Actas do seminário 2005 Professor

Transcrição

Actas do seminário 2005 Professor
Actas do XIII seminário de professores e de outros agentes
educativos
Professor – Profissão de Risco?
Auditório da Universidade do Minho
Campus de Azurém – GUIMARÃES
24 de Fevereiro de 2005
Centro de Formação Francisco de Holanda
FICHA TÉCNICA
TÍTULO ORIGINAL
Actas do Seminário ”Professor - Profissão de Risco?”
ORGANIZADOR
Jorge do Nascimento Pereira da Silva
COORDENAÇÃO
Manuel Alves Barbosa
TRANSCRIÇÃO DE TEXTOS
Manuel Alves Barbosa
REVISÃO
MONTAGEM GRÁFICA
CAPA
PROPRIEDADE
DEPÓSITO LEGAL
ISBN
IMPRESSÃO
TIRAGEM
APOIOS
Agostinho Ferreira
Albino Baptista
Maximiano Simães
Cristina Duarte
António Adelino Sousa
Pedro Almeida
José Carlos Pereira da Silva
Centro de Formação Francisco de Holanda
Escola Secundária Francisco de Holanda
Alameda Dr. Alfredo Pimenta / 4810-420 Guimarães
e-mail: [email protected]
www.cffh.pt
130019/05
972-96465-5-4
GRÁFICA COVENSE, LDA.
100 EXEMPLARES
Edição com o apoio do Fundo Social Europeu e do
Estado Português
As opiniões expressas nesta publicação são da responsabilidade dos autores
e não reflectem necessariamente a opinião ou orientação do CFFH
II
ÍNDICE
PROGRAMA DO SEMINÁRIO
IV
AFILIAÇÃO INSTITUCIONAL DOS INTERVENIENTES
VI
NOTA DE APRESENTAÇÃO
Jorge Nascimento Pereira da Silva
VII
SESSÃO SOLENE DE ABERTURA
Jorge do Nascimento Pereira da Silva
João Rodrigues
Francisca Abreu
Varela de Freitas
Luísa Costa
Manuel Mota
10
11
19
20
21
22
25
PAINEL – PROFISSIONALISMO DOCENTE E APRENDIZAGEM NO LOCAL DE
TRABALHO
José Augusto Araújo
Maria Assunção Flores
Ana Margarida Veiga Simão
26
27
29
45
LANÇAMENTO DAS ACTAS DO SEMINÁRIO “O FUTURO DA ESCOLA PÚBLICA
EM PORTUGAL- QUE PAPEL PARA OS AGRUPAMENTOS DE ESCOLAS ?
Joaquim Machado
58
59
PAINEL – AVALIAÇÃO DO DESEMPENHO: PARA QUÊ? PORQUÊ? O QUÊ?
COMO? QUANDO?
José Carlos Morgado
Ana Paula Curado
Ariana Cosme
65
66
70
80
ENCERRAMENTO
Jorge Nascimento Pereira da Silva
95
96
III
Professor – Profissão de Risco?
Encontro de professores e de outros agentes educativos
Auditório da Universidade do Minho – Campus de Azurém - Guimarães
24 de Fevereiro de 2005
Programa
09:00 horas
Entrega de documentação
09:15 horas
Momento Musical e Poético
09:30 horas
Sessão de abertura
10:15 horas
Profissionalismo Docente e Aprendizagem no local
de Trabalho
Conferencistas: Doutora Maria Assunção Flores (Instituto de
Educação e Psicologia da Universidade do Minho)
Doutora Ana Margarida Veiga Simão (Faculdade de Psicologia e
Ciências da Educação da Universidade de Lisboa)
Moderador: Mestre José Augusto Araújo (Presidente do
Conselho Executivo da Escola Secundária das Taipas)
11:15 horas
Intervalo (coffee-break)
11:30 horas
Debate
12:30 horas
Lançamento das Actas do Seminário O Futuro da
escola pública em Portugal – Que papel para os
Agrupamentos de Escolas? – Doutor Joaquim Machado
(Instituto de Estudos da Criança – Universidade do Minho)
12.:45 horas Intervalo para almoço (Livre)
IV
14:30 horas
Momento Musical e Poético:
14:45 horas
Avaliação do Desempenho: Para quê? Porquê? O
quê? Como? Quando avaliar?
Conferencista: Doutora Ana Paula Curado (Reitoria da
Universidade de Lisboa)
Comentadora: Dra. Ariana Cosme (Faculdade de Psicologia e
Ciências da Educação da Universidade do Porto)
Moderador: Doutor José Carlos Morgado (Instituto de
Educação e Psicologia da Universidade do Minho)
16:45 horas
Intervalo (coffee-break)
17:00 horas
Percursos culturais vimaranenses
19:45 horas
Jantar convívio com animação musical
V
AFILIAÇÃO INSTITUCIONAL DOS INTERVENIENTES
Sessão Solene de Abertura
Jorge Nascimento Pereira da Silva, Dr. –
Manuel Carvalho da Mota, Dr. –
Director do Centro de Formação Francisco de Holanda
Presidente da Comissão Executiva da Escola Secundária Francisco
de Holanda
Varela de Freitas, Professor Doutor –
João Rodrigues Dr. –
Francisca Abreu, Dra. –
Luísa Costa, Dra. -
Vice-Reitor da Universidade do Minho
Coordenador Educativo de Braga
Vereadora do Pelouro da Cultura da Câmara Municipal de Guimarães
em representação do Prodep
PAINEL – Profissionalismo Docente e Aprendizagem no local de
trabalho
Maria Assunção Flores, Professora Doutora –
Instituto de Educação e Psicologia da
Universidade do Minho
Ana Margarida Veiga Simão, Professora Doutora –
Faculdade de Psicologia e Ciências da
Educação da Universidade de Lisboa
José Augusto Araújo, Mestre – membro da Comissão Pedagógica do CFFH e presidente do
Conselho Executivo da Escola Secundária das Taipas
APRESENTAÇÃO DAS ACTAS DO SEMINÁRIO “O FUTURO DA ESCOLA PÚBLICA EM
PORTUGAL – QUE PAPEL PARA OS AGRUPAMENTOS DE ESCOLAS ?”
Joaquim Machado, Professor Doutor –
Instituto de Estudos da Criança da Universidade do Minho
Painel – Avaliação do Desempenho: Para quê? Porquê? O quê?
Como? Quando avaliar?
Ana Paula Curado, Professora Doutora –
Ariana Cosme, Dra. –
Reitoria da Universidade de Lisboa
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto
José Carlos Morgado, Professor Doutor –
Instituto de Educação e Psicologia da Universidade do
Minho
VI
NOTA DE APRESENTAÇÃO
“Professor-Profissão de Risco?” foi a temática que reuniu centenas
de educadores, professores e outros actores educativos no Auditório
da Universidade do Minho - Campus de Azurém, no passado dia 24
de Fevereiro de 2005.
Tratou-se de mais um encontro organizado pelo Centro de Formação
Francisco de Holanda que, como instituição de formação, procura
estar atento às mudanças que vêm acontecendo no sistema
educativo, debatendo assim as temáticas que, em cada momento,
preocupam os educadores, os professores e outros agentes
educativos.
Este SEMINÁRIO, com a temática «Professor – Profissão de Risco?»,
foi o ponto de partida para um conjunto alargado de docentes dos
vários níveis de ensino, desde o pré-escolar até ao universitário, a
par de participantes não docentes, encarregados de educação,
autarcas e sindicalistas analisarem, questionarem e reflectirem
sobre o Profissionalismo Docente e sobre a avaliação do
desempenho dos educadores e professores que, sendo temáticas
recorrentes, têm uma enorme pertinência nos dias de hoje.
É necessário reflectir sobre o papel do docente na sua profissão:
será apenas um técnico do ensino? Ou será um verdadeiro
profissional da educação? Será a profissão docente uma conquista e
um estatuto que se adquire para o resto da vida? Ou será a
profissão docente uma profissão dinâmica, exigente e desafiadora
em permanente reconstrução/renovação?
Será correcto, na Escola Pública, tratar como iguais os bons e os
maus profissionais? Terão os bons profissionais que conviver com os
incompetentes e os desleixados? Com as nossas práticas não
estaremos a contribuir para um esvaziamento da docência como
uma verdadeira profissão?
Neste sentido, torna-se fundamental reflectir e avaliar em que
medida é que este SEMINÁRIO foi de encontro às necessidades de
formação e à vontade de questionar a Profissionalidade dos
Docentes, relacionando essa Profissionalidade com a melhoria
organizacional das Escolas.
Procurou-se identificar as potencialidades e limitações da política de
avaliação dos professores.
Procurou-se identificar os desafios que a avaliação dos professores
VII
coloca, quer em termos de decisão política, quer em termos de
liderança das Escolas.
Tentou-se fazer a ligação existente entre a avaliação docente e
também a formação inicial e a formação contínua.
Reflectiu-se, de facto, sobre a avaliação do desempenho profissional
dos docentes, como um processo que terá de resultar forçosamente
de um conjunto de responsabilidades dos vários agentes que
configuram todo o cenário educativo e não apenas só o dos
professores.
Concluiu-se que a avaliação terá de ser uma mais valia, se, de facto,
conduzir, quer a uma mudança das mentalidades, quer a uma
mudança das práticas curriculares que se desenvolvem nas escolas.
Concluiu-se, também, que a avaliação será um processo
importantíssimo se começar a responder mais a uma necessidade de
melhoria profissional dos docentes e não tanto a uma imposição
administrativa e burocrática, ou seja, a uma obrigação de
progressão na carreira.
Para se chegar a estes resultados o Centro de Formação de
Francisco de Holanda convidou alguns investigadores e especialistas,
nesta temática, para apresentarem as suas opiniões ou resultados
de investigações, seguindo-se momentos de debate entre os
participantes.
As comunicações produzidas e o clima que se fez sentir; o debate, o
confronto de opiniões e partilha de ideias, por parte, quer dos
especialistas, quer do público interveniente ao longo do SEMINÁRIO,
em nossa opinião, são factos que, por si só, confirmaram a
pertinência desta iniciativa.
Assim, ao longo de um dia de trabalho, foi possível questionar os
vários conferencistas sobre a problemática da profissionalidade
docente e sua implicação nas aprendizagens dos alunos.
Quisemos com estas poucas palavras despertar-vos a curiosidade
para esta temática, pretendendo, agora, com a publicação destas
Actas contribuir para a continuação da reflexão partilhada.
Fica, pois, o convite para a (re)leitura dos textos das comunicações
do Seminário “Professor – Profissão de Risco”, que permitirá
continuar a nossa reflexão.
Jorge do Nascimento Pereira da Silva
Director do C.F.F.H
VIII
Comunicações
9
Sessão solene de abertura
(Discursos que foram disponibilizados para as actas)
Jorge do Nascimento Pereira da Silva, Dr.
Director do Centro de Formação de Francisco de Holanda
João Sérgio Rodrigues, Dr.
Coordenador Educativo de Braga - em representação da DREN
Francisca Abreu, Dra.
Vereadora da Educação e Cultura da Câmara Municipal de
Guimarães
Cândido Varela de Freitas, Professor Doutor
Em representação do Reitor da Universidade do Minho
Luísa Costa, Dra.
Em representação do Prodep
Manuel Carvalho Mota, Dr.
Presidente do Conselho Executivo da Escola Secundária Francisco
de Holanda
10
Jorge do Nascimento Pereira da Silva
Director do Centro de Formação de Francisco de Holanda
Exmo. Sr. Dr. João Rodrigues Coordenador do ECAE de Braga, em
representação do Sr. Director Regional de Educação do Norte;
Exma. Sr.ª Dr.ª Francisca Abreu, Vereadora do Pelouro da Cultura da
Câmara Municipal de Guimarães;
Exmo. Sr. Professor Doutor Cândido Varela de Freitas, Vice-Reitor da
Universidade do Minho também, em representação do Sr. Reitor da
Universidade do Minho;
Exmo. Sr. Dr. Manuel Carvalho Mota, Presidente da Comissão Executiva da
Escola Secundária Francisco de Holanda – sede do Centro de Formação;
Exmo. Sr. Engenheiro José Figueiredo, Coordenador adjunto do CAE de
Braga;
Exma. Sr.ª Doutora Beatriz Pereira, Vice – Presidente do Instituto de
Estudos da Criança da Universidade do Minho;
Cara Dr.ª Irene Malheiro, Presidente
Associações de Pais de Guimarães;
da
Federação
Concelhia
de
Exmos. Srs. membros de Associações de Pais;
Caros representantes dos Sindicatos de professores e das diversas
instituições e associações presentes;
Caros amigos Directores dos diversos CFAE’s presentes;
Cara Dra. Margarida Elisa Moreira, Directora do Gabinete de Formação da
DREN.
Demais convidados;
Caros amigos educadores, professores e outros agentes educativos
presentes.
Mais uma vez, em nome da Comissão Pedagógica do Centro de
Formação Francisco de Holanda, cabe-me a honra de saudar V.
Exas., bem como os demais convidados presentes e todos os
colegas que quiseram estar, hoje, aqui, para reflectirmos, ao
longo do dia, sobre o profissionalismo docente e sobre a
avaliação de desempenho dos educadores e professores, que
sendo temáticas recorrentes têm uma enorme pertinência nos
últimos tempos.
11
Quero iniciar esta comunicação por deixar uma palavra de
profunda gratidão à equipa (porque se trata de um trabalho
colaborativo) que me tem acompanhado, ao longo de uma
década, na actividade formativa em geral e na organização deste
tipo de encontros em particular. É que, nos últimos anos, sempre
com a presença de cerca de meio milhar de participantes, este
ano um pouco menos (o que não deixa de ser um sinal dos
tempos!), temos abordado temáticas diversas que se cruzam
e/ou se complementam tais como:
1996 - “A formação de professores numa escola em
mudança”;
1997 - “O Impacto das componentes curriculares
regionais e locais na escola do século XXI”;
1998 - “A territorialização das políticas educativas”;
1999 - “A integração e a flexibilização curriculares”;
1999 - “A escola e a criança em risco: Intervir para
prevenir”;
2000 - “O papel dos diversos actores educativos na
construção de uma escola democrática”;
2000 - “Boa esperança/Boas práticas”;
2001 - “(Re)pensar a formação contínua na construção da
profissão docente”;
2002 - “A (Re)organização e revisão curriculares –
sentidos e trajectos!”;
2003 – “Da Escola que temos à Escola que queremos:
Que desafios para a formação de professores?”
2004 – “O Papel dos Agrupamentos de Escolas nos
(des)Caminhos da Escola Pública em Portugal”.
Por aqui passaram dezenas de personalidades do mundo
académico, do mundo político, da administração pública e dos
contextos locais. Temos atravessado vários governos de
diferentes forças políticas, mas a preocupação tem sido sempre a
mesma- a de contribuir para melhorar a escola pública
portuguesa que tem atravessado e atravessa tempos difíceis.
Hoje, estamos expectantes com as mudanças que, com certeza,
irão acontecer. Enquanto educadores, estamos sempre à espera
que sejam para melhorar, até porque a educação das crianças e
12
jovens são para todos nós a razão primeira da nossa actividade
profissional.
Por isso, senhores convidados e caros colegas. Estas mulheres e
homens que vestem a mesma camisola (a da educação) são
dignos dos mais rasgados elogios pelo empenho, pela dedicação
e pela qualidade dos serviços prestados à educação de uma
forma tão desinteressada.
De uma atitude de insatisfação permanente têm emergido
dinâmicas propiciadoras de boas práticas nos estabelecimentos
de educação e ensino que constituem o Território Educativo do
Centro de Formação Francisco de Holanda. Isto é, este Centro de
Formação, que pretende ser, de facto, uma verdadeira
associação de escolas, como tantos outros disseminados de
Norte a Sul do País (204), confunde-se e dilui-se nas dinâmicas
das escolas que são, ao fim e ao cabo, a sua razão de ser.
Neste sentido, enquanto Centro de Formação de Associação de
Escolas, assumimo-nos como um espaço aglutinador de
sensibilidades e de vontades das escolas associadas, enquanto
colectivos, e lutamos permanentemente para que a formação
contínua seja concebida como um factor para o desenvolvimento
profissional e pessoal dos diversos actores educativos e
organizacional das instituições que o integram. Defendemos que
o Centro de Formação seja também um pólo dinamizador da
cultura local, sobretudo, hoje, que se caminha (ainda o
pensamos) para uma localização/municipalização das políticas
educativas. É na consecução destes ideais que pensamos poder
dar contributos importantes às dinâmicas dos Conselhos
Municipais de Educação. Se o trabalho das escolas está cada vez
mais para além dos seus próprios muros, a actividade dos CFAE’s
deve ser transversal aos territórios educativos que os
constituem. Tem sido no interpretar desta filosofia que, desde a
primeira hora, formalizámos Protocolos com a Universidade do
Minho, com o Instituto da Educação e Psicologia da mesma
Universidade, com o Instituto de Francês do Porto, com o
Instituto Idite Minho, com a Tempo Livre, com os CFAE’s
circunvizinhos e com tantas outras entidades. Tendo como pano
de fundo a política formativa, temos feito uma caminhada num
diálogo, mesmo que informal, com a autarquia vimaranense
quase sempre no âmbito do Pelouro em que a Dra. Francisca
Abreu superintende – o da Educação. Há resultados desse
13
diálogo que, como é natural, pensamos que pode ser cada vez
mais aprofundado num diálogo permanente entre as diversas
instituições. Desta forma, conseguimos tornar-nos parceiros que
perseguem objectivos comuns no âmbito da formação, da
animação cultural e desportiva, do desenvolvimento das novas
tecnologias, numa perspectiva de life-long-learning, colocando-nos ao serviço da comunidade que todos servimos.
Sem esquecer a formação dos diversos grupos profissionais que
animam a escola pública, concebida como uma escola de
qualidade de todos e para todos, uma das nossas grandes
preocupações, como é óbvio, centra-se no “ofício de professor”
com todas as implicações inerentes ao desempenho da função
num tempo de incertezas e de mudanças, que torna a profissão
(?) professor cada vez mais complexa e desgastante.
Estes encontros de professores e de outros agentes educativos
realizados em Guimarães, ao longo de mais de uma década, têm
congregado, em grande número, os profissionais da educação,
para reflectirem e debaterem os problemas da educação e
também desenvolverem um espírito de coesão entre todos nós,
tão necessário nos tempos difíceis por que tem passado a escola
pública e os profissionais que a servem.
Ouvimos dizer que a missão do professor é fazer as crianças
felizes1. Ouvimos dizer que o professor é o elemento
fundamental para a promoção do sucesso educativo2.
Ouvimos dizer que os professores devem ser agentes culturais de
mudança.
Ouvimos dizer que cabe ao professor “ensinar a descobrir o
mistério das coisas e da vida”3.
Ouvimos dizer que o professor deve assumir-se como mediador
entre a escola e o mundo.
Ouvimos dizer que ser professor é estar na vanguarda da defesa
da civilização.
1
Maria das Neves Jesus in “A propósito da Escola da Ponte,” A página da
Educação, Nov. 2003
2
CRSE:39
3
Matias Alves, J. in Correio da Educação, 37, de 2/5/2000
14
Ouvimos dizer que se aprender fosse fácil e espontâneo não
eram precisos professores.
Ouvimos dizer que se já de si a profissão é exigente, ela torna-se
ainda mais complexa nos tempos modernos, com o alargamento
da escolaridade obrigatória e consequente massificação do
ensino.
Ouvimos dizer que para um bom desempenho das suas funções,
ao professor não basta sentir vocação.
Ouvimos dizer que as mudanças nas escolas passam pelos
professores.
Ouvimos dizer que os professores têm de encontrar soluções
com os alunos e não para os alunos.
