Figura 14 - Style boards do filme Hércules da Disney. 103 A etapa subsequente na busca deste mundo visualmente coerente são os rafes, ou seja, as centenas de esboços que são produzidos como registro de ideias na busca de soluções de design para o filme. O rafe é uma ferramenta universalmente utilizada nas artes visuais e está para o concept artist assim como a anotação textual está para o roteirista, por exemplo. Normalmente, algo só é finalizado após ter sido formalmente resolvido na etapa de esboços, que podem ser garatujas simples a lápis ou desenhos um pouco mais elaborados já com uma prévia indicação de cor. O concept art – além de estabelecer qual será o visual do filme – poupa tempo e dinheiro, duas variáveis críticas em uma produção comercial, e o rafe poupa tempo no próprio processo do concept art, pois alterações podem ser feitas muito mais facilmente nessa etapa. Após a etapa de rafes, inicia-se a finalização das opções escolhidas. Nesta etapa, são feitas ilustrações bem acabadas que apresentam os personagens mais próximos de como aparecerão no filme. O tipo de finalização vai depender do estilo do filme, podendo ser desde traço e cor chapada até pinturas digitais com acabamento realista. Entretanto, é importante não entendermos essas etapas como estanques ou extremamente estruturadas. O processo pode ser bem orgânico e cheio de reviravoltas, e a questão da unidade estética e visual do filme é um problema que precisa ser acompanhado de perto pelo designer de produção ou pelo diretor de arte, normalmente os elementos da equipe que tem a noção do conjunto. O filme Kung Fu Panda da Dreamworks Animation é um ótimo exemplo. Segundo o autor do livro The Art of Kung Fu Panda, vários artistas haviam trabalhado no design de personagens no início da produção, mas o diretor John Stevenson queria uma maior unidade visual, pois concluiu que a estrutura visual do projeto era incongruente até aquele ponto e que isso poderia distrair a plateia (ZARNEKE, 2008, p.14). Foi então que, em cinco semanas, Stevenson, o designer de produção Raymond Zybach e o concept artist Nico Marlet refizeram todo o line up de personagens. O resultado foi a conquista da unidade visual ao longo de todo o filme: “When the crew saw Marlet’s unique yet complementary creations, everyone realized that “they gave the world such integrity and consistency”, reminds producer Melissa Cobb.”. (Ibid, p.14) 104 Figura 15 - Diversos estágios do desenvolvimento visual do personagem Po de Kung Fu Panda. Figura 16 - Personagens desenhados por Nico Marlet para Kung Fu Panda. O livro Inspired 3D Short Film Production, de Jeremy Cantor e Pepe Valencia, é focado na produção de curtas de animação. Apesar do foco desta pesquisa ser a animação comercial de longa metragem, ainda assim, o livro oferece bom material para refletirmos um pouco mais sobre as questões do desenvolvimento visual para animação. O processo de design de personagem é bem detalhado pelos autores, que discriminam as ferramentas que consideram importantes para o desenvolvimento de personagens: nomes, textos narrativos ou 105 citações, design e comportamento (CANTOR & VALENCIA, 2004, p.69). Por meio do design, o concept artist pode evidenciar questões importantes para a compreensão do personagem tal como a sua personalidade, como discutiremos adiante de forma mais aprofundada. É importante estar consciente de que motivações e objetivos são aspectos difíceis de evidenciar por meio do design – ainda que este possa auxiliar na tarefa – e que normalmente essas características vão depender do comportamento e dos diálogos para serem devidamente percebidos (Ibid. p.72). Esse aspecto fica ainda mais evidente quando da utilização de um personagem que não apresenta nenhuma particularização através do design – e que poderíamos chamar de um personagem com formas genéricas –, o que implica o desenvolvimento das características de personalidade desse personagem por meio do comportamento e dos diálogos (Ibid. p.71). Outro fator importante citado pelos autores é o “appeal”, palavra inglesa que em português pode ser traduzida como apelo ou atrativo. Os autores são categóricos ao afirmar que um personagem bem projetado deve ter apelo, mas que apelo não quer dizer necessariamente atraente e especificam mais ainda o sentido de “appeal”: Rather, in terms of design, it simply means “interesting to look at” (Ibid. p.71). Segundo os autores, as pistas visuais também são importantes no design do personagem, ou seja, aqueles elementos que irão indicar para a audiência quem é aquele personagem: If you want your audience to immediately recognize or understand certain important character traits at first glance, design your character accordingly with specific nad unmistakable visual elements, such as professional uniforms, bloody fangs, wheelchairs, or enormous muscles.. (Ibid. p.71) Outro quesito importante é a simplicidade. Manter o personagem com um design que comunique bem, mas que seja simples o suficiente para ser modelado, “riggado” e animado, no caso da animação 3D, ou simplesmente desenhado quadro a quadro em full animation. É importante lembrar que os detalhes físicos do personagem vão afetar a maneira como ele é animado, ou seja, um robô feito de alumínio deve mover-se de maneira diferente de um construído de aço maciço, por exemplo. Finalmente, há que se ter cuidado com o exagero nos detalhes, correndo-se o risco de ter como resultado um personagem clichê ou com detalhes desnecessários: 106 Be eficient and economical with your design elements. A healthy balance between clarity and subtlety is always a desirable goal, and elegant simplicity in design is usually quite appealing. (Ibid. p.74) Pelo que vimos acima, um personagem com bom design é, antes de tudo, um personagem atraente que comunica a sua personalidade através de pistas visuais claras. O personagem deve apresentar uma quantidade de detalhes que auxilie a audiência a compreender quais as suas características, mas precisa manter a simplicidade. Neste ponto retorna-se a um tema recorrente neste trabalho: as habilidades técnicas de representação. Esta é uma das primeiras exigências para um profissional desta área e os autores Jeremy Cantor e Pepe Valencia fazem uma interessante avaliação a respeito das habilidades técnicas de representação necessárias para o desenvolvimento de personagens: Keep in mind that you don’t have to become another Michelangelo to design characters effectively. Many great designers are not necessarily great illustrators however, if you are not comfortable with your chosen medium, the process of designing characters can feel like a chore than a fun and rewarding expierence. Indeed, it takes many years to master figure drawing and cartooning, but it actually doesn’t take too long to learn enough of the basics to get by.(Ibid. p.77) Mais uma vez, é importante lembrar que o objetivo dos autores no livro Inspired 3D Short Film Production é tratar dos métodos de produção de um curtametragem, o que, obviamente, pode diminuir consideravelmente as exigências em termos de habilidades dos envolvidos no projeto. Entretanto, os autores listam uma série de conteúdos que consideram necessários para o desenvolvimento de um bom design de personagens tais como estudos de anatomia, desenho de figura humana além de conhecimentos sobre perspectiva e teoria da cor. As habilidades técnicas de representação figurativa e os conhecimentos fundamentais são imprescindíveis e integram a primeira linha de exigências para um concept artist. Escolas como a Gnomon e a FZD School, por exemplo, coloca a análise de portfólio na seleção de candidatos, o que demonstra a preocupação com as técnicas de representação figurativa. Os processos descritos se repetem para todos os personagens, mas não apenas. Também cenários e adereços passam por um minucioso processo de desenvolvimento até a aprovação final. Uma vez que o diretor do filme aprove as ideias para os cenários e os personagens, os concepts são enviados para os 107 departamentos que darão continuidade ao trabalho, o que depende do tipo de técnica em que o filme está sendo produzido, se 2D, 3D ou stop motion. O mais usual é que siga para os departamentos de layout, background, modelagem de personagens e modelagem de cenários, conforme a natureza da produção. Em produções de grande orçamento, pode existir antes da finalização a etapa de prototipagem dos personagens em argila. Além do processo de desenvolvimento de personagens, cenários, adereços e de representação de cenas, existe ainda uma importante etapa de desenvolvimento visual chamada de color script, que é a definição do esquema de cor para cada cena do filme, dependendo da atmosfera desejada para cada cena, se violenta e tensa, pode-se usar cores quentes e saturadas; se, por outro lado, uma cena é tranquila, pode-se usar um esquema de cores frias. O color script é uma importante ferramenta na determinação da atmosfera de cada cena e de como as cenas se relacionam entre si ao longo do filme. Esse processo é obviamente cortado por tensões diversas, e cada membro da equipe tenta exercer influência sobre o resultado final. Então, cabe perguntar em meio a este ambiente altamente competitivo, em que há uma pressão natural por resultados, como o trabalho do concept artist se ajusta ao projeto. A opção pelo trabalho de um artista em detrimento de outros deve, em princípio, obedecer às necessidades estéticas e comunicacionais do projeto. Uma leitura meramente racionalista do método nos colocaria na posição de pensar que apenas as questões funcionais são o suficiente para se decidir sobre a escolha de um determinado design de personagem em detrimento de outro. O desenvolvimento visual dos personagens do filme Kung Fu Panda descrito anteriormente, demonstra que existe um grau de subjetividade claro no trabalho de um concept artist. Esta subjetividade gera uma identidade que interfere diretamente no trabalho. Esta identidade pode ser exatamente o que faz com que o trabalho daquele artista seja escolhido no lugar do trabalho de outro. O concept art – assim como o Design ou a pintura – não é uma Ciência Exata. É uma atividade inserida no universo das artes visuais, produzida por indivíduos dotados de subjetividade, que se manifesta de alguma forma no processo. Por mais racionalista que seja o método empregado, há, no escopo da função, o espaço para a intuição do profissional. Existe um ponto de encontro entre as necessidades do projeto e a subjetividade do 108 artista que executa a tarefa. Donis Dondis apresenta uma boa reflexão sobre este assunto: A forma do produto final depende daquilo para que ele serve. Mas no que diz respeito aos problemas mais sutis do design há muitos produtos que podem refletir as preferências subjetivas do designer e, ainda assim, funcionar perfeitamente bem. O designer não é o único a enfrentar a questão de se chegar a um meio-termo quando o que está em pauta é o gosto pessoal. É comum que um artista ou um escultor tenha que modificar uma obra pelo fato de ter recebido a encomenda de um cliente que sabe exatamente o que deseja. (DONDIS, 2000, p.11) É importante ter constantemente em perspectiva que concept art não é um fim em si mesmo, não importa a maestria técnica com que foram produzidas as imagens, se em tela, papel ou digitalmente. Apesar de obviamente podermos fruir as imagens produzidas para filmes de animação em livros e extras dos DVDs, uma pergunta parece relevante: o resultado final do trabalho de um concept artist é a imagem produzida por ele, ou os planos, cenas e sequencias do filme em que os conceitos criados por ele foram utilizados? Esse é um ponto que parece ao mesmo tempo aproximar o concept artist do ilustrador. O ilustrador não é um artista de galeria. A fruição integral do seu trabalho só se dá por meio do suporte para o qual foi produzida a imagem – a página impressa, por exemplo. O resultado do trabalho de um concept artist também sofre da mesma falta de autonomia. Sua compreensão só é completa por meio do filme, seu sentido integral não pode ser percebido sequer a partir dos livros de arte, pois estes proporcionam apenas uma parte da experiência e, mesmo assim, desprovida da sequencialidade própria da narrativa. Ou seja, o verdadeiro sentido das imagens de concept art só se completa quando estão inseridas em uma narrativa. O concept artist assim como o designer trilha um caminho estreito em que expressão subjetiva e função objetiva têm que caminhar lado a lado. O concept artist trabalha com uma forma de expressão que é tida pelo senso comum como meramente artística; entretanto, sua inserção mercadológica deixa claro que a atividade está sujeita a pressões por resultados estéticos e comerciais, da mesma maneira que os profissionais do Design. Outra questão importante para pensarmos a metodologia do concept art é o workflow. O trabalho dos pintores e ilustradores é em geral solitário. É sabido que muitos pintores do passado trabalhavam com assistentes, e ainda hoje esse procedimento é comum. O mesmo pode-se dizer da ilustração, em que ilustradores 109 podem ou não fazer uso de assistentes. Entretanto, no Cinema de Animação comercial norte-americano o trabalho em equipe é praticamente o padrão. Como vimos anteriormente, as equipes de desenvolvimento visual são numerosas e o resultado final é o somatório de todos os envolvidos. Essa estrutura de linha de produção, em que o trabalho é dividido por competências, é uma característica da forma de produção industrial, como assinala Rafael Cardoso; e nessa transição do artesanal para o industrial reside a importância de buscar essa aproximação com o Design. Nas artes plásticas sempre houve casos como o do pintor flamenco Peter Paul Rubens, que planejava a obra e a executava com a ajuda de assistentes. Na ilustração, os escritórios especializados trabalham com um workflow coletivo e dificilmente um trabalho é de autoria individual. Nos casos de finalização em programas 3D, o processo se assemelha muito ao do Cinema de Animação com a óbvia diferença que a imagem resultante não é animada. No caso do concept art, o profissional faz todo o planejamento, mas quem finaliza o trabalho efetivamente são outros profissionais que estão inseridos nas equipes de produção. Esse procedimento é um dos pontos que aproxima Design e concept art e afasta o último de ilustradores e artistas plásticos, apesar de uma série de procedimentos em comum. Sempre lembrando que essa dissociação entre o planejamento visual e a produção do filme é uma realidade de uma indústria específica e pode ser subvertida em outros modelos de produção. Esta questão se reflete sobre a autoralidade, pois, por mais que um personagem tenha sido desenvolvido por um único artista, ele terá que se ajustar ao estilo geral do filme além de ter que ser aprovado pelo diretor. O trabalho do concept artist, em filmes de animação comercial, é de autoria compartilhada e depende do problema de comunicação que deve ser resolvido para aquele produto específico. A solução de problemas é outro aspecto que aproxima o profissional dessa área do designer. O concept art recebe influência dos segmentos das artes visuais estudados até aqui. Não é ilustração, uma vez que os objetivos e os suportes diferem. Não é artes plásticas, apesar de ter herdado alguns de seus procedimentos e, até mesmo, estilos. Numa leitura restrita e antiquada também não é Design, mas talvez com a interpretação mais moderna e ampla deste campo hoje, o concept art possa ser considerado um segmento do Design tal como o design gráfico, o que sem dúvida justificaria a mudança de nomenclatura que algumas instituições adotam 110 substituindo o termo art por Design. Mas também pode ser que seja um ramo independente, autônomo, com objetivos bem definidos e áreas de atuação claras. Não está entre as ambições deste trabalho determinar o que é o concept art, mas apontar caminhos que possam ajudar a ter uma visão mais clara do campo. 