Megaexposição inaugura sua última fase com instalação do

Transcrição

Megaexposição inaugura sua última fase com instalação do
Product: OGloboSegundoCaderno
12
PubDate: 19-07-2014 Zone: Nacional Edition: 1 Page: PAGINA_L User: Asimon Time: 07-18-2014
l O GLOBO
12:22 Color: C
K
Y
M
l Segundo Caderno l
P
assada uma semana da
grande final da Copa, é
natural que surja, imediatamente, a preocupação
de praxe com o “legado
da Copa”. Usa-se sempre
a palavra no singular, como se o “legado” fosse
um valor absoluto, só acessível através da razão pura, embora, na prática, o que se faz é
listar obras mal-acabadas, cifras perdidas,
empregos temporários e vetores intangíveis.
O que dá um aspecto algo cômico à noção de
“legado”, que sugere algo sólido, perene.
Além disso, não se observa o fato de que um
legado nem sempre é positivo: pode ser catastrófico. Para ajudar a esclarecer tais equívocos, a coluna publica, hoje, uma lista de
“relegados” (no plural) da Copa das Copas.
LUIZ FELIPE SCOLARI — De símbolo da
unidade perdida na nação, tio-avô da garotada, artífice da conquista de 2002, Felipão foi
relegado a grande bruxo do mal, mestre da
derrota das derrotas, mágico do desencanto.
Ao ser cobrado por seus atos, mergulhou
num surto dissociativo e apresentou a tese da
“pane dos seis minutos” (na verdade, quatro). De acordo com esta tese, a pane não decorreu de uma relação de causa e efeito, mas
de algum evento metafísico, sobrenatural ou
extraterrestre que não envolveu nem os jogadores, nem o técnico, nem a psique, nem a
campanha da seleção. O fato de ter aberto
uma avenida para os alemães, os nervos em
pandarecos de seus comandados e outros fatores não são sequer considerados como probabilidades: o que ali ocorreu foi fruto de um
acaso fora da compreensão humana. De resto, extirpou toda a emoção que foi a tônica de
Sábado 19 .7 .2014
E-mail: [email protected]
ARNALDO BLOCH
como ocorre em casos assim. Por causa de
uma mordida estilo beijinho no ombro, voltou para casa de mãos vazias e com um gosto
de sangue pisado na protuberante gengiva.
(RE)LEGADOS DA COPA
JÚLIO CÉSAR — Protagonizou um dos
momentos mais patéticos da Copa, ao julgarse, antes do tempo, o salvador da pátria, e ao
considerar-se redimido pela falha no Mundial anterior, só porque ajudou a livrar a seleção de ser eliminada nas oitavas de final em
casa. Chorou como se fosse a final da competição e repetiu o blablablá sobre o quanto sofreu nos últimos anos, quando deveria, ao
contrário, estar comemorando a chance de
voltar à equipe apesar da falha capital em
2010. Pela qual, em vez de defenestrado, acabou promovido a mais quatro anos como
chefe da meta nacional. Melhor seria ter
agradecido a confiança e ido para o vestiário.
Terminou punido pela misteriosa “pane dos
seis minutos”, em trágica ironia.
seu compromisso e mergulhou num mundo
frio, de números que provam, através de uma
série de racionalizações insanas, que a campanha da seleção foi boa, se não ótima.
DAVID LUIZ — Até o jogo com a Alemanha, o
zagueiro era uma espécie de anjo da guarda do
Brasil. Com ele ali, todo percalço era apenas um
sinal divino de que Deus, além de ser brasileiro,
estava a escrever certo por linhas tortas a história do Hexa. Na entrevista após o chororô do jogo contra o Chile — quando o Brasil escapou,
por uma bola na trave, de um vexame precoce
(talvez tivesse sido melhor, mas nunca saberíamos...) —, David agradeceu a Deus por tê-lo
ajudado para, só depois, estender a graça divina
a seus companheiros de equipe. Citou o Altíssimo pelo menos 15 vezes. Se isso não é citar
Deus em vão (e olha eu aqui citando de novo...),
não sei o que seria. Afinal, Deus, mesmo que seja brasileiro (o que já é de uma soberba nacionalista) deve ter coisa mais importante para fazer do que ajudar o David Luiz a se dar bem. A
julgar pela tese da pane, pode estar aí uma explicação para o mistério: Deus puniu David Luiz
(e, por extensão, todos os brasileiros que se cre-
em indevidamente abençoados) pela soberba.
Não à toa, o zagueiro não o citou uma só vez na
entrevista que se seguiu à goleada das goleadas.
