Os Acordos Regionais Celebrados entre a Organização das Nações
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Os Acordos Regionais Celebrados entre a Organização das Nações
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO SÓCIO ECONÔMICO DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS GRADUAÇÃO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS FELIPE KLOPPEL SILVA Os Acordos Regionais Celebrados entre a Organização das Nações Unidas e a União Europeia: Um Estudo sobre as Missões de Paz na República Democrática do Congo Florianópolis, 2013 FELIPE KLOPPEL SILVA Os Acordos Regionais Celebrados entre a Organização das Nações Unidas e a União Europeia: Um Estudo sobre as Missões de Paz na República Democrática do Congo Monografia submetida ao Curso de Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Catarina, como requisito obrigatório para obtenção do grau de Bacharelado. Orientadora: Profa. Dra. Karine de Souza Silva Florianópolis, 2013 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO SÓCIO ECONÔMICO DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS E RELAÇÕES INTERNACIONAIS GRADUAÇÃO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS A Banca Examinadora resolveu atribuir a nota DEZ ao acadêmico Felipe Kloppel Silva na disciplina CNM 7280 – Monografia, pela apresentação do trabalho intitulado: Os Acordos Regionais Celebrados entre a Organização das Nações Unidas e a União Europeia: Um Estudo sobre as Missões de Paz na República Democrática do Congo. Banca Examinadora: -----------------------------------------------------------Profa. Dra. Karine de Souza Silva -----------------------------------------------------------Prof. Dr. Rogério Santos da Costa -----------------------------------------------------------Prof. Msc. Rafael de Miranda Santos Florianópolis, 2013 Dedicado aos brasileiros que morreram enquanto participavam dos esforços da comunidade internacional pela paz entre os povos. AGRADECIMENTOS Aos meus pais, Amilton e Maristela, pelo apoio incondicional e pela vida que me foi dada, o meu amor e agradecimento eternos. As minhas irmãs, Mikaéle e Mariane, pela torcida e pelo carinho. A minha orientadora, Profa. Dra. Karine de Souza Silva, pela imprescindível contribuição acadêmica, pela paciência e estímulo e pelos anos de tão agradável e especial convivência, o meu profundo agradecimento e a minha mais sincera amizade. Aos membros da banca avaliadora, professores Rogério Costa (UNISUL) e Rafael Miranda (UFSC) pela atenção dispensada, meus sinceros agradecimentos. Aos meus fiéis amigos, em especial, Edivaldo Dondossola, Felipe Oliveira e Rory Ribeiro, pelo apoio, amizade, carinho e companheirismo. A Universidade Federal de Santa Catarina, em especial, ao curso de graduação em Relações Internacionais, seus professores e técnicos administrativos. Agradeço por todas as oportunidades de conhecimento e aprendizagem dentro e fora das salas de aula. Aos meus colegas e amigos do curso de graduação, dos Centros Acadêmicos, da Federação Nacional de Estudantes de Relações Internacionais, da Empresa Júnior e da AIESEC pelo companheirismo, por todos os momentos tristes e felizes. Nada na minha vida teria sentido se não fosse pela presença e participação de todos vocês. A todos que contribuíram direta ou indiretamente para a realização deste trabalho, o meu sincero agradecimento. A paz mundial não poderá ser salvaguardada sem esforços criativos que estejam à altura dos perigos que a ameaçam. Robert Schuman RESUMO SILVA, F. K. Os Acordos Regionais Celebrados entre a Organização das Nações Unidas e a União Europeia: Um Estudo sobre as Missões de Paz na República Democrática do Congo. 2013. 111f. Monografia – Departamento de Ciências Econômicas e Relações Internacionais – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2013. As operações de paz da Organização das Nações Unidas (ONU) são a principal atividade da organização no âmbito da segurança e da paz mundial. A ideia evoluiu desde a sua primeira missão em 1948, adquirindo novos objetivo e complexidade, abrangendo atualmente não apenas ações militares e policiais, mas também, ações multidimensionais. Dentre os mecanismos institucionais presentes na Declaração de São Francisco que legitimam a execução das operações de paz, encontram-se o que permite a Organização celebrar acordos regionais com organizações internacionais em matéria de paz e segurança internacionais. Por meio deste aparato, a ONU tem buscado agir de forma conjunta com organizações internacionais, como a União Europeia (UE), em diversos campos de ação ao redor do globo, fortalecendo seu papel de promotora da paz. A União Europeia também evoluiu ao longo dos anos, desde sua formação em 1951, com a CECA, e desenvolveu seus próprios meios de propagar a ordem e a paz no mundo, através das Missões de Petersberg. Desta forma, a UE tem se consolidado como uma potência e como uma organização interessada em colaborar com a ONU, no cumprimento de seus objetivos. Tal afirmação se consolidará com a presença das duas instituições na República Democrática do Congo e com a assinatura da Declaração Conjunta sobre Gestão de Crises, em 2003. O objetivo deste trabalho é analisar as motivações, possibilidades e desafios dos arranjos regionais estabelecidas entre as Nações Unidas e a União Europeia, com base no capítulo VIII da Carta de São Francisco, a partir do estudo das missões de paz encetadas na República Democrática do Congo. PALAVRAS-CHAVE: Nações Unidas, Arranjos Regionais, União Europeia, Operações de Paz, República Democrática do Congo. ABSTRACT SILVA, F. K. The Regional Agreements Concluded between the United Nations and the European Union: A Study of Peace Missions in the Democratic Republic of Congo. 2013. 111f. Monografia – Departamento de Ciências Econômicas e Relações Internacionais – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2013. Peacekeeping operations of the United Nations (UN) is the main activity of the organization in the context of security and world peace. The idea has evolved since its first mission in 1948, acquiring new order and complexity, currently covering not only military and police actions, but also multidimensional activities. Among the institutional mechanisms in the Declaration of San Francisco that legitimize the execution of peace operations, are allowing Organization regional agreements with international organizations in the field of international peace and security. By means of this apparatus, the UN has sought to act jointly with international organizations such as the European Union (EU), in various fields of action around the globe, strengthening its role as promoter of peace. The European Union has also evolved over the years since its formation in 1951, the ECSC, and developed their own means of spreading order and peace in the world through the Petersberg Missions. Thus, the EU has been established as a power and as an organization keen to work with the UN in fulfilling its objectives. Such a statement will be consolidated with the presence of the two institutions in the Democratic Republic of Congo and the signing of the Joint Declaration on Crisis Management in 2003. The objective of this work is to analyze the motivations, opportunities and challenges of regional arrangements established between the United Nations and the European Union, under Chapter VIII of the Charter of San Francisco, from the study of peacekeeping missions undertaken in the Democratic Republic of Congo. KEY-WORDS: United Nations, Regional Arrangements, European Union, Peace Operations, the Democratic Republic of Congo. LISTA DE FIGURAS E TABELAS TABELA 1 - Operações de Manutenção da Paz – 1948/1988 27 TABELA 2 - Operações de Manutenção da Paz – 1989/1999 32 TABELA 3 - Operações de Manutenção da Paz – 2000/2013 35 TABELA 4 - Operações de Manutenção da Paz – Arranjos Regionais 1992/2013 41 TABELA 5 - As Missões Operacionais da União Europeia 65 GRÁFICO 1 – Principais Contribuintes para o Orçamento da ONU nas OMP 81 GRÁFICO 2 – Participação da União Europeia em Operações de Paz – 2012 82 LISTA DE ABREVIATURAS A/RES Indicativo de Resoluções da Assembleia-Geral AGNU Assembleia Geral das Nações Unidas QUE Ato Único Europeu CECA Comunidade Europeia do Carvão e do Aço CED Comunidade Europeia de Defesa CEE Comunidade Econômica Europeia CEMA Chefes de Estado Maior da Armada CMUE Comitê Militar da União Europeia CSNU Conselho de Segurança das Nações Unidas COPS Comitê Político e de Segurança CPE Comunidade Política Europeia DPKO Departamento de Operações de Manutenção da Paz DOMREP Missão do Representante do Secretário-Geral na República Dominicana EMUE Estado-Maior da União Europeia ESS Estratégia de Segurança Europeia EUA Estados Unidos da América EUFOR Força da União Europeia EUPM Missão Policial da União Europeia para a Bósnia-Herzegovina EUPOL Missão Policial da União Europeia no Afeganistão EUPOL COPPS Missão Policial da União Europeia na Palestina EUSEC Missão da União Europeia de Aconselhamento e Assistência em Matéria de Reforma do Setor de Segurança na República Democrática do Congo EU SSR Missão da União Europeia de Aconselhamento e Assistência em Matéria de Reforma do Setor de Segurança em Guiné-Bissau FMEI Força Multinacional de Emergência Interina na República Democrática do Congo IESD Identidade Europeia de Defesa LDN Liga das Nações MINURSO Missão das Nações Unidas para o Referendo do Saara Ocidental MONUC Missão das Nações Unidas na República Democrática do Congo MONUSCO Missão das Nações Unidas para a Estabilização na República Democrática do Congo OMP Operações de Manutenção da Paz ONU Organização das Nações Unidas ONUC Missão das Nações Unidas na República do Congo OUA Organização da Unidade Africana OTAN Organização do Tratado do Atlântico Norte PESC Política Externa e de Segurança Comum PESD Política Externa de Segurança e Defesa QPM Quadro de Pessoal Militar RDC República Democrática do Congo SGNU Secretário-Geral das Nações Unidas TUE Tratado Único Europeu UA União Africana U.E União Europeia UEO União Europeia Ocidental UNAMID Missão Híbrida das Nações Unidas e da União Africana em Darfur UNEF I Primeira Força de Emergência das Nações Unidas UNIPOM Missão de Observação das Nações Unidas Índia Paquistão UNIMOG Missão de Observação Militar das Nações Unidas no Irã e Iraque UNIKOM Missão de Observação Militar das Nações Unidas no Kuwait e Iraque UNMEE Missão das Nações Unidas na Etiópia e Eritréia UNMIBH Missão das Nações Unidas na Bósnia-Herzegovina UNPREDEP Força de Desdobramento Preventivo das Nações Unidas UNPROFOR Força de Proteção das Nações Unidas UNTSO Organização das Nações Unidas para Supervisão da Trégua URSS União das Repúblicas Socialistas Soviéticas SUMÁRIO INTRODUÇÃO .................................................................................................................................... 13 1. A ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS E OS ACORDOS REGIONAIS ........................ 17 1.1. Considerações Preliminares .................................................................................................. 17 1.2. A Declaração de São Francisco e os Aparatos Institucionais para as Operações de Manutenção da Paz ........................................................................................................................... 17 1.3. 2. As Operações de Manutenção da Paz.................................................................................... 25 1.3.1. A Inoperância durante a Guerra Fria ............................................................................. 25 1.3.2. O Cenário Pós Guerra Fria ............................................................................................ 28 1.3.3. O Capítulo VIII: Os Arranjos Internacionais ................................................................ 37 A UE E OS ACORDOS REGIONAIS COM A ONU EM MATÉRIA DE MISSÕES DE PAZ . 47 2.1. Considerações Preliminares .................................................................................................. 47 2.2. Os 40 anos iniciais: Um projeto chamado União Europeia ................................................... 48 2.3. De 1990 a 2000: a União Europeia como Potência em Segurança e Defesa......................... 51 2.4. Dos Anos 2000: Uma Década de Expansão .......................................................................... 61 3. A CONTRIBUIÇÃO EUROPEIA À ONU NAS OPERAÇÕES DE PAZ: A PARTICIPAÇÃO NAS MISSÕES NO CONGO ............................................................................................................... 74 3.1. Considerações Preliminares .................................................................................................. 74 3.2. A Regionalização das Operações de Paz: As ações da UE e da ONU .................................. 74 3.2.1. A Ambiguidade da Participação da UE nas operações de paz da ONU ........................ 80 3.3. Intervenção Europeia na República Democrática do Congo ................................................. 84 3.4. Desafios e Dilemas na cooperação UE-ONU para a promoção da paz ................................. 96 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................................ 98 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................................ 101 13 INTRODUÇÃO O embrião das operações de paz da ONU se encontra na Liga das Nações (LDN). Esta organização, nas décadas de 1920 e 1930, já empreendia ações, ainda que sem denominação específica, direcionadas à manutenção da paz e à prevenção de conflitos. Nessas missões eram enviados observadores ou forças militares para zelar pela ordem, administrar territórios em conflito e monitorar cessar-fogos. Contudo, muito antes da criação de organizações multilaterais que visavam garantir a paz, existia a ideia de que as grandes potências eram responsáveis por manter a paz e a segurança internacionais. No âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU), pode-se considerar que as operações de paz surgiram como uma medida contingencial, para contornar as dificuldades de se colocar em prática o sistema de segurança coletiva previsto nos artigos da Carta de São Francisco, principalmente devido à falta de consenso entre os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança (CSNU), durante a Guerra Fria. Frente aos conflitos localizados que emergiam no cenário internacional pós-Segunda Guerra Mundial, a ONU passou a autorizar uma série de missões que objetivavam prevenir controvérsias entre Estados ou estabilizar aqueles já em andamento, através do emprego de operações multinacionais compostas por civis e/ou militares. Desta forma, as primeiras operações de manutenção da paz da ONU surgiram concebidas, basicamente, como forças militares de interposição, como ocorreram na Missão das Nações Unidas para Supervisão da Trégua (UNTSO), em 1948. As mudanças arquitetadas no contexto normativo internacional pós-Guerra Fria forneceram as bases para o surgimento das missões de paz multidimensionais, voltadas para à resolução de conflitos, através da implementação de acordos de paz entre as partes, com uma multiplicidade de funções e componentes. A atuação dessas missões passou a englobar, paulatinamente, a reconstrução institucional de Estados pós-conflitos. Apesar de a Carta da ONU não fazer referência explícita a estas operações, o que as tornam mecanismos ad hoc, o aparato que fundamenta juridicamente as missões de paz está previsto em seus Capítulos VI e VII. O primeiro prescreve os meios pacíficos para a solução de controvérsias, através da negociação, mediação, conciliação e/ou arbitragem. O segundo abre a possibilidade do uso da força na aplicação de medidas para a resolução de conflitos que se tornaram de fato uma ameaça à paz e segurança internacional. Além disso, para atender as novas demandas em matéria de paz com as missões 14 multidimensionais, a ONU passou a recorrer também aos mecanismos institucionais presentes no capítulo VIII, que versa sobre as possibilidades de arranjos regionais para a execução das ações no campo da paz e segurança internacionais. Nestes acordos, são estabelecidas as formas de cooperação, em matéria de paz, entre as Nações Unidas e outras organizações internacionais, como a União Europeia (UE) e a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Neste trabalho, centram-se as atenções na UE, que tem desenvolvido uma importante parceria no que tange às atividades conjuntas e coordenadas com as Nações Unidas, nas operações de paz, estando presente nos principais cenários de conflitos da atualidade. Ao longo dos anos, a União Europeia se desenvolveu como ator relevante no cenário internacional, principalmente, após a institucionalização de sua Política de Segurança e Defesa (PESD), presente no marco institucional do Tratado da União Europeia, assinado em 1992. A partir deste momento, assistiu-se à consolidação de uma organização internacional preocupada em propagar a paz para além de seus limites fronteiriços, através de missões de gestão de crises denominadas “Missões Petersberg”, que neste trabalho serão definidas como: unidades militares e civis agindo sob o comando de uma autoridade, a UE, em ações multidimensionais. Desta forma, a União Europeia pode atribuir a si os desígnios de ser uma “potência” global, afirmando estar em condições de conduzir operações de gestão de crises de forma cada vez mais autônoma e complexa, o que logo veio a se concretizar com substituição das forças da ONU na Bósnia-Herzegovina e da OTAN na República da Macedônia, em 2003. No que tange as Nações Unidas, as missões levadas a cabo pela UE complementariam os esforços da ONU no campo da paz, pois, projetavam-se como missões de cunho multidimensional, abrangendo as seguintes ações: missões humanitárias ou de evacuação dos cidadãos nacionais; prevenção de conflitos, missões de manutenção da paz; forças de combate para a gestão das crises, incluindo operações de restabelecimento da paz; ações conjuntas em matéria de desarmamento; de aconselhamento e assistência em matéria militar. Desta forma, não tardou para que as possibilidades de cooperação, entre estas duas organizações, se transformassem em prática. Ainda no ano de 2003, a União Europeia passa a integrar, pela primeira vez, uma operação da ONU, a Missão das Nações Unidas na República Democrática do Congo (MONUC), através da Resolução 1484, aprovada pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas. A missão denominada EUFOR Artemis, foi uma das cinco missões desenvolvidas pela 15 UE no país, objetivando contribuir, com as Nações Unidas, para a estabilização das condições de segurança na região, com um efetivo de aproximadamente 1.800 colaboradores e contribuições financeiras de cerca 7 milhões de euros. O êxito desta primeira operação abriu espaço para que a UE, subsequentemente, pudesse levar a cabo outras operações na mesma região, e a assinatura da Declaração Conjunta entre UE e ONU para Gestão de Crises, como se observará adiante. Tendo como base essa contextualização, o presente trabalho situa-se no campo temático dos acordos regionais celebrados entre a ONU e a União Europeia, vislumbrada sob a ótica das operações de manutenção da paz com ênfase na atuação empreendida na República Democrática do Congo (RDC). A pergunta de pesquisa que motiva esta investigação é: “Quais as motivações, possibilidades e desafios dos arranjos regionais estabelecidas entre as Nações Unidas e a União Europeia, com base no capítulo VIII da Carta de São Francisco?”. A investigação foi orientada sobre duas hipóteses de fatores relevantes que afetam a celebração de acordos regionais: as motivações e interesses distintos, porém não excludentes; e os desafios e aspectos positivos da cooperação na celebração dos acordos em âmbito interno e externo. O objetivo geral desta monografia é analisar as motivações, possibilidades e desafios dos arranjos regionais estabelecidas entre as Nações Unidas e a União Europeia, com base no capítulo VIII da Carta de São Francisco, a partir do estudo das missões de paz encetadas na República Democrática do Congo. Para alcançar os objetivos propostos, o trabalho está dimensionado em três capítulos. O primeiro deles aborda, brevemente, a evolução histórica das operações de manutenção da paz e os mecanismos institucionais da ONU para executá-las. Faz-se uma análise dos capítulos VI, VII e VIII da supracitada declaração, destacando-se os aparatos jurídicos e operacionais dos arranjos regionais, tema desta análise. No segundo capítulo, analisa-se a evolução histórica do processo de integração europeia, centrando-se nas evoluções institucionais em matéria de segurança e defesa, trazidas à luz no Tratado da União Europeia de 1992 e suas imediatas revisões. Neste capítulo objetiva-se, prioritariamente, entender as ações europeias no campo da paz, levadas a cabo através das Missões Petersberg e o início do processo de cooperação com as Nações Unidas, ancorado na intervenção o Congo e na assinatura da Declaração Conjunta em Matéria de Gestão de Crises, ambas em 2003. Por fim, em seu terceiro capítulo, este trabalho apresenta a colaboração efetiva entre a 16 ONU e a UE nas operações de paz, tendo-se como fundo as missões na República Democrática do Congo. Ao evidenciar todos os aspectos institucionais e operacionais das missões, busca-se entender os desafios e as oportunidades que as ações entre estas duas organizações ensejam. O método de pesquisa é o indutivo e a técnica de pesquisa é bibliográfica e documental. Para a realização deste trabalho foram utilizadas obras de origem estrangeira cuja tradução, em caráter não oficial, é de responsabilidade do autor. Inserido-se no contexto das pesquisas da Graduação e da Pós-Graduação em Relações Internacionais da UFSC, o trabalho - que foi desenvolvido no Grupo de Pesquisa “EIRENÈ: Núcleo de Pesquisas sobre Integração Regional, Paz e Segurança Internacional -, procura contribuir teoricamente sobre uma temática que desperta a atenção da academia há décadas e que foi a principal motivadora para o surgimento da Disciplina das Relações Internacionais e da Organização das Nações Unidas que é a busca do caminho que conduza a humanidade para a convivência harmoniosa e pacífica. O tema merece atenção privilegiada devido à sua atualidade e ineditismo. Com efeito, em âmbito internacional, aprofunda-se o debate acerca do papel crucial das Organizações Internacionais na manutenção da paz, das estratégias de colaboração entre a ONU e os atores regionais em matéria de operações de manutenção da paz e das alternativas viáveis – sustentadas pelas normativas de Direito Internacional Humanitário - para implementação e manutenção da paz em situações de pós-conflito. A relevância desta pesquisa baseia-se, principalmente, nas peculiaridades que rondam a temática. O assunto deste trabalho é pouco explorado na academia brasileira, carente de estudos sobre os acordos regionais entre ONU e UE e, tampouco há um despertar para as missões realizadas na África e especialmente no Congo. 17 1. A ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS E OS ACORDOS REGIONAIS 1.1. Considerações Preliminares Com as primeiras missões de observação desarmadas das Nações Unidas, surgiram operações mais complexas e com diferentes objetivos, e hoje são um dos principais instrumentos na promoção da paz, da segurança e do suporte necessários aos países fragilizados por um conflito. 1 Desde a primeira missão em 1948, a ONU realizou 68 operações no campo da paz, contando, atualmente, com 18 em curso. 2 A Carta das Nações Unidas, contudo, não prevê o estabelecimento das operações de manutenção da paz, mas estas são justificadas pelo artigo 40 da Carta, e ficam então caracterizadas como “medidas provisórias” ao alcance do Conselho de Segurança para cumprir o objetivo primordial da ONU, que é manter a paz e a segurança. 3 Frente às constantes alterações no cenário internacional, a Organização, para atender as crescentes demandas, precisa recorrer à colaboração de Estados e organizações regionais, e o faz através do capítulo VIII da Declaração de São Francisco. 4 Diante disso, esse primeiro capítulo busca abordar, brevemente, a evolução histórica das operações de manutenção da paz e seus aparatos institucionais utilizados no cumprimento de seu objetivo. No entanto, apesar da abordagem cronológica das operações de paz, busca-se entender, prioritariamente, as possibilidades de arranjos regionais para tal fim, dedicando-se ao entendimento de sua conceituação e operacionalização, bem como das motivações e interesses de tais acordos. Esta análise, ao final deste trabalho, servirá como base para o entendimento do relacionamento da ONU e da União Europeia nos quadros de cooperação no campo da paz, sobretudo, no caso das intervenções na República Democrática do Congo. 1.2. A Declaração de São Francisco e os Aparatos Institucionais para as Operações de Manutenção da Paz 1 BETTATI, Mario. Le droit d’ingérence. Paris: Odile Jacob, 1996. 324p. NATIONS, Dpko - United. Past Peacekeeping Operations. Disponível em: <http://www.un.org/en/peacekee ping/operat ions/past.shtml>. Acesso em: 03 jun. 2013. 3 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (org). Carta das Nações Unidas. 1945. Disponível em: http://unicrio.org.br/img/CartadaONU_VersoInternet.pdf. Acesso em: 05 jun.2013 4 EVANS, Gareth. Cooperating for peace. St. Leonards: Allen & Unwin, 2003. 2 18 A decisão tomada pelas grandes potências, ao final da Segunda Guerra Mundial, de dotar o sistema internacional de um mecanismo de segurança coletiva5 que prevenisse novas ameaças da mesma magnitude destruidora, teve papel estruturante no cenário mundial. A criação das Nações Unidas objetivou dar concretude a essa decisão. Pelas razões que serão discutidas adiante, porém, o mecanismo de segurança coletiva não se mostrou inteiramente funcional, mas essa aparente falha explicitou uma importante qualidade da nova Organização – a de adaptar-se aos novos desafios impostos pelas constantes mudanças no cenário internacional. 6 A Carta de São Francisco, Tratado fundador da ONU, em seus 19 capítulos e 111 artigos descreve a estruturação da Organização das Nações Unidas. Ela é composta por seis órgãos, dos quais, em matéria de paz e segurança internacionais, destacam-se dois de caráter deliberativos e legislativos, e um de funções fiscalizadoras. 7 Inicialmente, com o dever de legislar nos temas de paz, apresentam-se a Assembleia Geral (AGNU), um fórum multilateral de discussões do qual participam todos os signatários da Carta; e o Conselho de Segurança das Nações Unidas, órgão no qual as potências vencedoras da Segunda Guerra (Reino Unido, Estados Unidos e Rússia) e suas convidadas, (França e China), reservaram para si as decisões sobre a paz e a segurança internacionais. 8 Já como órgão com atribuições fiscalizadoras, o Secretariado Geral, composto de um Secretário-Geral e seus funcionários, possui a prerrogativa de monitorar criteriosamente as missões de paz e de segurança internacionais. O Tratado fundado da ONU expressa já em seu artigo primeiro, que o principal propósito da Organização é o de: Manter a paz e a segurança internacionais e, para esse fim: tomar, coletivamente, medidas efetivas para evitar ameaças à paz e reprimir os atos de agressão ou outra qualquer ruptura da paz e chegar, por meios pacíficos e de conformidade com os princípios de justiça e do direito internacional, a um ajuste ou solução das controvérsias ou 5 “O sistema de segurança coletiva modifica as normas de intervenção, subordinando a decisão do Estado de usar a força à autorização internacional, que um tratado multilateral delineará e uma organização internacional interpretará. O direito de autodefesa é permitido, mas as demais decisões sobre o uso da força passam a ser subordinadas ao compromisso internacional” HERZ, Monica e HOFFMANN, Andrea (2004). Organizações Internacionais: história e prática. São Paulo: Elsevier editora. 6 Uziel, Eduardo.Conselho de segurança, as operações e manutenção da paz e a inserção do Brasil no mecanismo de segurança coletiva das Nações Unidas / Eduardo Uziel.—Brasília : FUNAG, 2010. 244 p. : il.; color. 7 United Nations Structure and Organization. Disponível em: http://www.un.org/e n/members/ind ex.shtml. Acessado em 02 de junho de 2013. 8 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (org). Carta das Nações Unidas. 1945. Disponível em: http://unicrio.org.br/img/CartadaONU_VersoInternet.pdf. Acesso em: 05 jun.2013 19 situações que possam levar a uma perturbação da paz. 9 Para a realização de tal propósito, a Carta da ONU define uma série de artigos, em diferentes capítulos que, em conjunto com outros propósitos presentes neste mesmo Tratado, estabelecem um sistema de segurança coletiva. Dentre os principais mecanismos utilizados pela ONU, com vistas à sustentação da ordem e do progresso, encontram-se as “operações de paz”,10 que neste trabalho será definido com base no autor Eduardo Uziel, como: Operações estabelecidas pelo CSNU ou pela Assembleia Geral das Nações Unidas, de quem recebem mandatos e a quem se reportam periodicamente, que são financiadas por contribuições de todos os Estados-Membros das Nações Unidas e estão sob comando e controle do Secretário-Geral e do Departamento de Operações de Manutenção da Paz; englobam militares, policiais e civis e, no terreno visam a controlar ou resolver conflitos, respeitando os princípios da imparcialidade, consentimento das partes e uso da força somente em legítima defesa. 11 Apesar de não previstas, expressamente, na Carta da Organização, as operações de paz passaram a ser encaradas como instrumento capaz de contribuir efetivamente para a pacificação dos conflitos, pois, embora a Declaração de São Francisco não mencione o termo “operações de paz”, ela abriga em seus capítulos a necessidade de atuação da ONU na resolução de controvérsias, deixando a cargo de o CSNU decidir quais serão os meios efetivos de alcançar tais resultados. 9 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (org). Carta das Nações Unidas. 1945. Disponível em: http://unicrio.org.br/img/CartadaONU_VersoInternet.pdf. Acesso em: 05 jun.2013 10 “A mais recente das controvérsias sobre a terminologia opõe o termo peaceoperations a peacekeeping operations. Os defensores da primeira expressão argumentam que existe uma ampla gama de “operações de paz”, empreendidas por muitos países e organismos internacionais, entre as quais estão as missões das Nações Unidas. Nesse sentido, peace operations seria um termo mais amplo que englobaria peacekeeping operations e deveria ser preferido nos documentos da Organização. Essa posição abriga várias posturas políticas. Para o Canadá e a União Europeia, por exemplo, trata-se de legitimar as missões que levam a cabo por meio de seus arranjos regionais e de defesa ou individualmente, que não contam com o reconhecimento de que desfrutam as Nações Unidas. Para os EUA, por sua vez, peace operations contemplaria qualquer operação militar diferente de guerra declarada, prescindiria do consentimento das partes e incluiria, por exemplo, a invasão e ocupação do Iraque em 2003. Essa posição conta com respaldo acadêmico. Alguns, como Kimberley Marten, defendem que as antigas potências coloniais estão mais bem qualificadas para atuar em missões de paz por entenderem a dinâmica das intervenções estrangeiras; outros, como Roland Paris, argumentam que a soberania e o consentimento das partes não são realmente relevantes, podendo ser descartadas; Daniel e Caraher, ainda, consideram que não há diferença real entre as operações das Nações Unidas e a presença dos EUA no Iraque.”