3.4. Interseção de conhecimentos Fruto de uma interseção de diversos saberes oriundos de diferentes áreas, vimos, entretanto, que o conhecimento sobre concept art difundido principalmente pela internet é eminentemente performativo, ou seja, tem como finalidade o incremento de performances voltado exclusivamente para atuação no mercado de trabalho e desprovido de formação humanística. Mesmo entre as instituições de ensino presenciais pesquisadas, o foco em conhecimentos que podem ser mensurados de maneira direta permanece. Não se trata aqui de reduzir a importância de conhecimentos tais como pintura digital ou desenho anatômico, que são importantíssimos para o profissional da área. O que se questiona aqui é se uma grade curricular de um curso presencial ou um processo de aprendizagem online focados única e exclusivamente no incremento de desempenho naquilo que chamamos, ao longo deste trabalho, de habilidades técnicas de representação é totalmente capaz de preparar um concept artist para todos os aspectos dessa atividade. Obviamente, os resultados de instituições com diferentes perfis devem ser analisados mais cuidadosamente, e um dos itens a ser avaliado é obviamente a qualidade dos trabalhos realizados pelos alunos. Entretanto, questões como empregabilidade e ascensão profissional dos egressos precisam ser igualmente investigadas para avaliar se esses modelos são ou não eficientes. O Art Center College of Design é um exemplo de grade curricular que reúne tanto as disciplinas específicas, focadas no incremento de performance profissional tais como Color Theory for Entertainment, Architecture Design e Analytical Figure Drawing, quanto disciplinas que visam uma formação mais ampla e consequentemente menos tecnicistas. Disciplinas como Visual Comunication Fundamentals, Writing Studio e Business podem parecer deslocadas a princípio se compararmos com a grade enxuta da Gnomon, mas 111 certamente essa diversidade aumente as possibilidades de desenvolvimento profissional e intelectual dos alunos. Seja qual for a formação dos aspirantes a designers, na indústria da animação, seu destino será trabalhar nos estúdios de animação em vários segmentos. No foco específico desta pesquisa – os estúdios de animação cinematográfica –, vimos que a função é dinâmica e que a estrutura dos departamentos pode variar bastante de um estúdio para o outro ou até mesmo de uma produção para outra dentro do mesmo estúdio. O concept artist pode estar envolvido em qualquer etapa do desenvolvimento visual do filme, mas também pode ser um profissional especializado em determinado aspecto da produção. Os exemplos de Hans Bacher, Chen-Yi Chang e Bob Pauley citados no subcapítulo 3.2 são eloquentes. Todos são profissionais com experiência em várias produções e provavelmente capacitados a assumir diferentes etapas do desenvolvimento visual de filmes de animação. Entretanto, o concept artist também pode ser um artista visual de outra área, por exemplo, o cartunista inglês Gerald Scarfe cujo trabalho foi a inspiração para o filme Hercules, da Disney. Em comum em todos os casos investigados – filmes da Disney, da Pixar e da Dreamworks – é a metodologia. A metodologia do concept art é herdeira das tradições metodológicas das artes plásticas e da ilustração. Não foi possível detectar nesta pesquisa o quanto da metodologia do Design influênciou o processo de produção do concept art, entretanto talvez seja mais relevante buscar por processos metodológicos já testados no ambiente do Design que possam incrementar ainda mais os processos produtivos em concept art. O ambiente acadêmico parece o lugar mais indicado para que a reflexão sobre a interseção das heranças metodológias que incidem sobre o concept art se concretize. 112 4. O discurso dos profissionais de concept art O objetivo deste capítulo é fazer emergir a voz dos profissionais de concept art e conhecer a opinião deles a respeito do campo, tanto no mercado norteamericano, que tomamos como modelo, quanto no mercado brasileiro. Essa tomada de relatos apresentou dificuldades diferentes para as duas realidades que pretendíamos investigar. No caso da indústria norte-americana, a dificuldade de acesso direto aos profissionais nos levou à busca de meios alternativos ao das entrevistas e questionários. A principal fonte documental encontrada para atingir o objetivo proposto foi um vídeo disponível na internet, em que Feng Zhu – experiente profissional atuante nas indústrias de videogame e de cinema –, faz uma extensa análise a respeito da função de concept artist, da posição do profissional no mercado, e da formação da mão de obra. O mercado brasileiro apresentava problemas de outra ordem. Qualquer documentação a respeito da atuação de profissionais da área é pouca ou praticamente inexistente. Entretanto, a proximidade geográfica proporcionou contato direto com os profissionais de concept art atuantes no mercado local, o que possibilitou a utilização de entrevistas como ferramenta de pesquisa. As entrevistas se concentraram no Rio de Janeiro, principalmente por questões operacionais, e foram entrevistados profissionais atuantes no mercado tanto como concept artists, quanto como contratantes desses profissionais. Para realizar as entrevistas, era importante estar dotado de uma visão mais precisa de como o mercado define a função e do que é esperado do profissional em termos de habilidades e formação. Buscamos, então, informações nos sites dos principais estúdios. Infelizmente nem todos os estúdios abriram vagas para artistas de desenvolvimento visual durante o período de realização da pesquisa, e os perfis das funções não ficam disponíveis se as vagas também não estiverem. Solicitações formais foram enviadas aos principais estúdios, mas a maioria não retornou o contato. Apenas um estúdio retornou o contato, porém a resposta foi negativa. Isso fez com que a seleção de perfis fosse menos restrita aos estúdios de animação. 113 Apesar das dificuldades em localizar informação, os dados coletados podem fornecer um panorama razoável do que é exigido pela indústria. Não encontramos nenhuma referência documental que pudesse nos auxiliar na apuração do perfil profissional de concept art no mercado brasileiro. Os dados foram retirados das seguintes fontes: Creative Skillset37, E-How Money38, Blue Sky39 e Disney40. As categorias recorrentes em quase todos os perfis são: descrição da função, habilidades técnicas e formação. A nomenclatura – como foi verificado durante a pesquisa –, não é unificada em absoluto. Cada empresa designa a função de acordo com os seus critérios próprios. Entretanto, é interessante notar que os sites independentes, que não estão atrelados a nenhum estúdio, nomeiam o campo como concept art. É o caso do Creative Skillset, site especializado em perfis profissionais da indústria criativa, e do E-How Money, site que, como o próprio nome já deixa claro, é voltado para esclarecimento sobre diferentes atividades profissionais. Na Blue Sky, o termo utilizado é designer e na Disney, é visual development artist and painter, termo que foi utilizado no estúdio durante toda a fase dos anos de 1990, conforme visto nos capítulos anteriores. Entretanto, se a nomenclatura pode variar muito de uma fonte para outra, as descrições de função, mesmo não sendo idênticas, apresentam pontos em comum. Todas ressaltam o fato de que o concept artist é aquele que, sob a supervisão do production designer, desenvolve personagens, cenários, adereços, esquemas de cor, enfim, tudo aquilo que faz parte da concepção visual do filme. O perfil de função mais detalhado é do site Creative Skillset. Além da descrição de quais são os itens que um concept artist desenvolve em uma produção, o site ainda destaca o fato de que o profissional da área é especializado, trabalha em regime profissional freelance e que a demanda por este tipo de trabalho é limitada. O perfil do Creative Skillset destaca ainda que, nas produções de grande orçamento, uma equipe de profissionais de concept art é contratada, ficando cada um responsável por um determinado aspecto visual do filme, tais como veículos, personagem, criaturas etc. 37 http://www.creativeskillset.org/film/jobs/productiondesign/article_4680_1.asp. Acesso em: 28/04/2013. 38 http://www.ehow.com/facts_5618539_job-description-concept-artist.html. Acesso em: 29/04/2013. 39 http://blueskystudios.com/jobs/. Acesso em: 29/04/2013. 40 http://disneycareers.com/en/default/. Acesso em: 29/04/2013. 114 Algo que salta a vista em todos os textos é a solicitação de habilidades técnicas, tais como perspectiva, desenho de figura humana e de ambientes. A capacidade de representação figurativa está clara em quesitos tais como desenho de figura humana e perspectiva. Diz-se figurativa, e não realista, porque o Cinema de Animação trabalha mais frequentemente com a expressividade, como o cartum, do que com a simples reprodução do real. O conhecimento sobre cores também é citado entre as habilidades desejadas em três dos quatro perfis. Entretanto, apesar do Creative Skillset não citar este conhecimento nominalmente, esse parece estar embutido na exigência por excelent illustration skills. Outra que aparece em três dos quatro perfis é o conhecimento dos programas de edição de imagem e pintura digital. Apenas a Disney não colocou a operação no Adobe Photoshop como pré-requisito. A Blue Sky destacou como desejável o conhecimento em Maya. O E-How também acrescentou o Maya à lista, além do Google Sketch Up e do Painter, este também citado pela Creative Skillet. Podemos fazer uma ponte aqui com o pensamento de Lyotard, abordado no subcapítulo sessão 3.1. O filósofo fala que o conhecimento é dotado de valor em função de sua operacionalidade. Não apenas a operação de programas gráficos, mas a ênfase nas técnicas de representação artística também está inserida no mesmo contexto de um conhecimento mensurável e instrumental. O trabalho em equipe é outro item importante, tendo sido citado em dois dos quatro perfis coletados: Creative Skillset e Blue Sky. Ao levarmos em consideração a quantidade de profissionais envolvidos nas produções dos grandes estúdios, torna-se totalmente compreensível esta exigência. Conforme veremos no subcapítulo 4.1, Feng Zhu também ressalta que o trabalho de concept art é feito em equipes que normalmente são reunidas na fase de pré-produção por um período de dois a seis meses. A formação training and qualifications foi a última categoria identificada a partir dos perfis coletados. Apenas a Disney não exigiu nenhum tipo de curso de formação no perfil profissional. Entretanto, é preciso levar em conta que este perfil está disponível no site mesmo sem haver qualquer vaga em aberto para a área. É possível que, no caso de haver disponibilidade de vagas, outras exigências sejam feitas aos candidatos. Todos os outros perfis citam como exigência cursos ligados às Artes Visuais. O Creative Skillset recomenda cursos nas áreas de Belas Artes, Ilustração 115 e Artes Gráficas. O E-How assinala que muitas empresas cobram de seus candidatos cursos de certificação ou graduação nas áreas de Belas Artes, Design Gráfico, Arte Digital, Ilustração, Animação ou qualquer área relacionada ao universo das Artes Visuais. A Blue Sky exige graduação nas áreas de Desenho Industrial, Pintura ou qualquer área relacionada às Artes Visuais. A empresa ainda exige entre dois e cinco anos de experiência profissional com desenvolvimento visual nas áreas de Animação, Computação Gráfica ou Videogames. Uma vez conhecido em linhas gerais quais são as exigências do mercado norte-americano para esses profissionais e principalmente quais as atribuições da função, podemos nos debruçar sobre a visão dos próprios concept artists a respeito de sua atividade profissional. 4.1 Feng Zhu: a visão de um profissional da indústria norteamericana Feng Zhu é uma das referências do concept art, atuando principalmente no mercado norte-americano de entretenimento. Participou como concept artist das equipes de produção de blockbusters do cinema como Transformers e Star Wars Episode I, além de várias produções de peso na indústria de games. Ele também é fundador da FZD School em Cingapura, uma das poucas escolas no mundo especializada em concept art. Além disso, Feng Zhu disponibiliza uma série de tutoriais on-line onde ensina técnicas de concept art e pintura digital. No episódio 5341 de seus vídeos tutoriais, Feng Zhu faz uma extensa comparação entre Ilustração e o que ele chama de Industrial Design. É importante tentarmos deduzir o que exatamente Feng Zhu está chamando de Industrial Design. Feng Zhu relata que estudou Industrial Design no Art Center College of Design, em Pasadena, Califórnia, tendo assistido classes de Ilustração durante o curso. Entretanto, não foi encontrado no site da instituição o curso de Industrial Design a que Feng Zhu se refere. Alguns cursos apresentam o termo design, a saber: Entertainment Design, Environment Design, Graphic Design, Interaction Design, Product Design e Transportation Design. Pelo discurso adotado por Feng 41 Zhu Feng. Ilustration & Industrial Design. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=3TVji_fiKsw&list=UUbdyjrrJAjDIACjCsjAGFAA&in dex=13. Acesso em: 29/03/2013. 116 Zhu durante todo o vídeo, parece razoável deduzir que o curso no qual o artista concluiu sua formação acadêmica foi o de Product Design, uma vez que Feng Zhu atribui grande importância à habilidade em projetar aquilo que ele chama de hard surfaces, ou seja, objetos tecnológicos produzidos pelo homem. Ele parece utilizar o termo de forma um tanto genérica de início, mas depois torna a utilização mais precisa, ao dizer que o foco do vídeo é a indústria do entretenimento e não a indústria de carros ou produtos. Feng Zhu define os termos que utiliza com pouca precisão e talvez as categorias sejam, por vezes, demasiado amplas. Ele parece mais interessado na descrição de seus conceitos do que na criação de uma nomenclatura precisa e cientificamente fundamentada. Entretanto, o que realmente interessa é que Feng Zhu separa duas atividades que estão contidas genericamente naquilo que chamamos de concept art. Para ele, a área se divide em projetos de hard surfaces e projetos de soft surfaces. Os projetos de hard surfaces são aqueles que envolvem máquinas e objetos técnicos produzidos pelo homem e, segundo Feng Zhu, esses projetos são feitos por industrial designers, como ele. As soft surfaces são aquelas superfícies orgânicas – como figurino, figura humana e animais –, e seriam executadas preferencialmente por profissionais com formação em Ilustração. Salta aos olhos o fato de Feng Zhu separar Ilustração e o que ele chama de Industrial Design voltado para a indústria do entretenimento, como sendo áreas totalmente distintas: […] from an outsider point of view these two industries appears to be very similar. Illustration and industrial design both use drawings to communicate any idea. However, from a core perspective, the two sides are actually very, very deferent from each other. A primeira grande diferença que Feng Zhu destaca entre as duas áreas é que, segundo ele, em Ilustração o trabalho é produzido diretamente para o consumidor. A ilustração é exatamente aquilo com que o consumidor vai interagir, ela é o trabalho final. Quando um ilustrador é comissionado para um trabalho, seja qual for – cartaz, capa de livro etc. –, a ilustração será o trabalho final e aquilo que vai chegar às mãos do cliente seja qual for o suporte: 117 This main difference is that – let me put the pipeline. ok! –, is that illustration is produce directly for the consumer. The consumer can see this illustration. That is exactly what the eyeball is seeing. And also, the money is attached directly to these illustrations. No Industrial Design o processo é oposto, uma vez que as artes de produção não chegam ao consumidor médio de filmes e games. O consumidor deve empreender um esforço para ter acesso a essas artes por meio de livros de arte ou vídeos de making of que tornem explícito o processo de produção. Segundo Feng Zhu, a etapa de industrial design na produção de um filme ou de um videogame dura aproximadamente de dois a seis meses de um período total de produção que, em média, dura entre dois e três anos, podendo chegar a cinco anos. A equipe de industrial design trabalha na etapa de pré-produção, e nesse espaço de tempo – entre dois e seis meses – deve desenvolver todo o design do produto, ou seja, cenário, adereços, maquinário etc. Depois de concluído o processo de aprovação, as artes desenvolvidas pela equipe serão trabalhadas pelos modeladores, texturizadores, animadores etc. E, finalmente, na pós-produção o material animado será enviado para a equipe de efeitos visuais e montagem. For us in industrial design our main focus is not the artwork but the products here, the end result. So we don’t have this here, this artwork to consumer. This is not here, the consumer never gets to see the artwork behind Assassin’s Creed, behind Transformers, right? […] They have to go to behind the scenes book, or “ art of” books. But the average consumer, the average movie goer or the video game players, they not thick care less what the artwork looks like. Para Feng Zhu, então, o produto final é o jogo ou o filme pelo qual efetivamente o consumidor final paga para ter acesso e não o concept art que foi desenvolvido como etapa do projeto. Ele conclui seu raciocínio com a constatação de que, no caso da Ilustração, ao destruirmos a peça artística estamos destruindo o produto em si, mas, ao destruirmos um desenho de produção, o produto final fica intacto. Nesse ponto, o discurso de Feng Zhu coincide com o de Rafael Cardoso, ao afirmar que o produto final do trabalho do concept artist não é o desenho ou ilustração produzida, mas o filme ou o videogame pronto. Cardoso afirma que uma das características do trabalho do designer é produzir planos, esboços ou modelos para a realização de produtos (DENIS, 1984. p. 20), o que caracteriza o 118 projetual da atividade. O concept artist faz o mesmo ao desenvolver conceitos visuais para personagens, cenários e adereços, mas não podemos incorrer no erro de achar que o trabalho tanto do designer quanto do concept artist se resume apenas a esse aspecto. A segunda parte da análise de Feng Zhu se concentra na formação acadêmica de ilustradores e industrial designers. Mais uma vez, ele lembra sobre as muitas e possíveis interseções entre as duas áreas, também no que tange à Educação, e que sua análise é eminentemente generalista. Em primeiro lugar, Feng Zhu apresenta alguns dos principais temas ensinados em escolas de Ilustração: pintura de paisagens, cópias dos grandes mestres, escultura, desenho de modelo vivo, naturezas mortas e retratos. Após esses temas, Feng Zhu destaca as seguintes categorias: Personal expression – individualism Personal style Technical skills (heavy focus in anatomy & figures) Different mediums Experimentation Self promotion – gallery As duas primeiras categorias são, para Feng Zhu, essenciais para