Ouvimos dizer que os professores têm de perceber que alguns
alunos não estão bem.
Ouvimos dizer que há professores isolados na própria escola.
Mas também ouvimos dizer que a escolaridade básica obrigatória
“obriga o professor a defrontar-se com um problema - terá de
ensinar muitos alunos que só frequentam a escola porque a isso
são obrigados pela lei ou pela pressão da família. Isto é,
encontrará muitos alunos desmotivados e alienados”4.
Mas também ouvimos dizer que “é indispensável defender a
criança de indivíduos que, não tendo outra profissão adoptaram a
de professor, como poderiam adoptar outra qualquer5.
Mas também ouvimos dizer que o professor não pode ser
encarado e tratado como mero funcionário público.
4
Formosinho, J. (1987:145). A Formação de Professores e Gestores Pedagógicos
para a Escola de Massas. Separata da Revista O Ensino – Revista Galaico
Portuguesa de Sócio - Pedagogia e Sócio - Linguística, 18, 19, 20, 21 e 22, 145155.
5
Lima, in Nóvoa, (1989:435). Profissão: Professor. Reflexões Históricas e
Sociológicas. Aveiro: Universidade de Aveiro, pp. 15-38
15
Mas também ouvimos dizer que os professores são os
profissionais com uma mobilidade mais acentuada que implica a
separação da família, a solidão, o stress, a desmotivação.
Mas também ouvimos dizer que o sonho de ser professor, por
vezes, passa a ser pesadelo.
Mas também ouvimos dizer que os professores, ora são pouco
exigentes, ora são facilitadores.
Mas também ouvimos dizer que não basta haver professores
competentes para a escola ser competente.
Mas também ouvimos dizer que o professor não está na escola,
mas que vai à escola.
Mas também ouvimos dizer que o professor tem de ser tudo e
mais alguma coisa.
Senhores membros da mesa, demais convidados, caros
conferencistas, caros colegas. Esta plateia é a mais diversificada
possível. Como tem sido habitual, temos a honra de poder contar
com colegas das Autarquias, das Associações de Pais, dos
Sindicatos, da Administração, da Inspecção, do Ensino Superior e
dos estabelecimentos de educação e ensino não superior. Temos
cá, hoje, Educadores de Infância, Professores de 1.º, 2.º, e 3.º
ciclos do Ensino Básico, do Ensino Secundário e do Ensino
Superior. Temos cá, hoje, Técnicos da Entidade Financiadora
(Prodep) e do Conselho Científico-Pedagógico da Formação
Contínua. Temos cá, hoje, Autarcas, Técnicos de educação das
autarquias, Pais, Encarregados de Educação, Directores de
CFAE’s, Consultores de Formação, Sindicalistas, Membros de
Conselhos Executivos, Educadores e Professores provenientes de
dezenas de escolas, dos diversos níveis de educação e ensino e
de dezenas de concelhos (mais de quarenta), essencialmente da
Região Norte, mas também da Região Centro.
Ora, foi para animar este debate que trouxemos cá, hoje, a
Doutora Assunção Flores, a Dra. Margarida Veiga Simão, a
Doutora Ana Paula Curado e a Dra. Ariana Cosme. Foi uma
aposta no feminino. A educogenia em acção. Claro que também
contamos com a presença do Doutor José Carlos Morgado e do
Dr. José Augusto Araújo para moderar os debates que desejamos
vivos e enriquecedores. O Doutor Joaquim Machado também está
connosco para apresentar as actas do Seminário do ano passado,
16
logo no final da manhã. A umas e a outros é uma honra tê-los
entre nós. Estaremos atentos às vossas mensagens.
A todos vós, de igual modo, o nosso muito obrigado por terem
aceite o convite.
Creio que o dia promete.
Este foi o nosso papel. Agora, caberá às senhoras conferencistas,
comentadores e moderadores cativar esta plateia assolada de
dúvidas, de preocupações, de incertezas e de algum desencanto.
Que a crença e a esperança se renovem.
Os profissionais da educação são capazes de “reinventar a escola
e a profissão docente6”, são capazes de “pensar a Escola em
função de outros princípios e de outros pressupostos educativos”,
são capazes de aprender a construir colegialmente o melhor
caminho que conduza à capacidade de “provocar o desejo de
aprender” que, como afirma A. Nóvoa7 (2001:15), “infelizmente,
não podemos decretar”.
Mesmo para terminar, um obrigado a todos aqueles que ainda
acreditam que os professores são capazes de semear esperança
mesmo que o horizonte pareça sombrio.
Se é verdade, como afirma Santos Guerra,8 que “a
incompetência é um dos males mais inquietantes numa
sociedade em que instituições e profissionais prestam serviços
aos cidadãos. [Que] um político incompetente é uma praga para
a sociedade. [Que] um médico incompetente causa danos
irreparáveis. [Que] um professor incompetente é uma desgraça
para os que têm de sofrer com a sua desqualificação..., ”
também é verdade que, como diz Matias Alves9, “as vozes dos
professores são hoje essenciais, porque, dia - a - dia, semeiam
uma esperança, abrem um sorriso, praticam gestos que nos
podem resgatar...”.
6
Cosme, Ariana e Trindade, Rui (2002). Manual de sobrevivência para
professores. Porto: Edições Asa pp. 34, 35.
7
Nóvoa, António (2001). Eu Pedagogo me confesso. Diálogo com Rui Grácio.
Inovação, 14, 1-2, 9-33.
8
9
Santos Guerra, Miguel, in Correio da Educação, n.º 21 de 31 de Janeiro de 2005.
Matias Alves, in Correio da Educação, n.º10 de 31 de Janeiro de 2005
17
Como pão para a boca, precisamos, pois das vozes dos
professores, daquelas mulheres e daqueles homens que não
desistem de dias mais claros; que não desistem de acreditar nas
possibilidades do ser humano; que persistem na construção de
uma relação educativa fundada no respeito, na exigência, na
ternura, na confiança”. Acredito que muitas destas mulheres e
destes homens estão nesta sala!
Que se faça luz sobre esta problemática é o nosso desejo.
Muito obrigado
18
Dr. João Rodrigues
Coordenador Educativo de Braga – em representação da Dren
Excelentíssimos membros da mesa, caros colegas, apenas duas
palavras.
Uma primeira palavra para justificar a ausência da Dra. Helena
Roque que deveria estar aqui, hoje, a representar a Direcção
Regional do Educação do Norte, mas que por motivos de doença
não pode estar connosco e pede-me para vos enviar uma
mensagem de esperança no nosso trabalho, na continuação do
nosso trabalho, em prol da qualidade das aprendizagens das
crianças e jovens com que todos os dias lidamos.
Gostava de usar os termos do título das jornadas deste ano
“Professor - Profissão de Risco?” para, brincando com eles, dizer
que de facto o principal risco que nós corremos com a nossa
profissão é o de não conseguirmos fazer com que todas as
crianças e jovens que temos à nossa frente consigam aprender
aquilo que deveriam aprender. Mas também é verdade e penso
que é útil, de vez em quando, dar um murro nesta depressão em
que, parece, estamos todos metidos. Também é verdade que foi
à custa de muitos dos que estão nesta sala e de muitos que já
não estão ao serviço connosco que conseguimos nas últimas
décadas dar um pulo extraordinário. Quando, hoje, nos mostram
as estatísticas do insucesso e de abandono e as comparam com
países da União Europeia, mostrando como ficamos mal na
fotografia, estão a esquecer o ponto de partida da comparação e
o trabalho que fizemos nas últimas décadas. Penso que esse
trabalho não pode ser esquecido, é um trabalho notável e todos
juntos conseguiremos dar continuidade a esse trabalho. O Centro
de Formação Francisco de Holanda é aqui parceiro estratégico
importantíssimo e tenho acompanhado o trabalho deste Centro
desde a sua fundação e testemunho convosco a enorme
qualidade das suas iniciativas. Espero que esta também seja uma
acção de formação com a qualidade a que estamos habituados.
Bom trabalho para todos.
Parabéns ao Dr. Jorge do Nascimento.
19
Dra. Francisca Abreu
Vereadora da Educação e Cultura da Câmara Municipal de Guimarães
Aproveito para cumprimentar todos os membros da mesa e todos os
colegas aqui presentes.
Queria em primeiro lugar agradecer ao Centro de Formação
Francisco de Holanda o convite que nos fez para estar aqui presente.
O Senhor Presidente da Câmara Municipal teria muito gosto em
estar aqui presente, mas está a decorrer neste momento uma
reunião de Câmara onde ele deverá estar e, também eu estou numa
angústia incrível ditada pela necessidade de estar também nessa
reunião.
Por isso, o Senhor Presidente encarregou-me de o representar e de
agradecer o convite e deixar mais uma vez registadas as felicitações
ao Centro de Formação de Francisco de Holanda pelo trabalho
notável que tem desenvolvido em mais de uma década de
existência. Seminários desta natureza, obrigam-nos a pensar e a
reflectir sobre a profissão docente e sobre os caminhos a traçar para
a Escola e para a educação no nosso país, num tempo em que as
dúvidas e a imprevisibilidade são o mais previsível.
São também assacadas responsabilidades às Escolas, sempre que
surge qualquer desses problemas sociais com que nos defrontamos
diariamente.
Portanto, estes espaços de debate, troca de experiências e de
reflexão são, seguramente, espaços também para determinar um
caminho e o caminho mais certo para a formação dos nossos jovens
e para a carreira docente.
Entendo que os actores são fundamentais na educação e na escola,
embora ninguém seja insubstituível porque as coisas avançam, mas,
os actores são determinantes para o bom desempenho e para a
qualidade das coisas. E os professores e os educadores como
agentes educativos, são fundamentais para o caminho e para esta
reflexão sobre a Escola e sobre a educação nos dias de hoje.
Portanto, desejo felicitar o Centro de Formação de Francisco de
Holanda e desejar que este dia em que não vou poder participar,
sirva também de exemplo a outros, de reflexão, de troca de ideias,
para que o papel do professor e a educação em Portugal encontrem
o melhor caminho para a formação e para os desafios de amanhã.
20
Prof. Doutor Varela de Freitas
Vice-Reitor da Universidade do Minho
Dr. Jorge do Nascimento, cumprimento em si a mesa.
Caros colegas, antes de mais queria dizer que, embora esteja
aqui institucionalmente a representar o Senhor Reitor da UM, eu estaria
aqui sempre, como já estive noutras edições destes eventos, porque me
ligam ao Centro de Formação Francisco de Holanda e ao Jorge,
desculpe-me a informalidade, laços de amizade; e portanto é sempre
com prazer que aqui estou.
Institucionalmente começo por me sentir desconfortável, não
por causa do frio, mas porque representando a Universidade, e eles
poderiam ter de facto posto o aquecimento a funcionar. Julgo aliás que
há aqui um problema técnico, devem ter invertido, porque está a dar ar
condicionado frio e não quente.
A Universidade do Minho acolhe já há vários anos, penso eu,
estas realizações do Centro de Formação de Francisco de Holanda e fá-lo
com muito prazer, com muito gosto, porque, naturalmente, a
Universidade do Minho e o Centro, sendo duas Instituições que se
dedicam à formação de professores e à educação em geral tem essa
obrigação acrescida. Naturalmente que não tinha pensado naquilo que
iria dizer. Posso fazê-lo por circunstância, mas queria aproveitar este
momento porque há um assunto que me preocupa até pelas funções
que neste momento exerço, e que obrigam a trabalhar numa área que
como sabem, mesmo os que não estão ligados à Universidade, está
neste momento efervescente que é o chamado acerto dos cursos do
ensino superior português ao processo de Bolonha.
Está realmente em curso a nível global do país, aliás da Europa,
todo um projecto de acerto desses cursos no sentido de os integrar
numa rede europeia. E isto põe problemas para a Universidade, mas não
só para a universidade. E estou preocupado porque quanto mais estudo
o assunto mais penso, nas implicações a montante. Não há que fazer
acertos, por exemplo ao nível do ensino secundário? É evidente que
estão a ser feitos estudos, o que não me parece é que esteja a haver
um diálogo que considero indispensável entre o ensino secundário e o
ensino superior. É muito fácil que cada um de nós critique o sistema que
vem antes porque não nos dá aquilo que nós queremos sem haver,
efectivamente, da nossa parte, também, um correcto esclarecimento
daquilo que é necessário para que os nossos alunos consigam atingir as
competências que se pretende que atinjam face às necessidades e agora
não interessa se são de profissão, se são culturais, seja o que for.
21
Dra. Luísa Costa
Em representação do Prodep
Dr. Jorge do Nascimento e demais elementos da mesa, caros
colegas e amigos.
É, mais uma vez, com muito prazer que aceitei o convite para
participar neste Seminário, cujo tema promete, como aliás tem
acontecido em todos os anos em que o Centro de Formação de
Francisco de Holanda tem promovido e realizado Seminários,
conforme o Dr. Jorge do Nascimento os enunciou desde 1996.
Assisti a quase todos e sempre primaram pela qualidade, com
intervenções qualificadas e que mexem sempre connosco e nos
fazem pensar. Ainda estou a lembrar-me do ano passado sobre
os agrupamentos de Escolas.
Sou professora, estou aqui em representação da Dra. Teresa
Castro, coordenadora da estrutura de apoio técnico do PRODEP
norte, mas vou falar em meu nome pessoal. Sou professora do
ensino secundário, estive 23 anos na escola. Há cinco anos, fui
convidada para o PRODEP. Aceitei o desafio. Podem se calhar,
chamar-me louca, porque troquei um horário que, ao fim de 23
anos de serviço sabem como é, embora com muitas outras
actividades dentro da escola, por um horário de manhã à noite.
Mas como sou de desafios, aceitei e embora já trabalhasse
nestas lides do PRODEP quando estava na Escola, porque, desde
o início fui responsável pelos projectos da acção 3.1 – estágios
de ensino técnico profissional e tecnológico. Portanto, estou por
dentro das escolas e com a visão do lado de dentro e também
com a visão do lado de fora. E, neste momento, tal como o
professor Varela Freitas, estou preocupada. Estou preocupada
porque normalmente ocorre que o PRODEP solicita a entidades
externas que façam uma avaliação dos impactos da formação e
está neste momento a ser realizado um estudo de avaliação dos
impactos da medida 5.1 – Formação Contínua e especializada, e
os resultados não são muito animadores. E não são muito
animadores porque tiram conclusões muitas delas que nós
sabemos e outras que vamos vendo. Desde há quatro anos a
esta parte, o Ministério da Educação definiu objectivos e, que,
mesmo com a mudança do governo devem manter-se até porque
quem os definiu já tinha sido o então Ministro Oliveira Martins e
22
esses objectivos para a formação são, como toda a gente sabe, a
melhoria da qualidade do ensino, a redução do insucesso e do
abandono escolar. Para tal definiu áreas de formação prioritárias:
Português, Matemática, Ciências Experimentais, as TIC, projectos
que diminuam ou atenuem, ou procurem resolver situações
críticas na sala de aula, cidadania e ambiente. No que diz
respeito às TIC, esses objectivos estão a ser cumpridos. No que
diz respeito a outras áreas, não estão a ser cumpridos tão bem.
Depois há outros aspectos, e peço desculpa, mas a minha função
vai ter que ser esta: falar principalmente para professores. Os
Centros de Formação fazem os seus planos com base nas acções
indicadas pelas escolas/agrupamentos e depois os professores
não as escolhem.
Por outro lado, são lançados através de um organismo central do
Ministério da Educação os novos programas para os 10º e 11º e
este ano 12º anos, e há professores que vão leccionar os novos
programas e não frequentam essas acções. Não sei porquê.
No final do ano civil financiamos planos de formação, analisamos
do ponto de vista pedagógico, atribuímos o montante que
consideramos razoável e necessário para realizar a formação e,
por vezes, a meio do ano, os planos tem de ser completamente
alterados porque esta acção não se faz porque não tem
formandos, faz-se aquela. Depois lemos relatórios e ouvimos as
pessoas a falar, Estou como disse o Dr. Jorge do Nascimento “eu
ouvi dizer…” que as pessoas vão para a formação porque querem
a formação, porque gostam da formação, porque sentem
necessidade da formação. E fico preocupada quando vejo os
primeiros resultados do tal relatório que a tal instituição está a
fazer sobre o impacto da medida 5 que diz que mais de 90% dos
professores vai para a formação por causa dos créditos. Não
quero acreditar! Estou a ouvir burburinho! Tenho muita pena
porque estou a ver muito mal as pessoas. Nestas coisas
iluminam muita a mesa e pouco as pessoas e eu gosto de falar e
ver as caras e vejo assim uma certa penumbra. E, esse relatório
preocupa-me. Porquê? Porque somos professores. Fui e sou
professora, com muito gosto, nunca fui empurrada para o
ensino, fui para o ensino porque quis e gostei, e, não há nada
que nos faça sentir melhor que estarmos realizados na profissão
que temos e não há nada que nos gratifique mais do que ver o
sucesso dos nossos alunos.
23
Já falei muito e vou terminar desejando um bom trabalho a
todos. O tema vai ser muito interessante, muito discutido, muito
importante, mas vou terminar com uma expressão que o Dr.
Jorge do Nascimento usou no seu discurso de abertura “vistamos
a camisola”.
Muito obrigada.
24
Dr. Manuel Mota
Presidente do Conselho Executivo da E.S.F.H.
Excelentíssimos membros da mesa, caro colega Jorge do
Nascimento, Director do Centro de Formação Francisco de
Holanda, caros colegas e demais convidados. Em representação
da Escola Secundária Francisco de Holanda, cumpre-me
cumprimentar-vos e desejar um agradável e bom dia de
trabalho.
Sem pretender roubar demasiado tempo gostava de deixar aqui
quatro breves apontamentos sobre o tema deste seminário:
PROFESSOR – Profissão de Risco?
1º - A profissão docente bem antes de ser uma profissão de risco
ou em risco como outros preferem, é uma profissão nobre. Se
assim for olhada, se assim for exercida, se assim for avaliada,
ninguém terá de recear o futuro;
2º - Hoje mais do que nunca a nossa sociedade reclama
professores profissionais independentes e reflexivos, professores
que acreditam, professores portadores de esperança e de futuro;
3º - Um dia perguntaram a uma senhora professora “que faria se
um jovem da sua classe a ameaçasse com uma arma?” Ela
respondeu “aconselhava-o a cumprir as regras da classe”, tão só.
Os inquiridores insistiram e perguntaram à professora se não
chamava a polícia. Ela disparou “Polícia? A escola não é um
espaço de contenção ou de segurança imposta. A escola é um
espaço de liberdade e de criação de novos futuros”;
4º - Professor – Profissão de Risco? Não, se formos
verdadeiramente profissionais, não se estivermos com os alunos
e não contra os alunos. Não se soubermos elevar os valores do
respeito, da liberdade e da ordem. Não, se soubermos
transformar a escola no espaço da e para a comunidade. Não, se
transformarmos a Escola em fonte de conhecimento, de trabalho,
de humanidade e de vida.
Em conclusão: o risco associado à nossa profissão desaparece
com trabalho, com qualidade da educação para a cidadania, para
o direito, para a humanidade. Portanto tenhamos coragem,
tenhamos esperança, o futuro depende de nós próprios.
Muito obrigado.
25
Painel
Profissionalismo Docente a
e Aprendizagem no local de trabalho
Intervenientes
Maria da Assunção Flores, Professora Doutora
Ana Margarida Veiga Simão, Professora Doutora
Moderador
José Augusto Araújo, Mestre
26
José Augusto Araújo
Presidente do Conselho Executivo da Escola Secundária das Taipas
Nota de abertura do moderador do painel
Profissionalismo Docente e Aprendizagem no Local de
Trabalho
Este 1º painel será composto por duas conferências10 e incidirá
sobre o tema: “Profissionalismo Docente e Aprendizagem no
Local de Trabalho”.