. Uziel, Eduardo.Conselho de segurança, as operações e manutenção da paz e a inserção do Brasil no mecanismo de segurança coletiva das Nações Unidas / Eduardo Uziel.—Brasília : FUNAG, 2010. 244 p. : il.; color. 11 Idem. 20 Como bem ressalta Paulo Roberto da Fontoura, [...] na prática das Nações Unidas, o estabelecimento de missões de observação e forças de paz não se fundamentou explicitamente em dispositivos da sua carta constitutiva. Tem-se partido do entendimento de que não é absolutamente imprescindível buscar um dispositivo específico na Carta das Nações Unidas para o emprego de determinados meios que se destinam a realizar os propósitos da Organização, desde que não haja qualquer dispositivo na Carta, ou regra internacional geral, que impeça ou proíba a utilização dos meios pretendidos. Trata-se da doutrina dos ‘poderes implícitos’, que deu reconhecimento judicial na decisão da Corte Internacional de Justiça de 1949 no caso das Reparações de Danos. 12 Ao encontro do que afirma Fontoura, percebe-se, na própria Declaração de São Francisco, a existência de normas que possibilitam a efetivação das operações de paz, apesar de não estarem mencionadas claramente em nenhum dos dispositivos dos capítulos VI, VII e VIII. Entretanto, estas poucas e amplas normas formam todo o arcabouço jurídico da ONU, nas questões relativas à paz e a segurança internacional, e sua falta de precisão potencializa o papel do CSNU. 13 Inicialmente, o capítulo VI da Carta da ONU se refere à “Solução Pacífica de Controvérsias”. Em seu artigo primeiro apresenta: As partes em uma controvérsia, que possa vir a constituir uma ameaça à paz e à segurança internacionais, procurarão, antes de tudo, chegar a uma solução por negociação, inquérito, mediação, conciliação, arbitragem, solução judicial, recurso a entidades ou acordos regionais, ou a qualquer outro meio pacífico à sua escolha. O Conselho de Segurança convidará, quando julgar necessário, as referidas partes a resolver, por tais meios, suas controvérsias. 14 Denota-se que este capítulo prevê que disputas entre partes que possam constituir em ameaças à paz e à segurança internacionais podem ser trazidas à consideração do CSNU que possui mandato expresso para: 1) determinar aos litigantes que cessem as divergências por 12 FONTOURA, Paulo Roberto Campos Tarrisse da. O Brasil e as Operações de Manutenção da Paz das Nações Unidas – Brasília, Fundação Alexandre Gusmão - FUNAG, 1999, p.70. 13 FONSECA JUNIOR, Gelson. A legitimidade e outras questões internacionais: poder e ética entre as nações. São Paulo: Paz e Terra,1998. 374p. 14 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (org). Carta das Nações Unidas. 1945. Disponível em: http://unicrio.org.br/img/CartadaONU_VersoInternet.pdf. Acesso em: 05 jun.2013 21 meios pacíficos: 2) recomendar métodos adequados de procedimentos ou de ajustamentos e, além disso, 3) recomendar as condições para a cessação da disputa. 15 No contexto deste capítulo, a ação do Conselho de Segurança é limitada a recomendações às partes envolvidas, devendo estas conseguir o estabelecimento de um entendimento por elas mesmas, agindo de forma voluntária no atendimento ao CSNU. 16 Entretanto, caso os meios de solução pacífica de controvérsias, como estabelecidos acima, forem ineficazes, a ONU aplicará os princípios estabelecidos em seu capítulo posterior. Assim, no capítulo VII são estabelecidas as condições de atuação da Organização no caso de “Ação Relativa às Ameaças à Paz, Ruptura da Paz e Atos de Agressão”. De acordo com o artigo 39, a Declaração de São Francisco motiva que: O Conselho de Segurança determinará a existência de qualquer ameaça à paz, ruptura da paz ou ato de agressão, e fará recomendações ou decidirá que medidas deverão ser tomadas de acordo com os Artigos 41 e 42, a fim de manter ou restabelecer a paz e a segurança internacionais. 17 Neste sentido, diz o Artigo 41: O Conselho de Segurança decidirá sobre as medidas que, sem envolver o emprego de forças armadas, deverão ser tomadas para tornar efetivas suas decisões e poderá convidar os Membros das Nações Unidas a aplicarem tais medidas. Estas poderão incluir a interrupção completa ou parcial das relações econômicas, dos meios de comunicação ferroviários, marítimos, aéreos, postais, telegráficos, radiofônicos, ou de outra qualquer espécie e o rompimento das 18 relações diplomáticas. O Artigo 42 estabelece que: No caso de o Conselho de Segurança considerar que as medidas 15 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (org). Carta das Nações Unidas. 1945. Disponível em: http://unicrio.org.br/img/CartadaONU_VersoInternet.pdf. Acesso em: 12 jun.2013 16 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (org). Carta das Nações Unidas. 1945. Disponível em: http://unicrio.org.br/img/CartadaONU_VersoInternet.pdf. Acesso em: 12 jun.2013 17 Idem. 18 Idem. 22 previstas no Artigo 41 seriam ou demonstraram que são inadequadas, poderá levar e efeito, por meio de forças aéreas, navais ou terrestres, a ação que julgar necessária para manter ou restabelecer a paz e a segurança internacionais. Tal ação poderá compreender demonstrações, bloqueios e outras operações, por parte das forças aéreas, navais ou terrestres dos Membros das Nações Unidas. 19 Assim, se comparados os capítulos VI e VII, percebe-se, claramente, que o segundo é essencialmente coercitivo, porque prevê que quando os Estados-Membros do CSNU considerarem a existência de qualquer ameaça à paz, ruptura de paz ou ato de agressão, farão recomendações ou decidirão por medidas repressivas, incluindo o emprego de força armada, com vistas à manutenção ou restabelecimento da paz e da segurança internacionais. Esse caráter coercitivo do CSNU é corroborado com o que normatiza o artigo 24, capítulo V, da Declaração, sobre as funções e atribuições do Conselho de Segurança. 20 A fim de assegurar pronta e eficaz ação por parte das Nações Unidas, seus Membros conferem ao Conselho de Segurança a principal responsabilidade na manutenção da paz e da segurança internacionais e concordam em que no cumprimento dos deveres impostos por essa responsabilidade o Conselho de Segurança aja em nome deles. 21 Ou seja, no cumprimento de seus deveres, o Conselho de Segurança agirá de acordo com os propósitos e princípios da Declaração das Nações Unidas, sendo que todos os Estados-Membros desta Organização deverão acatar as decisões e posições tomadas, sob pena de serem excluídos da ONU, como menciona o parágrafo sexto, do artigo segundo. 22 É pertinente salientar, ainda, que o surgimento das operações de paz, que projetam a ideia da ONU de desempenhar o papel de pacificador de conflitos, foi idealizado pelo ExSecretário Geral Dag Hammarskjold23 e por Lester Pearson, no Relatório Anual da ONU de 19 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (org). Carta das Nações Unidas. 1945. Disponível em: http://unicrio.org.br/img/CartadaONU_VersoInternet.pdf. Acesso em: 12 jun.2013 20 Idem. 21 ARTIGO 5 - O Membro das Nações Unidas, contra o qual for levada a efeito ação preventiva ou coercitiva por parte do Conselho de Segurança, poderá ser suspenso do exercício dos direitos e privilégios de Membro pela Assembleia Geral, mediante recomendação do Conselho de Segurança. O exercício desses direitos e privilégios poderá ser restabelecido pelo conselho de Segurança. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (org). Carta das Nações Unidas. 1945. Disponível em: http://unicrio.org.br/img/CartadaONU_VersoInternet.pdf. Acesso em: 18 jun.2013 22 O Membro das Nações Unidas que houver violado persistentemente os Princípios contidos na presente Carta, poderá ser expulso da Organização pela Assembleia Geral mediante recomendação do Conselho de Segurança. 23 Foi Secretário- Geral das Nações Unidas (ONU) de Abril de 1953 até sua morte. Faleceu perto de Ndola, 23 1960.24 Segundo Jussi Hanhimaki, 25 ambos acreditaram que a ONU poderia desempenhar uma função relevante na manutenção da paz e segurança internacionais, mesmo em um cenário marcado pela rivalidade entre as superpotências, através de ações concretas de estabelecimento da paz e de segurança, em territórios que se julgassem necessárias tais intervenções. 26 Neste sentido, Pearson e Hammarskjold sugeriam a criação de uma força da ONU para manter estabilidade e a paz nas regiões de fronteira, principais regiões de conflito, o que, inicialmente, deu origem à Força de Emergência das Nações Unidas (UNEF I). 27 Esta primeira força emergencial da ONU teve como objetivo o de “assegurar e supervisionar o cessar de hostilidades, incluindo a retirada das tropas armadas da França, Israel e Reino Unido e, mais além, servir como uma barreira entre as forças egípcias e israelenses fornecendo uma supervisão imparcial do cessar-fogo”. 28 A importância desta atividade deve-se ao estabelecimento dos princípios fundamentais que caracterizaram as operações de manutenção da paz tradicionais: imparcialidade, consentimento das partes em conflito e uso da força somente em legítima defesa. No contexto da crise de Suez, 1956, 29 o pragmatismo de Hammarskjold superou o idealismo da segurança coletiva a partir da proposta de que as operações de paz corresponderiam a respostas ad hoc para problemas particulares e que, portanto, não seriam guiadas por um projeto preconcebido de intervenção internacional. O Ex-Secretário Geral situou as operações de paz em um imaginário “capítulo VI e meio” 30 da Carta da ONU, que significa a conjugação do Capítulo VI (que prescreve os meios pacíficos para a solução de Rodésia do Norte (hoje Zâmbia), numa controversa queda de avião, no desempenho do seu trabalho a serviço da ONU. NATIONS, United. General Secretaries. Disponível em: <http://www.un.org/sg/>. Acesso em: 20 abr. 2013. 24 Bellamy, Alex e Williams, Paul. “Introduction: Thinking Anew about Peace Operations”. In. International Peacekeeping, vol. 11, no. 1, 2004, pp. 1-15. 25 HANHIMÄKI, Jussi M.The United Nations: a very short introduction. New York: Oxford, 2008. 26 Idem. 27 UN, United Nations (org). First United Nations emergency force. Disponível em:http://www.un.org/en/peace keep ing/missions/past/unef1mandate.html. Acesso em: 21 jun. 2013. 28 Força de Emergência das Nações Unidas. Disponível em:http://www.un.org/en/peacekeeping/missions/past/ unef1mandate.html>. Acesso em: 23 junho de 2013. 29 A Guerra do Suez, também conhecida como Segunda Guerra Israelo-Árabe ou Crise de Suez, teve início em 29 de outubro de 1956, quando Israel, com o apoio da França e Reino Unido, que utilizavam o canal para ter acesso ao comércio oriental, declarou guerra ao Egito. O presidente do Egito, Gamal Abdel Nasser havia nacionalizado o canal de Suez, cujo controle ainda pertencia à Inglaterra. Em consequência, o porto israelense de Eilat ficaria bloqueado, assim como o acesso de Israel ao mar Vermelho, através do estreito de Tiran, no golfo de Aqaba. LOPES, Dirceu. A Guerra de Suez. Disponível em: <http://cafehistoria.ning.com/photo/albums/a-guerra-desuez>. Acesso em: 05 jun. 2013. 30 SEITENFUS, Ricardo. Manual das Organizações Internacionais. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2000. 24 controvérsias, através da negociação, mediação, conciliação e/ou arbitragem) com o Capítulo VII (que delimita o uso da força para resolução de litígios). Ou seja, esse “capítulo VI e meio” seria uma ponte entre a adoção de medidas voltadas para a solução pacífica de controvérsias e a aplicação de medidas coercitivas. 31 Ainda dentro do marco institucional das operações de paz, no capítulo VIII, o artigo 52 permite a ONU estabelecer alianças com outras organizações regionais para a execução das operações de paz e, por consequência, os objetivos propostos pela ONU. O capítulo traz em seu texto: Nada na presente Carta impede a existência de acordos ou de entidades regionais, destinadas a tratar dos assuntos relativos à manutenção da paz e da segurança internacionais que forem suscetíveis de uma ação regional, desde que tais acordos ou entidades regionais e suas atividades sejam compatíveis com os Propósitos e Princípios das Nações Unidas. 32 Essas possíveis alianças, atualmente, caracterizam um importante papel, uma vez que contribuem civil, militar e financeiramente para as operações de manutenção de paz da ONU. Para tanto, as Nações Unidas possuem em sua estrutura o Departamento de Operações de Manutenção da Paz (DPKO da sigla, em inglês), que é responsável por manter um estreito contato com organizações governamentais e não governamentais (ONGs) no contexto das operações de paz. O DPKO atua, ainda, mantendo ligação direta com o Conselho de Segurança e com os países que contribuem com recursos humanos, materiais e financeiros em prol da paz, trabalhando como organismo integrador dos esforços entre as agências da ONU e entidades, governamentais ou não, no contexto dessas operações. 33 Nas próximas seções, busca-se entender as evoluções históricas das operações de paz e analisar mais detalhadamente os acordos regionais. 31 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (org). Carta das Nações Unidas. 1945. Disponível em: http://unicrio.org.br/img/CartadaONU_VersoInternet.pdf. Acesso em: 12 jun.2013 32 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (org). Carta das Nações Unidas. 1945. Disponível em: http://unicrio.org.br/img/CartadaONU_VersoInternet.pdf. Acesso em: 12 jun.2013 33 Andersson, Andreas. “Democracies and UN Peacekeeping Operations, 1990-1996. In. International peacekeeping, vol. 7, no. 2, 2000, pp. 1-22. 25 1.3. As Operações de Manutenção da Paz 1.3.1. A Inoperância durante a Guerra Fria Com a criação das Nações Unidas, a comunidade internacional procurou não repetir os erros que levaram ao fracasso da Liga das Nações. 34 Ao buscar, assim como a LDN, uma ordem internacional mais estável e pacífica, a ONU criou as operações de manutenção da paz, como visto na seção anterior. Contudo, com o fim da Segunda Guerra Mundial e o início da Guerra Fria, as decisões sobre a paz e segurança internacionais acabaram restringindo a atuação das Nações Unidas durante este período, principalmente nos quadros de arranjos regionais. O antagonismo entre os Estados Unidos (EUA) e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), que caracterizou as relações internacionais do período, foi também transferido ao Conselho de Segurança e, consequentemente, impediu que tal órgão cumprisse plenamente seus propósitos no âmbito das operações de paz e segurança. 35 O congelamento do CSNU durante a Guerra Fria torna-se ainda mais evidente se considerado os diversos conflitos ocorridos no sistema internacional entre 1945 e o final da década de 1980, 36 como as guerras anticoloniais, de libertação nacional, e revolucionárias que, de certa forma, transferiram a rivalidade entre as superpotências. 37 Denota-se, também, que a maioria dos conflitos envolvia essencialmente unidades soberanas, opondo dois ou mais Estados dispostos a garantirem em seus objetivos nacionais e preservarem seu território contra a agressão externa. Os aparatos militares eram bem definidos e a guerra poderia ser entendida como um conflito entre forças armadas de dois ou mais Estados. O sistema internacional do período em questão representava um momento de incertezas e de completa instabilidade, principalmente no campo político e diplomático. O mundo estava separado em Leste-Oeste e 34 ALMEIDA, Renato. A Liga das Nações: constituição, estrutura e funcionamento. Rio de Janeiro: A. Noite, 1938. 342p. 35 BUZAN, Barry and WAEVER, Ole: Regions and Powers. The Structure of International Security, Cambridge 2003. 36 FERRO, Marc. História das colonizações: das conquistas às independências. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. 37 “(...) muitos poucos Estados do Terceiro Mundo, de qualquer tamanho, atravessaram o período a partir de 1950 (ou da data de sua fundação) sem revolução; golpes militares para suprimir, impedir ou promover revoluções; ou alguma outra forma de conflito armado interno. (...) Essa persistente instabilidade social e política do Terceiro Mundo dava-lhe seu denominador comum”. HOBSBAWN, Eric. Era dos Extremos: O breve século xx, 19141991. In: HOBSBAWN, Eric. A era dos Extremos: O breve século xx, 1914-1991. São Paulo: Companhia Das Letras., 1949. p. 89 - 120. 26 até tentativas de movimentos de não alinhamento eram vistos de forma negativa entre as partes beligerantes – EUA e URSS. 38 Foi nesse contexto marcado pelo fim dos impérios coloniais e pela eclosão de diversos conflitos que o CSNU muitas vezes se absteve de exercer suas funções nas operações de paz e segurança, essencialmente porque seus dois principais membros estavam direta ou indiretamente envolvidos em tais disputas. Mesmo quando o CSNU decidia se posicionar a respeito de certas questões, geralmente o fazia pelo interesse de uma das superpotências em legitimar suas ações. Na prática, tanto os Estados Unidos quanto a União Soviética exerciam influência nos órgãos multilaterais de discussões dentro do Sistema das Nações Unidas. 39 Diante desta relação de causa e efeito, o CSNU só autorizou a primeira operação de paz em 1948, denominada “Organização das Nações Unidas para a Supervisão da Trégua” (UNTSO), com o objetivo de monitorar o cessar-fogo entre árabes e israelenses. A partir desta, foram inauguradas o que se convencionou chamar de operações tradicionais, classificação que abrange missões compostas por pessoal desarmado ou fracamente armado, que visavam o monitoramento de cessar-fogo, tréguas, o patrulhamento de fronteiras e zonas de exclusão militar, o apoio à retirada de tropas e o acompanhamento de negociações para a assinatura de tratados de paz. 40 As operações mencionadas acima, denominadas tradicionais, vigoraram até o final da década de 1990. Durante este período, foram colocadas em execução 15 missões, compostas tanto por pessoal desarmado (forças de observação, por exemplo, a Missão do Representante do Secretário-Geral na República Dominicana (DOMREP), 41 a Missão de Observação das Nações Unidas Índia Paquistão (UNIPOM) e a Missão de Observação Militar das Nações Unidas no Irã e Iraque (UNIMOG) como por tropas armadas (forças de paz, entre as quais, a Missão de Observação Militar das Nações Unidas no Kuwait e Iraque (UNIKOM), a Operação das Nações Unidas na Somália I e II (UNOSOM I e II), a Missão das Nações Unidas para o Referendo do Saara Ocidental (MINURSO) e a Missão de Verificação das 38 FONTOURA, P. R. C. T. O Brasil e as Operações de Manutenção da Paz das Nações Unidas. Brasília: Instituto Rio Branco. 39 FRANCO, A. Armed Nonstate Actors. MALONE, D. Decision-making in the UN Security Council:19451989. Nova Iorque: Oxford. P. 32 - 35 40 Idem. 41 O Secretário-Geral, na introdução de seu relatório anual sobre o trabalho da organização, abrangendo o período a partir de 16 junho de 1964 a 15 de Junho 1965, a discussão dos problemas e do caráter do papel das Nações Unidas na situação da República Dominicana. Ele descreveu a tarefa de seu representante lá como uma nova missão das Nações Unidas na categoria de manutenção da paz. Organização das Nações Unidas – Relatório Anual de 1965. Disponível em: http://www.un.org/en/peacekeeping/missions/past/domrepbackgr.html. Acessado em 04 de julho de 2013. 27 Nações Unidas na Angola (UNAVEM II).42 O baixo número de missões operacionalizadas neste período, longe de significar uma diminuição dos conflitos internacionais, reforça a supracitada paralisia do Conselho de Segurança durante a Guerra Fria. 43 O quadro abaixo44 apresenta as missões de paz levadas a cabo pela ONU de 1948 até 1988, período de ocorrência da Guerra Fria. Operações de Manutenção da Paz – 1948/1988 Local UNTSO – Fronteira Árabe-israelense UNMOGIP – Índia e Paquistão UNEF I – Egito UNOGIL – Líbano ONUC – Congo UNSF – Indonésia UNYOM – Iêmen UNFICYP – Chipre DOMREP – República Dominicana UNIPOM – Índia e Paquistão UNEF II – Egito UNDOF – Síria UNIFIL – Líbano UNGOMAP – Afeganistão e Paquistão UNIMOG – Irã e Iraque Duração 1948 – Atual 1949 – Atual 1956 – 1967 1958 – 1958 1960 – 1964 1962 – 1963 1963 – 1964 1964 – Atual 1965 – 1966 1965 – 1966 1973 – 1979 1974 – Atual 1978 – Atual 1988 – 1990 1988 – 1991 Objetivos Monitorar cessar-fogo Monitorar cessar-fogo Supervisionar retirada de tropas Prevenir a entrada de tropas e armamentos Prevenir intervenção estrangeira Monitorar cessar-fogo Supervisionar o conflito Prevenir o conflito Monitorar o conflito Monitorar cessar-fogo Supervisionar a retirada de tropas Monitorar cessar-fogo Supervisionar retirada de tropas Estabelecer a não interferência mútua Monitorar cessar-fogo Fonte: DKPO/ONU Elaboração Própria Conforme o quadro acima, no período da Guerra Fria, percebe-se a tímida atuação das Nações Unidas em relação ao número de conflitos que suscitaram na época: foram apenas 15 operações em, aproximadamente, 40 anos. 45 O baixo desempenho também é perceptível no que tange os arranjos regionais, que devem ser entendidos como tratados multilaterais nos quais os Estados-Membros e Organizações concordam em canalizar suas diferenças por meio dos mecanismos previstos, como se verá melhor adiante. As possibilidades de ações multilaterais militares coercitivas autorizadas pela ONU no marco do seu sistema de segurança coletiva, através do Capítulo 42 CARDOSO, Afonso J. S. Reunião de Estudos: Operações de Paz. IV Reunião de Estudos: Operações de Paz. Brasília: Gabinete de Segurança Institucional; Secretaria de Acompanhamento e Estudos Institucionais, 2005. pp. 9-16. 43 FRANCO, A. Armed Nonstate Actors. MALONE, D. Decision-making in the UN Security Council:19451989. Nova Iorque: Oxford. P. 48 - 80 44 Bobrow, D. e Boyer, M. “Maintaining System Stability: Contributions to Peacekeeping Operations”. In. The Journal of Conflict Resolution, vol. 41, no. 6, 1997, pp. 723-748. 45 Bobrow, D. e Boyer, M. “Maintaining System Stability: Contributions to Peacekeeping Operations”. In. The Journal of Conflict Resolution, vol. 41, no. 6, 1997, pp. 723-748. 28 VIII, eram extremamente raras, podendo-se considerar três casos em que estes acordos aconteceram. 46 Com efeito, durante esses cerca de 40 anos, os acordos militares de segurança internacional emergiam mais no âmbito de alianças bilaterais ou regionais e menos centrados na ONU.47 Destacadamente a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e o Pacto de Varsóvia acabaram por trabalhar contrariamente aos princípios preconizados pela ONU, uma vez que cada uma delas preocupava-se com a segurança de sua própria região e a elas faltavam o “espírito de solidariedade necessário para a efetividade do trabalho das Nações Unidas”. 48 Com o final do conflito bipolar, inaugurou-se o período de maior atuação da ONU no campo da manutenção da paz e segurança internacionais, foram instituídas 38, verificando-se inclusive, avanços em ações nos quadros dos arranjos regionais em matéria de paz, a luz do Capítulo VIII. 49 1.3.2. O Cenário Pós Guerra Fria O fim da URSS e a reestruturação da ordem internacional proporcionaram uma nova oportunidade para as Nações Unidas cumprirem seus propósitos como instituição promotora da paz e segurança internacionais; uma oportunidade para fortalecer o sistema multilateral e buscar uma ordem mundial mais estável, livre do antagonismo Leste-Oeste que dominou a maioria de suas deliberações por mais de quarenta anos. Um dos principais debates sobre a ideia de fortalecimento da ONU no pós-Guerra Fria dizia respeito à necessidade de revisão dos instrumentos de defesa, de paz e de segurança, ou ao menos, uma atitude mais proativa das nações para que os mecanismos já existentes fossem colocados em prática. 50 46 CARDONA LLORENS, J., “El mantenimiento de la paz y la seguridad internacionales”, en DÍEZ DE VELASCO, M., Las organizaciones internacionales, Tecnos: Madrid, 11ª edición, 1999, pp.230- 273. 47 O Cap. VIII da Carta da ONU permite a existência de acordos ou de entidades regionais de segurança, mas prevê um papel de supervisão geral pelo Conselho de Segurança em relação às ações coercitivas destes corpos. Este último aspecto, entretanto, teve pouca repercussão, em termos concretos, durante a Guerra Fria (ROBERTS e KINGSBURY, 1993, p. 31). 48 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. An Agenda for Peace.1992 Disponível em:http://www.un.org/D ocs/SG/agpeace.html. Acessado em 01 de julho de 2013. 49 NATIONS, Dpko - United. Past Peacekeeping Operations. Disponível em: <http://www.un.org/en/peacekee ping/operat ions/past.shtml>. Acesso em: 03 jun. 2013. 50 LOPEZ, Ernesto. “Nova problemática de segurança e “novas ameaças”. pp. 70-71. IN: MATHIAS, S. K.; 29 Não tardou para que a organização, na figura de seus principais dirigentes,51 percebesse que o cenário pós-1989 apresentava um panorama muito diferente daquele no qual a ONU foi fundada. 52 Na ocasião da Conferência de São Francisco, em 1945, o conceito de “segurança internacional”, baseado na proteção do Estado, era predominante e, por consequência, refletiu-se na estrutura e nos propósitos do que viriam a ser as Nações Unidas, uma instituição intergovernamental que busca, entre outras, zelar pela inviolabilidade das fronteiras territoriais e, portanto, proíbe a ingerência externa nos assuntos internos dos Estados soberanos. 53 Esse conceito foi instrumentalizado a partir do mecanismo de “segurança coletiva”, que possui um enfoque basicamente militar por meio do qual os Estados-Membros da Organização renunciam ao uso da força e se comprometem a defender qualquer membro do grupo que sofra uma agressão. 54 Ainda no que tange os questionamentos em relação às Nações Unidas e as operações de paz, em junho de 1992, o Secretário-Geral da ONU, Boutros Boutros-Ghali55 apresentou o relatório intitulado “An Agenda for Peace: Preventive diplomacy, peacemaking and peacekeeping”. 56 Com este documento, Ghali buscava definir conceitualmente as diferentes formas de ação nos campos da paz, através das operações de “peacekeeping, peacemaking e peacebuilding”. Contudo, seu relatório ia além de simplesmente definir os estágios de um conflito e as técnicas de monitoramento, prevenção e resolução de controvérsias que eram empregadas pela organização. O secretário-geral buscava envolver a ONU, plenamente, com as operações de seu início ao fim, desde as etapas mais recentes do conflito ao estágio de SOARES, S. A. (orgs). Novas Ameaças: Dimensões e Perspectivas: desafios para a cooperação em defesa entre Brasil e Argentina. São Paulo: Sicurezza, 2003. pp. 59-90. 51 Aqui se faz referência principalmente aos ex-Secretários-Geral Javier Perez de Cuellar (mandato entre 19821991) e Boutros Boutros-Ghali (mandato entre 1992-1996), que foram importantes nas discussões sobre o papel da ONU no Pós-Guerra Fria. NATIONS, United. General Secretaries. Disponível em: <http://www.un.org/sg/>. Acesso em: 20 abr. 2013. 52 HOLSTI, Kalevi J. The state, war, and the state of war. Cambridge: Cambridge University Press, 1996. 53 O Relatório da Comissão sobre Governança Global também discute o conceito de “segurança comum”. (Comissão sobre Governança Global. Nossa comunidade global. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1996. p.59). 54 A/ 40/ 553, Estudios sobre los conceptos de seguridad, 1985. Apud LOPEZ, (2003), op. cit., p. 71. 55 Boutros-Ghali, Boutros (1992), An Agenda for Peace: Preventive Diplomacy, Peacemaking and Peacekeeping. Report of the Secretary-General pursuant to the statement adopted by the Summit Meeting of the Security Council on 31 January 1992 (A/47/277 - S/24111, 17 de Junho de 1992). Acessado em 18 junho de 2013. http://www.un.org/docs/SG/agpeace.html. 56 A Agenda para a Paz de 1992 apresentava um esboço ousado para missões de manutenção e de imposição da paz das Nações Unidas, e ajudou a orientar a racionalização do Departamento das Nações Unidas para Operações de Manutenção da Paz. Além do mais, nos anos que se seguiram, o secretariado sofreu reformas para se tornar mais eficiente e eficaz. Contudo, qualquer alteração que requeira consenso e compromisso por parte dos Estados membros tem sido mais difícil de alcançar. Neves, Gilda Motta Santos. Comissão das Nações Unidas para Consolidação da Paz: perspectiva brasileira / Gilda Motta Santos Neves. – Brasília : FUNAG, 2009. 236 p. il.; mapa 30 reconstrução do país e a instituição do novo Governo. 57 Boutros-Ghali também discutiu, em seu relatório, os acordos regionais, previstos no capítulo VIII, para a execução das operações de paz de forma conjunta e coordenada de acordo com os princípios e propósitos das Nações Unidas. O relatório se referia, por exemplo, a indefinição do conceito de arranjos regionais e organizações internacionais, como se analisará melhor adiante. 58 Devido ao seu pioneirismo, An Agenda for Peace tornou-se um dos principais relatórios na área de paz e segurança, pois, preencheu um vazio conceitual que caracterizou as atividades de manutenção de paz da ONU por mais de quarenta anos, uma vez que a Carta de São Francisco não previa a utilização de mecanismos de solução de controvérsias baseados no envio de tropas multinacionais que atuariam no terreno, por exemplo, pautando-se nos princípios da imparcialidade, do consentimento das partes em conflito e do uso da força somente em legítima defesa.59 Assim, o relatório apresentado por Ghali60 representou um desenvolvimento importante no quadro nas operações da ONU em todos os seus sentidos. Obviamente, o relatório não respondeu todas as perguntas. Porém, sem dúvida, apontou direcionamentos, antes ausentes na Carta de São Francisco, às questões já levantadas durante as missões humanitárias realizadas. A mudança da natureza dos conflitos internacionais e os desafios que estes representaram à prática das operações da paz até então adotada pela ONU, certamente impulsionaram a necessidade de se definir os parâmetros e os limites dessa atuação. 61 O período pós-Guerra Fria permitiu, então, que a ONU revisasse o conceito de 57 Boutros-Ghali, Boutros (1992), An Agenda for Peace: Preventive Diplomacy, Peacemaking and Peacekeeping. Report of the Secretary-General pursuant to the statement adopted by the Summit Meeting of the Security Council on 31 January 1992 (A/47/277 - S/24111, 17 de Junho de 1992). Acessado em 18 junho de 2013. http://www.un.org/docs/SG/agpeace.html. 58 Boutros-Ghali, Boutros (1992), An Agenda for Peace: Preventive Diplomacy, Peacemaking and Peacekeeping. Report of the Secretary-General pursuant to the statement adopted by the Summit Meeting of the Security Council on 31 January 1992 (A/47/277 - S/24111, 17 de Junho de 1992). Acessado em 18 junho de 2013. http://www.un.org/docs/SG/agpeace.html. 59 Idem. 60 “O episódio da não reeleição de Boutros-Ghali foi emblemático. O ex-vice-premier egípcio não tinha uma agenda muito diversa daquela pregada pelos Estados Unidos. Suas iniciativas, no plano estratégico, eram perfeitamente compatíveis com a visão do governo Clinton sobre o que se chamava, então, de multilateralismo afirmativo (assertive multilateralism). Prezava, porém, a autonomia de ação e não estava disposto a abdicar do seu julgamento no plano tático. Algumas de suas atitudes desagradaram à única superpotência que restara. Sua insistência na cautela e no papel da ONU na autorização do emprego da força em relação à antiga Iugoslávia e, sobretudo, sua sinceridade ao responsabilizar as Forças de Segurança de Israel pelo bombardeio que atingiu o escritório da ONU em Qana, no Líbano, levaram o governo norte-americano a retirar-lhe o apoio, sem o qual não conseguiu ser reconduzido”. CELSO AMORIM: O SIGNIFICADO DAS NOVAS LIDERANÇAS MUNDIAIS. Brasília: Carta Capital, 03 jul. 2011. Disponível em: <http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/celso-amorimo-significado-das-novas-liderancas-mundiais.html>. Acesso em: 08 jul. 2013. 