ilustradores, uma vez que, na opinião dele, quando o cliente contrata o profissional de Ilustração, ele o faz por causa do estilo pessoal daquele artista. A peça final de um ilustrador traz parte dele expressa no trabalho, e isso faz com que o desenvolvimento de um estilo pessoal seja importante na educação de um ilustrador. É importante relativizar essa afirmação de Feng Zhu. Afirmar que todos os ilustradores têm que necessariamente ter um estilo pessoal e inconfundível é ignorar pelo menos o segmento de ilustração publicitária, em que, dependendo da natureza do trabalho, o estilo pessoal sequer faz parte do projeto. Qualquer campanha em que o hiper-realismo seja exigência para a divulgação do produto ou serviço tem como meta a verossimilhança e não a expressividade. A categoria technical skills também é um ponto importante no processo de educação de um ilustrador, com foco pesado em representação da figura humana e 119 anatomia. Feng Zhu fundamenta sua argumentação com os exemplos de trabalhos que são, na maioria, orientados para o estudo e o desenvolvimento de figura humana e personagens. Todos os exemplos utilizados por ele são figurativos e realistas, o que nos leva a relacionar o que Feng Zhu entende como technicall skills, com o que se definiu no capítulo dois como habilidades técnicas de representação figurativa, ou seja, a capacidade de concept artists e de ilustradores representarem o mundo a sua volta não importando, nesse caso, o estilo utilizado, se cartum ou hiper-realismo, se expressionismo ou classicismo. A quarta categoria, different mediums, estaria, segundo ele, diretamente ligada à questão do estilo pessoal, uma vez que a escolha dos materiais com os quais trabalha o artista está ligada ao seu estilo pessoal. Há um número infinito de possibilidades de materiais, desde pastel, carvão, aquarela, guache, óleo, até a inclusão de materiais diretamente na ilustração, como um pedaço de metal. O material escolhido faz parte do estilo do ilustrador e tanto o consumidor quanto um colecionador vão comprar a arte por causa desse estilo. Feng Zhu chama a atenção ainda para o fato de que um ilustrador pode ser contratado para um determinado veículo – ele próprio cita a revista The New Yorker – pelo seu estilo de desenhar personagens, por exemplo, que pode ser totalmente diferente do estilo de outro ilustrador que realize a mesma atividade. A experimentação com diferentes estilos remete à quinta categoria, experimentation, que para Feng Zhu é muito importante no processo de formação de um ilustrador. A última categoria formulada é a autopromoção, self promotion, na qual o profissional de Ilustração tem que investir muito tempo e energia, uma vez que o trabalho de um ilustrador é a sua fonte de renda. Pelo menos no caso do concept art para Cinema de Animação essa afirmação de Feng Zhu não se aplica integralmente, pois a maioria dos artistas de renome na indústria têm blogues e sites de autopromoção, e muitos participam de exposições e publicam livros. Um exemplo recente é o livro Moonshadow, que reunia os trabalhos pessoais de concept artists que atuaram em produções da Dreamworks. Na terceira parte de sua análise, Feng Zhu se dedica à questão do plano de carreira (career), em quais são as possibilidades de colocação no mercado tanto para ilustradores quanto para industrial designers. Mais uma vez, Feng Zhu ressalta que os ilustradores estão normalmente mais ligados àquilo que ele chama de soft surface – personagens, criaturas, 120 figurinos e paisagens. O desenvolvimento de personagens é um dos principais focos de mercado para ilustradores, segundo Feng Zhu. Exatamente como nas outras duas partes de sua análise, Feng Zhu, aqui também, estabelece uma série de categorias tanto para Ilustração quanto para Industrial Design. Para o planejamento de carreira de um ilustrador, ele destaca as seguintes categorias: Famous illustrator – galleries & books Book/Movie/Film – posters & covers Marketing art Key animator / Creative art director Layout – Color key – Mood paintings Costume & Character designer Na primeira categoria, Feng Zhu volta à questão de a notoriedade ser um diferencial importante para um ilustrador, pois o cliente procura pelo trabalho de ilustradores como Frank Frazzetta e Norman Rockwell, porque querem os trabalhos desses ilustradores e não de outro qualquer. A questão da notoriedade nos remete também à questão do estilo que Feng Zhu aborda na parte dedicada à formação profissional. Segundo ele, o nome de um ilustrador pode fazer parte do marketing de uma peça, ao contrário do que normalmente acontece com um industrial designer, cujo nome não é importante e sim o seu portfólio. Isso faz com que a visibilidade seja um fator essencial e exposições e livros de arte sejam instrumentos valiosos na divulgação do trabalho de um ilustrador. As duas categorias seguintes dizem respeito à colaboração na produção de livros, revistas, pôsteres e ao que Feng Zhu chama de marketing art, e que nós poderíamos associar às cadeias produtivas de design promocional e design de embalagens. Feng Zhu cita o exemplo dos concepts feitos por ele para o filme Transformers, no qual o produto final do seu trabalho foram os típicos model sheets para design de personagens: vista frontal, perfil, três quartos e posterior. Para Feng Zhu, essas imagens seriam extremamente desinteressantes para o uso em peças de marketing, o que leva à contratação de um ilustrador que está preocupado em como determinado tema pode ficar mais interessante para o consumidor em vez de estar focado em questões de Design e funcionalidade. 121 As três últimas categorias com que Feng Zhu trabalha a seguir são de especial interesse para este trabalho, uma vez que ele as define como sendo funções intrínsecas a estúdios como Disney, Dreamworks e Pixar. Ele destaca a princípio a função de key animator42 como sendo uma possibilidade de carreira para ilustradores, e em seguida define as tarefas de um creative art director. Esta função não é muito desenvolvida por Feng Zhu, limitando-se ele a definir esse profissional como sendo aquele que diz a outros artistas como deve ser o design e a paleta de cores de um produto específico. Em sua categoria seguinte, Feng Zhu acumula três atividades – layout, color key e mood paintings – e informa que grande número de ilustradores é contratado contratado pelos grandes estúdios de animação para desenvolverem o tom, as cores e a atmosfera dos filmes. Para tanto, eles devem ter um ótimo conhecimento sobre iluminação, sobre emoções e expressões, conhecimentos esses que os ilustradores normalmente trabalham em sua formação, segundo Feng Zhu. Finalmente, na última categoria, Feng Zhu não define, mas apenas cita Costume & Character design, reafirmando que todas são do tipo soft surface. Para o industrial designer, Feng Zhu estabelece as seguintes possibilidades de carreira: Design environments, props, sets, vehicles Video games, FX Studios, films Product design, toys, theme parks Production designer Concept department Architecture, military, interior designs Mais uma vez Feng Zhu reforça a questão do hard surface como sendo o território do industrial designer, podendo esse profissional trabalhar com personagens ou figurino, mas, normalmente, estando ele ligado ao desenvolvimento de ambientes, veículos e adereços. Para Feng Zhu, o mercado para este profissional é bem amplo, começando – como vemos na listagem acima – na indústria do entretenimento e chegando até o 42 No processo de animação tradicional, Key Animator é aquele que executa os keyframes, que depois serão enviados ao inbetweener, que colocará os intervalos entre os keyframes. 122 design do mundo real – design de interiores, por exemplo, e encerra suas considerações reafirmando que para ele a principal diferença entre ilustrador e industrial designer é a questão do produto final. O trabalho do ilustrador é o produto final enquanto o do industrial designer não é. Por fim, Feng Zhu enumera as categorias que ele considera importantes para a formação de um industrial designer voltado para a indústria do entretenimento. Uma arte finalizada de um industrial designer é utilizada como parte do processo, tanto para as equipes de produção quanto na aprovação de orçamentos para um filme, servindo como referência para os produtores e investidores entenderem qual será o estilo visual do filme. Feng Zhu destaca as seguintes categorias para o industrial design voltado para a indústria do entretenimento: Industry techniques Common workflow Focus on problem solving & Design Fundamentals (heavy on ccience) Understanding pipeline Mass consumer focused A primeira categoria, industry techniques, é ligada ao desenvolvimento de máquinas, como estas máquinas são e qual a sua funcionalidade, além disso, está diretamente conectada à categoria seguinte, common workflow. A questão do common workflow é relacionada com a expressão pessoal que Feng Zhu considera como sendo vital para o ilustrador, mas que não tem grande importância para o industrial designer. Não é importante para um industrial designer desenhar com um estilo pessoal que se destaque dos outros profissionais da área. Ele afirma que, pelo contrário, muitos designers têm trabalhos muito semelhantes, quase idênticos e cita nomes como Syd Mead, Joe Johnston e ele próprio, que desenham inclusive com praticamente os mesmos materiais, não tentando realizar trabalhos com diferentes estilos uns dos outros simplesmente porque não é por isso que eles são contratados. Os clientes os contratam por causa do conteúdo dos seus trabalhos, o que está acontecendo, ou por qual o design está expresso no desenho. Por isso, segundo Feng Zhu, as escolas de Industrial Design 123 ensinam basicamente as mesmas técnicas e a utilização dos mesmos materiais, o que faz inclusive com que os trabalhos dos egressos dos cursos destas escolas sejam extremamente semelhantes. O trabalho do concept artist é de autoria compartilhada, e mesmo que o artista encontre uma zona não explorada na qual ele colocará sua subjetividade, é evidente que, em um filme de grande orçamento, o que está em jogo é mais do que a autoexpressão. A terceira categoria que Zhu aponta como vital para o industrial designer é problem solving ou solução de problemas, em português. Esta, aliás, é uma categoria importante no Design como um todo. A funcionalidade é importante no trabalho de industrial designer, determinar como as coisas funcionam, se um carro é movido à bateria ou a vapor. Como foi exposto no subcapítulo 4.2, a solução de problemas é uma das principais questões do Design. Tanto em autores clássicos como Bruno Munari quanto em autores contemporâneos como Ambrose & Harris, esta é uma das facetas mais importantes do campo, e Feng Zhu se alinha com esta linha de pensamento ao afirmar que o concept art também é uma atividade que visa solucionar problemas. Quanto à categoria fundamentals, Feng Zhu destaca questões científicas, perspectiva, como a luz afeta diferentes superfícies com diferentes colorações. Obviamente, Ilustração também tem sua parte científica em questões ligadas principalmente à anatomia. Feng Zhu afirma que a Ilustração lida com o que ele chama de soft surface – criaturas e personagens – e o industrial design com hard surfaces – máquinas, equipamentos e ambientes. A questão de representação de materiais também é levantada por Feng Zhu. Os ilustradores seriam mais focados em pele, pelos, tecidos enquanto os industrial designers estariam mais focados em materiais tais como plástico e metal. Neste ponto, cabe ampliarmos e refletirmos sobre o conceito de representação. A palavra representação tem várias definições, entretanto, o Dicionário Houaiss nos fornece duas de particular interesse: “ideia ou imagem que concebemos do mundo ou de algo” e “reprodução em imagem, figura ou símbolo” (HOUAISS e VILLAR, 2001, p.647). O concept artist produz imagens que têm referência no mundo real e que representam alguma coisa. As imagens de um concept artist são signos de algo, e em muitos casos são signos de algo que não existe no mundo real. A questão é se poderíamos dizer que o concept artist cria signos que representam 124 conceitos. Donis Dondis explica a questão da representação através do exemplo de reconhecimento de um pássaro: A categoria geral total do pássaro é definida em termos visuais elementares. Um pássaro pode ser identificado através de uma forma geral, e de características lineares e detalhadas. Todos os pássaros compartilham referentes visuais comuns dentro dessa categoria mais ampla. Em termos predominantemente representacionais, porém, os pássaros se inserem em classificações individuais, e o conhecimento de detalhes mais sutis de cor, proporção, tamanho, movimento e sinais específicos são necessários para que possamos distinguir uma gaivota de uma cegonha, ou um pombo de um gaio. (DONDIS, 2000, p.87) Esse processo de identificação, segundo Dondis, chega até o processo cada vez mais detalhado de diferenciação entre indivíduos de uma mesma espécie, possuidores de características comuns. A câmera fotográfica e o artista são privilegiados no que diz respeito à capacidade de representar o mundo à sua volta. Quando um artista produz uma imagem realista, podemos dizer que seu objetivo era se aproximar ao máximo daquilo que foi representado. Há ainda mais duas categorias levantadas por Dondis que são importantíssimas para o concept artist que trabalha para o Cinema de Animação: interpretação e abstração. A primeira categoria garante a unicidade das imagens criadas por um artista específico. A segunda seria representativa da exacerbação de determinadas características e a supressão de outras, consideradas menos importantes pelo artista. Obviamente, nesse caso, temos também a interpretação do artista agindo durante o processo de representação. O filme Como Treinar seu Dragão, da Dreamworks Animation, é um exemplo bastante eloquente desse processo de representação daquilo que não existe. Como o próprio título nos informa, o filme trata de dragões, criaturas mitológicas que, até onde sabemos, nunca existiram. Entretanto existe uma numerosa iconografia formada a respeito de dragões e essas criaturas estão mais do que integradas à imaginação coletiva. Um dos desafios da equipe de arte do filme era fazer dragões diferentes de tudo que houvesse sido feito antes, já que a intenção era não trabalhar como modelo clássico de dragão comumente trabalhado na mídia. O caso mais eloquente do processo de representação do irreal a que estamos nos referindo é o desenvolvimento visual do personagem Banguela, um dragão da espécie “fúria da noite” que se torna o melhor amigo de Soluço, protagonista do filme. No making of, a técnica artística do dragão no DVD de Como treinar seu dragão, o codiretor 125 Dean Deblois diz que a equipe de arte buscou referência em mamíferos como lobos e, principalmente, em felinos como a pantera negra. No livro The art of how to train your dragon, Deblois amplia nossa visão sobre o processo criativo do “fúria da noite”: His color was inspired by a black panther screensaver on one o four story artist’s monitors. That image was striking and electrifying, with those eyes staring out from the darkest black face. (Zarneke, 2010, p.27) Na árdua tarefa de encontrar uma aparência nova para algo que já está visualmente consolidado os artistas foram além dos répteis – referências naturais para o gênero –, e foram buscar sua inspiração entre os mamíferos. Partiram de um conceito abstrato e desenvolveram uma representação nova para a criatura mítica. Partiram de criaturas existentes para representar o que não existe. Pelo menos no caso da Animação, a questão da representação não parece em princípio estar diretamente ligada ao realismo. Algo pode ser representado em um estilo cartum e ainda assim ser identificado como sendo aquela coisa e não outra qualquer. A categoria seguinte analisada por Feng Zhu, pipeline, diz respeito diretamente ao método de produção e destaca o fato de o ilustrador trabalhar na maioria dos casos sozinho, enquanto o industrial designer normalmente está inserido em um esquema de produção que inclui centenas de pessoas. No subcapítulo 3.2, foi apontado que o concept art está inserido em um processo coletivo de produção. As equipes de direção de arte das grandes produções da Pixar, por exemplo, contam com mais de 20 profissionais na área de desenvolvimento visual. É neste sistema de linha de produção que está inserido o concept artist. Mass consumer focused é a última categoria com que Feng Zhu trabalha, abordando a questão do tamanho do mercado em que cada área está envolvida. Para Feng Zhu, o industrial designer sempre está envolvido em um projeto que tem como objetivo atingir milhões de pessoas, enquanto para o ilustrador isso pode nem sempre ser o caso. Este profissional pode trabalhar para mercados muito menores, como galerias, por exemplo. Como já destacamos antes, o trabalho de um concept artist chega a audiências na casa dos milhões de espectadores através dos filmes nos quais ele trabalha. Mesmo esse trabalho sendo de certa forma 126 invisível, uma vez que está entranhado no processo de produção do filme, não chegando ao grande público de forma espontânea. Olhando em perspectiva para os comentários de Feng Zhu, consideraremos que, ao fazer uso do termo industrial design, ele está se referindo a uma atividade projetual desenvolvida no ambiente da indústria do entretenimento. A primeira questão que devemos analisar é a