É um tema de elevada pertinência, nestes tempos em que tanto
a profissão docente como a própria educação escolar tendem a
ser reduzidos à sua dimensão técnica e instrumental. As análises
dominadas pela racionalidade económica e pela visão utilitarista
do ensino e da aprendizagem, apresentam-se fixadas nos
conceitos da eficácia e da eficiência e reclamam uma educação
colocada prioritariamente ao serviço da economia.
Nesta lógica, os tempos são de redução da docência à dimensão
mais simples das suas vertentes técnicas. O professor que se
reclama não é um profissional da educação, mas um técnico do
ensino. São tempos apelativos para a promoção e venda de
professores e salas de aula virtuais.
10
A primeira conferência seria proferida pela Doutora Maria Assunção Flores, do
Instituto de Educação da Universidade do Minho, abordando o conceito de
profissionalismo docente e o modo como ele tem sido definido e redefinido ao
longo dos últimos anos. Analisaria também algumas dimensões do
profissionalismo docente que, mais recentemente, têm vindo a ser questionadas e
postas em causa e demonstraria as implicações que daí resultam ao nível da
satisfação profissional, do sentido de auto-eficácia e da motivação dos professores.
A segunda conferência seria proferida pela Doutora Ana Maria Veiga Simão, da
Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa,
abordando alguns dos desafios para as escolas e para os professores em contextos
de mudança, nomeadamente a necessidade de dar ênfase à função do professor
enquanto organizador da aprendizagem e a necessidade de reflectir sobre a
concepção do binómio ensino/aprendizagem/avaliação. Analisaria ainda algumas
formas de promover a autonomia da aprendizagem do professor ao longo da sua
vida profissional e de transferir para o processo formativo dos professores os
princípios decorrentes do construto da auto-regulação da aprendizagem.
27
O problema é que, honestamente, não podemos negar que há
casos em que os alunos não teriam nada a perder se o seu
professor fosse substituído por uma ligação à Internet. Assim, a
defesa da profissionalidade docente passa também pela
capacidade de retirar da docência os “biscateiros do ensino”.
A docência vivida como profissão não é uma conquista, não pode
ser um estatuto que se adquire e fica garantido para vida, tem
que assumir-se, individual e colectivamente, como uma realidade
dinâmica, exigente e desafiadora que urge manter em
permanente reconstrução e renovação.
A rejeição, ou pelo menos a falta de exigência, de um controlo
interno efectivo e rigoroso vem dando argumentos aos que
reclamam mais controlo externo das Escolas Públicas e dos seus
professores ou, até, reivindicações mais radicais, como a
sujeição das Escolas Públicas e dos seus profissionais às lógicas
do mercado e à lei da oferta e da procura.
Este ataque exige novas defesas. Não se defenderá a Escola
Pública e os seus profissionais, com manifestações, abaixoassinados e greves. Não se defenderá a Escola Pública e os seus
profissionais, teimando em tratar como iguais os maus
profissionais; teimando em conviver passivamente com os
incompetentes, os desleixados, enfim, com os que levam a
função como um biscate.
A recusa corporativa do controlo interno e da efectiva autoregulação abre a porta ao controlo externo e ao esvaziamento da
docência das suas dimensões de verdadeira profissão, com as
consequências individuais que todos vamos sentindo. A
preparação de novas respostas é uma responsabilidade individual
e colectiva e, mais do que isso, um desafio inadiável e decisivo
para uma resposta à questão de fundo que enquadra este
seminário.
28
Profissionalismo Docente: algumas reflexões e
interrogações
Maria Assunção Flores
Instituto de Educação e Psicologia da Universidade do Minho
Em primeiro lugar, gostaria de agradecer o convite que me foi
dirigido para participar neste Seminário, um evento que pretende
ser um espaço de reflexão e de problematização de um conjunto
de temas importantes para todos nós professores, mas também
para todos aqueles que se preocupam com a melhoria da
qualidade da educação, num tempo em que a incerteza, o
desafio, a mudança e a complexidade emergem como aspectos
dominantes. É, pois, importante promover espaços como este,
para que possamos pensar sobre aspectos com os quais lidamos
todos os dias e que nos suscitam interrogações, dilemas,
questões e dúvidas.
O tema que nos traz hoje aqui – profissionalismo docente e
aprendizagem no local de trabalho (que a minha colega irá
explorar na segunda parte desta intervenção) – é complexo e
requer uma reflexão e uma análise profundas sobre a profissão
docente e sobre o que significa ser professor, o que tem
implicações para a formação dos docentes, o seu papel no
processo de desenvolvimento curricular, a questão da identidade
ou das identidades profissionais dos professores, a avaliação,
etc.
Trata-se de um tema que, aliás, se interliga directamente com o
título deste Seminário “Professor: uma profissão de risco?”. Não
sei se estamos efectivamente perante uma profissão de risco
(que depende do sentido que lhe queremos atribuir), mas é com
certeza uma profissão complexa, exigente, em mudança e que é
necessário situar histórica, social e culturalmente, sobretudo
quando nos propomos estudar o profissionalismo docente.
Estruturei a minha intervenção à volta de três questões, que me
parecem relevantes e passíveis de uma reflexão e análise
possíveis, tendo em conta o tempo de que dispomos:
1. O que se entende por profissionalismo docente?
29
2. Que mudanças/alterações têm afectado a natureza do
ensino e do trabalho dos professores nos últimos
tempos?
3. De que modo tem sido (re)definido o profissionalismo
docente? E por quem? (esta talvez seja uma questão
para discussão posterior)
1. O que se entende por profissionalismo docente?
Ao longo das últimas décadas, tem-se discutido, com alguma
acuidade e até controvérsia, as características essenciais de uma
ocupação para que possa ser designada de “profissão”. De
acordo com uma visão clássica ou sociológica, uma profissão
inclui um conhecimento - base especializado (cultura técnica),
um compromisso para com os clientes e as suas necessidades
(ética de serviço) e um controlo colegial (e não burocrático e
externo) no que diz respeito à formação e ao recrutamento dos
seus membros (auto-regulação) (Hargreaves e Goodson, 1996).
No campo educacional, a literatura sobre esta temática tem
procurado analisar o ensino de acordo com o que Whitty (2000,
p. 282) descreve como “visão normativa do que significa ser um
profissional” à luz das profissões clássicas como medicina e
direito.
Há autores que argumentam que o debate sobre o ensino,
enquanto profissão, deve ser entendido à luz das chamadas
caring professions, tais como serviço social e enfermagem
(Hargreaves e Goodson, 1996), com base no pressuposto de que
a visão mais convencional ou clássica do que significa ser
profissional não tem em consideração as características
intrínsecas e peculiares do ensino (nomeadamente as suas
dimensões pessoal, moral, emocional e social). Neste contexto,
Imbernón (1994) sustenta que a perspectiva clássica se tornou
obsoleta, não sendo, por isso, válida para analisar a natureza
profissional do ensino.
Aliados à controvérsia (e complexidade) desta discussão estão os
conceitos
de
profissionalidade,
profissionalismo
e
profissionalização existentes na literatura, cuja análise (mais
exaustiva) ultrapassa o âmbito desta intervenção, pelo que
dilucidamos muito sumariamente o seu significado.
30
Em primeiro lugar, convém clarificar a distinção entre
profissionalização e profissionalismo. O primeiro termo encontrase associado ao projecto ou processo político ou social (ou ainda
individual), através do qual uma determinada ocupação (ou
indivíduo) procura reconhecimento como profissão (ou como
profissional); o segundo diz respeito à natureza e qualidade do
trabalho das pessoas, neste caso dos professores (Sockett,
1993; Imbernón, 1994; Hargreaves e Goodson, 1996; Calgren,
1999; A. Hargreaves, 2001).
Esta distinção foi corroborada por um conjunto de professores
que participaram numa investigação realizada em Inglaterra que
pretendia analisar a forma como a introdução do Currículo
Nacional (1988) afectou o profissionalismo docente. Os
resultados apontam para uma distinção entre “ser um
profissional” e “comportar-se profissionalmente”, isto é, entre
questões de estatuto e reconhecimento público e aspectos
associados à ética de serviço e dedicação, respectivamente
(Helsby, 1995).
Por seu turno, a profissionalidade refere-se ao conjunto de
características essenciais, conhecimentos, destrezas, atitudes e
valores específicos de uma dada profissão (Hoyle, 1974; Gimeno,
1991; Imbernón, 1994; Estrela, 2001), ou seja, nas palavras de
Whitty (2000, p. 284) “o conteúdo do profissionalismo docente”.
Entender o profissionalismo docente – enquanto natureza e
qualidade da prática - tratando-se de um conceito social e
culturalmente construído (Helsby, 1995), e portanto, em
permanente transformação, implica situá-lo num dado contexto,
o que pressupõe a consideração de diferentes “vozes” e
“perspectivas” que se fundamentam em distintas leituras e
interpretações do mesmo fenómeno (Helsby, 2000; A.
Hargreaves, 2000).
A análise do profissionalismo docente (e o modo como este tem
sido afectado ao longo dos tempos) requer não só a
compreensão do trabalho dos professores e o modo como estes
se vêem enquanto profissionais (e como os outros os vêem),
mas também a consideração do contexto – social, político e
cultural – em que se inscreve.
31
2. Passaria agora para a segunda questão: Que
mudanças/alterações têm afectado a natureza do ensino e
do trabalho dos professores nos últimos tempos?
O actual debate sobre o profissionalismo docente tem sido
marcado, em vários países, por visões contraditórias (e pósmodernas) sobre a natureza do trabalho dos professores no início
do século XXI. Torna-se, assim, necessário reenquadrá-lo e redefini-lo à luz dos contextos de ensino em permanente mudança,
o que exige novos modos de olhar para as culturas profissionais
e para a(s) identidade(s) dos professores.
Ao longo das duas últimas décadas, as escolas, e
consequentemente os professores, têm sido confrontados com
novos desafios, nomeadamente o alargamento das suas
responsabilidades e dos seus papéis (em virtude, por exemplo,
dos contextos multiculturais em que têm de trabalhar, das
alterações ocorridas na estrutura familiar e da expansão das suas
funções que ultrapassam o âmbito da sala de aula e da
disciplina), a cada vez maior influência dos media na educação
dos alunos, a co-existência de diferentes modelos educacionais
numa sociedade multicultural, o aumento de oportunidades para
aprender fora da escola devido ao desenvolvimento das
tecnologias da informação e comunicação, a crescente
burocracia, prestação de contas e escrutínio público, entre outros
(Day, 1999; Esteve, 2000, Estrela, 2001; Hargreaves, 2001).
As exigências e responsabilidades colocadas aos professores são,
assim, cada vez mais complexas, pois estes têm não só de lidar
com uma maior diversidade de alunos provenientes de diferentes
backgrounds sociais e culturais e com capacidades de
aprendizagem distintas e de fomentar uma variedade de
situações de aprendizagem para responder a necessidades e
motivações diversas, mas têm também de demonstrar um
conhecimento pedagógico e didáctico fundamentado para
seleccionar e construir os melhores materiais e estratégias
curriculares no contexto da sala de aula que se caracteriza por
uma heterogeneidade e complexidade cada vez maiores. Esperase que eles pensem sobre a sua prática, que mudem e se
desenvolvam profissionalmente, enquanto aprendentes ao longo
da vida, mas também se lhes exige que envolvam todos os
alunos na aprendizagem, promovendo o seu bem-estar e o seu
desenvolvimento numa perspectiva holística.
32
Se as escolas e os professores têm sido confrontados com novas
expectativas e exigências, a sua formação e os recursos
disponibilizados têm permanecido (quase) inalterados em muitos
países. A este respeito, alguns autores chamam a atenção para
as expectativas elevadas e “irrealistas” e para a “hiperresponsabilização” e pressão social exercidas sobre os
professores, tornando-se, muitas vezes, no “bode expiatório” do
sistema educativo (Gimeno, 1991; Esteve, 2000; Estrela, 2001).
Contudo, se, por um lado, são culpados do que corre mal no
sistema educativo, por outro, são vistos como os detentores da
chave do sucesso da educação.
Neste contexto, há autores que aludem ao “paradoxo da
centralização - descentralização”, à “patologia da mudança “topdown””, à “ironia sistemática” e à lógica da recentralização que
têm marcado a introdução de alterações no trabalho das escolas
e dos professores (cf. por exemplo, A. Hargreaves, 1998), por
exemplo, quando se preconiza a mudança através de
procedimentos burocráticos, o que implica “tensões” e “dilemas”,
e cujos resultados não se traduzem numa melhoria efectiva da
qualidade do ensino e das aprendizagens dos alunos. Por outras
palavras, a imposição por parte da Administração Central de
mudanças assume, de forma implícita, que a sua implementação
constitui um acontecimento, um facto e não um processo.
Em muitos países, o trabalho dos professores tem sido marcado
mais por rupturas do que por continuidades (Calgren, 1999). A
qualidade tornou-se a palavra-chave um pouco por todo o mundo
e a necessidade de elevar os standards da educação uma
prioridade para todos os governos. Os analistas admitem que o
modelo do “mercado social” (Day, 1999) tem dominado o campo
educacional em que prevalece uma concepção de ensino
orientada para e pelos resultados.
A “mercantilização da educação” (Calgren, 1999) inclui metas
estandardizadas e predeterminadas obtidas através de um
processo linear em que a eficiência e a eficácia emergem como
critérios chave para “medir” a sua qualidade. Nesta perspectiva,
o ensino é encarado como uma actividade controlada
externamente e os professores como técnicos, cuja função se
desenvolve numa óptica de implementação de prescrições
curriculares, de acordo com uma orientação top-down (Gimeno,
1995).
33
Esta racionalidade técnica contraria uma perspectiva de
(re)profissionalização e representa uma visão restrita do
profissionalismo docente. A par desta leitura, é possível, no
entanto, encontrar na literatura neste domínio, posições que
apontam para novos modos de encarar o trabalho dos
professores,
e,
consequentemente,
de
(re)definir
o
profissionalismo docente, em que se privilegiam novas formas de
relacionamento profissionais associadas a novas e mais
abrangentes funções reconhecidas aos professores (D.
Hargreaves, 1994; Sachs, 2000).
A literatura sobre o ensino tem ainda chamado a atenção para
dimensões do trabalho docente que ultrapassam o lado
intelectual ou racional. Para além de uma actividade cognitiva, o
ensino constitui uma prática emocional (Nias, 2001), o que
implica que os professores sejam capazes de conhecer e gerir as
suas próprias emoções e as emoções dos outros. Enquanto
actividade eminentemente relacional, com uma forte componente
de interacção humana, o ensino implica também um propósito
moral que se relaciona com o bem-estar (e o desenvolvimento
harmonioso) dos alunos (Day, 1999).
Deste ponto de vista conhecer as matérias, utilizar os métodos
de ensino mais adequados e investigar a própria prática
(individualmente ou em grupo) não são aspectos por si só
suficientes. Os professores definem (e decidem) o que julgam ser
melhor para os seus alunos, por quem são, portanto,
responsáveis. Por outras palavras, o ensino significa também
cuidado/atenção e inclui um dever moral, o que requer o domínio
de destrezas intra e interpessoais e um compromisso ao mesmo
tempo pessoal e profissional (Day, 1999).
Tendo presentes estas ideias, que marcam, segundo alguns
autores, as mais recentes mudanças ocorridas no ensino,
convém perguntar de que forma têm afectado o profissionalismo
docente. Assim, passarei para a 3ª questão desta intervenção.
3. De que modo tem sido (re)definido o profissionalismo
docente? E por quem?
A percepção da erosão da autonomia docente (Day, 1999),
associada a uma maior burocratização, prestação de contas e
controlo, a par do surgimento de tendências gerencialistas na
34
educação (Smyth, 1995), conduziram à emergência da tese da
proletarização ou desqualificação do ensino. Esta forma de
entender o profissionalismo docente relaciona-se ainda com a
tecnicização do ensino e com a fragmentação e intensificação do
trabalho dos professores (Gimeno, 1991; Imbernón, 1994).
Esta perspectiva co-existe, no entanto, com uma visão mais
positiva (e, em certo sentido, pró-activa) da natureza do trabalho
docente nos últimos tempos. David Hargreaves, por exemplo,
descreve a emergência de um novo profissionalismo (no caso da
Inglaterra e do País de Gales), em resultado da “síntese do
desenvolvimento profissional e institucional” (1994, p. 423). Nas
suas próprias palavras, este novo profissionalismo implica “um
movimento para além da autoridade e autonomia tradicional do
professor, no sentido de novas formas de relacionamento entre
colegas, com os alunos e com os pais. Estas relações estão a
tornar-se cada vez mais próximas, mais intensas e colaborativas,
envolvendo uma negociação de papéis e de responsabilidades
mais explícita” (p. 424). Este movimento resulta do alargamento
do trabalho dos professores para além das quatro paredes da
sala de aula, para envolver toda a escola em que as prioridades
educativas, o planeamento e implementação do currículo e as
questões de progressão e de continuidade dos alunos requerem
uma maior coordenação por parte dos professores. Assim,
enquanto alguns professores se têm sentido mais desafiados no
seu profissionalismo, respondendo proactivamente às novas
responsabilidades e exigências, outros têm-nas encarado como
constrangimentos ao seu trabalho diário (Helsby, 2000).
Também em Portugal os professores têm sido confrontados com
novos desafios, associados a um discurso reiterada e
crescentemente marcado por conceitos como flexibilidade,
autonomia e participação, de que são exemplo a introdução de
novas áreas curriculares não disciplinares, a definição de
competências essenciais para o Ensino Básico, a existência de
uma avaliação nacional, a introdução das tecnologias da
informação e comunicação e a sua crescente utilização, a gestão
flexível do currículo, a preponderância da avaliação formativa ao
nível do Ensino Básico (pelo menos ao nível do discurso), etc.
Assim, num contexto caracterizado por uma tradição curricular
centralizada e centralizadora, os professores, sobretudo ao nível
do Ensino Básico, têm testemunhado um movimento que parece
35
apontar para uma maior intervenção e autonomia local e
profissional, na medida em que se encaram as escolas como
centros educativos (Estrela, 2001) e não como meras agências
de transmissão de conhecimentos, o que pressupõe novas
formas de encarar o currículo numa perspectiva mais flexível e
holística.
Se, por um lado, é possível identificar no contexto português
uma tendência para uma maior autonomia, flexibilização e até
participação dos actores educativos, nomeadamente dos
professores, cujas competências extravasam as paredes da sala
de aula e a lógica disciplinar e implicam a assunção de novas
responsabilidades, por exemplo, ao nível da construção de
projectos curriculares e das áreas curriculares não disciplinares
(o que pressupõe uma lógica interdisciplinar e uma atitude
colaborativa); por outro, a sua formação e oportunidades de
desenvolvimento profissional, os recursos disponíveis e as
condições de trabalho (aliados, como já mencionei, à forma como
a Administração Central gere e “impõe” a mudança) não
respondem às exigências colocadas às escolas e aos professores
cuja actuação se caracteriza por um conjunto de ambiguidades e
tensões (Estrela, 2001; Flores, 2003). Estudos empíricos
recentes apontam para posições de alguma ambivalência e até
indefinição relativamente ao modo como os professores encaram
a autonomia curricular (Morgado, 2003) e à forma como
entendem as recentes alterações ao nível da gestão flexível do
currículo no Ensino Básico (Flores, 2003).
