Revista HUGV 2011 n.1 - Hospital Universitário Getúlio Vargas
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Revista HUGV 2011 n.1 - Hospital Universitário Getúlio Vargas
ISSN 1677-9169 Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas The Journal of Getulio Vargas University Hospital v.10, n.1-2 jan/jul - 2011 Universidade Federal do Amazonas - UFAM revistahugv Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas The Journal of Getulio Vargas University Hospital v.10. n. 1-2 jan./jul. – 2011 UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS HOSPITAL UNIVERSITÁRIO GETÚLIO VARGAS Rua Apurinã nº 04 – Praça 14 de Janeiro, Cep: 69020-170 Manaus - AM Fones: (092) 3305-4782/4719 E-mail: [email protected] FUNDADORES Ricardo Torres Santana Jorge Alberto Mendonça LISTA DO CONSELHO EDITORIAL DA REVISTA HUGV EDITOR-CHEFE Fernando Luiz Westphal Maria Augusta Bessa Rebelo Rosane Dias da Rosa Kathya Augusta Thomé Lopes Maria Lizete Guimarães Dabela LISTA DO CONSELHO CONSULTIVO DA REVISTA HUGV Aluísio Miranda Leão Ângela Delfina B. Garrido Antonio Carlos Duarte Cardoso Célia Regina Simoneti Barbalho Cláudio Chaves Clemencio Cezar Campos Cortez Cristina de Melo Rocha Dagmar Keisslich David Lopes Neto Domingos Sávio Nunes de Lima Edson de Oliveira Andrade Edson Sarkis Gonçalves Ermerson Silva Eucides Batista da Silva Eurico Manoel Azevedo Fernando César Façanha Fonseca Fernando Luiz Westphal Gerson Suguyama Nakajima Ione Rodrigues Brum Ivan da Costa Tramujás Jacob Cohen João Bosco L. Botelho José Correa Lima Netto Julio Mario de Melo e Lima Kathya Augusta Thomé Lopes Lourivaldo Rodrigues de Souza Luís Carlos de Lima Luiz Carlos de Lima Ferreira Luiz Fernando Passos Maria Augusta Bessa Rebelo Maria do Socorro L. Cardoso Maria Fulgência Costa L. Bandeira Maria Lizete Guimarães Dabela Mariano Brasil Terrazas Massanobu Takatani Miharu Magnória Matsuura Matos Neila Falcone Bonfim Nelson Abrahim Fraiji Nikeila Chacon de O. Conde Osvaldo Antônio Palhares Ricardo Torres Santana Rosana Cristina Pereira Parente Rosane Dias da Rosa Rubem Alves da Silva Júnior Wilson Bulbol Zânia Regina Ferreira Pereira revistahugv Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas The Journal of Getulio Vargas University Hospital v.10. n. 1-2 jan./jul. – 2011 MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA UNIVERSIDADE FEDERAL DO AMAZONAS HOSPITAL UNIVERSITÁRIO GETÚLIO VARGAS 2009 Universidade Federal do Amazonas/HUGV Copyright© 2011 REITORAda DAUfam UFAM Reitora Prof.ª Dra. Prof.ª Dra. Márcia Márcia Perales Perales Mendes Mendes Silva Silva Diretor do universitário getúlio vargas DIRETOR DOhospital HOSPITAL UNIVERSITÁRIO GETÚLIO VARGAS Prof. Dr. Lourivaldo Rodrigues de Souza Prof. Dr. Lourivaldo Rodrigues de Souza editor chefe PRODUÇÃO GRÁFICA-EDITORIAL Prof.Dr. Fernando Luiz Westphal Wagner Alencar Produção gráfica-editorial ORGANIZAÇÃO Wagner Alencar Thaís Borges Viana Organização Thaís BorgesDA Viana DIRETORA EDUA Prof.ª Dra. Iraildes Caldas Torres diretora da edua Prof.ª Dra. Iraildes Caldas Torres DIRETORA DA REVISTA Profª Dayse Enne Botelho Diretora da Revista Prof.ª Dayse Enne Botelho REVISÃO (LÍNGUA PORTUGUESA) Sergio Luizlingua Pereiraportuguesa Revisão Sérgio Luiz Pereira CAPA Capa de Ergodesign Serviço Serviço de Ergodesign TIRAGEM 300 EXEMPLARES tiragem 300 exemplares FICHA CATALOGRÁFICA Ficha catalográfica Ycaro Verçosa dos Santos – CRB-11 287 Ycaro Verçosa dos Santos – CRB-11 287 CDU 61(051) R454 Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas. Revista do Hospital Getúlio Vargas. V. 10, 1 (2011) 9, n.n.1-2 (2010)//Manaus: Manaus:Editora Editorada daUniversidade Universidade Federal do Amazonas, 2011 2010 94 91 p. Semestral Título da revista em português inglês ISSN – 1677-9169 1. Medicina-Periódico I. Hospital Universitário Getúlio Vargas II. Universidade Federal do Amazonas. CDU 61(051) Sumário Editorial Fernando Luiz Westphal 11 Artigos Originais 1. Resgate de Autonomia de Pessoa com Deficiência Física por meio do acesso à informática possibilitada pela utilização de um mouse ocular Kathya Agusta Thomé Lopes, Maria Denilza da Silva Cardoso, Rosângela Martins Gama, Suzy Silva Pinto, Rogério Caetano 13 2. Perfis Sociocomportamentais dos Usuários do Centro de Testagem e Aconselhamento - CTA em DST/Aids do Hospital Universitário Getúlio Vargas da cidade de Manaus/AM Miharu Maguinoria Matsuura Matos, Angélica Karla Jansen Fernandes, Cacilda Satomi Yano Mallmann, Moézio Pereira Menezes, Everton de Lima Matos 25 3. Análise dos Achados Videolaringoscópicos de Pacientes com História de Disfonia Renata Farias de Santana, Márcia dos Santos da Silva, Karine Freitas de Sousa, Renato Telles de Souza, Giselle Lima Afonso, Jenifer Morais de Melo, Camila Mendes da Silva, Donn-Thell Frewyd Sawntzy Junior 35 4. Estudo Comparativo dos Fatores Hematológicos Prognósticos da Pneumonia Necrosante na Cidade de Manaus Fernando Luiz Westphal, Luciana Carreta Wezka, Luis Carlos de Lima, José Correa Lima Netto, Márcia dos Santos da Silva, Alessandra Bastos Alves 43 5. Investigação Otorrinolaringológica em Pacientes Portadores de Hanseníase Renata Farias de Santana, Fernanda Borowsky da Rosa, Márcia dos Santos da Silva, Renato Telles de Souza, Luiz Carlos Nadaf de Lima, Marcos Antônio Fernandes 53 Relato de caso 6. Metástases Cutâneas como Primeira Manifestação de Neoplasia de Pâncreas: Relato de Caso Lubyanka F. Pereira, Vanessa M. Cardoso, Priscila Lago, Marilu Gomes, Simone de A. Damasceno, Cristina Melo 61 7. Cardiomiopatia Arritmogênica do Ventrículo Direito e Angiotomografia Cardíaca: Relato de Caso Frederico Gustavo Cordeiro Santos, Marlúcia do Nascimento Nobre, Danielle Abreu da Costa, Anne Elizabeth Andrade Sadala Marques, Abraão Ferreira Nobre, Gustavo Cavalcante Maio de Aguiar, Jaime Arnez Maldonado 65 8. Ictiose Congênita: Relato de Caso Lorena Siqueira Cordeiro, Francisco Rafael dos Santos Júnior, Alexandre Lopes Miralha, Vera Lúcia Coutinho Batista 9. Insulficiência Mitral por Ruptura de Cordoalhas Tendíneas: Relato de Caso e Revisão de Literatura José Ricardo Ferreira, Brena Ferreira, Ziza Sakamoto, Yanna Pontes Prado, Marlúcia Nobre 10. Displasia Tanafórica: Relato de Caso Luciana G. Siqueira, Michelle A. Hatcher 11. Tumor Maligno de bainha no Nervo Periférico com a Apresentação Clínica na Nasofaringe e Cavidade Oral de uma Criança: Relato de Caso Thaís Ditolvo Alves Costa, Jeanne Lee Oliveira Coutinho, Jeanna Coutinho, Lucas Gabriel Inácio Salina 12. Lesão Renal Aguda com Manifestação Inicial de Linfoma Não Hodgkin Sueli Oliveira Nascimento, Priscila Rosal Honorato 71 77 81 85 91 Editorial RHUGV A importância da produção científica A Academia na área médica em nosso meio vem sofrendo nas últimas décadas uma sucessão de perdas, que culminou em um desânimo observado nas principais Universidades do Estado do Amazonas. Dentre os principais fatores implicados neste sentimento de desventura na Academia estão os aspectos hierárquicos, a constante e crescente preocupação do Poder Judiciário com a Carreira do Magistério Superior e ao aspecto salarial. Em relação a hierarquia, houve um movimento corporativo na classe médica, protagonizado inicialmente pelos anestesiologistas, e a seguir com as outras especialidades – clínicos, cirurgiões, ortopedistas entre outras, no qual houve um real aumento nos valores percebidos pelos colegas cooperados. Assim, houve um crescente desinteresse da valorização da carreira do magistério superior, visto que recém-formados passaram a receber muito mais que o salário dos professores. Portanto, no modelo capitalista não há hierarquia sem que haja alguma diferença também nos proventos mensais e na valoração patrimonial da nossa sociedade. Quanto ao Poder Judiciário, representados aqui pelos Ministérios Público Federal ou Estadual, está em constante investigação, com características persecutórias, dos horários dos profissionais de saúde, na situação de acúmulo de cargos levando ao distanciamento ou desligamento de profissionais e professores excelentes da academia. Estamos localizados fora dos grandes centros formadores de pós-graduação, dos centros de pesquisas do país, com carência para a contratação de profissionais capacitados para o magistério, leia-se profissionais com mestrado e doutorado. O maior exemplo da aplicação da lei sem a análise da conseqüência à graduação, pode-se observar em algumas disciplinas da Escola Superior de Saúde da Universidade Estadual do Amazonas, nos quais os professores com pós-graduação, com mais de 07 anos de trabalho, na Instituição foram obrigados a sair da Instituição, em virtude do acúmulo de cargos. O problema foi criado, os alunos permaneceram sem aulas, ou com professores sem especialidade na área ministrada, sem solução até o momento, e sem perspectivas para a resolução do impasse. Torcemos arduamente para que numa das fatalidades da vida, durante, por exemplo, um acidente automobilístico, não sejamos atendidos por um destes alunos que não tiveram aulas importantes durante a formação. Da mesma forma, esperamos que os colegas do Judiciário, que aplicaram a lei sem se importar com a conseqüência do ato, tenham a sorte de não serem assistidos por estes alunos. Quanto ao terceiro fator implicado neste tripé de intempéries, encontra-se o fator salarial, com salários defasados e aviltantes a que a carreira do Magistério Superior foi submetida no passar do tempo. Não raras vezes, os concursos abrem e não há inscritos para a vaga disponibilizada e, com certeza, a principal causa deste desinteresse é a questão salarial. O edital para Concurso de Magistério Superior para professor adjunto (nível doutorado), 20 horas semanais discrimina como salário base R$ 747,97, valor em julho do corrente ano, muito menor que muitas outras categorias profissionais que não tem, muitas vezes, necessidade de Nível Superior. E o título deste editorial deveria falar em produção científica, na contextualização das pesquisas desenvolvidas nas nossas Universidades, na capacitação dos Professores para 11 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.10. n. 1-2 jan./jul. – 2011 ascenderem como orientadores de pós-graduação, mas como poderemos pesquisar, estudar e produzir cientificamente, enquanto estamos preocupados com os nossos compromissos financeiros ou na labuta capitalista de mantermos nosso padrão de vida. As mudanças são necessárias, o interesse pela vida acadêmica deve ser estimulado e os nossos colegas do Judiciário devem aplicar a lei sim, mas devem pesquisar ou ter noção das conseqüências dos seus atos. E a Academia deve continuar na busca constante da pesquisa, extensão e formação, mas com condições para tal. Prof. Dr. Fernando Luiz Westphal Diretor de Ensino, Pesquisa e Extensão do HUGV 12 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.10. n. 1-2 jan./jul. – 2011 RESGATE DA AUTONOMIA DE PESSOA COM DEFICIÊNCIA FÍSICA POR MEIO DO ACESSO À INFORMÁTICA POSSIBILITADA PELA UTILIZAÇÃO DE UM MOUSE OCULAR 1 Kathya Augusta Thomé Lopes**, Maria Denilza da SIlva*, Rosângela Martins Gama**, Kathya Augusta Thomé Lopes*, Maria Denilza Da Silva Cardoso**, MartinsCaetano*** Gama***, Susy SilvaRosângela Pinto**, Rogério Suzy Silva Pinto****, Rogério Caetano***** **Pedagoga Pedagoga ** Pedagoga **Professora de Educação Física *** Professora de Educação Física, ***Engenheiro da Fundação Desembargador Paulo Feitosa **** Professora de Educação Física, ***** Engenheiro da Fundação Desembargador Paulo Feitosa RESUMO O presente estudo teve como objetivo desvelar o resgate da autonomia de sujeitos com deficiência física – com impossibilidade de movimento de membros superiores – possibilitada pelo acesso à informática por meio da utilização do mouse ocular. Método: Pesquisa com abordagem qualitativa, aplicação de entrevistas e realização de diários de campo; a análise dos dados foi adaptada à Análise de Conteúdo. Resultados: Foram identificados sete indicadores: Aprendendo a usar o computador; Utilidade do uso do computador; Uma grande descoberta; Percepção de novas potencialidades; Novas relações sociais; Percepção da utilização do mouse para a vida; Perspectiva para o trabalho. Considerações Finais: A pesquisa sinalizou que a prática realizada com o mouse ocular proporcionou aos sujeitos a descoberta de uma possibilidade em realizar essa adaptação e consequentemente poder resgatar sua autonomia. Palavras-chave: Autonomia; Deficiência Física; Informática. ABSTRACT The present study it had as objective to uncover the rescue of the autonomy of people with physical impairment – with impossibility of movement of superior members – made possible by the access computer science through the use of mouse ocular. Method: Research with qualitative boarding, application of interviews and accomplishment of daily of field, the analysis of the data was adapted to the Analysis of Content. Results: seven pointers had been identified Learning to use the computer. Utility of the use of the computer, a great discovery, Perception of new potentialities, New social relations, Perception of the use of mouse for the life, Perspective for the work. Conclusion : research in signaled them that the practical one carried through with mouse ocular provided to the citizens of the research the discovery of a possibility in carrying through this adaptation and consequently to be able to rescue its autonomy Keywords: Autonomy; Physical Disability; Computer Science. 13 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.10. n. 1-2 jan./jul. – 2011 RESGATE DA AUTONOMIA DE PESSOA COM DEFICIÊNCIA FÍSICA POR MEIO DO ACESSO À INFORMÁTICA POSSIBILITADA PELA UTILIZAÇÃO DE UM MOUSE OCULAR Introdução ocular oferece, destacamos a possibilidade de seus usuários passarem a acessar a internet com a possibilidade de comunicação de todos os recursos disponíveis: enviar e receber e-mail, navegar no ciberespaço para distração e aprendizagem. 1 A proposta de criação dessa tecnologia passa em princípio pelo objetivo humanista no sentido de reverter a situação de uma vida de imobilidade por uma perspectiva de uma nova percepção a partir do desenvolvimento intelectual estimulado pela disponibilidade de acesso à informática, que se encontra na sua maioria acessível pela internet. Essa tecnologia foi denominada de Mouse Ocular. 2 O mouse ocular é motivado pelo grande beneficio social trazido para os deficientes que possuem paralisia nos membros inferiores e superiores. Por meio dele, essas pessoas possuem uma interface comum com o computador, podendo realizar qualquer operação apenas com os olhos, seja: comunicando-se, expressando suas opiniões e vontades, informando-se pela internet e até mesmo desenvolvendo alguma atividade profissional, isto é, interagindo com a sociedade. 1 Partindo do pressuposto de que mesmo com uma lesão medular alta, caracterizada por uma tetraplegia – ausência de movimentos nos quatro membros, uma pessoa é capaz ainda de desenvolver muitas ações, sendo necessária apenas a criação de oportunidades adequadas para que as potencialidades remanescentes dessa pessoa possam ser conhecidas por ela. Para uma pessoa com lesão medular completa ao nível cervical, com comprometimento dos membros superiores na sua totalidade, parece impossível vislumbrar qualquer possibilidade de independência e autonomia para ela. No entanto, por meio da utilização de uma musculatura que está preservada – a musculatura do globo ocular, é provável que essa pessoa possa conseguir algum grau de autonomia com a utilização das extensas ferramentas que a informática pode lhe proporcionar, como, por exemplo, a internet. Este trabalho utilizou a tecnologia que integra os conhecimentos da fisiologia da movimentação do globo ocular e caracteriza tais movimentos pelos seus sinais elétricos biológicos por meio de transdutores apropriados, onde esses sinais são acondicionados (amplificados e filtrados), para que possam ser codificados digitalmente e processados no reconhecimento de seus padrões de movimentação por intermédio de um computador de uso específico. Em seguida, a codificação do movimento do globo ocular é enviada por uma interface de comunicação serial para um computador pessoal do padrão PC. 1 No computador PC são traduzidos os movimentos e o piscar dos olhos em movimentos e clique do cursor do mouse, respectivamente, de tal forma que pode ser utilizado praticamente em qualquer atividade em que se utiliza o mouse tradicional. Entre as oportunidades tecnológicas que o mouse Aspectos Relacionados à Lesão Medular e Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA) A lesão medular provoca alterações profundas na vida de uma pessoa, pode levar à paralisia de partes da musculatura voluntária, reduzir a mobilidade tanto quanto as habilidades profissionais, e principalmente comprometer um aspecto muito importante para a vida de uma pessoa – a independência.2 As sequelas psicológicas da lesão medular são igualmente importantes. A pessoa tem de enfrentar/conviver com as mudanças corporais, mobilidade diminuída e dependência funcional, que, de certa forma, constituem aparentemente perdas avassaladoras, e na maioria das vezes não 14 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.10. n. 1-2 jan./jul. – 2011 Lopes et al estão preparadas para isso. A lesão medular torna pessoas “normais” em “deficientes”, vulneráveis à discriminação social e a uma variedade de barreiras ambientais, passam a ser sujeitos dos preconceitos da sociedade com relação à pessoa com deficiência. Arriscamos afirmar que uma lesão medular pode ser um dos traumatismos mais sérios a que uma pessoa pode sobreviver. Uma pessoa, frequentemente ativa, num determinado momento pode andar, correr, nadar, jogar futebol, dirigir, e num outro momento é incapaz de mover seus braços e suas pernas. Após alguns dias ou semanas encontra-se paralisada, com incontinência, imóvel, dependente e isolada. 2 A pessoa com lesão medular é proporcionado menos estima e menos status. São frequentemente vistos como dependentes, por conta da desvalorização e o estereótipo relacionados à deficiência. As pessoas tendem a evitar contato, ou seja, isolar-se. 3 Apesar da magnitude e da extensão do problema que a lesão pode causar, muitos lesados são capazes de ajustar-se a essa nova condição. Para algumas pessoas, uma lesão definitivamente resulta em crescimento psicológico. Outras não se recuperam psicologicamente da perda. O resultado depende particularmente do indivíduo e do suporte psicológico que ele recebe. Ao superar a fase de choque, o indivíduo deve ser capacitado, estimulado a reativar-se, autossuperar-se e a reassumir suas funções. Para que a pessoa com uma lesão medular possa adquirir uma independência funcional 2 é necessário que ela adquira o conhecimento da funcionalidade do seu corpo após a lesão. Outras habilidades envolvidas na independência funcional incluem habilidades em resolver problemas e de sociabilização. Um terceiro, mas não menos importante aspecto para obter autonomia, é ter uma atitude de independência. O desenvolvimento de uma perspectiva de independência, no entanto, é mais problemático. Uma variedade de fatores pode causar uma resistência inicial ou uma inabilidade para participar ativamente no processo de reabilitação. Muitas pessoas com lesão medular aprendem a ser dependentes. Muitas se sentem incapazes de tomar conta de si por conta dos seus conhecimentos preconceituosos sobre pessoas com deficiência. Outras podem simplesmente sentir-se oprimidas. Outros podem ser passivos e dependentes da sua deficiência. A conquista da autonomia e da independência é uma característica da cidadania; tal ação possui relação direta com o bem-estar do indivíduo e o meio em que ele está inserido. Muitas vezes o deficiente é visto pela sociedade pela sua deficiência e não pelas suas potencialidades, pois não tem oportunidade de mostrá-las, haja vista as dificuldades em interagir fisicamente com as outras pessoas. Os deficientes vêm buscando desmistificar a imagem social que constantemente lhes é imposta. A eliminação de barreiras sociais pode contribuir para que sejam equiparadas as oportunidades possibilitando sua autonomia e independência. 4 Inúmeros fatores contribuem para o aumento dos casos de lesão medular. As pessoas afetadas por essa deficiência tornam-se incapazes de cuidar de si próprias, na maioria das vezes têm perda parcial ou total dos movimentos e da sensibilidade, o que afeta a sua autoestima e o estilo de vida. A pessoa acometida da lesão medular necessita de meios para reabilitar-se à sua nova condição de vida, de forma a melhorar a qualidade de vida e de inclusão na sociedade. 5 Os problemas enfrentados pelos deficientes, em especial os de lesão medular, que perdem parte ou totalmente os movimentos, causam a sensação de incapacidade, pois ficam impossibilitados de realizar as ações consideradas normais. O deficiente passa a depender de outras pessoas 15 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.10. n. 1-2 jan./jul. – 2011 RESGATE DA AUTONOMIA DE PESSOA COM DEFICIÊNCIA FÍSICA POR MEIO DO ACESSO À INFORMÁTICA POSSIBILITADA PELA UTILIZAÇÃO DE UM MOUSE OCULAR para realizar atividades antes consideradas insignificantes. Para tanto, faz-se necessário adotar métodos que possibilitem aos deficientes meios de integração à sociedade. A pessoa com lesão medular traumática, além de todas as alterações que comprometem a mobilidade e a independência física, passa a conviver com a sensação de morte em vida, a perda que vai acompanhar por toda a existência. Além de todos os problemas físicos, o deficiente passa por conflitos resultantes dos sintomas de distanciamento, rejeição, autodegradação, danos à autoestima. 6 A esclerose lateral amiotrófica (ELA) é uma doença crônica degenerativa que se caracterizada pela perda gradativa dos movimentos.7 Atinge os neurônios motores do córtex, o tronco cerebral e principalmente a medula espinhal. No Brasil, assim como em outros países, essa síndrome conhecida também como doença de Charcot vem sendo estudada a fim de definir as causas ainda desconhecidas. A doença evolui de forma lenta e gradativa atingindo certas regiões do sistema nervoso, a perda progressiva dos movimentos atinge principalmente o funcionamento físico, entretanto não atinge a sua capacidade intelectual, o que possibilita o desenvolvimento de algumas atividades adaptadas. Autonomia Definir autonomia torna-se uma discussão bastante abrangente, pois interliga questões física, psicológica e social. A palavra autonomia denota a capacidade que todo indivíduo possui de agir, pensar e decidir por si próprio as complexidades da vida. A qualidade ou estado de autogovernarse remete ao sujeito a possibilidade de atuação nas diversas áreas da sociedade desempenhando assim atividade com total eficácia. 16 O conceito de autonomia aborda o tema de liberdade e independência. A autonomia significa a liberdade que todo ser humano necessita para agir, refletir e tomar decisões por si mesmo. Referem-se também às regras e modos de realizar os desejos e necessidades, que estão relacionados a toda ação própria do indivíduo, sua posição diante dos conflitos e necessidades existentes. 8 A concepção de uma pessoa com deficiência física é a de um sujeito destituído de sua competência, tendo então o seu desempenho comprometido. Sendo a autonomia a disposição do ser humano de decidir e agir livremente, indivíduo que não possui essa condição de autogovernarse, a pessoa com deficiência passa então a conviver com problemas relacionados com as suas necessidades básicas, resultando então na dependência caracterizada pela perda da autonomia. Considerando algumas definições de característica da autonomia nos diversos níveis da vida de uma pessoa, o ser humano nasce livre, sem determinação, podendo assim definir o seu modo de vida, uma vez que possui a capacidade de governar por si próprio, de autorrealizar-se respondendo assim pelas suas ações e transformações. 