LUIS SUÁREZ — Quando já estava prestes a
entrar para a galeria dos craques da Copa e inscrever um estilo único no panteão da glória, o
uruguaio, tomado pelo incontornável desejo de
destruir a própria obra antes mesmo de terminá-la, mordeu o ombro de um adversário e foi
banido. Apesar de reincidente, sequer arrancou
pedaço do italiano, o que, ao menos, lhe renderia um troféu de carne, uma orelha, um dedo,
Pela tese dos seis minutos,
a pane não decorreu de uma
relação de causa e efeito, mas de
evento metafísico, extraterrestre,
que não envolveu nem jogadores,
nem técnico, nem a psique
CAMILLA MAIA
TEÓRICOS DA CONSPIRAÇÃO — Aqueles que defenderam com unhas e dentes a tese de que a Copa fora comprada tiveram que
pagar o mico de inverter a tese: ou Dilma sustou o cheque depois de ser vaiada no Itaquerão, ou a Fifa pagou mais alto para o Brasil
perder. Em todo caso, nada mudaria, pois
“pane dos seis minutos” tem poder!
A PSICÓLOGA — Esta, cujo nome é melhor
não repetir em defesa dos clientes em potencial, é a campeã dos relegados. Deu consultas
por torpedo e conseguiu levar a seleção a
uma histeria coletiva sem par. Pela enxurrada
de generalidades ruminadas na entrevista
que deu ao “Roda viva”, não deixa dúvida: ela
precisa de um grande psicólogo. l
FRAGMENTOS DA
ARQUITETURA E
DO CORPO HUMANO
Fotógrafo alemão exibe
registros feitos pelo
mundo, de construções
e de torsos masculinos
NANI RUBIN
[email protected]
T
Adéagbo. Artista fez montagem narrativa para a mostra: “Além de contar a história da escravidão, quero lembrar os escravos que voltaram à África”
‘artevida’, segundo ato
NOVAS NARRATIVAS
Megaexposição inaugura sua
última fase com instalação do
africano Georges Adéagbo
feita para o Parque Lage
FLAVIA MARTIN
Especial para O GLOBO
[email protected]
U
ma máscara africana de madeira
escura divide espaço com um
vestidinho fuleiro de helanca. O
álbum de figurinhas da recém-finda Copa do Mundo disputa a atenção com livros didáticos, um romance de Rachel de
Queiroz, LPs dos sambas-enredo do carnaval de 1994 e do “rei da voz” Francisco
Alves, jornais brasileiros e estrangeiros...
Ao fundo de uma das salas, paira uma
escultura em madeira com o autorretrato
de Pierre Verger — o fotógrafo e etnógrafo
francês que tantos anos dedicou aos registros do Brasil é tema e dá nome à colagem que agrega toda essa sorte de raridades e trivialidades, grande parte garimpada em brechós, sebos e feiras de antiguidades cariocas, como a da Praça XV.
Concebida pelo beninense Georges
Adéagbo, a obra será aberta ao público
às 19h de hoje nas Cavalariças do Parque Lage, após ter sido elaborada exclusivamente para a segunda e conclusiva etapa da mostra “artevida”.
— Além de contar a história da escravidão, quero também lembrar os escravos
que deixaram o Brasil e voltaram à África
levando os sobrenomes de seus ex-senhores, como Silveira, Souza, Monteiro, Vieira,
ainda muito comuns no Benin — conta o
artista africano de 72 anos que participou
da Bienal de São Paulo de 1998 e atualmente está com outra instalação site specific (feita sob medida para o local expositivo) no Moderna Museet, o museu de arte
moderna de Estocolmo, na Suécia.
— É muito interessante ver como
Adéagbo faz uma montagem narrativa
com esses objetos e documentos, artefatos que ficam descontextualizados
nos mercados de pulgas de onde vieram. Há também um significado muito
grande em vê-lo no Rio de Janeiro, uma
cidade com um passado colonial forte
— salienta Rodrigo Moura, que divide a
curadoria com Adriano Pedrosa.
“POLÍTICA” NO MAM
Até o dia 21 de setembro, a megaexposição terá trazido à cidade cerca de 350
obras de 110 artistas, organizadas em
quatro eixos (corpo, arquivo, política e
parque) concentrados, respectivamente,
na Casa França-Brasil, na Biblioteca Parque Estadual, no Museu de Arte Moderna
(MAM) e no Parque Lage.
Com artistas brasileiros, além de outros
do Leste Europeu, da Ásia, do Oriente Médio, das Américas e da África, “artevida”
propõe uma reflexão da história da arte
brasileira feita dos anos 1950 até o início
dos 1980 fora do eixo hegemônico, ou seja,
longe das narrativas europeias e norte-
americanas. Para tanto, também entra em
cartaz às 17h de hoje, no MAM, a porção
política, com 54 artistas que se inspiraram
ou viveram sob regimes autoritários.