Assim, em termos gerais, nos últimos anos, é possível identificar,
na literatura, neste domínio, duas perspectivas opostas. Se, por
um lado, existem autores que associam as mais recentes
transformações no ensino e no modo de encarar o trabalho dos
professores a formas de desqualificação (e desprofissionalização)
(Gimeno, 1991; Imbernón, 1994; Smyth, 1995), outros referem-se a tendências que apontam para novas formas de reprofissionalização dos docentes (D. Hargreaves, 1994;
McCulloch, Helsby e Knight 2000).
Por outras palavras, a existência de tarefas mais amplas para os
professores, a maior complexidade das funções que têm de
desempenhar, o juízo mais sofisticado que se lhes exige e a
tomada de decisão colectiva apontam para formas de
reprofissionalização, enquanto que a tendência para uma
36
formação mais pragmática, a redução na tomada de decisão
sobre objectivos e propósitos de ensino e a maior dependência,
em termos de resultados de aprendizagem pré-especificados,
associam-se a uma lógica de desprofissionalização (Hargreaves e
Goodson, 1996).
Esta breve análise da natureza mutável do trabalho dos
professores ilustra a forma como o ensino, e portanto, o
profissionalismo docente têm sido (re)enquadrados e revisitados.
Os defensores de “novas” formas de profissionalismo sugerem
uma visão optimista do modo como os professores têm gerido as
mudanças “impostas” mais recentes. A esta situação não está
alheia uma maior ênfase noutras dimensões do profissionalismo
docente. A participação dos professores no currículo – mais na
sua forma do que no seu conteúdo – tem sido um dos principais
pontos de análise. Contudo, algumas das perspectivas de encarar
o profissionalismo docente, que têm emergido nos últimos
tempos, baseiam-se noutras vertentes do trabalho dos
professores, nomeadamente na forma como os docentes
trabalham nas escolas, em que a colaboração e a tomada de
decisão em grupo assumem particular preponderância, aliadas a
uma maior ênfase na aprendizagem conjunta e no alargamento
do trabalho dos professores (para além da sala de aula e da área
disciplinar), para incluir a escola e a comunidade envolvente.
A forma como se encara o ensino e os professores (e como eles
vêem a sua profissão e se vêem a si próprios enquanto
professores) implica uma determinada visão do profissionalismo
docente que, como já referimos, tem sido, nos últimos tempos,
marcado por posições distintas e às vezes conflituais:
“...as alterações na prática operacional do
"profissionalismo"
reflectem
as
crescentes
complexidades e contradições inerentes ao trabalho
dos professores num mundo pós-moderno (...) o seu
trabalho encerra ao mesmo tempo um desafio e uma
ameaça. Tanto podem ser autónomos, como
responsáveis perante outros, independentes como
colaboradores, controlar o seu trabalho e não o
controlar, centrados no professor como centrados no
aluno” (Day, 1999, p. 12).
37
Por outras palavras, os professores podem responder de
diferentes modos às mudanças “impostas”, desde a aceitação
(passiva) até à participação e pro-activismo, co-existindo,
portanto, diferentes visões do profissionalismo docente, ou, nas
palavras de Whitty (2000), “diferentes tipos de profissionalismo”.
Estas perspectivas encerram diferentes leituras do ensino e do
que significa ser professor. Para além do contexto social, político,
cultural e económico em que o ensino se situa, o(s) sentido(s)
que os próprios professores atribuem ao seu trabalho diário –
com as suas potencialidades, constrangimentos e limitações –
constituem também aspectos-chave na (re)definição da natureza
do profissionalismo docente.
Creio que faz sentido, aqui, referir o que Hargreaves e Goodson
(1996) evidenciam como sendo uma das questões centrais no
estudo do profissionalismo docente:
“...o profissionalismo docente é aquilo que os
professores e outros experienciam enquanto tal e não
aquilo que os decisores políticos e outros afirmam que
deveria ser. A experiência do profissionalismo ou a
sua negação tem de ser encontrada no estudo do diaa-dia do trabalho dos professores.” Hargreaves e
Goodson (1996, pp. 22-23)
As orientações externamente impostas (Klette, 2000) não
funcionam, de forma simplista, num campo marcado pela
ambiguidade, pela incerteza e pela complexidade crescente. A
tese da desqualificação e desprofissionalização é, portanto,
discutível, assim como as perspectivas que apontam para novas
formas de profissionalismo docente através das mudanças
introduzidas no ensino, nomeadamente através de uma
colaboração “imposta”.
Tendo presente que as questões de profissionalismo se
inscrevem num dado contexto social, cultural e histórico (e assim
deve entender-se, uma vez que se trata de um conceito
socialmente construído e, portanto, marcado por alguma
complexidade e até controvérsia, resultado da confluência e coexistência de diferentes discursos e análises), parece-me ainda
que faz sentido sublinhar o que Andy Hargreaves (2000)
denomina da 4ª era do profissionalismo docente – a era pós-
38
profissional ou pós-moderna nas suas próprias palavras – e que
se caracteriza por uma luta entre forças e grupos que
preconizam formas distintas (e até contraditórias) de encarar o
trabalho dos professores. Citando o autor,
“a quarta era [do profissionalismo docente]
que estamos a viver encontra-se marcada por uma
luta entre forças e grupos que pretendem
desprofissionalizar o ensino e outras forças e grupos
que procuram redefinir o profissionalismo docente e a
aprendizagem profissional de forma mais positiva e
de acordo com princípios modernos que são flexíveis,
abrangentes e inclusivos” (p. 153).
O que significa ser professor hoje? Que desafios são
colocados às escolas e aos professores e que repercussões
provocam no seu trabalho diário? Quais são os aspectos que se
destacam (e que os professores destacam) na (re)definição da
natureza do trabalho docente nos últimos anos? Que dimensões
do seu profissionalismo estão a ser ameaçadas? E quais estão a
ser promovidas? Como se vêem os professores enquanto
profissionais e como é que os outros os vêem?
Estas são algumas interrogações que podemos fazer para
discutir a problemática do profissionalismo docente. Creio que, a
este respeito, é importante referir alguns resultados de um
estudo (Flores e Viana, 2004), recentemente conduzido por mim
e por outra colega da Universidade do Minho (estudo esse que
aliás se integra num projecto de investigação mais vasto
realizado em parceria com a Universidade de Nottingham e com
professores ingleses).
Este estudo pretendeu analisar e compreender a(s)
forma(s) como os professores (portugueses e ingleses)
entendem as mais recentes mudanças ocorridas no ensino, bem
como os seus efeitos no modo como encaram o profissionalismo
docente e a(s) sua(s) identidade(s) profissional(ais). Quando
questionados
sobre
as
dimensões
definidoras
do
profissionalismo, os professores portugueses identificaram, por
ordem decrescente de importância:
1. Cuidado/Atenção
2. Comprometimento/Dedicação
39
3. Aprendizagem Contínua
4. Culturas Colaborativas
5. Juízo Discricionário
6. Propósitos Morais e Sociais
7. Complexidade das Tarefas
É ainda interessante notar quais as dimensões que,
segundo os mesmos professores, se encontram ameaçadas no
quadro das mais recentes alterações introduzidas no ensino:
Juízo
discricionário,
Propósitos
morais
e
sociais,
Comprometimento/Dedicação, Cuidado/atenção, e aquelas que
estão a ser promovidas: Complexidade das tarefas, Culturas
colaborativas, Aprendizagem contínua.
Estes dados podem suscitar-nos algumas reflexões,
sobretudo no que diz respeito ao modo como os professores
vêem actualmente o seu trabalho e a forma como entendem as
implicações das alterações mais recentes na (re)definição do seu
profissionalismo.
Parece-me, de igual modo, pertinente referir que, quando
se fala de motivação (que é um aspecto central quando se
aborda o modo como se está na profissão), os professores
referem que, ao longo dos últimos 3 anos, a sua motivação:
diminuiu (37%), aumentou (14 %) e manteve-se (49 %).
Quanto à Burocracia/Controlo Externo/Crítica Pública, os
professores referem que aumentou a burocracia (95%),
aumentou o controle sobre os professores (69%) e aumentou a
prestação pública de contas e crítica aos professores (96%).
Creio que vale também a pena referir alguns temas
centrais que emergem dos resultados deste projecto de
investigação (Flores e Viana, 2004). Assim, ressaltam como
aspectos positivos (e estes são apenas alguns):
• Reconhecimento
de
características
do
profissionalismo docente (culturas colaborativas e
aprendizagem contínua);
• Perspectiva ecológica do ensino e da aprendizagem
(multidimensionalidade do processo de aprendizagem);
40
• Entendimento mais amplo dos papéis/funções dos
professores e das escolas;
• Entendimento
da
escola
enquanto
unidade
organizacional que envolve os intervenientes num fim
comum;
• Maior consciencialização do papel do professor
enquanto agente de mudança;
• Reconhecimento da importância da avaliação
enquanto factor de motivação e de valorização do
profissionalismo docente.
Quanto aos constrangimentos
destacam-se os seguintes:
(são
apenas
alguns),
• Ausência de uma visão clara que conduz a atitudes
ambíguas e paradoxais;
• Falta de articulação no processo de tomada de
decisão que contraria a lógica integrada de currículo;
• Falta de (in)formação, de comunicação
recursos para as escolas e para os professores;
e
de
• Cultura profissional marcada pelo isolamento e
“cultura da solidão” (falta de oportunidades ou de
mobilização/valorização do trabalho conjunto como meio
de aprender a melhorar as práticas/escola);
• Burocracia, mobilidade docente, fadiga e falta de
motivação.
De um modo geral, os resultados apontam para a existência de
posições contraditórias por parte dos professores, quando se
reportam às alterações mais recentes no seu trabalho. É possível
identificar alguma ambivalência e ambiguidade na forma como
entendem o seu profissionalismo, que surgem associadas à falta
de referentes claros, a uma certa “cultura de solidão”, a uma
visão restrita das lideranças da escola, à ausência de apropriação
41
do sentido e do processo de mudança (e dos seus conceitoschave) e à coexistência de dois níveis de discurso: um, que se
cola às expectativas, exigências e linguagem das políticas
curriculares; outro, que se distancia delas e que se inscreve nos
contextos e práticas curriculares dos professores, donde emerge
uma “involuntária” resistência à mudança, decorrente de uma
atitude individualista muito presente nas culturas profissionais.
Podíamos discutir, aqui, outras questões e outros temas
relacionados com a temática do profissionalismo docente.
Procurei deixar algumas pistas e sugestões para reflectirmos
sobre o que significa ser professor hoje, sobre o modo como se
está na profissão, sobre as dimensões e aspectos do trabalho das
escolas e dos professores que têm afectado o seu
profissionalismo, com consequências para a reconstrução das
suas identidades profissionais (que aqui não tive oportunidade de
desenvolver).
São várias as dimensões e as variáveis que confluem e
interagem na (re)definição do profissionalismo docente. No
entanto, como já referi anteriormente, para além do contexto em
que o ensino se situa, o(s) sentido(s) que os próprios professores
atribuem ao seu trabalho diário – com as suas potencialidades,
constrangimentos e limitações – constituem também aspectoschave na (re)definição da natureza do profissionalismo docente.
Como sugerem McCulloch, Helsby e Knight (2000, p. 118):
“A melhoria da educação depende dos professores quererem (ou
não) fazer a diferença. Depende da forma como eles se sentem
(ou não) profissionais. Nem elevar os standards através da
regulamentação, nem profissionalizar através da prescrição
resultam. Os professores têm poder no sentido em que eles têm
de querer melhorar as coisas para que a melhoria aconteça.”
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44
Profissionalismo Docente e Aprendizagem no local de
trabalho
Ana Margarida Veiga Simão
Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação
Universidade de Lisboa
Em primeiro lugar, desejo agradecer o convite para participar no
encontro “Professor – Profissão de Risco?”.
Nesta intervenção, abordaremos alguns desafios para as escolas
e para os professores em contextos de mudança, nomeadamente
a necessidade de dar ênfase à função do professor, enquanto
organizador da aprendizagem e de reflectir sobre a concepção do
binómio ensino/aprendizagem. Analisar-se-ão algumas formas de
promover a autonomia da aprendizagem do professor ao longo
da sua vida profissional e de transferir para o processo formativo
dos professores os princípios decorrentes do construto da autoregulação da aprendizagem.
Função
do
aprendizagem
professor
enquanto
organizador
da
Nos últimos anos, surgiram diversas investigações e artigos
incidindo na profissão docente considerada como um todo e em
aspectos concretos a ela respeitantes, nomeadamente, acerca
dos seus papéis ou funções, da profissionalização, do
desenvolvimento profissional, dos modelos referentes à formação
inicial e contínua, do “stress” dos professores…
Constatamos que, nestes últimos tempos, à escola e
particularmente aos professores, têm sido delegadas “todas” as
problemáticas ligadas aos jovens. No fundo, a escola, tem sido a
instituição a quem é exigida a responsabilidade pela formação
escolar, social e pessoal das futuras gerações. É indispensável
que a escola reflicta sobre a sua função, pondo fim a um excesso
de acumulação de funções. “Refira-se, a título de exemplo, os
discursos sobre as funções docentes na escola actual, funções
tão variadas complexas e exigentes, que originam sentimentos
45
de impotência e frustração nos profissionais, sobretudo quando
confrontam o muito que se lhes pede com o pouco que se lhes dá
para desempenharem essas funções” (Estrela, T., 2001).
Ao mesmo tempo que se responsabilizam os professores por
essa multiplicidade de funções, pode-se estar a afastar e/ou
desvalorizar a função do professor enquanto organizador da
aprendizagem, que é aquela que melhor caracteriza a profissão
docente. Esta função implica um professor construtor do
currículo no seu sentido lato, quer ao nível da sala de aula, quer
ao nível da escola.
Os professores de qualquer nível educativo desenvolvem
essencialmente funções docentes. A docência deve constituir o
núcleo aglutinador do seu trabalho.
Para suportar esta opção da escola na sua função de
organizadora da aprendizagem, é necessário o trabalho em
parceria com outras instituições. O trabalho em parceria não
significa passar a responsabilidade para outros, mas sim articular
diversos níveis de responsabilidade para levar em frente tarefas
cada vez mais complexas e exigentes. Não se trata aqui de
defender a substituição da função da família e da escola por
outra(s)
instituição(ões),
mas
sim
de
redefinir
as
responsabilidades de cada uma e de co-responsabilizar a
comunidade educativa através da constituição de parcerias para
se poder atender às exigências do mundo contemporâneo.
Princípios decorrentes do construto da autoregulação da aprendizagem para a formação dos
professores
Para assumir os desafios que as mudanças sociais acarretam,
necessitamos de um profissional, que podemos qualificar de
estratégico.
O papel docente é determinado pela acção conjunta da
autocrítica dos professores, pelos requisitos sociopolíticos e pela
evolução do próprio sistema educativo. Esta mudança obriga a
uma contínua tomada de decisão e a uma formação permanente.
46
Nos nossos trabalhos (Veiga Simão, 2002, 2004), temos aplicado
os princípios subjacentes à concepção das estratégias de
aprendizagem (consciência, intencionalidade, auto-regulação) ao
processo formativo dos professores. Definimos estratégias de
aprendizagem como processos de tomada de decisão
(conscientes e intencionais), pelos quais o aprendente escolhe e
recupera,
de
maneira
organizada,
os
conhecimentos
(declarativos, processuais e atitudinais) de que necessita para
completar um determinado pedido ou objectivo, dependendo das
características da situação educativa na qual se produz a acção.
Importa destacar que o conceito de estratégias de aprendizagem
no domínio da educação tem sido explicitado, sobretudo, a partir
da sua distinção com o de técnicas de estudo. Há que sublinhar
que as estratégias de aprendizagem serão sempre conscientes e
intencionais, dirigidas para um objectivo relacionado com a
aprendizagem, ao passo que as técnicas de estudo podem ser
utilizadas de forma mais ou menos mecânica, sem que, para a
sua aplicação, exista um propósito de aprendizagem por parte de
quem as utiliza (Veiga Simão, 2002).
Monereo e al. (2001) enfatizam que, para favorecer os processos
da aprendizagem autónoma de qualquer conteúdo, se exige que
os alunos sejam: (i) intencionais, perseguindo um objectivo; (ii)
conscientes, no sentido em que são objecto de supervisão e de
regulação metacognitiva constante, para não se afastarem
excessivamente do(s) objectivo(s) e (iii) sensíveis às variáveis
relevantes do contexto de ensino-aprendizagem, dado que o
aluno deverá responder pela aprendizagem que produziu com
determinado nível de exigência e perante determinadas
condições.
Consideramos assim ser necessário pensar uma formação
contínua de professores que tenha em conta o professor como
aprendente e como ensinante estratégico e que lhe forneça
instrumentos para interpretar e analisar as situações
profissionais em que actua e para tomar decisões que lhe
permitam enriquecer a sua formação.
Conceptualiza-se o professor estratégico como um profissional
com competências de regulação para planificar, orientar e avaliar
os seus próprios processos cognitivos de aprendizagem dos
47
conteúdos a ensinar ou relacionados com a sua actuação
docente.
A regulação é chave no conceito de estratégia, porque implica
reflexão consciente e controlo permanente do processo de
aprendizagem (planificação, realização da tarefa, avaliação da
sua actuação) e porque a sua aplicação consciente origina um
tipo de conhecimento, o condicional ou estratégico.
Por conseguinte, devemos pensar o projecto de formação numa
dupla vertente:
a) o professor como "aprendente" seleccionando,
elaborando e organizando a informação que tem de
aprender;
b) o professor como "ensinante" planificando a sua acção
docente, de modo a oferecer ao aluno um modelo e um
guia de como utilizar, de maneira estratégica, os
procedimentos de aprendizagem.
É pois indispensável que os professores se comprometam com o
seu
desenvolvimento
profissional.
Podemos
definir
desenvolvimento profissional como a intenção sistemática do
professor de melhorar a sua prática e os conhecimentos
profissionais docentes, de forma a aumentar a qualidade do seu
trabalho. “O desenvolvimento profissional envolve todas as
experiências espontâneas de aprendizagem e as actividades
conscientemente planificadas, realizadas para o benefício, directo
ou indirecto, do indivíduo, do grupo ou da escola e que
contribuem, através destes, para a qualidade da educação na
sala de aula.” (Day 2001).
As exigências actuais do processo de ensino e de aprendizagem
requerem, para poderem ser bem sucedidos, professores
reflexivos e analíticos sobre as suas próprias concepções e
práticas.
Quando falamos de desenvolvimento profissional no contexto de
trabalho, falamos necessariamente das aprendizagens que os
professores aí fazem. O conceito de desenvolvimento
profissional, embora seja mais inclusivo do que o de
aprendizagem profissional, não se separa deste. O termo
48
desenvolvimento implica a ideia de continuidade, de evolução,
incompatível com a visão mais tradicional de justaposição entre
uma formação inicial e o aperfeiçoamento profissional. O
desenvolvimento profissional é o resultado de um processo
contínuo de aprendizagem, num dado contexto, no sentido de
adquirir um todo coerente de conhecimentos, perspectivas,
atitudes e um repertório de acções, de que o professor necessita
para desempenhar a profissão.
Para tal, os professores devem adquirir uma compreensão
profunda de princípios cognitivos e motivacionais da
aprendizagem e do ensino. Para atingir este propósito, os
formadores de professores podem modelar e promover a
aprendizagem auto - regulada com os futuros professores, seus
estudantes. A aprendizagem auto-regulada é caracterizada por
três características centrais: consciência do pensamento, uso das
estratégias e a manutenção da motivação. “Nestes tempos de
mudança, os professores precisam de formadores de professores
que falem, de forma activa, por eles, que os impliquem em
desafios intelectuais, que sejam eles próprios reflexivos, que
proporcionem apoio moral e que lhes relembrem a importância
de se tornarem e de se manterem professores sempre
determinados em “fazer a diferença” na vida das crianças, jovens
e alunos” (Day 2003).