61 DURCH, William J. (Org.). The evolution of UN peacekeeping: case studies and comparative analysis. New York: Henry L. Stimson Center/ St Martin’s Press, 1993. 477p. 31 segurança até então adotado, que predominou em seus debates e ações durante quase meio século. A noção de segurança internacional estratégico-militar, que se preocupava quase que exclusivamente com os interesses dos Estados, foi ampliada para uma concepção que abrangesse também as dimensões humana e social, 62 que passaram a representar a maior parte dos problemas com os quais as Nações Unidas tiveram que lidar durante a década de 1990. 63 Simultaneamente às discussões sobre a multidimensionalidade64 da segurança, e diretamente ligado a elas, o CSNU começou a superar a inoperância que o caracterizou durante o período de divergências entre os Estados Unidos e a União Soviética. O imobilismo do Conselho de Segurança devido ao uso do veto65 acabou por reduzir as operações de paz às ações que desencorajassem o envolvimento das grandes potências em guerras civis e que monitorassem as guerras de independência nos antigos impérios coloniais. 66 Desta forma, após o período da Guerra Fria, o sistema internacional assiste ao “renascimento” das Nações Unidas. O cenário bélico que se impôs de forma contundente neste contexto desafiou cada vez mais as práticas de manutenção da paz e resolução de conflitos até então adotadas por esta organização. Deste cenário surgiram incertezas políticas, 62 United Nations Development Programme (UNDP). Human Development Report 1994. New York: Oxford University Press, 1994. Disponível e <http://hdr.undp.org/en/reports/global/hdr1994/ chapters/> Acessado em 19 de maio de 2013. 63 CARDONA LLORENS, J., “El mantenimiento de la paz y la seguridad internacionales”, en DÍEZ DE VELASCO, M., Las organizaciones internacionales, Tecnos: Madrid, 11ª edición, 1999, pp.230- 273. 64 De acordo com VILLA, a segurança global multidimensional “não se constitui só de conteúdo estratégicomilitar, mas também de outros conteúdos transnacionais como explosão demográfica, desequilíbrios ecológicos e migrações internacionais, que fazem com que a segurança internacional seja encarada sob diferentes ângulos” (VILLA, R. A. D. Da crise do realismo à segurança global multidimensional. São Paulo: Annablume, 1999. p. 170). 65 O Artigo 27 das Nações Unidas afirma: 1) Cada membro do Conselho de Segurança terá um voto. 2) Decisões do Conselho de Segurança sobre questões processuais, serão tomadas pelo voto afirmativo de nove membros. 3) Decisões do Conselho de Segurança em todos os outros assuntos serão tomadas pelo voto afirmativo de nove membros, incluindo os votos afirmativos dos membros permanentes, desde que, nas decisões previstas no Capítulo VI, parágrafo 3 do Artigo 52, uma reunião deverá ser realizada pela abstenção do voto. Embora o "poder de veto" não seja mencionado explicitamente na Carta da ONU, as decisões do Conselho de Segurança exige "os votos dos membros permanentes", significa que qualquer um desses membros permanentes podem impedir a adoção de qualquer assunto adicional sobre alguma resolução. Por essa razão, o "poder de veto" também é um princípio unânime das grandes potências. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (org). Carta das Nações Unidas. 1945. Disponível em: http://unicrio.org.br/img/CartadaONU_VersoInternet.pdf. Acesso em: 05 jun.2013 66 Do total de quinze operações de manutenção da paz conduzidas entre 1948 e 1988, apenas uma não se destinou a atuar em conflitos surgidos da descolonização europeia. Todas essas operações foram conduzidas em países em desenvolvimento, a maioria em países do Oriente Médio. Vale ressaltar que essas operações de manutenção da paz tiveram sua atuação limitada tanto pelo caráter predominantemente militar do corpo de funcionários engajado - poucos civis participaram dessas operações - quanto pelo número limitado de países que contribuíram com o envio de tropas para a execução dos mandados. HAAS, Ernest B. The United Nations and collective management of international conflict. New York: United Nations Institute for Training and Research (UNITAR), 1999. 32 jurídicas e morais que marcaram a atuação da ONU durante a década de 1990, confrontando os princípios basilares sob os quais a instituição foi fundada: respeito à soberania, à integridade territorial e à independência política dos Estados. 67 Durante esta mesma década, o CSNU autorizou 39 novas operações de paz, seguindo a tendência de aumento da aprovação de novas missões, como apresenta a tabela abaixo. 68 Operações de Manutenção da Paz – 1989/1999 Local UNAVEM I – Angola UNTAG – Namíbia ONUCA – Nicarágua UNIKOM – Iraque e Kuwait UNAVEM II – Angola ONUSAL – El Salvador MINURSO – Saara Ocidental UNAMIC – Camboja UNPROFOR e UNPREDEP – Croácia – Bósnia e Macedônia UNTAC – Camboja UNOSOM I – Somália ONUMOZ – Moçambique UNOSOM II – Somália UNOMUR – Uganda e Ruanda UNOMIG – Geórgia UNOMIL – Libéria UNMIH – Haiti UNAMIR – Ruanda UNASOG – Chade UNMOT – Tadjiquistão UNAVEM III – Angola UNCRO – Croácia UNPREDEP – Albânia UNMIBH – Bósnia-Herzegovina UNTAES – Croácia UNMOP – Croácia UNSMIH – Haiti MINUGUA – Guatemala MONUA – Angola UNTMIH – Haiti MIPONUH – Haiti UNPSG – Croácia 67 Duração 1989 – 1991 1989 – 1991 1989 – 1992 1991 – 2003 1991 – 1995 1991 – 1995 1991 – Atual 1991 – 1992 1992 – 1995 1992 – 1993 1992 – 1993 1992 – 1994 1993 – 1995 1993 – 1994 1993 – 1997 1993 – 1996 1993 – 1996 1993 – 1996 1994 – 1994 1994 – 2000 1995 – 1997 1995 – 1997 1995 – 1996 1995 – 2002 1996 – 1998 1996 – 2002 1996 – 1997 1997 – 1997 1997 – 1999 1997 – 2000 1997 – 2000 1998 – 1998 Objetivos Supervisionar a retirada de tropas Supervisionar as eleições Monitorar o cessar-fogo Impor segurança na fronteira Impor cessar-fogo Impor cessar-fogo Impor cessar foro Preparar o terreno para atuação Proteger a região Assistência à reorganização Assegurar o cessar-fogo Monitorar o cessar-fogo Estabilização Assegurar o cessar-fogo Impor o cessar-fogo Monitorar o cessar-fogo Estabilização Monitorar o cessar-fogo Monitorar a retirada de tropas Monitorar o cessar-fogo Monitorar o cessar-fogo Implementar o cessar-fogo Substituir a UNPROFOR Monitorar os Direitos Humanos Supervisionar a integração Monitorar a desmilitarização Modernização a polícia e o exército Monitorar o cessar-fogo Monitorar o cessar-fogo Estabilização Modernizar as forças policiais Monitorar a polícia ADEBAJO, A.; KEEN, D. Sierra Leone. p. 261. In: BERDAL, M.; ECONOMIDES, S. (eds.). United Nations Interventionism 1991-2004. 2ª ed. Cambridge: Cambridge University Press, 2007. pp.246-273. 68 Bobrow, D. e Boyer, M. “Maintaining System Stability: Contributions to Peacekeeping Operations”. In. The Journal of Conflict Resolution, vol. 41, no. 6, 1997, pp. 723-748. 33 MINURCA – República Centro Africana UNOMSIL – Serra Leoa UNMIK – Kosovo UNAMSIL – Serra Leoa UNTAET – Timor Leste MONUC – República Democrática do Congo 1998 – 2000 1998 – 1999 1999 – Atual 1999 – Atual 1999 – 2002 1999 – Atual Estabilização Monitorar o desarmamento Exercer autoridade administração Estabilização Transição para a independência Monitorar o cessar-fogo Fonte: DKPO/ONU Elaboração Própria As operações listadas acima representam os grandes esforços feitos pela ONU, nos últimos anos, no campo da paz e da segurança internacionais. Ao comparar essas 39 intervenções realizadas nos últimos 10 anos, com o período da Guerra Fria, quando apenas 15 operações foram estabelecidas, denota-se o quanto a ONU tem atuado no fortalecimento da paz. 69 Essa situação apenas reforça que a ONU consolidou-se como um espaço privilegiado de diálogo entre os Estados-Membros e possibilitou a atuação dos mesmos para a estabilização e a manutenção da paz nas zonas de conflito em todo o mundo. Destaca-se também uma alteração da situação do CSNU, do sistema internacional e dos mecanismos da ONU. 70 Após o conflito bipolar, uma mudança no quadro dos arranjos internacionais também deve ser observada. Praticamente inexistentes, como visto, no período de Guerra Fria e da consequente inoperância do CSNU, os acordos regionais, objeto desse estudo, a partir da década de 1990, começam a se efetivar. O já mencionado relatório do secretário-geral, An Agenda for Peace, classificou este período, pós-guerra fria, como uma nova era de oportunidades para as ações conjuntas em matéria de paz, como se destaca abaixo. Neste sentido, (...) nessa nova era de oportunidades, arranjos ou agências regionais podem render grandes serviços se suas atividades são realizadas em maneira consistente com os propósitos e princípios da Carta, e se seu relacionamento com as Nações Unidas, e particularmente com o Conselho de Segurança, é governado pelo capítulo VI. 71 69 Bobrow, D. e Boyer, M. “Maintaining System Stability: Contributions to Peacekeeping Operations”. In. The Journal of Conflict Resolution, vol. 41, no. 6, 1997, pp. 723-748. 70 JAMES, Alan. Peacekeeping in international politics. London: MacMillan/International Institute for Stategic Studies, 2005. 378p. 71 Do original: (...) in this new era of opportunity, regional arrangements or agencies can render great service if their activities are undertaken in a manner consistent with the Purposes and Principles of the Charter, and if their relationship with the United Nations, and particularly the Security Council, is governed by Chapter VIII.” Boutros-Ghali, Boutros (1992), An Agenda for Peace: Preventive Diplomacy, Peacemaking and Peace-keeping. Report of the Secretary-General pursuant to the statement adopted by the Summit Meeting of the Security 34 Tal constatação se confirma quando analisados alguns acordos realizados logo no começo da década de 1990. No continente africano, por exemplo, três diferentes grupos regionais, a Organização da Unidade Africana (OUA), a Liga dos Estados Árabes e a Organização da Conferência Islâmica, uniram esforços com as Nações Unidas nas missões de paz na Somália, em 1992. No contexto asiático, a Associação das Nações do Sudeste Asiático e Estados individuais de várias regiões foram levados juntamente com as partes envolvidas no conflito do Camboja, em uma conferência internacional em Paris, para trabalhar com a ONU, também em 1992. 72 Esta mesma situação também se configurou nas Américas e na Europa. Em 1991, com as missões em El Salvador, onde se formalizou um arranjo único, denominado "Os Amigos do Secretário-Geral", que contribuiu para acordos alcançados através da mediação do SecretárioGeral no conflito. Na República da Nicarágua, se envolveu um esforço altamente complexo, para o cessar-fogo em 1989, que foi iniciado por líderes da região e conduzido pelos Estados, grupos de Estados e pela Organização dos Estados Americanos (OEA). Por fim, no velho continente, os esforços empreendidos pela antiga Comunidade Europeia e os seus EstadosMembros, com o apoio dos países participantes na Conferência sobre Segurança e Cooperação na Europa, têm sido de importância central para lidar com a crise nos Bálcãs e áreas vizinhas, desde as ações conjuntas de 1992, com a Força de Proteção das Nações Unidas (UNPROFOR) e a Força de Implementação Preventiva das Nações Unidas (UNPREDEP). 73 Neste contexto, ainda nas operações de paz, as tabelas apresentadas anteriormente também ajudam a explicar a mudança drástica do contexto estratégico para as tropas de paz da ONU, fazendo com que a Organização expandisse seu campo de atuação, das missões “tradicionais” 74 , que em sua maioria tinha a finalidade de manter e/ou auxiliar na implementação de acordos (incluindo um cessar-fogo) entre países que estavam anteriormente em guerra, envolvendo somente tarefas militares; para as missões ditas complexas operações Council on 31 January 1992 (A/47/277 - S/24111, 17 de Junho de 1992). Acessado em 18 junho de 2013. http://www.un.org/docs/SG/agpeace.html. 72 Idem. 73 Boutros-Ghali, Boutros (1992), An Agenda for Peace: Preventive Diplomacy, Peacemaking and Peacekeeping. Report of the Secretary-General pursuant to the statement adopted by the Summit Meeting of the Security Council on 31 January 1992 (A/47/277 - S/24111, 17 de Junho de 1992). Acessado em 18 junho de 2013. http://www.un.org/docs/SG/agpeace.html. 74 Bernal-Meza, Raul. “Multilateralismo e Unilateralismo na Política Mundial”. In. Revista Brasileira de Política Internacional, vol. 48, no. 1, 2005, pp. 5-23. 35 “multidimensionais”, 75 que constituem em ações com componentes civis, incluindo o apoio referente aos direitos humanos, eleições, desarmamento, desmobilização, remoção de minas e assistência às instituições da administração civil, especialmente as forças policias, assim como as operações humanitárias, conduzidas por uma variedade de organizações internacionais e não governamentais que requerem proteção, criadas para assegurar a implementação de acordos de paz abrangentes e ajudar a estabelecer as bases para uma paz sustentável. Hoje, as operações realizam uma grande variedade de tarefas, desde ajudar a instituir governos, monitorar o cumprimento dos direitos humanos, assegurar reformas setoriais, o desarmamento, e a desmobilização e reintegração de ex-combatentes, como a Missão das Nações Unidas de Apoio a transição do Timor-Leste para a independência e a Missão de Administração Interina no Kosovo, ambas realizadas em 1999. 76 A natureza dos conflitos também mudou ao longo dos anos. Originalmente desenvolvidas como uma maneira de lidar com as desordens internacionais, as operações de paz têm atuado cada vez mais em conflitos internos e guerras civis. Embora a força militar permaneça como o suporte principal da maioria das operações, atualmente as missões contam com administradores e economistas, policiais e peritos em legislação, especialistas em desminagem e observadores eleitorais, monitores de direitos humanos e experts em governança e questões civis, trabalhadores humanitários, técnicos em comunicação e informação pública, etc. 77 A tabela abaixo78 mostra o conjunto de missões de paz realizadas a partir dos anos 2000 e reforça a afirmação da multidimensionalidade das ações no pós-Guerra Fria se observado os objetivos de cada uma das operações listadas. Operações de Manutenção da Paz – 2000/2013 Local UNMEE – Etiópia e Eritréia UNMISET – Timor-Leste UNMIL – Libéria UNOCI – Costa do Marfim MINUSTAH – Haiti ONUB – Burundi UNMIS – Sudão 75 Duração 2000 – 2008 2002 – 2005 2003 – Atual 2004 – Atual 2004 – Atual 2004 – 2006 2005 – 2011 Objetivos Impor o cessar-fogo Garantir a segurança e a estabilidade Impor o cessar-fogo e treinar a polícia nacional Facilitar a instauração de um processo de paz Estabilizar o Haiti Ajudar a implementar os acordos de Arusha Apoiar um tratado de paz e assistência humanitária Idem. Bolton, John. “United States Policy on United Nations Peacekeeping”. In. World Affairs, vol. 163, no. 4, 2011, pp. 129-147 77 United Nations, Report of the Panel on United Nations Peace Operations (...), op. cit., paragraphs 65-75. 78 Bobrow, D. e Boyer, M. “Maintaining System Stability: Contributions to Peacekeeping Operations”. In. The Journal of Conflict Resolution, vol. 41, no. 6, 1997, pp. 723-748. 76 36 UNMIT – Timor-Leste UNAMID – Darfur MINURCAT – Chade MONUSCO – Congo UNISFA – Sudão UNMISS – Sudão do Sul UNSMIS – Síria MINUSMA – Mali 2006 – Atual 2007 – Atual 2007 – 2010 2010 – Atual 2011 – Atual 2011 – Atual 2012 – 2012 2013 – Atual Estabilizar o Timor-Leste Proteção de Civis e assistência humanitária Promover os direitos humanos e o Estado de Direito Formar e Promover o Estado de Direito Monitoramento de fronteiras Consolidar a Paz Monitorar o cessar-fogo Apoiar o processo político e organização do Estado Fonte: DPKO Elaboração Própria Diante desse quadro, destaca-se que as missões de paz das Nações Unidas continuam a evoluir, tanto numericamente, como operacionalmente, para responder a novos desafios e realidades políticas.79 Frente à crescente demanda por missões cada vez mais complexas e multidimensionais, a ONU tem recorrido, como já visto, ao apoio de outras organizações internacionais, com casos nos quatro cantos do mundo. 80 Juridicamente, a ONU se utiliza do capítulo VIII, de sua Carta fundadora, que lhe permite criar arranjos regionais, que visem à cooperação. 81 O estreitamento com instituições locais admite aos peacekeepers entender melhor o contexto da situação e os anseios dos nacionais. 82 Abordagens eficazes de parceria nacional e local, não só reforçam a legitimidade das operações e o apoio à implementação do seu mandato, como também ajuda a garantir a sustentabilidade de qualquer capacidade nacional assim que uma operação de paz tenha sido retirada. 83 No continente africano, por exemplo, esses arranjos regionais se justificam pelo conhecimento do locus, a facilidade de comunicação, a “legitimidade” de contar com uma organização africana a frente das ações, no caso, a União Africana, buscando a agir em prol do desenvolvimento da paz em seu continente, sem grandes pretensões geoestratégicas e 79 United Nations, Report of the Panel on United Nations Peace Operations (...), op. cit.,paragraphs 76-80. Idem. Paragraphs 86-91. 81 FONSECA JUNIOR, Gelson. A legitimidade e outras questões internacionais: poder e ética entre as nações. São Paulo: Paz e Terra, 2003. 82 Idem. 83 Do original: “Effective approaches to national and local ownership not only reinforce the perceived legitimacy of the operation and support mandate implementation, they also help to ensure the sustainability of any national capacity once the peacekeeping operation has been withdrawn.” RUGGIE, John G. The United Nations and the collective use offorce: whither — or whether. New York: United Nations Association of the United States of America, 2008. 17p. 80 37 geopolíticas. Além disso, os acordos possibilitam o incremento dos aparatos operacionais, aumentando o número de funcionários em atuação, bem como, a redução dos custos financeiros e humanos necessários para uma intervenção exitosa. 84 As ações conjuntas entre a ONU e outras organizações requerem uma compreensão das possibilidades e limitações da atuação, assim como o desenvolvimento de princípios, regras e procedimentos para governar a parceria entre as partes envolvidas. Serão essas as questões que serão evidenciadas na seção subsequente, principalmente, de que modo são estabelecidos os arranjos entre organizações internacionais e quais os mecanismos institucionais para a realização destes. 1.3.3. O Capítulo VIII: Os Arranjos Internacionais O fenômeno de divisão de tarefas entre a ONU e os organismos regionais, no que tange as operações de paz e segurança, está se reforçando como uma constante nas relações internacionais. 85 Esta cooperação entre as Nações Unidas e as entidades regionais, através de arranjos, encontra-se disciplinada em diversos artigos presentes na Declaração de São Francisco. 86 Inicialmente, o artigo 33 da supracitada Carta prevê o “recurso a entidades ou acordos regionais” como um dos meios de solução pacífica de controvérsias. 87 Entretanto, mesmo que um litígio seja tratado no âmbito regional, o CSNU poderá “recomendar procedimentos ou métodos de solução apropriados”, de acordo com o artigo 36. 88 Além disso, caso as partes não consigam chegar a uma solução nessa esfera, “deverão submeter à demanda ao Conselho de Segurança”, como determina o artigo 37. 89 Desde modo, os Estados-Membros reconhecem o CSNU como órgão máximo e de última instância para questões relativas à paz e à segurança internacionais. Tal noção é extraída do capítulo VIII da Carta, que trata especificamente de 84 LIU, F. T. United Nations peacekeeping and the non-use of force. New York: International Peace Academy, 2006. 85 EVANS, Gareth. Cooperating for peace. St. Leonards: Allen & Unwin, 2003. 86 Malone, D e Wermester, Karin. “Boom or Bust? The Changing Nature of UN Peacekeeping”. In. International Peacekeeping, vol. 7, no. 4, 2000, pp. 37-54. 87 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (org). Carta das Nações Unidas. 1945. Disponível em: http://unicrio.org.br/img/CartadaONU_VersoInternet.pdf. Acesso em: 05 jun.2013 88 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (org). Carta das Nações Unidas. 1945. Disponível em: http://unicrio.org.br/img/CartadaONU_VersoInternet.pdf. Acesso em: 05 jun.2013 89 Em tese, há ainda as exceções do art. 107 e do art. 53,§1 in fine sobre ações contra os “Estados Inimigos”. Idem. 38 acordos e entidades regionais, como visto anteriormente. Fica claro, já em seu instrumento inicial, o artigo 52, que se deveria recorrer aos organismos regionais, “antes de submeter às controvérsias ao Conselho de Segurança”. Por sua vez, o artigo 53 proíbe que uma ação coercitiva seja levada a efeito por esses acordos ou entidades regionais “sem a autorização do Conselho”, salvo nos casos previstos no artigo 51, sobre legítima defesa individual ou coletiva. 90 Por fim, o artigo 54 estabelece, ainda, que todas as ações dos organismos regionais para a manutenção da paz e da segurança internacionais devem ser comunicadas ao CSNU. 91 Ainda que apenas o CSNU possa decidir sobre o emprego da força como último recurso para manter ou restabelecer a paz, essas ações coercitivas poderão ser executadas pelos EstadosMembros da ONU “diretamente e, por seu intermédio, nos organismos internacionais apropriados de que façam parte”, por determinação do próprio Conselho de Segurança, segundo o prescrito no artigo 48. 92 Desta forma, entende-se que as tramitações sobre os acordos de paz devem respeitar a lógica apresentada. Ou seja, inicialmente as organizações regionais devem buscar resolver as controvérsias existentes em suas áreas de influências, não podendo utilizar, para isso, meios coercitivos. Caso não haja uma resolução, o caso deve ser levado ao conhecimento do CSNU, que a qualquer momento poderá determinar ações a serem aplicadas. 93 Fica, assim, assegurado aos acordos e entidades regionais a ampla autonomia para promover a solução pacífica de controvérsias, mas é limitada a sua liberdade de ação quanto à execução de medidas coercitivas, sem o prévio consentimento do CSNU. 94 Essa foi a fórmula encontrada para conciliar a responsabilidade prevista na Carta das Nações Unidas e a autonomia dos acordos e entidades regionais. 95 Apesar da Declaração de São Francisco adotar as determinações em matérias de acordos regionais para as operações de paz, como visto, ela não trata de definir 90 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (org). Carta das Nações Unidas. 1945. Disponível em: http://unicrio.org.br/img/CartadaONU_VersoInternet.pdf. Acesso em: 05 jun.2013 91 Idem. 92 Idem. 93 DÍAZ BARRADO, C. M., VACAS FERNÁNDEZ, F., “Fundamentos jurídicos y condiciones para el ejercicio de las operaciones de mantenimiento de la paz de naciones Unidas”, Anuario de Derecho Internacional, nº 21, 2005, pp.273- 316. 94 FUENTE COBO, I., “Operaciones de paz para el siglo XXI: Un concepto en evaluación”, Centro de Estudios y Análisis de Seguridad. Universidad de Granada. Disponível em: http://www.ugr.es/~ceas/Misiones%20de% 20paz/Operaciones%20de%20paz%20para%20el%20siglo%20XXI.pdf. Acessado em 07 de julho de 2013. 95 EVANS, Gareth. Cooperating for peace. St. Leonards: Allen & Unwin. 2003 39 conceitualmente estas ações. 96 Essa imprecisão é recorrentemente criticada e objeto de preocupação e análises, principalmente pela própria ONU. 97 Segundo Richard Gowan, tradicionalmente, “a doutrina tem buscado extrair dos aparatos burocráticos e institucionais da Carta, características gerais que permitam definir ou ao menos limitar o que se deve entender por acordos regionais”. 98 Com efeito, o então Secretário-Geral da ONU, Boutros-Ghali, reafirmou, no capítulo VII de seu relatório “An Agenda for Peace”, 99 que não existia uma definição precisa dos termos “acordos e entidades” regionais. O ex-secretário-geral afirmou, A carta deliberadamente não fornece nenhuma definição precisa de arranjos e agências regionais, permitindo assim com que haja uma flexibilidade prática para o engajamento de um grupo de Estados na negociação de assuntos de forma apropriada, contribuindo para a manutenção da paz e segurança internacionais. Tais associações ou entidades podem envolver organizações fundadas em tratados, sejam elas criadas antes ou depois da fundação da ONU, organizações regionais para a segurança e defesa mútuas, organizações para o desenvolvimento regional generalizado ou para a cooperação em um ponto econômico específico ou ainda em uma função e grupos criados para tratar uma questão especifica política, econômica ou social de preocupação atual. 100 Diante desta imprecisão conceitual, e para facilitar a compreensão e a metodologia desta monografia, adota-se as definições presente na publicação intitulada “Manuel sur le règlement pacifique des différends entre Etats” que descrevem os arranjos e as entidades regionais como: 96 Bellamy, Alex e Williams, Paul (2004). “Conclusion: What Future for Peace Operations? Brahimi and Beyond”, International Peacekeeping, 11(1): 183-212. 97 Doss, Alan (2008), “Eyewitness: Crisis, Contention and Coherence – Reflections from the Field”, International Peacekeeping, 15(4): 570-581. 98 Gowan, Richard (2008), “The Strategic Context: Peacekeeping in Crisis (2006-08)”, International Peacekeeping, 15(4): 453-469. 99 Boutros-Ghali, Boutros (1992), An Agenda for Peace: Preventive Diplomacy, Peacemaking and Peacekeeping. Report of the Secretary-General pursuant to the statement adopted by the Summit Meeting of the Security Council on 31 January 1992 (A/47/277 - S/24111, 17 de Junho de 1992). Acessado em 18 junho de 2013. http://www.un.org/docs/SG/agpeace.html. 100 Boutros-Ghali, Boutros (1992), An Agenda for Peace: Preventive Diplomacy, Peacemaking and Peacekeeping. Report of the Secretary-General pursuant to the statement adopted by the Summit Meeting of the Security Council on 31 January 1992 (A/47/277 - S/24111, 17 de Junho de 1992). Acessado em 18 junho de 2013. http://www.un.org/docs/SG/agpeace.html. 40 Os acordos regionais devem ser entendidos como se referindo a tratados multilaterais nos quais os Estados Membros concordam em canalizar suas diferenças por meio dos mecanismos previstos naqueles instrumentos, sem, contudo, criarem instituições permanentes ou organismos regionais dotados de personalidade jurídica própria. (...) Já a expressão “entidades regionais” visaria, por sua vez, a abranger as organizações regionais estabelecidas por tratados internacionais, de natureza permanente, dotadas de personalidade jurídica própria e destinadas a tratar de assuntos relativos à manutenção da paz e da segurança internacionais. 101 Ainda no contexto dos acordos regionais e do relatório An Agenda for Peace, o exsecretário-geral definiu três princípios norteadores das relações entre a ONU e os arranjos regionais. 102 O primeiro trata da primazia do Conselho de Segurança quanto ao estabelecimento de missões de paz, sendo esse o órgão principal nas decisões em matéria de operações de paz; o segundo acerca da isonomia de tratamento da ONU para com elas e, por último, que não deveria existir uma divisão de trabalho entre as Nações Unidas e os demais arranjos regionais, primando-se pelo princípio de complementaridade e não pelo de substituição. 103 Apesar dos princípios e instrumentos estabelecidos por Ghali, o que se deve extrair do capítulo VIII, ainda segundo o relatório apresentado pelo secretário-geral é que a ONU, mesmo recorrendo ao estabelecimento de um sistema de segurança coletiva, não impede que existam outros acordos ou organismos particulares em que os Estados cooperem em algum âmbito com as Nações Unidas para a manutenção da paz e da segurança internacionais. 104, Para além do documento An Agenda for Peace, nos anos 1990 também, os principais órgãos das Nações Unidas reconheceram a necessidade de dinamizar as relações de cooperação entre a Organização e as entidades regionais. 105 A AGNU aprovou, em dezembro 101 Nações Unidas, (1990), publicação intitulada Manuel sur le règlement pacifique des différends entre Etats, pp. 87-88 e 103-104. 102 Boutros-Ghali, Boutros (1992), An Agenda for Peace: Preventive Diplomacy, Peacemaking and Peacekeeping. Report of the Secretary-General pursuant to the statement adopted by the Summit Meeting of the Security Council on 31 January 1992 (A/47/277 - S/24111, 17 de Junho de 1992). Acessado em 18 junho de 2013. http://www.un.org/docs/SG/agpeace.html. 103 Idem. 104 Boutros-Ghali, Boutros (1992), An Agenda for Peace: Preventive Diplomacy, Peacemaking and Peacekeeping. Report of the Secretary-General pursuant to the statement adopted by the Summit Meeting of the Security Council on 31 January 1992 (A/47/277 - S/24111, 17 de Junho de 1992). Acessado em 18 junho de 2013. http://www.un.org/docs/SG/agpeace.html. 105 RATNER, Steven R. The new UN peacekeeping: building peace in land of conflict after the Cold War. New York: St. Martin’s Press, 2005. 41 de 1991, a Resolução 46/58, 106 na qual o “Comitê Especial sobre a Carta das Nações Unidas e sobre o Fortalecimento do Papel da Organização” foi instruído a examinar meios para enriquecer a cooperação existente, ao mesmo tempo em que os Chefes de Estado e de Governo reunidos no Conselho de Segurança, em janeiro de 1992, aprovavam a Declaração Presidencial solicitando o Secretário-Geral a verificar a contribuição que os organismos regionais poderiam aportar aos trabalhos do CSNU no contexto do Capítulo VIII da Carta das Nações Unidas. 107 A adoção destas medidas de cunho político, mencionadas acima, bem como a criação do Departamento de Operações de Manutenção da Paz (DPKO) impulsionaram o quadro de colaboração nas operações de paz com as Nações Unidas. Os arranjos regionais passaram de três, 108 no período da Guerra Fria até 1991, para vinte e um, a partir de 1992, como mostra a tabela abaixo. 109 Operações de Manutenção da Paz – Arranjos Regionais - 1992/2013 Operação de Paz UNPROFOR UNOSOM I ONUMOZ UNOSOM II ONOMUR UNMIH UNAMIR UNMOT UNMIBH UNSMIH MIPONUH UNPSG UNOMSIL UNMIK MONUC UNMEE UNAMSIL UNAMIS MINURCA – EUFOR UNSMIS 106 Organização Internacional Organização do Tratado do Atlântico Norte Organização da Unidade Africana Organização da Unidade Africana Organização da Unidade Africana Organização da Unidade Africana Organização dos Estados Americanos Organização da Unidade Africana Organização para a Segurança e Cooperação na Europa Organização do Tratado do Atlântico Norte Organização da Unidade Africana Organização dos Estados Americanos União Europeia Organização da Unidade Africana Organização do Tratado do Atlântico Norte / União Europeia União Europeia Organização da Unidade Africana Organização da Unidade Africana União Africana União Europeia Liga Árabe Resolução do CSNU 749/1992 751/1992 797/1992 814/1993 846/1993 867/1993 872/1993 968/1994 1035/1995 1063/1996 1141/1997 1145/1997 1181/1998 1244/1999 1921/2000 1398/2002 1620/2005 1959/2005 1778/2009 2043/2012 United Nations. Resolutions and decisions of the Security Council (1990). S/INF/46. New York: United Nations, 1990. 