nomenclatura. Durante o episódio 53 em nenhum momento ele utiliza o termo concept art. É importante relembrarmos os nomes utilizados por algumas instituições de ensino pesquisadas para nomear os cursos especializados na área. No Art Center College de Pasadena o curso é chamado de Entertainment Design, no The Art Department é Entertainment Development, na Gnomon é Entertanment Design e na FZD de Feng Zhu é chamado de Industrial Design. Algo que parece um tanto equivocado é a interpretação de Feng Zhu sobre a questão da reprodução em Ilustração. Um ilustrador é um profissional que trabalha em um projeto. Feng Zhu parece não considerar um fato relevante levantado por Rui de Oliveira: “o conceito de original para o ilustrador está representado no múltiplo, isto é, na reprodução industrial de sua ilustração” (OLIVEIRA, 2008, p.46). O consumidor final não tem acesso à arte do ilustrador, como afirma Feng Zhu, o consumidor final tem acesso a uma cópia do trabalho dentre milhares de outras. Para ser inserida no projeto, essa ilustração sofrerá interferências da tipografia e da diagramação da página, podendo inclusive ser mutilada para atender às necessidades do projeto gráfico, ao qual normalmente o ilustrador está submetido. Obviamente, Feng Zhu está certo em relação ao fato de que o concept art nunca é inserido no trabalho, como é o caso da Ilustração. O concept art é parte do desenvolvimento, mas não do produto final. O produto final é o filme com os personagens atuando e a história sendo contada. O concept art é apenas uma etapa do processo de desenvolvimento visual de personagens, cenários e adereços que serão finalizados em diferentes técnicas, tais como mate painting, modelagem, texturização e animação. Podemos resumir esta questão do acesso à obra da seguinte forma: uma obra tradicional de Artes Plásticas é produzida para ser fruída diretamente pelo espectador, de maneira presencial no museu, na galeria, enfim, onde ela esteja fixada. Uma ilustração é fruída de maneira indireta, pois o espectador tem acesso à obra apenas através de suas cópias, não interagindo o original, como é o caso 127 das Artes Plásticas. O ilustrador deve pensar o seu trabalho em função desta mediação por parte do veículo no qual a obra se insere. O concept art, por sua vez, não interage diretamente com o espectador. O espectador terá acesso ao filme no qual o conceito visual foi inserido, mas não ao concept art propriamente dito. Outra questão importante é o fato de Feng Zhu colocar ilustração e concept art como atividades distintas. Ao se referir à área com industrial design ele estabelece uma divisão clara para algo que parece tão imbricado no processo. Esse é um ponto problemático, porque, ao mesmo tempo, Feng Zhu se refere a atividades identificadas com concept art, tais como design de personagens e figurino como sendo atuações típicas de um ilustrador, sem definir se ele considera essas atividades como parte de uma mesma área. A observação dos créditos finais de algumas produções da área de animação não evidenciou qualquer tipo de separação dessa natureza. Mesmo nos filmes mais recentes da Pixar, por exemplo, não foi encontrado qualquer tipo de separação entre soft surfaces e hard surfaces, que Feng Zhu cita. Mesmo em Wall-e – filme que em função da temática tem forte identidade com aquilo a que Feng Zhu chama de hard surfaces –, não há qualquer tipo de referência a uma possível separação da equipe entre ilustradores e industrial designers. Entretanto, é óbvio que na gestão de qualquer equipe se aloca as tarefas de acordo com os profissionais, tentando extrair o melhor desempenho de cada um. Um ponto no qual Feng Zhu insiste durante toda a sua explanação no vídeo é o da necessidade de notoriedade do ilustrador. Esta é uma questão que Feng Zhu não parece analisar em profundidade e não fica suficientemente claro o conceito de notoriedade com que ele trabalha. Vale lembrar, como foi comentado anteriormente, que nem todo ilustrador depende de notoriedade a exemplo do segmento de ilustração publicitária, no qual os ilustradores dificilmente são identificados pelo nome. Por outro lado, o próprio Feng Zhu, que se coloca como integrante de um segmento onde o anonimato não faz diferença, nos dias atuais está longe de ser um desconhecido. Sua notoriedade é grande e seus vídeos tutoriais são mais do que conhecidos no meio. 128 4.2 Animação brasileira: um contexto particular de observação Ao longo deste trabalho vários conceitos foram investigados com o objetivo de desenhar contornos mais nítidos para o concept art. No que tange às questões de mercado, toda a investigação foi feita tendo como base a indústria norteamericana de cinema de animação, que é a referência mundial na área. Entretanto fazia-se necessário investigar a realidade local primeiro para ter um vislumbre de qual seria o status da profissão entre os profissionais brasileiros. Além disso, era importante ter relatos em primeira sobre os processos produtivos da função, uma vez que na pesquisa sobre a indústria norte-americana não houve acesso direto aos profissionais da área. Obviamente uma investigação de cunho nacional seria inviável, então se optou por entrevistas com profissionais que atuam no Rio de Janeiro. Os entrevistados foram selecionados a partir da experiência no mercado ou do seu conhecimento sobre animação. O perfil tinha que ser variado por duas razões. A primeira pela própria escassez deste profissional na realidade de mercado local e a segunda para que diferentes opiniões fossem coletadas a respeito do tema. Também neste ponto da pesquisa o objeto original – cinema de animação de longa-metragem - teve que ser ampliado, uma vez que mesmo com o aumento no volume de produções nacionais ainda estamos longe do número de filmes produzidos na indústria estadunidense, o que torna mais difícil localizar profissionais que sejam especializados em concept art para este tipo de produção. Os profissionais selecionados atuam em áreas diversas como séries para televisão, filmes publicitários e produções autorais. A entrevista foi formulada a partir das questões abordadas ao longo da pesquisa e foi dividida em cinco grandes blocos: Conceito – este bloco apresentou questões abrangentes sobre o concept art; Processo – qual a metodologia de trabalho em concept art; Autoriae/autonomia – qual o grau de autoria do profissional de concept art; Mercado – quais as possibilidades de atuação do concept artist no mercado; Formação – qual a formação dos concept artists no Brasil. Estes eixos contemplam — mesmo que de maneira indireta — questões evidenciadas na pesquisa, tais como materialidade, narrativa, habilidades técnicas dentre outras. 129 As perguntas foram formuladas e agrupadas nestes eixos conforme suas características. Havia uma primeira pergunta sobre a formação e a experiência profissional do entrevistado que não será considerada aqui por ter a função muito específica de registrar a expertise do entrevistado e promover uma aproximação entre entrevistado e entrevistador. O tempo total das entrevistas foi de aproximadamente uma hora, com pequenas variações para mais ou para menos. Apresentamos a seguir os perfis dos entrevistados: Andres Lieban tem formação em Artes Plásticas. Argentino de nascimento veio para o Brasil ainda criança e residiu em Porto Alegre. Naquela cidade, Andres fundou o Laboratório de Desenhos e trabalhou com ilustração e animação para publicidade. Posteriormente, Andres mudou-se para o Rio de Janeiro, onde fundou com Andre Breitman o 2D Lab, estúdio especializado em produção de conteúdo audiovisual. Andres é o criador e diretor da série de animação Meu Amigãozão, exibida pelo canal de TV por assinatura Discovery Kids. Cesar Coelho abandonou a Engenharia para se tornar ilustrador e cartunista. Sua formação em Animação aconteceu no Núcleo de Animação da Embrafilme entre 1985 e 1987. É sócio da produtora de filmes Campo 4 Desenhos Animados, onde desenvolveu ao lado de Aída Queiroz filmes animados para publicidade, vinhetas e aberturas para programas de televisão e curtas autorais. Cesar Coelho é professor de animação e foi docente na Pós-graduação em Animação da PUC - RJ. É um dos fundadores do Anima Mundi — Festival Internacional de Animação — ao lado de Marcos Magalhães, Aída Queiroz e Lea Zagury. Marcos Magalhães é mestre em Design, animador e diretor de animação. Em 1982 seu curta-metragem Meow foi agraciado com o Prêmio Especial do Júri no Festival de Cannes e, em 1983, Marcos fez um estágio no National Film Board do Canadá, onde produziu o curta Animando. Marcos foi coordenador do Núcleo de Animação da Embrafilme entre 1985 e 1987, projeto responsável pela formação de uma importante geração de animadores brasileiros. Com grande 130 experiência no ensino de Animação, Marcos é professor na PUC-RJ, instituição onde foi coordenador do curso de Pós-graduação em Animação. Paulo Visgueiro é bacharel em Design e trabalhou com concept art na série Juro Que Vi do Multirio, canal educativo da Prefeitura do Rio de Janeiro. Paulo foi sócio da extinta Seagulls Fly, notória empresa de computação gráfica, que encerrou suas atividades em 2012, após 14 anos de atuação no mercado. Atualmente Paulo é sócio da Koi Factory Creative Studio, empresa que atua na área de Publicidade oferecendo serviços de concept art, design, ilustração 3D, motion graphics, animação, character design, dentre outros. Sérgio Glenes é técnico em Artes Gráficas pelo SENAI. Iniciou na área integrando a equipe do Multirio nas séries Juro Que Vi e Cantiga de Roda. É ilustrador, animador e diretor de arte para cinema de animação. É autor e diretor do curta de animação O Despejo e sócio fundador da Bamba Grupo Criativo. A função preponderante da entrevista foi confrontar com o campo questões que foram levantadas durante a pesquisa. É importante ter este parâmetro em mente porque os entrevistados forneceram grande quantidade de informação e não haveria tempo para explorar tantos aspectos isoladamente. Então vamos nos concentrar naqueles que confirmam ou não aspectos específicos suscitados pela pergunta, deliberadamente deixando outros de fora. Todos os entrevistados responderam a todas as perguntas, mas analisaremos aqui apenas as respostas que atenderam aos objetivos da pesquisa. 4.2.1 Entrevista Pergunta 1 - Como você define concept art? A primeira pergunta abriu o bloco Conceito pedindo exatamente para que cada um dos entrevistados definisse o concept art. Para Andres Lieban o concept art é “a forma visual para (...) dar um significado consistente à história” e é necessário porque o audiovisual depende da imagem para ser contada a história. 131 Cesar Coelho definiu o concept art como “desenhos que podem ser na técnica diferentes do que vai ser feito no filme, mas que traduzam a cara que o filme vai ter”. Para ele o estilo do filme é dado pelo concept art, que é um dos instrumentos para dar materialidade a um conceito abstrato que está na cabeça do realizador. Esta construção da materialidade a partir do discurso se constitui em uma das principais vertentes dentro deste estudo. O discurso material do cinema de animação é construído. Ao contrário do cinema live action, não existe uma realidade capturada a priori, mas um universo imagético construído para que a história seja contada. E esta construção é carregada de símbolos que reforçam a mensagem a ser transmitida. É uma verdadeira linguagem não verbal a serviço da narrativa. Para Cesar Coelho o concept art vai fornecer através de cor, textura, iluminação, dentre outros recursos, a emoção que o filme quer transmitir. Marcos Magalhães também relaciona o concept art com a materialização visual da mensagem que a animação tem que transmitir. Segundo ele, no caso da indústria da animação o concept art teria ainda a função de ser um guia para a manutenção da coerência e uniformidade estética do filme. Além de considerar o concept art um dos elementos de transmissão da mensagem do filme, Paulo Visgueiro disse que o concept art agrega características e valores que auxiliam na tarefa de contar a história de personagens, objetos ou lugares. Isto reforça a importância do papel do concept art na construção da linguagem material do filme de animação. Para Sérgio Glenes o concept art é a essência estética do filme. Pergunta 2 – Em sua opinião, o concept art é uma atividade projetual ou intuitiva? Os entrevistados foram unânimes ao destacarem que as duas condições são verdadeiras. Na opinião de Andres Lieban todo trabalho artístico deve ter um grande espaço para a intuição, mas, no caso de uma produção em larga escala, critérios como cronograma e especialização do trabalho têm que ser levados em conta. Para Cesar Coelho o processo é mais misturado em uma produção independente em que o autor tem domínio total sobre o processo. Em uma produção industrial, entretanto, uma série de conceitos já vem pronta para o 132 concept artist, que vai estabelecer desde o princípio um projeto para dar conta da tarefa. Mas Cesar Coelho reiterou que, apesar das variações, dependendo da natureza e da qualidade de processo de cada produção, a tendência é que os dois aspectos sempre estejam juntos. Para Marcos Magalhães a intuição estaria mais ligada à escolha e à decisão sobre qual estética está mais de acordo com o gosto pessoal do realizador, ou com o que efetivamente vai se comunicar melhor com o público. O projetual estaria, segundo ele, mais ligado a questões pragmáticas, tais como a técnica em que o filme vai ser produzido e o prazo para executá-lo. Paulo Visgueiro afirmou que, apesar de existir uma linha de processo, a vivência do concept artist torna o processo intuitivo. O reconhecimento do perfil social de uma pessoa depende da intuição, segundo ele. Sérgio Glenes ressaltou que o intuitivo estaria ligado ao processo inicial do trabalho, que seria, segundo ele, um momento dionisíaco onde o concept artist se perderia entre referência e possibilidades estéticas, desenvolvendo esboços sem muita restrição. Em seguida ele deve escolher o caminho a seguir e a partir de então ter em mente as questões ligadas à produção, que são da ordem do projetual. Questões ligadas ao tempo de produção e à exequibilidade daquele concept em larga escala, por exemplo. É interessante perceber que os entrevistados de um modo geral associaram o intuitivo à produção artística e o projetual ao Design, o que demonstra que a compreensão do Design como uma área de conhecimento que engloba mais do que pura e simplesmente a metodologia ainda é pequena. Ainda assim, além de perceberem o concept art como uma atividade projetual, os entrevistados declaram que é uma atividade que combina intuição, expressividade e planejamento — mesmo que não denominem o todo como Design. Esta questão nos leva à próxima pergunta, que tinha o objetivo de aprofundar o tema da relação não apenas entre concept art e design, mas também com a ilustração e as artes plásticas. Pergunta 3 - Em sua opinião, o concept art está mais próximo do Design, da ilustração, das artes plásticas ou é um ramo independente no universo das artes visuais? Segundo Andres Lieban, o concept artist é um ilustrador e em geral não anima. Entretanto, o concept artist tem que ter noções de linguagem 133 cinematográfica, pois o suporte em que este profissional atua é diferente do suporte editorial como o de um livro, por exemplo. Segundo ele, o trabalho do concept artist é muito mais mental, porque ele tem que pensar em como trazer “mais significados para a história com aquele design”. Podemos deduzir que todo o trabalho que acontece antes do concept artist efetivamente botar a mão na massa e produzir material visual — a interpretação das informações, a pesquisa visual, os rafes —, é o trabalho “mental” ao qual se refere Andres Lieban. Para Marcos Magalhâes o concept artist faz uso de todas as técnicas e o resultado final do trabalho é o que foi possível fazer para chegar próximo do que foi planejado na etapa de concept, pois, segundo ele, o concept é “uma meta que nunca é alcançada no processo industrial”. As posições de Marcos Magalhães e Andres Lieban abrem espaço para refletirmos sobre o próprio papel do concept art como um processo de materialização de conceitos que estão presentes na cabeça dos realizadores – diretor, diretor de arte, roteirista —, conceitos que são, em uma boa parte dos casos, expressos primeiramente na forma de texto através do roteiro e que só então passam a serem trabalhados pelo concept artist. O processo de criação de significados a que se refere Andres está diretamente ligado à construção de um discurso material através da visualidade da mesma forma que o discurso produzido pelos cabelos dos hippies na análise de Pasolini. Este discurso material criado pelo concept artist terá que ser ajustado às limitações técnicas da produção. É a meta inalcançável a qual se refere Marcos Magalhães. É interessante refletir sobre esta questão em uma direção um pouco diferente daquela proposta por ele. Se o filme pronto é o mais próximo que se pode chegar dos concepts, estes mesmos concepts também podem ser considerados como o mais próximo que se pode chegar dos conceitos iniciais do filme – textos, pesquisas de referências, discursos —, pois sempre há uma lacuna entre aquilo que é imaginado e aquilo que é efetivamente realizado. Cesar Coelho afirmou que o concpet art está entre decisões que são da esfera do design, como as relacionadas ao desenvolvimento de personagens, por exemplo. Ele conclui que talvez o concept art seja uma