Cada indivíduo possui um sistema pessoal de aprender que foi
sendo construído progressivamente, de maneira autónoma, ao
longo dos anos. Contudo, é possível ajudar os aprendentes na
construção desse sistema pessoal de aprender. O construto da
aprendizagem auto-regulada veio contribuir para reforçar o
protagonismo do indivíduo, tornando-o num participante activo e
autónomo no processo de aprendizagem.
A aprendizagem auto-regulada é percebida (Zeidner, Boekaerts e
Pintrich, 2000) como um processo regular do comportamento
que envolve a definição de objectivos e que dirige o
comportamento para a concretização desses objectivos.
Zimmerman (1989) considera que os alunos podem ser descritos
como auto-regulados, tendo em conta o grau em que são
metacognitiva, motivacional e comportamentalmente activos nos
49
seus próprios processos de aprendizagem. Um dos propósitos da
aprendizagem auto-regulada passa por conferir um papel central
ao uso de estratégias, às atribuições dos indivíduos e à sua
percepção de competência, envolvendo múltiplos processos, tais
como definição de objectivos, planeamento estratégico, recurso a
estratégias para organizar, codificar e fornecer informação,
monitorização e metacognição, controlo da acção e da volição,
gestão efectiva do tempo, crenças de automotivação (autoeficácia, expectativas dos resultados, interesse intrínseco,
orientação dos objectivos...), avaliação e auto-reflexão,
(Zimmerman, 2000; Schunk e Ertmer, 2000).
A aprendizagem é um processo dinâmico e aberto que requer
actividades cíclicas por parte do aluno e que ocorre em três fases
principais: fase prévia, controlo volitivo e auto-reflexão.
Paris e Winograd (2001) mencionam um conjunto de princípios
que descrevem como é que os professores se podem envolver na
aprendizagem auto-regulada (o professor como aprendente) e o
que é que podem fazer para promover a auto-regulação nos
alunos (o professor como ensinante). Estes autores definem doze
princípios da aprendizagem auto-regulada, organizados em
quatro categorias gerais (Quadro 1), que podem ser usadas,
quer pelos formadores de professores, quer por estes últimos na
sala de aula. Apontam, no que se refere à categoria autoavaliação, como os professores podem analisar os seus próprios
estilos da aprendizagem, avaliar a sua própria compreensão, e
modelar a monitorização cognitiva. Na categoria auto-gestão,
enfatizam como os professores podem promover orientações de
objectivo do conhecimento, tempo e gestão de recursos e o uso
construtivo do fracasso. A terceira categoria apresenta algumas
estratégias/métodos para ensinar os alunos a auto-regularem a
sua aprendizagem (auto-regulação), tais como a instrução
directa, a discussão metacognitiva, a modelagem e autoavaliação do progresso. A última categoria discute várias
maneiras de ajudar os estudantes a darem sentido aos seus
percursos educacionais pessoais e darem forma à sua identidade
como estudantes bem sucedidos que participam numa
comunidade de aprendentes.
50
Quadro 1
Princípios decorrentes do construto da auto-regulação da
aprendizagem
Categorias:
Auto-avaliar. A análise de si próprio leva ao conhecimento mais
profundo da aprendizagem
Auto-gerir pensamento, esforço e afecto. Promove abordagens flexíveis
na
resolução
de
problemas
que
sejam
adaptáveis,
persistentes,
autocontroláveis, estratégicas e orientadas para uma finalidade/meta.
Ensinar a auto-regular a aprendizagem. Pode ser feito de diversas
maneiras.
Auto-regulação. Está entrelaçada nas experiências narrativas e na
identidade de cada indivíduo.
(adaptado de Paris e Winograd, 2001)
Em síntese, para ensinar os alunos a empregar estrategicamente
os seus recursos, é necessário que, previamente, o professor
seja capaz de aprender e ensinar, também estrategicamente, os
conteúdos curriculares. Para isso, defendemos a transferência
para o processo formativo dos professores dos princípios
subjacentes ao construto da auto-regulação e à concepção das
estratégias de aprendizagem, que implicam consciência,
intencionalidade, sensibilidade ao contexto, controlo e regulação
das actividades.
Acreditamos que podemos mobilizar a capacidade auto-reflexiva,
conjugando uma formação específica do âmbito das estratégias
de aprendizagem com toda a actividade do professor,
conducente ao reconhecimento das razões, dos pressupostos,
dos fundamentos e do sentido das suas opções, do seu agir e dos
produtos que daí resultam (Veiga Simão, A. M., 2002, 2004).
Promover competências para a autonomia da
aprendizagem do professor que favoreçam o seu
envolvimento profissional
51
Que sociedade se irá configurar a médio e a longo prazo? Que
tipo de conhecimentos ou competências deverão adquirir os
professores para dar resposta à “sociedade do conhecimento”
que nos imunda?
O sistema educativo requer, na actualidade, professores com
um elevado nível de capacidade de actuação autónoma. Não só
devem, os professores, ter capacidade de actuação autónoma,
como se espera que a desenvolvam nos seus alunos. O
desenvolvimento quotidiano do ensino é influenciado por
inúmeras componentes de natureza psicológica, sociológica,
biológica…, sendo inevitável que o professor se adapte
permanentemente.
Sublinhamos, então, algumas das competências que têm sido
referenciadas e debatidas, promotoras da autonomia e
facilitadoras da adaptação constante.
Quadro 2
Competências
Aprender a
ensinar
Aprender e
pensar
Pressupostos
Reflexão
no
centro
das
actividades de
aprendizagem/
formação
Enfoques que
promovem
-ensino
estratégias
aprendizagem
Ideia(s)
central(ais)
de
de
-concepções sobre
o
ensino
e
a
aprendizagem;
concepções sobre
a motivação na
aprendizagem
-processos
sistemas
avaliação
A
investigação
científica
como
estratégia
para
desenvolver
o
conhecimento.
Construção
de
diários,
portfólios,
auto relatos.
e
de
-concepções sobre
o currículo.
Cooperar
Interacção
entre
pares/profissio
nais
como
-constituição
parcerias
de
-constituição
equipas
de
de
52
A investigaçãoacção, investigação
colaborativa como
estratégia para
Comunicar
Gerir
as
emoções
/
ser empático
fonte
de
conhecimento
trabalho
Comunicação
do
conhecimento
através
da
exposição,
argumentação
e defesa para o
poderem
recuperar
de
forma
não
artificial
-criação
de
espaços
de
comunicação para
confronto
de
perspectivas
e
aquisição
de
competências
argumentativas
Compreensão
/perceber
o
estado
emocional do
outro e de nós
próprios para
poder
comunicar
-análise
das
“leituras” sobre a
situação emocional
do
outro
(expectativas,
motivações
e
estratégias), mas
também
dos
nossos
próprios
estados
emocionais e sua
regulação
-cooperaçâo
através da acção
mútua
e
da
entreajuda
promover a
mudança de
atitudes e a
produção de novo
conhecimento e
gerir socialmente o
conhecimento
A
promoção
de
grupos de auto e
hetero
formação,
grupos de estudo,
círculos de estudo,
oficinas de formação
…
-aposta
em
situações grupais
de
comunicação
sobre tomadas de
decisão
-promoção
de
momentos para se
colocar-se
no
lugar/papel
do
outro, utilizando o
role-playing
53
A partilha/reflexão
de
êxitos
e
fracassos,
estabelecendo
vínculos
com
os
outros, como ajuda
para
aprender
a
regular/controlar as
emoções
Ser crítico
Construção do
conhecimento
a partir das
diversas
perspectivas
-concepção
de
momentos
para
construir
a sua
perspectiva
e
adoptar
uma
posição crítica
A
aposta
na
investigação como
via privilegiada para
adquirir
o
conhecimento
-desenho
de
experiências
de
aprendizagem
favoráveis a essa
construção
Automotivar-se
Fixar as suas
próprias
metas,
auto
gerir as suas
motivações
-concepção
de
momentos
para
ajudar a modificar
os motivos, a gerar
novas metas de
aprendizagem,
também como uma
meta orientadora
da formação
O envolvimento em
projectos
de
intervenção/formaç
ão (novas práticas)
como
via
de
implicação,
forma
de auto-motivação
A escola pode ser um lugar onde os professores desenvolvam a
sua capacidade para responder às grandes interrogações
educativas e produzir um conhecimento útil para todos. “Da
mesma forma que as condições de trabalho na sala de aula
afectam a capacidade de professores proporcionarem as
melhores oportunidades de aprendizagem para os alunos,
também a cultura da escola representa um apoio positivo ou
negativo para a aprendizagem dos seus professores” (Day 2003).
Brubacher, Case e Reagan (2000) consideram que o núcleo da
cultura da escola que lhe permite acolher um profissional com
um novo perfil são os conceitos de reflexão e de indagação. As
consequências de uma determinada forma de conceber estes
conceitos abarcam todos os âmbitos da escola, desde o currículo
à organização. O processo de reflexão deve ser considerado
como um contínuo de distintos níveis de reflexividade e abarca
desde a reflexão sobre a tecnologia educativa à reflexão sobre os
fundamentos éticos do ensino. Uma boa prática depende de uma
54
base sólida de experiência e a reflexão sobre a prática com
referentes teóricos pode contribuir para o desenvolvimento dessa
base de experiências nos professores.
Para Brubacher, Case e Reagan (idem), um dos aspectos
essenciais da cultura da escola que facilita o desenvolvimento
profissional dos professores no sentido da reflexividade é a
indagação. Esta é encarada como um processo que serve para
reflectir sobre valores, obter informações sobre alternativas e
construir, a partir delas, novas práticas educativas. Segundo o
critério adoptado por Bogdan e Biklen (1994), a indagação
distingue-se da investigação pela sua finalidade (prática) e pelos
seus promotores (os professores). Os envolvimentos na
investigação – acção, na observação participada, entre outros,
são exemplos de formas dos professores se implicarem na
indagação.
A investigação como uma estratégia de ensino, conjuntamente
com a reflexão crítica, devem constituir-se como parte integral
da formação de profissionais do ensino.
Estrela (2002) reconhece a complexidade da formação contínua
que está fundamentada em problemáticas políticas e filosóficas.
Segundo a autora, uma formação pedagógica adequada deve
estar centrada no autoconhecimento do professor, tendo a
investigação como estratégia importante. A formação baseada na
investigação parece ser a melhor maneira para se obter uma
ligação entre a teoria e a prática, como também para preparar o
professor a examinar circunstancias complexas relacionadas com
os aspectos profissionais que, por sua vez, estão inseridos em
contextos sociais e institucionais. Este advogar do envolvimento
por parte dos professores em estratégias formativas, com base
na investigação, requer condições básicas, tais como tempo,
espaço e meios, que facilitem a sua realização e o funcionamento
de grupos de autoformação.
Investigação e prática estão intrinsecamente relacionadas e isto
necessita
ser
enfatizado
e
ser
parte
integrante
no
desenvolvimento profissional dos professores. Para resolver
problemáticas complexas no dia-a-dia da escola/sala de aula,
uma combinação entre conhecimento teórico e prático torna-se
essencial. Neste sentido, os professores devem ser preparados
para terem uma atitude constante de investigação das suas
55
práticas profissionais. Faz então sentido uma cultura de escola
que ofereça oportunidades para a reflexão crítica e a indagação
constante.
Concluindo: os desafios referenciados apontam para a
necessidade de os professores se darem conta de que os reptos
educacionais que se colocam à educação exigem novas formas
de organização do trabalho pedagógico, o que requer novas
maneiras de encarar o ensino e a aprendizagem ao longo do
processo formativo dos professores e a ênfase no valor do ensino
e da investigação. A ideia de considerar a formação como
desenvolvimento profissional, centrada predominantemente nas
práticas de sala de aula e da escola, significa que se reconhece o
carácter profissional específico dos professores e também a
existência de um espaço destinado a desenvolver a profissão. Na
perspectiva de Hargreaves (1994, in Day, 2003), as alterações
constantes
da
nossa
sociedade
implicam
um
novo
profissionalismo, que se revela na crescente capacidade reflexiva
que os professores estão a demonstrar, confrontando
sistematicamente as práticas com a teoria num desenvolvimento
profissional contínuo.
Assim, quando se enfatiza a figura do professor estratégico e
crítico, é no sentido de se considerar que os professores podem
ser verdadeiros agentes sociais, planificadores e gestores do
ensino/aprendizagem.
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57
O Futuro da Escola Pública em Portugal – Que papel para
os Agrupamentos de Escolas?
Apresentação das Actas do Seminário de 2003
Joaquim Machado, Professor Doutor
58
Joaquim Machado
Instituto de Estudos da Criança da Universidade do Minho
O problema que atravessa o Seminário organizado pelo Centro
de Formação Francisco de Holanda, em Guimarães, em 2 de
Março de 2004, problematiza Que Papel para os
Agrupamentos de Escolas?, mas considera esta questão
geradora instrumental, relativamente a um tema mais geral: O
Futuro da Escola Pública em Portugal. Na verdade, a
problemática dos Agrupamentos de Escolas integra um campo
mais vasto de medidas políticas no domínio da educação e
comporta aspectos diversos: a articulação entre níveis e ciclos de
escolaridade básica, a sequencialidade do percurso educativo dos
alunos, o regime de gestão e autonomia das escolas, o
reordenamento da rede escolar do 1º ciclo do ensino básico e a
expansão da rede pré-escolar.
O debate sobre os Agrupamentos mobiliza, pois, argumentos
relativos à pedagogia, ao currículo, à organização e à gestão
escolar. Acontecem, porém, as questões pedagógicas. Mas o
matiz específico deste Seminário é atravessado pela tensão entre
as suas potencialidades pedagógicas – onde se incluem a quebra
do isolamento, a potenciação da troca de recursos e a criação de
sinergias – e as questões organizacionais e administrativas – têm
que ser verticais?, podem ser horizontais? É correcto fazer tábua
rasa da lógica de matriz e impor um modelo único? Deve ter-se
em conta as dinâmicas e lógicas locais? Face a esta tensão e ao
pathos que ela comporta, pergunta-se se os Agrupamentos de
escolas contribuem para a construção de uma escola pública de
qualidade ou, pelo contrário, ajudam a aprofundar a sua crise.
Pergunta-se, enfim, se estamos perante uma solução ou um
problema.
Embora a questão seja colocada como um dilema – solução ou
problema – nós preferimos considerá-la como tensão e afirmar
a possibilidade de considerarmos como solução e problema.
Para isso, convidamos o leitor a “revisitar” aquele Seminário
através das suas Actas.
O Seminário foi pensado com uma conferência de abertura, que
ocuparia a parte da manhã, seguido de um painel na parte da
tarde. Porém, o Senhor Secretário de Estado da Administração
59
Educativa achou por bem expandir o seu discurso de abertura e
expor o que considera serem os desafios que se colocam às
escolas e à educação em Portugal. Assim, podemos hoje
contrastar as racionalidades que subjazem, quer à acção
pedagógica e administrativa, quer às interpretações dos actores,
sejam eles políticos, gestores, professores ou investigadores.
Comecemos, pois, pelo painel da tarde – Agrupamento de
escolas – entre as lógicas administrativa e pedagógica –
cujos membros procuraram responder a questões sugeridas pela
organização, das quais destacamos duas: Que papel para os
Agrupamentos na nova orgânica do Ministério da
e
Os
agrupamentos
deveriam
ser
Educação11?
implementados só depois de estar elaborada a carta
escolar concelhia?
Importa, por agora, reter que a visão da administração não é
necessariamente uma “visão administrativa”, como sugere o
título da comunicação de Lino Ferreira, embora se sublinhe a
“proposta musculada” de verticalização dos agrupamentos” pág.
48), cuja legitimação assenta no pressuposto de que a
sequencialidade “não pode começar no 1º ano e terminar no 4º
ano de escolaridade” (p. 49). Pois não! Nem no 9º, nem no 11º,
como parece querer responder Adelino Oliveira (p. 59). De facto,
os agrupamentos têm a ver com a sequencialidade educativa,
mas ela não se esgota no modelo organizacional, como se pode
constatar pela “descontinuidade educativa” que a mobilidade
docente introduz “no coração da relação pedagógica” (João
Formosinho & Júlia Oliveira-Formosinho, 2000) e que, neste ano
lectivo, foi agravada com as peripécias do concurso de
professores.
Aos Agrupamentos Verticais subjaz a ideia de que a uma
escolaridade obrigatória de nove anos deve corresponder uma
escola básica de nove anos. Curiosamente, estamos perante
uma medida “imposta” (diriam membros do painel) por um
Governo que propunha um ensino básico de seis anos, ideia que
merece problematização e debate, simultaneamente com a do
alargamento da escolaridade obrigatória de doze anos, de forma
11
Estamos a referir-nos ao XV Governo Constitucional, de que David Justino foi
ministro da Educação. Abílio Morgado era Secretário de Estado da Administração
Educativa.
60
a distinguirmos o que é obrigatório e, dentro do obrigatório, o
que é básico e o que é secundário (mesmo que obrigatório!).
A visão da autarquia procura os seus pontos de apoio nos
fundamentos e princípios do Decreto-Lei nº 115-A/98, de 4 de
Maio (pp. 53-54), enuncia vantagens dos agrupamentos de
escolas e assinala alguns constrangimentos. Constata que “há
cada vez mais dependência”, que “a autonomia é uma miragem”
(p. 55) e que não está a ser conseguido um dos fundamentos
legitimadores, a “quebra do isolamento”. Curiosamente, avança
com uma crítica ao facto de as escolas estatais não estarem
representadas no Conselho Municipal de Educação – a autarca
prefere aqui a designação que o precedeu (Conselho Local de
Educação) com outros pressupostos (Machado, 2004) – e
argumenta que as “escolas são unidades” organizacionais e que,
por isso, “as escolas deveriam estar representadas e não os
docentes, e não faz sentido [...] que estejam as escolas privadas
e não estejam as escolas públicas” (p. 57). Este é, com efeito,
um ponto sensível que esteve em debate e cujos referenciais
teóricos justificam o “sentido” ou “sem sentido” desta e de outras
medidas políticas.
Também a perspectiva dos actores no terreno diz-nos que as
razões pedagógicas enunciadas – sequencialidade, projecto
educativo comum (“único”, pode ler-se na p. 62) – precisaram de
esperar pela resolução dos problemas administrativos do
Primeiro Ciclo: em primeiro lugar, constituir “unidades
administrativas” e esperar que estas se transformem em
“unidades pedagógicas” (p. 62). Adelina Paula dá conta da “parte
burocrática” dos Jardins de Infância e das Escolas Básicas do
Primeiro Ciclo que foi assumida pelos serviços Administrativos da
EB 2,3 e pelo Conselho Executivo, sem que isso tivesse
significado aumento de custos (p. 63). Custos financeiros,
entenda-se.
Esta racionalização foi conseguida por um processo de
implementação de tipo top-down – tal como noutros
agrupamento, como mostra o estudo de Manuel Flores – e
aparentemente com êxito. A dificuldade parece estar em fazer
corresponder a esta “unidade administrativa” uma “unidade
pedagógica”, como se pretendia, quando sabemos que, na
problemática dos agrupamentos, se jogam realidades bem
61
complexas como as identidades profissionais e as culturas
organizacionais.
Curiosamente, no entanto, se as vantagens encontradas estão
nos objectivos que presidiram à constituição dos agrupamentos –
e, portanto, são apenas vantagens esperadas (p. 64) –, as
desvantagens são precisamente os problemas que levaram à sua
constituição – dispersão das escolas, desigualdade de recursos –
bem como os problemas que os agrupamentos verticais
comportam:
1) tendência à uniformização da organização do trabalho
pedagógico:
“esta
diferenciação
do
trabalho
desenvolvido em cada ciclo tende a ser anulada”
(p.64); “a existência de um projecto educativo único”
(p.62); e
2) tendência à diluição da ”identidade de cada escola, de
cada contexto” (p. 64).