107 United Nations. Statement by the President of the Security Council. S/ 23500. New York: United Nations, 31 Jan. 1992. 108 United Nations, Report of the Panel on United Nations Peace Operations (...), op. cit.,paragraphs 70-74 109 United Nations, Report of the Panel on United Nations Peace Operations (...), op. cit.,paragraphs 45-50 42 MINUSMA União Europeia 2100/2013 Fonte: DKPO Elaboração Própria Os dados acima demonstram as iniciativas políticas110 e principalmente como o DKPO tem possibilitado ações mais bem estruturadas e eficientes no âmbito das operações de paz, o que em certa medida111 tem incrementado e ampliado às possibilidades de cooperação com outros organismos regionais. 112 Neste sentido, a própria estrutura do DKPO vem sofrendo constantes aperfeiçoamentos devido às evoluções das próprias operações de manutenção da paz, como se tem observado nos relatos deste trabalho e, como bem ressalta o Relatório Anual do Secretário Geral, em 1995. 113 [...] A cooperação entre as Nações Unidas e as organizações regionais devem constantemente adaptar-se a um mundo em permanente situação de mudança. A própria Carta antecipou essa necessidade de flexibilidade por não dar uma definição precisa dos acordos e organizações regionais, permitindo, assim, diversas organizações e estruturas contribuir, em conjunto com as Nações Unidas, para a manutenção da paz e da segurança [...]. 114 Esta afirmação de Ghali, agora em seu Relatório Anual, em 1995, vai ao encontro da evolução das operações de paz nas últimas décadas, quando surgem as operações definidas, pela ONU, como de natureza “multidimensional”. Esse novo tipo de operação inclui no seu cerne, como já visto, além do tradicional contingente militar, outros de características 110 O CSNU aprovou, subsequentemente, outras declarações presidenciais sobre o assunto, tais como a de 28/5/93, em que expressa disposição de apoiar e facilitar os esforços empreendidos no campo das operações de manutenção da paz pelas entidades regionais; a de 3/5/94, na qual é assinalado que um dos fatores a serem levados em consideração, quando da criação de uma operação de manutenção da paz, é a existência de uma organização regional ou sub-regional pronta e capaz de colaborar para a solução de conflitos; e a de 22/2/95, que apoia a intenção do Secretário-Geral de ajudar as entidades regionais a desenvolverem suas capacidades de atuação nas áreas de prevenção de conflitos, de promoção da paz e de mobilização de operações de manutenção da paz. EVANS, Gareth. Cooperating for peace. St. Leonards: Allen & Unwin, 2003. 111 NAÇÕES UNIDAS, Departamento de Operações de Paz, Unidade de Práticas Recomendadas, Manual de Operações de Paz Multidimensionais, Edição de dezembro de 2003, 205 pp 1-2. Acessado em: 28 de maio de 2013. 112 Idem. 113 NAÇÕES UNIDAS, Report of the Secretary-General on the Implementation of the Report of the Panel on the United Nations Peace Operations. Nova York: Nações Unidas, 1995. 114 ORGANIZAÇÃO das Nações Unidas, Suplemento para uma agenda para a Paz de 25 de janeiro de 1995, Relatório do Secretário Geral por ocasião do 50º aniversário da Organização, Disponível em: http://www.un.org/Docs/SG/agsupp.html. Tradução do Autor. Acessado em: 01 de junho de 2013. 43 diversas. 115 Diante deste cenário desafiador, o DPKO tem buscado, mais do que nunca, manter um estreito relacionamento com as organizações internacionais governamentais e as nãogovernamentais, no contexto das operações de paz. Diante da variedade de situações que a ONU tem que enfrentar em diferentes regiões do globo, as organizações internacionais, através do capítulo VIII, podem contribuir de forma sine qua non para a eficácia destas operações, levando em conta aspectos como composição, mandato e alcance dos acordos. 116 Ou seja, as organizações regionais e os arranjos regionais podem alterar significativamente o resultado de uma missão de paz, por sua influência geopolítica, geoestratégica, por sua localização territorial, expertise operacional ou ainda por suas contribuições civis, militares e financeiras.117 Como exemplo prático do que acaba de se afirmar, destaca-se a operação de paz ocorrida na Etiópia e na Eritréia, no continente africano, que contou com o apoio militar da Organização da Unidade Africana (OUA), inclusive determinando o presidente da Comissão de Coordenação Militar. 118 O importante neste sentido é entender que existem dois lados a serem analisados, no que tange os aspectos motivacionais nas operações de paz, e que ambos os se beneficiam. Para a ONU, os acordos regionais tornaram-se uma alternativa para suas ações sobrecarregadas, ao permitirem um aumento dos recursos humanos e materiais, para além do limitado quadro orçamentário e de pessoal das Nações Unidas. 119 Somam-se a isso, as questões relacionadas a uma maior legitimidade de ações, pois, concentra contribuição humana característica da região, conhecimentos geoestratégicos, geopolíticos, territoriais, culturais e linguísticos, como já mencionado. 120 Para a parte, a entidade parceira, a cooperação com a ONU possibilita o treinamento das forças operacionais, como militares, civis, experts, técnicos, consultores e outros, além de promover o intercâmbio de informações, a celebração de consultas em todos os níveis, e a participação de ações da Organização, em 115 NAÇÕES UNIDAS, Departamento de Operações de Paz, Unidade de Práticas Recomendadas, Manual de Operações de Paz Multidimensionais, Edição de dezembro de 2003, 205 pp 1-2. Acessado em: 28 de maio de 2013. 116 WEDGWOOG, Ruth. The evolution of United Nations Peacekeeping.Cornell International Law Journal, New York, v. 28, p. 631-643, 1995. Disponível em:http://digitalcommons.law.yale.edu/cgi/viewcontent.cgi?articl e=3278&context=fss_papers>. Acesso em: 05 de julho de 2013. 117 Choedon, Yeshi. “China’s Stand on UN Peacekeeping Operations: Changing Priorities of Foreign Policy”. In. China Report, vol. 41, no. 1, 2005, pp. 39-57 118 LEWIS, William. Peacekeeping in the name of humanity. Institute for National Strategic Studies, National Defense University, Washington, D.C. Disponível em http://www.ndu.edu/inss/McNair/mcnair26/m026ch 02.html. Acesso em 12 de junho de 2013. 119 EVANS, Gareth. Cooperating for peace. St. Leonards: Allen & Unwin, 2003. 120 Idem. 44 conformidade com os regulamentos e as práticas aplicáveis. 121 Dessa forma, os resultados alcançados são melhores porque, normalmente, a organização regional conhece melhor o terreno do que a ONU, confere maior legitimidade a missão e incrementa financeira e operacionalmente as ações. Reafirmou, na época, a importância dessas contribuições, a aprovação da Resolução 49/57, de 1994, que, com anexo a “Declaração sobre o Fortalecimento da Cooperação entre as Nações Unidas e os Acordos ou Entidades Regionais voltados para a Manutenção da Paz e Segurança Internacionais”, 122 estimularam os acordos e as entidades regionais a colaborarem com a ONU, na promoção de atividades de paz e a treinarem contingentes militares e civis para participar de missões de paz. Nesta ocasião, a Resolução 49/57 afirmou que, Os acordos regionais ou agências podem, em suas áreas de competência e de acordo com a Carta, contribuir com a manutenção da paz e segurança, entre outras coisas, conforme o caso, através da solução pacífica de controvérsias, a diplomacia preventiva, o estabelecimento da paz, a manutenção da paz e o pós o conflito. 123 No que concerne às formas de contribuição dos acordos regionais, segundo Bellamy e Williams, as Nações Unidas, ao tentarem envolver cada vez mais os Estados-Membros e as organizações regionais nas operações de paz, não só militarmente, apontaram cinco distintas modalidades de cooperação através do relatório do secretário-geral, de 1995, intitulado “Suplemento de Uma Agenda para a Paz”. 124 Dentre elas: a Consulta, que é praticada de forma regular e, em alguns casos, pode ser regida por acordos formais; o Apoio Diplomático, aonde as organizações diplomáticas orientam seus próprios esforços diplomáticos ao participar das atividades da ONU; o Apoio Operacional, aonde a organização regional envolve-se em 121 Idem. NAÇÕES UNIDAS, Documentos e Mapas, Assembleia Geral, Documentos, Resolução da Assembleia Geral A/R/49/57 de 17 de fevereiro de 1995. Disponível em: http://www.un.org/ga/search/view_doc.asp?symbo l=A%2FRES%2F49%2F57&Submit=- Tradução do Autor - Acessado em: 01 de junho de 2013. 123 Idem. 124 Bellamy, Alex et al. (2007), Understanding Peacekeeping. Cambridge: Polity. 122 45 apoio à ONU; a Co-implantação de missões de paz; e a possibilidade de implantação de Missões Conjuntas. 125 Nessas modalidades mencionadas acima, prega-se o princípio de liberdade de ação das Nações Unidas, isso quer dizer que os Estados e organizações estão livres para cooperarem ou não nos quadros de operações da ONU, inclusive, possuem autonomia para colaborar da forma que entenderem ser a melhor. 126 O documento relembrava, entretanto que, apesar das diversas possibilidades de cooperação, os princípios da Carta deveriam ser preservados. Ressaltava também que, segundo o prescrito no artigo 34 daquele documento, como já mencionado, a responsabilidade pela manutenção da paz continuava com o Conselho de Segurança e que as organizações regionais, consoante o artigo 52, deveriam atuar de forma coerente com esse princípio e não poderiam exercer atividades de caráter coercitivo sem a prévia autorização do CSNU. 127 Portanto, com o “Suplemento de uma Agenda para a Paz”, a ONU clarificava as possibilidades de atuação, contudo, sempre se autorreafirmando como instituição com o monopólio legítimo do uso da força nas relações internacionais. 128 Passada a década de 1990, o Secretário Geral das Nações Unidas na época, Kofi Annan, nomeia um painel com o objetivo de identificar os pontos fracos das Nações Unidas e avaliá-los, a fim de fornecer recomendações práticas para corrigir tais falhas. 129 The Panel on United Nations Peace Operations, foi instaurado em março de 2000, presidido pelo ministro das relações exteriores da Argélia, Lakhdar Brahimi e mais nove membros, militares, não militares, e especialistas em operações de paz. 130 Apresentado oficialmente, em setembro de 2000 na Cúpula do Milênio, seu documento final ficou conhecido como “Relatório Brahimi”, contendo diferentes recomendações para as operações de paz, como procedimentos de implementação das missões, como se verá no terceiro capítulo, no caso da RDC, 131 até sugestões para os acordos regionais. 125 United Nations. Supplement to an agenda for peace: position paper of the Secretary-General on the occasion of the Fiftieth Anniversary of the United Nations. A/50/60-S/1995/1. New York: United Nations, 3 Jan. 1995. 126 KELSEN, H., “Collective security and collection self- defence under the charter of the United Nations”, AJIL, Vol. 42, 1948, pp. 783- 806. 127 Bellamy, Alex et al. (2007), Understanding Peacekeeping. Cambridge: Polity 128 United Nations. Supplement to an agenda for peace: position paper of the Secretary-General on the occasion of the Fiftieth Anniversary of the United Nations. A/50/60-S/1995/1. New York: United Nations, 3 Jan. 1995. 129 DURCH, William J. Et al. The Brahimi Report and the Future of UN Peace Operations. Washignton : Henry L. Stimson Center, 2003. 130 Idem. 131 Idem. 46 Com relação aos acordos regionais, o Relatório apoiou uma maior cooperação entre a ONU e as organizações nas operações de paz multinacionais, em consonância com a Carta de São Francisco, de maneira a realizarem ações complementares, em especial nas áreas de prevenção de conflitos, estabelecimento da paz, eleições, direitos humanos e assistência humanitária. 132 O Estudo ainda enfatizou a importância do viés financeiro nos acordos, afirmando ser necessário haver recursos destinados tanto para a reconstrução do sistema político (em especial, o reestabelecimento das eleições), quanto para as ações de desarmamento, desmobilização e reintegração dos ex-combatentes. 133 Finalmente, o que se constata é que o crescimento da cooperação internacional para as missões de paz coincide com a própria história do envolvimento da ONU no campo da paz e da segurança, e a evolução do DPKO. 134 Ressaltando-se que, apesar da positiva participação, é necessário maior comprometimento dos Estados-Membros, que precisam chamar para si a pesada responsabilidade da manutenção da paz internacional, conjuntamente com a ONU. 135 Entende-se que a ONU passou a oferecer um leque de possibilidades de cooperação, como visto no Documento “Suplemento de uma Agenda para a Paz”, no campo da paz, que não estão descritas na Declaração de São Francisco, deixando-se valer da inexistência de qualquer dispositivo normativo para a inviabilização de possíveis ações. Ao criar o DPKO, a ONU estabelece um órgão que tem capacidade técnica-regulatória da possibilidade de arranjos regionais que serão submetidos expressamente ao Conselho de Segurança, cabendo a este, autorizar ou não as diversas formas de atuação dos organismos internacionais. 136 Este capítulo dedicou-se a estabelecer um breve apanhado sobre as operações de manutenção da Paz da ONU, bem como, seus dispositivos institucionais de cooperação com diversas outras organizações internacionais. Diante disto, o próximo capítulo, apresentará um breve panorama do desenvolvimento da União Europeia como um ator de segurança e defesa internacionais, destacando a participação da UE nas atividades de paz da ONU. 132 Idem. GAMA, Carlos Frederico Pereira da Silva. Mudanças institucionais nas atividadesrelativas às Operações de Manutenção da Paz do “sistema ONU” do pós-Guerra Fria:“Adaptação” versus “Aprendizado”. Rio de Janeiro: PUC-RJ, 2005. 134 GOMAA, M. M., “Non binding agreements in International Law”, en Liber Amicorum G. AbiSaab, 2011, p.229. 135 EVANS, Gareth. Cooperating for peace. St. Leonards: Allen & Unwin, 2003. 136 EVANS, Gareth. Cooperating for peace. St. Leonards: Allen & Unwin, 2003. 133 47 2. A UE E OS ACORDOS REGIONAIS COM A ONU EM MATÉRIA DE MISSÕES DE PAZ 2.1. Considerações Preliminares O processo de integração europeu, tal qual é conhecido hoje, desenvolveu-se na Europa muito recentemente, mais precisamente logo após a Primeira Guerra Mundial. A Segunda Grande Guerra acentuou este cenário, perante o espetáculo de uma Europa dilacerada e quase destruída, e consolidou-se com a evidência de que, em face da evolução tecnológica, a segurança de territórios e populações, só seria possível no quadro de esquemas de segurança coletiva. 137 Assim, na Europa Ocidental, após a Segunda Guerra, a convergência de fatores estratégicos e econômico-sociais, consequentes dos traumas da guerra, originaram um forte movimento de integração, visando à criação de uma nova entidade política, superadora do Estado-Nação. Ao longo dos anos, o processo de integração europeu no domínio da segurança e de defesa apresentou evoluções várias. Como ponto de partida, considera-se a formação das Comunidades Europeias, a Comunidade Europeia do Carvão e Aço (CECA), em 1951, e a Comunidade Econômica Europeia (CEE), em 1958, como o marco institucional do processo de integração na UE, seguido pelas evoluções históricas das décadas de 1960, 1970 e 1980. Nos anos posteriores, destaca-se a assinatura do tratado que conferiu uma nova arquitetura institucional a UE, o tratado de Maastricht, assinado em 1992, responsável por criar um novo arcabouço jurídico institucional da UE e de sua consequente política de segurança e defesa. Na sequência, salientam-se as revisões do Tratado da União Europeia (TUE), em 1999, com o Tratado de Amsterdam, 2003, com o Tratado de Nice, finalizando com Lisboa, em 2009. Esse espaço temporal de aproximadamente sessenta anos foi quando se produziram novos arranjos institucionais deste complexo processo de integração regional. Além disso, brevemente, destaca-se o quadro institucional atual da UE no que tange as ações no campo da segurança e defesas internacionais, principalmente no que diz respeito ao relacionamento 137 A formulação jurídica primeira da ideia de segurança coletiva se exprime nos Artigos 10 e 16 do Pacto da Liga das Nações, segundo os quais cada Estado-membro se compromete a respeitar e preservar a integridade territorial e a independência política de todos os membros da Liga (Artigo 10), e o Estado que recorrer à guerra será sujeito a sanções e poderá ser coagido militarmente por forças das partes contratantes (Artigo 16). NOUSCHI, Marc- Em Busca da Europa: Construção Europeia e Legitimidade Nacional. Lisboa: Instituto Piaget, 1994. ISBN : 972- 8329-41-5 48 entre ONU e União Europeia no campo das operações de manutenção da Paz. O presente capítulo objetiva, diante do exposto, apresentar a evolução histórica do processo de integração da UE, com enfoque nas questões relacionadas aos temas de paz e segurança internacionais, principalmente, nas que tange as Missões de Petersberg e no desenvolvimento da cooperação com a União Europeia. Busca-se fazer uma reflexão a respeito das possibilidades de atuação da UE no campo da paz e da segurança internacionais, objetivando, no terceiro capítulo, compreender o relacionamento prático da UE e ONU na República Democrática do Congo. Ao final deste capítulo, espera-se ter um entender melhor a estrutura institucional de ação da União, bem como de seus limites, interesses e das possibilidades de atuação com a ONU. 2.2. Os 40 anos iniciais: Um projeto chamado União Europeia Ao longo das sucessivas etapas da construção europeia, os conceitos de união política, de política externa comum ou ainda de defesa comum, foram regularmente incluídos nas pautas de discussão, na sequência da apresentação de diferentes projetos políticos. O processo de construção de uma defesa e segurança comuns, na Europa, começa com a própria criação do que hoje se chama União Europeia. Em 1950, o velho continente era o epicentro de uma crise sem proporções, a Guerra devastara a economia regional. A segurança e a defesa dos países europeus estavam frágeis.138 A Europa precisava se reorganizar e o fez através de um processo de integração com realizações ao mesmo tempo pragmáticas e ambiciosas, buscou criar um órgão dotado de soberania estatal, sobre um ponto mais específico, a indústria da guerra. 139 Segundo Jean Monnet, O carvão e o aço eram ao mesmo tempo a chave da potência econômica e a do arsenal onde se forjava as armas da guerra. Esse duplo poder lhes dava então uma enorme significação simbólica que esquecemos. Fundi-los acima das fronteiras seria retirar-lhes seu 138 MONNET, Jean. Memórias: A construção da unidade Europeia. Trad. De Ana Maria Falcão. Brasília: EdUnB, 1986. p. 93. 139 Idem. p.94 49 prestígio maléfico e os transformaria, ao contrário, em garantia de paz.140 Deste modo, foram lançadas as bases para a criação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA). 141 Na gestão conjunta desses dois elementos fundamentais para a indústria da guerra foi estabelecida uma estrutura organizativa, formada por Estados europeus, tal como, inicialmente, fizeram a França, a Alemanha, a Bélgica, os Países Baixos, Luxemburgo e a Itália. 142 Após a ratificação da CECA, o governo francês apresentou o projeto de criação e fortalecimento da defesa e segurança do velho continente, através de um exército europeu integrado sob um comando comum, ligado às instituições políticas da Europa unida. Esta preposição foi objeto de negociações entre os Estados-Membros da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, que decorreram de 1950 a 1952 e conduziram à assinatura do Tratado que institui a Comunidade Europeia da Defesa (CED). O objetivo da CED consistiria em um projeto político que visava à criação de uma estrutura federal ou confederal: seria uma aliança defensiva e tinha como um dos seus objetivos realizar a fusão das forças armadas postas à disposição da Comunidade pelos Estados-Membros com vista à constituição de uma armada comum.143 Tal processo não significaria, entretanto, no desaparecimento total dos exércitos nacionais, que seriam responsáveis pela defesa nacional, bem como para a satisfação de missões internacionais, em especial no quadro das Nações Unidas, que começavam a surgir em 1948, com a primeira Missão das Nações Unidas para Supervisão de Trégua. 144 Apesar de assinado o Tratado que dava contornos a CED, este não foi, entretanto, ratificado pelo próprio governo francês, o qual temia a transferência de uma parcela maior de sua soberania neste domínio. 145 Logo em seguida, o projeto da CED fora substituído pela vontade de formação de uma Comunidade Política Europeia (CPE), na qual se previa a criação de uma Assembleia Parlamentar Bicameral, um Conselho Executivo Europeu, um 140 MONNET, Jean. Memórias: A construção da unidade Europeia. Trad. De Ana Maria Falcão. Brasília: EdUnB, 1986. p.95 141 NOUSCHI, Marc- Em Busca da Europa: Construção Europeia e Legitimidade Nacional. Lisboa: Instituto Piaget, 1994. ISBN : 972- 8329-41-5 142 Idem. 143 MONNET, Jean. Memórias: A construção da unidade Europeia. Trad. De Ana Maria Falcão. Brasília: EdUnB, 1986p. 272. 144 Leitão, A. Rogério (2001) “A União Europeia e a sua emissão de estabilizador regional”, Temas de Integração. 10/11. Coimbra: Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. 145 MONNET, Jean. Memórias: A construção da unidade Europeia. Trad. De Ana Maria Falcão. Brasília: EdUnB, 1986 p. 276. 50 Conselho de Ministros e um Tribunal de Justiça. 146 As competências da Comunidade Política seriam bastante vastas, prevendo-se que, em longo prazo, absorvesse os projetos da CECA e da CED. Todavia, tal projeto também nunca chegaria a concretizar-se, dado que foi rejeitado pela Assembleia Nacional francesa, em 30 de agosto de 1954. 147 No início dos anos de 1960, realizaram-se complexas negociações para por em prática os planos Fouchet (1961 e 1962), sucessivamente apresentados pela França, que previam uma cooperação política mais estreita, uma união de Estados e uma política externa de defesa comum. O objetivo central dessas ações seria o de criar uma “Europa europeia”, independente dos Estados Unidos e com influência em todo mundo. 148 O comitê, instituído a fim de apresentar propostas concretas destes planos, conseguiu alcançar compromissos ambiciosos, tais como a criação de um secretariado independente ou a perspectiva futura de votação por maioria qualificada em determinados domínios, como os de ações no campo da segurança e defesa internacionais. Lamentavelmente, não foi possível chegar a um acordo quanto às propostas do comitê Fouchet, tendo as negociações entre os Estados-Membros sido interrompidas em 1962. 149 Na sequência de um pedido dos Chefes de Estado e de Governo de um estudo relativo às possibilidades de progredir no plano político e militar, o “Relatório Davignon” 150 foi apresentado em 1970, na Cimeira de Luxemburgo. Este relatório estava na origem da Cooperação Política Europeia, relançada informalmente em 1970, que seria institucionalizada através do Ato Único Europeu (AUE) mais tarde, em 1987. Até então, a segurança e a defesa do bloco fora assumida, quase que exclusivamente, pela OTAN. 151 Com a invasão do Afeganistão pela União Soviética e a revolução islâmica no Irã, os Estados-Membros tomaram consciência da impotência crescente da Comunidade Europeia a nível internacional. Assim, determinados a reforçar a CPE, os Estados-Membros das Comunidades adotaram o Relatório de Londres em 1981, que pautava a necessidade de 146 MONNET, Jean. Memórias: A construção da unidade Europeia. Trad. De Ana Maria Falcão. Brasília: EdUnB, 1986p. 283. 147 MAURY, Jean-Pierre- La Construction Européenne La sécurité et la Défense. Paris:Presses Universitaires de France, 1996. ISBN : 2-13- 047763-1 148 Idem. 149 LEITÃO, Augusto Rogério- Organizações Europeias 2º Volume. Coimbra: Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, 2009 150 Relatório de Davignon foi um documento com propostas na área da cooperação política entre os EstadosMembros, para uma futura na política estrangeira. O Documento recomendava que os Estados-Membro devessem tentar, onde possível, falar com uma única voz. BRETHERTON, Charlotte; VOGLER, John - The European Union as a Global Actor. 2ª ed. London: Routledge. 2006. 151 Idem. 51 consulta prévia, e de associar a Comissão Europeia, relativamente a qualquer questão de política externa que dissesse respeito ao conjunto dos Estados-Membros. Em 1982, o mesmo desejo de afirmar a posição da Comunidade a nível mundial esteve na origem da iniciativa Genscher-Colombo relativa ao Ato Europeu. O Ato conduziu, em 1983, à Declaração Solene de Estugarda sobre a União Europeia. 152 Já em 1985, o relatório do Comitê Dooge, que antecedeu o início da Conferência Intergovernamental que levou, mais tarde, ao Ato Único Europeu, continha uma série de propostas relativas à política externa, bem como a criação de um secretariado permanente. Finalmente, as disposições introduzidas no Tratado pelo Ato Único Europeu ficaram aquém das propostas do Comitê Dooge, permitindo, no entanto, institucionalizar a CPE, além de criar um Secretariado colocado sob a responsabilidade direta da Presidência das Comunidades. Deste modo, os objetivos da CPE foram estendidos a todas as questões de política externa de interesse geral. 153 A Conferência Intergovernamental sobre a União Política levou à inclusão, no Tratado da União Europeia, que entrou em vigor em 1993, de um título específico relativo a uma Política Externa e de Segurança Comum (PESC). Assim, a PESC substituiu a CPE e se transformou em um pilar intergovernamental distinto na estrutura comunitária, que exprime a vontade da União de afirmar a sua identidade na cena internacional. 154 2.3. De 1990 a 2000: a União Europeia como Potência em Segurança e Defesa Ao mesmo tempo em que manifestava o desejo de reforçar a potência econômica com uma moeda comum, o euro, um memorando do Presidente francês, François Mitterrand e do Chanceler alemão Helmut Kohl, em novembro de 1990, 155 vinha estimular a integração europeia a caminhar no sentido de se afirmar como um ator político, econômico e militar. De 152 LEITÃO, Augusto Rogério- Organizações Europeias 2º Volume. Coimbra: Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, 2009 153 Idem. 154 WEILER, J. H. H. - The Transformation of Europe. The Yale Law Journal. 100 (8), Symposium: International Law, 2403-2483. 1991. 155 Este memorando definia as regiões com as quais se deveriam encetar relações prioritárias, estabelecendo, a prazo, uma segurança e defesa comum na base de uma relação orgânica com a União da Europa Ocidental. BRETHERTON, Charlotte; VOGLER, John - The European Union as a Global Actor. 2ª ed. London: Routledge. 2006. 52 fato, com a alteração do panorama geopolítico do continente europeu Pós-Guerra Fria, os doze Estados-Membros, 156 da então Comunidade Econômica Europeia (CEE), 157 viram-se compelidos a atuar em todas as dimensões da integração europeia para responder aos novos desafios internacionais. Diante dos acontecimentos recentes no quadro geoestratégico e geopolítico da Europa, como a dissolução do Pacto de Varsóvia, a reunificação da Alemanha, o desmembramento da União Soviética e o ressurgimento das tensões nacionalistas extremistas na Iugoslávia e Albânia, acentuava-se a consciência de colocar as questões de política externa, segurança e defesa nas dinâmicas de alargamento e aprofundamento da integração europeia. 158 Para responder a estes hiatos, o Tratado de Maastricht assinado em 7 de fevereiro de 1992, institucionaliza uma nova arquitetura superadora do Estado-Nação, a União Europeia, que passa a desenvolver uma nova forma de cooperação política, abrangendo todos os aspectos civis e militares da segurança e a serem implementadas no quadro institucional da União, diferente de tudo já visto nas Comunidades europeias. 159 O novo tratado assinado assim estabelecia que: A política externa e de segurança comum abrange todas as questões relativas à segurança da União, incluindo a definição gradual de uma política de defesa comum, nos termos do disposto no segundo parágrafo, que poderá conduzir a uma defesa comum, se o Conselho Europeu assim o decidir. Neste caso, o Conselho Europeu recomendará aos Estados-Membros que adotem uma decisão nesse sentido, nos termos das respectivas normas constitucionais. 160 Esta nova personagem, assim, configurada em termos de um “modelo de templo grego”, introduz um segundo pilar dedicado exclusivamente à Política Externa e de Segurança 156 Aos seis países fundadores (Alemanha, Bélgica, França, Itália, Luxemburgo, Países Baixos), juntarse-iam, em 1973, a Dinamarca, Irlanda, Reino Unido, em 1981 a Grécia e, em 1986, Portugal e Espanha. LEITÃO, Augusto Rogério- Organizações Europeias 2º Volume. Coimbra: Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, 2009 157 Idem. 158 PFISTER, Stéphane - Les avantages comparatifs de l’Union européenne dans la gestion des crises et la sortie des conflits. Institut européen de l’Université de Genève: Publications euryopa. 2004. 159 BRETHERTON, Charlotte; VOGLER, John - The European Union as a Global Actor. 2ª ed. London: Routledge. 2006. 160 Tratado de Maastricht. Disponível em: http://eulex.europa.eu/pt/treaties/dat/11992M/htm/11992M.html. Acessado em: 07 e junho de 2013. 53 Comum (PESC) 161 , que promovia a inclusão gradual de uma política de defesa em todo o bloco, objetivando promover a paz, a segurança internacional e o progresso no mundo, como ressalta o preâmbulo de Maastricht. 162 Os Chefes de Estado e de Governo dos países membros da UE resolvem executar uma política externa e de segurança que inclua a definição gradual de uma política de defesa comum que poderá conduzir a uma defesa comum, de acordo com as disposições do artigo 42o, fortalecendo assim a identidade europeia e a sua independência, em ordem a promover a paz, a segurança e o progresso na Europa e no mundo. 163 É diante das vontades manifestadas acima, que o pilar de cooperação intergovernamental começa a delinear a afirmação da União como ator político comprometido com as questões de segurança e defesa internacionais. Os Estados-Membros da UE, também no texto de Maastricht, estabeleceram aqueles que julgavam serem os objetivos dessa nova estrutura, chamada PESC. 164 Sendo eles: a salvaguarda dos valores comuns, dos interesses fundamentais e da independência da União; o reforço da segurança da União e dos seus Estados-Membros, sob todas as formas; a manutenção da paz e o reforço da segurança internacional, de acordo com os princípios da Carta das Nações Unidas, da Ata Final de Helsinque e com os objetivos da Carta de Paris; o fomento da cooperação internacional; o desenvolvimento e o reforço da democracia e do Estado de direito, bem como o respeito dos direitos do Homem e das 165 liberdades fundamentais. De fato, o reforço da segurança da União e dos seus Estados-Membros, sob todas as 161 Para além deste segundo pilar, Maastricht configurou ainda um primeiro pilar comunitário (fundamentado pela Comunidade Europeia que passa, por sua vez, a estar assente numa União Econômica e Monetária) e um terceiro pilar intergovernamental, a Cooperação policial e judiciária em matéria penal (CPJMP). 162 Tratado de Maastricht. Disponível em: http://eulex.europa.eu/pt/treaties/dat/11992M/htm/11992M.html. Acessado em: 07 e junho de 2013. 