9 Levando-se em consideração o ciclo natural da vida, todo ser humano nasce predestinado a exercer suas funções no processo de desenvolvimento físico e mental. Essa definição nos remete à capacidade que cada indivíduo possui de organizar-se, administrar e dirigir sua vida, enfrentar conflitos, tendo então o seu direito de ir e vir respeitado dentro das suas responsabilidades. Para que haja a cidadania faz-se necessário a liberdade, a autonomia e a responsabilidade, fatores que, segundo o autor, possibilitam ao indivíduo ter participação ativa na sociedade. 9 O grau de autonomia de uma pessoa é determinado pelas condições que possui de exercer atividades práticas num contexto social. revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.10. n. 1-2 jan./jul. – 2011 Lopes et al O ser humano só é realmente considerado cidadão ao exercer com autonomia seus direitos e deveres, de forma que a independência compreende os valores sociais e culturais necessários para adquirir posição na sociedade. A autonomia física é adquirida conforme o desenvolvimento da pessoa, que recebe a influência do meio para a construção de seus modos, hábitos e pensamento, sua maneira de viver e quando o sujeito passa a integrar e conviver com os conflitos existentes da vida.9 Os problemas relacionados à autonomia física são os que mais afetam o indivíduo, pois implicam no modo de vida, nas limitações que impedem a ele de participar do processo social por conta da falta de condições físicas. Assim, caberia nesse contexto a criação de novas medidas que possibilitem ao indivíduo adquirir poder ou controle de si próprio; pode representar uma nova perspectiva, um sentido para a vida do deficiente. Além disso, a concepção de autonomia está ligada a uma independência que o sujeito pode perder ou recuperá-la, de forma que, se recuperar, pode então retomar o controle de sua vida. A autonomia intelectual é uma das mais complexas, pois acarreta vários fatores caracterizados pela independência física e de pensamento. O ser humano possui a capacidade intelectual de compreender, discutir e tomar decisões. Essa autonomia intelectual possibilita relacionar-se com o mundo. 9 O indivíduo é considerado independente dentro de sua autonomia, pois é por meio dela que se concretizam seus objetivos e desejos. A perspectiva da vida de uma pessoa está voltada para a eficácia relacionada ao seu desempenho, de forma que se ela perde sua independência física e tenha de adequar-se a novos padrões de vida, ela tende a passar por diversos conflitos psicológicos até reunir forças para buscar um novo sentido para sua vida, visando assim melhorar suas condições. O sujeito faz uso de sua autonomia quando participa ativamente dos processos sociais de forma a inferir sobre ele, atuando com ações e responsabilidade, implicando nas transformações da vida, nas questões impostas pela sociedade. 9 O autor afirma que o homem é responsável pela criação e transformação existentes na vida dos seres humanos. Embora existam outros fatores importantes na vida de uma pessoa, a autonomia é fundamental, pois o ser humano encontra-se em constante busca de autonomia, seja pessoal ou profissional, que melhore seu padrão de vida; entretanto, não consegue se enxergar sem a sua autonomia física. Para que a pessoa, que se encontra na condição de deficiente, possa alcançar a autonomia, ela necessita de transformações que impliquem em ações correspondentes ao seu modo de vida. A pessoa com deficiência necessita de um ambiente que proporcione condições favoráveis ao seu estado, de forma que ela possa exercer suas atividades dentro de suas limitações. 10 A importância da autonomia para uma pessoa com deficiência física implica numa perspectiva que exige não só as condições ambientes compatíveis à sua necessidade, mas também diz respeito à valorização do ser humano dentro dos seus valores intelectuais e emocionais. A autonomia da pessoa com deficiência é determinada pelo grau de desempenho que ela desenvolve para realizar suas atividades dentro do seu ambiente com maior ou menor eficácia no seu desempenho. 4 A independência está diretamente relacionada com a autonomia, pois tanto uma como a outra aborda a capacidade de decidir e agir sem depender de outras pessoas. Uma pessoa com deficiência, porém, pode ser independente dentro dos limites que lhes é permitido pela sua condição. A autonomia significa a capacidade de decidir, de agir sobre condições próprias, 17 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.10. n. 1-2 jan./jul. – 2011 RESGATE DA AUTONOMIA DE PESSOA COM DEFICIÊNCIA FÍSICA POR MEIO DO ACESSO À INFORMÁTICA POSSIBILITADA PELA UTILIZAÇÃO DE UM MOUSE OCULAR sendo assim autor de suas ações, sem depender de outros. A palavra autonomia é entendida como sinônimo de liberdade, de ações e de pensamentos, é condição que toda pessoa necessita para utilizar os elementos necessários para desenvolver meios que possibilitem compreender melhor a relação com a sociedade. 10 Assim, a concepção de autonomia resulta no conjunto que envolve a capacidade de atuar com liberdade e independência dentro das regras pessoais e das impostas pelo sistema social. Consiste nos fatores fundamentais que contribuem para o crescimento que cada pessoa necessita para realizar-se atingindo seus desejos. Sendo a proposta desta pesquisa desvelar a percepção do sujeito com deficiência de membros superiores em relação a sua autonomia, viabilizada pela acessibilidade à informática por meio da utilização de um mouse ocular, passamos então a caracterizar o aparelho a ser utilizado nesta investigação. internet, ou seja, realizar atividades que um computador proporciona. Características do mouse: 3 a) O módulo eletrônico (Figura 1) É o aparelho que possibilita o funcionamento do sistema, considerado assim o coração do aparelho. O módulo captura através dos eletrodos os sinais criados pelos movimentos dos olhos, e os converte em sequências de dados que o programa no computador converte em comandos para a execução. Figura 1. b) Cabo de conexão (Figura 2) Conecta o módulo eletrônico ao computador. c) Um cabo para a conexão do modulo eletrônico à tomada (Figura 2) Mouse Ocular Segundo o Manual do Mouse Ocular, 1 ele é um aparelho destinado a pessoas com deficiências físicas, impossibilitadas de usar um mouse ou um teclado de um computador considerado padrão. O aparelho foi projetado para que a pessoa com deficiência física tenha o mesmo desempenho que teria ao utilizar um mouse comum, e assim poder usar o computador como qualquer outra pessoa. A compatibilidade do mouse ocular com a do mouse padrão é alcançada pelo deslocamento vertical e horizontal dos olhos que corresponde ao deslocamento do mouse padrão, as piscadas correspondem ao clique do botão esquerdo. Os movimentos oculares são responsáveis pelo controle do mouse, conforme o modelo convencional, de forma que possibilita ao usuário a autonomia para escrever textos, enviar e-mails, navegar na Figura 2 d) Cabo serial (Figura 3) Faz a conexão do mouse ocular ao usuário. O cabo (serial DB9, conexão machofêmea) possui cinco fios, dois que servem para a conexão dos canais verticais e dois para os horizontais, e um que serve como 18 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.10. n. 1-2 jan./jul. – 2011 Lopes et al referência do sistema. Os cinco fios são conectados ao usuário por meio de eletrodos, descartáveis ou não, adquiridos em qualquer loja de suprimentos hospitalares. o teclado numérico, assim como as letras. Os desenhos e sons facilitam o entendimento (Figura 5). Figura 3 e) Programas O mouse possui os programas de controle do cursor, ao ser ligado pelo auxiliar o usuário assume o controle do computador, podendo por meio dele realizar as atividades. O controle com parada, a locomoção dos olhos promove o movimento e com duas piscadas abre-se o programa desejado. O controle sem parada necessita apenas de uma piscada para abrir o programa. O programa do teclado virtual dá condições para o usuário escrever textos, mandar e-mail, navegar na internet, assim como realizar outras atividades proporcionadas pelo computador padrão (Figura 4). Figura 5 O programa Pinte Fácil proporciona ao usuário o conhecimento das cores, estimula a criatividade na combinação delas e na escolha de desenhos disponíveis no programa (Figura 6). Figura 6 O programa Jogo da Memória, além de divertimento, proporciona ao usuário o raciocínio rápido (Figura 7). Figura 4 O teclado infantil proporciona ao usuário, em especial aos não alfabetizados, o conhecimento visual das letras, dos sons das letras e da figura escolhida para representála. Possui também, junto ao teclado infantil, Figura 7 19 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.10. n. 1-2 jan./jul. – 2011 RESGATE DA AUTONOMIA DE PESSOA COM DEFICIÊNCIA FÍSICA POR MEIO DO ACESSO À INFORMÁTICA POSSIBILITADA PELA UTILIZAÇÃO DE UM MOUSE OCULAR b) Como usar o mouse: O sistema de operação do mouse é comandado pelo usuário após a conexão dos cabos ao computador e a ele. Para que seja feita a execução dos movimentos é necessário que o usuário tenha o conhecimento dos movimentos reconhecidos pelo cursor e pelo dispositivo de entrada. O usuário fará o deslocamento linear, de ida do olhar do ponto de partida a um ponto imaginário seguido de um deslocamento de retorno para o ponto de partida sendo no horizontal, sentido direito ou esquerdo, ou na vertical sentido superior e inferior. Quando o cursor estiver posicionado, o usuário deve piscar com os dois olhos (a piscada deve ser natural), para que o sistema reconheça. Com base nesse conhecimento, estabelecemos a metodologia para a realização da pesquisa. ficha de inscrição no Programa de Atividades Motoras para Deficientes – Proamde, da Universidade Federal do Amazonas, que atendia pessoas com lesão medular no hospital universitário; b) indicação de outros órgãos que atendiam pessoas com deficiência; c) pessoas que conheciam outras com os critérios para a pesquisa e souberam do projeto com o mouse ocular. A partir da indicação, foram realizadas visitas domiciliares para a identificação dos dados físicos e pessoais do sujeito, e constatação de que possuíam os critérios para a pesquisa – impossibilidade de utilização do teclado e/ou mouse tradicional. Foram elegíveis onze pessoas com deficiência física, sendo oito tetraplégicos, uma com paralisia cerebral, uma com Síndrome de Charcot, e uma com amputação congênita de membros superiores. No entanto, para a análise dos dados, foram considerados apenas cinco participantes que finalizaram a pesquisa. Metodologia 3) Instrumentos de coleta de dados Os instrumentos utilizados foram: Entrevistas semiestruturadas no início e término do período de utilização do mouse (condição de vida em situações cotidianas, independência, anseios, expectativas, relacionamentos, expectativas para a vida); Diário de campo durante as atividades para o registro das observações. 1. Etapas Para alcançar o objetivo desta pesquisa – desvelar a percepção do sujeito com deficiência de membros superiores em relação a sua autonomia, viabilizada pela acessibilidade à informática por meio da utilização de um mouse ocular – foram realizadas as seguintes etapas: 1) Delineamento Trata-se de uma pesquisa cuja metodologia utilizada foi a qualitativa, em que os dados coletados foram analisados com base na técnica da análise de conteúdo. 4) Recursos materiais Foram utilizados na pesquisa: 1 Um computador; 1 aparelho do mouse ocular (o modulo eletrônico, o cabo serial para a conexão do computador, o cabo do usuário de cinco fios para a conexão do usuário ao módulo, um cabo de potência para a conexão do módulo a uma tomada). Eletrodos descartáveis para a conexão dos cinco fios ao usuário do mouse. Álcool, gel e algodão para fazer a 2) Seleção dos sujeitos Os sujeitos elegíveis para a pesquisa – com ausência de movimentos nos membros superiores, e com condições visuais adequadas ao sistema. Os sujeitos foram identificados por: a) 20 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.10. n. 1-2 jan./jul. – 2011 Lopes et al limpeza do local de conexão dos eletrodos no rosto. 5) Coleta dos dados A pesquisa foi desenvolvida no período de agosto de 2006 a outubro de 2007. Com cinco sessões semanais de uma hora de duração, sendo possibilitados intervalos quando necessários, totalizando 62 sessões. Houve algumas ausências de atividades por problemas de saúde dos sujeitos e problemas técnicos do mouse ou do transporte. Os participantes foram atendidos em uma sala da Faculdade de Educação Física na Universidade Federal do Amazonas. Foram realizadas as entrevistas e os diários de campo. Foram utilizados os programas propostos pelo mouse ocular, como o teclado infantil, que proporciona o conhecimento das letras, dos sons e das figuras; o teclado da pintura proporciona o conhecimento das cores; o jogo da memória, e o teclado padrão que é peçachave para a realização de outras atividades. Cada aluno recebia atendimento individual. Durante uma hora o aluno, após ser conectado ao computador pelo mouse, realizava as atividades propostas. As atividades iniciavam com a demonstração do funcionamento do aparelho, era explicada a necessidade de alguém para auxiliar na conexão dos eletrodos e ligar o computador. Na maioria das vezes o aluno escolhia o programa para a sua atividade, pela sua escolha traçava-se a tarefa. O teclado infantil era o primeiro programa a ser utilizado para o aprendizado dos movimentos dos olhos para o funcionamento preciso do aparelho, nas aulas seguintes eram realizadas atividades diversificadas: jogo de memória, escrita, navegação na internet, partindo inclusive das sugestões do aluno. No diário de campo eram anotadas todas as manifestações do aluno com relação à atividade e o mouse, anotações pertinentes referentes às perspectivas causadas pelo novo programa. Trata-se de uma pesquisa cuja metodologia utilizada foi qualitativa, em que os dados coletados foram analisados com base na técnica da análise de conteúdo. Resultados A proposta deste trabalho, como dito anteriormente, teve como objetivo desvelar a percepção do sujeito com deficiência de membros superiores em relação a sua autonomia, viabilizada pela acessibilidade à informática por meio da utilização de um mouse ocular. Para isso, optamos em utilizar como estratégia a análise de conteúdo das entrevistas e das observações, cujas etapas partiram desde a transcrição das entrevistas, leitura dos diários, passando por uma leitura exaustiva desses dados e identificação dos sete indicadores temáticos dos aspectos que julgamos significativos. A análise dos dados nos apontou para um espectro que inicia no aprendizado do uso do computador até a perspectiva para o trabalho. O indicador denominado Aprendendo a usar o computador apontou que os participantes, com exceção de um, não conheciam o uso do computador e que ao aprender como manuseá-lo vislumbraram com a aquisição dessa habilidade. Temos isso exemplificado em alguns trechos. Aprendi a usar o computador que antes eu não sabia / Vim aprender aqui / É uma coisa muito importante estar aprendendo / Não entendia nada, comecei do básico por isso mudou a minha vida para melhor / Contribuiu para o conhecimento e manuseio do computador. Por conseguinte, o segundo indicador Utilidade do uso do computador mostrou as dimensões emocionais positivas como resultados das possibilidades de ações objetivas e subjetivas que poderiam ser exercidas pelos usuários, exemplificadas nos 21 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.10. n. 1-2 jan./jul. – 2011 RESGATE DA AUTONOMIA DE PESSOA COM DEFICIÊNCIA FÍSICA POR MEIO DO ACESSO À INFORMÁTICA POSSIBILITADA PELA UTILIZAÇÃO DE UM MOUSE OCULAR conteúdos abaixo listados. Consigo fazer meus trabalhos / Pesquisar na internet/ Saber o que está acontecendo no mundo / Viajar através do computador / Conheço cada lugar lindo / Escrevo mensagens / Acesso as coisas que antes eu não podia e hoje eu posso / Autonomia de várias formas, passar e-mail / A prática fez com que eu aprendesse muitas coisas / Fazer pesquisa foi uma das coisas mais importante para mim. A ausência de movimentos leva, na maioria das vezes, a uma percepção inicial de incapacidade de realizar qualquer tipo de ação. Ao deparar-se com um instrumento que pode contradizer essa percepção, ou seja, poder manusear de forma efetiva um computador, o que para alguns é um grande desafio, levou os participantes da pesquisa a ver o mouse ocular como Uma grande descoberta, sendo estabelecido assim como o terceiro indicador. Os conteúdos abaixo confirmam isso. Grande descoberta / Principalmente se tiver acesso a um / É uma esperança para quem não tem movimentos como eu / Antes eu só lia / Ter acesso a uma coisa que antes eu só olhava. O quarto indicador apresentado, Percepção de novas potencialidades, nos conduz para o indício de que, a partir da aquisição de uma habilidade, ou de um novo conhecimento em áreas desconhecidas, evoca desejos e o sentimento de ampliar horizontes anteriormente adormecidos e quiçá abandonados, isso de certa maneira sugere para o início de uma reconquista da autonomia, o que podemos confirmar por meio de Mantoan (apud SILVA, 4 2004), ao afirmar que a autonomia de uma pessoa com deficiência pode ser estabelecida pelo grau de desempenho que ela desenvolve para realizar suas atividades dentro de seu ambiente com maior ou menor eficácia no seu desempenho. As atividades consideradas simples, 22 como digitar as letras em ordem alfabéticas, que para muitos são consideradas atividades para se realizar em segundos, para alguns levavam dias, mas os deixava felizes, pois só o fato de escrever alguma coisa já era uma grande vitória; a maioria considerava não só escrever, como outras atividades, algo que nunca mais fariam novamente. Podemos conferir isso a partir dos conteúdos apresentados abaixo. Nunca pensei em escrever algum texto, hoje consigo fazer / Puxa, hoje eu escrevi uma frase que eu pensei que nunca pudesse escrever / Achava bonito as pessoas teclarem e eu não podia / Hoje, posso dizer que posso fazer tudo o que eles podem fazer também / Escrever no computador era mais difícil / Posso escrever o que eu imaginei que jamais faria novamente / Aprendi a passar e-mail / Oportunidade de conhecer o sistema de computação / Antes eu não fazia nada, só estudava, tudo se tornou muito melhor / Sei que tenho condições de fazer muitas coisas / Voltei a estudar. A deficiência grave – causando ausência de movimentos importantes, principalmente as adquiridas, em alguns casos, para não dizer na maioria das vezes provoca um distanciamento entre a pessoa das suas relações em sociedade e às vezes do próprio relacionamento familiar. O quinto indicador, nomeado de Novas relações sociais, apontounos para uma busca em recuperar e conquistar as interações sociais, porventura perdidas ou oportunizadas, caminhando assim para uma reconquista de sua autonomia. Isso ocorre na medida em que o sujeito participa ativamente dos processos sociais de forma a inferir sobre ele, atuando com ações e responsabilidade, implicando nas transformações da vida, nas questões impostas pela sociedade. 9 O autor afirma que o homem é responsável pela criação e transformação existentes na vida dos seres humanos. Exemplificamos alguns desses conteúdos. Mando e-mail, coisa que não fazia / revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.10. n. 1-2 jan./jul. – 2011 Lopes et al Melhorou meu relacionamento em casa, com os amigos / Converso mais com pessoas, falo sobre o que faço / Novos relacionamentos / Aumentou meu grupo de amigos / Me comunicar com pessoas que não vejo frequentemente / Estou mais alegre / Bater papo na internet com pessoas que eu não conheço. Com sexto indicador chegamos à Percepção da utilização do mouse para a vida. É possível inferir no progresso de cada um, e como eram motivados pelas conquistas a praticarem mais, o que antes parecia distante e até o impossível estava se tornando real. A utilização do mouse transcendeu a informática pura e simples, a percepção de como essa atividade poderia ser estendida para outras dimensões da vida e principalmente indicando para resgatar sua autonomia apontou para uma nova perspectiva de vida. O mouse só tem trazido coisas boas / Melhorou muita a minha vida, em todos os sentidos / As contribuições são totalmente positivas / Só o fato de poder fazer sozinha sem depender dos outros é maravilhoso / Antes eu nem imaginava que pudesse fazer algo assim sozinha, para mim é tudo de bom / Abriu uma janela para o mundo, / Foram muitos os benefícios / Mudei tudo, me senti mais viva e com certeza só melhorou, entro nos sites das lojas, faço pesquisa de preços, leio e escrevo e-mail para as lojas / Posso fazer tudo, basta que alguém coloque os eletrodos e o resto eu faço. E como último indicador, no entanto não menos importante, a Perspectiva para o trabalho, mostrou-nos que houve uma alteração importante e significativa na percepção dos participantes em relação às suas vidas, perspectiva de uma alteração no seu estado de completa dependência para um nível de independência parcial, até porque a ausência de movimentos continua sendo uma realidade. Passam a ver como possível uma forma de adquirir alguma renda a partir 23 de suas ações, e isso pode indicar para atingir sua autonomia, que é a capacidade de decisão, de ser autor de suas ações, sem depender de outros, sendo ainda sinônimo de liberdade, de ações e de pensamentos. 10 Essas percepções podem ser exemplificadas abaixo: Consigo fazer minhas vendas por e-mail / Posso ter um meio de ganho para sobreviver / Me imagino fazendo digitação de textos / Vejo chance de conseguir um emprego / Vai ser útil para a profissão e para os estudos que pretendo fazer. / Renovou as expectativas de conseguir um emprego / Voltar a estudar para ter uma vida melhor / Muitas coisas que podem ser útil em uma carreira profissional / Tenho vontade de eu mesmo trabalhar / Será muito útil em uma carreira profissional / Posso realizar algum tipo de trabalho dentro de uma empresa. Considerações Finais A aquisição de uma deficiência definitivamente não se configura como um acontecimento totalmente negativo na vida de uma pessoa. No entanto, a pessoa que adquire uma deficiência pode considerar, em alguns casos, como uma oportunidade ímpar para perceber a vida por meio de outros olhares, anteriormente inadmissíveis. Arriscamos afirmar que um dos maiores entraves para a vida de uma pessoa com deficiência é a ausência de perspectiva de uma vida independente. Os sujeitos desta nossa pesquisa, em última instância, são aqueles com um grau de imobilidade avançado, consequentemente com uma possível ausência de perspectiva para usufruir de uma vida com autonomia, ou seja, uma privação para exercer sua liberdade para agir, refletir e tomar decisões por si próprios. Contudo, a oportunidade em conhecer e apropriar-se de uma habilidade motora revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.10. n. 1-2 jan./jul. – 2011 RESGATE DA AUTONOMIA DE PESSOA COM DEFICIÊNCIA FÍSICA POR MEIO DO ACESSO À INFORMÁTICA POSSIBILITADA PELA UTILIZAÇÃO DE UM MOUSE OCULAR associada a uma tecnologia disponível possibilitou a essas pessoas a descoberta de novas possibilidades. O homem é um ser dinâmico com uma grande capacidade de realizar adaptações para melhor relacionar-se com o mundo; dessa forma, o resultado nos sinalizou que a prática realizada com o mouse ocular proporcionou aos sujeitos da pesquisa, pessoas com ausência de movimentos nos membros superiores e inferiores, a descoberta de uma possibilidade em realizar essa adaptação e consequentemente poder resgatar sua autonomia. 