A constituição de agrupamentos deixa-se, pois, atravessar, por
várias tensões:
- o impulso exterior à sua criação e as dinâmicas internas
que se esperam para a consecução dos objectivos
esperados, para que de uma inovação instituída se
desenvolva uma inovação instituinte;
- a diversidade pedagógica – monodocência e currículo
globalizante, por um lado, e pluridocência e currículo por
disciplinas, por outro – e a tendência uniformizante, cujo
sentido advém da escola grande (a EB 2,3 e daquilo que
Almerindo Afonso chama as “hierarquias implícitas” (p.
77).
Estas duas tensões estão, refere este académico, na base da
“visível demonstração da incapacidade de muitas escolas
construírem consensos mínimos entre os actores educativos”.
A partir destes horizontes abertos pelo painel, será possível
perceber o alcance das “dez constantes das políticas educativas”
(pp. 18-19) enunciadas por Abílio Morgado, secretário de Estado
da Administração Educativa. Retenhamos a 7ª e a 8ª
“constantes", onde se afirma que a eficiência e a eficácia na
execução das políticas educativas depende da disponibilidade de
62
meios e que a componente pedagógica deve sobrepor-se à
componente administrativa, mas que é desta que depende o
sucesso daquela. Esta 8ª “constante” não parece ser confirmada
pelos testemunhos dos actores no terreno presentes no painel.
Melhor dizendo, quando ela se confirma, não é pelos objectivos
esperados, mas pela sua não concretização.
Torna-se, no entanto, clara esta 8ª “constante”, quando são
enunciados os “objectivos” dos Agrupamentos, na óptica deste
governante e do governo em que se integrava. Destaco o 2º e o
3º:
2º) Organizar o sistema educativo pela concentração das
unidades de gestão, que serão as interlocutoras do
governo;
3º) Partilhar um sistema de informação de gestão e
uniformizar os procedimentos administrativos básicos do
funcionamento das escolas, pela implementação de
“formações muito práticas, formações vocacionadas para
a gestão específica das Escolas” (p. 25), a que reduz a
“profissionalização da gestão”, garantida, não já por
processo electivo, mas por concurso público.
Enfim, à lógica associativa contrapôs-se a eficácia e é esta
“lógica estabelecida” que espera que dos agrupamentos nasçam
projectos educativos. Esta subversão de lógicas faz da escola
uma sub-unidade de gestão e já não coloca a origem dos
agrupamentos, no projecto pedagógico comum que lhe devia
anteceder.
Licínio
Lima
sublinha,
nesta
reengenharia
administrativa e organizacional, o abandono da lógica de
construção de baixo para cima, das periferias para o centro,
problematiza o que se quer dizer quando se fala de “autonomia
da escola”, contrapondo o reforço da autonomia e o reforço do
controlo central sobre as escolas, para mostrar:
1.
“A questão dos agrupamentos é [...] uma questão
política estrutural”(p.39), que, ao deslocalizar os
órgãos de gestão da escola para a sede do
agrupamento, faz da escola-sede do agrupamento “o
primeiro nível de controlo centralizado desconcentrado
sobre as escolas” (p. 41), situado entre as escolas e o
coordenador da área educativa, deixando de fora das
63
fronteiras física e simbólica de cada escola a sua
direcção.
A escola-sede ganha em centralidade, enquanto os Jardins de
Infância e as Escolas Básicas do Primeiro Ciclo ganham em
subordinação e em estatuto ainda mais periférico, gozando de
menor nível de autonomia, (mesmo em relação à gestão
corrente, em que estão mais imediatamente dependentes da
escola-sede).
A intervenção de Licínio Lima desvela, assim, a conflitualidade
entre a centralidade educativa da escola e o seu estatuto
periférico do ponto de vista administrativo, não se deixando
emaranhar por uma retórica que exorciza o centralismo
(concentrado) para, em nome da autonomia da escola, primeiro
desconcentrar e, depois, recentrar por reconcentração (p. 40). É
à luz desta política de recentração por reconcentração que
ganham sentido as medidas que visam a criação da dimensão
necessária, através da “concentração da rede” para “requalificar
o primeiro ciclo do ensino básico” (p. 26), a racionalização do
financiamento da escola pública, que manteria nas mãos do
Ministério da educação “o processo de diálogo financeiro com as
escolas” e o sistema de colocação de professores. Estes
constituem, sem dúvida, indicadores importantes para aquilatar
os níveis de autonomia das escolas, nomeadamente daquelas
que, entretanto, venham a “contratualizar” a sua autonomia com
o Ministério que as tutela.
A intervenção de Licínio Lima e de Abílio Morgado convidam a
pensar onde estão os problemas e onde procurar as soluções:
participação, colegialidade, democracia, por um lado; gestão,
racionalização, modernização, por outro. É na sobrevalorização
de cada um destes pólos e das concepções de sociedade que elas
transportam que se afastam os contributos da manhã para o
debate.
Convidei o leitor para uma “visita” ao Seminário. Deixei-o na
antecâmara. Convido-o, agora, e exorto-o a ler, sob esta
perspectiva, as actas que era suposto eu aqui apresentar.
64
Painel
Avaliação do Desempenho: Para quê ? Porquê? O quê?
Como? Quando avaliar?
Intervenientes
Ana Paula Curado, Professora Doutora
Ariana Cosme, Dra.
Moderador
José Carlos Morgado, Professor Doutor
65
José Carlos Morgado
Instituto de Educação e Psicologia da Universidade do Minho
Começo por cumprimentar todos os colegas presentes na sala e
registar com satisfação o número significativo de professores que
continua a aderir a iniciativas deste género, o que, por si só,
demonstra a vontade deste colectivo profissional reflectir sobre
questões que interferem nas suas actividades e que podem
ajudar a melhorá-las.
Uma saudação especial às colegas da mesa e o reconhecimento
pela disponibilidade de participarem neste encontro, trazendo
algumas ideias a debate. Já li alguns artigos da vossa autoria e,
pelo que me foi dado perceber, possuem uma assinalável
experiência na formação de professores. Estou convicto de que a
vossa intervenção será uma mais valia para este seminário.
Por último, queria dirigir-me ao Centro de Formação Francisco de
Holanda, na pessoa do seu Director, Dr. Jorge do Nascimento.
Primeiro, para agradecer o amável convite que me dirigiu para
participar neste Seminário, na qualidade de moderador e
comentador deste painel. Julgo que a moderação é tarefa mais
fácil, não podendo dizer o mesmo dos comentários que terei de
engendrar enquanto o mesmo decorrer, para sintetizar as
intervenções das conferencistas. Segundo, para enaltecer o
empenho de toda a equipa que trabalha neste Centro na
realização deste evento, que é já o 14º do género. A força e a
qualidade de um Centro de Formação de Professores não se
aferem apenas pela quantidade e/ou qualidade de formação
acreditada que proporciona. Derivam também dos espaços de
reflexão conjunta que organiza, já que se configuram como
oportunidades para divulgar ideias e trocar experiências que
contribuem para revalorizar e dignificar a profissão docente.
Sobretudo se as temáticas eleitas para o debate forem
polémicas, como é o caso do tema que norteia os trabalhos deste
encontro: Professor: Profissão de Risco.
Não deixando de reconhecer que me encontro nesta mesa na
qualidade de moderador dos trabalhos e de comentador das
66
conferências que vão ser apresentadas, queria partilhar
convosco, ainda que de forma telegráfica e em jeito de
introdução, três ideias acerca do mote deste painel, – a avaliação
do desempenho do pessoal docente – podendo as mesmas
constituir uma primeira provocação para o debate alargado que,
certamente, ocorrerá após as intervenções das colegas.
A primeira ideia refere-se à importância do trabalho que os
docentes desenvolvem na escola, um dos elementos que mais
interfere na sua qualidade educativa. Parece ser já um lugar
comum a afirmação de que a qualidade científica e pedagógica
dos docentes e o seu nível de proficiência são factores
determinantes na resposta às necessidades culturais e de
desenvolvimento de uma sociedade cada vez mais informada,
mas também mais exigente. Porém, muito há ainda a fazer
nesse domínio. Melhorar os dispositivos e a qualidade da
formação de professores, com o intuito de os ajudar a dar mais
sentido às suas práticas e superar as dificuldades com que se
confrontam, são necessidades inadiáveis.
Por seu turno, é imperioso que os docentes se empenhem nas
mudanças que lhes são propostas, furtando-se ao individualismo
e ao conformismo em que muitos se deixaram enredar. Não o
fazer é contribuir para perpetuar rotinas e resistências e para
alimentar uma certa cultura mais conservadora que se instalou
em muitas das nossas escolas.
A segunda ideia diz respeito à necessidade de avaliar o trabalho
que os docentes desenvolvem diariamente nas escolas,
sobretudo pelos contributos que a avaliação pode emprestar ao
seu próprio desenvolvimento profissional. Numa altura em que
tanto as funções educativa e social da escola, como as práticas
profissionais dos professores se vêem confrontadas com um
permanente escrutínio da opinião pública, a avaliação do
desempenho revela-se um instrumento óptimo para estimular a
actualização – pedagógica e científica – dos docentes, uma via
para estimular a actualização – especificamente ao nível do
trabalho de equipa – e um meio para revalorizar a sua imagem e
o seu estatuto profissional. Contudo, a avaliação não poderá
restringir-se apenas ao domínio dos resultados obtidos. Sendo a
67
profissão docente, como bem lembra Alvarez Méndez, não “um
estado a que se chega, mas um caminho que se percorre”,
avaliar continuamente os processos e as condições de trabalho é
condição essencial para a sua melhoria. Convém não esquecer
que a ausência de avaliação impede o reconhecimento do esforço
e do mérito de muitos docentes e pactua, de forma camuflada e
até prejudicial, com alguma inoperância e/ou incompetência que
ainda existem no sistema.
A terceira ideia focaliza-se no modelo de avaliação do
desempenho docente que vigora no sistema educativo
português. Atrevo-me a dizer que se trata de um modelo
claramente ineficaz e que se encontra à beira de um colapso
estrutural. Não deixando de reconhecer que a avaliação docente
tem sido uma preocupação política de sucessivos governos, a
verdade é que se tem limitado a legitimar a perpetuar rituais
administrativos de progressão na carreira, ao invés de propiciar
uma discussão alargada sobre os métodos de trabalho, as
políticas e práticas curriculares e as regras de funcionamento das
escolas. Trata-se de um modelo que, em vez de nortear por
parâmetros de índole formativa e de se estruturar numa lógica
de desenvolvimento profissional, – onde o sentido positivo da
avaliação e a aquisição e consolidação de competências
profissionais fossem devidamente valorizados – se tem
perspectivado mais numa lógica de prestação de contas, em que
se enaltecem produtos em desfavor de processos. Veja-se, por
exemplo, a forma ligeira como, a partir da publicação dos
rankings escolares, já de si apurados com base em critérios
discutíveis e sem grande rigor de análise, se procurou fazer uma
extrapolação directa para a qualidade do serviço educativo que
as escolas oferecem. Não deixando de reconhecer que o
questionamento das instituições públicas e a prestação de contas
são elementos fundamentais na regeneração dos serviços
públicos e no aprofundamento da própria democracia, a verdade
é que, no caso da educação, tais procedimentos não
conseguiram produzir melhorias significativas no funcionamento
interno das escolas, em particular, ao nível dos processos de
ensino-aprendizagem. Que fazer, então, para se conseguir
inverter todo este processo, sobretudo no que se refere à
68
mudança do paradigma
profissionalismo docente?
de
avaliação
e
à
melhoria
do
Julgo que as intervenções das colegas que se encontram nesta
mesa podem ajudar-nos a reflectir sobre algumas destas
questões.
Vamos ouvir em primeiro lugar a Doutora Ana Paula Curado, que
exerce funções na Universidade de Lisboa, em cuja comunicação
procurará referenciar algumas das actuais tendências em termos
da avaliação dos professores, relacionando essas tendências com
o desenvolvimento do profissionalismo docente e a melhoria
organizacional das escolas.
Situando-se no caso de Portugal, procura identificar aquilo que
considera serem as potencialidades e limitações da actual política
de avaliação dos professores.
Procurará ainda identificar alguns desafios que a avaliação de
professores coloca, quer em termos de decisão política, quer em
termos de liderança da Escola
Seguidamente, ouviremos a Dra. Ariana Cosme, docente na
Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade
do Porto. A sua intervenção vai focalizar-se na forma como os
professores gerem e controlam as relações com os seus saberes
profissionais – deixando, podendo deixar ou podendo começar a
deixar de ser apenas destinatários das propostas produzidas por
outros – e no papel que devem assumir ao nível do
desenvolvimento de projectos de educação escolar.
69
Ana Paula Curado
Reitoria da Universidade de Lisboa
1. A AVALIAÇÃO DE PROFESSORES: EVOLUÇÃO DE
CONCEITOS E PRÁTICAS
Até à década de 1980, a literatura (sobretudo internacional)
sobre a avaliação de professores centrava-se principalmente na
formulação de instrumentos – listas de controlo –, através dos
quais observadores independentes pudessem monitorizar as
práticas docentes. Os autores da corrente do “ensino eficaz”
(Brophy & Good, 1986) investigavam os comportamentos dos
professores que supunham promover melhores resultados
escolares, independentemente do contexto. Esta linha de
investigação pressupunha que as interacções professor/aluno na
sala de aula fossem a soma de comportamentos discretos, que
podiam ser independentemente separados e medidos. Em
consequência de tal abordagem, a avaliação de professores
concentrava-se na observação de comportamentos na sala de
aula e na medição válida e fiável desses comportamentos.
A partir de finais da década de 1980, a investigação sobre a
avaliação de professores evoluiu de um enfoque na observação
de aulas e formulação de instrumentos “fiáveis” para um enfoque
em programas integrados de desenvolvimento pessoal e
organizacional. Diversos autores, inseridos em diversos quadros
conceptuais, passaram a identificar factores que permitissem
promover simultaneamente o desenvolvimento profissional dos
professores e o desenvolvimento organizacional das escolas
Mais recentemente, os estudos sobre as “competências
profissionais
dos
professores”
parecem
ter
adquirido
predominância na investigação educacional. Nessa linha,
podemos destacar as “10 novas competências” que Phillipe
Perrenoud (1999) explicitou para a profissão docente:
1) Organizar as situações de aprendizagem;
2) Gerir a progressão da aprendizagem;
3) Saber lidar com situações de heterogeneidade;
70
4) Desenvolver nos alunos o interesse pelo processo de
ensino e aprendizagem;
5) Trabalhar em equipa;
6) Participar no desenvolvimento curricular e organizacional
da escola;
7) Promover a participação de pais e comunidade na vida
da escola;
8) Utilizar as novas tecnologias;
9) Saber enfrentar os deveres profissionais e os dilemas
éticos;
10) Responsabilizar-se pelo seu próprio desenvolvimento
profissional.
Certas correntes de investigação questionam a aparente
hegemonia deste movimento pró profissionalização dos
professores, referindo a sua fabricação como estratégia última de
controlo da vida pessoal e profissional dos docentes, visando a
normalização sob uma capa de liberdade e autonomia (Popkewitz
e Nóvoa, 2001). Embora compreendendo os fundamentos de tal
argumentação, defendemos que a definição de competências ou
padrões de qualidade que permitam orientar a actividade
profissional dos professores é um movimento no bom sentido,
sendo este entendido, por um lado, como permitindo a melhoria
da qualidade do processo de ensino e aprendizagem; por outro
lado, o acréscimo de transparência de processos e produtos; e,
ainda, o reforço positivo da imagem pública dos professores, pela
construção de uma identidade profissional individual e colectiva.
2. A AVALIAÇÃO DE PROFESSORES: OBJECTIVOS E
MÉTODOS
Grande parte da literatura das duas últimas décadas sobre o
tema da avaliação de professores defendeu que, se esta os
envolvesse directamente na preparação, implementação e
acompanhamento do processo, tal poderia constituir um
importante factor de desenvolvimento profissional e de melhoria
organizacional das escolas. Consciente das contradições
71
inerentes à prossecução em simultâneo desses objectivos,
McLaughlin (1990) sugeriu a institucionalização de uma cultura
de avaliação que passasse pelo “abraço de contrários”, tais como
prestação de contas/desenvolvimento profissional, controlo
burocrático/autonomia
profissional,
necessidades
individuais/objectivos institucionais. “Abraçar os contrários”
implicaria a compreensão das raízes da sua fricção e a procura
de formas de harmonização, numa cultura de avaliação em que
tais contrários se reforçariam mutuamente, em vez de
competirem uns contra os outros.
A concepção de um modelo de avaliação de professores ligado ao
seu desenvolvimento profissional e ao desenvolvimento
organizacional das escolas implica o uso de métodos e fontes de
avaliação diversificados, incluindo a auto-avaliação e a
apreciação por pares.
Holly e McLoughlin (1989) e Kremer-Hayon (1993) encaravam a
auto-avaliação como uma fonte de reflexão sobre as práticas, a
qual poderia conduzir ao desenvolvimento pessoal e profissional
se envolvesse a construção de um clima de escola em que os
professores não receassem correr riscos, num contexto de
relações interpessoais colaborativas. Documentos pessoais como
diários, portfolios e outros registos deveriam ser usados para
promover a reflexão dos professores sobre certos incidentes
críticos das suas práticas quotidianas, e para transformar a sua
reflexão-em-acção numa reflexão-sobre-a-reflexão-em-acção
(Schon, 1978).
A apreciação pelos pares é advogada com a justificação de que,
se o ensino é uma profissão, o corpo profissional deve ser
responsável pela sua própria monitorização, e a avaliação de
professores deverá reflectir a complexidade do próprio acto de
ensinar (Chism, 1999). Darling-Hammond e McLaughlin (1995)
defenderam que a apreciação pelos pares poderia ocorrer sob
muitas formas, incluindo o exame de certos aspectos do
currículo, a análise de determinadas práticas ou de problemas da
escola e a participação em modelos de supervisão e
acompanhamento.
72
3. A AVALIAÇÃO DE PROFESSORES EM PORTUGAL
O tema da avaliação de professores surgiu em finais da década
de 1980 e integrou-se numa discussão mais vasta sobre o
Estatuto da Carreira Docente. Até então, apenas um critério
administrativo - a antiguidade – contava para a progressão na
carreira. O primeiro modelo de avaliação de professores foi
implementado em 1992, juntamente com uma nova política de
administração escolar, como parte de um esforço centralizado
que visava reforçar a autonomia das escolas e promover o
desenvolvimento profissional dos professores. O documento legal
que regulou a avaliação de professores (Decreto-Regulamentar
14/92) estabeleceu procedimentos baseados num relatório de
auto-avaliação e prova de cumprimento de um número
estipulado de créditos de formação contínua.
Simões (1998) estudou a implementação deste modelo de
avaliação de professores, tendo concluído que existia em
Portugal “uma avaliação de professores que não avaliava”, dado
os relatórios de auto-avaliação não serem analisados e a
classificação de “Satisfaz” resultar do mero cumprimento de
requisitos legais; os relatórios de auto-avaliação dos professores
terem uma credibilidade questionável, dado neles não constar
uma análise e reflexão sobre as práticas; “os professores
identificarem a avaliação com uma tarefa burocrática” a ser
desempenhada para progredir na carreira; e a política de
avaliação pouco impacto ter sobre o desenvolvimento profissional
dos professores. Estas conclusões eram comuns a todas as
escolas incluídas no estudo, independentemente da respectiva
localização; Em todas elas a avaliação não era levada a sério. Em
consequência, o autor recomendava que a avaliação dos
professores fosse incluída num processo mais abrangente de
avaliação de escolas; que os relatórios de auto-avaliação fossem
devidamente analisados; se modificasse o sistema de acreditação
relacionado com a obrigatoriedade de formação contínua; e se
utilizassem várias fontes de avaliação.