163 Idem. 164 Idem. 165 Idem. 54 suas formas, é um dos objetivos da PESC presentes no Art. J-1, n.º 2, do TUE166, como se denota acima. Nesse enunciado, a segurança internacional também aparece associada ao objetivo maior do desenvolvimento e reforço da Democracia e do Estado de Direito, assim como ao respeito dos direitos e liberdades fundamentais. 167 Assim, depreende-se que é com Maastricht que são alicerçadas as bases da integração que se fundamenta no respeito à Democracia, aos Direitos Humanos, a Boa Governança, bem como os princípios e propósitos das Nações Unidas, como corolário da manutenção da paz e reforço da segurança internacional à la UE. Para o cumprimento dos objetivos apresentados acima, o Tratado fundador da UE determina, segundo seu arcabouço jurídico, uma cooperação sistemática entre os EstadosMembros na condução de sua política, que adotarão ações comuns nos domínios em tenham interesses coletivos importantes. Essas ações serão pautadas nas prerrogativas vinculantes, presentes no parágrafo quarto, do artigo J-1 da PESC, que afirma que: Os Estados-Membros apoiarão ativamente e sem reservas a política externa e de segurança da União, num espírito de lealdade e de solidariedade mútua. Abster-se-ão de empreender quaisquer ações contrárias aos interesses da União ou suscetíveis de prejudicar a sua eficácia como força coerente nas relações internacionais. 168 Diante do exposto, e como relembra Nivet, a PESC pretende assumir-se como um: (...) processo de concertação e de cooperação intergovernamental (...) destinado a permitir aos governos europeus assumir responsabilidades políticas e diplomáticas na cena internacional, mas também, a favorecer a aproximação dos seus posicionamentos internacionais, a fim de evitar que os Estados-Membros não sigam posições demasiado 166 Art. J-1, n.º 2 TUE – “Os objetivos da política externa e de segurança comum são:- A salvaguarda dos valores comuns, dos interesses fundamentais e da independência da União;- O reforço da segurança da União e dos seus Estados-Membros, sob todas as formas;- A manutenção da paz e o reforço da segurança internacional, de acordo com os princípios da Carta das Nações Unidas e da Ata Final de Helsinque e com os objetivos da Carta de Paris;O fomento da cooperação internacional;- O desenvolvimento e o reforço da democracia e do Estado de direito, bem como o respeito dos direitos do Homem e das liberdades fundamentais. Tratado de Maastricht. Disponível em: http://eulex.europa.eu/pt/treaties/dat/11992M/htm/11992M.html. Acessado em: 07 e junho de 2013. 167 United Nations Structure and Organization. Disponível em: http://www.un.org/e n/members/ind ex.shtml. Acessado em 02 de junho de 2013. 168 Tratado de Maastricht. Disponível em: http://eulex.europa.eu/pt/treaties/dat/11992M/htm/11992M.html. Acessado em: 07 e junho de 2013. 55 divergentes na sua adaptação ao novo ambiente estratégico. 169 Além disso, para a efetividade da PESC, Maastricht previa que os Estados-Membros cooperassem sistematicamente na condução das suas políticas externas, através de ações de informação mútua e de coordenação entre si. 170 Predizia, ainda, a coordenação e harmonização de ações comuns, nos domínios em que os Estados-Membros tenham interesses coletivos, desde logo, no contexto das organizações internacionais, como a ONU e a OTAN. Entretanto, mesmo apesar destas importantes institucionalizações no seio do Tratado, quando Maastricht entrou em vigor em 1° de novembro de 1993, a PESC parecia fadada ao insucesso, mesmo antes de ter nascido oficialmente. De fato, as expectativas criadas em torno do TUE para projetar um novo ator político, comprometido com a segurança internacional, não podia ser alheio ao fato do próprio panorama da segurança ter se alterado, o que resultou numa inação da PESC em relação à realidade então vivida nos Bálcãs. Assim, a recém-formalizada União Europeia revelava o seu defasamento perante as novas ameaças relacionadas à segurança e a defesa internacionais, que resultam eminentemente de crises etno-políticas e intra-estatais, em muito influenciadas pela globalização crescente171, mas, sobretudo pelo desmoronamento do império soviético e o imediato pós-Guerra Fria. Anos mais tarde, as disposições da PESC foram revistas pelo Tratado de Amsterdam, sob a justificativa de que era necessário: encontrar formas e meios para dotar a União de uma maior capacidade de ação externa, num espírito de lealdade e de solidariedade mútua, pois, os múltiplos desafios da nova situação internacional em matéria de segurança mostram a necessidade de uma resposta europeia eficaz e coerente, baseada num conceito global de segurança. 172 169 NIVET, Bastien - La défense: problématiques et dynamiques d’un chantier européen. La revue International et stratégique - dossier Répenser la défense européenne. 48. Paris: PUF – Presses Universitaires de France. 2003. 170 Este instrumento e ações estão previstas nos Arts. J.1., n.º 3 TUE e J.2 mas a cooperação política na sua dimensão externa, já tinha sido formalizada no Ato Único Europeu (assinado a 17 de Fevereiro de 1986 e em vigor desde 1 de Janeiro de 1987), dando visibilidade à Cooperação Política Europeia (CPE) que vinha a ser conduzida informalmente desde a década de 70 a partir do Relatório Davignon. Costa, Francisco Seixas da (2002) Diplomacia Europeia – Instituições, alargamento e o futuro da União. Lisboa: Publicações Dom Quixote 171 Costa, Francisco Seixas da (2002) Diplomacia Europeia – Instituições, alargamento e o futuro da União. Lisboa: Publicações Dom Quixote 172 Tratado de Amsterdam. Disponível em: http://eur-lex.europa.eu/pt/treaties/dat/11997D/htm/11997D.html. Acessado em 23 de jun. 2013. 56 O reforço da capacidade de ação externa da União foi sublinhado também no terceiro ponto abordado pelo Conselho Europeu de Turim, em 1996. O enunciado dirigia-se para quatro metas a desenvolver: 1) identificar os princípios e os domínios da política externa comum; 2) definir as ações necessárias para defender os interesses da União nesses domínios, em conformidade com tais princípios; 3) instaurar processos e estruturas que permitam tomar decisões mais eficazes e atentas, num espírito de lealdade e solidariedade mútuas; e 4) acordar disposições orçamentárias adequadas. 173 Assim, foram delineadas as principais diretrizes para o novo Tratado, com o objetivo de criar as condições políticos-institucionais necessárias para permitir à União enfrentar os novos desafios internacionais em matéria de segurança e defesa. No que tange à construção de um ator de segurança, segundo Rogério Leitão, o novo Tratado de Amsterdam, assinado em 2 de Outubro de 1997, procurou reforçar e deixar claro o acervo de Maastricht relativo à PESC. O novo Tratado manteve os objetivos já conhecidos em um novo Artigo, o décimo primeiro, jurídico-política, nem o 174 porém em sua essência, não alterou nem a natureza dispositivo institucional da PESC e o seu caráter intergovernamental.175 Não obstante, há outras alterações de relevo, principalmente às concernentes aos instrumentos, ao processo decisório e ao aparelho institucional. Estas se registram fundamentalmente em dois níveis, o primeiro, na institucionalização de uma figura que assiste a Presidência e representa a União no diálogo com países terceiros e organizações 173 Declaração de Conselho Europeu de Turim. Disponível em: http://www.consilium.europa.eu/ueDocs/cms_Dat a/docs/pressData/pt/ec/ACF364.htm. Acessado em 03. de jun. 2013 174 “TÍTULO V – Disposições relativas à Política externa e de segurança comum - Artigo 11°:1. A União define e executa uma política externa e de segurança comum extensiva a todos os domínios da política externa e de segurança, que terá por objetivos: - A salvaguarda dos valores comuns, dos interesses fundamentais, da independência e da integridade da União, de acordo com os princípios da Carta das Nações Unidas,— O reforço da segurança da União, sob todas as formas, - A manutenção da paz e o reforço da segurança internacional, de acordo com os princípios da Carta das Nações Unidas, com os princípios da Ata Final de Helsinque e com os objetivos da Carta de Paris, incluindo os respeitantes às fronteiras externas, - O fomento da cooperação internacional - O desenvolvimento e o reforço da democracia e do Estado de direito, bem como o respeito dos direitos do Homem e das liberdades fundamentais.Acessado em 20 de abril de 2012, através do link: http://www.eurotreaties.com/maastrichteu.pdf2. Os Estados-Membros apoiam ativamente e sem reservas a política externa e de segurança da União, num espírito de lealdade e de solidariedade mútua.Os EstadosMembros atuam de forma concertada a fim de reforçar e desenvolver a solidariedade política mútua. Os EstadosMembros abstêm-se de empreender ações contrárias aos interesses da União ou susceptíveis de prejudicar a sua eficácia como força coerente nas relações internacionais. O Conselho “assegura a observância destes princípios.”. Acessado em 04 de maio de 2012, através do link: http://www.eurotreaties.com/maastrichteu.pdf 175 Idem. 57 internacionais, em nome do Conselho e se a Presidência assim o decidir – o Alto Representante para a PESC e, 176 a segunda na criação de uma unidade de planejamento de política e de alerta precoce. Esta unidade, conforme disposto na declaração n.º 6 anexa ao Tratado, 177 pontua algumas das funções deste novo aparelho institucional, entre os quais, o de acompanhar, analisar, fornecer informações e alertar de forma acertada para a evolução de situações que possam ter implicações significativas na condução da PESC. 178 Por fim, representando uma profunda mudança da revisão de Amsterdam em matéria de segurança, a União Europeia Ocidental (UEO) 179 é transformada em “braço armado” ao serviço exclusivo da União Europeia para instrumentalizar toda a gama de Missões de Petersberg, que também foram institucionalizadas na nova versão do Tratado da União Europeia. As Missões Petersberg foram originalmente definidas pela UEO, e são descritas como “unidades militares e civis agindo sob o comando de uma autoridade, agora a UE, em matéria de desarmamento, missões humanitárias e de evacuação, missões de aconselhamento e assistência em matéria militar, missões de prevenção de conflitos, missões de forças de combate para a gestão de crises, incluindo as missões de restabelecimento da paz e as operações de estabilização nos termos do conflito.”. 180 Com relação a estas missões, a versão de Amsterdam do TUE afirmava ainda, que não podendo a União, enquanto tal, posicionar-se como uma comunidade de defesa que dispõe de 176 Este cargo de representação da ação da União na cena internacional foi ocupado pelo Espanhol Javier Solana desde Outubro de 1999 até à entrada em vigor do Tratado de Lisboa, a 1 de Dezembro de 2009. Acessado em 04 de maio de 2012, através do link: http://www.eurotreaties.com/maastrichteu.pdf 177 Declaração Anexa sobre a PESC no Tratado de Amsterdam. Disponível em:http://eurlex.europa.eu/p t/treaties/d at/11997D/htm/11997D.html. Acessado em 23 de jun. 2013. 178 BRETHERTON, Charlotte; VOGLER, John - The European Union as a Global Actor. 2ª ed. London: Routledge. 2006. 179 A União da Europa Ocidental (UEO) foi fundada em 1954, pelo Tratado de Bruxelas revisto, com o propósito de se constituir como uma Organização de Cooperação para a Defesa e a Segurança a nível europeu. Entre Estados-Membros, Membros associados (Hungria, Islândia, Noruega, Polônia, República Checa e Turquia), observadores (Áustria, Dinamarca, Finlândia, Irlanda e Suécia) e parceiros associados (Bulgária, Estônia, Letônia, Eslováquia, Eslovênia e Romênia), contam-se 28 países. Só com a crise dos euromísseis e a decisão, em Conselho de Ministros da defesa e dos negócios estrangeiros, de Reagan, Miterrand e Kohl, em 1984, de criarem forças multinacionais, é que a UEO é reanimada. É neste quadro que, em 1992, em Petersberg, se afirma estar em condições da UEO ser uma organização de intervenção especialista em “missões de Petersberg”. Com o Tratado de Amsterdam, afirma-se a UEO como parte integrante do desenvolvimento da capacidade operacional da União no âmbito da PESD e da potencialização das próprias Missões de Petersberg com a UEO a ser o braço armado da União, mesmo sem a participação de todos os Estados-Membros. No entanto, o Tratado de Nice ditou, a partir de 1 de Janeiro de 2002, a relocação das suas capacidades operacionais para a própria União e a defesa coletiva parte dos desígnios da OTAN. Archer, Clive. 2000. The European Union: Structure and Process. 3rd ed. London: Continuum 180 CONSEIL DE L'UNION DE L'EUROPE OCCIDENTALE . Déclaration de Petersberg. 19 jun. 1992. Disponível em: www.franceurope.org/pdf/declaration_petersberg.pdf. Acessado em : 19 jul. 2013 58 uma estrutura militar própria, poderia solicitar à UEO que “prepare e execute as decisões de ações da União que tenham repercussões no domínio de defesa e segurança internacionais”, como consta no artigo J-4, parágrafo segundo, do Tratado. 181 A União da Europa Ocidental (UEO) faz parte integrante do desenvolvimento da União proporcionando à União o acesso a capacidade operacional, nomeadamente no âmbito do n.° 2. A UEO apoia a União na definição dos aspectos da política externa e de segurança comum relativos à defesa, tal como definidos no presente artigo. Assim, a União incentivará o estabelecimento de relações institucionais mais estreitas com a UEO, na perspectiva da eventualidade de integração da UEO na União, se o Conselho Europeu assim o decidir. Neste caso, o Conselho Europeu recomendará aos Estados-Membros que adotem uma decisão nesse sentido, nos termos das respectivas normas constitucionais. 182 Deste modo, como exposto acima, com o Tratado de Amsterdam, a União Europeia ficou apta a decidir que, quando age no âmbito das Missões de Petersberg, poderá recorrer às capacidades e meios da UEO, reforçando a cooperação institucional e se lançando em atividades com outras organizações internacionais, tais quais, as missões de manutenção de paz, das Nações Unidas. 183 É importante salientar ainda, que as conclusões da Cimeira da OTAN, de Berlim em 1996, apontavam para a europeização do elo transatlântico através de “uma parceria estratégica no núcleo da OTAN alicerçado com a inclusão da Identidade Europeia de Segurança e Defesa (IESD) e a UEO numa tríade de gestão de crises”.184 É assim institucionalizado, com Berlim, o princípio de um “pilar europeu” da OTAN e a interligação entre a União Europeia Ocidental e a OTAN com as Missões de Petersberg podendo assim ser conduzidas sob a responsabilidade da UEO, com “meios coletivos” independentes da OTAN.185 De acordo com Andreia Soares, esta dimensão de gestão de crises já tinha sido 181 Tratado de Amsterdam. Acessado em 13 de abril de 2012, através do link: http://www.eurotreaties.com /maastrichteu.pdf 182 Tratado de Amsterdam. Acessado em 13 de abril de 2012, através do link: http://www.eurotreaties.com /maastrichteu.pdf 183 LA FUENTE, Alberti A. Herrero de. La Participación de la Unión Europea en la Gestión Internacional de Crisi. Revista de Estudios Europeos, Valladolid, v. 2009, n. 52, p.7-46, 2009. 184 Idem. 185 NATO - Manual da OTAN. Bruxelas: Office of information and Press, 2001 59 operacionalizada pela OTAN na Cimeira de Bruxelas de 1994, com a aprovação do conceito de “forças operacionais conjuntas e combinadas” que, no mar, terra e ar, podem ser utilizadas pela OTAN e pela UEO para o cumprimento de suas missões. É esta dimensão política de europeização da OTAN e da condução de seus meios coletivos independentes da responsabilidade da UEO, que o Tratado de Amsterdam consagra na declaração final de 1997.186 No ano seguinte, com a Cimeira de Saint-Malo, em 1998, realizou-se o encontro entre os Chefes de Estado e de Governos do Reino Unido e da França com o objetivo de discutir as questões relativas à segurança e a defesa na UE, mormente se esta deveria estar em condições de desempenhar o seu papel na cena internacional, pondo em prática as decisões do Tratado de Amsterdam.187 Nesta ocasião, ambos os líderes declararam a importância do desenvolvimento de uma capacidade política e militar autônoma, bem como a legitimidade e a urgência de desenvolver o pilar Europeu em termos de Segurança. Como resultados, já em 1999, o Conselho Europeu de Colônia formaliza uma Política Europeia de Segurança e Defesa (PESD) e definiu a gestão de crises, nomeadamente, as Missões de Petersberg, como o seu objetivo central. Essa definição encontra-se exposta na Declaração Final do Conselho sobre o reforço da PESC, como se observa abaixo. 188 Nós, membros do Conselho Europeu, estamos decididos a que a União Europeia desempenhe integralmente o seu papel na cena internacional. Para tal, pretendemos dotá-la dos necessários meios e capacidades que lhe permitam assumir as suas responsabilidades relativamente a uma política europeia comum de segurança e defesa. O trabalho realizado por iniciativa da Presidência Alemã e a entrada em vigor do Tratado de Amsterdam permitem-nos hoje dar um decisivo passo em frente. Para atingirmos os nossos objetivos em matéria de política externa e de segurança comum e o progressivo enquadramento de uma política de defesa comum, é convicção nossa que o Conselho deve poder tomar decisões sobre todos os tipos de missões em matéria de prevenção de conflitos e gestão de crises definidas no Tratado da União Europeia, as “missões de Petersberg”. Para esse efeito, a União deve dispor de capacidade de ação autônoma, apoiada em forças militares credíveis, de meios para decidir da sua utilização e de vontade política de o fazer, a fim de dar resposta às crises 186 SOARES, Andreia Mendes- União Europeia: que modelo político?. Lisboa: Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, 2005. ISBN: 972-8726-55-4 187 XXIEME SOMMET FRANCOBRITANNIQUE DE SAINTMALO. Déclaration francobritannique sur la défense européenne. SaintMalo, 4 dez.1998. Disponível em :http://www.france.diplomatie.fr/actua l/evenements/stmalo2.html. Acessado em 24 de jun. 2013 188 Declaração Final do Conselho sobre a PESC. Disponível: http://www.europarl.europa.eu/summits/ kol2_pt.htm#an3. Acessado em 13 de jun. 2013 60 internacionais, sem prejuízo das ações a empreender pela OTAN. A UE estará, assim, mais apta a contribuir para a paz e a segurança a nível internacional, em conformidade com os princípios da Carta das Nações Unidas. 189 Esta medida representou um importante passo à frente numa época em que a ameaça de conflitos em grande escala diminuiu nitidamente (em relação ao período de Guerra Fria), mas em que se assiste a uma retomada de conflitos locais que representam verdadeiras ameaças à segurança europeia (o conflito na Iugoslávia, por exemplo). Neste contexto, as "Missões de Petersberg" constituem, certamente, uma resposta adequada da União, traduzindo a vontade comum dos Estados-Membros de garantir a segurança na Europa. 190 Ainda dentro dos aspectos que envolvem a operacionalização das missões da União Europeia, a Cimeira de Helsinque, realizada em dezembro 1999, definiu o desígnio da UE de, agindo em conjunto, ser capaz, através da fixação de um objetivo em matéria de capacidades militares e civis de gestão de crises, de colocar até 2003, 60 mil pessoas em campo, num prazo de 60 dias, e de mantê-las durante um ano. Assim, estas forças designadas de Forças de Reação Rápida seriam capazes de conduzir as Missões Petersberg. 191 Entretanto, antes mesmo de definir as Forças de Reação Rápida, a Cimeira de Helsinque vem prioritariamente reforçar a importância da cooperação com outras organizações internacionais, como a ONU e a OTAN, de forma a evitar a duplicação de esforços e agilizar recursos e capacidades para a prevenção de conflitos e gestão de crises. 192 O objetivo foi ter a disposição capacidades coletivas concertadas para dar continuidade a todas as fases, desde a prevenção até a reconstrução de conflitos, decidindo sobre as diferentes e melhores possibilidades a acionar no decurso de uma crise específica. 193 189 Declaração Final do Conselho sobre a PESC. Disponível: http://www.europarl.europa.eu/summits/ kol2_pt.htm#an3. Acessado em 13 de jun. 2013 190 Andrade, Luís (2002) A UE e os desafios da política internacional. Açores: Assembleia Legislativa Regional dos Açores. 191 CONSEIL EUROPEEN D'HELSINKI . Conclusions de la présidence . Helsinki, 11 dez. 1999. Disponível em: www.grip.org/bdg/pdf/g1806.pdf. Acessado em 24 de jun. 2013 192 Idem. 193 Algumas das medidas que Helsinque aciona para desenvolver objetivos das capacidades coletivas nos domínios do comando e controlo ou inteligência, para a execução das missões de Petersberg passaram por:Elaboração de um inventário de recursos nacionais e coletivos;- Criação de base de dados para partilhar informações sobre os recursos, capacidades e conhecimentos específicos;- Criação de um mecanismo de coordenação, no seio do secretariado do Conselho, que funcione em estreita cooperação com os serviços da Comissão e o desenvolvimento da capacidade de policiamento civil;- Criação de um mecanismo de financiamento e de um fundo de reação rápida da Comissão para acelerar a disponibilização de fundos para apoiar as atividades da UE, contribuir para operações conduzidas por outras Organizações Internacionais e 61 Não obstante, a importância do fomento de uma espécie de plataforma alargada de concertação entre organizações governamentais e não-governamentais no domínio da gestão de crises, o grande contributo de Helsinque atrela-se com o estabelecimento de um “objetivo de capacidades”.194 Em termos práticos, trata-se da definição de um objetivo comum europeu para assegurar capacidades militares, estrategicamente posicionáveis para desempenhar toda a gama de Missões de Petersberg, no âmbito das quais outros atores (a ONU) não podem ou não querem intervir. 195 Nos anos subsequentes, os debates e as evoluções das políticas de segurança e de defesa da UE se intensificaram, consequência dos novos desafios impostos com os ataques terroristas ocorridos em 2001. Estas questões trouxeram uma nova lógica na forma de contribuição da União Europeia nas questões relativas à paz e a segurança internacionais, coforme se verificará na sequência. 2.4. Dos Anos 2000: Uma Década de Expansão Os anos 2000 se caracterizam por uma mudança de postura política na UE. Pela primeira vez desde sua fundação, o Conselho Europeu atribuiu à União o desígnio de ser uma “potência”, afirmando estar em condições de conduzir operações de gestão de crises à la Petersberg de forma cada vez mais autônoma e complexa.196 A União buscava reforçar, assim, as portas para testar as suas estruturas e procedimentos relativos aos aspectos civis e militares das operações de gestão de crises, de modo a analisar, planejar, decidir e, nas áreas em que a OTAN enquanto tal, não estiver comprometida, lançar e conduzir operações de gestão de crises. Os interesses da UE em desenvolver essas missões centram-se nos conceitos financiar as atividades das ONGs No fundo, o objetivo é assegurar a coerência inter-pilares, desenvolvendo um plano de ação de gestão não militar de crises para coordenar e dar maior eficácia aos vários meios e recursos civis e militares de que dispõem a União (doc. 11044/99) e os Estados-Membros (doc. 12303/99). Carta final de Helsinque, acessado em: http://www.eurotreaties.com/documents.html em 20 de maio de 2013. 194 Citação do anexo IV dos relatórios da Presidência do Conselho Europeu de Helsinque sobre “Reforço da política europeia comum de segurança e defesa” e “Aspectos não militares da gestão de crises na União Europeia”, acessado através http://www.eurotreaties.com/documents.html em 20 de maio de 2013. 195 Telò, Mario (2009), “Introduction: the EU as a model, a global actor and an unprecedent power” in Telò, Mario (ed.) The European Union and Global Governance. New York: Routledge 196 SOLANA, Javier, Estratégia Europeia em matéria de segurança. Uma Europa segura num mundo melhor. 2003. Documentos do Conselho Europeu. Disponível em:http://www.consilium.europa.eu/showPage.aspx? id=266&lan g=pt. Acessado em 03 de junho de 2013. 62 de “diplomacia de oportunidades”, ou seja, aproveita sempre que possível as oportunidades para marcar presença nos grandes palcos, e fazê-lo deixando obviamente uma marca positiva. A União Europeia, neste sentido, não almeja apenas se firmar enquanto um ator relevante nos temas de paz e segurança, e adquirir experiência operacional.197 A Organização tem desenvolvido uma estratégia de progressiva afirmação e valorização de seu papel no plano multilateral, contrariando uma postura mais reativa e defensiva da política externa, que pode representar ganhos geopolíticos e geoestratégicos importantes para a União. 198 Além disso, os atentados de 11 de Setembro apresentaram uma nova dinâmica nos debates a respeito dos temas de paz e segurança internacionais, e desafiaram o mundo globalizado com novas formas, que não as tradicionais, de causar medo e terror no mundo. A própria UE, após os ataques terroristas aos EUA, reagiu com medidas mais enérgicas, tais como a aprovação de mandado de detenção, ações contra o financiamento do terrorismo e um acordo de auxílio judiciário mútuo com os Estados Unidos. Buscou, ainda, traçar linhas mestras para o enquadramento da organização no combate às ameaças internacionais – terrorismo e proliferação de armas de destruição maciça–, quer no contexto das alianças e parcerias com as demais organizações e o desenvolvimento da cooperação neste domínio e a melhorar as suas defesas. 199 No quadro da sua política externa e de segurança comum, a UE, enquanto organização regional e na busca de um posicionamento internacional de promotora da paz, como estabelecido no preâmbulo de seu Tratado fundador, coloca em prática as suas primeiras operações no campo da paz, inicialmente em 2003, com as intervenções na BósniaHerzegovina, na Macedônia e na República Democrática do Congo. Primeiramente as ações de janeiro de 2003 a 2007, a UE lançou a Missão de Polícia (EUPM), na Bósnia-Herzegovina, tendo como objetivos: ajudar na criação de uma força policial profissional e multiétnica sustentável; auxiliar a polícia local no combate ao crime organizado em grande escala; e ajudar com a reforma de todo o sistema de polícia. A missão europeia substituiu a Força Internacional de Polícia das Nações Unidas e envolveu cerca de 470 efetivos policiais. 200 197 EVANS, Gareth. Cooperating for peace. St. Leonards: Allen & Unwin. 2003 EVANS, Gareth. Cooperating for peace. St. Leonards: Allen & Unwin. 2003 199 SOLANA, Javier - Relatório sobre a execução da estratégia europeia de segurança – garantir a segurança num mundo em mudança. Bruxelas, 11 de Setembro de 2008. Disponível em: http://www.consilium.europa.eu /uedocs/cms_Data/docs/pressdata/PT/Reports/ 104638.pdf. Acessado em 11 de junho de 2013. 200 Acção comum do Conselho, de 11 de Março de 2002, relativa à Missão de Polícia da União Europeia. Disponível em:http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=CEL EX:32002E0210. Acessado em 06 198 63 Já no mês março, foi a vez da República da Macedônia ser o cenário de atuação da União Europeia. Esta operação de paz, por sua vez, tinha como principal objetivo o de continuar o trabalho de estabilização da situação no território iniciado pela OTAN, garantindo as condições de segurança necessária à implementação do tratado de cessar-fogo201, assinado em agosto de 2001. Estas ações inseriam-se num contexto de apoio prestado pela União Europeia ao governo macedônio, que, além da componente militar, envolvia, igualmente, apoio político e econômico. Por fim, em junho de 2003, por decisão do Conselho da União Europeia, deu-se início a operação de gestão de crises no nordeste da República Democrática do Congo (na cidade de Bunia), denominada EUFOR Artemis. Esta operação teve o objetivo de contribuir com a estabilização de segurança nos aeroportos e da população civil no breve período de três meses, mesmo assim, esta missão pode ser considerada um marco nas ações da União Europeia, pois, foi a primeira operação (militar ou civil) efetuada fora de seu continente. Como outra característica a realçar, tem-se a coordenação muito próxima com a ONU, em particular com a missão da ONU já presente no local (Missão das Nações Unidas na República Democrática do Congo – MONUC). 202 Essa operação representou uma aproximação importante no quadro de cooperação destas duas organizações, sendo inclusive a primeira operação realizada por ambas, dando espaço para a assinatura da “Declaração Conjunta entre União Europeia e ONU para a Gestão de Crises”, como se verá adiante. Com as bem sucedidas ações de intervenção mencionadas acima, ainda em 2003, e no quadro das operações de paz, Javier Solana, o Alto Representante para a PESC, decide elaborar um documento que contivesse as linhas gerais de um conceito estratégico europeu no campo da segurança e defesa internacionais. 203 O documento intitulado Estratégia Europeia de Segurança – (ESS) definia os desafios globais e as principais ameaças que se colocam à Europa no âmbito da segurança. O documento afirmava que a globalização a par de fatores como a abertura das fronteiras, o aumento dos fluxos de comércio e investimento, e o desenvolvimento tecnológico, trouxeram um grau de desenvolvimento à UE, como é sabido, de julho de 2013. 201 CONSEIL DE L'UNION EUROPEENNE . Une Europe sûre dans un monde meilleur stratégie européenne de Sécurité. Bruxelas, 12 dez. 2003. Disponível em :http://www.ueitalia2003.it/FR/LaPresidenzaInforma/Cale ndario/12/12/doc_ev_12dicce_5.htm. Acessado em 19 de jun. 2013 202 RUGGIE, John G. The United Nations and the collective use of force: whither — or whether. New York: United Nations Association of the United States of America, 2008 203 Idem. 64 entretanto, consequentemente, geraram certa dependência e vulnerabilidade.204 A dependência energética, e a corrida no acesso a recursos naturais, por exemplo, são dois fatores de preocupação para a Europa, pois são recursos estratégicos essenciais que podem causar grandes turbulências, sendo os principais desafios globais que se impõem na Europa atualmente. 205 Entretanto, para além das ameaças e desafios, Javier evidencia a União Europeia como uma Comunidade produtora e promotora de normas e valores, e por isso, “a Europa deve estar pronta para assumir a sua parte de responsabilidade na segunda global e na criação de um mundo melhor”. 206 A ESS, neste sentido, parece assumir-se como uma espécie de manifesto para uma União mais ativa, desenvolvendo uma “cultura estratégica que promova uma intervenção precoce, rápida e, se necessário, enérgica” 207 ; mais coerente, congregando os diferentes instrumentos e capacidades, pois “a segurança é a condição primária do desenvolvimento” 208; e mais capaz, desde logo assumindo que “o recurso sistematizado a meios partilhados e postos em comum reduziria as duplicações, os custos e, em médio prazo, levaria a um aumento das capacidades” 209. A Estratégia exortou a União a contribuir para uma ordem multilateral mais efetiva em todo o mundo. Desde 2003 que a UE tem intensificado as suas parcerias na execução deste objetivo e com isso conseguiu ampliar sua atuação no campo das operações de paz em outros territórios, diferentes daqueles que já atuara em 2003. Assim, além das três operações já descritas anteriormente, a UE realizou outras 16 missões, algumas das quais ainda continuam em andamento, conforme ilustrado no quadro210 abaixo: 204 CONSEIL DE L'UNION EUROPEENNE . Une Europe sûre dans un monde meilleur stratégie européenne de Sécurité. Bruxelas, 12 dez. 2003. Disponível em :http://www.ueitalia2003.it/FR/LaPresidenzaInforma/Cale ndario/12/12/doc_ev_12dicce_5.htm. Acessado em 19 de jun. 2013 205 SOLANA, Javier - Relatório sobre a execução da estratégia europeia de segurança – garantir a segurança num mundo em mudança. Bruxelas, 11 de Setembro de 2008. Disponível em: http://www.consilium.europa.eu /uedocs/cms_Data/docs/pressdata/PT/Reports/ 104638.pdf. Acessado em 11 de junho de 2013. 