2. Sommers, MF. Spinal Cord Injury. California: Appleton & Lance, 1992. 3. Mello, MT. et al. Considerações sobre aspectos psicológicos em indivíduos lesados medulares. In: Freitas, PS. e Cidade, RE. Educação Física e Esportes para Deficientes. Coletânea. Indesp, 2000, 51-77. 4. Silva, RS. Condições de acessibilidade de pessoa com deficiência física na cidade de Manaus [Relatório de Pesquisa – Pibic/CNPq.]. Manaus: Universidade Federal do Amazonas, 2004. 5. VALL, J; Braga, VAB; Almeida, PC. Estudo da qualidade de vida em pessoas com lesão medular traumática. Arq. Neuropsc, 2006; 64(2-B):451-455. 6. Azevedo, GR; Santos, VLCG. Cuidador de deficientes: as representações sociais de familiares acerca do processo de cuidador. Rev. Latino-Am. Enfermagem, 2006; 14(5):770-780. 7. Cassemiro, CR; Arce, CG. Comunicação visual por computador na esclerose lateral amiotrófica. Arq. Bras Oftal., 2004; 67(2):295-300. 8. Gomes, AMT; Oliveira, DC. Estudo da estrutura da representação social da autonomia profissional em enfermagem. Rev. da Esc. Enf. USP, 2005; 39(2):145-53. 9. Rodrigues, N. Educação: da formação humana à construção do sujeito ético. Educ. Soc., 2001; 22 (76):232-257. 10. Mogilka, M. Autonomia e formação humana em situações pedagógicas: um difícil percurso. Rev. Edu. e Pesq., 1999; 25(2):5768. Agradecimentos 1. À Fundação Desembargador Paulo Feitosa, pela disponibilidade de uma bolsa para estudante 2. À professora de Educação Física Rosângela Martins Gama 3. À acadêmica de Educação Física Suzy Silva Pinto 4. Ao engenheiro Rogério Caetano, da Fundação Desembargador Paulo Feitosa 5. A todos os participantes da pesquisa Notas 1. Projeto Financiado pelo CNPq. 2. Criação do prof. Dr. Manuel Cardoso, da Universidade Federal do Amazonas, e aperfeiçoado pela Fundação Desembargador Paulo Feitosa. 3. A fonte das Figuras 1-7 é o Manual do Mouse Ocular da FPF 1 Teses Martinez, TY. Impacto da dispneia e parâmetros funcionais respiratórios em medidas de qualidade de vida relacionada à saúde de pacientes com fibrose pulmonar idiopática [tese]. São Paulo: Universidade Federal de São Paulo, 1998. Referências 1. FPF – Fundação Paulo Feitosa – Guia do Usuário Sobre Mouse Ocular 3.0. Manaus, 2006. 24 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.10. n. 1-2 jan./jul. – 2011 Lopes et al PERFIS SOCIOCOMPORTAMENTAIS DOS USUÁRIOS DO CENTRO DE TESTAGEM E ACONSELHAMENTO – CTA EM DST/AIDS DO HOSPITAL UNIVERSITÁRIO GETÚLIO VARGAS DA CIDADE DE MANAUS-AM Socio-behavioral profile of users of the Center for Counseling and Testing – CTA STD/ AIDS, University Hospital Getúlio Vargas of Manaus city-AM Miharu Maguinoria Matsuura Matos; Angélica Karla Jansen Fernandes; Cacilda Satomi Yano Mallmann; Moézio Pereira Menezes; Everton de Lima Matos Farmacêutico-Bioquímicos, Hospital Universitário Getúlio Vargas, Universidade Federal do Amazonas. RESUMO Objetivo: Descrever o perfil socioeconômico, os padrões de comportamento sexual e evidenciar os possíveis fatores de vulnerabilidade dos indivíduos que procuraram o Centro de Testagem e Aconselhamento – CTA em DST/Aids do Hospital Universitário Getúlio Vargas da cidade de Manaus-AM. Métodos: Análise descritiva dos dados qualitativos e quantitativos. Resultados: Foram analisados 253 formulários de entrevista, respondidos pelas pessoas, da demanda espontânea, do CTA/HUGV no período de agosto de 2002 a junho de 2003. Os resultados demonstram que 160 (63,24%) dos usuários eram do sexo feminino, sendo a faixa etária predominante entre 20 a 39 anos no grupo. A maioria dos indivíduos era casada, com nível de escolaridade variando entre oito e 11 anos de estudo concluídos e aproximadamente 70% dos usuários estão dentro do mercado de trabalho. O principal motivo de procura pelo CTA/HUGV foi a prevenção. Em relação ao comportamento de risco, 3 (1,19%) referiram compartilhamento de agulhas e 11 (4,35%) relações bissexuais. O motivo principal para o não uso de preservativos com parceiro fixo foi a confiança nele, enquanto que com parceiro eventual foi por não gostar de usar. Conclusões: Por meio das ações do Centro de Testagem e Aconselhamento em DST/Aids pode-se monitorar o status sorológico, o perfil dos indivíduos infectados, bem como das características da clientela atendida adaptada à realidade local. Portanto, a identificação do perfil dos usuários desse serviço é importante para que de fato se alcancem os objetivos na prevenção e controle das DST/Aids. Palavras-chave: Testagem; Aconselhamento Sexual; DST, HIV. ABSTRACT Objective: To describe the socioeconomic profile, patterns of sexual behavior and highlight the possible factors of vulnerability of individuals who came to the Center and Counseling Center – CTA STD/Aids, University Hospital Getúlio Vargas of the city of Manaus-AM. Methods: Descriptive analysis of qualitative and quantitative data. Results: We analyzed 253 interview forms, answered by people’s spontaneous demand of CTA/HUGV from August 2002 to June 2003. The results showed that 160 (63.24%) users were female, and the predominant 25 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.10. n. 1-2 jan./jul. – 2011 PERFIS SOCIOCOMPORTAMENTAIS DOS USUÁRIOS DO CENTRO DE TESTAGEM E ACONSELHAMENTO – CTA EM DST/AIDS DO HOSPITAL UNIVERSITÁRIO GETÚLIO VARGAS DA CIDADE DE MANAUS-AM age group was between 20-39 years old group. Most subjects were married, with education levels ranging from 8 to 11 years of schooling completed and approximately 70% of users are in the labor market. The main reason for seeking the CTA/HUGV was prevention. In relation to risk behavior, 3 (1.19%) reported sharing needles and 11 (4.35%) bisexual relationships. The main reason for not using condoms with steady partner was the confidence in it, whereas with a casual partner was not like of using. Conclusions: By means of the shares of the Center for Counseling and Testing in HIV/Aids can monitor the status serological profile of infected individuals, as well as the characteristics of the clientele tailored to local realities. Therefore, the identification of the profile of users of that service is important to actually reach the goals in the prevention and control of STD/Aids. Keywords: Testing; Sex Counseling; STDs; HIV. Introdução de assistência especializada (prevenção secundária), auxiliar as unidades de prénatal na avaliação sorológica das gestantes e levar informações sobre prevenção das DST/ Aids. 4,6 Os usuários do CTA são indivíduos da demanda espontânea, em geral, que procuram o serviço por se considerar sob maior risco de adquirir/transmitir HIV ou acreditar ter vivido uma situação de risco e desejam conhecer o seu status sorológico. Nesse sentido, a identificação e caracterização da demanda do grupo atendido são fundamentais para o alcance dos objetivos planejados. 7,8 Por tudo isso, considerando a necessidade de gerar informações epidemiológicas na população geral, que contribuam para a vigilância do HIV, em nível local, o presente estudo tem como objetivo caracterizar o perfil socioeconômico dos indivíduos que procuram o atendimento do CTA-DST/Aids do HUGV. O Centro de Testagem e Aconselhamento – CTA em DST/Aids do Hospital Universitário Getúlio Vargas – HUGV é um dos mais antigos serviços de testagem na cidade de Manaus, implantado em agosto de 2002 pela Coordenação Nacional de DST e Aids (CN-DST/ Aids). Está localizado em área centro-sul, tem como principal clientela pessoas que moram e/ou trabalham na região, é um dos serviços de maior demanda da rede especializada do município e possui larga experiência no desenvolvimento de atividades de prevenção. No Brasil, os primeiros casos de Aids (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida) foram identificados em 1982. Em face dos riscos, medo e desconhecimento da população quanto às formas de transmissão, o Ministério da Saúde, por meio da Coordenação Nacional de Doenças Sexualmente Transmissíveis e Aids (CN-DST/Aids), lança no final da década de 80 a criação de centros de testagem, então denominados Centros de Orientação e Apoio Sorológico – Coas, como uma das importantes estratégias para o enfrentamento da epidemia no país. 1,5 Esses serviços, atualmente chamados de Centro de Testagem e Aconselhamento – CTA, caracterizam-se pela oferta de teste sorológico para Aids, Sífilis, Hepatites B e C, acompanhada de aconselhamento pré e pós-exame, gerando informações socioeconômicas e comportamentais de interesse para a vigilância epidemiológica dessas doenças. Além disso, assegura acessibilidade e gratuidade, voluntariedade de procura, confidencialidade da origem das informações e dos resultados dos testes.4,6,7 Os objetivos destacados dos CTAs são: favorecer o acesso ao diagnóstico da infecção pelo HIV, contribuindo para a redução dos riscos de transmissão e re-infecção das DST/ HIV, estimular a adoção de práticas sexuais seguras (prevenção primária), encaminhar as pessoas infectadas pelo HIV para os serviços 26 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.10. n. 1-2 jan./jul. – 2011 Matos et al Metodologia civil, situação profissional, escolaridade, tipo de parceiros, motivos da procura pelo CTA/ HUGV e a origem da demanda atendida, além de identificar os motivos mais frequentes que levaram o indivíduo a não usar preservativos, independentemente do tipo de parceiro sexual. Para a análise dos dados foi empregada descrição estatística simples, utilizando o programa do sistema de informação dos Centros de Testagem e Aconselhamento em Aids (SI-CTA), versão 1.2/2002. Trata-se de um estudo observacional e descritivo do perfil dos indivíduos que procuram o atendimento do Centro de Testagem e Aconselhamento em DST/Aids do HUGV por meio de levantamento de dados. As informações foram obtidas pela análise de formulários de entrevista de 253 pessoas, da demanda espontânea do CTA/HUGV, que retornaram para receber o resultado sorológico de HIV, período de agosto de 2002 a junho de 2003. Os formulários analisados foram preenchidos durante a entrevista por um dos aconselhadores do CTA/HUGV, onde foram avaliados a situação socioeconômica e padrões de comportamento sexual de acordo com os critérios estabelecidos pelo MS-CN-DST/Aids, com isso foi possível caracterizar o perfil populacional quanto ao sexo, idade, estado Critério Sexo Estado Civil Escolaridade (anos cursados) Resultados A visão panorâmica do perfil dos usuários do Centro de Testagem e Aconselhamento – CTA em DST/Aids do Hospital Universitário Getúlio Vargas – HUGV está demonstrada na Tabela 1. Total (n=253) Item Feminino 160 63,24 Masculino 93 36,76 Casado(a)/Amigado 139 54,94 Solteiro(a) 90 35,57 Separado(a) 19 7,51 Viúvo(a) 5 1,98 Nenhum 2 0,79 1a3 20 7,91 4a7 66 26,09 8 a 11 102 40,32 12 ou mais 62 24,51 Não informado Situação Profissional Perc % 1 0,40 Empregado 147 58,10 Autônomo 29 11,46 Desempregado 30 11,86 Estudante 21 8,30 Do lar 18 7,11 Aposentado 8 3,16 27 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.10. n. 1-2 jan./jul. – 2011 PERFIS SOCIOCOMPORTAMENTAIS DOS USUÁRIOS DO CENTRO DE TESTAGEM E ACONSELHAMENTO – CTA EM DST/AIDS DO HOSPITAL UNIVERSITÁRIO GETÚLIO VARGAS DA CIDADE DE MANAUS-AM Origem Demanda Recorte populacional (população-alvo) Número de parceiros sexuais no último ano Material de Divulgação 78 30,83 Serviço/Profissional de saúde 68 26,88 Amigos/Usuários 45 17,79 Jornais/rádio/televisão 34 13,44 Banco de Sangue 1 0,40 Serviço de informação telefônica 1 0,40 Outros 26 10,28 População em geral 197 77,87 Profissionais da saúde 44 17,39 Homens que fazem sexo com homens 4 1,58 Caminhoneiro 3 1,19 Portadores de DST 2 0,79 População confinada 1 0,40 Usuários de drogas injetáveis (UDI) 1 0,40 Hemolíticos e politransfundidos 1 0,40 1 147 58,10 2a4 64 25,30 5 a 10 17 6,72 11 a 50 5 1,98 51 a 100 0 0,0 Mais de 100 2 0,79 Nenhum 17 6,72 Não informado Tipo(s) de parceiro(s) Usa preservativo parceiros fixos com Risco do parceiro fixo Usa preservativo com outros parceiros fixos 1 0,40 Homens 159 62,85 Mulheres 78 30,83 Homens e mulheres 11 4,35 Não se aplica 5 1,98 Nunca 98 38,74 Às vezes 94 37,15 Sempre 34 13,44 Não se aplica 21 8,30 Não informado 6 2,37 Não atribui risco 62 24,51 Não sabe 37 14,62 Desconfia de relação extraconjugal 34 13,44 Passado sexual 28 11,07 Relação extraconjugal 21 8,30 Homo/bissexualismo 2 0,79 Transfundido 2 0,79 UDI 1 0,40 DST 1 0,40 Outros 3 1,19 Não se aplica 58 22,92 Não informado 4 1,58 Sempre 59 23,32 Às vezes 51 20,16 Nunca 39 15,42 Não se aplica 102 40,32 2 0,79 Não informado 28 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.10. n. 1-2 jan./jul. – 2011 Matos et al Motivo da procura Compartilhou drogas injetáveis no último mês Prevenção 124 49,01 Conhecimento do status sorológico 49 19,37 Exposição à situação de risco 39 15,42 Encaminhado de serv. de saúde 15 5,93 Exame pré-natal 6 2,37 DST 5 1,98 Sintomas relacionados ao HIV/Aids 2 0,79 Conferir resultado anterior 2 0,79 Janela imunológica 1 0,40 Outros 10 3,95 Não 109 43,08 Sim 3 1,19 Não lembra 2 0,79 Não informado 29 11,46 Não se aplica 110 43,48 Tabela 1 – Perfil epidemiológico dos usuários do Centro de Testagem e Aconselhamento – CTA em DST/Aids do Hospital Universitário Getúlio Vargas – HUGV da cidade de Manaus A análise dos 253 formulários de entrevista do CTA/HUGV, no período de agosto de 2002 a junho de 2003, demonstrou que 93 (36,76%) eram do sexo masculino e 160 (63,24%) do sexo feminino. A idade foi agrupada em faixa etária de acordo com o sexo, sendo que a que mais procurou o atendimento, entre os homens, foi de 30 a 39 anos, e entre as mulheres de 20 a 29 anos, demonstrando faixa etária compatível com o período reprodutivo, a distribuição está demonstrada na Tabela 2. Faixa Etária Homens (n=93 \ 36,76%) Masc %. Mulheres (n=160 \ 63,24%) Fem. % 1–9 1 1,08% 0 0,00% 10 – 19 7 7,53% 13 8,12% 20 – 29 21 22,58% 61 38,13% 30 – 39 25 26,88% 52 32,50% 40 – 49 24 25,80% 22 13,75% 50 – 59 11 11,83% 11 6,88% Acima de 60 4 4,30% 1 0,62% Total do perfil 93 100% 160 100% Tabela 2 – Distribuição da faixa etária de acordo com o sexo dos usuários do CTA/HUGV As Tabelas 3 e 4 apresentam os motivos do não uso de preservativo com parceiros fixos e não fixos, respectivamente, restringindo-se ao total de ocorrência de uso às vezes ou não uso da camisinha. Foram desconsiderados os indivíduos que declaram usar sempre nas suas relações sexuais e os que não iniciaram atividade sexual. Sexo/ Estado civil Homens (n=67 \ 34,90%0) Mulheres (n=125 \ 65,10%) Motivo de não usar Casado/ Amigado Solteiro/ Separado/ Viúvo/ Confia no parceiro 23 6 4 - 29 Casada/ Solteira/ Separada/ Viúva/ Amigada 28 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.10. n. 1-2 jan./jul. – 2011 8 2 2 PERFIS SOCIOCOMPORTAMENTAIS DOS USUÁRIOS DO CENTRO DE TESTAGEM E ACONSELHAMENTO – CTA EM DST/AIDS DO HOSPITAL UNIVERSITÁRIO GETÚLIO VARGAS DA CIDADE DE MANAUS-AM Parceiro não aceita 1 - - - 21 4 2 1 Não gosta 10 1 - - 9 5 2 - Não dispunha no momento 4 2 - - - 6 - - Negociou não usar preservativo - - - - 4 1 - - Não tem tempo/tesão 3 1 - 1 1 1 - - Não tinha consciência - - - - 3 3 1 - Desejo de ter filhos - 1 - - 2 1 - - Não consegue negociar - - - - 2 - - - Acha que não vai pegar 1 - - - 1 1 - - Achou que o outro não tinha Tamanho do preservativo pequeno Não tem condições de comprar - - - - 1 1 - 1 - - - - - 1 - - 1 - - - Outros - - - - 1 - - - Não se aplica 2 3 - - 1 3 - - Não informado 1 - 1 - - 1 1 - TOTAL 47 14 5 1 77 36 8 4 24,47% 7,29% 2,60% 0,52% 40,10% 18,75% 4,16% 2,08% Percentagem Tabela 3 – Motivos que levaram ao não uso do preservativo entre parceiros fixos relacionado ao sexo e estado civil dos usuários do CTA/HUGV Total de ocorrências sem preservativo com parceiro fixo: 192. Homens (n=46 \ 51,11%) Sexo/Estado civil Casado/ Solteiro/ Amigado Motivo de não usar Não gosta 6 Não sabe usar Não dispunha no momento Confia no parceiro Acha que não vai pegar Não tem condições comprar Não tem tempo/tesão de Mulheres (n=44\ 48,89%) Separado/ Viúvo/ 1 1 - 1 - - - 2 1 - 6 2 2 Casada/ Solteira/ Separada/ Viúva/ Amigada 3 - 2 1 - 4 5 - - 1 1 3 - - - - - - 1 1 - - 1 1 - - 1 - - - - 2 - - - 1 - - Desejo de ter filhos - - 1 - - 1 - - Não se aplica 5 4 - - 7 1 - 1 Não informado - - - - 1 1 - - Parceiro não aceita 1 - - - 1 - - - Não consegue negociar - - - - 1 - - - Não tinha consciência 2 1 - - 6 2 - - Não acredita na eficácia 1 - - - - - - - Uso de drogas / álcool 1 - - - - - - - Estupro - 1 - - - - - - Outros - - 1 - - - - - TOTAL Percentagem 28 13 4 1 28 12 2 2 31,11% 14,44% 4,44% 1,11% 31,11% 13,33% 2,22% 2,22% Tabela 4 – Motivos que levaram ao não uso do preservativo entre parceiros não fixos relacionado ao sexo e estado civil dos usuários do CTA/HUGV Total de ocorrências sem camisinha com parceiros não fixo: 90. 30 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.10. n. 1-2 jan./jul. – 2011 Matos et al Discussão A análise dos formulários de entrevista da demanda espontânea, neste estudo, evidenciou a maior busca do sexo feminino pelos serviços do CTA/HUGV no período de agosto de 2002 a junho de 2003, indicando uma vulnerabilidade das mulheres em relação ao risco de transmissão/aquisição de doenças sexualmente transmissíveis. A idade foi agrupada em faixa etária de acordo com o sexo, sendo que a que mais procurou o atendimento, entre as mulheres, foi de 20 a 29 anos, e entre os homens de 30 a 39 anos. Esses dados conferem com a observação de que, no Brasil, a propagação da infecção pelo HIV vem sofrendo transformações significativas no seu perfil epidemiológico; entretanto, desde o início da epidemia, o grupo etário de 20 a 39 anos tem sido o mais atingido.9,10 Um dado interessante, relatado por Berer,11 diz que as mulheres contraem o HIV em idade mais precoce à dos homens, pois tendem a ter relações sexuais com homens mais velhos que elas, seja dentro ou fora do casamento. E os homens casados muitas vezes têm relações extraconjugais com mulheres mais jovens. Consequentemente, os homens têm mais chance de se expor ao HIV, tanto por serem mais velhos como por terem mais relações sexuais e maior número de parceiras. Em relação ao perfil sociodemográfico, observou-se que quem mais buscou o atendimento no CTA/HUGV foram, em geral, casados/amigados, com nível fundamental e médio de escolaridade. Quanto à situação profissional, aproximadamente 70% dos usuários estavam dentro do mercado de trabalho, sendo empregados ou trabalhando como autônomos, sugerindo que a maioria dos usuários do CTA vem de uma camada populacional aparentemente estabilizada. Geralmente, os indivíduos procuram o serviço do Centro de Testagem e 31 Aconselhamento por terem sido expostos à situação de risco; entretanto, neste estudo, verificou-se que a principal motivação pela procura de atendimento foi a prevenção para uma possível infecção pelo HIV, seguido do desejo de conhecer o seu status sorológico. Esses dados são interessantes, pois indicam que as pessoas querem conhecer a sua situação sorológica, buscando ampliar alternativas preventivas contras as DST/Aids. As pessoas que procuraram o atendimento do CTA/HUGV fazem parte da população em geral, sendo encaminhadas por materiais de divulgação. Entretanto, vale ressaltar que os profissionais do serviço de saúde, aliados aos amigos e usuários, também desempenharam um fator desencadeante para a origem da demanda, sugerindo que a propaganda do tipo “boca a boca” é bastante eficiente. Já os meios de comunicação – jornais, rádios e televisão – ocupam uma posição discreta em relação aos demais. Esse dado é preocupante, uma vez que demonstra que a mídia não tem, ainda, alto poder de difusão na população em geral sobre os serviços do CTA. Em relação ao comportamento de risco, 3 (1,19%) referiram compartilhamento de agulhas, 11 (4,35%) relações bissexuais e 2 (0,79%) relacionamento sexual com mais de cem parceiros no último ano. Quanto ao dado sobre o uso de drogas injetáveis, ele é pouco significativo se observado isoladamente, mas assume maior relevância quando associado aos riscos sexuais. Nesse sentido, essas pessoas acabam sofrendo duplo risco de infecção, tanto pela via sexual como pelo compartilhamento de agulhas. Quanto ao comportamento sexual, a maioria dos usuários se denominou heterossexual, referiu menor número de parceiros e utilização menos frequente do preservativo em se tratando de parceiro fixo. Entende-se por parceiro fixo aquele que envolve, além de situação de casamento ou união consensual, relação afetivo-sexual revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.10. n. 1-2 jan./jul. – 2011 PERFIS SOCIOCOMPORTAMENTAIS DOS USUÁRIOS DO CENTRO DE TESTAGEM E ACONSELHAMENTO – CTA EM DST/AIDS DO HOSPITAL UNIVERSITÁRIO GETÚLIO VARGAS DA CIDADE DE MANAUS-AM com relações sexuais regulares. 12 Os dados encontrados mostram que a constância nas relações sexuais ainda é uma característica para mais da metade dos usuários. Neste estudo foi observado que o uso do preservativo no grupo com parceiro fixo não é uma prática incorporada no cotidiano das pessoas, justificada por várias razões. Entretanto, um dos principais motivos apontados para o não uso do preservativo foi a confiança no seu parceiro, principalmente entre as mulheres. Essa “confiança no parceiro” é a maior fonte de resistência à prevenção, levando, na maioria das vezes, a achar que o parceiro não oferece nenhum risco, uma vez que tem a certeza da solidez do relacionamento. Outro dado interessante é a proporção de mulheres que referiram o não uso de preservativos pela recusa do parceiro em aceitar. Em menor proporção, elas relataram que não gostam do uso do preservativo. Frequentemente, o comportamento feminino ainda se encontra vinculado à subalternidade na relação da mulher com o homem, uma vez que confiam no parceiro, aceitam as imposições dele e, ainda, compartilham da não vontade de usar o preservativo. O Relatório do Fundo das Nações Unidas para a população destaca que as normas de gênero limitam o poder de negociação das mulheres e, consequentemente, a sua proteção efetiva durante os relacionamentos sexuais, tornando-as mais susceptíveis às DST/Aids. 13 Segundo Griep et. al., 10 as condições sociais põem os homens como responsáveis pela administração dos riscos nas questões sexuais e às mulheres, em geral, cabe corresponder, com passividade, as investidas e desejos masculinos. A frequência do uso do preservativo aumenta quando as relações sexuais acontecem com parceiros casuais. O não uso de preservativos com parceiros eventuais é menos frequente quando comparado com os indivíduos que possuem parceiros estáveis. Ao se realizar uma eventual associação entre o uso do preservativo e o tipo de parceiros sexuais (estáveis e eventuais), nota-se que o tipo de parceiro é um grande preditor quanto à exposição às DST/Aids. O motivo para o não uso do preservativo foi o simples fato de não gostar de usar o preservativo. Outro motivo destacado foi o de não dispor no momento da relação sexual, supondo que o relacionamento com parceiros eventuais ocorre mais frequentemente sem planejamento, levando a uma exposição de risco maior. No entanto, o fato de usar o preservativo está ligado com o autocuidado e a importância da prevenção, posto que aqueles que estão convictos da necessidade de se proteger costumam carregar consigo o preservativo de forma constante, evitando, desse modo, transtornos futuros. Conclusão O reconhecimento de que o aconselhamento é uma das estratégias mais importantes na luta contra a transmissão das doenças sexualmente transmissíveis, principalmente a Aids, na medida em que fornece orientações sobre os riscos de infecção, a necessidade de diagnóstico precoce e prevenção dessas doenças, aumenta-se, cada vez mais, o número de pessoas que procuram o atendimento nos Centros de Testagem e Aconselhamento – CTA em DST/Aids. Por meio das ações desses centros pode-se monitorar o status sorológico, o perfil dos indivíduos infectados, bem como das características da clientela atendida adaptada à realidade local. Portanto, a identificação do perfil dos usuários desse serviço é importante para que de fato se alcancem os objetivos na prevenção e controle das DST/Aids. 32 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.10. n. 1-2 jan./jul. – 2011 Matos et al Referências 1. Ministério da Saúde. Coordenação Nacional de DST/Aids. Manual de treinamento de aconselhamento em DST, HIV e Aids. 2.