No final da década de 1990, o Estatuto da Carreira Docente foi
alterado e, com ele, a legislação sobre a avaliação de
professores. O modelo actual é constituído por três elementos:
um documento de reflexão crítica elaborado pelo professor em
avaliação; formação contínua obrigatória, certificada por cursos
73
acreditados; e um parecer avaliativo da comissão de avaliação da
escola (Decreto-Regulamentar 11/98, de 15 de Maio).
Curado (2002) investigou as modalidades de implementação do
novo modelo de avaliação em três escolas secundárias, tendo
concluído que o mesmo apresentava potencialidades e
constrangimentos. Como potencialidades, referiu o facto de o
decreto declarar no seu preâmbulo que o propósito da avaliação
era recompensar o mérito dos professores e promover o seu
desenvolvimento profissional. As três componentes da política
pareciam reflectir este propósito, na medida em que:
•
O papel de avaliador era desempenhado por uma comissão
de pares, que devia apreciar os documentos de reflexão
crítica dos professores.
•
Este requisito poderia ser entendido como uma forma de
promover formas colegiais e colaborativas de avaliação.
•
Nos documentos de reflexão crítica, os professores deviam
analisar o trabalho realizado durante o período em avaliação.
Tal requisito poderia ser entendido como uma forma de
promover a prática reflexiva necessária ao desenvolvimento
profissional.
•
Os professores deviam oferecer prova de conclusão de um
número obrigatório de acções de formação contínua. Este
requisito poderia ser entendido como uma forma de
promover tanto o desenvolvimento profissional como
organizacional.
Constrangimentos. Embora contendo potencialidades para
promover melhores práticas docentes e mais qualidade nas
escolas, a política de avaliação de professores não inclui certas
características que a literatura e as práticas internacionais
consideram cruciais para cumprir as finalidades declaradas. De
entre as características omissas, destacam-se as seguintes:
•
A observação de aulas não é considerada no processo de
avaliação, assim se perdendo a oportunidade de analisar as
práticas e partilhar saberes profissionais.
•
A avaliação não se baseia em múltiplas fontes de dados,
centrando-se, unicamente, nos documentos de reflexão
crítica elaborados pelos professores; não se prevê que estes
74
provenham as asserções escritas nem reflictam sobre o
sucesso dos respectivos alunos.
•
As práticas de apreciação por pares não constituem ocasiões
para discussão sobre o processo de ensino-aprendizagem. As
comissões de avaliação não parecem sentir-se com
autoridade para analisar ou discutir as práticas lectivas dos
professores, nem para desempenhar quaisquer outras
actividades avaliativas, a não ser a análise dos documentos
de reflexão crítica.
Às comissões de avaliação não é permitido diferenciar os
professores segundo o trabalho realizado, encontrando-se
legalmente limitadas a atribuir a todos a menção de “Satisfaz”.
Aqueles que pensam merecer a menção de “Bom” são obrigados
a apresentar um requerimento para uma avaliação especial, o
que parece ir contra a cultura docente. Em consequência, os
professores mais empenhados não veêm o seu trabalho
reconhecido. Criam-se situações de injustiça nas escolas, quando
professores menos dedicados solicitam o “Bom” e o obtêm, e
outros, mais trabalhadores, permanecem com a menção de
“Satisfaz”.
•
A formação contínua obrigatória não se encontra
directamente relacionada com os planos individuais de
desenvolvimento dos professores nem com os programas de
desenvolvimento das escolas.
•
Não se encontra prevista a implementação de quaisquer
medidas que resultem do processo de avaliação. Em
consequência, a política é encarada por professores,
comissões de avaliação e presidentes de conselho executivo
como não tendo outro propósito a não ser a progressão na
carreira.
•
Não tem havido formação em gestão dos processos de
mudança organizacional relacionados com a avaliação de
professores, nem sobre critérios e métodos para avaliar
professores. Não se tem promovido formação sobre como
redigir documentos de reflexão crítica que sejam, de facto,
“reflexivos”.
•
Não foram definidos quaisquer padrões de desempenho para
orientar o processo de avaliação.
75
4. DESAFIOS PARA OS DECISORES POLÍTICOS E AS
LIDERANÇAS DAS ESCOLAS
Pode concluir-se que a eficácia da política de avaliação tem sido
limitada pela ausência de várias componentes que a literatura e
as práticas internacionais sugerem como indispensáveis ao
desenvolvimento dos professores e das escolas (ver ainda, por
exemplo, Middlewood e Cardno, 2001). A partir da argumentação
apresentada, é possível formular algumas recomendações ao
nível das políticas e práticas de desenvolvimento profissional e
organizacional, nomeadamente:
ƒ
O processo de avaliação deveria ser negociado entre os
professores e os seus avaliadores, e basear-se em padrões de
desempenho profissional previamente definidos.
ƒ
O processo de avaliação deveria integrar a observação e
discussão de aulas , incluindo uma fase preparatória, para
negociar os objectivos e processos da avaliação; a
implementação dos processos acordados; e uma terceira fase
para discutir as conclusões da apreciação e programar as
actividades seguintes.
ƒ
A formação em serviço obrigatória deveria estar relacionada
com os planos de desenvolvimento dos professores e das
escolas.
ƒ
Os avaliadores, sob a supervisão dos conselhos pedagógicos,
deveriam poder diferenciar os professores segundo o mérito,
com base em padrões de competência previamente
acordados. O requisito de os professores solicitarem uma
avaliação especial para obterem a menção de “Bom” deveria
ser eliminado, visto a investigação sugerir que o mesmo não
é compatível com a cultura dos professores, levando mesmo
a situações de injustiça nas escolas.
ƒ
As escolas deveriam criar condições de apoio organizacional,
promovendo a assistência técnica e a formação externa –
possivelmente, em parceria com os centros de formação e as
instituições de formação inicial de professores – para facilitar
76
a implementação da avaliação. Poderia ser fornecida
formação em gestão dos processos organizacionais
relacionados com a avaliação dos professores e sobre
objectivos, critérios e processos de avaliação de professores.
ƒ
A regulamentação da atribuição da menção de “Não Satisfaz”
(Estatuto da Carreira Docente, Artigo 44) deveria ser revista,
decorrendo tal classificação de uma avaliação baseada em
padrões de desempenho profissional previamente definidos.
Seriam criados mecanismos para lidar com o desempenho
deficiente, tais como planos de assistência e equipas de
intervenção.
ƒ
E, sobretudo, dever-se-ia proceder ao desenvolvimento de
padrões de desempenho profissional que pudessem guiar as
práticas dos professores e a sua avaliação. Sem tais padrões,
as instituições de formação inicial não têm condições para
preparar os futuros professores para práticas docentes com
níveis de competência aceites pela comunidade educativa; os
professores mais experientes não podem melhorar as práticas
de acordo com padrões de excelência devidamente
acordados, e as comissões de avaliação não têm critérios que
guiem as suas apreciações.
O trabalho desenvolvido pelo INAFOP (Instituto para a
Acreditação e Formação de Professores) destacou-se por ter
colocado na ordem do dia a necessidade de definir padrões de
qualidade para o desempenho dos professores e padrões de
qualidade para a acreditação das instituições de formação de
professores. Assim se levou à aprovação de um conjunto
legislativo, de que se destacam os “Padrões de Qualidade para os
Educadores e Professores do Ensino Não Superior”; e os “Padrões
de Qualidade Específicos para os Educadores e Professores do 1º
Ciclo do Ensino Básico”12, envolvendo, nomeadamente:
12
‰
A dimensão profissional, social e ética.
‰
A dimensão do desenvolvimento do ensino e da
aprendizagem.
‰
A dimensão da participação na escola e da relação
com a comunidade.
Decretos-Lei nº 240/2001 e 241/2001, de 30 de Agosto, respectivamente.
77
‰
A dimensão do desenvolvimento profissional ao
longo da vida.
Para continuar o trabalho até aqui desenvolvido, de modo a que
o mesmo possa ter repercussões concretas e positivas na
qualidade das escolas e do sistema educativo, torna-se
necessária a definição de padrões de qualidade e perfis
específicos para a docência do 2º e 3º ciclos do ensino básico e
do ensino secundário.
Referências
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Schon, D. (1978). The reflective practitioner: How professionals think in action.
London: Basic Books.
Simões, G. A. (1998). A avaliação dos professores como estratégia de
desenvolvimento
profissional
e
organizacional.
Psicologia e Ciências da Educação.
79
Lisboa:
Faculdade
de
A avaliação de desempenho como
condição do desenvolvimento profissional dos professores
Ariana Cosme
Faculdade de Ciências da Educação da Universidade do Porto
1. Introdução
A reflexão que me proponho partilhar convosco sobre a avaliação
do desempenho dos professores obedece, como qualquer outra
reflexão, a um conjunto prévio de compromissos e pressupostos
que não interessando, neste momento aprofundar, importa,
contudo, enunciar. Neste sentido, convém que se afirme que não
dissocio o processo de avaliação do desempenho dos professores
de dois tipos de preocupações:
- Uma que diz respeito ao modo como os professores
gerem e controlam a relação com os seus saberes
profissionais, deixando de ser, apenas, destinatários
das propostas produzidas, por outros, de um modo
descontextualizado, para passarem a assumir um
maior protagonismo na definição, implementação e
avaliação crítica dos projectos e das iniciativas de
intervenção educativa a promover no âmbito das salas
de aula;
- Outra que diz respeito ao papel a assumir pelos
professores no âmbito do desenvolvimento de
projectos de educação escolar, interessados em
potenciar as escolas como espaços de afirmação de
uma cidadania de natureza democrática, o que passa
pelo reconhecimento, quer da crise de legitimidade da
Escola enquanto instituição relacionada com a
emergência e consolidação do Estado-Nação, quer da
consequente crise do modelo de educação escolar, que
se constituiu para responder à necessidade de ensinar
tudo a todos como se de um só se tratasse.
É, pois, a partir destes dois tipos de compromissos que se podem
compreender melhor as razões que justificam porque é que a
80
comunicação, que subscrevo, se constrói a partir de três
enunciados fundamentais:
Através do primeiro, defendo que existe, hoje, uma tensão
estruturante entre, por um lado, a valorização da avaliação de
desempenho como um instrumento de controlo, o mais remoto
possível, da actividade profissional dos professores e, por outro,
a valorização da necessidade de se estabelecer através, também,
da avaliação do desempenho um ciclo de afirmação da
profissionalidade docente;
Através do segundo, considero que só um processo de avaliação
do desempenho docente, que constitua um estímulo para que os
professores possam, efectivamente, participar na definição das
finalidades e na gestão das condições e das possibilidades de
desenvolvimento dos projectos de intervenção educativa pelos
quais são responsáveis, é que permite potenciar as escolas como
espaços de afirmação de uma cidadania de natureza
democrática;
Através do terceiro enunciado valorizo a necessidade de se
articular, do ponto de vista da intervenção sindical, o processo
tendente a promover a dignificação profissional dos professores
com o processo tendente a promover a dignificação cultural e
política da Escola.
2. A avaliação de desempenho: Para quê?
Neste sentido, a resposta à questão: “Como avaliar?” terá de ser
adiada para que possamos responder, em primeiro lugar, a duas
outras questões prévias: “Avaliar o desempenho dos professores
para quê?” e “O que avaliar?”.
Importa, por isso, abordar quer as finalidades do processo de
avaliação do desempenho dos professores quer as dimensões
desse processo, para se discutir, posteriormente, a sua
operacionalização. Na prática, isso significa considerar que a
definição dos responsáveis pelo processo de avaliação do
desempenho dos professores, a selecção dos parâmetros e dos
critérios a utilizar e as suas implicações institucionais dependem
da função e do estatuto que se atribui à avaliação do
desempenho no âmbito das organizações escolares. Embora a
retórica dos discursos produzidos tenda a obscurecer o debate,
81
importa analisar, através desses discursos, qual a articulação
entre a avaliação do desempenho e a prestação de contas, a
avaliação do desempenho e a progressão na carreira ou a
avaliação do desempenho e o desenvolvimento de projectos de
intervenção educativa. Não é possível, contudo, avançar neste
debate se não cruzarmos estas três dimensões com outras duas
de natureza diferente, as quais dizem respeito à relação dos
professores com os critérios a partir dos quais se constrói e
desenvolve o processo de avaliação de desempenho.
Assim, à questão: “A avaliação de desempenho constitui,
inevitavelmente, um exercício de controlo da actividade
profissional dos professores ou, pelo contrário, poderá ser um
instrumento de afirmação e desenvolvimento da sua
profissionalidade?” podemos configurar o seguinte conjunto de
hipóteses, as quais poderão ser entendidas como motivo de
análise e reflexão:
a) a avaliação de desempenho tende a identificar-se com
um exercício de controlo, a partir do momento em que
se desenvolve em função de critérios definidos e
impostos pelos orgãos de gestão e administração das
escolas ou que estejam contemplados em legislação
específica sobre o assunto, de forma a organizar-se o
processo de prestação de contas dos professores e /
ou a gerir-se a sua progressão na carreira;
b) a avaliação de desempenho só se poderá constituir
como um instrumento de afirmação e desenvolvimento
da profissionalidade dos professores se articulada com
o planeamento e a participação destes no
desenvolvimento dos projectos de intervenção
educativa que animam no quotidiano. A dimensão "
prestação de contas" não é, neste caso, uma
prioridade, mas uma consequência e uma necessidade
relacionada com o processo de regulação dos
projectos, enquanto a dimensão "progressão na
carreira" deverá ser entendida como algo estranho ao
cenário descrito;
c) a articulação entre a avaliação de desempenho e o
desenvolvimento
de
projectos
de
intervenção
educativa implica que os critérios do processo de
82
avaliação de desempenho se definam a partir das
responsabilidades que cada um deverá assumir nesse
âmbito. Logo, o contributo do processo de avaliação
de desempenho para a afirmação da profissionalidade
docente passa pela relação entre os critérios de
avaliação e a participação dos professores na sua
configuração.
A partir do conjunto de preocupações que orientam esta
comunicação, tendo em conta os enunciados que o
operacionalizam e valorizando o quadro de hipóteses acabado de
explicitar, pode, então, concluir-se que:
importa, num primeiro momento, não confundir a discussão
acerca
do processo de avaliação de desempenho com a
discussão acerca do processo de progressão na carreira;
importa compreender que o processo de avaliação de
desempenho se verá como um processo de auto-monitorização
planeado, gerido e implementado pelos professores, a partir dos
compromissos pedagógicos por estes estabelecidos, no âmbito
dos respectivos contextos escolares;
importa clarificar, posteriormente, qual o grau de articulação
entre a avaliação de desempenho, subordinada a propósitos que
potenciem a reflexão profissional com qualquer processo de
avaliação externa. Embora defenda que o processo de avaliação
de desempenho não possa ficar subordinado ao processo de
avaliação conducente à progressão na carreira ou, tão pouco, se
possa desencadear em função das exigências da avaliação a
cargo dos serviços de inspecção escolar, convém referir que a
autonomia entre estes processos não significa que estejamos
perante intervenções absolutamente independentes entre si. Daí,
que seja imprescindível explicitar e clarificar, não o seu grau de
independência, mas, pelo contrário, o seu grau de articulação;
importa afirmar, também, que a concepção por nós defendida
relativamente à avaliação de desempenho pressupõe que a
mesma se construa a partir e em função de projectos de
intervenção educativa, o que implica, então, que a avaliação de
desempenho deverá ter em conta a relação que os professores
estabelecem no âmbito desses projectos como um factor a não
negligenciar. Significa isto que, no âmbito do processo de
avaliação de desempenho dos docentes, não podemos ficar
83
circunscritos, exclusivamente, à dimensão individual desse
desempenho, devendo valorizar-se, igualmente, o que na acção
docente diz respeito, também, à dimensão do colectivo, bem
como o que nessa acção diz respeito ao modo como a primeira
dimensão afecta a segunda das dimensões enunciadas ou,
finalmente, como esta afecta aquela.
3.
A
avaliação
de
desempenho
dos
professores
portugueses: equívocos, dilemas e possibilidades
A análise da legislação portuguesa relativa à avaliação de
desempenho dos professores constitui um excelente exemplo dos
equívocos e dilemas, que se nos colocam neste campo. Do
mesmo modo que se torna possível discutir algumas das
potencialidades da avaliação de desempenho enquanto
instrumento de afirmação da profissionalidade docente, caso se
considere a importância de outros textos legais relacionados,
“grosso modo”, com os processos e os responsáveis pela
orientação pedagógica e educativa nas escolas, bem como com a
organização, a gestão e o desenvolvimento curricular que, até
hoje, não têm sido valorizados no âmbito do processo de reflexão
sobre a avaliação de desempenho dos professores.
A avaliação de desempenho, na legislação portuguesa,
abordada em função de quatro tipos de documentos:
é
• Um tipo de documentos de orientação de política
global e de suporte à produção legislação na área da
educação escolar, como é o caso da Lei de Bases do
Sistema Educativo, documento onde se define o
conjunto das orientações relativas ao sistema
educativo português ou o próprio Estatuto da
Carreira Docente;
• Um outro tipo de documentos de carácter mais
específico relativo ao processo de progressão na
carreira dos professores do ensino não superior;
• Os documentos legais relacionados com a avaliação
de desempenho destes professores;
• A legislação que regulamenta a formação contínua
de professores, a qual, em Portugal, se relaciona de
84
forma bastante próxima com a avaliação
desempenho e a progressão na carreira.
de
O que se constata pela leitura da legislação enunciada é
que “a produção normativa em Portugal se centra principalmente
na avaliação / prestação de contas para efeitos de progressão na
carreira” (Curado, 2000: 25). Desde a publicação da Lei de Bases
do Sistema Educativo, em 1986, que se valoriza a avaliação de
desempenho numa perspectiva de prestação de contas para
efeitos da progressão na carreira. Posteriormente, é o normativo
que estabeleceu a estrutura da carreira docente e as regras
relativas ao seu estatuto remuneratório, que reafirma este
princípio, ao qual associa a obrigatoriedade do aproveitamento
dos professores em cursos de formação contínua (Curado, 2000).
O conjunto de documentos legais relativo à avaliação de
desempenho, finalmente, define, num caso, os procedimentos,
os meios e os critérios a respeitar na produção de um relatório
pessoal dos professores de avaliação crítica das actividades por
si desenvolvidas num determinado período de tempo,
acompanhado da certificação das acções de formação que,
entretanto, tenham sido concluídas. Outro documento, neste
âmbito, regulamenta o processo de candidatura para o efeito de
reconhecimento do mérito excepcional e outro, ainda, diz
respeito à avaliação dos docentes que ocupem cargos de
direcção, gestão e administração das escolas. Em qualquer
circunstância, toda a legislação mencionada faz depender a
avaliação de desempenho do processo de progressão na carreira
que, assim, se define como um momento de prestação de
contas.
De um modo geral, a legislação portuguesa tende a
ilustrar o que poderemos considerar uma abordagem
instrumental do processo de avaliação de desempenho que
constitui quer a afirmação simbólica de um poder, que só o é
pelo modo como legisla a relação de dependência entre esse
processo e a progressão na carreira, quer a expressão do que
poderemos designar por primado de uma lógica de natureza
burocrática. A mesma que sustenta as acções insensatas, ou
seja, as acções decorrentes das “decisões que não têm em conta
as pessoas, as organizações e as especificidades do contexto,
quando a análise se enclausura na razão técnica (estabelecendo
a relação meios / meios) e não se deixa orientar pela razão
85
crítica (estabelecendo a relação meios / fins), quando as
consequências não são interrogadas.” (Alves, 2000).