206 SOLANA, Javier - Relatório sobre a execução da estratégia europeia de segurança – garantir a segurança num mundo em mudança. Bruxelas, 11 de Setembro de 2008. Disponível em:http://www.consilium.europa.eu/uedocs/ cms_Data/docs/pressdata/PT/Reports/104638.pdf>. Acessado em 13 de 2013. 207 Idem. 208 Idem. 209 SOLANA, Javier - Relatório sobre a execução da estratégia europeia de segurança – garantir a segurança num mundo em mudança. Bruxelas, 11 de Setembro de 2008. Disponível em:http://www.consilium.europa.eu/ued ocs/cms_Data/docs/press data/PT/Reports/ 104638.pdf. Acessado em: 06 de junho de 2013. 210 Bobrow, D. e Boyer, M. “Maintaining System Stability: Contributions to Peacekeeping Operations”. In. The Journal of Conflict Resolution, vol. 41, no. 6, 1997, pp. 723-748. 65 As Missões Operacionais da União Europeia Designação EUFOR/ALTHEA Local BósniaHerzegovina Duração 2004/Atual Objetivos Operação Militar Base Jurídica 2004/570/PESC – 2004 Geórgia 2004/2005 Reforço do Estado de Direito 004/523/ PESC – 2004 Macedônia 2005/2006 2005/826/ PESC – 2005 Moldávia 2005/2009 Reforço das capacidades locais Operação Policial Kosovo 2008/Atual Estado de Direito 2008/124/ PESC – 2008 EUPOL / KINSHASA RD Congo 2005/2007 2004/847/ PESC – 2003 EUSEC Congo RD Congo 2005/2009 EUPOL Congo Congo 2006 Darfur Chade Guiné Bissau Territórios Palestinos Iraque 2007/2009 2005/2007 2008/Atual Territórios Palestinos Achém Afeganistão 2005/2008 Reforço das capacidades policiais locais Reforma do setor de segurança Reforço das capacidades policiais locais Operação Civil e Militar Operação Militar Reforma do setor de segurança Reforço das capacidades policiais locais Reforço do Estado de Direito Operação Policial EUJUST THEMIS EUPAT Missão Fronteiriça EULEX Missão Apoio UE/AMIS (UA) EUFOR Tchad EU SSR Guiné Bissau EUPOL COPPS EUJUST LEX MAF EU RAFA Missão de Vigilância EUPOL 2005/Atual 2005/2009 2005/2006 2007/2010 Estado de Direito Reforço das capacidades policiais locais Fonte: Serviço de Segurança Externa - União Europeia MoU entre UE e Moldávia 2006/319/ PESC – 2006 2007/405/PESC – 2007 Ação Comum do Conselho Ação Comum do Conselho Ação Comum do Conselho 2005/797/ PESC – 2005 2005/190/ PESC – 2005 2005/889/ PESC – 2005 2005/643/ PESC – 2005 2007/369/ PESC – 2007 Elaboração Própria No que concerne à atuação da União Europeia nas missões desenhadas acima, entende-se que tudo o que a UE tem feito no domínio da paz e segurança internacionais tem estado associado aos princípios e propósitos da ONU. Esta afirmação é corroborada se visto a presença europeia nos grandes teatros de ação, (Kosovo, Afeganistão, República Democrática do Congo, Sudão/Darfur, Chade, entre outros) e no fortalecimento dos laços institucionais, em conformidade com a declaração conjunta UE-ONU de 2007. Desta forma, As Nações Unidas e a União Europeia partilham do princípio de que a responsabilidade pela manutenção da paz e da segurança internacionais cabe, em primeiro lugar, ao Conselho de Segurança das Nações Unidas, de acordo com a Carta das Nações Unidas. Neste 66 contexto, a União Europeia reitera o seu empenho em contribuir para os objetivos das Nações Unidas em matéria de gestão de crises. 211 Ambas as organizações reconheceram ainda, na Declaração, os progressos feitos no campo da paz, afirmando que: As Nações Unidas e a União Europeia reconhecem que no ano anterior se realizaram grandes progressos no estabelecimento de uma cooperação concreta entre ambas em matéria de gestão de crises, especificamente no que se refere à transferência das responsabilidades da Força Internacional de Polícia das Nações Unidas para a Missão de Polícia da União Europeia na Bósnia-Herzegovina, à rápida projeção, a pedido do Conselho de Segurança, da Operação Militar da União Europeia na República Democrática do Congo (Operação Artemis) e à ponderação ativa, por parte da União Europeia, de formas de assistência à criação de uma Unidade Integrada de Polícia em Kinshasa, com o objetivo de proporcionar segurança ao Governo e às instituições de transição. 212 Ainda dentro do quadro político da ESS, ONU e União Europeia assinaram conjuntamente, em 2004, o documento intitulado “Cooperação UE-ONU em operações militares de gestão de crises – Elementos para a implementação da declaração conjunta UEONU” 213 . Este documento serve como base sólida para o desenvolvimento de uma cooperação concreta e eficaz nas questões relacionadas à segurança e a paz internacionais, dando continuidade às manifestações da Declaração Conjunta assinada no ano anterior. Nesta linha, A assinatura de uma "Declaração conjunta sobre a cooperação entre a UE e as Nações Unidas em matéria de gestão de crises" em Setembro de 2003, tirando partido do êxito da Operação Artemis, identificou vias para implementar o compromisso, há muito assumido pela UE, de apoiar a ONU na gestão de crises. Foi instituído, no nível de grupo de trabalho, um mecanismo de consulta conjunto (o chamado "Comitê 211 Declaração Conjunta União Europeia e Nações Unidas sobre a Gestão de Crises. Disponível em: http://Europa eu/rapid/press-rele ase_PRES-03-266_pt.htm?locale=en. Acessado em 12 de junho de 2013. 212 Declaração Conjunta União Europeia e Nações Unidas sobre a Gestão de Crises. Disponível em: http://Europa eu/rapid/press-rele ase_PRES-03-266_pt.htm?locale=en. Acessado em 12 de junho de 2013 213 Cooperação UE-ONU em operações militares de gestão de crises – Elementos para a implementação da declaração conjunta UE-ONU. Disponível em: http://register.consilium.europa.eu/pdf/pt/04/st09/st09638re01.pt04.pdf. Acessado em 11 de junho de 2013. 67 Diretor"), tendo-se realizado reuniões periódicas entre membros do pessoal de ambas as organizações. 214 O documento em questão sublinha duas principais possibilidades de cooperação de capacidades e o desenvolvimento da UE enquanto ator de segurança e defesa. A primeira está na atuação da União Europeia enquanto intermediador entre seus Estados-Membros para que colaborem de forma mais efetiva com as Nações Unidas. Neste sentido, Poder-se-ia encarar a hipótese de atribuir à UE um papel complementar, sob a forma de "processo de intermediação" entre os Estados-Membros; este processo proporcionaria um enquadramento graças ao qual, os Estados-Membros poderiam proceder ao intercâmbio voluntário de informações sobre os respectivos contributos para operações específicas da ONU e, se assim o decidissem, coordenar esses seus contributos nacionais. Tal assumiria especial relevância no âmbito daquilo que a ONU designa por "capacidades de habilitação”. 215 Já a segunda possibilidade está na criação e a manutenção de uma operação da UE de apoio à ONU, sob o controle da primeira. Neste caso, a União pode conduzir operações no âmbito de um mandato da ONU, quer enquanto operações autônomas, quer assumindo a responsabilidade por uma componente específica dentro da estrutura de uma missão da ONU. Desta forma, A outra grande opção é o lançamento e condução de uma operação da UE de apoio à ONU, sob o controlo político e a direção estratégica da UE. Poderiam considerar-se diversas modalidades. A UE poderia conduzir operações no âmbito de um mandato da ONU, quer enquanto operações autônomas, como seria o caso da Bósnia-Herzegovina, quer assumindo a responsabilidade por uma componente específica dentro da estrutura de uma missão da ONU (a chamada "abordagem modular"). Neste caso, uma componente da UE operaria sob o controlo político e a orientação estratégica da UE. Estes modelos terão de ser avaliados na perspectiva da UE, à luz das experiências presentes e do passado. 216 214 Cooperação UE-ONU em operações militares de gestão de crises – Elementos para a implementação da declaração conjunta UE-ONU. Disponível em: http://register.consilium.europa.eu/pdf/pt/04/st09/st09638re01.pt04.pdf. Acessado em 11 de junho de 2013. 215 Idem. 216 Idem. 68 Entretanto, mesmo a ONU buscando estreitar um relacionamento com a UE, oferecendo-lhe um grau de autonomia elevado, possibilitando-lhe a criar e operacionalizar suas próprias missões em apoio a ONU, como visto, as declarações conjuntas firmadas entre as mesmas, sempre buscaram deixar claro, que a UE é um importante “coadjuvante” nestas atividades, ou seja, a ONU sempre reservou à si própria a responsabilidade de intervenção, o monopólio do uso da força. A Estratégia Europeia de Segurança sublinhou a importância das Nações Unidas nas relações internacionais e recordou que cabe ao Conselho de Segurança das Nações Unidas a responsabilidade primordial pela manutenção da paz e da segurança internacionais. Sublinhou igualmente que "reforçar a Organização das Nações Unidas, dotando-a dos meios necessários para que possa cumprir as suas missões e atuar de forma eficaz, deve ser uma das prioridades da Europa". Este compromisso deverá ser consentâneo com as demais prioridades definidas na Estratégia Europeia de Segurança. 217 Diante do apresentado, percebe-se um forte progresso no relacionamento nos últimos anos, destacando-se uma ambivalência de situações: do lado da ONU, as novas exigências em matéria de operações de paz colocam a organização nos limites operacionais e levam-na a procurar cada vez mais apoio entre os atores regionais. De acordo com John Ruggie, por exemplo, as operações da ONU foram mais bem-sucedidas quando efetivamente “patrocinadas” por membros do Conselho de Segurança ou por organizações regionais dispostos a enviar unilateralmente recursos em seu apoio. 218 O orçamento da ONU para as operações, de junho de 2012 a julho de 2013, corresponde a aproximadamente 5 bilhões de dólares, sendo que atualmente são utilizados cerca de 7 bilhões para o financiamento das ações. 219 Deste modo, a presença militar do Reino Unido em Serra Leoa, as atividades militares da França na Costa do Marfim, o sólido apoio dos Estados Unidos à operação da ONU na Libéria, a presença da União Africana em Darfur e da União Europeia no Congo parecem ter 217 Cooperação UE-ONU em operações militares de gestão de crises – Elementos para a implementação da declaração conjunta UE-ONU. Disponível em: http://register.consilium.europa.eu/pdf/pt/04/st09/st09638re01.pt04.pdf. Acessado em 11 de junho de 2013. 218 RUGGIE, John G. The United Nations and the collective use of force: whither — or whether. New York: United Nations Association of the United States of America, 2008 219 NATIONS, Dpko - United. Past Peacekeeping Operations. Disponível em: <http://www.un.org/en/peacekee ping/operat ions/past.shtml>. Acesso em: 03 jun. 2013. 69 contribuído para criar um ambiente operacional mais tolerante para as forças internacionais de manutenção da paz. 220 Operacionalmente as missões de paz da ONU trabalham em seu limite máximo na África e no resto do mundo, já que cerca de 90 mil pessoas estão hoje comprometidas em 18 operações de manutenção da paz da ONU em todo o globo. Aproximadamente 70 % desse pessoal participam de oito operações no continente africano, de 116 países diferentes. 221 Do lado europeu, o desenvolvimento da Política Europeia de Segurança e Defesa (PESD), o seu interesse geopolítico e geoestratégico direto em diversas regiões, e a ênfase na sua autonomia tem levado a União a equacionar o seu envolvimento nas operações da ONU. 222 Ou seja, de um lado, como visto a UE se lança como um ator global, capaz de criar e gerir missões complexas e multidimensionais com certo grau de autonomia, entretanto, atuando com respeito aos princípios e propósitos das Nações Unidas, reconhecendo a primazia da mesma nas missões de paz. 223 Do outro, a ONU busca contar com as capacidades materiais e operacionais da UE, entretanto, não permitindo que a mesma se sobreponha ao seu direito de intervenção através do CSNU. 224 A convergência destes dois movimentos promoveu uma genuína aproximação interinstitucional, como visto. Todavia, este processo desenvolve-se por entre as diferenças de agenda, vocação ou membership respectivos das duas organizações. 225 Em geral, é mais a União que fixa a agenda e define os termos de um relacionamento, caracterizado, essencialmente, pelo que a ONU quer e aquilo que a UE está disposta a oferecer. 226 Deste modo, entende-se que a União Europeia é levada a agir com seus interesses em primeiro lugar, no relacionamento com as Nações Unidas. 227 Como via de regra, a ONU, por meio do CSNU, ou através da AGNU, adota Resoluções a respeito de diferentes controvérsias, nos mais variados lugares do globo, analisando ou não a necessidade de uma ação interventora. Nos casos em que julga 220 RUGGIE, John G. The United Nations and the collective use of force: whither — or whether. New York: United Nations Association of the United States of America, 2008. 221 NATIONS, Dpko - United. Past Peacekeeping Operations. Disponível em: <http://www.un.org/en/peacekee ping/operat ions/past.shtml>. Acesso em: 03 jun. 2013. 222 RUGGIE, John G. The United Nations and the collective use of force: whither — or whether. New York: United Nations Association of the United States of America, 2008. 223 SUTTERLIN, James S. The United Nations and the maintenance of international security. Westport: Praeger, 2007. 224 Idem. 225 Idem. 226 Idem; 227 RUGGIE, John G. The United Nations and the collective use of force: whither — or whether. New York: United Nations Association of the United States of America, 2008. 70 estabelecer uma missão de paz, a Organização clama a comunidade internacional a participar das operações, com contribuições materiais ou operacionais. Neste momento é que os Estados-Membros e as organizações internacionais decidem colaborar ou não, ou seja, é nessa ocasião que a União Europeia coloca o que julga serem os prós e os contras de sua participação. 228 Assim, as relações UE-ONU na promoção da paz são caracterizadas como multifacetadas, pois resultam da junção de perspectivas de diferentes atores estatais em relação a uma atividade, operações de paz, complexa e multidimensional por natureza, com aproximações necessariamente distintas consoante o local onde se desenrole (Europa, África ou outro), por intermédio de que quadro (ONU, organizações regionais, coligações) e com que propósito e nível de envolvimento (mandato, comando, força requerida, etc.). 229 Em última análise, a ONU e a UE fazem aquilo que os seus membros entendem que se pode e deve fazer. No que concerne às questões de ordem institucionais, em 2000, o Conselho Europeu de Santa Maria da Feira orientou para uma institucionalização, no âmbito do Conselho, de novos órgãos e estruturas político-militares que assegurassem a orientação política e direção estratégica das operações de Petersberg. 230 O primeiro, um Comitê Político e de Segurança que, na sequência da entrada em vigor do Tratado de Amsterdam, foi aceito no Conselho Europeu de Helsinque e que adquiriu forma de princípio permanente com o Conselho Europeu de Nice. Constituído por Altos Representantes nacionais, entre os responsáveis políticos dos Ministérios dos Negócios Estrangeiros, este órgão intergovernamental tem como missão acompanhar a evolução da situação internacional no âmbito da PESC, contribuir para a definição das políticas e controlar a execução das decisões do Conselho. 231 O segundo é o Comitê Militar da União Europeia (CMUE) que, constituído pelos Chefes de Estado-Maior da Armada (CEMA) dos Estados-Membros, aconselha e faz recomendações militares ao Comitê Político e de Segurança (COPS) de todas as operações militares da UE. 228 232 O CMUE fornece ainda orientações militares ao Quadro de Pessoal RUGGIE, John G. The United Nations and the collective use of force: whither — or whether. New York: United Nations Association of the United States of America, 2008. 229 Barceló. Maria J. Tesis Doctoral presentada para el Programa de Doctorado Interdisciplinario Internacional sobre la Sociedad de la Información y del Conocimiento. Barcelona 2012. 230 Bauer, Michael W. 2009. “Reforming the European Commission – A (Missed?) Academic Opportunity”. European Integration Online Papers, Vol. 6 (2002), nº 8 Disponível em: http://eiop.or.at/eiop/texte/2000008a.htm. Acessado em 06 de julho de 2013. 231 Idem. 232 Conselho Europeu de Santa Maria de Feira. Disponível em: http://www.europarl.e uropa.eu/su 71 Militar (QPM) e assume a direção militar ou fornece as instruções ao Estado-Maior da União Europeia (EMUE) que desempenha essencialmente funções de alerta precoce, avaliação da situação e planejamento estratégico e conduz as operações militares de gestão de crises liderada pela União. 233 Desta forma, já no Conselho Europeu de Nice, os Chefes de Estado e de Governo assinaram o novo Tratado de Nice, que veio legitimar todo o aparato dos Conselhos Europeus posteriores à entrada em vigor de Amsterdam.234 Desde logo, é formalmente consagrado em Nice toda estrutura em torno do COPS “que poderá ser autorizado pelo Conselho, para efeitos de uma operação de gestão de crises e enquanto ela durar, a tomar as decisões adequadas, no âmbito do II Pilar, para assegurar o controle político e a direção estratégica das operações”. 235 Além disso, o Tratado de Nice adormece estrategicamente a UEO (embora sem extinguir o Tratado de Bruxelas) e incorpora as funções de gestão de crises, tradicionalmente desempenhadas pela Organização, na própria missão da União Europeia. 236 Já no final da década, em 13 de dezembro de 2007, sob a égide da Presidência Portuguesa do Conselho da UE, os 27 chefes de Estado e de Governo dos países da União Europeia concluíram e assinaram em Lisboa, após meses de negociações numa Conferência Intergovernamental, o novo Tratado da União Europeia237, que introduz alterações no Tratado da União Europeia e no Tratado que instituiu a Comunidade Europeia. 238 Com o Tratado de Lisboa pretendeu-se dar maior coerência à ação externa da União e agilizar o processo de decisão para esse fim. A governança da UE parece, em Lisboa, estar se aproximando de um figurino mais Estadista239, centralizados politicamente em Bruxelas, consagrados através de novas dimensões já previstas, inclusive no projeto de Tratado Constitucional. 240 Em Lisboa também, a defesa e segurança encontram-se disponíveis para uma cooperação reforçada. Contudo, no que se refere às operações de manutenção da paz, o novo texto não apresenta atualizações que alterem de forma relevante o já instituído pelos mmits/fei1_pt.htm. Acessado em 13 de jun. 2013. 233 Conselho Europeu de Santa Maria de Feira. Disponível em: http://www.europarl.e uropa.eu/su mmits/fei1_pt.htm. Acessado em 13 de jun. 2013. 234 Tratado de Nice. Disponível em: http://eur-lex.europa.eu/pt/treaties/dat/12001C/htm/12001C.html. Acessado em 18 de jun. de 2013. 235 Idem. 236 Idem. 237 Tratado de Lisboa. Disponível em: http://eur-lex.europa.eu/JOHtml.do?uri=OJ:C:2007:306:SOM:PT:HTML . Acessado em 12 de jun. 2013 238 Idem. 239 Ginsberg, Roy H. (1999) ‘Conceptualizing the European Union as an International Actor: Narrowing the Theoretical Capability-expectations Gap’, Journal of Common Market Studies. 240 Idem. 72 Tratados de 1992 e 1997. 241 O Tratado de Lisboa assim, Reconhece que, num contexto global turbulento e em plena crise econômica e financeira, a União Europeia é chamada a reforçar a sua autonomia estratégica para preservar os seus valores, perseguir os seus interesses e proteger os seus cidadãos desenvolvendo uma visão comum dos principais desafios e ameaças e reunindo as suas capacidades e recursos para lhes dar resposta adequada, contribuindo deste modo para preservar a paz internacional e a estabilidade global, nomeadamente aplicando um multilateralismo efetivo. 242 Diante da citação acima, são perceptíveis os avanços feitos no quadro de segurança e defesa da UE, principalmente, nos últimos vinte anos, com os Tratados fundadores da UE. Nos Tratados foi possível observar o intuito da União Europeia de tornar-se um ator relevante, conjuntamente com as Nações Unidas, no campo de paz e segurança internacionais. 243 A União Europeia conseguiu, através de modelo de integração, criar uma personagem política de peso nos debates a respeito de paz, consolidando-se como um vetor de progresso em todo o mundo. 244 O ponto de partida deste capítulo foram os debates sobre a inclusão de uma dimensão de segurança no seio da UE, questão sempre presente no processo de integração europeia – apesar de a maior parte dos esforços diplomáticos terem focalizado questões de integração econômica e política. De fato, o começo das negociações sobre esquemas comuns de segurança começaram após negociações sobre questões econômicas e comercias, mas os objetivos que promoveram estas negociações estiveram fundamentalmente relacionados com a segurança dos Estados da Europa Ocidental. 245 No entanto, este processo revelou-se demorado, complexo e não sem retrocessos. Após, praticamente, meio século de negociações e debates, finalmente fora incluída a 241 Preâmbulo e artigo 42.º do Tratado da União Europeia. Disponível em: http://eur-lex.europa.eu /pt/treaties/dat/11992M /htm/119 92M .html. Acessado em 12 de maio de 2013. 242 Desenvolvimento da Política Comum de Segurança e Defesa na sequência da entrada em vigor do Tratado de Lisboa – 2009. Disponível em: http://eurlex.europa .eu/LexUriServ/LexUriServ.do?uri=OJ: C:2012:377E: 0051:0065:PT :PDF. Acessado em 13 de jun de 2013 243 RUGGIE, John G. The United Nations and the collective use of force: whither — or whether. New York: United Nations Association of the United States of America, 2008. 244 Bomberg, Elizabeth, and Alexander Stubb. 2010. The European Union: How does it Work? Oxford: Oxford University Press. 245 Idem. 73 dimensão de política externa e de segurança comum num esquema de integração regional, que eventualmente levou à incorporação da dimensão mais específica de segurança e de defesa europeias. Com a consolidação de uma política externa de defesa e segurança comuns, a União Europeia passou a reforçar suas ações no cenário internacional, como um vetor de progresso e paz. 246 Deste modo, a União buscou atuar por meio das missões de Pertersbeg, originalmente parte integrante da UEO e mais tarde institucionalizada pelo TUE, em diversos cenários de conflito. 247 Dado o sucesso de suas ações de caráter multidimensional, ONU e UE passaram a acreditar em uma cooperação mais próxima no campo das operações de paz, neste sentido, em 2003, a UE participa da missão das Nações Unidas na RDC, como se verá na sequência, abrindo espaço para a posterior assinatura de uma declaração conjunta para gestão de crises, conforme observado neste capítulo. Uma vez analisados a evolução e os quadros institucionais da ONU e da UE, o próximo capítulo apresentará com mais afinco como funcionam a cooperação entre ONU e a União Europeia, no campo de ação, mais especificamente na República Democrática do Congo. Destaca-se também, de que forma institucionalizou-se o acordo de cooperação, previsto no capítulo VIII, bem como os trâmites legais, os problemas e desafios da intervenção, além, claro, da análise do conflito em questão. 246 SOLANA, Javier, Estratégia Europeia em matéria de segurança. Uma Europa segura num mundo melhor. 2003. Documentos do Conselho Europeu. Disponível em:http://www.consilium.europa.eu/showPage.aspx? id=266&lan g=pt. Acessado em 03 de junho de 2013. 247 Bomberg, Elizabeth, and Alexander Stubb. 2010. The European Union: How does it Work? Oxford: Oxford University Press. 74 3. A CONTRIBUIÇÃO EUROPEIA À ONU NAS OPERAÇÕES DE PAZ: A PARTICIPAÇÃO NAS MISSÕES NO CONGO 3.1. Considerações Preliminares Ao longo dos dois últimos capítulos, analisou-se o desenvolvimento e o funcionamento dos quadros institucionais de ações no campo da paz, tanto da Organização das Nações Unidas, quanto da União Europeia. Salientaram-se as evoluções das operações de paz, como ferramenta da ONU para realizar seu objetivo primordial e, principalmente os dispositivos legais de atuação de forma cooperada entre organizações. Esses capítulos também avaliaram os desejos e as motivações de ambas promoverem a paz, a segurança e o progresso em todo o mundo, e finalmente, as possibilidades de fazerem isso através de ações conjuntas. Nesse terceiro capítulo, por sua vez, se abordará o relacionamento entre a ONU e a UE, no tocante às operações de paz, através da análise de um exemplo prático, que são as intervenções na República Democráticas do Congo, na tentativa de elucidar os interesses e desafios dos processos de cooperação. Esse capítulo também busca explicar de que maneira a União Europeia leva a cabo suas próprias operações de paz, as chamadas missões de Petersberg, como visto no segundo capítulo, uma vez que a UE reconhece as Nações Unidas como organização dotada do monopólio legítimo do uso das forças nas relações internacionais. A partir destas análises, busca-se alcançar o objetivo proposta por esta pesquisa, que é analisar as motivações, possibilidades e desafios dos arranjos regionais estabelecidas entre as Nações Unidas e a União Europeia, com base no capítulo VIII da Carta de São Francisco, a partir do estudo das missões de paz na República Democrática do Congo. 3.2. A Regionalização das Operações de Paz: As ações da UE e da ONU O desenvolvimento, pelas instituições regionais, de mecanismos e capacidades para atuar na manutenção da paz tem se mostrado uma das tendências mais marcantes no que diz 75 respeito a operações de paz desde a década passada. 248 Após os ocorridos nas missões na Somália (1992-1993), e em Ruanda (1993-1996), onde a ONU foi incapaz de conter o genocídio, como visto, criou-se, especialmente, entre os países desenvolvidos, uma crise de confiança em relação às operações de paz conduzidas pela ONU. As organizações regionais parecem ter sido, então, a forma eleita por estes países para sua atuação direta, de modo que as nações desenvolvidas têm disponibilizado recursos de forma crescente para as organizações regionais a que pertencem. 249 A regionalização, no entanto, não significa necessariamente que as missões sejam direcionadas apenas para determinadas regiões, mas, antes, que as missões sejam constituídas a nível regional. De acordo com Fulvio Attinà, 250 este processo veio reforçar a possibilidade de estes atores estabelecerem missões de manutenção da paz exclusivamente com base nos seus próprios contributos, para além de criarem as condições para missões híbridas. Estas últimas referem-se às missões das Nações Unidas em colaboração direta251 com outras organizações ou atores regionais, como exemplo, a missão em Darfur (UNAMID), realizada em cooperação com a União Africana. 252 Neste sentido, a União Europeia surge como resposta dos países desenvolvidos da Europa, aos crescentes desafios impostos pelo contexto atual, a partir das missões de Petersberg, como visto no segundo capítulo. Ao longo dos anos, a UE adquiriu competência para realizar uma gama limitada de ações militares. Segundo o Tratado de Lisboa, artigo 42, as ações levadas a cabo em nome da União Europeia, abrangem agora: As missões humanitárias ou de evacuação dos cidadãos nacionais; as missões de prevenção de conflitos e as missões de manutenção da paz; as missões de forças de combate para a gestão das crises, incluindo operações de restabelecimento da paz; as ações conjuntas em matéria de desarmamento; as missões de aconselhamento e assistência em matéria militar; e as operações de estabilização no termo dos conflitos.253 248 Attinà, Fulvio (2011), “Multilateralism and the Emergence of ‘Minilateralism’ in EU Peace Operations”, Romanian Journal of European Affairs,Editora Novos Rumos vol. 9. 3° edição. São Paulo 249 Pugh, Michael (2011), “Peace Operations” in Paul Williams (ed.), Security Studies: An Introduction. Londres: Routledge, 367-399 250 Attinà, Fulvio (2011), “Multilateralism and the Emergence of ‘Minilateralism’ in EU Peace Operations”, Romanian Journal of European Affairs,Editora Novos Rumos vol. 9. 3° edição. São Paulo 251 Idem 252 Idem. 253 Tratado de Lisboa. Disponível em: http://eur-lex.europa.eu/JOHtml.do?uri=OJ:C:2007:306:SOM:PT:HTML . Acessado em 12 de jun. 2013 76 Essa evolução da capacidade operacional, como bem salientado por Javier Solana, 254 permitiu a União Europeia fortalecer sua posição de ator relevante no cenário internacional, e projetar-se como um polo de estabilidade também fora da Europa255, como se destaca abaixo. A União Europeia continua a ser um polo de estabilidade. Graças ao alargamento, a democracia e a prosperidade estendem-se a todo o continente. (...) A política de vizinhança que praticamos criou um quadro robusto em que se inserem as relações com os nossos parceiros a sul e a leste, e que assume agora na União para o Mediterrâneo e na Parceria Oriental uma nova dimensão. Desde 2003, a União Europeia passou a exercer uma influência crescente na Resolução de crises e conflitos em todo o mundo, principalmente, em países como o Afeganistão ou Geórgia. 256 Deste modo, a União Europeia parece assumir, do exposto acima, o papel de uma organização internacional, embora não seja seu objetivo primordial, capaz de contribuir com a ONU e outras organizações através de uma aliança objetivando a paz e o progresso. 257 Neste aspecto, Javier Solana afirma, ainda, que o apoio à cooperação multilateral constitui um princípio basilar na política externa da União Europeia. 258 A Estratégia de Segurança, criada pelo Alto Comissário, ressalta as diversas ações da UE, que demonstram seu interesse em incentivar o desenvolvimento e a melhoria dos meios de ação de governança global, principalmente no quadro das ações de manutenção da paz, das Nações Unidas. Segundo a ESS: As Nações Unidas ocupam a posição cimeira do sistema internacional. Tudo o que a União Europeia tem feito no domínio da segurança tem estado associado aos objetivos da ONU. A União Europeia desenvolve uma estreita colaboração nos grandes teatros de ação (Kosovo, Afeganistão, República Democrática do Congo, Sudão/Darfur, Chade, Somália, entre outros) e tem vindo a reforçar os laços institucionais, 254 Leitão, A. Rogério (2003a) “A política Europeia de Segurança e Defesa – que futuro?”, Estratégia – Revista de Estudos Internacionais. 18/19 (1.º/2.º) 255 SOLANA, Javier - Relatório sobre a execução da estratégia europeia de segurança – garantir a segurança num mundo em mudança. Bruxelas, 11 de Setembro de 2008. Disponível em: http://www.consilium.europa.eu /uedocs/cms_Data/docs/pressdata/PT/Reports/ 104638.pdf. Acessado em 11 de junho de 2013. 256 Idem. 257 Leitão, A. Rogério (2003a) “A política Europeia de Segurança e Defesa – que futuro?”, Estratégia – Revista de Estudos Internacionais. 18/19 (1.º/2.º) 258 SOLANA, Javier - Relatório sobre a execução da estratégia europeia de segurança – garantir a segurança num mundo em mudança. Bruxelas, 11 de Setembro de 2008. Disponível em: http://www.consilium.europa.eu /uedocs/cms_Data/docs/pressdata/PT/Reports/ 104638.pdf. Acessado em 11 de junho de 2013. 