ª ed. Brasília: Ministério da Saúde, 1999. 2. Ministério da Saúde. Coordenação Nacional de DST/Aids. Aconselhamento em DST, HIV e Aids: diretrizes e procedimentos básicos. 4.ª ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2000a. 3. Ministério da Saúde. Coordenação Nacional de DST/Aids. Treinamento para o manejo de casos de doenças sexualmente transmissíveis: módulos 1, 2 e 3. Brasília: Ministério da Saúde, 2000b. 4. Ministério da Saúde. Coordenação Nacional de DST/Aids. Diretrizes dos Centros de Testagem e Aconselhamento (CTA): manual. Brasília: Ministério da Saúde, 2000c. 5. Ministério da Saúde. Coordenação Nacional de DST/Aids. Vigilância do HIV no Brasil: Novas Diretrizes. Brasília: Ministério da Saúde, 2002a. 6. Ministério da Saúde. Coordenação Nacional de DST/Aids. Sistema de informação dos Centros de Testagem e Aconselhamento em Aids (SI-CTA): Manual de Utilização. Brasília: Ministério da Saúde, 2002b. 7. Ferreira, MPS; Silva, CMFP; Gomes, MCF; Silva, SMB. Testagem sorológica para o HIV e a importância dos Centros de Testagem e Aconselhamento (CTA) – resultados de uma pesquisa no município do Rio de Janeiro. Ciência & Saúde Coletiva, 2001; 6(2):481-49. 8. Bassichetto, KC; Mesquita, F; Zacaro, C; Santos, EA; Oliveira, SM; Veras MASM; Bergamachi, DP. Perfiis epidemiológicos dos usuários de um Centro de Testagem e Aconselhamento para DST/HIV da Rede Municipal de São Paulo, com sorologia positiva para o HIV. Rev. Bras. Epidemiol., 2004; 7(3):302-310. 9. Ministério da Saúde. Coordenação Nacional de DST/Aids. Aids: Boletim Epidemiológico [periódico on-line] 2001; 15(1). Disponível em: http://www.aids.gov.br. 10. Griep, RH; Araújo, CLF; Batista, SM. Comportamento de risco para a infecção pelo HIV entre adolescentes atendidos em um centro de testagem e aconselhamento em DST/Aids no Município do Rio de Janeiro, Brasil. Epidemiologia e Serviço de Saúde, 2005; 14(2):119-126. 11. Berer, M. Mulheres e HIV/Aids: um livro sobre recursos internacionais: informação, atividades e materiais relativos às mulheres HIV/Aids, saúde reprodutiva e relações sexuais. São Paulo: Brasiliense, 1997. 12. Prefeitura Municipal de Curitiba. Secretaria Municipal da Saúde – Centro de Testagem e Aconselhamento. Perfil dos Usuários do Centro de Testagem e Aconselhamento de Curitiba: características da população, motivo da procura, comportamento sexual e atitude com relação às questões relativas ao HIV/Aids no ano de 2008. Curitiba, 2001. 13. Fondo de Población de las Naciones Unidas. Estado de la población mundial 2003: inversiones em su salud e SUS derechos. Nova York: UNFPA, 2003. 33 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.10. n. 1-2 jan./jul. – 2011 34 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.10. n. 1-2 jan./jul. – 2011 ANÁLISE DOS ACHADOS VIDEOLARINGOSCÓPICOS DE PACIENTES COM HISTÓRIA DE DISFONIA Analysis Of Videolaryngoscopic Findings Of Patients With History Of Disphonya Renata Farias de Santana*, Márcia dos Santos da Silva*, Karine Freitas de Sousa**, Renato Telles de Souza***, Giselle Lima Afonso****, Jenifer Morais de Melo****, Camila Mendes da Silva****, Donn-Thell Frewyd Sawntzy Junior**** * Médica residente do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Getúlio Vargas ** Preceptora da Residência de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Getúlio Vargas *** Professor da Universidade Federal do Amazonas, coordenador da Residência de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Getúlio Vargas **** Acadêmicos do Curso de Medicina da Universidade Federal do Amazonas Instituição de origem do trabalho: Hospital Universitário Getúlio Vargas – HUGV RESUMO Objetivo: Descrever os achados videolaringoscópicos de pacientes com história de disfonia, buscando-se traçar o perfil epidemiológico desses pacientes, verificar associação com tabagismo e abuso vocal e averiguar quais são as principais patologias que cursam com indicação cirúrgica. Métodos: Estudo descritivo restrospectivo por intermédio da análise de prontuários de pacientes com queixa de disfonia submetidos ao exame de videolaringoscopia, no Serviço de Otorrinolaringologia do Ambulatório Araújo Lima – HUGV, durante o ano de 2009. Resultados: De um total de 22 pacientes, os achados foram: nódulo (4,5%), lesões decorrentes de refluxo gastroesofágico (4,5%), edema de Reinke (4,5%), sinéquia (4,5%), lesão papilomatosa (13,63%), fenda (13,63%), pólipo (18,18%), lesões vegetantes (27,27%), sem alterações (9,09%). Conclusão: Os resultados encontrados divergem daqueles presentes nas crianças, faixa etária em que a maioria dos estudos está focada. Assim, é importante que mais pesquisas nesse sentido sejam realizadas, a fim de caracterizar melhor as principais lesões presentes nos adultos. Palavras-chave: Disfonia; Laringoscopia; Laringe. ABSTRACT Objective: To describe the videolaryngoscopic findings of patients with a history of dysphonia, seeking to trace the epidemiological profile of these patients, assess the association with smoking and vocal abuse and find out what are the main pathologies that course with surgical indication. Methods: A descriptive study using retrospective analysis of medical records of patients complaining of dysphonia be examined by laryngoscopy in the Otorhinolaryngology Service of Ambulatory Araujo Lima – HUGV during the year 2009. Results: In a total of 22 patients, the findings were: nodule (4.5%), injury from gastroesophageal reflux (4.5%), Reinke’s edema (4.5%), synechia (4.5%), papillomatous lesion (13.63%), cleft (13.63%), polyps (18.18%), vegetating lesions (27.27%), unchanged (9.09%). Conclusion: Our 35 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.10. n. 1-2 jan./jul. – 2011 ANÁLISE DOS ACHADOS VIDEOLARINGOSCÓPICOS DE PACIENTES COM HISTÓRIA DE DISFONIA results differ from those present in children, age at which most studies focus. It is therefore important that more research in this direction are carried out in order to better characterize the main lesions present in adults. Key-words: Dysphonia; Laryngoscopy; Larynx. Introdução prega vocal (PV); 5) alterações congênitas, como a laringomalácia, estenoses, fendas, hemangiomas, Síndrome de Cri-du-Chat; 6) lesões malignas da laringe; 7) laringites agudas e crônicas.2 O objetivo deste trabalho é avaliar a incidência das diversas lesões laríngeas nos exames de videolaringoscopia de pacientes com queixa de disfonia atendidos pelo Serviço de Otorrinolaringologia do Ambulatório Araújo Lima – Hospital Universitário Getúlio Vargas (HUGV) em Manaus, Amazonas, durante o ano de 2009. A disfonia é definida como qualquer dificuldade na emissão vocal que impeça a produção natural da voz, podendo manifestar-se por esforço à emissão do som, dificuldade em manter a voz, cansaço ao falar, variações na frequência vocal habitual, falta de volume, entre outros. A disfonia pode interferir seriamente na comunicação e, consequentemente, na vida pessoal, social e profissional. O diagnóstico da disfonia parte de um sintoma principal – a disfonia em si – que se expande para múltiplos aspectos etiológicos: hipertonia, fatores psicológicos, refluxo gastroesofágico, problemas com a técnica vocal etc. 1 O exame físico pode ser efetuado pelos procedimentos simples, como o espelho de Garcia, ou por meio da videolaringoscopia, a qual contribuiu enormemente para o avanço da propedêutica laríngea, sendo extremamente útil na avaliação anatômica e funcional.2 Nos Estados Unidos a prevalência de disfonia varia de 3 a 9% da população,3 sendo escassos dados a respeito no Brasil. As principais causas de disfonia citadas na literatura são: 1) disfonias funcionais (advindas do próprio uso da voz); 2) alterações estruturais mínimas, que são variações constitucionais da anatomia laríngea, classificando-se em assimetria da laringe, variações da proporção glótica e alterações da cobertura (sulco vocal, cisto epidermoide, microdiafragma, ponte de mucosa, vasculodisgenesia); 3) lesões benignas das pregas vocais, que incluem os nódulos, pólipos, edema de Reinke, granulomas inespecíficos, úlceras de contato e a papilomatose respiratória recorrente, causada pelo vírus HPV; 4) paralisia da Métodos Estudo descritivo restrospectivo por meio da análise de prontuários de pacientes com queixa de disfonia submetidos ao exame de videolaringoscopia, no Serviço de Otorrinolaringologia do Ambulatório Araújo Lima – HUGV, durante o ano de 2009. Foram excluídos os indivíduos com história de disfonia, porém que realizaram exames de videolaringoscopia em outros serviços. Os pacientes foram avaliados quanto à idade, sexo, profissão, abuso vocal, tabagismo, tipo de lesão, presença de lesões associadas ou doenças sistêmicas e tratamento realizado. Com base nos dados obtidos, foi preenchido protocolo de avaliação formulado para o estudo, conforme Figura 1. Resultados De um total de 22 pacientes, 12 (54,54%) eram do sexo feminino e dez do sexo masculino (45,45%). A idade média dos pacientes foi de 47,91 anos (±17,14). 36 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.10. n. 1-2 jan./jul. – 2011 Santana et al Treze pacientes (59%) foram submetidos ao tratamento cirúrgico no HUGV após realizado exame físico e exame videolaringoscópico. Seis pacientes (27,27%) receberam tratamento fonoaudiológico, não se fazendo necessário tratamento cirúrgico. Dentre os pacientes submetidos à cirurgia, as principais indicações foram: seis pacientes (46,15%) com lesão vegetante, quatro (30,76%) com pólipo de PV e três (23,07%) com papilomatose laríngea, descritos na Tabela 2. Indicação de tratamento cirúrgico Figura 1 – Protocolo de investigação videolaringoscópica de pacientes com disfonia Analisando-se a história patológica pregressa, observou-se que 12 pacientes (54,5%) apresentavam histórico de abuso vocal, 13 eram fumantes (59%) – com carga tabágica média de 13,52 maços/ano –, e três pacientes (13,63%) já haviam sido submetidos a uma cirurgia prévia para tratamento da disfonia, sendo todas decorrentes de papilomatose laríngea. As principais lesões encontradas no exame videolaringoscópico foram as vegetantes (27%) seguidas pelos pólipos de PVs (18%). As demais lesões encontradas estão descritas na Tabela 1. Achados videolaringoscópicos Frequência Porcentagem Lesão vegetante 6 46,15% Pólipo de prega vocal 4 30,76% Papilomatose 3 23,07% Total 13 100% Tabela 2 – Patologias com indicação de tratamento cirúrgico em pacientes portadores de disfonia As lesões com indicação de tratamento fonoaudiológico foram fenda glótica em três (50%) pacientes, nódulo de PV em um (16,6%) paciente, edema de Reinke em um (16,66%) paciente e sinéquia em pequena área de comissura anterior de região glótica, descritos na Tabela 3. Indicação de tratamento fonoaudiológico Frequência Porcentagem Fenda glótica 3 50% Nódulo de prega vocal 1 16,66% Frequência Porcentagem Edema de Reinke 1 16,66% Lesão vegetante 6 27,27% Sinéquia de prega vocal 1 16,66% Pólipo de prega vocal 4 18,18% Total 13 100% Papilomatose 3 13,63% Fenda glótica 3 13,63% Sem alterações 2 9,09% Nódulo de prega vocal 1 4,5% Refluxo faringolaríngeo 1 4,5% Edema de Reinke 1 4,5% Sinéquia de prega vocal 1 4,5% Total 22 100% Tabela 1 – Achados videolaringoscópicos em pacientes portadores de disfonia Tabela 3 – Patologias com indicação de tratamento fonoaudiológico em pacientes portadores de disfonia Em relação ao abuso vocal, doze (54,5%) pacientes confirmaram uso inadequado da voz. Quanto à profissão, dois (9%) pacientes eram agricultores, três (13,63%) eram donas de casa, dois (9%) eram motoristas, cinco (22,72%) eram professores, três (13,63%) 37 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.10. n. 1-2 jan./jul. – 2011 ANÁLISE DOS ACHADOS VIDEOLARINGOSCÓPICOS DE PACIENTES COM HISTÓRIA DE DISFONIA trabalhavam em serviços gerais, dois (9%) eram vendedores e cinco (22,72%) possuíam outras profissões. Dentre os pacientes com história de abuso vocal, sete (58,3%) exerciam atividades laborais com uso constante da voz, sendo cinco (41,66%) professores e dois (16,66%) vendedores. Dentre os quatro pacientes com diagnóstico de pólipo de pregas vocais, dois relataram abuso vocal associado e três tinham história de tabagismo. Os tipos de fenda encontrados foram fenda em ampulheta em dois pacientes e fenda em paralelo em um. Um paciente apresentava nódulo em região glótica, bilateralmente, em terço médio de pregas vocais. Um paciente, do sexo feminino, tabagista, possuía edema de Reinke. funcional. Em outros casos, é a apenas um sintoma menor inserido no quadro clínico de doenças sistêmicas. Existem diversas formas de avaliar a fonação em seus diferentes aspectos. Os procedimentos mais utilizados são a laringoscopia indireta por espelho circular, laringoscopia indireta com fibra ótica, estroboscopia laríngea, videoquimografia e laringoscopia direta tradicional. A laringoscopia indireta com fibra ótica (videolaringoscopia) permite uma visualização satisfatória das estruturas laríngeas e de sua movimentação durante a fonação.2 Embora 9% dos exames descritos neste trabalho não tenham apresentado nenhuma alteração, em 40% dos pacientes o exame videolaringoscópico foi crucial para a identificação de lesões potencialmente malignas – lesões papilomatosas e vegetantes –, caracterizando esse exame como importante ferramenta diagnóstica e de triagem. De acordo com a literatura, existe predomínio de alterações vocais em pacientes do sexo feminino. 6 Estudos demonstram a ocorrência de mudanças significativas na configuração glótica de mulheres durante a fonação prolongada com loudness elevado, possivelmente por diferenças constitucionais e anatômicas. 7 Na presente amostra, apesar de pequena, também foi observado predomínio do sexo feminino. A relação entre disfonia e abuso vocal é amplamente relatada pela literatura, sobretudo em profissionais que utilizam a voz como instrumento de trabalho. 8 Em nossa casuística, 54,5% dos pacientes tinham história prévia de abuso vocal. Destes, 58,3% exerciam atividades laborais relacionadas ao uso constante da voz, sendo a maioria professores, resultados compatíveis com os relatados por outros autores. 9 Comprovadamente, há maior risco de ocorrência das disfonias nesse grupo; todavia, as disfonias têm origem Discussão A voz é o mais importante meio de comunicação do ser humano, tendo características pessoais particulares que traduzem a personalidade e o estado emocional do indivíduo, devendo ser idealmente agradável ao ouvinte. 4 A produção da fala envolve três processos principais: a produção do som glótico pela vibração das PVs, a ressonância e a articulação desse som, que ocorrem na região supraglótica. Durante a fonação, as PVs convertem a energia aerodinâmica gerada pelo fluxo expiratório em energia acústica. Para tal, é necessária a presença de uma estrutura vibrátil adequada. Quando a estrutura da PV é violada, sobretudo em suas camadas mais profundas, suas propriedades vibratórias são perdidas e a qualidade vocal deteriora. 5 A disfonia é um sintoma presente em vários distúrbios, ora se apresentando como secundário, ora como principal. Muitas vezes, é o sintoma mais importante de uma doença, sendo considerada como a própria doença, como ocorre nos casos de disfonia 38 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.10. n. 1-2 jan./jul. – 2011 Santana et al multifatorial, tornando difícil relacionálas a uma única causa. O mais provável é que o abuso vocal atue como um fator de risco potencial na presença de condições anatômicas e estruturais prévias. Outro fator de risco apontado pela literatura é o tabagismo, uma vez que a fumaça quente do cigarro é altamente prejudicial a todo trato vocal e sistema respiratório. A fumaça age diretamente sobre a mucosa, provocando aumento da produção de muco e parada dos batimentos ciliares. Em condições normais, o ar desliza pelas paredes da laringe com atrito reduzido, enquanto que, no fumante, a camada protetora modificada aumenta o atrito do ar. Assim, ocorre um turbilhonamento do ar e mais trauma mucoso, levando a um desarranjo no ciclo vibratório que altera a qualidade vocal.10 Dos 22 pacientes avaliados em nosso serviço, cerca de 60% deles eram tabagistas; entretanto, trabalhos recentes não conseguiram confirmar a associação entre tabagismo e disfonia.11 Embora as lesões benignas da laringe não sejam entidades nosológicas de maior gravidade, as principais lesões proporcionam um impacto dramático na voz. Entre as lesões benignas da laringe, destacam-se: nódulos, cistos epidermoides e de retenção, sulco vocal, pólipos, edema de Reinke, vasculodisgenesias, micromembranas, granulomas e papilomas.12 Um estudo realizado com 40 pacientes submetidos à microcirurgia de laringe identificou um predomínio maior de lesões do tipo cistos, seguidos pelo pólipos e nódulos de PV. 13 Em nosso estudo, as lesões mais encontradas foram as do tipo vegetantes, seguidas pelos pólipos, papilomatose laríngea, fenda glótica, nódulos e edema de Reinke. Os pólipos são lesões exofíticas localizadas predominantemente no terço anterior da porção membranosa das PVs. Macroscopicamente, são massas com aparência lisa, gelatinosas e translúcidas. A etiologia ainda é obscura, porém se acredita que o abuso vocal resultando em trauma mecânico seja o principal fator predisponente. 14 Dentre os quatro casos de pólipo de PV relatados, dois relataram abuso vocal associado e três também eram tabagistas. A papilomatose laríngea é um tipo de lesão vegetante causada pelo Papiloma Vírus Humano (HPV). Atualmente, a lesão é classificada em dois tipos: papiloma laríngeo de início juvenil e papiloma laríngeo de início na idade adulta. Os papilomas laríngeos de início juvenil são associados ao HPV transmitidos por via vertical de uma mãe com infecção anogenital ativa ou latente. Os papilomas laríngeos de início na idade adulta acometem indivíduos com maior número de parceiros sexuais e maior frequência de contatos orogenitais. A hipótese de transmissão orogenital é baseada no fato de que a papilomatose da laringe e os condilomas genitais apresentam os mesmos HPVs das infecções associadas, HPVs 6 e 11, sendo o tipo 6 o mais frequente. 15 Em nosso serviço, a diferenciação entre as duas formas de acometimento é difícil, visto que a maioria dos pacientes já chega em um estado avançado da doença e muitos não sabem precisar a idade de início da disfonia ou história de HPV materno. As fendas glóticas são alterações posturais das pregas vocais caracterizadas por um fechamento glótico imperfeito. As fendas podem variar quanto ao tamanho e configuração, de acordo com a qualidade vocal, frequência e intensidade da emissão. 16 Os tipos de fenda encontrados em nosso estudo foram o tipo ampulheta e em paralelo. Os nódulos são protuberâncias bilaterais encontradas nos bordos livres e na superfície inferior das PVs, no ponto de transição entre o terço anterior e os dois terços posteriores da PV membranosa. São lesões por excelência causadas por fonotrauma. 16 O único caso de nódulo de PV, conforme descrito na 39 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.10. n. 1-2 jan./jul. – 2011 ANÁLISE DOS ACHADOS VIDEOLARINGOSCÓPICOS DE PACIENTES COM HISTÓRIA DE DISFONIA literatura, foi encontrado em um paciente com história de abuso vocal que trabalhava como professor. O edema de Reinke é o bilateral da camada superficial da lâmina própria ou do espaço de Reinke. O padrão clássico desse tipo de lesão é o paciente do sexo feminino, na quarta ou quinta década de vida, tabagista de longa data, 16 características idênticas as encontradas em nossa paciente. As manifestações laríngeas do refluxo gastroesofágico são cada vez mais encontradas nos consultórios otorrinolaringológicos. Estudos revelam sua associação em mais de 80% dos pacientes com queixa de rouquidão crônica,17 índice muito maior que o apresentado nesta casuística (4,5%); todavia, sabe-se que o refluxo gastroesofágico com manifestações laringofaríngeas ainda é uma entidade subdiagnosticada. O tratamento cirúrgico das lesões benignas de laringe visa melhorar o fechamento glótico e eliminar os fatores que interferem na vibração normal das pregas vocais. A remoção ou correção das lesões por meio da microcirurgia de laringe apresenta bons resultados quando bem indicada. 12 Em nosso serviço, a microcirurgia foi indicada em 13 dos 22 pacientes, sendo as principais indicações as lesões vegetantes, os pólipos e a papilomatose laríngea. O tratamento fonoaudiológico baseiase na reeducação do paciente a fim de eliminar comportamentos nocivos e instituir comportamentos favoráveis por meio de exercícios e técnicas vocais, até que ocorra a automatização dos novos padrões. A grande maioria dos casos de disfonia possui indicação de tratamento fonoaudiológico, quer seja de forma isolada ou adjuvante. Neste trabalho, a fonoterapia foi indicada como única forma de tratamento em seis pacientes, obtendo-se um resultado clínico satisfatório. Todos os pacientes cirúrgicos mantiveram acompanhamento fonoterápico após a cirurgia, com intuito de maximizar a 40 qualidade vocal. Conclusão Dados a respeito das principais causas de disfonia da idade adulta são escassos, na literatura. Este estudo mostrou que a dificuldade na emissão vocal possui fatores etiológicos distintos, conforme a faixa etária. No intuito de enriquecer os dados epidemiológicos a respeito da disfonia, a fim de que se tenha maior conhecimento das patologias mais frequentes, mais estudos nesse sentido são necessários, fazendo-se imperativo aumentar a casuística para resultados mais acurados. Referências Junqueira, PAS; PAS; Trezza, PM. Princípios Básicos 1. Junqueira, Trezza, PM. Princípios da Terapia Vocal. In: Costa, SS; Cruz, OLM; Básicos da Terapia Vocal. In: Costa, SS; Cruz, Oliveira, JAA. Otorrinolaringologia – Princípios– OLM; Oliveira, JAA. Otorrinolaringologia e Prática. Porto Alegre:Porto Artmed, 2006,Artmed, p. 898Princípios e Prática. Alegre: 907. 2006, p. 898-907. Ramos, HVL; HVL; Azevedo, R; Pontes, Avaliação 2. Ramos, Azevedo, R; PAL. Pontes, PAL. Clínica e Laboratorial Voz. 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Compr Ther., 1995; 21(2):80-4. 