Dispostas em zigue-zague no terceiro
andar do museu, obras de nomes nacionais, como Anna Maria Maiolino, Antonio Dias e Teresinha Soares, e de estrangeiros, como o uruguaio Luis Camnitzer e a sul-africana Sue Williamson,
estão agrupadas em subtemas, como
feminismo e racismo, guerras e violência e mapas e bandeiras.
Por fim, o arquivo da artista argentina
Graciela Carnevale abre às 15h para visitação na Biblioteca Parque Estadual, reunindo fotografias, documentos e recortes
de jornais que registram a cena artística
de Rosário, na Argentina, nos anos 1960.
Desde o fim de junho, a porção “arquivo” da mostra já reúne na biblioteca
itens da coleção do artista recifense
Paulo Bruscky. Do mesmo modo, a Casa França-Brasil abriga obras participativas e articuladas como os “Bichos”, de
Lygia Clark, e o palacete no Parque Lage recebe instalações da brasileira Martha Araújo e da japonesa Tsuruko Yamazaki. l
homas Florschuetz deve
ser um dos raros alemães
que desembarcaram no
Rio na semana passada por motivos alheios à Copa. Com exposição de seus trabalhos abrindo
anteontem na galeria Anita
Schwartz, na Gávea, Florschuetz
dedicou-se, nos últimos dias, à
montagem da mostra, sua primeira individual no Rio. “Passageiro” reúne até 23 de agosto 13
fotografias em grande formato,
realizadas desde 2008, e que fazem parte de duas séries: “Enclosure”, com imagens de arquitetura, e uma outra, com registros feitos na Índia, de torsos masculinos, de costas, mostrando diferentes padronagens de camisas.
— Acho interessante o contraste das padronagens geométricas no corpo das pessoas. E a
arquitetura é, de certa maneira,
um ambiente geométrico onde
se abrigam os corpos — diz ele,
relacionando as duas séries.
Em “Enclosure”, trabalho que
iniciou em 2001, há quatro fotos
feitas no Brasil: duas em Brasília,
uma do Museu de Arte Moderna,
no Rio, e uma na Pampulha, em
Belo Horizonte. Na mostra, a série se completa com lugares como uma cabana abandonada no
deserto da Califórnia e o Neues
Museum, em Berlim. Florschuetz
foi convidado a registrar o processo de reforma do prédio, destruído na Segunda Guerra e remodelado pelo arquiteto inglês
David Chipperfield.
Florschuetz, radicado em Berlim e casado com a artista brasileira Carla Guagliardi, nasceu em
Zwickau, então Alemanha Oriental, e cresceu em Chemnitz, na
época Karl-Marx-Stadt. Autodidata, tentou aos 17 anos (hoje,
tem 57) uma vaga numa escola
de artes, mas foi recusado.
No início dos anos 1980, foi para Berlim Oriental, onde encontrou um grupo de jovens artistas
que buscavam algo diferente:
“um meio mais autêntico de se
expressar”. Na época, começou a
exibir seu trabalho em apartamentos de amigos e estúdios de
artistas, com convites feitos e distribuídos manualmente. Atraiu
olhares de fora. Em 1987, participou do Rencontres Photographiques d’Arles, na França, um dos
mais importantes festivais de fotografia do mundo. No fim do
mesmo ano, ganhou o primeiro
lugar do Young European Photography, e foi autorizado a ir a
Frankfurt, na Alemanha Ocidental, para receber o prêmio.
— Foi a primeira vez em que
pude ir ao Ocidente — lembra.
— E decidi ficar, mesmo sabendo que não poderia voltar ao
Leste. Foi difícil, mas a vontade
de ver o mundo era maior. l
“THOMAS FLORSCHUETZ —
PASSAGEIRO”
Onde: Anita Schwartz — Rua José Roberto
Macedo Soares 30, Gávea (2540-6446)
Quando: De seg a sex, das 10h às 20h;
sáb, 12h às 18h. Até 23 de agosto
Quanto: Grátis
DIVULGAÇÃO/THOMAS FLORSCHUETZ
“ARTEVIDA (PARQUE)”
Onde: Parque Lage – Rua Jardim Botânico 414,
Jardim Botânico (3257-1800)
Quando: Palacete: seg a qui, 9h às 19h; sex a dom,
9h às 17h. Cavalariças: 10h às 17h. Até 21 de setembro
(programação completa em oglobo.com.br/rioshow)
Quanto: Grátis
Classificação: Livre
Wonder Valley. Cabana abandonada no deserto pelas lentes de Florschuetz