77 em conformidade com a declaração conjunta UE-ONU de 2007. Apoiamos todas as operações de manutenção da paz em curso (18 operações) sob a liderança das Nações Unidas. 259 Do exposto, ressaltam-se as ações da União Europeia em regiões de conflitos latentes, em áreas remotas, onde o papel da UE foi fundamental para os objetivos das Nações Unidas. A UE, nesses casos, desempenhou atividades multifacetadas e multidimensionais, de cunho civil, humanitário, político e até militar. As operações no Congo, por exemplo, evidenciaram a excelência da atuação da União no cumprimento de seu objetivo no país africano. 260 Com relação às ações das Nações Unidas e o relacionamento da União Europeia em relação a ela, a ESS reconhece, claramente, que é a ONU, a instituição que tem obrigatoriamente o direito de legitimar todas as intervenções armadas no contexto das operações de paz. Neste sentido, a União Europeia reforça o seu reconhecimento à Declaração de São Francisco e a ONU, como instituição central de promoção e manutenção da paz e da segurança internacionais, garantindo-lhe o monopólio legítimo do uso da força. Desta forma, O enquadramento fundamental das relações internacionais é a Carta das Nações Unidas, cabendo ao Conselho de Segurança das Nações Unidas a responsabilidade primária da manutenção da paz e da segurança internacionais. A UE busca reforçar as Nações Unidas e dotá-la dos meios necessários para que possa cumprir as suas missões e atuar de forma eficaz é uma das prioridades da Europa. 261 Do exposto acima, além do reconhecimento da ONU, a União Europeia ainda se coloca à disposição para auxiliar a Organização no cumprimento de seus objetivos primordiais. Para tanto, a ESS assinala que a União deve continuar se firmando como um ator global, e desenvolver-se como uma organização capaz de propagar a paz e o progresso, como se pode evidenciar abaixo. 259 SOLANA, Javier - Relatório sobre a execução da estratégia europeia de segurança – garantir a segurança num mundo em mudança. Bruxelas, 11 de Setembro de 2008. Disponível em: http://www.consilium.europa.eu /uedocs/cms_Data/docs/pressdata/PT/Reports/ 104638.pdf. Acessado em 11 de junho de 2013. 260 Attinà, Fulvio (2011), “Multilateralism and the Emergence of ‘Minilateralism’ in EU Peace Operations”, Romanian Journal of European Affairs,Editora Novos Rumos vol. 9. 3° edição. São Paulo 261 SOLANA, Javier - Relatório sobre a execução da estratégia europeia de segurança – garantir a segurança num mundo em mudança. Bruxelas, 11 de Setembro de 2008. Disponível em: http://www.consilium.europa.eu /uedocs/cms_Data/docs/pressdata/PT/Reports/ 104638.pdf. Acessado em 11 de junho de 2013. 78 (...) a Estratégia propôs a visão da União Europeia como uma força atuante em prol de um mundo mais justo, mais seguro e mais unido. Demos já grandes passos nesse sentido. Mas o mundo à nossa volta está a mudar muito rapidamente, com novas ameaças e um equilíbrio de forças em transformação. Para construir uma Europa segura num mundo melhor, temos que influenciar de forma mais ativa a evolução dos acontecimentos. E devemos fazê-lo já. 262 Do ponto de vista da ONU, as missões de manutenção da paz realizadas com auxílio das organizações regionais, tornaram-se uma alternativa para suas atividades sobrecarregadas, pois, permitem um aumento dos recursos humanos e materiais para além do limitado quadro orçamentário e de pessoal das Nações Unidas. 263 Como responsável primária pela manutenção da paz e da segurança internacional, as Nações Unidas têm permanecido “a peça central do sistema internacional de manutenção da paz, fornecendo 50% de todo o pessoal das missões no terreno” 264 e mantendo, desde 1992, uma média de 15 missões ativas de manutenção da paz por ano, sendo que atualmente são 18 com a procura de recursos humanos para reforçar as mesmas. 265 A União Europeia, neste sentido, surge como uma organização que contribui com a pacificação em seu território e em suas extremidades próximas. A ONU entende também, que a regionalização das operações de manutenção da paz pode ser conduzida por organizações regionais; por coligações ad hoc; por Estados proeminentes da região que assumam a liderança política e militar das operações das Nações Unidas (por exemplo, o Brasil no Haiti); e pelos principais poderes regionais que assumam este encargo nas regiões em que se inserem (como a Austrália no Pacífico Sul). 266 Ademais, as ações regionalizadas de manutenção da paz “normalmente defendem os objetivos e princípios contidos na Carta das Nações Unidas.” 267 Isto sugere o reconhecimento de um número crescente de atores diferenciados envolvidos na condução das missões, desde as operações tradicionais lideradas pelas Nações Unidas, às ações capitaneadas por Estados 262 Bellamy, Alex e Williams, Paul (2005), “Who’s Keeping the Peace? Regionalization and Contemporary Peace Operations”, International Security, 29(4): 157-195. 263 Idem 264 CIC (2011), “Annual Review of Global Peace Operations 2011”, Briefing Paper. Nova Iorque: Center on International Cooperation at New York University. 265 Pelz, Timo e Lehmann, Volker (2007), “The Evolution of UN Peacekeeping (1): Hybrid Missions”, Fact Sheet Dialogue on Globalization. Nova Iorque: Friedrich Ebert Stiftung, Novembro. 266 Cottey, Andrew (2008), “Beyond Humanitarian Intervention: The New Politics of Peacekeeping and Intervention”, Contemporary Politics, 14(4): 429-446. 267 Ramsbotham, Oliver et al. (2005), Contemporary Conflict Resolution, 2.ª ed. Cambridge: Polity. UNDP (1994), Human Development Report 1994. Oxford: United Nations Development Programme, Oxford University Press. 79 individuais, organizações regionais, coligações e mesmo organizações não governamentais, sendo que algumas destas missões não têm necessidade de autorização prévia do Conselho de Segurança, com a condição de que não se recorra ao uso da força. 268 Apesar destes desenvolvimentos positivos, a regionalização também tem o potencial de distorcer os princípios e objetivos das Nações Unidas para os quais a manutenção da paz foi inicialmente criada. 269 Segundo Hédi Annabi, a regionalização pode facilmente contribuir para a solidez militar pretendida, mas também pode implicar a instrumentalização das forças de manutenção da paz, enfraquecendo a legitimidade das Nações Unidas. Essa instrumentalização pode abalar a coerência acima mencionada, dando lugar à apropriação regional e/ou nacional da linguagem e da prática da manutenção da paz das Nações Unidas, de modo a prosseguir interesses mais limitados e próprios, como a intervenção para exploração de recursos naturais. 270 Deste modo, apesar de extremamente positivos e encorajados, como faz o Relatório Brahimi, 271 os acordos regionais podem se tornar uma arma letal para a reestruturação da região em questão, até impossibilitando que ocorra um processo de pacificação novamente. 272 Outra questão com potencial para enfraquecer a legitimidade da manutenção da paz das Nações Unidas é o fato de, com frequência, a regionalização das missões de paz pode estar associada a capacidades existentes em cada região, dando oportunidade a uma distribuição desigual destas missões. Isto pode traduzir-se numa menor atenção em relação a zonas do mundo menos favorecidas, ou ainda, em regiões em que a ONU, por várias razões, não tenha podido auxiliar. Em termos globais, tal como nas Nações Unidas é essencial à boa vontade política dos Estados, também o mesmo se aplica a nível regional, o que certamente a ONU tem encontrado na União Europeia. 273 268 Woodhouse, Tom e Ramsbotham, Oliver (2005), “Cosmopolitan Peacekeeping and the Globalization of Security”, International Peacekeeping, 12(2): 139-156. 269 Idem 270 Annabi, Hédi (1995), “The Recent Evolution and Future of UN Peacekeeping” in Don M. Snider e, Stuart J. D. Schwartzstein, The United Nations at Fifty: Sovereignty, Peacekeeping, and Human Rights. Washington, D.C.: CSIS e Chicago: The Robert R. McCormick Tribune Foundation, 39-44 271 Relatório apoia uma maior cooperação entre a ONU, organizações regionais e organizações nãogovernamentais nas operações de paz multinacionais, em consonância com a Carta de São Francisco, de maneira a realizarem ações complementares, em especial nas áreas de prevenção de conflitos, estabelecimento da paz, eleições, direitos humanos e assistência humanitária, DURCH, William J. Et al. The Brahimi Report and the Future of UN Peace Operations. Washignton : Henry L. Stimson Center, 2003. 272 DURCH, William J. Et al. The Brahimi Report and the Future of UN Peace Operations. Washignton : Henry L. Stimson Center, 2003. 273 Gowan, Richard (2008), “The Strategic Context: Peacekeeping in Crisis (2006-08)”, International Peacekeeping, 15(4): 453-469. 80 Ao longo dos anos, a cooperação entre estas duas organizações passou por uma série de mudanças importantes, essencialmente devido à necessidade de ambas se adaptarem as suas respectivas estruturas e capacidades operacionais para o ambiente de segurança internacional contemporâneo. 274 A União Europeia tem se firmado, como se pode observar, como uma organização com vontade e capacidade de agir nas operações de paz, nas áreas mais remotas do mundo, atendendo aos seus interesses próprios, como já visto. Conjuntamente a ela, a ONU vem, desde sua criação, ampliando o caráter conceitual de suas estruturas e o modo de reagir às novas ameaças causadas pelo mundo globalizado. Assim, uma aproximação concreta entre estas duas organizações mostra que superar os novos desafios, pode-se tornar menos difícil do que se parece. 275 Nas próximas seções deste trabalho, busca-se entender como estas duas organizações interagem conjuntamente nas operações da paz, ressaltando-se as posições adotadas, o caso de intervenção no Congo e os desafios que ambas terão que enfrentar. 3.2.1. A Ambiguidade da Participação da UE nas operações de paz da ONU O relacionamento entre a União Europeia e as Nações Unidas no campo da promoção e manutenção da paz é multifacetado, pois, resultam da junção de perspectivas de diferentes atores estatais em relação a uma atividade complexa e multidimensional por natureza, com aproximações necessariamente distintas consoante o local onde se desenrole (Europa, África ou outro), por intermédio de que quadro (ONU, organizações regionais, coligações) e com que propósito e nível de envolvimento (mandato, comando, força requerida, etc.). 276 Desta forma, torna-se importante para o cumprimento do proposto por este trabalho, entender o posicionamento destas organizações na cooperação aqui apresentada. 277 De fato, a União e os seus Estados-Membros mostram que existem duas motivações nesses arranjos de cooperação. Por um lado, são claros apoiadores do reforço das Nações Unidas e proclamam a centralidade da organização no conceito de “efetivo multilateralismo”; 274 Bellamy, Alex e Williams, Paul (2005), “Who’s Keeping the Peace? Regionalization and Contemporary Peace Operations”, International Security, 29(4): 157-195. 275 Idem. 276 Idem. 277 Attinà, Fulvio (2011), “Multilateralism and the Emergence of ‘Minilateralism’ in EU Peace Operations”, Romanian Journal of European Affairs,Editora Novos Rumos vol. 9. 3° edição. São Paulo 81 por outro, o forte empenho que a UE coloca na sua autonomia leva-a a um certo distanciamento das operações da ONU. 278 Por exemplo, obter o consentimento expresso e legal das Nações Unidas para as operações de intervenção no quadro da PESC parece não ser um requisito para a UE, bastando o consentimento do Estado visado e que sejam de natureza não coerciva ou civil. 279 No continente europeu, exemplos disso são: a operação policial da UE na Bósnia-Herzegovina (MPUE) e as operações Concórdia e Próxima na Macedônia, que não foram propriamente criadas por qualquer Resolução do CSNU; as três operações civis na Geórgia (EUjust Themis), Kinshasa (Eupol Kinshasa) e Iraque (EUjust Lex) também ilustram esta afirmação. 280 Outra característica do envolvimento da UE nas operações de paz da ONU é o enorme diferencial entre o seu contributo financeiro e a disponibilidade de meios civis e militares. 281 Coletivamente, os 28 Estados-Membros contribuíram com aproximadamente 40% do orçamento das operações de paz da ONU, no ano de 2012, conforme gráfico abaixo. 282 Fonte: Serviço de Ação Externa - UE Elaboração Própria Contudo, operacionalmente, com meios civis e militares, os Estados-Membros da União Europeia representavam apenas cerca de 7% das tropas, polícias e observadores ao 278 M. Sánchez, La potestad coercitiva de las organizaciones regionales para el mantenimiento de la paz. Medidas que no implican el uso de la fuerza armada, Bosch Editor: Barcelona, 2005, pp. 71-139. Igualmente visto em Ferrer Lloret, el CS ha calificado en varias ocasiones a la UE como organismo regional en el sentido del capítulo VIII de la Carta. 279 Doss, Alan (2008), “Eyewitness: Crisis, Contention and Coherence – Reflections from the Field”, International Peacekeeping, 15(4): 570-581. 280 Attinà, Fulvio (2011), “Multilateralism and the Emergence of ‘Minilateralism’ in EU Peace Operations”, Romanian Journal of European Affairs,Editora Novos Rumos vol. 9. 3° edição. São Paulo 281 Idem. 282 Relatório Estatísticos Anual de 2012 do Departamento de Operações de Manutenção da Paz. Disponível em: http://www.un.org/en/peacekeeping/resources/statistics/. Acessado em 21 de junho de 2013. 82 serviço das Nações Unidas. Esta porcentagem que diminui, ainda, para 3% nas ações da ONU no continente africano, onde as operações de paz são claramente mais necessárias. Neste sentido, por razões diversas, os Estados europeus têm-se mostrado relutantes em participar nas intervenções lideradas pelas Nações Unidas, privilegiando as organizações regionais (UE e OTAN) ou as coligações de Estados, das quais também fazem parte. 283 Na realidade, o desenvolvimento da PESC e o lançamento de operações UE, desde 2003, parecem ter como efeito a diminuição da colaboração dos Estados-Membros nas operações de paz da ONU. O gráfico abaixo284 faz uma comparação da participação dos 28 integrantes da UE, no que concerne o fornecimento de efetivos em operações levadas a cabo pela ONU, simultaneamente, ou não, as missões realizadas pela União no ano de 2012. Participação da União Europeia em Operações de Paz 2012 100,00% 80,00% 60,00% 40,00% 20,00% 0,00% 13,40% 6,50% Sem Operações da U.E Com Operações da U.E Fonte: Serviço de Ação Externa - UE Elaboração Própria É evidente, diante dos dados acima, que a contribuição de efetivos civis e militares da União Europeia cai vertiginosamente, quando há operações, tanto da ONU quanto da UE, em andamento. Contudo, positivamente, destaca-se que todas as ações, sendo elas em cooperação com a ONU ou não, de uma maneira geral, contribuem para reforçar o objetivo de promoção da paz. Todavia, os números também demonstram um certo grau de flexibilidade e de autonomia da UE na relação com as Nações Unidas. Ou seja, os Estados-Membros da UE 283 BARIAGABER, A. United Nations Peace Operations: a Cookie-Cutter Approach?Journal of Third World Studies, Fall, 2012. 284 Relatórios Estatísticos do Departamento de Operações de Manutenção da Paz. Disponível em: http://www.un.org/en/peacekeeping/resources/statistics/. Acessado em 21 de junho de 2013. 83 colaboraram relevantemente no quadro da ONU, caso não haja interesse da União de desempenhar suas próprias missões. 285 No centro da PESC está à autonomia na decisão e ação da União, o que torna mais complexa a subordinação à ONU. A ideia de que as capacidades dos Estados-Membros possam ser parte de uma operação UE e, em simultâneo, colocadas sob o comando das Nações Unidas choca com a filosofia de autonomia da União Europeia. 286 Por outro lado, como já se referiu, a relativa ausência dos Estados europeus nas missões lideradas pela ONU é contrastante com a sua presença nas operações por ela solicitadas. Tal contribuição é, com efeito, bastante elevada, desde os Bálcãs ao Afeganistão – mas com a OTAN e a UE a assumirem o papel proeminente. Isto coloca a questão de saber quais os canais mais efetivos para servir o grande objetivo da Declaração de São Francisco de manter a paz e a segurança internacionais. 287 Segundo Bellamy e Williams, para os Estados europeus, parece evidente que o seu envolvimento em desenvolver suas próprias operações de paz é complementar aos esforços das Nações Unidas, entretanto, salvaguardando a autonomia das operações lideradas pela União, num quadro mais geral de relacionamento UE-ONU. Já para as Nações Unidas, as contribuições nacionais ou regionais são encorajadas, mas não devem ser impeditivas de contribuições diretas para as operações lideradas pela organização, primando pelo princípio de complementaridade e não o de substituição. Uma das grandes preocupações das Nações Unidas é de que se desenvolvam operações a duas velocidades: umas lideradas pelas Nações, relativamente pobres, mal equipadas e com pouco apoio político; e outras lideradas por Estados ou organizações regionais, como a OTAN ou a UE, operacional, política e militarmente melhor equipadas e apoiadas. 288 Para entender-se como melhor funciona a dinâmica de cooperação das organizações, no quadro dos arranjos regionais, analisam-se, na próxima seção, as missões de intervenção na República Democrática do Congo. 285 BARIAGABER, A. United Nations Peace Operations: a Cookie-Cutter Approach?Journal of Third World Studies, Fall, 2012. 286 Attinà, Fulvio (2011), “Multilateralism and the Emergence of ‘Minilateralism’ in EU Peace Operations”, Romanian Journal of European Affairs,Editora Novos Rumos vol. 9. 3° edição. São Paulo. 287 Idem. 288 Bellamy, Alex e Williams, Paul (2004). “Conclusion: What Future for Peace Operations? Brahimi and Beyond”, International Peacekeeping, 11(1): 183-212. 84 3.3. Intervenção Europeia na República Democrática do Congo A República Democrática do Congo (RDC) também conhecida por muitos como Congo-Kinshasa é um país africano que está localizado na região dos Grandes Lagos, possuidor de uma extensão territorial superior a 2,3 milhões de Km2. 289 Sua localização geográfica o leva a fazer fronteira com nove outros países da África, sendo eles: Uganda, Ruanda, Burundi, Tanzânia, Congo Brazzaville ou República do Congo, Zâmbia, Angola, República Centro-Africana e o Sudão. 290 Além da dimensão territorial, outras características evidenciam a República Democrática do Congo, como o legado multiétnico, as riquezas naturais, como a água e as florestas, e a grande diversidade de minérios, contando com enormes jazidas de cobalto, de cobre, de petróleo, de diamantes, de ouro e de prata. 291 O território que atualmente responde por República Democrática do Congo foi desbravado pelo português Diego Cão, em 1482, ainda no período das grandes descobertas. Nesse mesmo momento, o português também encontrou a bacia do rio Nzadi, que se tornou mais tarde o rio Congo, chamado também rio Zaire durante o regime do ditador Mobutu. 292 Durante os séculos XVI e XVII, os comerciantes europeus se dedicaram explorar comercialmente a região, sobretudo com a venda de escravos por meio de intermediários congoleses. Entretanto, só a sinais de colonização a partir de 1870, quando se configurou a iniciativa, tomada pelo rei belga Leopoldo II, de colonizar o Congo. 293 Aproximadamente 100 anos mais tarde, iniciou-se o processo inverso, o de descolonização, com a visita do rei Balduíno I da Bélgica. A presença do monarca motivou no país, uma explosão de nacionalismo na população congolesa, demarcando o início, de fato, do processo de independência, em 1960, alterando novamente seu nome para República do Congo. 294 Autores como Kabengele Munanga afirmam que o processo de independência da RDC foi uma estratégia utilizada pelas elites belgas com o intuito de “outorgar-lhes a independência no justo momento que eles não saberiam como e o que fazer com ela, pois não 289 Parlamento Europeu. Sessão plenária: Estrasburgo, 20-23 Setembro 2010. Disponível em: http://www.eur oparl.europa.eu/pdfs/news/public/focus/20100910FCS81938/20100910FCS81938_pt.pdf Acessado em: 05 de julho de 2013. 290 Idem. 291 Idem. 292 FORBATH, Peter (1991). The River Congo: The Discovery, Exploration, and Exploitation of the World’s Most Dramatic River. Bosto: Houghton Miffin Harcourt Publishing. 293 GONDOLA, Ch. Didier (2002). The History of Congo. Westport: Greenwood Press. 294 Idem. 85 havia nenhum quadro administrativo africano experiente e competente instaurado”. 295 Diante desta realidade, em 12 de julho de 1960 o presidente da República e o Primeiro-Ministro realizaram uma petição ao Secretário-Geral das Nações Unidas, solicitando com urgência ajuda militar, para proteger o território nacional contra ingerências externas. 296 Assim, a RDC tornou-se o primeiro Estado independente africano a solicitar e a receber assistência massiva das Nações Unidas no período da Guerra Fria. 297 A Organização das Nações Unidas no Congo (ONUC), desta forma, foi estabelecida em julho de 1960 com base na Resolução 143, perdurando até 1964. 298 Coube, portanto, ao Conselho de Segurança adotar as ações indispensáveis para o fornecimento de assistência militar ao governo do Congo. Desta forma, o mandato da ONUC consistiu em garantir a retirada das forças belgas, prestar assistência técnica e ajudar o governo a manter a ordem pública. 299 Além disso, as operações de caráter multidimensionais também começam a fazer parte das tarefas desempenhadas pela ONUC, com o objetivo de lograr maiores sucessos. Diante disso e com o histórico turbulento desse período, pode-se afirmar, preliminarmente, que a ONU passou a desempenhar funções do Estado. 300 Ao final da missão, quatro anos depois, o que se verificou foi uma situação ainda difícil de lidar, em todos os aspectos. A própria ONU reconheceu que a “ONUC envolveu-se pela força das circunstâncias, em uma situação caótica interna de extrema complexidade e teve que assumir certas responsabilidades que iam além dos deveres normais estabelecidos na manutenção da paz”. 301 As ações da ONU, neste sentido, não foram capazes de trazer estabilidade para a região. 302 Ocorrendo a primeira Guerra na RDC, no pós Guerra-Fria, entre 295 MUNANGA, Kabengele. A República Democrática do Congo – RDC. p. 3. Disponívelem:http://www.casa dasafricas.org.br/img/upload/327492.pdf.Acessado em 06 de julho de 2013. 296 “Foros Universitarios Cascos para la Paz: una visión desde la Academia Colombiana”. Organizaciónde las Naciones Unidas. Colombia, Dezembro, 2008. Disponível em:http://www.nacionesunidas.org.co/img_upload/29 e3d3aa1b87e476b58e75187297599e/Cascos_Para_la_Paz_Publicacion.pdf. Acesso em 210911. Acessado em 07 de julho de 2013. 297 GAMBINO, Anthony W. Congo Securing Peace, Sustaining Progress. Council Special Report. n. 40, Outubro, 2008, p. 10. Disponível em:i.cfr.org/content/publications/attachments/Congo_CSR40.pdf Acessado em: 06 de julho de 2013. 298 United Nations. Resolução 143 de 1960, Disponível em: http://www.un.org/ga/search/view_doc.asp?symb ol=S/RES/143(1960). Acessado em 07 de julho de 2013. 299 United Nations. Mandato da ONUC na República do Congo. Disponível em:http://www.un.org/Depts/DPK O/Missions/onucM.htm Acesso em: 27/09/2011 300 HALBULOUT, Chiristian (2008). “La Guerre Du Coltan em RDC: Repositioner le jeu des acteurs dans le paradigme des sratégies de puissances”. École de Guerre Économique, Novembre. 301 “ONUC became embroiled by the force of circumstances in a chaotic internal situation of extreme complexity and had to assume certain responsibilities which went beyond normal peacekeeping duties.” [tradução livre] Disponível em: http://www.un.org/Depts/DPKO/Missions/onucB.htm. Acessado em 06 de julho de 2013. 302 HALBULOUT, Chiristian (2008). “La Guerre Du Coltan em RDC: Repositioner le jeu des acteurs dans le 86 1996 e 1997, motivada principalmente, após a chegada de refugiados ruandeses na RDC, sobretudo os ruandeses de etnia Hutu, que desencadearam uma rebelião dos Tutsis e de outros grupos étnicos na região leste do Zaire. Os estopins da revolta estavam ancorados, primeiro, na disputa de uma região ocupada pelos tutsis e que não queria dividir ou deixar o território para os hutus, que sempre foram seus inimigos históricos. Segundo, porque o Presidente congolês Mobuto não só foi negligente com relação a essa ocupação, como também deu apoio ao genocídio praticado pelos hutus contra os tutsis em Ruanda. 303 Além disso, agravava-se a situação com a chegada de um exército rebelde composto por tutsis de origem congolesa, os banyamulengues, que eram apoiados por um governo estrangeiro de Ruanda, e a entrada de tropas ugandesas, também de origem tutsi, que adentraram o território congolês como apoio e reforço contra os hutus, suficientes para tornar as relações ainda mais hostis. 304 Devido à insatisfação dos banyamulengues com o governo, eles resolveram se vincular a outros grupos de oposição e se rebelaram contra o regime Mobuto. Desta forma, em 1997 Mobutu Sese Seko resolve abandonar o poder, que logo em seguida é ocupado por Laurente Kabila, um revolucionário veterano que liderava a rebelião. 305 De acordo com Montserrat Sala, 306 Laurent Kabila recebeu apoio de diferentes grupos étnicos rebeldes, como também dos governos de Ruanda, Uganda, Angola e inclusive Estados Unidos, e de maneira especial, do grupo ao qual foi um dos organizadores, ou seja, da Aliança Democrática para a Libertação do Congo (AFDL). A partir de então, o país passou a se chamar República Democrática do Congo. 307 Após tomar posse, as decisões adotadas por Kabila foram desaprovadas pelos ruandeses e ugandeses, pois, esses esperavam que a corrupção e a má gestão do período Mobuto acabariam. Interna e internacionalmente foi gerado um mal estar com relação ao novo governo que tenderia a ser intensificado. Conforme atenta Janete Cravino. paradigme des sratégies de puissances”. École de Guerre Économique, Novembre. 303 MELO, Raquel B. C. L. Direitos Humanos e as Operações de Paz Multidimensionais: Um Estudo de Caso da MONUC. Carta Internacional. 2010, v. 5, n. 1, pp. 78-96. ISSN 1413-0904. 304 Idem. 305 Idem. 306 SALA, Montserrat. Papel del virus de la inmunodeficiencia humana (VIH-SIDA) en los conflictos bélicos. Estudio de caso: República Democrática del Congo. Fundació Món - Observatori Solidaritat, Barcelona. Julho, 2007. Disponível em: http://www.observatori.org/documents/rdc_sida.pdf. Acessado em 07 de julho de 2013. 307 BECERRA, María J.; PIATTI, Claudio. La guerra en la RDC, ?Problema africano o condición para el desarrollo capitalista?. In: Contra Relatos desde el Sur. Apuntes sobre Africa y Medio Oriente, A? CEA, Centro de Estudios Avanzados, Universidad Nacional de Córdoba: Argentina. Dezembro, 2005, p. 19. Disponível em: http://www.cea.unc.edu.ar/africaorientemedio/contrapdfs/01 /4%20Becerra%20Piatti.pdf Acessado em 05 de julho de 2013. 87 A guerra civil tornou-se rapidamente numa guerra regional, dividindo opiniões e reorganizando alianças num vasto espaço do continente africano. Do lado dos rebeldes estiveram desde o princípio o Ruanda e o Uganda, dois dos cinco países que constituíam em 1997 um “bloco geopolítico” em formação (Uganda, Ruanda, Burundi e Etiópia e Eritréia). As motivações de Ruanda relacionavam-se com as opções políticas de Kabila e com a sua incapacidade de defender as fronteiras do Congo com o Ruanda. [...] Em relação ao Uganda, as autoridades acreditavam que Kabila não conseguiria travar as operações antigovernamentais de movimentos de guerrilha como a Aliança das Forças Democráticas, revelando-se, portanto incapaz de colaborar na regeneração da economia regional e de devolver ao Congo a prosperidade agrícola e mineira. 308 O período de 1997 a 2003 compreende o momento da Segunda Guerra do Congo, que pode ser considerada uma das maiores, se não a maior guerra, ocorrida na África. 309 O conflito se situou principalmente na região leste do Congo e teve a participação direta e indireta de outras nações africanas, tais como: Uganda, Ruanda, Burundi, Zimbábue, Chade, Angola e Namíbia. Desde então, a guerra conseguiu afetar a vida de milhões de congoleses e vitimar cerca de 3,8 milhões de pessoas em todo o país, a maioria dessas mortes por fome e doenças resultantes da guerra e não de uma luta real. 310 Deste contexto, fez-se necessária uma nova intervenção das Nações Unidas, através da Missão das Nações Unidas para a República Democrática do Congo (MONUC), aprovada pela Resolução 1279, do CSNU. 311 Esta nova intervenção teve como principais objetivos, o de diminuir as hostilidades entre as forças opostas do governo que provocavam ainda mais conflitos e violações aos direitos humanos e Direito Internacional Humanitário, além do auxílio ao acordo de Cessar-Fogo de Lusaka312 e o de conter a violência que vitimava principalmente a população civil. 313 Mais tarde, o CSNU ampliou o mandato da MONUC, através da Resolução 1291,314 308 CRAVINO, Janete S. O Processo Eleitoral na República Democrática do Congo: Retrospectiva e Prospectiva. Working Paper 25. Fevereiro, 2007. Disponível em:http://www.ipri.pt/publicacoes/working_paper/pdf/WP 25_JSCravino.pdf. Acessado em 07 de julho de 2013. 309 Idem. 310 Idem. 311 Resolução 1279 do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Disponível em: http://www.un.org/ga/search/v iew_d oc.asp?symbol=S/RES/1279(1999). Acessado em 12 de junho de 2013. 312 Para maiores informações ver: Democratic Republic of Congo: Lusaka Agreement. Disponivel em:http://www.iss.co.za/af/profiles/drcongo/cdreader/bin/2lusaka.pdf Acessado em 06 de julho de 2013. 313 Idem 314 Resolução 1291 do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Disponível em: http://www.un.org/ga/search/v iew_d oc.asp?symbol=S/RES/1291(2000). Acessado em 15 de junho de 2013. 88 de 2000, para a supervisão da implementação do acordo de cessar-fogo e a realização de várias tarefas adicionais relacionadas, entre as quais, a de facilitar a assistência humanitária e o monitoramento dos direitos humanos, com atenção especial aos grupos vulneráveis, incluindo mulheres, crianças e crianças-soldados que foram desmobilizados. 315 A par dos acontecimentos no Congo, relatados acima, a União Europeia, em 2003, expressou seu apoio à situação através da Resolução 2003/319/PESC, aprovada pelo Conselho da UE, informando ainda, estar disponível para colaborar nas intervenções. Desta forma, A União Europeia apoiará a ação conduzida pelas Nações Unidas e pela União Africana em apoio da aplicação do acordo de cessar-fogo de Lusaca e do Acordo de Pretória (julho de 2002), do Acordo de Luanda (setembro de 2002), dos acordos de Pretória no contexto do diálogo Intracongolês (dezembro de 2002 e março de 2003, respectivamente) e das resoluções pertinentes do Conselho de Segurança, e cooperará estreitamente com estas organizações e com outros intervenientes da comunidade internacional, no âmbito da execução da presente posição comum. 316 Diante da manifesta intenção de apoio, também em 2003, e por decisão do Conselho, a UE resolve solicitar as Nações Unidas, através de seu Secretário-Geral, um estudo de viabilidade, objetivando-se empreender uma operação militar da União Europeia na República Democrática do Congo. Através da Resolução 1484, 317 do CSNU, é concedida a permissão para a intervenção europeia. Desta forma, deu-se início à missão de Operação de Gestão de Crise no nordeste do Congo, na cidade de Bunia, denominada EUFOR Artemis, através da Resolução 2003/423/PESC, que determinou: 315 Idem. Posição Comum 2003/319/PESC do Conselho, de 8 de Maio de 2003, relativa ao apoio da União Europeia à aplicação do acordo de cessar-fogo de Lusaca e ao processo de paz na República Democrática do Congo (RDC) e que revoga a Posição Comum 2002/203/PESC. Disponível em :http://eurlex.europa.eu/Notice.do?val=284 880:cs&lang=pt&list=284880:cs,284056:cs,&pos=1&page=1&n l=2&pgs=10&hwords=. Acessado em 20 de junho de 2013. 