41 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.10. n. 1-2 jan./jul. – 2011 42 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.10. n. 1-2 jan./jul. – 2011 ESTUDO COMPARATIVO DOS FATORES HEMATOLÓGICOS PROGNÓSTICOS DA PNEUMONIA NECROSANTE NA CIDADE DE MANAUS Comparative study of hematological prognostic factors of Necrotizing Pneumonia in Manaus Fernando Luiz Westphal*, Luciana Carreira Wezka**, Luis Carlos de Lima***, José Correa Lima Netto****, Autores: dos Santos da Silva*****, BastosFederal Alves****** Fernando Luiz Westphal – Professor-adjunto e coordenador daMárcia disciplina de Cirurgia TorácicaAlessandra da Universidade do Amazonas * Professor-adjunto e coordenador da disciplina de Luciana Cirurgia Carreira Torácica Wezka da Universidade Federal do pediátrica Amazonas – Médica intensivista ** Médica intensivista pediátrica Luís Carlos de Lima – Chefe do Serviço de Cirurgia Torácica do Hospital Universitário Getúlio Vargas *** Chefe do Serviço de Cirurgia Torácica do Hospital Universitário Getúlio José Corrêa Lima Netto – Médico assistente do Serviço de Cirurgia Torácica do Hospital Universitário Getúlio Vargas Vargas **** Médico assistente doSantos Serviçoda deSilva Cirurgia Torácica do Hospital Getúlio Vargas Márcia dos – Médica residente do 1.º Universitário ano de Otorrinolaringologia ***** Médica residente doBastos 1.º anoAlves de Otorrinolaringologia Alessandra – Médica assistente ****** Médica assistente Instituição em que o trabalho foi realizado: Universidade Federal do Amazonas – Departamento de Clínica Cirúrgica RESUMO Objetivos: Avaliar os fatores hematológicos prognósticos da pneumonia necrosante em crianças. Métodos: Estudo observacional, prospectivo. O trabalho foi desenvolvido em dois hospitais infantis da cidade de Manaus. Os pacientes foram selecionados a partir de dados clínicos e radiológicos, e divididos em três grupos, um com pneumonia necrosante (grupo 1), um com pneumonia associada a derrame pleural (grupo 2) e outro com pneumonia grave (grupo 3). Foram analisados parâmetros inflamatórios (PCR e contagem de leucócitos) e de hipercoagulabilidade sanguínea (contagem de plaquetas, TAP e TTPA). Os exames laboratoriais foram realizados no 1.º, 7.º e 14.º dias de internação hospitalar. Foi calculada a mediana da diferença entre o 7.º dia em relação ao 1.º, 14.º em relação ao 1.º e 14.º em relação ao 7.º, e os valores encontrados em cada grupo foram comparados por meio do teste de Kruskal-Wallis. Resultados: Foram incluídos 24 pacientes, com média de idade de 21,9 (±10,1) meses, sendo 17 (70,8%) do sexo masculino. No grupo 1, foram alocados seis pacientes; no grupo 2, oito pacientes, e no grupo 3, dez pacientes. A análise do PCR mostrou níveis persistentemente elevados no grupo 1, e redução progressiva nos grupos 2 e 3 (p = 0,056). A análise dos fatores de hipercoagulabilidade não identificou diferenças significativas na evolução dos três grupos, bem como a contagem de leucócitos. Conclusão: Nesse grupo de pacientes não encontramos alterações significativas nos parâmetros analisados, com exceção do valor da PCR, que se encontrava maior no grupo 1. Descritores: Pneumonia; Complicações; Abscesso Pulmonar; Necrose; Fatores de Coagulação Sanguínea. ABSTRACT Objectives: Analyze the prognostic hematological factors of necrotizing pneumonia in children. Methods: Observational, prospective and descriptive study with analytical 43 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.10. n. 1-2 jan./jul. – 2011 ESTUDO COMPARATIVO DOS FATORES HEMATOLÓGICOS PROGNÓSTICOS DA PNEUMONIA NECROSANTE NA CIDADE DE MANAUS component. The study was conducted in two children’s hospitals in Manaus. Patients were selected based on clinical and radiological data, and divided into three groups, one with necrotizing pneumonia (group 1), one with pneumonia associated with pleural effusion (group 2) and another with severe pneumonia (group 3). We analyzed inflammatory parameters (CRP and leukocyte count) and hypercoagulable (platelet count, APTT and TAP). Laboratory tests were conducted on the 1st, 7th and 14th days of hospitalization. We calculated the median difference between day 7 compared to 1st, 14th compared to 1st and 14th compared to 7th day and the values found in each group were compared using the Kruskal-Wallis test. Results: Were included 24 patients with average age of 21.9 (± 10.1) months, and 17 (70.8%) were males. In the group 1 were allocated six patients, in group 2, eight patients, and group 3, ten patients. PCR analysis showed persistently high levels in group 1, and progressive reduction in groups 2 and 3 (p = 0.056). Factors of hypercoagulability analysis not identify any significant differences in the evolution of three groups, as well as the leukocyte counts. Conclusions: In this group of patients we didn’t find significant changes in the parameters analyzed, except the value of CRP, which had become greater in group 1. Keywords: Pneumonia; Complications; Lung Abscess; Necrosis; Blood Coagulation Factors. Introdução pulmonar de um segmento ou lobo, juntamente com as artérias e brônquios que o nutrem; no entanto, a sequência de eventos que leva a necrose permanece desconhecida. 1 Alguns autores sugerem que o processo de desvitalização seja secundário a um evento trombótico e outros apontam a plaquetose como um dos fatores predisponentes ao desenvolvimento da trombose da artéria pulmonar, porém não há consenso a esse respeito. 3,4 São raros os trabalhos publicados sobre a evolução clínica da PN em crianças, além de eles não elucidarem o motivo do aparente aumento da incidência dessa complicação. Na tentativa de contribuir para o esclarecimento dessas questões, o presente trabalho pretende caracterizar a evolução clínica e laboratorial das PNMs que poderão evoluir com necrose pulmonar e identificar possíveis fatores determinantes da evolução para a PN por meio da análise das principais provas de coagulação em pacientes na faixa etária pediátrica, internados nos prontossocorros infantis da cidade de Manaus. A pneumonia necrosante (PN) faz parte de um espectro de doenças caracterizadas pela desvitalização do parênquima pulmonar, secundárias a um processo infeccioso invasivo, que inclui, além da PN, o abscesso e a gangrena pulmonar.1 A PN sempre foi considerada uma complicação rara da pneumonia (PNM) lobar. Até algumas décadas atrás, a maior parte dos casos ocorria em pacientes adultos com história de alcoolismo, diabetes melitus, doenças respiratórias crônicas ou deficiências nutricionais. Os casos relatados em crianças geralmente estavam associados a fatores de risco conhecidos, tais como imunodeficiência, distúrbios neurológicos e desnutrição. Mais recentemente, o padrão epidemiológico da PN parece estar em fase de transformação, com aumento significativo no número de casos em crianças com PNM adquirida na comunidade sem nenhum fator predisponente para o desenvolvimento de infecções invasivas. 2 O grande marco da PN é o infarto 44 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.10. n. 1-2 jan./jul. – 2011 Westphal et al Metodologia 7.º (D7) e 14.º (D14) dias de internação. Os dados foram apresentados por meio de tabelas de frequência, sendo que para as variáveis quantitativas quando apresentavam distribuição normal foi calculada a média e o desvio-padrão (DP), no caso da não comprovação da hipótese de normalidade foi calculado a mediana, primeiro (Q1) e terceiro (Q3) quartil. Na comparação das medianas em relação aos grupos foi utilizado o teste de Kruskal-Wallis. Na análise dos exames laboratoriais foi calculada a mediana da diferença entre o sétimo dia em relação ao primeiro (D7 – D0), décimo quarto em relação ao primeiro (D14 – D0) e décimo quarto em relação ao sétimo (D14 – D7), caracterizando a evolução na primeira (D7 – D0) e segunda (D14 – D7) semanas, e a evolução final (D14 – D0). O software utilizado na análise dos dados foi o Epi-Info versão 3.5.1 para Windows e o nível de significância fixado para aplicação dos testes estatísticos foi de 5%. O trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Amazonas em junho/2009 (CAE 0080.0.115.000-09). Trata-se de um estudo observacional, prospectivo, realizado no Hospital e ProntoSocorro Infantil da Zona Sul e no Hospital e Pronto-Socorro Infantil da Zona Leste, na cidade de Manaus-AM. Foram selecionados 24 pacientes, divididos em três grupos com base nos seguintes critérios, avaliados por dois dos pesquisadores: Grupo 1: foram considerados portadores de PN os pacientes com PNM progressiva, sem resolução apesar de antibioticoterapia ideal, associada a achados laboratoriais de processo inflamatório, como altos níveis de Proteína C Reativa (PCR), e as seguintes características positivas na tomografia axial computadorizada de tórax (TAC): área de consolidação sem perda de volume; imagem necrótica radiolúcida dentro dessa área; presença de pneumatocele irregular, solitária ou múltipla, sem nível hidroaéreo ou formação de abscesso. Grupo 2: foram classificados como portadores de PNM associada a derrame pleural os pacientes com PNM e evidências de derrame parapneumônico na radiografia de tórax (RT). Grupo 3: pacientes com PNM grave que necessitaram de internação hospitalar, mas não possuíam PN nem derrame pleural. Foram realizados os seguintes exames laboratoriais: hemograma com contagem de leucócitos, contagem de plaquetas, tempo de atividade da protrombina (TAP), tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPA) e PCR. Os exames foram realizados no 1.º (D0), Variáveis Resultados Na amostra total de 24 pacientes, 17 (70,8%) eram do sexo masculino. A média de idade foi de 21,9 meses (±10,1). A distribuição segundo o gênero e a idade dos pacientes de acordo com a divisão por grupos está representada na Tabela 1. Grupo 1 (n = 6) fi % Grupo 2 (n = 8) Grupo3 (n = 10) fi fi % % Gênero Feminino 2 33,3 1 12,5 4 40 Masculino 4 66,6 7 87,5 6 60 Idade (meses) Média ± DP 28,83 ±11,53 21 ± 11,69 18,50 ± 5,93 Tabela 1 – Distribuição segundo gênero e idade dos pacientes de acordo com a divisão dos grupos fi = frequência absoluta simples; DP = desvio padrão 45 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.10. n. 1-2 jan./jul. – 2011 ESTUDO COMPARATIVO DOS FATORES HEMATOLÓGICOS PROGNÓSTICOS DA PNEUMONIA NECROSANTE NA CIDADE DE MANAUS As características clínicas da amostra estudada estão expostas na Tabela 2. Os principais sintomas encontrados foram febre (100%), tosse (95,8%) e expectoração (62,5%). Todos os pacientes apresentavam algum sinal de desconforto respiratório (tiragem subcostal, retração de fúrcula esternal ou dispneia intensa) no momento da admissão, indicando a gravidade dos casos. Quanto à ausculta pulmonar, as principais alterações foram crepitações (100%) e diminuição do murmúrio vesicular (58,4%), duas características da síndrome de consolidação pulmonar, roncos (58,3%) e sibilos (41,7%), que indicam a presença de secreção em vias aéreas e broncoespasmo, respectivamente. Variáveis (n = 24) fi Febre 24 100 Tosse 23 95,8 Expectoração 15 62,5 Sinais de desconforto respiratório 24 100,0 Dor pleurítica 11 45,8 Dor abdominal 11 45,8 Crepitações 24 100,0 Roncos 14 58,3 Sibilos 10 41,7 Sopro tubário 4 16,7 Atrito pleural 2 8,3 Aumentado 8 33,3 Ausente 2 8,3 Diminuído 14 58,4 % Ausculta pulmonar Murmúrio vesicular Duração da febre (dias) Média ± DP 8,8 ± 5,2 Tempo de internação (dias) Média ± DP 28,8 ± 11,8 Tabela 2 – Distribuição segundo a frequência das características clínicas dos pacientes na amostra total fi = frequência absoluta simples; DP = desvio padrão Quanto à duração da febre em cada grupo, os grupos 1 e 2 apresentaram média semelhante (médias = 11,3 ± 2,87 e 10,12 ± 6,72, respectivamente), com duração maior que o grupo com PNM grave (média = 6,3 ± 4,21). Os agentes etiológicos foram identificados por meio de hemocultura em apenas dois casos (8,3%), sendo encontrado o Staphylococcus epidermidis e Staphylococcus aureus resistente à meticilina. A análise da evolução laboratorial dos pacientes está exposta na Tabela 3. Grupo 1 Variáveis Med. Q1/Q3 Grupo 2 Med. Q1/Q3 Grupo3 Med. Q1/Q3 p* Leucócitos D7 – D0 -940 -6300/3100 -3380 -15395/5250 750 -3830/3200 0,534 D14 – D0 -8900 -10220/7100 -14990 -32170/5400 -2555 -7500/-1300 0,429 D14 – D7 -4165 -10740/-1100 -4740 -10680/-2900 -3400 -12200/2020 0,875 D7 – D0 97,5 -222,0/189,0 235,0 21,5/467,5 254,0 58,0/408,0 0,249 D14 – D0 76,5 -83,0/524,0 131,0 65,0/433,0 47,0 -53,0/127,0 0,774 Plaquetas (x 103) 46 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.10. n. 1-2 jan./jul. – 2011 Westphal et al D14 – D7 174 -93,0/437,0 -206,5 -333,0/150,0 -176,5 -289,0/32,0 0,136 D7 – D0 -2,0 -4,0/0,0 0,5 -0,5/1,0 0,5 0,0/1,0 0,083 D14 – D0 -0,5 -3,0/0,0 0,0 -1,0/0,0 1,0 0,0/1,0 0,159 D14 – D7 0,5 0,0/3,0 0,0 -1,0/0,0 0,0 0,0/0,0 0,215 TAP (seg) TAP (%) D7 – D0 9,0 0,0/19,0 0,0 -6,0/14,0 0,0 0,0/0,0 0,261 D14 – D0 0,0 0,0/0,0 1,0 0,0/7,0 0,0 -7,0/0,0 0,076 D14 – D7 -0,5 -18,0/0,0 0,0 0,0/8,0 0,0 -8,0/0,0 0,092 -10,5 -18,0/-5,0 -1,5 -9,0/2,0 1,0 -3,0/2,0 0,308 D14 – D0 -0,5 -7,0/11,0 -4,0 -7,0/0,0 0,0 -2,0/2,0 0,397 D14 – D7 10,5 -1,0/16,0 -1,0 -7,0/0,0 0,0 0,0/1,0 0,132 D7 – D0 9,0 -54,0/41,0 -83,5 -173,5/-47,5 -22,5 -90,5/-9,0 0,089 D14 – D0 -19,0 -54,0/62,0 -122,5 -235,0/-62,0 -13,0 -93,0/-8,0 0,056 D14 – D7 13,5 -22,0/28,0 -30,0 -39,0/-12,0 0,0 -21,0/0,0 0,084 TTPA (seg) D7 – D0 PCR Tabela 3 – Distribuição segundo a mediana da diferença dos valores dos exames laboratoriais para 7 e 14 dias de evolução em cada grupo * Teste de Kruskal-Wallis; Med.= mediana; Qi = quartis. Observou-se uma redução na contagem de leucócitos na primeira semana (D7 – D0) nos grupos 1 e 2, e aumento no grupo 3, enquanto que na segunda semana (D14 – D7) houve redução em todos os grupos, indicando uma possível resolução do processo infeccioso. Não houve diferença estatisticamente significativa na evolução dos três grupos. O grupo 1 apresentou níveis persistentemente elevados de PCR na primeira e na segunda semanas, enquanto que os grupos 2 e 3 apresentaram redução progressiva; entretanto, a diferença encontrada não foi estatisticamente relevante. Os três grupos apresentaram aumento no número de plaquetas durante a primeira semana de evolução, porém os grupos 2 e 3 apresentaram redução na segunda semana enquanto que o grupo 1 apresentou novo aumento. Na evolução total (D14 – D0), foi observado aumento em todos os grupos, não havendo diferença estatística entre eles. Na análise do TAP (avaliação da via extrínseca da coagulação) medido em porcentagem, o grupo 1 apresentou aumento na primeira semana e redução na segunda, sem diferença na evolução total, enquanto que os grupos 2 e 3 não apresentaram alterações na primeira e segunda semanas de evolução. Ao analisarmos o mesmo parâmetro medido em segundos, houve redução na primeira semana no grupo 1 e aumento nos grupos 2 e 3. Na segunda semana houve aumento no grupo 1, enquanto os grupos 2 e 3 não apresentaram alterações. Apesar dessas observações, a diferença encontrada entre os três grupos não foi estatisticamente significante. Outro parâmetro utilizado para avaliar o sistema de coagulação dos pacientes foi o TTPA (avaliação da via intrínseca da coagulação). Os grupos 1 e 2 apresentaram redução do TTPA na primeira semana, enquanto o grupo 3 apresentou aumento nesse mesmo período. Na segunda semana, houve aumento do TTPA no grupo 1 e redução no grupo 2, sem alterações no grupo 3. A principal complicação observada nos pacientes foi a formação de pneumatocele, que ocorreu em cinco (83,3%) pacientes do grupo 1 e em dois (25%) pacientes do grupo 2. O encarceramento pulmonar foi encontrado em cinco (83,3%) pacientes do grupo 1 e em 47 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.10. n. 1-2 jan./jul. – 2011 ESTUDO COMPARATIVO DOS FATORES HEMATOLÓGICOS PROGNÓSTICOS DA PNEUMONIA NECROSANTE NA CIDADE DE MANAUS dois (25%) pacientes do grupo 2. Outro achado comum foi o empiema pleural, presente em cinco (83,3%) pacientes do grupo 1 e em três (37,5%) pacientes do grupo 2. A insuficiência respiratória aguda ocorreu em dois (33,3%) pacientes do grupo 1, em dois pacientes (25%) do grupo 2 e em quatro (40%) pacientes do grupo 3. As principais complicações observadas nos pacientes estão dispostas na Tabela 4. Grupo 1 (n = 6) Complicações fi % Grupo 2 (n = 8) fi % Grupo3 (n = 10) fi % IRpA 2 33,3 2 25 4 40 Encarceramento pulmonar 5 83,3 2 25 0 - FBP 1 16,6 1 12,5 0 - Pneumatocele 5 83,3 3 37,5 0 - Pneumotórax 1 16,6 0 - 0 - Piopneumotórax 3 50 1 12,5 0 - Atelectasias 4 66,6 2 25 0 - Empiema 5 83,3 3 37,5 0 - Nenhuma 0 - 2 25 6 60 Tabela 4 – Complicações pré-operatórias observadas fi = frequência absoluta simples; IRpA = insuficiência respiratória aguda; FBP = fístula broncopleural Quanto ao tratamento cirúrgico realizado nos pacientes com PN, a ressecção do parênquima pulmonar foi necessária em três casos, sendo realizadas uma (16,6%) lobectomia e duas segmentectomias (33,3%). Apenas um (16,6%) paciente não necessitou de procedimento cirúrgico. Os procedimentos realizados estão expostos na Tabela 5. Variáveis (n=6) fi % Lobectomia 1 16,6 Segmentectomia 2 33,3 Descorticação pleuropulmonar 5 83,3 Nenhuma 1 16,6 Tabela 5 – Cirurgias realizadas nos pacientes com pneumonia necrosante Discussão de 15 pacientes na faixa etária pediátrica com o diagnóstico de PN, foi observada a persistência da febre e dos sinais de desconforto respiratório em média por 13 e cinco dias, respectivamente. 7 Em outro estudo, foi observada uma média de duração da febre e da necessidade de oxigênio inalatório significativamente maior nas crianças com PNM complicada em relação à PNM não complicada. 8 Neste trabalho, a média de duração da febre no grupo com PN foi de 11,3 dias, uma duração próxima ao observado pelos autores citados e maior que A persistência de febre, dor torácica, sinais de desconforto respiratório, piora do quadro clínico ou surgimento de novas complicações secundárias à PNM na vigência de antibioticoterapia otimizada são os parâmetros classicamente utilizados para a suspeição diagnóstica de necrose pulmonar. 5,6 A resposta clínica deve ocorrer após 48 a 72 horas do início da antibioticoterapia, com redução da febre e da dispneia. Num estudo que revisou o processo de internação 48 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.10. n. 1-2 jan./jul. – 2011 Westphal et al a apresentada pelos pacientes classificados como portadores de PNM grave (média de 6,3 dias), confirmando a persistência do quadro clínico como forte indício de evolução para necrose pulmonar. Estudos demonstram que o aumento na concentração sérica de PCR ocorre na grande maioria dos pacientes portadores de PNM, com elevação dos seus níveis já nas fases iniciais da inflamação sistêmica e do estado de sepse, porém sem aumento significativo nas fases mais tardias e severas. 9,10 Dessa forma, a dosagem sérica de PCR é um bom parâmetro para o diagnóstico de inflamação sistêmica em crianças com PNM, sendo útil para identificar casos graves ainda na fase inicial. Os pacientes com PN analisados neste trabalho apresentaram níveis elevados de PCR durante as duas semanas de acompanhamento, enquanto os pacientes com derrame pleural e PNM grave evoluíram com redução desse mesmo parâmetro, um comportamento próximo ao relatado na literatura. Por conta do pequeno número de pacientes na amostra estudada, porém, não foi possível encontrar diferença estatisticamente significativa que nos permita afirmar que os níveis persistentemente elevados de PCR foram indicativos de gravidade do quadro clínico nos pacientes com PN em relação aos dois grupos controle. De forma oposta ao que foi apresentado, uma análise realizada utilizando uma amostra maior em cada grupo (n = 36) encontrou diferenças significativas nos valores de PCR e leucócitos, confirmando a maior gravidade dos pacientes com PN. 11 A identificação de trombose dos grandes vasos pulmonares e vasos brônquicos fez surgir a hipótese de que a desvitalização do parênquima pulmonar fosse secundária ao evento trombótico e não apenas à ação invasiva dos patógenos envolvidos.12 Vários fatores foram apontados como indutores da trombose pulmonar, entre eles a vasculite resultante da infecção bacteriana e a liberação de substâncias procoagulantes pelos microrganismos, sem, no entanto, haver um consenso a esse respeito. 1 Nessa pequena série de casos, não foram observadas diferenças significativas entre os grupos em termos provas de coagulação. Estudos maiores também não conseguiram identificar um estado de hipercoagulabilidade sanguínea que predispusesse as crianças com PN a eventos trombóticos. 11 O mais provável é que a PN seja de origem multifatorial, com o envolvimento de um microrganismo invasor capaz de liberar diferentes toxinas com capacidade proteolítica e procoagulante, e de induzir uma resposta inflamatória exacerbada pelo hospedeiro, com grande produção de citocinas e lesão endotelial. A interação desses fatores levaria à trombose pulmonar com obstrução progressiva do suprimento sanguíneo que nutre o parênquima pulmonar acometido e o brônquio proximal, com redução na oferta de oxigênio e falha da corrente sanguínea em levar os antibióticos até o segmento em questão, agravando a desvitalização tecidual já iniciada pelo próprio patógeno. Para a confirmação dessa hipótese seriam necessários estudos mais detalhados a respeito das citocinas inflamatórias produzidas pelo hospedeiro e das toxinas liberadas pelos patógenos envolvidos no processo. A definição do agente etiológico da PNM grave, que ocorre de forma rapidamente progressiva, poderia direcionar de forma mais adequada a antibioticoterapia, no entanto isso nem sempre é possível. As técnicas mais utilizadas são a hemocultura e a análise do líquido pleural nos casos em que há derrame pleural associado. Em ambos os métodos, o resultado é positivo numa porcentagem variável de casos, a depender do agente etiológico, faixa etária do paciente e do uso prévio de antibióticos. 7 Dados na literatura relatam percentuais de crescimento bacteriano entre 10 e 35% nas hemoculturas e 50 a 70% na cultura de aspirado pleural, sendo que o uso 49 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.10. n. 1-2 jan./jul. – 2011 ESTUDO COMPARATIVO DOS FATORES HEMATOLÓGICOS PROGNÓSTICOS DA PNEUMONIA NECROSANTE NA CIDADE DE MANAUS prévio de antibióticos é a principal dificuldade encontrada para isolar o patógeno.13 Neste trabalho, foram coletadas duas amostras para hemocultura em cada paciente, todavia o crescimento bacteriano só ocorreu em dois casos (8,3%). Os agentes identificados foram Staphylococcus epidermidis e Staphylococcus aureus resistente à meticilina. Nos pacientes com derrame pleural associado também foi realizada a cultura do líquido pleural, mas não houve crescimento em nenhum caso. O baixo índice de positividade das técnicas utilizadas se deve principalmente às altas doses de antibiótico administradas aos pacientes antes da coleta do material para cultura. Cerca de 80% dos pacientes com PN apresentavam empiema pleural associado, índice maior que o encontrado em outros estudos.7,14 Sabe-se que o empiema pleural surge a partir da evolução de um derrame pleural exsudativo e pode culminar com o encarceramento pulmonar na sua fase mais tardia.15 Nos estudos citados, apesar da baixa associação da PN com empiema, houve uma grande associação da PN com o derrame pleural exsudativo. Dessa forma, é provável que o índice maior de empiema encontrado nessa série de casos se deva principalmente ao fato de o diagnóstico ter sido realizado tardiamente, num momento mais avançado da doença. O encarceramento pulmonar ocorreu em todos os pacientes com PN e empiema pleural, sendo necessária a realização de decorticação pleuropulmonar. O desenvolvimento de FBP possui forte associação com a PN e seu achado em casos de PNM grave com derrame pleural associado pode indicar necrose pulmonar adjacente.11 Neste trabalho, a FBP foi encontrada em apenas um paciente com PN, uma incidência bem abaixo do observado por outros autores.16,17 Isso se deve, provavelmente, ao pequeno tamanho da amostra analisada. A formação de pneumatoceles foi observada em cinco pacientes (83,3%) com PN e em três pacientes (37,5%) com PNM associada a derrame pleural. Esse achado foi maior que o relatado por outros autores, porém as pneumatoceles parecem ocorrer de forma esporádica na PNM, não havendo associação com a necrose pulmonar.7 Um total de 83% dos pacientes com PN necessitaram de procedimento cirúrgico, sendo que a ressecção pulmonar (lobectomia/ segmentectmia) foi necessária em 50% dos casos, um índice elevado em relação a outros trabalhos.18,19 Entretanto, a ressecção cirúrgica do tecido necrosado pode ser necessária nos casos mais graves.20 Conclusão Na análise das provas inflamatórias, os pacientes com PN apresentaram níveis persistentemente elevados enquanto que os grupos com PNM associado a derrame pleural e PNM grave evoluíram com redução nos níveis de PCR; entretanto, a análise estatística não mostrou diferença significativa entre os grupos. Os três grupos evoluíram com redução no número de leucócitos, não sendo identificada diferença de gravidade entre os três grupos por meio desse parâmetro. Não houve diferença estatisticamente significativa entre os três grupos na análise das provas de coagulação, tornando pouco provável que o estado de hipercoagulabilidade do hospedeiro seja o principal fator predisponente para a trombose pulmonar e consequente evolução para necrose. Dentre os parâmetros analisados, não foram encontrados fatores prognósticos para a PN. Referências 1. Penner, C; Maycher, B; Long, R. Pulmonary gangrene: A complication of bacterial pneumonia. Chest., 1994; 105(2):567-73. 