atividade independente exatamente por estar entre o Design e a Ilustração. Ao comentário de Cesar Coelho, cabe acrescentar uma pequena reflexão. Pelo menos no caso da realidade brasileira, é difícil determinar esta região entre o Design e a Ilustração, uma vez 134 que em muitos casos o ilustrador é egresso dos cursos de Design. A Ilustração tem participação insipiente no cenário do ensino superior — pelo menos no Rio de Janeiro —, e parece pouco provável que este quadro mude em outras regiões, logo, a formação de boa parte dos ilustradores é feita em cursos de Design, não se podendo excluir aqueles egressos dos cursos de Artes plásticas, obviamente. E, uma vez que não existe clareza se a Ilustração é ou não pertencente ao campo do Design, talvez seja prematuro determinamos que concept art também não o seja. Para Paulo Visgueiro o concept art é uma mistura das três áreas – Design, Artes plásticas e Ilustração —, e por isso é uma área independente. Finalmente, Sérgio Glenes não considera concept art como Ilustração ou Artes plásticas, mas muito mais próximo do Design. Entretanto, ele também acredita que é uma área independente. A questão do grau de independência do concept art em relação às áreas limítrofes é complexa e está em pleno processo de desenvolvimento. As variações que surgiram para designar a atividade tais como concept design e entertainment design aumentaram a confusão e, como vimos anteriormente, nos próprios estúdios existe indefinição sobre como designar esta atividade. Por outro lado, vêm surgindo cursos independentes na área, o que parece indicar um movimento para que o concept art se consolide como ramo de conhecimento independente. O alinhamento do concept art com a ilustração pura e simplesmente não traz muitos progressos, uma vez que, como vimos anteriormente, as diferenças são muito acentuadas tanto em termos de finalidade como das competências que devem ser adquiridas. Entretanto, o concept art poderia ser considerado como um ramo específico do Design, voltado especificamente para indústria do entretenimento, por exemplo, uma vez que certas características são comuns a ambos, tais como perfil projetual, produção em larga escala, especialização do trabalho, etc. Obviamente, para tanto, há a necessidade de uma visão abrangente do Design, em moldes mais contemporâneos. Pergunta 4 - O concept art é sempre narrativo? Segundo Andres Lienban o concept art é ou não narrativo dependendo da função que ele tem na produção. Ele subdivide o concept art em concept de apresentação e concept de produção. Segundo ele, o concept art de apresentação 135 teria a função de sedução, de venda do projeto, enquanto o concept art de produção teria a função de expressar a visão do diretor, a expectativa dos investidores e aquilo com que o público vai se identificar. Esta segunda categoria, além de muito extensa, teria para ele pouco a ver com narrativa. Entretanto, conclui afirmando que o conceito básico do concept é atender à narrativa. Cesar Coelho também define duas maneiras diferentes de conceituar o concept art, mas suas categorias são diferentes daquelas apresentadas por Lieban. Para ele, o concept art pode ser visto como uma breve visão do que vai ser o filme ou — em uma interpretação mais ampla — como uma breve visão do que serão as partes constitutivas do filme, ou seja, personagens, cenários e adereços. Ele particularmente prefere a primeira forma de entender o concept art que, na sua concepção, se aproxima mais do inspiracional. Ele afirma que neste caso uma mancha de cores feitas em alguma técnica de pintura pode ser o elemento definidor do que vai ser a escala cromática do filme, por exemplo. Para ele, esta mancha de cores não representa um elemento narrativo. O concept art em sua concepção pode ser ou não narrativo dependendo do caso. Aqui remetemos a uma das questões abordadas no subcapítulo Narrativa e Arte, onde se definiu a possibilidade de uma imagem ter maior ou menor grau de narratividade. Entendendo-se uma imagem narrativa como aquela que suscita um antes e um depois, uma imagem em que além das dimensões espaciais esteja contemplada também a dimensão temporal, o projeto de desenvolvimento visual de um filme realmente pode ter imagens que não são narrativas, desde que se defina previamente o escopo do conceito de concept art com que se está trabalhando. Para Marcos Magalhães o concept art é sempre narrativo, está sempre a serviço da narrativa, “tentando capturar um momento da narrativa que seja chave”, mesmo quando a imagem seja representação de um adereço, por exemplo. Paulo Visgueiro também acredita que concept art é sempre narrativo e acrescenta que, se a imagem não adiciona sentido, não tem que fazer parte do projeto. Na visão de Sérgio Glenes, entretanto, o concept art não tem que narrar, porque isso é função do roteiro. O suporte da história para ele é o roteiro, e não a imagem, e um concept – por mais bem tensionado e elaborado que seja — serve à história, mas não garante a qualidade narrativa do filme. 136 Pergunta 5 – O concept art t é sempre figurativo? Esta foi uma questão consensual. Todos os entrevistados responderam que o concept art não é necessariamente figurativo. Dois dos entrevistados – Andres Lieban e Marcos Magalhães – colocaram a questão da natureza do filme, que é muito relevante. Um filme abstrato precisa de concept art tanto quanto um filme figurativo. Marcos Magalhães citou o filme Begone Dull Care (1949), que Norman Mclaren fez sobre a música homônima de Oscar Peterson. Mclarem teria feito uma série de testes para definir o visual do filme e estes testes seriam os concepts do filme. Still do filme Begone Dull Care de Norman Mclren. Cesar Coelho pontuou ainda que mesmo em um filme figurativo o concept art pode partir de elementos abstratos e se aproximar da figuração progressivamente. Citou como exemplo o filme Robôs, no qual muitos personagens foram construídos visualmente a partir de partes de máquinas como automóveis e eletrodomésticos. A partir da junção destes elementos tomados separadamente, surgiam os personagens. 137 A visão de Cesar Coelho coincide em parte com a do Sérgio Glenes, para quem o concept art não é uma ilustração que representa exatamente um fotograma do filme. O concept art, na visão de Sérgio Glenes, é “uma coleção de objetos, uma coleção de figuras, de cores, de moldes, de traços” e das formas que vão conter o que ele classifica como DNA estético do filme. Paulo Visgueiro acrescentou que, quando abstrato, o concept art tem que resgatar algum tipo de sentimento ou remeter às memórias. A questão da representação figurativa no concept art se articula diretamente com a questão narrativa. Vimos que a imagem narrativa tem características claras e que a abstração é uma das estratégias encontradas por artistas a partir do século XX para fugir totalmente da estrutura narrativa na imagem. Entretanto, é interessante pensar que uma mancha de cores pode não ser narrativa em si mesma, mas pode ser utilizada com fins narrativos na estrutura de um filme de animação comercial eminentemente narrativo. Logo, o concept artist pode e deve lançar mão de elementos não figurativos que são não narrativos por excelência, ou produzir imagens figurativas. A questão é discernir se realmente toda imagem figurativa desenvolvida pelo concept artist é narrativa ou se tem apenas a função de servir à narrativa, como é o caso das imagens abstratas. O segundo bloco de perguntas trata sobre o processo de produção e obviamente tem ligação direta como as questões abordadas no subcapítulo Concept Art Como Atividade Projetual. Pergunta 6 - Em que etapa da produção está inserido o concept art? Andres Lieban ressaltou que o concept art é inserido na pré-produção, mas pode estar até antes, como é o caso do concept de venda, por exemplo. Este concept que Andres Lieban chama de concept de desenvolvimento pode mudar totalmente quando ao longo da pré-produção. No caso de séries, na etapa de desenvolvimento é criado o MDP ou Master Design Pack, que o Andres Lieban descreve a seguir: “É no MDP que se estabelece a cara da série: como serão as árvores, os objetos, que regras serão cumpridas para garantir uma consistência no estilo. Regras estéticas mesmo como proporções. (...) E tudo isso é estabelecido no MDP. É feito um kit com muitas referências de personagens, cenários e props – os elementos de cena – que dão essa cara.” 138 Depois, segundo Andres Lieban, cada episódio da série entra na fase de préprodução e são produzidos concepts de acordo com as necessidades. Para Cesar Coelho não existe uma regra fixa. Para ele um filme pode ser iniciado a partir de uma imagem e, nesse caso, o concept pode vir antes do roteiro. Entretanto, ele pontuou que normalmente a ordem mais comum é que seja feito antes o roteiro, depois o design de personagem, storyboard e, finalmente, o concept art. É importante pensar mais detidamente sobre esta possibilidade de um filme ser gestado a partir de uma imagem ou conjunto de imagens, antes mesmo de ser escrito o roteiro. É como se antes de existir o argumento escrito, fosse produzido um argumento visual do filme. Esta ordem subverte a estrutura de produção clássica em que o argumento é escrito primeiro, depois é feito o roteiro e só então se inicia o trabalho de desenvolvimento visual. Vale relembrar que Cesar Coelho enfatizou anteriormente o que ele considera como sendo mais significativo na atividade de concept art. Muito mais do que simplesmente o design de cenários, personagens e adereços, para ele são as ilustrações que desenvolvem a atmosfera e a emoção das cenas o resultado mais importante da produção de um concept artist. Um excelente exemplo desta possibilidade foi notícia recentemente. Em janeiro de 2013 o site especializado em cinema The Hollywood Reporter publicou um post sobre a ideia para um filme que surgiu de uma imagem. Segundo a matéria, Dwayne Johnson – mais conhecido como The Rock – teria visto uma ilustração produzida pelo engenheiro de softwares Alex Panagopoulos e publicada no site DeviantArt43. A imagem que mostra uma criança dormindo tranquilamente enquanto o seu ursinho de pelúcia a defende de uma monstruosa criatura teria impressionado o ator que vai produzir o filme em conjunto com a produtora de cinema New Line. Este exemplo, mesmo que ainda não concretizado, pois o filme ainda não foi produzido, demonstra que o processo não é rígido e que um filme pode surgir a partir do concept art. 43 DeviantArt é uma rede social voltada para artistas, tanto aspirantes quanto profissionais. Segundo o site que existe desde agosto de 2000, mais de 27.000 de pessoas estão cadastradas no DeviantArt e mais de 160.000 uploads são feitos diariamente. As imagens postadas ficam disponíveis para qualquer visitante, mesmo que não seja cadastrado no site. 139 Ilustração de Alex Panagopoulos, que poderá dar origem a um filme produzido por Dwayne “The Rock” Johnson. Marcos Magalhães posicionou o concept art na pré-produção, após a elaboração do roteiro. Segundo ele, o concept pode ser feito após ou paralelamente ao storyboard. Marcos Magalhães também pontuou que eventualmente o concept art pode estar antes do roteiro, quando um diretor parte de uma imagem para a ideia do filme. Paulo Visgueiro afirmou que o concept art normalmente é iniciado após o roteiro estar finalizado, mas na opinião dele este processo deveria começar antes da conclusão do roteiro. A razão disso é que para ele deveria haver uma troca entre roteirista e concept artist desde o início do processo. O início do trabalho do 140 concept artist para ele, então, não seria a partir do roteiro, mas a partir do argumento. Ele observou que muitas vezes as características do personagem são passadas de maneira pontual – “extrovertido, divertido e sempre pronto a ajudar”, por exemplo —, o que não colabora para o desenvolvimento visual por ser muito vago. Para Sérgio Glenes, ao contrário do que pensa Paulo Visgueiro, apesar do concept art poder começar a partir do argumento, o ideal é que o processo de concept tenha início durante a confecção do roteiro e que continue sendo desenvolvido após a conclusão do roteiro. Para ele é possível imaginar coisas a partir do roteiro e o concept art pode alimentar o storyboard, fornecendo alegorias, objetos e situações que podem inclusive ajudar a criar novas cenas. Pergunta 7 - Quais as etapas de projeto de um concept art? Para Andres Lieban esta não é uma questão muito clara, porque esta é uma etapa ainda muito desorganizada no Brasil. Segundo ele esta é ainda a parte mais intuitiva do processo, que não é muito regrada para que se possa “ter uma criação mais qualificada”, nas palavras do próprio Andres Lieban. O próprio estabelecimento de prazos para o concept art é complicado para Andres Lieban, uma vez que o processo está sujeito a atrasos que podem ter razões variadas, que variam desde a dificuldade em conceituar um ambiente específico até questões pessoais ligadas à predisposição emocional do profissional evolvido no projeto. Cesar Coelho ressaltou que antes da etapa de concept art deve ser executado o color script do filme. Para ele é difícil estabelecer uma ordem exata para um projeto de concept art. Razão para ele é o fato de que a animação é um processo abstrato, que se dá na mente do realizador antes de se materializar. O concept art é um destes instrumentos de materialização, mas durante o processo muito é alterado, intuído e este dinamismo torna difícil o estabelecimento de uma ordem rígida de projeto. Quando o realizador está escrevendo um roteiro, segundo o Cesar Coelho, é quase irresistível que ele faça um pré-concept bem básico para visualizar a cena, antes que sejam feitos concepts elaboradíssimos, finalizados. Para ele, depois desta fase inicial, vem o color script e só então seria iniciada a fase de concept. A partir do momento em que estejam definidas questões tais como textura, reflexão dos objetos, o grau de sujeira, o grau de pelo dos personagens, o próximo 141 passo seria a definição do staging, ou seja, o posicionamento da câmera e dos personagens na cena. Marcos Magalhães ressaltou que o processo empregado por ele em filmes autorais sempre foi muito intuitivo. Entretanto, na opinião dele, o primeiro passo é optar pela técnica que melhor se adapta ao filme e depois buscar elementos gráficos que tenham afinidade com aquela técnica. As etapas de projeto são bem definidas para Paulo Visgueiro. Primeiro é entender a história, os personagens, o ambiente, o tempo em que se passa a história, enfim, se inteirar sobre o projeto a fundo. A etapa seguinte seria a de pesquisa de referências, seguida pela etapa de rafes. Depois de ter feito muitos rafes e ter reunido boa quantidade de material chega-se à fase de seleção do material produzido para ser apresentado ainda no formato de rafe, ou ser finalizado antes de ser levado ao cliente. Para o Sérgio Glenes o processo é livre e depende de cada profissional, do estilo e dos materiais com que ele se sente confortável para trabalhar. É interessante perceber que, apesar de todos os entrevistados terem concordado que parte do processo do concept art é projetual, o estabelecimento de etapas seja algo que apresenta dificuldade. Entretanto, se avaliarmos a própria ampliação no conceito de projeto em design que vem sendo promovido recentemente, levando em conta a subjetividade dos designers e flexibilizando as etapas de projeto, é possível identificar processos que nos possibilitam reconhecer no concept art uma atividade projetual e, talvez, até mesmo um segmento do design. Pergunta 8 - O workflow típico do trabalho de concept art é individual ou coletivo? Para Andres Lieban, ambas as situações são válidas. Segundo ele há comunicação e colaboração entre os profissionais, o que caracteriza o trabalho em equipe. Esta integração de conhecimentos auxilia no processo de geração de novas ideias e conceitos, além de facilitar o crescimento dos profissionais envolvidos no processo. Entretanto, a realidade em que Andres Lieban atua é a de produção de séries e, para ele, neste contexto o tempo para o desenvolvimento visual é exíguo. Como o processo de produção possui prazos apertados, é “difícil brigar por um espaço maior para criar”, até porque tem que haver folga no orçamento para 142 atender às exigências da produção. Para ele o concept art deveria ser mais valorizado no processo de produção. Para Cesar Coelho o concept art tem que obrigatoriamente ser coletivo, exceto no caso de um filme autoral. Se o filme é coletivo então o concept art também deve ser. Marcos Magalhães pontuou que o workflow depende do estúdio e do projeto. Para Paulo Visgueiro, o processo é coletivo, pois não funciona bem com uma pessoa fazendo tudo sozinha. Para ele, quanto mais pessoas estiverem no processo melhor será o resultado, porque você divide o trabalho para aperfeiçoar o processo de acordo com as competências de cada profissional: “você tem aquele que desenha muito bem máquina, outro que desenha muito bem arquitetura, outro que desenha motor, outro que desenha muito bem figura humana”. Se o trabalho é feito apenas por uma pessoa, pode ser que o resultado final fique aquém do esperado. Neste particular, a opinião de Paulo Visgueiro coincide com o relato de Feng Zhu, para quem as equipes de desenvolvimento visual devem ter profissionais que sejam especialistas no que ele denomina soft surfaces — personagens, paisagens orgânicas, vestuário —, e outros que seriam especializados nas hard surfaces, como as