317 “O secretário-geral das Nações Unidas solicita aos Estados-Membros das Nações Unidas o fornecimento de uma força temporária de estabilização na região de Ituri, em aplicação do mandato passado pela Resolução 1484 (2003), de 30 de Maio de 2003 do Conselho de Segurança das Nações Unidas.” - Resolução 1484 do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Disponível em: http://www.un.org/ga/search/v iew_doc.asp?symbol=S/R ES/1484(2003). Acessado em 11 de junho de 2013. 316 89 A União Europeia conduzirá uma operação militar da União Europeia na República Democrática do Congo, denominada "Artemis" em conformidade com mandato da Resolução 1484 (2003) do Conselho de Segurança das Nações Unidas. 318 Abre-se aqui um parêntese, para uma breve análise da presença da União Europeia e não a da União Africana na presente missão. Entende-se que a Estratégia de Segurança Europeia exorta uma União atuante no continente africano, principalmente por ser uma região estratégica para o bloco. 319 A África é rica em recursos naturais e é responsável por parte do abastecimento europeu de petróleo e gás, além de recursos hídricos e minerais, como ferro, ouro e o cobre. 320 Além disso, o continente tem sido alvo de duras investidas de outras nações, como China e Estados Unidos, o que tem dado sinais de alerta para a União não perder sua influência na região. Desta forma, reforçar a presença da União como responsável pelo processo de estabilização do continente, lhe confere vantagens em relação às preferências comerciais e políticas da África. Neste sentido, entende-se a ligação direta entre o interesse da UE e sua solicitação ao CSNU, para integrar as missões da ONU na região. 321 No que concerne à missão Artemis ainda, o envolvimento da União Europeia, em cumprimento com a Resolução apresentada acima, teve a breve duração de três meses, entretanto, representou a primeira atuação europeia em missões de paz realizadas fora de seu próprio continente; e também a primeira missão militar da União Europeia sem recursos e meios da OTAN. No que concerne à atuação operacional e estratégica, segundo a Resolução, o controle político e a direção estratégica ficaram a cargo do Comitê Político e de Segurança (COPS), cabendo ao Comitê Militar da UE (EUMC) o monitoramento da execução da operação militar. 322 A forma escolhida para a condução desta operação ao nível operacional foi de utilização de um quartel-general de um dos Estados-Membros da União, com a França a servir 318 Ação Comum 2003/423/PESC do Conselho, de 5 de Junho de 2003, sobre a operação militar da União Europeia na República Democrática do Congo. Disponível em: http://eurlex.europa.eu/Notice.do?val =285203:cs&lang=pt&list=285203:cs,284236:cs,&pos=1&page=1&nbl=2&pgs=10&hwords=. Acessado em 14 de julho de 2013. 319 BARIAGABER, A. United Nations Peace Operations: a Cookie-Cutter Approach?Journal of Third World Studies, Fall, 2012. 320 Parlamento Europeu. Sessão plenária: Estrasburgo, 20-23 Setembro 2010. Disponível em: http://www.eur oparl.europa.eu/pdfs/news/public/focus/20100910FCS81938/20100910FCS81938_pt.pdf Acessado em: 05 de julho de 2013. 321 Idem. 322 Ginsberg, Roy H. (1999) ‘Conceptualizing the European Union as an International Actor: Narrowing the Theoretical Capability-expectations Gap’, Journal of Common Market Studies. 90 de “Nação-Quadro” (Framework Nation) e, o quartel-general para esta operação a ficar situado em Paris (Centre de planification et de conduite des opérations).323 Taticamente, o Comandante da Força teve sob o seu comando cerca de 1800 efetivos, sendo a maioria dos recursos humanos e materiais provenientes da própria França. Além disso, de acordo com a Resolução do Conselho da UE, foram investidos montante financeiro de 7 milhões de euros para a execução das atividades no Congo. 324 De acordo com a Resolução 1484, de 30 de maio de 2003, do Conselho de Segurança das Nações Unidas, 325 tendo-lhe sido fornecido um mandato autorizando a intervenção da UE teria como o objetivo inicial o de: contribuir para a estabilização das condições de segurança do aeroporto, das pessoas deslocadas internamente nos campos de Bunia e, se a situação assim o exigir, para contribuir para a segurança da população civil, o pessoal das Nações Unidas e da presença humanitária na cidade. 326 Após o cumprimento do que lhe fora proposto e exposto acima, a União Europeia passa a operar, convidada pelo governo do Congo, portanto, não mais cumprindo mandato da ONU, em abril de 2005, desta vez em Kinshasa, a missão de polícia, denominada de EUPOL Kinshasa, com mandatos presente até os dias de hoje, assim como as Nações Unidas. 327 Assim, em nova Resolução, 2004/847/PESC, 328 o Conselho da UE determinou que: 323 Ginsberg, Roy H. (1999) ‘Conceptualizing the European Union as an International Actor: Narrowing the Theoretical Capability-expectations Gap’, Journal of Common Market Studies. 324 Ação Comum 2003/423/PESC do Conselho, de 5 de Junho de 2003, sobre a operação militar da União Europeia na República Democrática do Congo. Disponível em: http://eurlex.europa.eu/Notice.do?val =285203:cs&lang=pt&list=285203:cs,284236:cs,&pos=1&page=1&nbl=2&pgs=10&hwords=. Acessado em 14 de junho de 2013. 325 Resolução 1484 do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Disponível em: http://www.un.org/ga/search/v iew_d oc.asp?symbol=S/RES/1484(2003). Acessado em 11 de junho de 2013. 326 Posição Comum 2003/319/PESC do Conselho, de 8 de Maio de 2003, relativa ao apoio da União Europeia à aplicação do acordo de cessar-fogo de Lusaca e ao processo de paz na República Democrática do Congo (RDC) e que revoga a Posição Comum 2002/203/PESC Disponível em: http://eurlex.europa.eu/LexUriSer v/LexUriServ.do?uri=CELEX:32003E0319:PT:HTML. Acessado em 22 de junho de 2013. 327 Idem. 328 Ação Comum 2004/847/PESC do Conselho, de 9 de Dezembro de 2004, sobre a Missão de Polícia da União Europeia em Kinshasa (RDC) no que respeita ` Unidade Integrada de Polícia (EUPOL «Kinshasa»). Disponível em: http://eurlex.europa.eu/Notice.do?val=392640:cs&lang=pt&list=453619:cs,392640:cs,387312:cs,387311:cs ,&pos=2&page=1&nbl=4&pgs=10&hwords=Acessado em 25 de junho de 2013. 91 A União Europeia estabeleça pela presente ação comum, uma Missão de Polícia da União Europeia (EUPOL - KINSHASA) a fim de dar sequência ao projeto do FED referido na Ação Comum 2004/494/PESC no contexto da criação de uma Unidade Integrada de Polícia (UIP) em Kinshasa (RDC) a partir do início de Janeiro de 2005. Antes desta data, a fim de preparar a Missão de Polícia, será criado até 1 de Dezembro de 2004 um Grupo de Planejamento que se manterá em funções até ao arranque da missão. 329 A EUPOL Kinshasa envolveu 30 efetivos e teve como objetivo, ajudar na criação de uma unidade de polícia local que servirá para assegurar a proteção das instituições do Estado. Os custos de execução da presente ação comum foram fixados num montante máximo de aproximadamente 4 milhões de euros, destinados a custear as despesas. 330 Simultaneamente, a EUPOL Kinshasa, União Europeia lançou uma missão, através da aprovação da Ação Comum 2005/355/PESC, 331 para a reforma do setor segurança do Congo. Tendo duração de um ano e sendo formada por oito especialistas em segurança, a operação recebeu o nome de “Missão de Aconselhamento e Assistência em matéria de Reforma do Setor da Segurança - EUSEC RD Congo”. Esta Resolução do Conselho da União Europeia estabeleceu que: A União Europeia crie, pela presente ação comum, uma missão de aconselhamento e assistência em matéria de reforma do sector da segurança na República Democrática do Congo (RDC), denominada EUSEC RD Congo, a fim de contribuir para o êxito da integração do exército na RDC. A missão deve prestar aconselhamento e assistência às autoridades congolesas competentes em matéria de segurança, velando por promover políticas compatíveis com os direitos humanos e o direito internacional humanitário, as normas democráticas e os princípios de boa gestão dos assuntos públicos, de transparência e de respeito do Estado de direito. 332 329 Ação Comum 2004/847/PESC do Conselho, de 9 de Dezembro de 2004, sobre a Missão de Polícia da União Europeia em Kinshasa (RDC) no que respeita ` Unidade Integrada de Polícia (EUPOL «Kinshasa»). Disponível em: http://eurlex.europa.eu/Notice.do?val=392640:cs&lang=pt&list=453619:cs,392640:cs,387312:cs,387311:cs ,&pos=2&page=1&nbl=4&pgs=10&hwords=Acessado em 25 de junho de 2013. 330 Idem. 331 Ação Comum 2005/355/PESC do Conselho, de 2 de Maio de 2005, relativa à missão de aconselhamento e assistência da União Europeia em matéria de reforma do sector da segurança na República Democrática do Congo (RDC). Disponível em: http://eur-lex.europa.eu/Notice.do?val=398840:cs&lang=pt&list=428514:cs,4 21471:cs,398840:cs,395762:cs,&pos=3&page=1&nbl=4&pgs=10&hwords=Acessado em 23 de junho de 2013. 332 Idem 92 A ação teve por objetivo, atuando em estreita cooperação e coordenação com os demais intervenientes da comunidade internacional, em particular as Nações Unidas e a MONUSCO, prestar apoio concreto no domínio de reforma do setor de segurança, criando as condições necessárias à concretização, a curto e médio prazo, das atividades e projetos baseados nas orientações consignadas pelas autoridades congolesas no plano de reforma das forças armadas e retomadas no programa de ação da Missão, nomeadamente: Manutenção do apoio a nível estratégico; Apoio à consolidação da administração e à implantação de um sistema de gestão dos recursos humanos com base nos trabalhos em curso; Apoio à modernização da logística; Apoio ao relançamento do sistema de formação, nomeadamente dos quadros, e, entre outros, ao projeto de Escola de Administração e de Academia Militar em Kananga e aos estudos com vista à Escola de Logística em Kinshasa. 333 Devido à necessidade do Estado do Congo e as dificuldades encontradas na região, o Conselho da União Europeia decidiu manter a missão EUSEC RD Congo, e que atualmente está em seu sétimo mandato, ajudando a pavimentar o caminho para a implementação das diretrizes adotadas no plano de reforma das forças armadas e para a implementação da lei de defesa. Deste modo, a missão EUSEC RD Congo, em todos os seus mandatos, reflete o compromisso contínuo da UE para o povo congolês em termos de reforma do seu exército. Além disso, reforça uma presença importante da União Europeia na região, criando e fortalecimento laços comuns entre os povos europeus e africanos. 334 As principais atividades deste mandato continuam sendo para apoiar ao nível estratégico do Ministério da Defesa congolês e os militares em geral, incluindo o apoio à inspeção-geral, para modernizar e consolidar a administração e gestão dos recursos humanos, e para vivificar o sistema de formação através de apoio ao comando geral em escolas e no desenvolvimento de uma política abrangente de treinamento militar. Além disso, a missão de 333 Ação Comum 2005/355/PESC do Conselho, de 2 de Maio de 2005, relativa à missão de aconselhamento e assistência da União Europeia em matéria de reforma do sector da segurança na República Democrática do Congo (RDC). Disponível em: http://eur-lex.europa.eu/Notice.do?val=398840:cs&lang=pt&list=428514:cs,4 21471:cs,398840:cs,395762:cs,&pos=3&page=1&nbl=4&pgs=10&hwords=Acessado em 23 de junho de 2013. 334 Attinà, Fulvio (2011), “Multilateralism and the Emergence of ‘Minilateralism’ in EU Peace Operations”, Romanian Journal of European Affairs,Editora Novos Rumos vol. 9. 3° edição. São Paulo. 93 ajuda ao Congo com o desenvolvimento das capacidades logísticas e realiza atividades para combater a impunidade em relação às violações dos direitos humanos, incluindo a violência sexual. Restauração da governança em geral e reforma da defesa, em particular permanece central na criação de condições duradouras para a estabilidade na RDC. 335 Para contribuir com esse objetivo, EUSEC coopera estreitamente com a EUPOL RD Congo e da Delegação da UE na República Democrática do Congo, coordena seu trabalho com as atividades financiadas pela Comissão Europeia e os Estados Unidos, e trabalha em conjunto com as autoridades nacionais relevantes das Nações Unidas e outros atores internacionais. 336 No ano de 2006, a República Democrática do Congo tornou-se novamente palco para mais uma frente das Operações de Gestão de Crises da União Europeia, agora com o objetivo de apoiar a missão MONUC das Nações Unidas durante o processo eleitoral. 337 Esta operação militar, com o nome de EUFOR RD Congo, contou com o total acordo das autoridades da República Democrática do Congo, estando sob a égide da Resolução 1671338 do Conselho de Segurança da ONU, desta forma, pela segunda vez, no mesmo território, a UE é chamada pela ONU para unir-se as ações de paz no continente africano. 339 Convém referir que esta Resolução estabelecia como condições especiais que a operação estaria finalizada em até quatro meses após o primeiro período de eleições e não poderia exceder o tempo definido para a missão MONUC da ONU. A missão da UE teve as seguintes tarefas especiais: Auxiliar a MONUC A estabilizar a situação, caso esta enfrente sérias dificuldades em cumprir o seu mandato face às suas capacidades; Contribuir para a proteção de civis, sob iminente ameaça de violência física, nas suas zonas de destacamento; Contribuir para a proteção do aeroporto de Kinshasa; Garantir a segurança e a liberdade de movimentos dos funcionários e a proteção das instalações da EUFOR R.D. Congo; 335 Attinà, Fulvio (2011), “Multilateralism and the Emergence of ‘Minilateralism’ in EU Peace Operations”, Romanian Journal of European Affairs,Editora Novos Rumos vol. 9. 3° edição. São Paulo. 336 Idem. 337 DAHRENDORF, Nicola. “MONUC and the Relevance of Coherent Mandates: The Case of the DRC.” In: Security Sector Reform and UN Integrated Missions: Experience from Burundi, the Democratic Republic of Congo, Haiti, and Kosovo, ed. Heiner Hänggi and Vincenza Scherrer. Berlin: Verlag, 2008, 67-112. 338 Resolução 1671 do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Disponível em: http://www.un.org/ga/search/v iew_d oc.asp?symbol=S/RES/1671(2006). Acessado em 11 de junho de 2013. 339 Idem. 94 Executar operações excepcionais de resgate de indivíduos em 340 perigo. O suporte legal da União Europeia para esta operação é a Ação Conjunta do Conselho 2006/319/PESC147, 341 relativa à operação militar da UE de apoio à missão da ONU na RDC durante o processo de eleições. A estrutura do Comando obedece ao mesmo esquema adotado para a operação EUFOR Artemis, agora com a Alemanha a servir de “nação-quadro” e estando o QuartelGeneral para esta operação localizado no Comando de Operações das Forças Armadas Alemãs em Potsdam. Das intervenções analisadas aqui, depreende-se uma série de reflexões importantes para a construção dos objetivos deste trabalho. Inicialmente é importante destacar os aspectos jurídicos relacionados à legalidade de intervenção. Como visto, a primeira intervenção da União Europeia na região acontece através de Resolução adotada pela CSNU, concedendo autorização para as ações no Congo, especificamente na missão EUFOR Artemis e na EUFOR RD. Diante disso, reforçar-se o reconhecimento internacional dado a ONU, de legitimadora das ações de cunho coercitivo no cenário internacional. Contudo, a UE interveio ainda, em três outras operações no Congo, a EUPOL RD, EUPOL Kinshasa e EUSEC RD Congo, onde não houve qualquer aprovação adota pela ONU ou qualquer pedido da UE para que isso ocorresse. 342 Neste caso, verificam-se duas questões interessantes, a primeira delas está na Carta das Nações Unidas, que permite, não expressamente, o uso de ações não coercitivas ou civis, o que de fato acontece nas três missões mencionadas, nenhuma delas utiliza a força. A segunda questão está relacionada ao consentimento do Estado receptor da ação de intervenção, sendo a UE inclusive convidada pela República Democrática do Congo a agir na região. Desta forma, a busca por autonomia da União Europeia, como visto no segundo capítulo, através das 340 Resolução 1671 do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Disponível em: http://www.un.org/ga/search/v iew_d oc.asp?symbol=S/RES/1671(2006). Acessado em 11 de junho de 2013. 341 Ação Comum 2006/319/PESC do Conselho, de 27 de Abril de 2006 , relativa à operação militar da União Europeia de apoio à missão da Organização das Nações Unidas na República Democrática do Congo (MONUC) durante o processo eleitoral. Disponível em: http://eur-lex.europa.eu/Notice.do?val=425788:cs&lang=pt&li st=491297:cs,478369:cs,432010:cs,425788:cs,422709:cs,&pos=4&page=1&nbl=5&pgs=10&hwords=Acessado em 5 de junho de 2013 342 Barceló. Maria J. Tesis Doctoral presentada para el Programa de Doctorado Interdisciplinario Internacional sobre la Sociedad de la Información y del Conocimiento. Barcelona 2012. 95 Missões de Petersberg não configura nenhuma infração as normas internacionais e da ONU.343 Ainda na operacionalização das intervenções, destacam-se os dois modos de celebração dos acordos, presentes neste caso. O primeiro deles ocorre através de um convite das Nações Unidas para a composição da missão, desta forma, o CSNU ou a AGNU fazem as análises das situações de da controvérsia e faz recomendações a respeito de quais medidas devem ser adotadas. Optando por uma solução através de ações de intervenções, o CSNU ou a AGNU podem, dentro do que determina a Carta da ONU e as resoluções já aprovadas, convidar Estados-Membros e organizações internacionais a fazerem parte da operação, como aconteceu na operação denominada EUFOR RD. 344 A segunda forma de celebração manifesta o interesse da organização ou do Estado-Membro na participação da ação. No caso da operação EUFOR Artemis, a UE solicita sua adesão à operação de manutenção da paz em funcionamento na região, complementando os esforços da ONU no conflito. 345 Por fim, faz-se importante, uma última reflexão com relação às motivações que levaram a União Europeia e as Nações Unidas a cooperarem. Como já é sabido, as motivações que induzem as Nações Unidas estão no cerne de sua capacidade operacional, como visto atualmente a ONU está envolvida em 18 missões de operações de paz, com o efetivo, em sua capacidade máxima, em torno de 70 mil colaboradores. 346 Entretanto, como também já visto, as ações conjuntas conferem um grau maior de legitimidade nas ações, além apresentarem vantagens comparativas com relação aos conhecidos geoestratégicos e geopolíticos da região. Contudo, o que nos interessa aqui, principalmente, é entender melhor as motivações das organizações regionais. Na participação europeia no Congo ficam evidentes os interesses da UE, por trás das ações. Como visto neste capítulo, a RDC é um país que rico em recursos hídricos e minerais, além de possuir uma posição geográfica interessante no continente, fazendo divisa com nove países. Desta forma, para a UE é muito importante exercer uma influência positiva na região, sobretudo por necessitar de abastecimento de recursos provenientes destas regiões. Soma-se a isso, a União buscar equilibrar o tabuleiro de influências que vem se formando na África, com presenças mais marcantes dos países 343 Barceló. Maria J. Tesis Doctoral presentada para el Programa de Doctorado Interdisciplinario Internacional sobre la Sociedad de la Información y del Conocimiento. Barcelona 2012. 344 Idem. 345 Idem. 346 Attinà, Fulvio (2011), “Multilateralism and the Emergence of ‘Minilateralism’ in EU Peace Operations”, Romanian Journal of European Affairs,Editora Novos Rumos vol. 9. 3° edição. São Paulo. 96 asiáticos e americanos na região. 3.4. Desafios e Dilemas na cooperação UE-ONU para a promoção da paz Diante do exposto neste trabalho e, sobretudo após o caso de intervenção na República Democrática do Congo, percebe-se que as Nações Unidas têm tentado envolver a União Europeia nas suas atividades de promoção e manutenção da paz, bem como na prevenção de conflitos e gestão de crises, utilizando-se do capítulo VIII da Carta de São Francisco e suas declarações conjuntas, como mecanismos institucionais. 347 Neste sentido, a ONU tem advogando uma estreita parceria que não se confine a uma espécie de subcontratação ou qualquer tipo de assistência, mas que implique também a contribuição direta da UE para operações lideradas pela ONU. Fazendo isto, as Nações Unidas têm sempre insistido no princípio da complementaridade e não no da substituição. Ou seja, para a ONU é muito mais contar com as contribuições europeias, do que propriamente com o resultado de suas ações. 348 Por seu lado, a aproximação da UE também se baseia na complementaridade, mas reflete outras preocupações, reconhecendo a necessidade de cooperar em diferentes níveis, favorece uma postura mais flexível, analisada caso a caso, em que a autonomia de decisão e de ação da União prevaleça, e sem garantias de que as necessidades da ONU serão cobertas. 349 O empenho da União Europeia na cooperação multilateral e da ONU como elemento central do sistema multilateral permitirá determinar ao longo dos próximos anos se e de que forma uma instituição que foi criada nos anos subsequentes à Segunda Guerra Mundial pode continuar a constituir a pedra basilar do sistema internacional. Por conseguinte, a escolha de uma via diferente da do "sistema das Nações Unidas" teria consequências imprevisíveis não apenas para a paz e a segurança internacional. 350 Concluísse, portanto, que existe uma demanda, cada vez maior, por operações de manutenção da paz ou intervenções de cunho humanitário da ONU nos mais diversos países e 347 Bolton, John. “United States Policy on United Nations Peacekeeping”. In. World Affairs, vol. 163, no. 4, 2011, pp. 129-147 348 Attinà, Fulvio (2011), “Multilateralism and the Emergence of ‘Minilateralism’ in EU Peace Operations”, Romanian Journal of European Affairs,Editora Novos Rumos vol. 9. 3° edição. São Paulo. 349 Idem. 350 BRETHERTON, Charlotte; VOGLER, John - The European Union as a Global Actor. 4ª ed. London: Routledge. 2012. 97 continentes ao redor do mundo, e que esta organização internacional carece de um amplo apoio da comunidade internacional para levar a cabo com êxito essas atividades. Nesse sentido, a União Europeia, como toda sua estrutura complexa de integração, representa uma oportunidade de parceria jamais vista antes e que tem contribuindo de forma sine qua non para a realização dessas e de outras atividades das Nações Unidas. 351 Por fim, destaca-se que esta parceria se constitui como ações complexas e que contemplam processos de cooperação em esferas diversas e distintas, como os campos militares e normativos e que neste sentido há muito que evoluir. O que se espera é que haja bom senso entre essas organizações e que tanto a ONU quanto a UE possam garantir um mundo mais pacífico e seguro. Neste contexto, bastante permanece por ser explorado no relacionamento UE-ONU para a promoção da paz. Muito depende das evoluções das reformas em curso nas duas organizações, mas a forma como a UE e a ONU encarem e desenvolvam as suas atividades em África pode revelar-se um teste decisivo. 351 BRETHERTON, Charlotte; VOGLER, John - The European Union as a Global Actor. 4ª ed. London: Routledge. 2012. 98 CONSIDERAÇÕES FINAIS Inicialmente, no primeiro capítulo foram apresentadas as evoluções das operações de manutenção da paz no seio das Nações Unidas, principalmente a expansão de sua atuação, abrangência no período durante e depois da Guerra Fria, e a concretização das possibilidades de realização dessas operações, através dos acordos regionais, entendidos como tratados multilaterais nos quais os Estados-Membros e as organizações concordam em canalizar suas diferenças por meio dos mecanismos previstos. No que tange esses arranjos ainda, analisou-se as motivações, os aspectos operacionais e legais de ação conjunta e a primazia da ONU na solução de controvérsias, com ou sem a necessidade de ações de cunho coercitivo. Finalmente, este capítulo apresentou as possibilidades de ação conjunta nas operações de manutenção da paz com a União Europeia, dando espaço para o estudo dessa organização no segundo capítulo. Desta forma, a seção subsequente deste trabalho apresentou o desenvolvimento e a consolidação do modelo de integração regional mais complexo existente na atualidade. A UE, tal qual conhecemos hoje, teve seu início com a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, em 1951. De lá pra cá, houve evoluções várias, significativamente nos temas relacionados à paz e a segurança internacionais, com a criação e institucionalização da Política Externa de Segurança Comum. Dentro deste quadro institucional, a UE desenvolveu as suas próprias operações de paz, imagem e semelhança daquelas organizadas pela ONU, as missões Petesrbeg. Através dessas ações, a UE pode consolidar-se como um vetor regional de promoção da paz e da segurança e permitiu uma aproximação sem igual, com as Nações Unidas. Desta forma, ONU e União Europeia puderam trabalhar conjuntamente nas missões de paz na Republica Democrática do Congo, superando duas divergências operacionais e políticas, agindo em prol de objetivos complementares, principalmente no de pacificar uma região tomada por conflitos. Por fim, em se terceiro capítulo, este trabalho apresentou o histórico de conflitos eclodidos no Congo, nomeadamente os proeminentes do processo de descolonização belga. Diante da gravidade da situação, as Nações Unidas realizaram sua primeira intervenção na região, em 1960, garantindo a retirada das forças estrangeiras e auxiliando na reconstrução e consolidação do Estado de Direito. Contudo, anos mais tarde, em 1999, houve a necessidade de uma nova intervenção. Quatro anos depois, em 2003, a União Europeia prestou-se a colaborar com as ações no Congo, contribuindo com os esforços nas operações de paz da 99 ONU. Neste sentido, deu-se início a primeira intervenção conjunta entre ONU e União Europeia, que abriu espaço, no mesmo ano, para a assinatura da Declaração Conjunta sobre a Gestão de Crises. No presente trabalho, através do método indutivo e da técnica bibliográfica e documental, comprovaram-se as duas hipóteses levantadas, inicialmente, a respeito dos fatores que afetam a celebração de acordos regionais: as motivações e interesses distintos, porém não excludentes; e os desafios e aspectos positivos da cooperação na celebração dos acordos em âmbito interno e externo. Portanto, concluiu-se que a colaboração entre ONU e UE na promoção da paz é de índole multifacetada, pois é fruto da junção de perspectivas de distintos atores em relação a uma determinada atividade – peacekeeping – de natureza complexa e multidimensional com uma política de aproximação necessariamente diferenciada em função: a) do locus da atuação (Europa, África ou outro continente); b) do framework em que está inserida (ONU, organizações regionais, coligações); c) dos fins e da intensidade de envolvimento (mandato, comando, força requerida, etc.). Desta forma, a UE e a ONU figuram, incontestavelmente, em posições distintas em matéria de manutenção da paz. As Nações Unidas são a organização internacional com a maior capacidade operacional do mundo para atuação nas missões de paz, uma vez que arregimentam mais componentes civis e militares do que todas as organizações regionais e sub-regionais juntas. Entretanto, a complexidade e as exigências das missões sofreram um acréscimo, significativamente, nas últimas décadas. Tal situação expõe os limites da capacidade operacional da ONU e justifica a busca incessante de formas alternativas de resolver as novas demandas através do pedido de auxílio a Estados e às organizações regionais para que lhe ofereçam os meios possíveis para a promoção da paz em um ambiente de crescente complexidade. Neste contexto, a ONU, além de contingentes militares e policias, necessita articular a sua capacidade de pronta resposta, a de incrementar unidades médicas e logísticas e a de contar com serviços de inteligência conectados com a magnitude dos desafios. Desta forma, a ONU, através de seu Secretário-Geral, tem reclamado da UE uma participação mais efetiva e direta nas operações, tanto na prevenção de conflitos como na gestão de crises, não se limitando a uma espécie de subcontratação ou uma assistência simplificada. Por seu turno, UE também se defronta com preocupações semelhantes na operacionalização das suas próprias missões de paz, chanceladas ou não pela ONU, e com os 100 diferenciados desafios internos que vão desde as formas e intensidades de cooperação até a luta por convergência de opiniões entre os vinte oito Estados-Membros que possuem interesses, por vezes, discrepantes no cenário internacional. Esta situação evidencia os limites da cooperação da UE com as Nações Unidas. Por um lado, há um manifesto desejo de apoiar, operacionalmente, as ações da ONU de modo a reforçar o multilateralismo nas Relações Internacionais; por outro, a notada ênfase que os Estados-Membros põem na autonomia de decisão de ação da UE conduzem-na a um afastamento das operações da ONU, já que não se lhe oferecem garantias de que as demandas serão respondidas. Finalmente, este trabalho concluiu que as Nações Unidas têm tentado envolver a União Europeia nas suas atividades de promoção e manutenção da paz, bem como na prevenção de conflitos e gestão de crises, advogando uma estreita parceria que não se confine a uma espécie de subcontratação ou qualquer tipo de assistência, mas que implique também a contribuição direta da UE para operações lideradas pela ONU. Fazendo isto, as Nações Unidas têm sempre insistido no princípio da complementaridade e não no da substituição. Por seu lado, a aproximação da UE também se baseia na complementaridade, mas reflete outras preocupações: reconhecendo a necessidade de cooperar em diferentes níveis, favorece uma postura mais flexível, analisada caso a caso, em que a autonomia de decisão e de ação da União prevaleça, e sem garantias de que as necessidades da ONU serão cobertas. Neste contexto, bastante permanece por ser explorado no relacionamento UE-ONU para a promoção da paz. 101 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ADEBAJO, A.; KEEN, D. Sierra Leone. p. 261. In: BERDAL, M.; ECONOMIDES, S. (eds.). United Nations Interventionism 1991-2004. 2ª ed. Cambridge: Cambridge University Press, 2007. pp.246-273. ANDRADE, Luís (2002) A UE e os desafios da política internacional. Açores: Assembleia Legislativa Regional dos Açores. ANNABI, Hédi (1995), “The Recent Evolution and Future of UN Peacekeeping” in Don M. Snider e, Stuart J. D. Schwartzstein, The United Nations at Fifty: Sovereignty, Peacekeeping, and Human Rights. Washington, D.C.: CSIS e Chicago: The Robert R. McCormick Tribune Foundation, 39-44 ANDERSSON, Andreas. “Democracies and UN Peacekeeping Operations, 1990-1996”. In. International peacekeeping, vol. 7, no. 2, 2000, pp. 1-22. ALMEIDA, Renato. A Liga das Nações: constituição, estrutura e funcionamento. Rio de Janeiro: A. Noite, 1938. 342p. 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