50 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.10. n. 1-2 jan./jul. – 2011 Westphal et al 2. Hausdorff, W. Invasive pneumococcal disease in children: geographic and temporal variations in incidence and serotype distribution. Eur J Ped., 2002; 161(2):S135-9. 3. Danner, P; McFarland, D; Felson, B. Massive pulmonary gangrene. Am J Roentgenology., 1968; 103(3):548-54. 4. Humphreys, DR. Spontaneous lobectomy. Br Med J., 1945; 2(4.414):185-6. 5. 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Método: Trata-se de um estudo descritivo retrospectivo, baseado na avaliação de pacientes com diagnóstico prévio de hanseníase, encaminhados para avaliação otorrinolaringológica pelo Serviço de Otorrinolaringologia, no Ambulatório Araújo Lima do Hospital Universitário Getúlio Vargas. A avaliação otorrinolaringológica baseou-se em anamnese e exame físico, além de exames de nasofibroscopia e videolaringoscopia. Resultados: Foram selecionados cinco pacientes, dentre os quais quatro eram homens e uma era mulher. A média de idade foi de 37,6 anos. Dois indivíduos foram encaminhados com diagnóstico de hanseníase multibacilar e, os demais, portadores de hanseníase paucibacilar. A média do tempo de evolução da doença foi de 12,2 meses. Em um paciente, constatouse sinal de hipoestesia em orofaringe; um possuía epiglote de aspecto granulomatoso; um apresentava desabamento da pirâmide nasal, além de hiperemia, ulcerações, sinéquias e crostas em cavidade nasal. Conclusão: O médico otorrinolaringologista tem papel de grande importância para a detecção de muitos casos dessa doença e até mesmo para o acompanhamento de pacientes que já possuem diagnósticos prévios, uma vez que a mucosa oral e nasal está envolvida nas manifestações e transmissão da doença. Palavras-chave: Hanseníase; Otorrinolaringologia; Mucosa. ABSTRACT Objective: To evaluate findings in patients with leprosy. Methods: This is retrospective descriptive study, based on the finding charts of patients previously diagnosed with leprosy, sent for evaluation by the Otorhinolaringology Service of the University Hospital Getúlio Vargas. The examination was based on history and physical examination, and tests of nasal endoscopy and laryngoscopy. Results: We studied five patients, among whom four were men and one was a woman. The average age was 37.6 years. Two subjects were referred with a diagnosis of leprosy and other bearers of paucibacillary leprosy. The average time to disease progression was 12.2 months. In one patient, there was a sign of numbness in the oropharynx, epiglottis had a granulomatous aspect, had a collapse of the nasal pyramid, and hyperemia, 53 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.10. n. 1-2 jan./jul. – 2011 INVESTIGAÇÃO OTORRINOLARINGOLÓGICA EM PACIENTES PORTADORES DE HANSENÍASE ulcers, crusts and synechia in the nasal cavity. Conclusion: The otorhinolaringologist physician has important role to detect many cases of this disease and even for monitoring patients who already have previous diagnostic, since the oral and nasal mucosa are involved in disease transmission and manifestations. Key-words: Leprosy; Otolaryngology; Mucosa. Introdução recomenda o uso de classificação simplificada, sendo considerados paucibacilares (PB) os pacientes com baciloscopia negativa e com até cinco lesões cutâneas disestésicas ou multibacilares (MB), os pacientes com baciloscopia positiva e com mais de cinco lesões cutâneas disestésicas. 6 As lesões orais na hanseníase desenvolvem-se insidiosamente, geralmente assintomáticas e secundárias às alterações nasais, porém, atualmente, por conta dos diagnósticos mais precoces e o uso da poliquimioterapia, as lesões orais não são frequentemente observadas. Entretanto, a mucosa oral sem lesões evidentes pode estar comprometida nos pacientes em estágios menos avançados da doença, como constatado em diferentes estudos anteriores. 7,8 A região mais frequentemente afetada é o palato duro.7 A infiltração da micobactéria na mucosa e nas terminações nervosas dos nervos sensoriais e motores da laringe podem causar paralisia ou paresia de pregas vocais e possível alteração na sensibilidade da mucosa. 9 A deterioração sensorial ou motora pode causar aspiração e broncopneumonia, por conta da disfagia orofaríngea, o que pode ser investigado por meio de videoendoscopia e videofluoroscopia da deglutição. 10 A utilização da videoendoscopia em pacientes com hanseníase oferece uma melhor acurácia na identificação de lesões mucosas e precocidade no diagnóstico. 11 Ao contrário das lesões cutâneas, que são amplamente descritas na literatura, existem poucos estudos voltados para as alterações otorrinolaringológicas na hanseníase. A maior parte dos trabalhos A hanseníase é uma doença infecciosa crônica causada pelo Mycobacterium leprae, que afeta principalmente pele, nervos periféricos e mucosas.1 Embora a forma de transmissão exata não seja conhecida, o alto número de microrganismos nas secreções nasais sugere que, em alguns casos, o sítio inicial de infecção possa ser a mucosa nasal ou orofaríngea. 2 A transmissão é direta do paciente bacilífero não tratado, que elimina os bacilos pelas vias aéreas superiores durante convivência íntima e prolongada, principalmente intradomiciliar. Também são contaminantes os hansenomas ou qualquer lesão erosada da pele de pacientes bacilíferos. O M. leprae, apesar de altamente infectante, tem baixa patogenicidade e virulência. 3 O período de incubação da doença é longo, variando com o estado imune do indivíduo, em média de três a sete anos ou mais. 4 Dentre os exames laboratoriais, a baciloscopia é um procedimento de fácil execução e de baixo custo, sendo um dos métodos mais utilizados em nosso meio. Tem como finalidade o diagnóstico e a classificação clínica da doença pela identificação do bacilo álcool-ácido resistente (BAAR). O material examinado é o raspado intradérmico colhido nos lóbulos das orelhas, dos cotovelos e da lesão cutânea com infiltração. O esfregaço corado pela técnica de Ziehl-Neelsen permite o achado do M. leprae em material que contenha pelo menos 10 4 bacilos/mL. 3,5 Para fins operacionais e instituição de tratamento poliquimioterápico, a Organização Mundial de Saúde (OMS) 54 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.10. n. 1-2 jan./jul. – 2011 Santana et al é antiga, da época em que os pacientes evoluíam durante anos em razão da falta de tratamento eficaz contra a doença. O objetivo deste estudo é relatar os principais achados otorrinolaringológicos em pacientes portadores de hanseníase utilizando, além do exame otorrinolaringológico convencional, a endoscopia nasal e a videolaringoscopia. foi preenchido protocolo de investigação formulado para a pesquisa. Para análise dos dados foi utilizado software Epi-Info versão 3.2. O trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética da Fundação Alfredo da Matta, com parecer número 015/2010 – CEP/Fuam. Resultados Metodologia Trata-se de um estudo descritivo retrospectivo, baseado na verificação de prontuários de pacientes com diagnóstico prévio de hanseníase, encaminhados para avaliação otorrinolaringológica pelo Serviço de Otorrinolaringologia, no Ambulatório Araújo Lima do Hospital Universitário Getúlio Vargas, durante o ano de 2010. Os pacientes foram inclusos por meio de demanda espontânea, sendo selecionados aqueles maiores de 18 anos e com idade inferior a 60 anos, de ambos os sexos, com diagnóstico clínico e/ou laboratorial de hanseníase. Foram exclusos da pesquisa sujeitos de etnia indígena, mulheres grávidas, sujeitos que apresentavam sequelas de lesão no Sistema Nervoso Central e/ou sequela de tratamento de câncer de cabeça e pescoço, a fim de que doenças inerentes a essa população não pudessem interferir nos resultados da investigação. A avaliação otorrinolaringológica baseou-se em anamnese e exame físico, além de exames de nasofibroscopia e videolaringoscopia. O exame de nasofibroscopia foi realizado com ótica rígida (Endoview) de 0º e 4 mm de diâmetro, para avaliação de cavidade nasal e rinofaringe, e o exame de videolaringoscopia foi realizado com ótica rígica (Endoview) de 70º e 8 mm de diâmetro, para avaliação de hipofaringe e região laríngea. A partir das informações obtidas, Foram selecionados cinco pacientes, dentre os quais quatro eram homens e uma era mulher. A média de idade foi de 37,6 anos (desvio-padrão de 15,34). Dois indivíduos foram encaminhados com diagnóstico de hanseníase multibacilar e, os demais, portadores de hanseníase paucibacilar. A média do tempo de evolução da doença foi de 12,2 meses (desvio-padrão de 7,36). Nenhum referia história de tabagismo ou uso de qualquer outra droga ilícita. À anamnese de cavidade oral, faringe e laringe, não houve relato de dificuldade de percepção do sabor dos alimentos, sensação de boca seca, tosse ou engasgo durante ou após alimentação, disfagia ou história de pneumonia por broncoaspiração, nem dor, ou sangramento proveniente de cavidade oral. Apenas um indivíduo paucibacilar mencionou sensação de globo faríngeo. Ao exame físico da cavidade oral e orofaringe, não foram detectadas vegetações, ulcerações, hiperemia, placas ou paresia de língua. Em apenas um paciente multibacilar foi observado sinal de hipoestesia em orofaringe. À videolaringoscopia, evidenciou-se um paciente com nódulo em prega vocal esquerda e um com áreas de telangiectasias. Somente um portador de hanseníase multibacilar possuía epiglote de aspecto granulomatoso, conforme descrito na Tabela 1. 55 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.10. n. 1-2 jan./jul. – 2011 INVESTIGAÇÃO OTORRINOLARINGOLÓGICA EM PACIENTES PORTADORES DE HANSENÍASE Videolaringoscopia Multibacilares Paucibacilares Epiglote granulomatosa 1 0 Telangiectasias 1 0 Nódulo de prega vocal 0 1 Total 2 1 Desvio nasal À anamnese da cavidade nasal, houve duas pessoas com queixas obstrutivas nasais, duas com rinorreia e uma com prurido nasal. Um dos indivíduos multibacilares relatou, além de obstrução nasal, a formação de crostas, epistaxe e dor, de acordo com a Tabela 2. Nenhum relatou hiposmia ou anosmia. Multibacilares Paucibacilares Obstrução nasal 1 1 Rinorria 1 1 Prurido nasal 0 1 Crostas nasais 1 0 Epistaxe 1 0 Dor 1 0 Total 5 3 Hipertrofia de cornetos nasais Paucibacilares 0 3 2 1 0 Crostas nasais 1 0 Sinéquias 1 0 Hiperemia mucosa 1 0 Palidez mucosa 0 1 Atrofia de cornetos nasais 1 0 Perfuração septal 1 0 Total 7 6 em Discussão Embora o Brasil tenha registrado diminuição na detecção de casos novos, a hanseníase ainda constitui um problema de saúde no país, principalmente nas Regiões Norte, Nordeste e CentroOeste, que concentram 53,5% dos casos detectados em apenas 17,5% da população brasileira.12 Apesar da elevada casuística, o número de pacientes diagnosticados com hanseníase, que são encaminhados ou conseguem chegar a atendimento otorrinolaringológico complementar, é extremamente baixo. Tal realidade não é a ideal, pois sabe-se que a região da mucosa nasal e orofaríngea é a principal porta de entrada e de eliminação bacilar. Com isso, o exame otorrinolaringológico é importante no diagnóstico precoce pelo acometimento frequente das vias aérea superiores em caráter descendente, ou seja, inicia pelas fossas nasais e, a seguir, boca e laringe. A mucosa nasal geralmente é comprometida nas fases iniciais da doença, frequentemente precedendo o aparecimento das lesões cutâneas. 13 As manifestações podem ser divididas em três grupos: as precoces, caracterizada por infiltração da mucosa e ressecamento anormal; as intermediárias, na qual a infiltração aumenta Ao exame físico da cavidade nasal, apenas um paciente multibacilar possuía desabamento da pirâmide nasal, com destruição de cartilagens laterais superiores e inferiores e de septo nasal. À nasofibroscopia, evidenciou-se um paciente com palidez mucosa, um com hiperemia mucosa, ulcerações, sinéquias, perfuração septal e crostas nasais; três com hipertrofia de cornetos nasais; um com atrofia de cornetos nasais e três com desvio de septo nasal, segundo a Tabela 3. Nenhum manifestou insuficiência velofaríngea. Multibacilares 1 Tabela 3 – Achados, segundo exame de nasofibroscopia Tabela 2 – Sintomas nasais em pacientes portadores de hanseníase Nasofibroscopia septo Ulcerações mucosa Tabela 1 – Achados, segundo exame de videolaringoscopia Sintomas nasais de 56 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.10. n. 1-2 jan./jul. – 2011 Santana et al gerando obstrução nasal e hipersecreção mucosa originando crostas, e, por últimas, as manifestações tardias, marcadas pelo comportamento mutilante da doença com ulceração, infecção secundária e redução do aporte sanguíneo ao pericôndrio levando a perfuração do septo nasal, alterações da sensibilidade e do olfato. A destruição do septo nasal caracteriza o nariz em sela, deformidade típica da hanseníase. 14 Nessa avaliação, somente um paciente multibacilar possuía desabamento de pirâmide nasal, com destruição de cartilagens alares superiores e inferiores e septo nasal. Nessa série de casos, todos os pacientes relataram alguma queixa nasal, sendo as mais frequentes obstrução e rinorreia, ambos em dois pacientes cada. Um dos pacientes com obstrução nasal queixava-se também de eliminação de crostas, epistaxe e dor. Apenas um paciente queixou-se de prurido nasal e nenhum referiu alterações no olfato. Todos esses achados foram citados por outros estudos, sendo a obstrução nasal e a eliminação de crostas os sintomas mais descritos em um trabalho maior realizado num centro de referência. 15 Nesse mesmo estudo, o exame físico nasal revelou a presença de hipertrofia de conchas nasais em 36% dos casos, atrofia de conchas nasais e hiperemia mucosa em 22% dos pacientes, cada, e palidez mucosa em 20%. Não foram relatados casos de desvio de septo. Em nossa casuística, a hipertrofia de conchas nasais também foi o principal achado em três pacientes. A atrofia de conchas nasais, hiperemia e palidez mucosas só foram encontrados em um paciente, cada. Foram observados três casos de desvio de septo nasal. É comum que alguns pacientes não tenham queixas nasais e, quando as possui, não as relacionam à hanseníase, mostrando a importância de um acompanhamento sistemático de um otorrinolaringologista num centro de tratamento da hanseníase. Na cavidade oral, os locais afetados em ordem de frequência são: palato duro, palato mole, gengiva, língua, lábios e mucosa jugal. Os tecidos moles afetados apresentam-se inicialmente como pápulas firmes, amareladas ou vermelhas, sésseis, de tamanho crescente, que ulceram e necrosam, sendo seguidas por uma tentativa de cicatrização por segunda intenção. Pode ocorrer a perda completa da úvula e fixação do palato mole. As lesões linguais surgem principalmente no terço anterior e muitas vezes começam como áreas de erosão, que podem resultar em grandes nódulos. 16,2 No presente estudo, não foram detectadas lesões, ao exame físico, de cavidade oral e orofaringe, muitas vezes, porque os pacientes já se encontravam em tratamento, na ocasião da consulta. A menor incidência de lesões orais observadas recentemente, comparado com os relatos mais antigos, pode ser explicada pelo fato de o tratamento poliquimioterápico vigente ser mais efetivo e iniciado precocemente, e, provavelmente, também pelo melhoramento da higiene oral. 7 A mucosa oral oferece uma resistência natural para o surgimento da hanseníase e as lesões orais podem estar restritas a estágios avançados da doença. A invasão da mucosa oral pode ocorrer quando há uma bacteremia de M. leprae. Entretanto, a mucosa oral pode ser um local para a localização do M. leprae, até mesmo sem sinais macroscópicos e isso precisa ser confirmado usando técnicas histológicas e biologia molecular. 17 Em pesquisas realizadas pela PCR, com biópsias em mucosa, aparentemente normal de palato duro e mole em sete pacientes multibacilares, em tratamento, obteve-se positividade em seis dos sete casos (85,7%) para detecção molecular do M. leprae. 18 Dentre os nervos cranianos, o mais afetado pela hanseníase é o trigêmeo (V par) responsável pela sensibilidade da face, dos 2/3 anteriores da língua e do palato duro e mole, e, em seguida, o nervo facial (VII par) 57 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.10. n. 1-2 jan./jul. – 2011 INVESTIGAÇÃO OTORRINOLARINGOLÓGICA EM PACIENTES PORTADORES DE HANSENÍASE responsável pela inervação dos músculos da mímica facial e pela sensibilidade gustativa dos 2/3 anteriores da língua. 19 Nesta casuística, não houve relato de dificuldade de percepção do sabor dos alimentos nem sensação de boca seca. Apenas um paciente multibacilar apresentou hipoestesia em orofaringe. O prejuízo sensorial ou motor em cavidade oral e orofaringe pode causar alterações na deglutição, pois, para que esta ocorra de forma adequada, exige-se uma complexa coordenação neuromuscular, que envolve sensibilidade, mobilidade e tônus orofaríngeo; sendo assim, indivíduos com hanseníase podem apresentar disfagia.20,21 A literatura reflete a importância da sensibilidade oral para uma deglutição eficiente. O déficit de sensibilidade altera respostas motoras e a anestesia local em orofaringe causa um significante aumento na duração da deglutição e uma diminuição do volume deglutido, e, algumas vezes, até mesmo resulta em aspiração. 22 Neste trabalho, nenhum paciente referiu tosse ou engasgo durante ou após alimentação, disfagia ou história de pneumonia por broncoaspiração. Apenas um indivíduo mencionou sensação de globo faríngeo. A videoendoscopia é o método escolhido para avaliação da mucosa da faringe e laringe.23 A utilização da videoendoscopia em pacientes com hanseníase oferece uma melhor acurácia na identificação de lesões mucosas e precocidade no diagnóstico. 11 Nesta casuística, por meio de videolaringoscopia, detectou-se um portador de hanseníase multibacilar com epiglote de aspecto granulomatoso. Por intermédio de nasofibroscopia, verificou-se que um paciente multibacilar apresentava ulcerações em mucosa nasal, presença de crostas, sinéquias e atrofia de cornetos nasais. Isso mostra a importância de todos os pacientes passarem pela avaliação otorrinolaringológica, como também comprova que, apesar do paciente não ter a queixa de sintoma nasal, a cavidade nasal pode estar acometida. A maior parte dos achados, quanto à anamnese, exame físico e exames de nasofibroscopia e videolaringoscopia, foi observada em pacientes multibacilares, porém é importante ressaltar que todos os pacientes, mesmo os paucibacilares, apresentavam queixas nasais e três deles possuíam alterações ao exame endoscópico, o que sugere um comprometimento do nariz ainda nas fases inciais da doença Assim, o exame otorrinolaringológico é importante no diagnóstico precoce da hanseníase em razão do acometimento frequente das vias aérea superiores.15 Em conclusão à persistência dos altos índices de hanseníase no país, aponta para a necessidade de incluí-la entre os diagnósticos diferenciais de diversas granulomatoses. O médico otorrinolaringologista tem papel de grande importância para a detecção de muitos casos dessa doença e até mesmo para o acompanhamento de pacientes que já possuem diagnósticos prévios, uma vez que as mucosas oral e nasal estão envolvidas nas manifestações e transmissão da doença. A investigação endoscópica desses pacientes contribui para diagnósticos e, consequentemente, tratamentos precoces, evitando o seu avanço e inibindo a evolução para sequelas mutilantes e estigmatizantes. Referências 1. Martins, MD; Russo, MP; Lemos, JBD; Fernandes, KPS; Bussadore, SK; Corrêa, CT; Martins, MAT. Orofacial lesions in treated southeast Brazilian leprosy patients: a crosssectional study. Oral Diseases., 2007; 13:270273. 2. Neville, BW; Damm, DD; Allen, CM; Bouquot, J. Patologia Oral e Maxilofacial. Rio de Janeiro: Elsevier; 2009. 3. Osugue, SM; Osugue, JY. Hanseníase. In: 58 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.10. n. 1-2 jan./jul. – 2011 Santana et al Tavares, W; Marinho, LAC. Rotinas de diagnóstico e tratamento das doenças infecciosas e parasitárias. São Paulo: Editora Atheneu; 2005. 4. Pontes, ARB; Almeida, MGC; Xavier, MB,; Quaresma, JAS; Yassui, EA. Detecção do DNA de Mycobacterium leprae em secreção nasal. 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Cardoso, *Priscila Lago, *Marilu Gomes, *Simone de A. Damasceno, **Cristina Melo *Médicas residentes de Clínica Médica do HUGV **Doutora em Gastroenterologia pela Unifesp RESUMO A neoplasia de pâncreas é uma das principais causas de morte por câncer no Ocidente. Apesar do avanço alcançado nas técnicas de imagem e no manejo cirúrgico, a sua mortalidade permanece elevada, chegando a um percentual de 4% do total de mortes por câncer no Brasil. De fato, 80-90% dessas neoplasias são diagnosticadas por apresentarem doença localmente avançada ou em estágio metástatico. Metástases cutâneas originadas de neoplasias pancreáticas são incomuns e muito raramente podem ser o primeiro achado desse tipo de câncer. Geralmente estas se localizam mais frequentemente na região umbilical. Este caso relata uma apresentação atípica de metástases cutâneas, em tórax e membro inferior esquerdo, como manifestação inicial de carcinoma pancreático. Palavras-chave: Neoplasia de Pâncreas; Nódulos Subcutâneos; Metástases Cutâneas. ABSTRACT The neoplasm of the pancreas is a major cause of cancer death. Despite advances in imaging and surgical management, its mortality remains high, plus a percentage of 4% of all deaths from cancer in Brazil. Indeed, 80-90% of these cancers are diagnosed because they had locally advanced disease or metastatic stage. Cutaneous metastases originating from pancreatic neoplasms are uncommon and, very rarely, can be the first found of this type of cancer. Usually these metastases are located most often in the umbilical region. This case demonstrates an unusual presentation of cutaneous metastases in the chest and left leg as the initial manifestation of pancreatic carcinoma. Keywords: Pancreas Cancer; Subcutaneous Nodules; Skin Metastases. 