Neste sentido, a avaliação de desempenho define-se mais
pelo seu carácter normativo do que pela sua dimensão formativa,
devido a um conjunto de razões que têm a ver, sobretudo, com
as implicações profissionais e com a importância atribuída aos
orgãos de gestão no âmbito do processo de reconhecimento
público do relatório produzido pelos professores e na decisão
final sobre a validade deste relatório. O primeiro equívoco desta
opção reside, pois, no facto de utilizar a avaliação de
desempenho como um expediente para, sobretudo, legitimar o
processo de progressão na carreira dos professores. O segundo
tipo de equívoco diz respeito à dimensão "prestação de contas",
claramente subalternizada face aos propósitos burocráticos da
avaliação de desempenho prevista na legislação portuguesa.
É possível que a avaliação de desempenho se possa
configurar com um instrumento capaz de estimular um espaço e
um tempo de reflexão cooperada e de auto-reflexão por parte
dos professores?
Certamente. Embora seja necessário compreender-se que
tal possibilidade implica transformações de carácter mais amplo,
ao nível, pelo menos:
• da necessidade de se distinguir, através da
aprovação de legislação adequada, a avaliação de
desempenho do processo relacionado com a
progressão na carreira, o que implica um outro
modo de conceber o estatuto da carreira docente;
• da
redefinição
do
espaço
de
autonomia
administrativa e pedagógica das escolas, o que
implica que, neste âmbito, se possam assumir e
potenciar as tomadas de decisão decorrentes do
desenvolvimento de projectos de intervenção
educativa que cada escola considerou ser necessário
assumir, da forma mais consequente possível. Neste
sentido, a avaliação de desempenho constitui um
exercício obrigatório que, entre outras coisas,
permite reconstruir um outro tipo de articulação
entre os professores e as organizações escolares
onde intervêm.
86
Em suma, entre uma concepção de avaliação do
desempenho, que se assume como um instrumento de controlo
externo da acção dos professores ou uma outra, em que a
avaliação de desempenho corresponde a uma necessidade de
construção e afirmação de um outro tipo de profissionalidade, vai
uma distância que diz respeito à natureza burocrática e
descontextualizada do processo de avaliação, tal como a primeira
opção a entende, até à valorização da avaliação de desempenho
como dimensão estruturante de intervenções pedagógicas, que
se caracterizam pela capacidade de reflexão dos seus mentores.
Embora possa ser subestimada esta capacidade de
reflectir sobre as suas práticas docentes, o(s) seu(s) sentido(s) e
as suas finalidades constitui uma necessidade política e
profissional dos professores, que é algo de vital neste tempo em
que se deseja que o seu ofício se transforme, tanto quanto se
espera, que o ofício de aluno seja outro. Por isso, a temática da
avaliação de desempenho terá de merecer uma maior atenção
política, quer perante as opções dos que, através desse tipo de
avaliação pretendem controlar e domesticar a acção profissional
dos professores, quer perante as opções daqueles que
desvalorizam o compromisso com uma Escola, que se pretende
assumir como um espaço culturalmente significativo e
politicamente empenhado na construção de uma sociedade mais
inclusiva e democrática.
4. Conclusão
Face a este conjunto de afirmações importa, então, perguntar:
• Não deverá a progressão na carreira ser influenciada
pela avaliação de desempenho?
• Até que ponto é que um relatório de avaliação
crítica, produzido em função das exigências da
progressão na carreira, pode, ou não, constituir um
momento em que, de alguma forma, os professores
prestem contas do trabalho que realizaram?
• Quais as consequências de um tal documento, quer
do ponto de vista da afirmação e desenvolvimento
da profissionalidade dos professores, quer do ponto
87
de vista da construção e gestão dos projectos de
intervenção educativa, que têm lugar nas escolas?
Que respostas para estas questões? Poderão os textos
legais, que temos vindo a referir, ajudar-nos a construir essas
respostas?
Não creio. Esses textos remetem a avaliação de
desempenho para uma função que não a potencia como um
instrumento possível de desenvolvimento profissional e, por
arrastamento, de aprendizagem organizacional. Daí, que seja
necessário recorrer a outro tipo de documentos jurídicos para se
enfrentar alguns dos dilemas que cada uma das três perguntas
pressupõe e encerra. Assim, importa valorizar os diplomas
relativos à organização e gestão curricular do Ensino Básico e do
Ensino Secundário, bem como o diploma referente ao Quadro de
Competências das Estruturas de Orientação Educativa como
documentos capazes de conferir um outro sentido à avaliação de
desempenho dos professores portugueses.
Deste modo, chamaria a atenção para a emergência na
legislação portuguesa de dois instrumentos de gestão curricular
fundamentais: o projecto curricular de escola e o projecto
curricular de turma, entendidos nos documentos legais que
consagram, quer a reorganização curricular do Ensino Básico,
quer a revisão curricular do Ensino Secundário, como dispositivos
fundamentais de regulação da actividade educativa nas escolas e
nas turmas. Penso que tais instrumentos permitem, entre outras
coisas, afirmar-se como uma espécie de contrato onde os
professores definem as suas responsabilidades, condicionam as
expectativas e estabelecem o quadro que permita estabelecer o
processo de negociação, quer com os colegas, quer com os
alunos. Neste sentido, quer os projectos curriculares de escola
quer, sobretudo, os projectos curriculares de turma podem
constituir-se como dispositivos fundamentais, os referentes do
processo de avaliação do desempenho profissional docente.
Isto significa, no entanto, que é fundamental dissociar a
avaliação de desempenho, tal como a tenho vindo a defender, do
processo tendente a assegurar a progressão na carreira. Tal
como já o defendi neste texto, importa definir o grau de
articulação entre a avaliação de desempenho e a avaliação
tendente a promover a progressão na carreira, mas, sobretudo,
88
importa
distingui-las
de
forma
a
que
a
primeira,
estrategicamente mais importante do ponto de vista do
desenvolvimento profissional dos professores, não seja
prejudicada pela segunda.
A
avaliação
de
desempenho
como
condição
desenvolvimento profissional dos professores
do
PRESSUPOSTOS:
A avaliação de desempenho obriga-nos a reflectir sobre o
modo como os professores:
- gerem e controlam a relação com os seus saberes
profissionais;
- participam no desenvolvimento de projectos de
educação escolar, interessados em potenciar as escolas como
espaços de afirmação de uma cidadania de natureza
democrática.
A avaliação de desempenho dos professores:
Para quê?
Aceita-se que a avaliação de desempenho dos professores
possa contribuir para promover o processo de dignificação
profissional dos professores, enquanto condição para promover a
dignificação política e cultural da Escola. Como?
Importa compreender as implicações globais de uma
avaliação de desempenho, que se defina ou como um
instrumento de controlo da actividade profissional dos
professores ou como um contributo no âmbito do processo de
afirmação da profissionalidade docente.
A avaliação de desempenho constitui, inevitavelmente,
um exercício de controlo da actividade profissional dos
professores ou, pelo contrário, poderá ser um instrumento de
afirmação e desenvolvimento da sua profissionalidade?
89
- a avaliação de desempenho tende a identificar-se com um
exercício de controlo, a partir do momento em que se desenvolve
em função de critérios definidos e impostos pelos orgãos de
gestão e administração das escolas ou que estejam
contemplados em legislação específica sobre o assunto, de forma
a organizar-se o processo de prestação de contas dos
professores e / ou a gerir-se a sua progressão na carreira;
- a avaliação de desempenho só se poderá constituir como um
instrumento de afirmação e desenvolvimento da profissionalidade
dos professores, se articulada com o planeamento e a
participação destes no desenvolvimento dos projectos de
intervenção educativa, que animam no quotidiano. A dimensão
“prestação de contas” não é, neste caso, uma prioridade mas
uma consequência e uma necessidade relacionada com o
processo de regulação dos projectos, enquanto a dimensão
progressão na carreira deverá ser entendida como algo estranho
ao cenário descrito;
- a articulação entre a avaliação de desempenho e o
desenvolvimento de projectos de intervenção educativa implica
que os critérios do processo de avaliação de desempenho se
definam a partir das responsabilidades, que cada um deverá
assumir no âmbito desses projectos.
- A avaliação de desempenho como um instrumento de afirmação
e desenvolvimento da profissionalidade docente importa, num
primeiro momento, não confundir a discussão acerca
do
processo de avaliação de desempenho com a discussão acerca do
processo de progressão na carreira;
- importa compreender, então, que o processo de avaliação de
desempenho deverá ser construído como um processo de automonitorização, planeado, gerido e implementado pelos
professores, a partir dos compromissos pedagógicos por estes
estabelecidos no âmbito dos respectivos contextos escolares;
- importa clarificar, posteriormente, qual o eventual grau de
articulação entre a avaliação de desempenho subordinada a
propósitos, que potenciem a reflexão profissional com qualquer
processo de avaliação externa que tenha em conta tal
desempenho.
90
A avaliação de desempenho dos professores portugueses:
equívocos, dilemas e possibilidades
Documentos legais relacionados com a avaliação de
desempenho
• Os documentos de orientação política global e de suporte
à produção legislação na área da educação escolar, como é
o caso da Lei de Bases do Sistema Educativo ou o próprio
Estatuto da Carreira Docente;
• Os documentos de carácter mais específico relativo ao
processo de progressão na carreira dos professores do
ensino não-superior;
• Os documentos legais relacionados com a avaliação de
desempenho destes professores;
• A legislação que regulamenta a formação contínua de
professores que, em Portugal, se relaciona de forma
bastante próxima com a avaliação de desempenho e a
progressão na carreira.
Que se pode concluir?
“A produção normativa em Portugal centra-se principalmente,
na avaliação / prestação de contas para efeitos de progressão na
carreira” (Curado, 2000: 25).
• A legislação portuguesa tende a ilustrar o que poderemos
considerar uma abordagem instrumental do processo de
avaliação de desempenho, o que expressa a valorização do
primado de uma lógica de natureza burocrática;
• A avaliação de desempenho, na legislação portuguesa,
define-se, sobretudo, pelo seu carácter normativo, de forma
a assegurar o processo relativo à progressão na carreira
dos professores.
91
É possível que a avaliação de desempenho se possa configurar
como um instrumento capaz de estimular um espaço e um tempo
de reflexão cooperada e de auto-reflexão por parte dos
professores?
É, desde que se:
-
distinga a avaliação de desempenho dos professores da
avaliação relacionada com o processo relativo à sua
progressão na carreira;
- as escolas se possam afirmar como espaços de autonomia
administrativa e pedagógica, o que implica que, neste
âmbito, se possam assumir e potenciar as tomadas de
decisão decorrentes do desenvolvimento de projectos de
intervenção educativa de cada escola. Neste sentido, a
avaliação de desempenho constitui um exercício obrigatório
que, entre outras coisas, permite reconstruir um outro tipo
de articulação entre os professores e as organizações
escolares onde intervêm.
REFLEXÃO FINAL
A avaliação de desempenho como um instrumento de afirmação
e desenvolvimento da profissionalidade docente implica que:
• se afirme o compromisso entre a actividade docente e a
construção de escolas que se assumam como espaços
culturalmente significativos e politicamente empenhados na
construção de uma sociedade mais inclusiva e democrática;
• se recuse a avaliação de desempenho como um
expediente para controlar e domesticar a acção profissional
dos professores;
• a avaliação de desempenho se desenvolva como um
processo autónomo relativamente ao processo tendente a
assegurar a progressão dos professores na carreira;
• mais do que definir o grau de articulação entre a
avaliação de desempenho e o processo de progressão na
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carreira dos professores, se distinga os dois processos, de
forma a que aquela avaliação não seja prejudicada pelos
condicionalismos daquela progressão;
• No âmbito do processo de avaliação de desempenho
importa valorizar, como referentes desse processo de
avaliação, o Projecto Curricular de Escola e o Projecto
Curricular de Turma, como instrumentos onde os
professores:
- definem as suas responsabilidades, bem como as
responsabilidades da instituição escolar e de outras
instituições sociais significativas;
- condicionam as expectativas relativamente ao tipo de
intervenção,
que
pretendem
desenvolver
quer
individualmente quer como membros de um colectivo;
- estabelecem o quadro que permite estabelecer o
processo de negociação com os colegas, com os alunos
e com outros actores envolvidos no projecto educativo a
desenvolver
Em jeito de balanço final, importa sinalizar algumas das linhas de
força que nortearam as intervenções que acabámos de ouvir e
que poderão servir de ponto de partida para o debate:
1. A relação evidente entre a avaliação do desempenho, o
desenvolvimento da profissionalidade docente e a melhoria
organizacional das escolas – o que reforça a centralidade do
papel da avaliação, tanto ao nível da promoção pessoal e
profissional dos professores, como no âmbito dos processos
de mudança e transformação da escola;
2. A necessidade de não restringir a avaliação docente à
produção de um relatório crítico de actividades para
progressão na carreira ou à mera prestação de contas – sob
pena de transformar a avaliação num artefacto burocrático e
de a destituir do seu sentido formativo;
3. A necessidade de desenvolver e valorizar práticas de
avaliação ao longo da formação inicial e contínua de
93
professores – como forma de aprenderem a construir e
utilizar saberes profissionais, de reforçarem as suas
competências e de assumirem um maior protagonismo na
concepção, implementação e avaliação do fenómeno
educativo;
4. A importância de transformar a avaliação num projecto
participado, com implicação dos diferentes agentes que
configuram o cenário educativo (e não apenas os
professores),
desenvolvendo,
assim,
compromissos
individuais e colectivos de melhoria da escola;
5. A premência de recorrer à avaliação como forma de
reflectir criticamente sobre as práticas educativas, de gerir
contradições, de lidar com problemas éticos e humanos, de
estimular o trabalho em equipa e de construir a autonomia
docente;
6. A necessidade de compreender que a avaliação docente
será uma mais valia educativa, se concorrer para a mudança
das práticas curriculares que se desenvolvem nas escolas, em
particular na sala de aulas, e para o sucesso dos alunos;
7. A imprescindibilidade de diluir o fosso que separa a
administração central das escolas e de conseguir
envolvimento conjunto, quer na definição dos critérios e
finalidades da avaliação, quer no desenvolvimento de
dispositivos que favoreçam a sua concretização – a ser assim,
a avaliação deixará de ser vista como uma imposição
administrativa e como um mero instrumento de controle
político.
A terminar, não posso deixar de reafirmar que, por mais
que possam enaltecer-se os benefícios de uma avaliação
criteriosa e rigorosa do trabalho docente, todo esse processo
continuará a ser uma verdadeira falácia, se não idealizado como
um meio de melhorar o ensino e a aprendizagem, como
instrumento de desenvolvimento profissional dos professores e
como uma possibilidade de aprofundar a vida democrática nas
escolas.
Muito Obrigado
94
ENCERRAMENTO
Jorge do Nascimento Pereira da Silva, Dr.
95
Jorge do Nascimento Pereira da Silva
Director do Centro de Formação de Francisco de Holanda
Quero agradecer aos intervenientes no painel desta tarde e também
aos conferencistas da manhã.
Quero dizer-vos que estamos contentes e felizes pela forma como
decorreu este Seminário.
É que os Centros de Formação são isto mesmo: Dinamizadores de
espaços formativos:
E não é só o Centro de Formação de Francisco de Holanda. Muitos
colegas, com certeza, não conhecem o que outros Centros de
Formação fazem. A nível nacional, há muitos Centros que mobilizam
centenas de professores, em dezenas e dezenas de iniciativas, para
além da formação formatada que somos “obrigados” a realizar e
com a qual obtemos as verbas necessárias para mobilizar toda a
actividade formativa.
Quero dizer-vos também que as Escolas que constituem o CFFH se
mobilizam, exigindo ao seu Centro de Formação que se envolva nas
suas actividades. A Comissão Pedagógica é dinâmica, crítica e
reflexiva. Claro que estamos conscientes da altura a que colocamos
a fasquia, mas pelo sonho é que vamos.
Continuo a contar convosco em iniciativas futuras. Procuraremos, no
futuro, com toda a certeza, oferecer-vos propostas novas,
naturalmente com a esperança de que as coisas mudem para
melhor. Este é o nosso desejo profundo. Nosso e vosso. Porque
todos queremos uma escola eficaz, uma escola para todos, uma
escola que, de facto, faça os alunos aprender mais e onde os
professores se sintam motivados.
Permitam-me que agradeça e, aqui, e vou mesmo dizer os nomes
dos colegas, que não se veêm mas que, sem eles, não seria possível
realizar estes eventos. São eles o Agostinho Ferreira, o Maximiano
Simães e o António Adelino. Para eles o meu (nosso) muito obrigado
por aquilo que têm feito ao longo de mais de dez anos. São eles que
fazem andar a “máquina”.
Igualmente quero agradecer à Teresa Portal, que está aqui em
baixo, num cantinho, mas que tem feito, ao longo dos anos, um
trabalho notável redigindo as conclusões destas actividades que,
como sabem, não é tarefa fácil. Por isso o meu muito obrigado.
96
Finalmente não queria deixar de homenagear, da forma que os
Directores do Centro o podem fazer, mas fazê-lo de uma forma
sincera, as funcionárias que trabalham no secretariado do nosso
Centro – A Marta e a Sónia. São duas excelentes profissionais que
trabalham de manhã à noite, dia a dia, sempre para além do horário
normal e que, nestas alturas trabalham até pela noite dentro. São
funcionárias da Escola Secundária Francisco de Holanda, escola sede
do Centro, mas, dado o local onde exercem a sua actividade, têm
sido confrontadas com um excesso de trabalho diário.
Há também e ainda um grupo de colegas amigos que colaborou e
tem colaborado connosco a quem estou muito grato e que não vou
enumerar por razões óbvias.
Como sabem o Seminário não terminou aqui.
Vamos mostrar-vos a nossa linda cidade, aos de fora e aos de
dentro. Os de dentro também não a conhecem, como ela merece.
Para isso chamo ao palco o António Oliveira que vai liderar o
percurso um – Guimarães Conventual; o Capela Miguel que vai
liderar o percurso Guimarães Berço da Nacionalidade; o Alberto
Lameiras que vai liderar o percurso Guimarães Património Mundial e
o Carlos Guerra que vai liderar o percurso Museus de Guimarães.
Cada um destes colegas vai servir de guia para estes quatros
percursos. Devem segui-los, porque eles têm alguma documentação
para vos distribuir, e, é que sabem os “carreirinhos” e para que vos
faça “mais tarde recordar”.
Para terminar, dizer-vos que os Centros de Formação e as Escolas
são aquilo que nós quisermos que sejam. Este é um desafio de
todos.
Muito obrigado e até para o ano.
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PUBLICAÇÕES DO CENTRO DE FORMAÇÃO FRANCISCO DE
HOLANDA
Revista ELO
Elo
Elo
Elo
Elo
Elo
Elo
Elo
Elo
Elo
Elo
Elo
Elo
Elo
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
Especial
11
12
1994
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2003
2004
ACTAS, de Encontros e Seminários realizados
1994
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
Avaliação nos ensinos básico e secundário
A territorialização das políticas educativas
A integração e a flexibilização curriculares
O papel dos diversos actores educativos na construção de uma escola
democrática
(Re)pensar a formação contínua na construção da profissão docente
(Re)organização e revisão curriculares – sentidos e trajectos
Da Escola que temos à Escola que queremos
O Futuro da Escola Pública em Portugal – que papel para os
Agrupamentos de Escolas
Outros cadernos temáticos
O Director de Turma – Volume 1
O Director de Turma – Volume 2
98

Documentos relacionados