máquinas e os objetos técnicos, por exemplo. Sérgio Glenes relatou que em sua experiência profissional em concept art tem sempre trabalhado sozinho, e atribuiu este fato a questões de custo. Segundo ele o concept artist é um profissional com custo elevado para a produção, o que justificaria o fato de sempre ter trabalhado sozinho, entretanto, mais adiante Sérgio Glenes destacou que o trabalho do concept artist segue com outras pessoas da equipe e, por isso, é um trabalho coletivo. Aliás, é importante complementar que, mesmo quando o concept artist trabalha sozinho na tarefa de desenvolvimento visual do filme, as equipes de produção vão se apropriar daquele material para dar prosseguimento ao processo e que essa apropriação vai implicar em adaptações de acordo com a técnica empregada. Pergunta 9 - Qual o ponto de partida do trabalho de concept art? Andres Lieban comparou o método do concept art com o do storyboard. Segundo ele “o storyboard está recontando a história que ele leu através de 143 imagens” e, para isso, o que o storyboarder tem que fazer é ler o roteiro e identificar os pontos chave da narrativa, os storypoints. É a partir destes storypoints que surgem os alicerces do trabalho de concept art, tanto para personagens quanto para ambientes. No caso de personagens, segundo Andres Lieban, é importante fugir de um perfil arquetípico, para que ele não se torne óbvio. Cesar Coelho destaca que o processo geralmente começa no roteiro, assim como a partir do que o diretor fala para o concept artist sobre o estilo que ele pretende utilizar para o filme, sobre a técnica que será empregada, etc. Entretanto, com base em sua própria história pessoal, Cesar Coelho destaca que o processo pode ser invertido, ou seja, o trabalho pode começar do concept, de uma imagem específica e, a partir dela, o roteiro ser desenvolvido. Segundo Marcos Magalhães, o ponto de partida é o argumento. Para ele é como o caso do quadro que inspira um filme, que não necessariamente é um quadro, pode ser apenas uma imagem ou algo que se presencia na rua, como é o caso que vimos anteriormente sobre o ator Dwayne “The Rock” Johnson e a ilustração do ursinho Teddy encontrada em um site na internet. Marcos Magalhães completa ainda que o roteiro vai esmiuçar todo o clima da história e a partir daí o concept art vai tentar “vestir” a história, buscando acentuar elementos para tornálos expressivos. Para Paulo Visgueiro o trabalho do concept artist começa no roteiro, que é onde está expressa a demanda do filme. Ele cita, por exemplo, o caso dos Minions, personagens humorísticos do filme Meu Malvado Favorito. Para ele este é um caso em que os personagens funcionam no coletivo e não faria sentido criar cada um deles diferente dos outros. 144 Os Minions de “Meu Malvado Favorito”. Sérgio Glenes destacou sua sensação de desespero ao iniciar um projeto. O desespero em não conseguir alcançar os objetivos propostos, mas um desespero controlado. O primeiro passo é pesquisar muito, ver muitas coisas e fugir do hábito autorreferencial que assola a animação de um modo geral, ou seja, que trabalha com animação só assiste e pesquisa em filmes de animação, o que, na opinião dele, é uma limitação. As referências podem vir de áreas tão variadas como a Música, a Literatura ou as Artes plásticas, por exemplo. Para Sérgio Glenes, ficar limitado à estética da animação ou dos blogs de concept art fatalmente vai fazer com que o profissional faça o que outro já fez. Pergunta 10 - Qual a importância do roteiro para o trabalho do concept art? Neste ponto, retornamos à questão discutida no subcapítulo 2.1, sobre o termo conceito. Se um conceito é um símbolo linguístico e o concept art é a materialização da visualidade deste símbolo, então roteiro e concept art são a materializarão prévia daquilo que vai ser o filme quando movimento e sons forem adicionados. Para Andres Lieban o concept art tem que atender à narrativa, então o estilo tem que estar alinhado ao significado do roteiro, para que o espectador veja história e imagem na tela como algo único, integrado. Segundo Cesar Coelho o que vem primeiro, normalmente, é o roteiro. Para ele concept art e trilha sonora têm a mesma função de servir à narrativa 145 acrescentando dimensões sensoriais que potencializem a história que está sendo contada. Entretanto, Cesar Coelho ressaltou que esta relação entre concept art e a história pode não ser tão direta. A função do concept art é potencializar momentos da história e atribuir valores importantes que levem ao sucesso comercial do filme, entretanto, um mesmo filme pode ser feito em outra técnica, ter outra solução gráfica e ainda assim continuar sendo tão bom quanto seria se tivesse sido realizado com soluções visuais totalmente diversas. Segundo Marcos Magalhães o roteiro fornece referências ao concept artist. Para ele o concept art t é “uma ilustração que se desdobra numa narrativa porque tem o fator tempo vinculada a ela. Não chega a ser uma animação, mas ela não é estática. O conceito do concept não pode ser estático,deve ser um visual que evolua, que possa ser transformado, acentuado”. Para Paulo Visgueiro, sem roteiro não haveria concept art, mas apenas um desenho ou uma ilustração. Para Sérgio Glenes o concept artist deve saber ler o roteiro, buscando as potencialidades de cada cena, sempre tentando tirar proveito também do que não está expressamente escrito. O que o Sérgio Glenes parece estar querendo dizer é que o concept artist tem que saber ler as entrelinhas. O concept artist, segundo Sérgio Glenes, também é responsável por produzir a matéria-prima que o profissional de layout vai utilizar para projetar e executar os cenários do filme. É o concept artist que pesquisa como são os objetos e faz as escolhas de design que darão a aparência àquele universo. Pergunta 11 – Além do roteiro, o que mais pode ser fornecido para auxiliar o desenvolvimento do trabalho? Para Andres Lieban o que deve ser fornecido para o concept artsão as referências. Referências de cores, de formas, etc. É composto então um mix de informações que vão orientar o concept artist, mas mesmo o solicitante pode não ter certeza do resultado daquela mistura de referências. Para Andres Lieban este processo tem que reunir duas linguagens complexas: forma e conteúdo. O conteúdo seria representado por aquilo que o solicitante deseja que seja representado e a forma seria composta pelas características estéticas que seriam atribuídas àquele conteúdo. Andres Lieban pontuou que, apesar de no discurso parecer um processo metódico, na prática tudo acontece “meio misturado”. Ele disse ainda que é importante que um brieffing detalhado seja fornecido para o 146 profissional e que este deve sinalizar quando as referências não bastarem para o desenvolvimento do concept art. Cesar Coelho também mencionou a coleta de referências como um dos primeiros trabalhos gráficos que se faz na produção de um filme. Muitos elementos, tais como música, filmes, pinturas, fotos, pedaços de tecido etc., podem ser utilizados para que o concept artist penetre naquilo que está na mente do diretor. Esta pergunta não foi feita a Marcos Magalhães, mas Paulo Visgueiro também citou as referências visuais como ferramentas fundamentais para encontrar aquilo que o cliente deseja. Entretanto, ele pontuou que na área de publicidade onde atua as referências fotográficas não têm o peso que deveriam ter em função de o processo ser descartável, rápido e muito comercial. Para Sérgio Glenes o processo pode variar muito e depende do tipo de produção, variando desde uma situação na qual já exista uma direção artística prédefinida até uma em que todo o processo seja desenvolvido baseado no trabalho de um ilustrador específico, por exemplo. Para ele o trabalho de concept artestá dentro da equipe de Direção de Arte, logo, é provável que existirá um diretor de arte que vá passar o brieffing do trabalho para o concept artist. Pergunta 12 - Quais técnicas um concept artist de deve dominar? Desenho de figura humana, perspectiva, cores, materiais diversos, softwares gráficos 2D, softwares gráficos 3D ou animação? Para Andres Lieban todas as habilidades listadas são importantes, exceto animação. Quanto maior a bagagem maior é a utilidade do profissional dentro das produções e mais requisitado ele será, disse Andres Lieban. Para ele este é um profissional que deve ser multitarefa e, para alcançar este patamar, a pessoa tem que encarar seus pontos fracos e aprimorá-los. Cesar Coelho apontou que os softwares gráficos 3D não são necessários para um concept artist, apesar de ser interessante entender o processo de modelagem. Da mesma forma, animação não é algo fundamental para o concept artist, tampouco os softwares gráficos de animação 2D, mas é bom ter o conhecimento. Ele citou ainda como importante o domínio das linguagens das histórias em quadrinhos e do cinema. Conhecimento sobre como usar a câmera e a iluminação para contar uma história, como dirigir o olhar, como utilizar o claro e 147 o escuro são técnicas que podem ser aprendidas a partir da observação de filmes e quadrinhos. Indispensável para o trabalho do concept artist, segundo Cesar Coelho, é a utilização dos programas gráficos de ilustração e pintura tais como Corel Painter e Adobe Photoshop e de equipamentos como os tablets da Wacom. Marcos Magalhães falou que o concept artist tem que ter uma visão forte de alguns dos elementos citados e talvez de outros que nada têm a ver com estes. Para ele a expressividade da comunicação visual é o importante. Entretanto, na indústria, obviamente, por questões de produtividade, é importante que o profissional domine o máximo desses elementos. Para Paulo Visgueiro o concept artist não precisa obrigatoriamente dominar animação 2D e softwares 3D. É fundamental o domínio de desenho e pintura, composição, iluminação e cor. Para Sérgio Glenes todas as técnicas são válidas e quanto mais recursos o profissional tiver para dar conta das demandas do processo melhor. Entretanto, apesar de valorizar a qualidade do desenho, Sérgio Glenes entende que um Diretor de Arte não precisa necessariamente ser um exímio desenhista para ter um bom resultado, alcançando seus objetivos através de um senso estético apurado. Segundo ele, a diferença é que este profissional estará sempre em um plano mais conceitual enquanto um profissional que tenha as duas habilidades torna-se mais independente. Pergunta – 13 - Em sua opinião, o trabalho do concept artist é totalmente autoral ou é um trabalho de autoria compartilhada? Para Andres Lieban não há certo ou errado nessa questão. Em um filme autoral em que o profissional esteja trabalhando sozinho, obviamente teremos um trabalho autoral, mas na estrutura de indústria pode haver as duas coisas. Segundo ele a produção pode ser inteiramente baseada no estilo de um ilustrador específico e, em um caso como este, os outros concept artists terão que seguir o estilo definido por aquele ilustrador, que é a principal referência do trabalho porque é ele quem vai definir o conceito principal. Entretanto, completa, mesmo em um projeto que tenha uma estética mestra desde o início do trabalho o resultado final pode se tornar uma mistura que não fique com a identidade específica de nenhum dos membros da equipe de concept. Neste ponto, a autoria torna-se coletiva. Isso, para ele, não torna o trabalho diluído, mas tende um pouco à pasteurização. 148 Entretanto, é inviável partir do princípio de que tudo no projeto pode partir do zero em termos de processo criativo. Para Andres Lieban, em um caso como este os envolvidos no projeto seriam esgotados rapidamente, pois o exercício de criação da linha estética de um filme é por demais cansativo. Cesar Coelho afirmou que o trabalho do concept artist é de autoria compartilhada, uma vez que é muito difícil alguém fazer sozinho todo o trabalho de concept que é exigido em uma série ou em um filme de longa-metragem. O Diretor de Arte pode reunir diferentes referências estéticas e construir um universo visual a partir deste material variado. Entretanto, tal como já havia ressaltado Andres Lieban, o contrário também é verdadeiro, segundo Cesar Coelho. O filme pode ser concebido a partir do trabalho de um artista específico e, neste caso, teríamos uma fonte de referência autoral e uma estrutura de trabalho coletiva, segundo Cesar Coelho. Na visão do Marcos Magalhães a questão da autoralidade também depende do caso e, por isso, as duas situações são reais. É relevante quando ele fala que a necessidade do diretor esbarra nas limitações do próprio concept artist, o que pode levar à contratação de outros profissionais capazes de atender àquela demanda específica. Para Paulo Visgueiro concept art dentro da indústria é inequivocamente um trabalho de autoria compartilhada. Para Sérgio Glenes a autoria é uma questão de negociação do profissional com o próprio trabalho, um esforço no sentido de sempre incutir algo de pessoal mesmo em um trabalho em que o espaço para a autoria seja restrito. Além disso, é importante, segundo ele, o esforço no sentido de mostrar aquilo que é realmente pessoal, para que possa ser conhecido e desejado em algum contexto. Pergunta 14 - Em uma escala de 1 a 5, qual seria o nível de autonomia de um concept artist em uma produção? Para o Andres Lieban, mesmo que esta escolha seja subjetiva é importante que a equipe esteja ciente de que o diretor de arte ou o supervisor não está naquela posição necessariamente por ser um técnico melhor, mas porque é a pessoa que vai definir o caminho a seguir. Cabe à equipe ter consciência de que deve lidar com o não tão bem quanto lida com o sim. 149 Para Cesar Coelho a autonomia do concept artist é alta — em torno de quatro na escala —, porque está na base da criação do filme. Conforme a produção avança, o espaço para criação torna-se menor. Marcos Magalhães entende que se o concept artist for o diretor do filme seu grau de autonomia é máximo. Em caso contrário, segundo ele, a decisão é do diretor. O concept artist está a serviço do diretor. Entretanto, Marcos afirmou que o consenso faz parte do processo de produção na indústria: “O filme precisa ter consenso para sobreviver. Você tem que comunicar a uma parcela que pelo menos pague o custo do filme”. Para o Paulo Visgueiro a autonomia do concept artist tem que ser total no momento da criação, pois se o processo criativo for podado desde o início a tendência é a estagnação. Ele comparou este processo ao brainstorming, onde não pode haver constrangimento quanto ao que está sendo sugerido, pois a mais tola das ideias pode dar origem à solução do problema. Ao final, segundo Paulo Visgueiro, o concept artist deve reportar-se ao diretor para que este defina o que fica e o que deve ser descartado. Sérgio Glenes afirmou que, de acordo com sua experiência pessoal, é sempre possível encontrar um espaço para a criação. Segundo ele, mesmo quando o projeto já tem uma base estética definida existem áreas inexploradas onde é possível que a sua colaboração seja mais intensa. Para Andres Lieban existe espaço para a contribuição por parte do concept artist, entretanto é preciso estar claro para a equipe que há uma hierarquia. Existe uma liderança investida de poder para aprovar ou não uma proposta. Pergunta 15 - Em sua opinião, o concept artist deve ter um estilo próprio? Andres Lieban afirmou que a questão do estilo pessoal é importante no plano individual, naquilo que o profissional espera da própria carreira. Há espaço para ambos e depende do objetivo de cada um. Aqueles que desenvolvem um estilo pessoal marcante e o fazem por toda a carreira normalmente defendem que sem estilo pessoal o profissional não se torna conhecido. Entretanto, pode ser que haja um profissional para quem o importante é que cada trabalho tenha sua própria personalidade. Segundo Andres Lieban, não deve haver uma regra para isso. 150 Para Cesar Coelho é preferível que o concept artist tenha um estilo pessoal, uma vez que cada trabalho deveria ter um concept original que seja a sua expressão em termos de design. Entretanto, esta não é a realidade, pois, segundo ele, hoje há uma pasteurização provocada pelo uso do software de animação 2D ToomBoom. Cabe aqui um breve destaque para este novo dado trazido por Cesar Coelho. Além da questão de a autoria no concept art para longas-metragens de animação poder ser discutida a partir da tensão entre o coletivo e o individual na linha de produção, também pode ser discutida a partir da pasteurização, ou seja, qual nível de autoria existe neste processo a partir do momento em que o profissional copia e reproduz um modelo que pode ser determinado por um modismo estético ou pelas características de produção atreladas a um determinado software, como citou Cesar Coelho. Para Marcos Magalhães não é imperativo que o concept artist tenha estilo forte. Um profissional com um estilo marcante pode funcionar muito bem se estiver afinado com o estilo do filme e com as ideias do diretor. Assim como um profissional que tenha facilidade em emular diferentes estilos também pode funcionar. Para Paulo Visgueiro, o estilo pessoal não é obrigatório, mas é algo natural. O profissional, segundo ele, procura a forma mais eficiente para trabalhar e é natural que alguns se sintam mais seguros com o estilo cartoon, outros com o realismo e assim por diante. Uma particularidade da cena local é que muitas vezes um profissional é solicitado a emular o estilo de outro, o que, segundo Paulo Visgueiro, não é o procedimento usual no mercado internacional. Para ele o correto seria contratar o profissional com o estilo que se ajusta ao projeto. Sérgio Glenes é a favor do estilo, pois acredita que isto é o que faz com que um profissional se torne referência. Pergunta 16 - Quais são as exigências do mercado em relação às qualificações técnicas de um concept artist? Para Andres Lieban em primeiro lugar vem o portfólio, que vale mais do que a formação. Outro fator determinante é a natureza do projeto. O perfil do profissional tem que encaixar no projeto. 