61 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.10. n. 1-2 jan./jul. – 2011 METÁSTASES CUTÂNEAS COMO PRIMEIRA MANIFESTAÇÃO DE NEOPLASIA DE PÂNCREAS: RELATO DE CASO Introdução Referia perda ponderal de 8 kg nesse ínterim e surgimento de novas lesões nodulares subcutâneas em membro superior direito e região torácica anterior, acompanhadas de dor e parestesia local. Encontravase anictérica, afebril com presença de nódulos subcutâneos arrendondados, bem delimitados, de consistência endurecida, sem sinais de flogose, localizados em membro inferior direito, região torácica anterior direita e nádega direita. Inicialmente móveis, tornaram-se progressivamente aderidos aos planos profundos, com dor intensa à mobilização destes. No total eram nove nódulos, sendo o maior deles de 13 x 13 cm e o menor de 2 cm. O carcinoma de pâncreas é uma das principais causas de morte por malignidade no Ocidente. Dados do Instituto Nacional do Câncer (Inca) o colocam como sendo responsável por 2% de todos os tipos de câncer e 4% do total de mortes por câncer no Brasil.1 A ressecção da lesão é possível em menos de 20% dos casos por conta da presença de metástases regionais ou a distância no momento do diagnóstico. 2 As metástases a distância do carcinoma pancreático são mais frequentemente encontradas no fígado, pulmão, TGI, entre outros órgãos.3 Metástases cutâneas são raras e geralmente estão situadas na região periumbilical. São infrequentes os casos descritos na literatura de metástases de localização extraumbilical que se apresentem como manifestação inicial desse tipo de neoplasia. O objetivo deste relato é descrever o caso de uma paciente que apresentou lesões cutâneas em localização não usual como achado inicial de um carcinoma pancreático. Relato de caso Paciente do sexo feminino, 51 anos, proveniente do interior do Estado do Amazonas, apresentando há três meses da internação quadro de tumorações indolores, localizadas inicialmente em um terço [1/3] superior do hemitórax direito, região supraescapular direita e membro inferior direito (Figura 1), de crescimento progressivo. Após seis semanas do início do quadro, evoluiu com dor abdominal importante, febre moderada (38ºC), diarreia líquida sem sangue ou muco, cerca de três episódios/dia. Na admissão hospitalar, apresentava dor abdominal em cólica em flanco esquerdo com irradiação para epigástrio, que melhorava com posição antálgica e piorava com decúbito dorsal. Figura 1: Nódulo subcutâneo em membro inferior direito No exame físico do abdome notou-se presença de massa palpável em mesogástrio, pétrea, com bordos irregulares e pouca mobilidade, medindo aproximadamente 8 cm. Ausência de linfonodomegalias periféricas ou em região umbilical. A paciente foi submetida a tomografias computadorizadas, com contraste oral e venoso, de tórax, abdome e pelve, que demonstraram massas com densidade de partes moles em região de hemitórax direito (HTD) (Figura 3), lesão neoplásica em topografia de cabeça de pâncreas (Figura 2) e nádega direita (Figura 4), respectivamente. 62 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.10. n. 1-2 jan./jul. – 2011 Pereira et al foi submetida a uma laparotomia exploradora para biópsia da lesão pancreática e derivação biliodigestiva, consecutivamente. O estudo histopatológico das referidas lesões cutâneas demonstrou adenocarcinoma metastático e da massa abdominal, adenocarcinoma pancreático. A paciente faleceu seis dias após o procedimento cirúrgico por quadro de tromboembolismo pulmonar e disfunção de múltiplos órgãos. Figura 2 – Neoplasia da cabeça de pâncreas, determinando mínima dilatação das vias biliares intra e extra-hepáticas do ducto pancreático principal, indissociável da veia cava inferior e envolvendo os vasos mesentéricos. A lesão mede 9,6 x 5,3 cm Figura 3 – Massa com densidade de partes moles, medindo 8,6 x 6,2 cm, localizada no TCS da face anterior do terço superior do HTD, indissociável do músculo pequeno peitoral subjacente Figura 4 – Massa com densidade de partes moles localizada no tecido celular subcutâneo da região glútea à direita, medindo 5,0 x 4,5 x cm nos maiores diâmetros Procedido então biópsias das lesões nodulares cutâneas e da lesão pancreática, por meio de laparotomia exploradora. A paciente 63 Discussão Metástases cutâneas representam 3 a 5% dos sítios de tumores metastáticos, e são características de neoplasias em estágio avançado. Ocasionalmente elas precedem à descoberta do câncer primário principalmente no caso das metástases pulmonares ou renais. 2 Tumores que comumente metastatizam para a pele incluem o carcinoma broncogênico, hipernefroma, câncer de mama, melanoma maligno, carcinoma de estômago e ovário. 3 Apesar de qualquer parte do tegumento poder ser afetada por metástases, as localizações mais frequentes são a parede abdominal anterior, seguida pelo tórax, face, pescoço, couro cabeludo e periferia. 4 Os locais mais acometidos por metástases do carcinoma pancreático como sendo linfonodos regionais, pulmões, fígado, adrenais, rins e ossos.5 Metástases cutâneas desse tipo de neoplasia são raras e geralmente são localizadas na região periumbilical, sendo conhecidas como linfonodo ou nódulo de Sister Mary-Joseph. 6,7 O mecanismo envolvido nessas metástases não está bem esclarecido. Estudos prévios eram baseados na hipótese da “semente e solo”, 3 na qual a semeadura do tumor na cavidade intrabdominal comumente ocorria em consequência a uma ressecção tumoral com intenção curativa. Ademais, é sabido que o carcinoma pancreático metastatiza rapidamente para o sistema linfático por revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.10. n. 1-2 jan./jul. – 2011 METÁSTASES CUTÂNEAS COMO PRIMEIRA MANIFESTAÇÃO DE NEOPLASIA DE PÂNCREAS: RELATO DE CASO infiltração,embolização embolizaçãoe retrogradamente e retrogradamente razão da obstrução linfática do pâncreas. 3,8 infiltração, ememwcm/connect/tiposdecancer/site/home/ alguns autores, o envolvimento cutâneoAcesso pode em ocorrer por três formas razão Segundo da obstrução linfática do pâncreas.3,8 pancreas. 16/9/2010. diferentes: invasão doença com metástase local e a distância. De acordo essa Segundo algunsdireta, autores, o envolvimento 2. Saraswat, VA; Krishnani, N; com Salunke, série, o último é o menos quando ocorre, lesões cutâneasinsurgem como cutâneo pode mecanismo ocorrer por três comum formase, PN. Cutaneous metastases pancreatic 9 múltiplos agrupados uma área do corpo. diferentes:nódulos invasão direta,emdoença com adenocarcinoma. Indian J Pathol Microbiol,. Outrolocal autor casoscom e revisou dezessete com metástases cutâneas metástase e a publicou distância.cinco De acordo 1995, Jan.; 38(1):99-101. 10 Em 20 as lesões pele estavam originalmente de neoplasia pancreática. essa série, o último mecanismo é o menos 3.casos, Tuoheti, Y. da Kyoji Okada; presentes Toshihisa antes do câncer 11 desses casos, estas eram a primeira comumdoe,diagnóstico quando ocorre, lesõesprimário. cutâneas Em Osanai; Jun Nishida; Shigeru Ehara; Manabu manifestação da neoplasia como o caso em aqui Hashimoto relatado. Esse estudioso constatou surgem como múltiplos nódulos agrupados et. al. Skeletal também muscle metastases que oárea local comum de lesão cutânea metastática da neoplasia pancreática é a região uma domais corpo. of carcinoma: a clinicopathological Study periumbilical. Outro autor publicou cinco casos e of 12 cases. Japanese Journal of Clinical Portanto, nosso de caso faz menção a uma apresentação revisou dezessete comrelato metástases cutâneas Oncology, 2004; 34(4):210-4. clínica rara de câncer de pâncreas, que teve pancreática.10 como manifestação nódulos originalmente de neoplasia 4. inicial Takeuchi, H; subcutâneos Kawano, T;metastáticos Toda, T; localizados fora as da lesões região periumbilical, sendoMinamisono, esta última Y; comumente citada naSugimachi, literatura Em 20 casos, da pele estavam Nagasaki, S; Yao, T; mundial como o sítio maisdo comum de metástases do câncer de pâncreas. A paciente presentes antes do cutâneo diagnóstico câncer K. Cutaneous metastasis from pancreatic apresentava massacasos, abdominal palpável em região de mesogástrio, porém primário. Emainda 11 desses estas eram a adenocarcinoma: a case report and icterícia, a review que frequentemente maisomarcante desse tipo de neoplasia, era ausente primeira manifestaçãoé adamanifestação neoplasia como of the literature. Hepatogastroenterology., na admissão dela. caso aqui relatado. Esse estudioso também 2003, Jan.-Feb.; 50(49):275-7. Embora nãomais esteja entredeoslesão locais 5. mais Hafez, comumente por metástases, é constatou quea opele local comum HZ.afetados Cutaneous Pancreatic importante que essa da hipótese entre no diagnóstico diferenciala dascase lesõesreport cutâneas cutânea metastática neoplasia pancreática metastasis: andna prática review clínica. é a região periumbilical. of literature. Indian J Dermatol., 2008; Portanto, nosso relato de caso faz menção 53(4):206-9. a uma apresentação clínica rara de câncer de 6. Colla, TG; Lovatto, L; Duquia, RP. Caso pâncreas, que teve como manifestação inicial para diagnóstico. Metástase umbilical de nódulos subcutâneos metastáticos localizados carcinoma pancreático (Sister Mary Joseph fora da região periumbilical, sendo esta Nodule). An Bras Dermatol., 2009; 84(3):297última comumente citada na literatura 8. mundial como o sítio cutâneo mais comum de 7. Crescentini, F; Deutsch, F; Sobrado, CW; metástases do câncer de pâncreas. A paciente Araújo, S. Nódulo umbilical como única apresentava ainda massa abdominal palpável apresentação clínica de tumor pancreático: em região de mesogástrio, porém icterícia, relato de caso. Rev. Hosp. Clín. Fac. Med. S. que frequentemente é a manifestação mais Paulo, 2004; 59(4):198-202. marcante desse tipo de neoplasia, era ausente 8. Dae Won Jun; Oh Young Lee et. al. Cutaneous na admissão dela. metastases of pancreatic Carcinoma as a Embora a pele não esteja entre os locais First Clinical Manifestation. Korean J Intern mais comumente afetados por metástases, Med., 2005; 20(3):260-3. é importante que essa hipótese entre no 9. Lookingbill, DP; Spangler, N; Sexton, FM. diagnóstico diferencial das lesões cutâneas na Skin involvement as the presenting sign of prática clínica. internal carcinoma. J Am Acad Dermato, 1990; 22:19-26. Referências 10. Miyahara, M; Hamanaka, Y; Kawabata, A; Sato, Y; Tanaka, A; Yamamoto, A et. al. Cutaneous metastasis from pancreatic 1. Inca – Instituto Nacional do Câncer. cancer. Int J Pancreatol, 1996; 20:127-30. Estatística do Câncer [Internet]. Disponível em: http://www2.inca.gov.br/wps/ 64 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.10. n. 1-2 jan./jul. – 2011 Pereira et al CARDIOMIOPATIA ARRITMOGÊNICA DO VENTRÍCULO DIREITO E ANGIOTOMOGRAFIA CARDÍACA: RELATO DE CASO Arrhythmogenic Right Ventricular Dysplasia And Heart Angiotomography: A Case Report Frederico Gustavo Cordeiro Santos*, Marlúcia do Nascimento Nobre**, Danielle Abreu da Costa*, Anne Elizabeth Andrade Sadala Marques*, Abraão Ferreira Nobre*, Gustavo Cavalcante Maio de Aguiar*** e Jaime Arnez Maldonado**** * Médico(a) residente de cardiologia do Hospital Universitário Getúlio Vargas ** Médica especialista em cardiologia *** Médico cardiologista especialista em tomografia computadorizada e ressonância nuclear magnética cardíacas **** Médico cardiologista especialista em eletrofisiologia e estimulação cardíaca RESUMO A cardiomiopatia arritmogênica do ventrículo direito (CAVD) é uma doença que se caracteriza por infiltração de tecido fibroadiposo no miocárdio do ventrículo direito (VD). Acomete, predominantemente, homens jovens, resultando em arritmias graves e morte súbita (MS), por taquicardia ventricular (TV). O diagnóstico é difícil e subestimado, sendo utilizados critérios maiores e menores para tentar estabelecê-lo. A disfunção do VD é considerada como um dos critérios maiores para o diagnóstico e a ressonância nuclear magnética cardíaca (RNMc) constitui-se no melhor teste não invasivo para avaliar a função dessa câmara. Entretanto, a tomografia cardíaca vem sendo estudada como alternativa à RNMc. Descrevemos um caso de um paciente jovem, com história de episódios repetidos de síncope e TV documentada, onde foi optado por implante de cardiodesfibrilador, pelo alto risco de MS. Foi realizada tomografia computadorizada (TC) cardíaca após o procedimento para avaliar a função ventricular direita, sendo obtidos achados compatíveis com CAVD (hipocinesia severa, infiltração gordurosa e dilatação ventricular direita). Nesse contexto, a TC cardíaca desponta como alternativa para o auxílio diagnóstico da CAVD, podendo constituir-se em um método tão acurado quanto a RNMc para a avaliação da função do VD, apresentando vantagem pela possibilidade de ser utilizada em portadores de marcapasso ou cardiodesfibrilador. Palavras-chave: Cardiomiopatia Arritmogênica Ventricular Direita; Tomografia; Imagem por Ressonância Magnética. ABSTRACT Arrhythmogenic right ventricular dysplasia (ARVD) is a difficult disease to diagnose, which is characterized by fibrofatty replacement of the right ventricular myocardium. Affects principally young man resulting in arrhythmias and sudden cardiac death (SD) by ventricular tachycardia (VT). The diagnosis of early and mild forms of disease is often 65 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.10. n. 1-2 jan./jul. – 2011 CARDIOMIOPATIA ARRITMOGÊNICA DO VENTRÍCULO DIREITO E ANGIOTOMOGRAFIA CARDÍACA: RELATO DE CASO difficult and based on a series of diagnostic criteria (major and minor) proposed. The severe dilation and reduction of right ventricular ejection fraction is considered as a major criteria and the cardiac magnetic resonance imaging (MRi) is the gold-standard test to evaluate this dysfunction. However, multislice computed tomography (CT) has been studied as an alternative to MRi. We describe a case of a twenty-six years old man with frequent episodes of syncope and documented VT, in which a cardioverter-defibrillator (ICD) was implanted, for the high risk of SD, and a cardiac computed tomography was performed to assess right ventricular function. Changes consistent of ARVD (severe hipokinesia, fat infiltration, and right ventricular enlargement) were observed. In this context, the cardiac CT emerges as an alternative to help the diagnosis of ARVD, it can be used as an accurate method as the cardiac MRi for assessing right ventricular function, and used in patients with pacemaker or implantable cardioverter-defibrillator. Keywords: Arrhythmogenic Right Ventricular Dysplasia; Tomography; Magnetic Resonance Imaging. Introdução Anatomicamente, a CAVD caracterizase por substituição gradual do miocárdio do VD por tecido fibrogorduroso acometendo o epicárdio e a região central do miocárdio e, menos frequentemente, o endocárdio. 8,9 O diagnóstico é difícil e subestimado em razão da existência de formas menos exuberantes, sendo utilizada uma combinação de critérios (maiores e menores) para estabelecê-lo. O diagnóstico da CAVD estaria firmado na presença de dois critérios maiores ou um critério maior associado a dois menores de grupos distintos ou ainda quatro critérios menores. Esses critérios incluem: 1) disfunção global e/ou regional e alterações estruturais (detectadas ao ecocardiograma, angiografia, ventriculografia contrastada e ressonância nuclear magnética) sendo considerados maiores a dilatação severa e redução da fração de ejeção (FE) do VD com nenhum (ou discreto) comprometimento do VE, aneurismas localizados no VD e dilatação severa do VD e menor a dilatação global discreta ou redução da FE do VD com VE normal; 2) característica do tecido parietal, tendo como critério maior a substituição fibrogordurosa do tecido miocárdico na biópsia endomiocárdica; 3) anormalidades da repolarização (considerado como critério menor) com ondas T invertidas nas A Cardiomiopatia Arritmogênica do Ventrículo Direito (CAVD) é uma entidade caracterizada por substituição gradual das células miocárdicas do ventrículo direito (VD) por tecido fibroadiposo, de etiologia ainda não identificada. 1 Esse infiltrado fibroadiposo pode estender-se para o ventrículo esquerdo o qual confere ao quadro uma maior gravidade.2 Inicialmente, foi identificada em pacientes submetidos a tratamento cirúrgico de taquicardia ventricular (TV), porém sem história prévia de cardiomiopatias e não respondedores a tratamento medicamentoso.3 A prevalência na população geral é de 6/10.000, acometendo, predominantemente, jovens do sexo masculino.4,5 Tem amplo espectro de apresentação desde extrassistolia ventricular isolada até TV sustentada, podendo ocorrer como primeira manifestação a morte súbita, sendo esta uma importante causa de MS em jovens adultos menores de 35 anos. 5 As principais manifestações clínicas são arritmias ventriculares, insuficiência cardíaca e morte súbita. 6 Há uma importante relação entre o esforço físico e o desencadeamento da TV, sendo este um dos principais motivos de morte súbita em atletas. 7 66 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.10. n. 1-2 jan./jul. – 2011 Santos et al para o Serviço de Arritmologia do Hospital Universitário Francisca Mendes (HUFM) por apresentar, desde a infância, episódios de palpitações taquicárdicas e síncopes recorrentes, frequentemente associados à atividade física. Tinha avô e tio paternos com história de MS abaixo de 35 anos. Seis meses antes da primeira consulta, quando realizava esforço físico (jogo de futebol), apresentou último episódio de síncope. Encaminhado ao pronto-socorro, documentou-se uma TV (Figura 1), a qual foi revertida por cardioversão elétrica (CVE). derivações precordiais direitas (V2 e V3, na ausência de bloqueio do ramo direito – BRD); 4) anormalidades da despolarização e da condução, tendo como critérios maior a presença de ondas épsilon ou prolongamento localizado do QRS (>110ms) em derivações precordiais direitas e menor a presença de potenciais tardios detectados ao eletrocardiograma de alta resolução; 5) presença de arritmias, considerado critério menor a TV (sustentada ou não) com morfologia tipo bloqueio do ramo esquerdo (BRE) e ectopias ventriculares frequentes (>1000/24h); 6) história familiar, considerada critério maior a doença familiar confirmada pela cirurgia ou necropsia e critérios menores a história familiar de morte súbita em jovens (<35 anos) com suspeita clínica de CAVD e história familiar. 9,10 Em um estudo com 31 pacientes, no ano de 2005, foi sugerido que o mapeamento de voltagem eletroanatômica tridimensional do ventrículo direito poderia melhorar a acurácia do diagnóstico da CAVD, evidenciando áreas de baixa voltagem associadas à infiltração fibrogordurosa.11 A ressonância nuclear magnética cardíaca (RNMc) é considerada o melhor teste não invasivo para avaliação da função ventricular direita. 12,13 Entretanto, para alguns autores, a avaliação de alterações contráteis do VD e a detecção de gordura intramiocárdica podem ser realizadas pela angiotomografia cardíaca. 14 O tratamento é realizado com base na estratificação de risco para morte súbita, podendo ser considerado uso de drogas antiarrítmicas, ablação por radiofrequência, implante de cardio-desfibrilador (CDI) e até mesmo transplante cardíaco.15 Figura 1 – 0 Taquicardia ventricular com padrão de bloqueio de ramo esquerdo Em seguimento ambulatorial posterior, o exame físico demonstrou VD palpável, sem outras alterações evidentes. O eletrocardiograma (ECG) de base apresentava ritmo sinusal, QS em parede inferior, sinais de baixa voltagem e eixo do QRS em -30º. O ECG da TV (Figura 1) mostrou padrão de BRE, e eixo do QRS em +120º. A radiografia de tórax confirmou aumento da área cardíaca à custa do VD, com transparência pulmonar normal. Na tentativa de se flagrar episódios arrítmicos, foi realizado holter, o qual evidenciou EV frequentes e trigeminadas raras. O ecocardiograma transtorácico (ETT) revelou função sistólica global do ventrículo esquerdo (VE) preservada, disfunção sistólica com hipocinesia difusa do VD. Submetido à cinecoronariografia, foram observadas Relato de caso e Paciente masculino, 26 anos, natural procedente de Manaus, referenciado 67 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.10. n. 1-2 jan./jul. – 2011 CARDIOMIOPATIA ARRITMOGÊNICA DO VENTRÍCULO DIREITO E ANGIOTOMOGRAFIA CARDÍACA: RELATO DE CASO coronárias normais e ventriculografia com hipertrofia do VE, aumento do volume diastólico final e hipocinesia 3+/4 do VD. Em uso de amiodarona, foi submetido a estudo eletrofisiológico invasivo (EEFi) por meio do qual foi reproduzida a TV clínica, com repercussão hemodinâmica. Aplicando-se os critérios, um maior e dois menores estavam presentes (dilatação severa e redução da FE do VD, TV com morfologia de BRE e história familiar de MS), sendo diagnosticado CAVD. Após o diagnóstico, e como prevenção secundária de morte súbita, foi implantado um cardio-desfibrilador (CDI). Após quatro meses, o paciente foi submetido à angiotomografia cardíaca. O exame foi realizado em tomógrafo GE Light Speed de 64 detectores e resolução de 0,625 mm, com infusão de contraste iodado não iônico, e evidenciou áreas de infiltração gordurosa (Figura 2A) com hipocinesia global severa e áreas de discinesia segmentar (anterolateral, em regiões basal e apical) do miocárdio do VD (Figura 3), fração de ejeção do VD de 28% e com volumes sistólico e diastólico finais de 190 ml e 267 ml, respectivamente. O VE apresentou-se com função normal. Figura 3. – Tomografia cardíaca – demonstração da função do VD, mostrando as fases diastólica (A) e sistólica (B) finais. Nas setas (brancas), observa-se área de discinesia anterolateral Atualmente, o paciente encontrase em seguimento ambulatorial, e recebeu vários choques apropriados dados pelo CDI. Na tentativa de minimizar as terapias do CDI, foi submetido a uma ablação por cateter utilizando sistema de mapeamento tridimensional com mapas de voltagem (Figura 2B) e de ativação do VD, sendo induzidas três morfologias de TV e realizada ablação daquela que consideramos a responsável pelas terapias dadas pelo CDI. Discussão A CAVD é uma entidade de difícil diagnóstico, podendo ter como primeira manifestação a morte súbita em jovens, como observado em alguns estudos. 16 O paciente, embora não atleta, era praticante de atividade física regular e jovem. A doença acomete, predominantemente, o VD, porém o acometimento biventricular pode estar presente e, mais raramente, o VE isoladamente poderá estar envolvido. 17 No caso reportado, apenas o VD apresentava-se doente. O diagnóstico baseia-se na demonstração histológica de infiltrado fibrogorduroso no miocárdio do VD, podendo a amostra ser obtida por biópsia, cirurgia ou autópsia. Entretanto, a biópsia endomiocárdica apresenta sensibilidade baixa (67%), com Figura 2. A – Tomografia cardíaca demonstrando infiltração gordurosa no miocárdio do ventrículo direito. B. Mapeamento de voltagem demonstrando extensa área de cicatriz densa (cinza) da parede livre do VD, que se estende da via de saída até a parede inferior 68 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.10. n. 1-2 jan./jul. – 2011 Santos et al especificidade em torno de 92%, não sendo, na maioria dos casos, indicada, pelo risco de lesão da parede ventricular e pela possibilidade de se obter amostra de tecido normal. 6 O ETT pode auxiliar no diagnóstico, porém apresenta limitação importante para avaliação da função do VD. 19 A angiografia apresenta sensibilidade e especificidade baixas. 