151 Para Cesar Coelho é imprescindível ao concept artist dominar o desenho, cor, iluminação, etc. Sem estas habilidades não é possível ser um profissional de concept art, segundo Cesar Coelho. Ele acrescentou que a personalidade exploradora, a inquietude na busca de novos estilos, é fundamental para que o profissional seja capaz de apontar novos caminhos. Uma vez que seu trabalho é autoral, Marcos Magalhães preferiu não opinar, por não estar dentro da indústria. Paulo Visgueiro destacou questões decisivas, como narrativa, iluminação e domínio de cores. Menos importantes seriam a finalização e o domínio de softwares gráficos. Segundo ele, se o profissional pode utilizar um material pouco nobre como o giz de cera, mas dominar os fundamentos. Sérgio Glenes acredita que o que buscam nele é a experiência, em função de já ter trabalhado em algumas produções como concept artist, mas alerta para o fato de que o mercado ainda é muito limitado no Brasil. A questão das habilidades técnicas de representação figurativa é fundamental neste ponto quando Cesar Coelho destaca a questão do domínio do desenho. Conforme vimos anteriormente, a representação figurativa perdeu importância no universo das Artes plásticas a partir do século XX. Também aconteceu o mesmo com a imagem narrativa que foi sendo deixada de lado pelas Artes plásticas ainda no século XIX. Esta busca por uma pintura pura, que não sofresse influência da literatura e que não fosse mimética, levou a Arte em direção à abstração. As técnicas de representação desenvolvidas por séculos, entretanto, não se perderam e, como vimos anteriormente, foi na ilustração que permaneceram absolutamente vivas. Para o concept art estas técnicas são vitais em função da natureza do trabalho. Pergunta 17 - Quais são as principais áreas de atuação (séries, filmes publicitários, longas) e as mídias (cinema, televisão, internet) mais frequentes em que os profissionais da área atuam? Para Andres Lieban a indústria de games está mais evoluída na utilização de concept artists do que a indústria de animação local, tanto em filmes de longametragem quanto em séries. Além da indústria de games, ele destacou a Publicidade como uma área em crescimento para o concept art. 152 Para Cesar Coelho a área de games tem sido importantíssima na disseminação do conceito de concept art.. Séries e filmes de longa-metragem também dependem de concept art, mas segundo ele esta mão de obra ainda não é tão utilizada quanto deveria. Além disso, a publicidade também tem aumentado o espaço para o concept art tanto para ajudar a vender a ideia, como para aprovação de etapas do trabalho. Marcos Magalhães citou os segmentos escola de samba, teatro, museu, produções e instalações, completando que qualquer área que envolve narrativa necessita de conceito visual. Para Paulo Visgueiro a pulverização das verbas de publicidade aumentou o volume de investimentos em campanhas para internet e para a produção de vídeos virais, por exemplo. Além disso, segundo ele, o mercado de aplicativos para dispositivos móveis está aquecido, principalmente o de produção de jogos. São áreas que requisitam o trabalho do concept artist. A experiência de Sérgio Glenes, segundo ele relatou, é toda voltada para o cinema de animação. Pergunta 18 - No Brasil faltam profissionais? Por quê? Para Andres Lieban faltam profissionais qualificados. Segundo ele, por um lado falta uma formação que proporcione conhecimentos que são indispensáveis para o concept artist — tais como o caráter reflexivo, conhecimento estético, entendimento de significado, teoria de cor, expressão de emoção —, e por outro lado falta mercado, uma vez que não existe emprego formal para esta atividade. Para Andres Lieban existem bons ilustradores, que, entretanto, não estão totalmente qualificados para a atividade de concept art. Para Cesar Coelho há escassez de profissionais de concept art para animação no Brasil e ele completa que não basta ser um bom ilustrador, pois é necessário ser um profissional com conhecimentos de cinema, animação, ângulos de câmera e outros ligados às questões da narrativa audiovisual. Marcos Magalhães também ressaltou que praticamente não existem profissionais com experiência prévia em concept art para cinema de animação, entretanto há excelentes ilustradores, artistas plásticos e animadores. Para ele, caso a tendência de aumento no volume de produção se confirme, este material humano pode ser trabalhado. Marcos Magalhães – diferentemente de seus colegas — relatou que já houve falta de profissionais, mas que hoje existe oferta de mão 153 de obra na área de concept art.. Segundo ele, existem excelentes profissionais e a maioria deles aprendeu sozinho, pela internet. Entretanto, ele afirmou que não existe demanda para este tipo de profissional. Ao contrário dos animadores que são contratados para trabalhar nos estúdios internacionais, Paulo Visgueiro não percebe a mesma tendência em relação aos concept artists. Para Sérgio Glenes faltam, pois é muito difícil conseguir profissionais que tenham experiência específica em concept art para animação. Citando sua experiência pessoal como Diretor de Arte para séries, Sérgio Glenes disse que na maioria das vezes a formação daqueles que selecionava era nas áreas de Design e Artes plásticas e, como não existe uma formação específica, estes profissionais eram treinados durante a própria produção. Um ilustrador, por exemplo, segundo Sérgio Glenes, não tem o olhar treinado na linguagem da animação em relação a movimentos de câmera, cortes e formato de tela. O relato de Paulo Visgueiro se alinha ao que foi exposto no subcapítulo sobre difusão de informação em concept art. Um grande volume de conhecimento está sendo divulgado pela internet. Entretanto, uma questão importante é se este tipo de formação fornece questões de caráter teórico como as que foram citadas por Andres Lieban. Em princípio não é o que foi apurado pela pesquisa nos principais sites de difusão de informação, onde a maioria das informações se concentra na transmissão de técnicas de produção. Pergunta 19 - Qual a formação típica dos concept artists no Brasil? Andres Lieban explicou que em seu estúdio não há uma equipe fixa de concept art. Ele trabalha aproveitando elementos na equipe que possam atuar como concept artists e que posteriormente sejam aproveitados como animadores. Andres Lieban afirmou que este quadro é motivado pelo fluxo irregular de projetos e as consequências desta imaturidade do mercado são a falta de percepção de carreira e carência de formação de mão de obra. De acordo com Cesar Coelho, 90% dos profissionais que atuam em concept art são ilustradores que começam a trabalhar com pintura e depois passam a fazer concept. Marcos Magalhães disse não conhecer nenhum caso em que alguém tenha estudado Artes plásticas, Cinema ou Animação com o objetivo de se tornar 154 concept artist. Mas completou que bons profissionais estão sendo aproveitados na área. Paulo Visgueiro disse que prioritariamente os concept artists são egressos dos cursos de Design e Artes plásticas. Para Sérgio Glenes os concept artists são oriundos do Design gráfico, da Ilustração e das Artes plásticas. Além disso, os próprios animadores atuam como concept artists. Para ele, o entendimento do que é viável em uma produção é muito importante para o profissional de concept art. Pergunta 20 - Qual seria, em sua opinião, a melhor formação para o concept artist? Para Andres Lieban a formação deveria ser Belas Artes. Entretanto, para ele – que é formado em Belas Artes – o modelo dos cursos nesta área no Brasil não prepara o suficiente um profissional para atuar como concept artist. Segundo ele, os modelos dos EUA e França seriam menos focados na subjetividade e mais calcados sobre a qualidade final do trabalho. Para Cesar Coelho a formação básica para um concept artist contemplaria habilidades de desenho a lápis, modelo vivo, pintura em várias técnicas – exceto óleo —, linguagem de cinema e quadrinhos e finalmente técnicas de pintura digital. Para Marcos Magalhães seria importante uma formação conjugada entre Artes plásticas e Narrativa audiovisual. Paulo Visgueiro levantou a questão da carência no currículo de Artes nas escolas. Para ele não existe indústria de animação no Brasil, o que compromete a formação de instrutores para ministrar aulas em cursos técnicos ou de nível superior. Para Paulo Visgueiro os cursos que estão presentes no mercado não apresentam produção de qualidade. Para Sérgio Glenes o profissional de concept art deveria ser um profissional de nível superior. E segundo ele a formação desse profissional deveria estar assentada em Cinema e Artes visuais. Não foi percebida nos relatos dos entrevistados qualquer separação entre ilustradores e industrial designers nos moldes relatados por Feng Zhu no subcapítulo 4.1, dedicado à análise do seu vídeo sobre características do Entertainment Design. Na pergunta de número quinze Paulo Visgueiro lembrava que o desenvolvimento de um estilo está atrelado à busca pelo incremento de 155 produtividade, o que faz com que cada um se especialize em um tipo de estética ou se destaque na representação de determinados materiais. Mas nenhum dos entrevistados citou em qualquer das perguntas sobre formação a necessidade de uma divisão rígida que possa definir previamente qual profissional vai trabalhar com soft surfaces ou hard surfaces, conforme a nomenclatura utilizada por Feng Zhu. Uma habilidade frequentemente requisitada pelos entrevistados e que não é citada por Feng Zhu é o domínio da linguagem do cinema pelo concept artist. Pergunta 21 - Em sua opinião, o produto final do trabalho de um concept artist é a imagem produzida por ele, ou o filme? Essa pergunta foi deslocada para o final da entrevista por representar um fechamento de quase todos os temas abordados. Andres Lieban considerou como resultado final do trabalho de um concept artist o filme. Segundo ele o filme é o produto de muitas mãos e cada um agregou valores para que o resultado final fosse aquele. Cesar Coelho também afirmou que o resultado final é o filme. Entretanto, enfatizou que o que todos os envolvidos devem buscar é a compreensão da história pelo espectador. Também para o Marcos Magalhães o filme é o resultado final e as imagens produzidas pelo concept artist são um subproduto do trabalho. Marcos Magalhães também confirmou que o filme é o resultado final do trabalho em concept art e salientou que as ilustrações são o material bruto. Para Sérgio Glenes é material final o que está na tela. Segundo ele, o que está nos livros de Arte dos filmes é o processo de produção e aquelas imagens podem até ter valor fora do contexto da produção, mas o êxito do trabalho de todos os envolvidos é o filme. Para Sérgio Glenes uma questão importante para o concept artist é a compreensão de que o trabalho dele vai seguir com o de outras pessoas da equipe, logo, é um trabalho coletivo. Neste ponto, todos concordam com a visão de Feng Zhu sobre o produto final do trabalho do concept artist. Mesmo que com um enfoque um pouco diverso — uma vez que Zhu estabelecia uma comparação com a atividade do ilustrador —, é consenso entre os profissionais de animação que o filme é o resultado final dos esforços reunidos de todos os envolvidos na produção. O trabalho de concept art é uma etapa do processo assim como roteiro, animação e 156 trilha sonora. A comparação com o roteiro talvez seja fortuita. O roteiro de um filme é importantíssimo. Tanto roteiro quanto storyboard são ferramentas utilizadas para estruturar e desenvolver a história, que, como assinalou Cesar Coelho, deve ser a principal preocupação de toda a equipe criativa da produção. Entretanto, o roteiro não é uma peça com valor em si mesmo. Sua função só se completa no filme pronto. Assim, é como o trabalho de concept art. Por mais belo e bem acabado que seja, sua verdadeira função é ser uma ferramenta para a concretização do filme. Ao final, pudemos identificar algumas configurações na organização trabalho do concept artist. Tomando-se como base apenas a fala de Feng Zhu, parece haver uma divisão muito clara nas designações de função no cenário norteamericano de concept art. Aqueles com formação voltada para a ilustração seriam mais bem capacitados para o desenvolvimento de figurino, personagens e tudo aquilo que Feng Zhu chama de soft surfaces. No lado oposto estariam os industrial designers, que seriam responsáveis pelas hard surfaces, ou seja, máquinas e objetos técnicos produzidos pelo homem. Ainda segundo Feng Zhu a autoria não é algo relevante para o industrial designer que trabalha para a indústria do entretenimento. No cenário nacional vimos que a visão sobre autoria é variável, mas, de uma maneira geral, os entrevistados concordaram que em concept art a autoria do trabalho é compartilhada, exceto nos casos em que o próprio concept artist é o diretor do filme. O espaço para o exercício da criatividade existe, ainda que o concept artist esteja sujeito às críticas da equipe — particularmente às interferências do diretor — e ao estilo geral do filme. As experiências relatadas demonstram que o trabalho é eminentemente coletivo, entretanto, um dos entrevistados ressaltou que sua própria experiência na função tem sido eminentemente individual. As possibilidades de configuração são várias, mas o que é mais importante é o reconhecimento por todos os entrevistados de que a função é essencial, mesmo não tendo o espaço que deveria. 157 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS No início desta pesquisa trabalhamos com uma definição prévia de concept art que se baseava na observação empírica e em dados coletados nos diversos meios que disponibilizam informação sobre o tema. O objetivo geral desta pesquisa, entretanto, era ampliar o entendimento a respeito do campo e delinear melhor os contornos da atividade. Era fundamental ultrapassar aquela primeira definição, agregando conceitos que pudessem tornar mais nítido o que é concept art. A existência de clareza nas funções que compreendem o concept art foi um dos primeiros questionamentos da pesquisa, sobre o qual se construiu o seu problema. Para verificar esta parte do problema, relacionamos as funções atribuídas ao profissional da área na indústria de animação nos Estados Unidos ─ mercado adotado como modelo –, e verificamos se esta relação se ampliava ou se reduzia no curso da pesquisa, particularmente após as entrevistas. Segundo os sites de produtoras de animação e os perfis profissionais consultados, o concept artist desenvolve personagens, cenários, adereços e esquemas de cor. Tudo o que faz parte da concepção visual do filme é desenvolvido pela direção de arte e o concept artist é parte integrante desta equipe. Em grandes produções, o trabalho pode ser distribuído entre uma equipe composta por diversos profissionais, ficando cada um responsável por um determinado aspecto visual do filme. Esta subdivisão em unidades menores que podem ser trabalhadas isoladamente é um método clássico na solução de problemas de design, abordagem que propicia que o character design – para citar concretamente uma etapa do processo ─, possa ser subdividido entre diversos profissionais, ficando um responsável por personagens humanas enquanto outro desenvolve criaturas, por exemplo. A subdivisão do trabalho também é destacada por Feng Zhu conforme visto no subcapítulo 4.1, mas de uma forma um pouco diversa. Feng Zhu destaca as categorias de hard surfaces – máquinas e objetos técnicos produzidos pelo 158 homem – e de soft surfaces – figurino, figura humana, animais, etc. Segundo os entrevistados do mercado local, estaria no escopo da função criar a forma visual, o estilo ou a estética geral do filme. A forma, segundo os relatos dos entrevistados, seria uma das responsáveis pela construção da emoção e da mensagem do filme através de recursos visuais tais como cor, textura, iluminação. Pela grande quantidade de informação recolhida é possível perceber que existe alguma clareza a respeito das funções objetivamente identificadas com o concept art, tais como design de personagens, cenários, adereços e color scripts. Entretanto, dentre as fontes documentais consultadas – sites de produtoras e sites de perfil profissional – as questões mais subjetivas, como aquelas ligadas à atmosfera do filme que foram bastante citadas pelos entrevistados locais, foram mencionadas apenas no perfil extraído do site da Disney Animation. O relato de Cesar Coelho, em entrevista concedida para esta pesquisa, aponta uma questão bastante interessante para percebermos o quanto o escopo das atividades ligadas à função ainda precisa ser mais bem definido. Cesar Coelho não compartilha da visão de que o design de personagens, adereços e cenários são a parte mais característica do trabalho de concept art. Para ele, concept art não é uma breve visão do que vão ser o personagem, os cenários ou os adereços isoladamente, mas uma breve visão do que vai ser o filme com todos estes elementos inseridos. Igualmente importante era verificar se há a percepção de que o concept art tem na sua base uma relação intrínseca entre design e narrativa. Para investigar esta variável abordamos tanto questões ligadas ao design quanto à narrativa, para depois verificar se a ideia de ambas constituírem a base do concept art seria compartilhada pelos profissionais da área. A narrativa se desenrola no tempo. Para uma imagem ser narrativa ela precisa suscitar um antes e um depois. É necessário que a imagem incorpore a dimensão temporal. No caso do concept art as imagens criadas para estabelecer emoção, a atmosfera e dramaticidade são narrativas desde que as relações espaçotemporais induzam à existência de uma sucessão de acontecimentos. As imagens podem representar apenas um fragmento isolado dentre tantos outros possíveis para cada cena do filme, mas o antes e o depois estão implícitos em cada uma delas. 159 Entretanto nem todas as imagens produzidas pelos concept artists são narrativas. O design de personagens, cenários e adereços, assim como os color scripts, são exemplos de material que pode ser produzido pela equipe de concept art e que não têm os elementos necessários para serem consideradas narrativas. Neste caso é importante a observação de um dos entrevistados ao afirmar que todas as imagens produzidas pelo concept artist devem servir à narrativa. Para estas imagens contribuírem na tarefa de agregar camadas de informação ao filme elas devem estar carregadas de significado. Devem ser dotadas de um discurso material capaz de comunicar ideias por meio de uma simbologia visual inteligível e que prescinde de palavras. Quando estes elementos fortemente simbólicos são reunidos em uma imagem que tem em sua constituição a dimensão temporal, acontece a criação de uma imagem narrativa que tem o caráter que Cesar Coelho chama de inspiracional, fazendo alusão ao termo empregado para designar o departamento de concept art criado na Disney nos anos de 1930. O conceito de design com o qual trabalhamos nesta pesquisa está alinhado com as tendências contemporâneas de definição da área que entendem o design como processo, um método capaz de auxiliar profissionais de diferentes áreas de atuação a criarem produtos e serviços com grande valor agregado, capazes de influenciar positivamente a sociedade. O concept art divide com o design – bem como com a ilustração e as artes plásticas – grande quantidade procedimentos metodológicos. A inserção em um ambiente de produção industrial e a atividade eminentemente coletiva de uma produção de animação de grande orçamento aproximam o concept art ainda mais da metodologia e, consequentemente, de objetivos característicos do design como, por exemplo, a solução de problemas de comunicação. A relação entre concept art e design parece bem clara, tanto nas fontes documentais quanto nas entrevistas realizadas. Feng Zhu – como visto no subcapítulo 4.1 – trabalha com categorias de função muito particulares, potencializando as questões do design em sua análise. Dentre os cinco entrevistados do mercado local, quatro destacaram uma relação estreita entre design e concept art, reconhecendo inclusive o caráter projetual deste. A questão de a narrativa estar na base do concept art parece depender ainda de maior reflexão teórica. Feng Zhu não destaca nenhum ponto referente à narrativa no trabalho do concept artist. Nos sites consultados, a Disney – como foi 160 mencionado anteriormente – faz referência à narrativa como parte do trabalho do concept artist ao referir-se no escopo de funções a questões tais como a manipulação de momentos dramáticos da história e a captação de uma conexão emocional com o tema da história. Entre os entrevistados, a relação do concept art com a narrativa foi praticamente unânime. Apenas um dos entrevistados não considera o concept art ligado a alguma instância da narrativa fílmica. A conclusão, ao que tudo indica, é que existe alguma clareza sobre as funções associadas ao concept art, mas as funções do profissional da área, seu raio de ação e o resultado do seu trabalho necessitam de maior reflexão para que sejam mais bem definidos. No início da pesquisa trabalhamos com a ideia de que a atividade tem prática consolidada, mas pouca reflexão teórica. Esta predição não se concretizou completamente. Quando formulamos esta questão levamos em consideração a realidade da indústria norte-americana, que é diametralmente oposta à realidade no Brasil. Os relatos dos entrevistados deixaram claro que o concept art ainda é uma função subutilizada no mercado nacional de audiovisual, particularmente em animação. Segundo os entrevistados não existe ainda possibilidade de carreira nesta atividade, e o entrevistado Andres Lieban afirmou que a área de games estaria mais preparada para acolher esta função que a de animação. Mesmo o site Creative Skillset, que se dedica a fornecer informações variadas sobre a indústria criativa para o mercado britânico, mais consolidado em muitos aspectos que o mercado brasileiro, informa que o trabalho do concept artist é extremamente especializado e que a demanda para este tipo de mão de obra é limitada. Resta então apurar em quais segmentos da indústria do entretenimento esta função encontra-se consolidada (games, animação, cinema, etc.) e mesmo, talvez, identificar em quais regiões, tanto dentro quanto fora do Brasil, a atividade se encontra desenvolvida em termos de formação e absorção de mão de obra. No que diz respeito à baixa reflexão teórica sobre o campo, a predição se confirmou plenamente. Não foi encontrado nenhum canal de reflexão teórica sobre o assunto. Entre os entrevistados locais foi unânime o apoio à iniciativa da pesquisa exatamente por entenderem que esta área carece de estudos que a tornem mais precisa e reconhecida. Todos os meios pesquisados disponibilizam imagens de trabalhos de artistas da indústria e tutoriais, mas o mais próximo que chegam 161 da teoria é através de entrevistas com profissionais da área. Este padrão se repetiu tanto nos sites quanto nos livros e revistas pesquisados. Conforme foi abordado no subcapítulo 3.1, a natureza do conhecimento disponível sobre concept art gira em torno do desenvolvimento técnico. Este é o quadro geral no que se refere ao sistema de ensino. Mesmo em países cuja função encontra-se em situação mais consolidada, como é o caso dos Estados Unidos, o volume de instituições que oferece formação específica na área ainda é pequeno e poucas têm um perfil acadêmico tradicional. O próprio Feng Zhu afirma que o número de cursos focados em concept art é pequeno. Segundo Feng Zhu, em sua maioria os concept artists são egressos de cursos de ilustração ou de industrial design. Em função desta escassez de instituições oferecendo cursos especializados em concept art, um grande volume de informação é transmitido pela internet em sites especializados, fóruns de discussão online e tutoriais. Muitas instituições oferecem cursos online sempre ministrados por experts do mercado, disponibilizando um conjunto de informações importantes, mas que por sua própria natureza pode ser extremamente instrumental, carecendo em sua maioria de reflexões mais profundas a respeito da área. Neste particular encontramos em Lyotard a base necessária para entender este processo de supervalorização da técnica em detrimento da reflexão na pósmodernidade, conforme exposto no subcapítulo 3.1. O mercado brasileiro é ainda mais carente. Não localizamos um curso especializado em concept art oferecido por uma instituição de ensino superior. Os poucos cursos encontrados são oferecidos na forma de cursos livres, por instituições de ensino não acadêmicas. Segundo os entrevistados do mercado local, os profissionais são egressos de cursos como Design e Artes Plásticas. Os entrevistados afirmaram que em sua maioria os candidatos a atuar como concept artists são ilustradores que têm que ser treinados no ambiente de produção. A razão é que as questões cinematográficas são essenciais para um profissional da área de desenvolvimento visual em animação e dificilmente os ilustradores dominam este tipo de conhecimento. Aliás, mesmo os cursos de ilustração são poucos no Brasil e em sua maioria também são oferecidos como cursos livres. 162 Esta instrumentalização de conhecimentos em concept art, entretanto, não se alinha perfeitamente com o que foi declarado pela maioria dos entrevistados, os quais listaram um rol de competências para o profissional desta área, que ultrapassa o mero domínio das habilidades técnicas de representação figurativa. Andres Lieban explicitamente classificou o trabalho do concept artist como primeiramente um trabalho mental em que a representação figurativa ocorre depois que as questões conceituais estão devidamente resolvidas. Este depoimento nos remete diretamente à questão do conceito. O concept artist desenvolve imagens que expressam conceitos e, para tanto, deve dominar bem mais que apenas a representação figurativa. Questões ligadas à linguagem cinematográfica e questões simbólicas deveriam fazer parte do processo de formação deste profissional. Um dos objetivos específicos deste trabalho – e talvez o mais ambicioso – era revisar o conceito de concept art, tarefa dificultada pela escassez de informações aprofundadas sobre a área. Por outro lado, há algumas definições que podem ser encontradas na internet, sem, entretanto, serem acompanhadas de fontes e bibliografias que forneçam credibilidade. A definição da Wikipédia (http://en.wikipedia.org/wiki/Concept_art), por exemplo, é extensa, porém não oferece nenhuma bibliografia e informa logo de início que aquele artigo carece de ampliação. Em meio à pesquisa percebemos que talvez a definição ainda seja algo prematuro para uma área que está em plena formação e decidimos pela indicação de caminhos para um entendimento mais claro sobre o concept art. A definição que está na introdução deste trabalho é muito técnica, e exatamente por isso tão restritiva e simplista quanto aquelas que encontramos espalhadas pela internet. Temas abordados ao longo desta pesquisa podem ajudar a entender o concept art não apenas como a produção de imagens interessantes para a composição do visual de um filme, mas como uma atividade complexa, refinada e que depende de uma série de competências que excede unicamente o domínio de técnicas de representação figurativa. O estudo de questões como narrativa, design e linguagem material dentre outras que sequer estão aprofundadas nesta pesquisa, tais como semiologia e linguagem cinematográfica, certamente podem contribuir muito para o entendimento da área. Neste trabalho chegamos, talvez, a um esboço tênue dos 163 contornos do concept art, mas muito trabalho ainda tem que ser realizado para que estes contornos se tornem mais nítidos. Outro objetivo da pesquisa era a identificação das funções associadas ao conceito de concept art. Mesmo com todas as dificuldades encontradas durante a pesquisa para coletar informações mais profundas sobre o objeto, é possível identificar, mesmo que em linhas gerais, um conjunto de atividades associadas à função do concept art, mas em primeiro lugar é preciso determinar o raio de ação do concept artist e o tipo de produção em que este profissional está atuando. Cesar Coelho, por exemplo, foi taxativo quanto à questão da autoria do trabalho do concept artist em uma produção comercial de grande porte. Segundo ele não é viável apenas um profissional assumir todo o trabalho de concepção visual de um filme ou uma série. Em um filme autoral no qual o próprio concept artist seja o diretor, sua autonomia no processo seria evidentemente alta. É importante relembrar esta questão para estabelecermos o raio de ação deste profissional. Em uma produção de grande orçamento ele está inserido na equipe de direção de arte, como vimos na análise dos créditos de produções cinematográficas da Disney e da Pixar. Ao longo da pesquisa conseguimos identificar em fontes documentais e em entrevistas algumas atividades ligadas à função do concept artist, conforme citamos anteriormente. Atividades tais como a criação de cenários, personagens e adereços, o desenvolvimento de pranchas inspiracionais para determinar a atmosfera e a emoção das cenas, assim como o estudo de iluminação e da paleta de cores do filme, foram identificadas, apesar das possíveis contradições e discordâncias encontradas durante a pesquisa, mas ainda há certa falta de precisão. Um bom exemplo é a categorização de Feng Zhu. Em razão de sua visão um tanto restritiva quanto à divisão de tarefas em uma equipe de arte, Feng Zhu afirma que estas são atuações típicas dos ilustradores. A função de layout, que ele cita como sendo possivelmente da competência de ilustradores, não faz parte do conjunto de atribuições do concept artist, segundo Cesar Coelho. Nos créditos dos filmes consultados estas duas atividades são listadas em departamentos diferentes e formadas por equipes também diferentes. Como Feng Zhu separa as funções apenas em duas categorias, obviamente ele tem que distribuir todas as funções de acordo com sua categorização, o que pode tornar suas categorias pouco precisas. 164 Entre os profissionais do mercado nacional, também não houve precisão na atribuição das funções do concept artist. Esta falta de exatidão na identificação das funções reflete, talvez, a relativa imaturidade do setor, uma vez que se constituiu como forma de conhecimento autônoma faz pouco tempo, apesar de existir como atividade desde a década de 1930. Isto é particularmente mais grave no Brasil, onde, segundo os entrevistados, a atividade ainda carece de consolidação no mercado. Assim como a definição do concept art como um todo pareceu em determinado momento da pesquisa um objetivo pouco provável de ser alcançado, também seria difícil o estabelecimento de definições específicas para cada uma das funções. Mais importante neste trabalho foi a busca por conceitos que proporcionassem um olhar diferenciado, menos tecnicista sobre a área. Investigar a raiz etimológica do termo conceito – tradução livre do vocábulo em inglês concept – para buscar o sentido em que é empregado na denominação do campo ajudou, por exemplo, a perceber de imediato que o concept artist não é apenas um profissional que cria ilustrações esteticamente agradáveis e tecnicamente bem resolvidas. O trabalho deste profissional está relacionado com a criação de sentido, com o desenvolvimento de imagens capazes de agregar camadas de informação ao produto no qual está trabalhando. A interpretação de conceito como um fenômeno linguístico, constituindo-se em um conjunto de signos que representam um objeto e que, além disso, é formulado em resposta a um problema, nos leva à conclusão de que o concept art auxilia na solução de problemas de comunicação e design presentes no projeto de um filme de animação. Através do ferramental típico das artes plásticas e da ilustração – formas, cores, texturas, iluminação, composição etc. – o concept artist materializa os conceitos abstratos presentes no roteiro através de imagens carregadas com significados. Entender o concept art apenas em suas dimensões técnicas é reduzir seu potencial e sua importância para a indústria do entretenimento. Aliás, esta pesquisa demonstrou que a possibilidade de abordagens sobre o concept art ultrapassam em muito aquilo que foi realizado aqui e que a relevância do estudo desta atividade vai para além da indústria do entretenimento, setor na qual está prioritariamente inserida. Concept art envolve questões abordadas nesta pesquisa tais como projeto, autoria, conceitos, produção estética, etc., mas os 165 possíveis desdobramentos de análise sobre esta atividade podem incluir pesquisas nas áreas da cultura e da ética – dentre outras possibilidades que podem surgir a partir de olhares diversos sobre o tema -, uma vez que o concept art se encontra na base da produção de conteúdo audiovisual. A questão ética talvez seja uma das mais importantes uma vez que o concept art é utilizado como ferramenta para o desenvolvimento de produtos de massa com grande influência sobre crianças e jovens. O concept artist é coautor da obra, uma vez que está inserido nesta estrutura coletiva que é a equipe de produção de um filme de animação e, mais ainda, é um profissional que tem influência não apenas sobre a forma do filme, mas também sobre a narrativa, uma vez que em muitos casos suas imagens serão os primeiros vislumbres do que será o filme. O concept artist concebe formas dotadas de significado e ao mesmo tempo contribui para o desenvolvimento da narrativa. Atividade criativa por excelência, fundamental para setores influentes da economia e da cultura, o concept art merece ser observado com mais cuidado, para que possamos entender não apenas os seus métodos de produção, mas o impacto que pode exercer sobre a sociedade. 166 6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ABAGNANO, Nicolla. Dicionário de Filosofia. São Paulo: Editora 34, 2002. AMBROSE, Gavin & HARRIS, Paul. Design Thinking. Porto Alegre: Bookman, 2011. AMIDI, Amid. The Art of Pixar Shorts. San Francisco, CA: Chronicle Books, 2009. ANDREW, J. Dudley. As Principais Teorias do Cinema. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002. BARTHES, Roland et al. Análise Estrutural da Narrativa. Petrópolis, RJ: Vozes, 1972. BAZIN, André. O Cinema:Ensaios. São Paulo: Editora Brasiliense, 1991. BENDAZZI, Giannalberto. Cartoons: one hundred years of cinema animation. 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