17 O mapeamento de voltagem tridimensional do VD pode melhorar a acurácia diagnóstica e identificar um subgrupo de pacientes que preenchem os critérios diagnósticos, mas apresentam eletrograma de voltagem preservado, além de permitir melhor avaliação das arritmias. 11 A RNMc, por apresentar alta resolução espacial e permitir a avaliação anatômica e funcional dos ventrículos, é considerada como método não invasivo mais apropriado para avaliação da função do VD.13 As alterações observadas na RNMc fazem parte dos critérios maiores e menores para o diagnóstico da doença. 17 No caso em questão, foi realizado o diagnóstico de CAVD por meio desses critérios e para prevenção secundária foi implantado CDI, o que contraindicou a realização da RNMc. Em 1986, foi demonstrado, pela primeira vez, pela TC cardíaca, a dilatação e hipocinesia importante do VD em um paciente com CAVD. 19 Atualmente, com o advento dos novos equipamentos com múltiplos detectores, a TC cardíaca tornou possível observar a infiltração gordurosa e as alterações morfológicas e funcionais do VD, assemelhando-se às vistas pela RNMc. Estudos recentes demonstram essa possibilidade. 14 Por esse motivo e pela presença do CDI, a TC cardíaca foi realizada e evidenciou uma importante disfunção (alterações contráteis segmentares) do VD, bem como a infiltração de gordura na parede livre dessa câmara. Nesse contexto, a TC cardíaca surge como alternativa para avaliação da função 69 do VD, nos pacientes com CAVD, podendo constituir-se em um método tão acurado quanto a RNMc, porém com vantagem de poder ser realizada em doentes portadores de marcapasso ou cardio-desfibrilador, como ocorreu nesse caso. Referências 1. Marcus, FI; Fontaine, GH; Guiraudon, G; Frank, R; Laurenceau, JL; Malergue, C; Grosgogeat, Y. Right ventricular dysplasia: a report of 24 adult cases. Circulation., 1982; 65:384-398. 2. Basso, C; Gaetano, T; Corrado, D; Angelini, A; Nava, A; Valente, M. Arrhythmogenic right ventriclar cardiomyopathy. Dysplasia, dystrophy, or myocarditis?. Circulation., 1996; 94:983-91. 3. Fontaine, G; Guirudon, G; Frank, R. Stimulation studies and epicardial mapping in ventricular tachycardia: study of mechanisms and selection for surgery. Lancaster., 1977; 1:334-50. 4. Corrado, D; Thiene, G; Nava, A; Rossi, L; Pennelli, N. Sudden death in young competitive athletes: clinicopathologic correlations in 22 cases. Am. J. Medicine., 1990; 89:588-596. 5. Dalal, D; Nasir, K; Bomina, C. Arrhythmogenic right ventricular dysplasia – A United States experience. Circulation., 2005; 112:3.823-32. 6. Elias, J; Tonet, J; Frank, R; Fontaine, G. Displasia arritmogênica do ventrículo direito. Arq. Bras. Cardiol., 1998; 70(6):449-456. 7 Vermani, R; Robinowitz, M; Clark, MA; McAllister, HA. Sudden death and partial absence of the right ventricular myocardium. Arch Pathol Lab. Med., 1982; 106:163-7. 8. Indik, JH; Marcus, FI. Arrhythmogenic right ventricular cardiomyopathy/dysplasia. Indian Pacing Electrophysiol J., 2003; 3:148156. revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.10. n. 1-2 jan./jul. – 2011 CARDIOMIOPATIA ARRITMOGÊNICA DO VENTRÍCULO DIREITO E ANGIOTOMOGRAFIA CARDÍACA: RELATO DE CASO 9. Marcus, FI; McKenna, WJ; Sherrill, D; Basso, C. Diagnosis of Arrhythmogenic Right Ventricular Cardiomyopathy/Dysplasia. Proposed Modification of the Task Force Criteria. Circulation., 2010; 121:1.533-41. 10. McKenna, WJ; Thiene, G; Nava, A; Fontaliran, F; Blomstrom-Lundqvist, C; Fontaine, G et. al. Diagnosis of arrhythmogenic right ventricular dysplasia/cardiomyopathy. Br. Heart J., 1994; 71:215-18. 11. Corrado, D; Basso, C; Leoni, L; Tokajuk, B. Three-Dimensional Electroanatomic Voltage Mapping Increases Accuracy of Diagnosing Arrhythmogenic Right Ventricular Cardiomyopathy/Dysplasia. Circulation., 2005; 111:3.042-50. 12. Auffermann, W; Wichter, T; Breithardt, G. Arrhythmogenic right ventricular disease: MR imaging versus angiography. Am. J. Radiol., 1993; 161:549-55. 13. Tandri, H; Saranathan, M; Rodriguez, ER. Noninvasive detection of myocardial fibrosis in Arrhythmogenic right ventricular cardiomyopathy using delayed-enhancement magnetic resonance imaging. J. Am. Coll. Cardiol., 2005; 45:98-103. 14. Raney, AR; Saremi, F; Kenchaiah, SSV. Multidetector computed tomography shows intramyocardial fat deposition. J. of Cardiovascular Computed Tomography., 2008; 2:152-163. 15. Turrini, P; Corrado, D; Basso, C. Noninvasive risk stratification in arrhythmogenic right ventricular cardiomyopathy. A.N.E., 2003; 8:161-169. 16. Aouate, P; Fontaliran, F; Fontaine, G. Holter et mort subite. Interêt dans un cas de dysplasie ventriculaire droite arythmogéne. Arch. Mal. Coeur, 1993; 86:363-7. 17. Arda, K; Ciledag, N; Kacmaz, F; Tufekcioglu, O; Sereflisan, Y. Arrhyyhmogenic right ventricular dysplasia; radiologic findings of the left ventricle: a case report and review of the literature. Ind. J. Radiol. Imag., 2006; 16:131-34. 18. Diamon, Y; Watanabe, S; Takeda, S; Hijikata, Y; Komuro, I. Two-layered appearance of noncompaction of the ventricular myocardium on magnetic resonance imaging. Circulation., 2002; 66:619-21. 19. Dery, R; Lipton, MJ; Garrett, JS; Abbott, J; Higgins, CB; Scheinman, MM. Cinecomputed tomography of arrhythmogenic right ventricular dysplasia. J. Comput. Assist. Tomogr., 1986; 10:120-23. 70 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.10. n. 1-2 jan./jul. – 2011 ICTIOSE CONGÊNITA: A PROPÓSITO DE UM CASO Lorena Siqueira Cordeiro*, Francisco Rafael dos Santos Júnior**, Alexandre Lopes Miralha***, Vera Lúcia Coutinho Batista**** Lorena Siqueira Cordeiro1, Francisco Rafael dos Santos Júnior2, Alexandre Lopes Miralha3, Vera Lúcia Coutinho Batista4 1 Médica residente (R2) de Pediatria do Hospital Universitário Getúlio Vargas (HUGV) / Universidade Federal do * Médica residente (R2) de Pediatria do Hospital Universitário Getúlio Vargas (HUGV) / Universidade Federal do Amazonas(Ufam) Amazonas(Ufam) 2 Médico assistente/pediatra da Cooperativa Pediátrica de Assistência Neonatal do Amazonas – Coopaneo, na Maternidade Ana ** Médico assistente/pediatra da Cooperativa Pediátrica de Assistência Neonatal do Amazonas – Coopaneo, na Maternidade Ana Braga, Manaus, Amazonas Braga, Manaus, Amazonas 3 Professor da disciplina de Pediatria do Departamento de Saúde Materno Infantil (DSMI) da Universidade Federal do Amazonas *** Professor da disciplina de Pediatria do Departamento de Saúde Materno Infantil (DSMI) da Universidade Federal do (Ufam). Preceptor do Submódulo de Neonatologia do Programa de Residência Médica em Pediatria do HUGV / Ufam. Mestrado Amazonas (Ufam). Preceptor do Submódulo de Neonatologia do Programa de Residência Médica em Pediatria do HUGV / Ufam em Medicina Tropical (UEA/FMTAM) Mestrado em Medicina Tropical (UEA/FMTAM) 4 Médica pediatra, neonatologista e supervisora do Programa de Residência Médica em Pediatria do HUGV/Ufam **** Médica pediatra, neonatologista e supervisora do Programa de Residência Médica em Pediatria do HUGV/Ufam RESUMO A ictiose congênita (bebê arlequim) é uma desordem rara, autossômica recessiva, caracterizada por espessamento cutâneo excessivo, com a presença de grandes placas de pele separadas por fissuras profundas, especialmente em áreas de flexão. É uma doença que acomete algo em torno de 1: 300.000 recém-nascidos, em todo o mundo. Os recémnascidos acometidos são suscetíveis a alterações metabólicas e processos infecciosos logo após o nascimento. A sobrevivência costuma ser baixa, mas há vários relatos de sobreviventes descritos na literatura. Relatamos o caso de um recém-nascido atendido no 2.º dia de vida , filho de pais consaguíneos, nascido no interior no Amazonas com ictiose congênita, que apresentou evolução favorável com o tratamento tópico e cuidados intensivos. O diagnóstico precoce com o manejo multidisciplinar adequado pode reduzir a mortalidade da doença no período neonatal. Palavras-chave: Ictiose; Feto Arlerquim; Relato de Caso; Tratamento. ABSTRACT The congenital icthyosis (harlequin baby) is a rare disorder, autossomal recessive, characterized by excessive skin thickening in the presence of large skin plates separated by deep fissures, especially in areas of flexion. It is a disease that affects somewhere around 1:300.000 newborns worldwide. The affected newborns are susceptible to metabolic and infectious processes shortly after birth. Survival is usually low, but there are several cases of survivors. We report a newborn admitted at 2 days of age, whose parents consanguinity, born within congenital ichthyosis, which presented a favorable outcome with topical treatment and care. Early diagnosis with appropriate treatment options can reduce the mortality of the disease in the neonatal period. Key-Words: Ichthyosis; Harlequin Fetus; Case Report; Treatment. 71 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.10. n. 1-2 jan./jul. – 2011 ICTIOSE CONGÊNITA: A PROPÓSITO DE UM CASO Introdução A Ictiose é uma doença dermatológica congênita causada por uma anomalia no processo de regeneração da pele, pelos e unhas. Caracteriza-se por ser um distúrbio cutâneo hereditário raro, caracterizado por pele ressecada e escamosa.1,2 A ictiose Arlequim (Ichthyosis fetalis; Harlequin fetus) é um distúrbio genético raro da pele, sendo a forma mais severa da ictiose congênita.3,4 A ocorrência dessa patologia é muito pequena, em torno de 1:300.000. Sua característica principal é o engrossamento da camada de queratina na vida intrauterina. As finas placas podem esticar, repuxar a pele do rosto e distorcer, assim, as características faciais, bem como restringir a capacidade de respiração e alimentação.4,5 Clinicamente o recém-nascido apresenta eritema generalizado e está envolto por revestimento de extrato córneo espesso que se assemelha ao colódio, causando eversão das pálpebras e, às vezes, dos lábios; as áreas flexoras são acometidas, ocorrendo espessamento e descamação de palmas de mãos e plantas de pés.6,7,8 Os autores relatam a seguir um caso de ictiose congênita com evolução clínica favorável diante do início precoce do tratamento. Relato do caso Recém-nascido do sexo feminino, cor branca, nascida de parto vaginal, a termo, já apresentando lesões de pele com descamação excessiva ao nascimento. Pesou 2.520 gramas, mediu 48 cm de comprimento e 32 cm de perímetro cefálico, Apgar 8/9, sem necessidade de manobras de reanimação. O parto ocorreu em ambiente hospitalar, na cidade de Maués (AM). No primeiro dia de vida, o RN foi transferido para a Maternidade Ana Braga, considerada de referência na cidade de Manaus (AM), onde ficou internado por 14 dias na unidade neonatal. 72 À admissão, apresentava placas laminares descamativas generalizadas, além de fissuras extensas e membrana endurecida (carapaça) em todo o corpo. Tendo como hipótese feto Arlequim (Figuras 1-A). Figura 01-A: Pele endurcida com rachaduras deixando áreas avermelhadas com exposição da derme Figura 01-B:Ectrópio e Eclábio A mãe tinha 26 anos de idade, primigesta, realizou seis consultas de pré-natal, com sorologias negativas para HIV, Sífilis e Toxoplasmose; e USG obstétrico que mostrava gestação tópica de 34 semanas, sem nenhuma alteração. Pai com 22 anos de idade, ambos saudáveis e sem patologia semelhante na família. Ambos, primos em segundo grau. No segundo dia de vida, apresentava ectrópio e eclábio (Figura 1-B), além de descamação progressiva da pele com desprendimento de placas de queratina, deixando áreas avermelhadas e pele lisa subjacente; iniciou com quadro de desconforto respiratório moderado necessitando de oxigenioterapia com baixas frações de oxigênio por três dias. Foi internada na unidade neonatal, mantida em incubadora aquecida e umidificada, recebendo leite materno via sonda orogástrica desde o primeiro dia de internação. No tratamento foi utilizado colírio de metilcelulose para lubrificação ocular, analgesia com dipirona e tramal, usou creme lanette com ureia a 10% para o corpo. Apesar dos exames laboratoriais não apresentarem um padrão infeccioso, foi iniciada a antibioticoterapia como profilaxia de infecções secundárias com ampicilina e gentaminica endovenoso por sete dias. Com nove dias de vida já estava com o revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.10. n. 1-2 jan./jul. – 2011 Cordeiro et al diagnóstico pode ser confirmado por biópsia da pele do feto entre 21 e 23 semanas de idade gestacional. 13 Nessa época, as anormalidades características da pele já estão presentes no feto. 13 O aconselhamento genético é fundamental para familiares de recém-nascidos acometidos pela doença. Normalmente pais que já tiveram um filho com ictiose congênita correm o risco de 25% em cada gestação. 14 No feto humano, a cornificação da pele inicia por volta de 14 a 16 semanas de gestação. A microscopia óptica mostra hiperceratose com hipertrofia da camada córnea medindo até dez vezes em relação à espessura normal. 15 Nesse caso foi realizado biópsia de fragmentos de pele (coxas direita e esquerda) que exibiu hiperceratose compacta, com perda do padrão normal, sem núcleos paraceratóticos e derme com discreto infiltrado inflamatório, compatível com ictiose. Apesar do tratamento especializado, o óbito é muito frequente nas primeiras semanas de vida em decorrência de infecção da corrente sanguínea após colonização cutânea, 2 mas alguns sobrevivem com cuidados clínicos apropriados, como no caso em questão. Ao nascer, normalmente o recémnascido apresenta uma aparência bem característica com a pele muito espessada, com a coloração esbranquiçada, semelhante à armadura, atravessada por sulcos vermelhos e profundos, muitas vezes retratando o formato de um losango bem parecido com um traje de arlequim. 16,17 Parece estar envolto em uma membrana apergaminhada, que permite pouco movimento e mantém os membros semiflexionados. 6,7,9 No caso em questão, além da limitação aos movimentos, foi observada restrição na expansibilidade da caixa torácica, com surgimento de desconforto respiratório, o que levou à necessidade de oxigenioterapia. Anomalias faciais bilaterais podem estado geral melhor, sugando o seio materno em livre demanda, com melhora expressiva do ectrópio e eclábio. Recebeu alta hospitalar com 14 dias de vida. Atualmente está com seis meses e em acompanhamento no ambulatório do Hospital Universitário Getúlio Vargas, na cidade de Manaus, com lesões dermatológicas em franca regressão e sem sequelas (Figura 2-A). Mantém aleitamento materno exclusivo, fazendo uso somente de creme de ureia a 10% e sabonete de glicerina (Figura 2-B). Figura 02-A: Lesões Dermatológicas em franca regressão. Figura 02-B: Lactente em acompanhamento ambulatorial sem sequelas. Discussão A ictiose congênita é uma condição rara, autossômica recessiva, caracterizada por queratinização defeituosa e descamação Está habitualmente da epiderme.5,9,10 associada com defeito no transporte de lipídeos intracelulares que levam a formação de grânulos lamelares anormais que são secretados na epiderme e determinam o aparecimento de escamas hiperceratósicas espinhosas. 5,11 O diagnóstico ao nascer é eminentemente clínico, não necessitando de exames laboratoriais sofisticados. Durante o período gestacional, o encontro da cavidade oral, hipoplasia nasal, orelhas rudimentares, massas císticas na região da órbita, mãos fixas ou em garras, placas da pele do feto e restrição aos movimentos do feto ao ultrassom podem sugerir o diagnóstico de ictiose arlequim. 12 O 73 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.10. n. 1-2 jan./jul. – 2011 ICTIOSE CONGÊNITA: A PROPÓSITO DE UM CASO estar presentes, tais como ectrópio (eversão das pálpebras com oclusão total dos olhos) e eclábio (eversão dos lábios), ausência de orelha externa e hipoplasia nasal. 12 No caso em questão, foi observado desde o nascimento o ectrópio e o eclábio. A boca ficava permanentemente aberta levando a dificuldade para sugar o seio materno. O prognóstico depende da presença de complicações. A sobrevivência de crianças que nasceram com essa condição tem melhorado bastante ao longo dos anos, mas ainda são uma importante causa de óbito no período neonatal por sepse. 2,3,13 Após a alta hospitalar, o médico da atenção primária deve acompanhar atentamente as crianças em relação ao crescimento e desenvolvimento da pele. A prevenção das complicações secundárias é de extrema importância. Diversas medidas, tais como a prevenção de infecção e desidratação, juntamente com a manutenção da temperatura corporal devem ser adequadas. 18 O uso de cremes serve para manter a integridade da pele, a textura e o estado de hidratação. Os agentes queratolíticos irão promover um peeeling com o adelgaçamento do estrato córneo. A lubrificação da córnea em casos com ectrópio é importante na prevenção da cegueira. 12,13 O ganho de peso e a ingestão de líquidos devem ser monitorizados cuidadosamente durante toda a internação, em função dos riscos de desidratação por perdas aumentadas pela via cutânea. 18 Por fim, ressalta-se a importância de uma abordagem multidisciplinar 13,18 na unidade neonatal, como ponto de partida para a evolução favorável, com pouca ou nenhuma complicação, que poderá não só prolongar a sobrevivência, mas também melhorar a qualidade de vida do recémnascido. 74 Referências 1. Brito, MSA; Figueiroa, F. Evaluation of the side effects of acitretin on children with ichthyosis: a one-year study. An Bras Dermatol., 2004, mai-jun; 79(3):283-8. 2. Ceccon, Maria Esther R. Jurfest et. al. Ictiose Congênita. Instituto da Criança Professor Pedro de Alcântara do HC da FMUSP – Departamento de Pediatria da FMUSP. Artigos Especiais. São Paulo: Pediatria, 16(3):115119, 1994. 3. Digiovanna, J. 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Perinatal management of harlequin ichthyosis: a case report and literature review. J Perinatology, 2010; 30:66-72. 75 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.10. n. 1-2 jan./jul. – 2011 76 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.10. n. 1-2 jan./jul. – 2011 INSUFICIÊNCIA MITRAL POR RUPTURA DE CORDOALHAS TENDÍNEAS: RELATO DE CASO E REVISÃO DE LITERATURA Mitral regurgitation by disruption of chordae tendineae: a case report and update the topic José Ricardo Ferreira*, Brena Ferreira*, Ziza Sakamoto*, Yanna Pontes Prado*, Marlúcia Nobre** *Residente de Clínica Médica do HUGV **Preceptora titular de Cardiologia do HUGV RESUMO A ruptura de cordoalhas tendíneas representa hoje a causa mais comum de regurgitação pura e consequente insuficiência mitral em países desenvolvidos, sendo responsável por mais de 90% dos casos agudos. A maioria dos pacientes portadores de insuficiência mitral aguda (IMA) necessita de tratamento cirúrgico no prazo de um ano de instalação da doença, já que se apresenta com insuficiência cardíaca congestiva (ICC) rapidamente progressiva e elevação da pressão capilar pulmonar. Relatamos um caso que enfatiza a necessidade da intervenção cirúrgica precoce e que demonstra a imediata melhora clínica do paciente após o procedimento. Palavras-chave: Insuficiência Mitral; Ruptura de Cordoalhas Tendíneas; Insuficiência Cardíaca. ABSTRACT Rupture of chordae tendineae represents today the most common cause of pure mitral regurgitation in developed countries, accounting for more than 90% of acute cases. Most patients with acute mitral insufficiency (IMA) require surgical treatment within 1 year of onset of the disease, since it is present with congestive heart failure (CHF) and rapidly progressive elevation of pulmonary capillary pressure. We report a case that emphasizes the need for early surgical intervention and that demonstrates the patient’s immediate clinical improvement after the procedure. KeyWords: Mitral regurgitation; Rupture Of Chordae Tendineae; Heart Failure. 77 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.10. n. 1-2 jan./jul. – 2011 Introdução A insuficiência mitral pode ocorrer de forma aguda pelo comprometimento de uma ou várias estruturas que compõem o aparelho valvar mitral, quais sejam as cúspides, as cordoalhas tendíneas, os músculos papilares, o anel fibroso e as paredes de sustentação atrial e ventricular.1 A ruptura de cordoalha com consequente falha na coaptação dos folhetos representa hoje a causa mais comum de regurgitação mitral pura em países desenvolvidos, sendo responsável por mais de 90% dos casos agudos, dos quais 60% não apresentam fatores etiológicos preexistentes.2,1 A etiologia mais frequente é a degeneração mixomatosa,3 seguindo-se a endocardite e a doença coronária. Para a investigação de ruptura de cordoalhas o ecocardiograma é uma importante ferramenta diagnóstica, sendo que o ecocardiograma transesofágico (ETE) se mostra mais sensível e específico no diagnóstico do que o ecocardiograma transtorácico (ETT), pois permite uma melhor exploração da cavidade atrial e da estrutura do aparelho valvar. A indicação precoce do tratamento cirúrgico é imperativa nessa patologia, pois os mecanismos compensatórios tradicionais da insuficiência cardíaca vão sofrendo um rápido declínio. O objetivo deste relato é justamente demonstrar que a indicação e realização precoce do procedimento cirúrgico na insuficiência cardíaca aguda por ruptura de cordoalhas tendíneas é crucial na melhora clínica e no prognóstico do paciente. Relato do caso Paciente do sexo masculino, de 52 anos, natural de Manaquiri, Estado do Amazonas, iniciou havia três meses de forma súbita, dispneia aos pequenos esforços, ortopneia, dispneia paroxística noturna e edema de membros inferiores. Foi admitido no Hospital Universitário Getúlio Vargas, sendo feito tratamento clínico com Diurético (Furosemida), Inibidor da ECA (captopril) e Betabloqueador (atenolol), com melhora parcial dos sintomas, mas no decorrer da internação apresentou piora do quadro, tendo necessidade de otimização da terapia para controle da dispneia e ortopneia. Ao exame físico apresentava regular estado geral, palidez cutânea ++/4+, edema de membros inferiores ++/++++, taquipneico e taquicárdico. Ao exame cardiovascular, apresentava RCR 3T B3, M1 hipofonética, P2>A2, sopro holossistólico +++/++++ em foco mitral com irradiação para região axilar esquerda e foco tricúspide, sopro sitólico em foco tricúspide com manobra de Riveiro Carvalho positiva. Turgência jugular moderada a 60 graus. Na ausculta pulmonar apresentava estertores crepitantes na base direita. Abdome flácido, fígado há 6 cm RCD. Foi realizada Radiografia de tórax, Eletrocardiograma (ECG), ETT (Figuras 1, 2 e 3) e solicitado Cineangiocoronariografia. Na radiografia do tórax foi visualizado aumento da área cardíaca e congestão em base direita. Figura 1 – Radiografia de tórax em posteroanterior da área cardíaca e ausência de infiltrado pulmonar. No ETT foi evidenciado regressão no tamanho da área cardíaca e melhora na fração de ejeção. Discussão Figura 2 – Eletrocardiograma mostrando taquicardia sinusal e sobrecarga atrial esquerda Figura 3 – Ecocardiograma com Doppler mostrando regurgitação mitral importante No ECG foi evidenciada uma taquicardia sinusal e sobrecarga atrial esquerda. No ETT se observou uma regurgitação mitral importante, ruptura de cordoalha tendinosa de 1.o grau com prolapso de folheto posterior da valva mitral, insuficiência tricúspide moderada e hipertensão pulmonar de grau moderado. Pela faixa etária, foi submetido a estudo hemodinâmico, que mostrou coronárias normais. Após a realização dos exames complementares, o paciente foi então encaminhado para o procedimento cirúrgico (troca valvar com implante de bioprótese mitral e plastia de tricúspide). Já no pós-operatório imediato, o paciente obteve melhora parcial dos sintomas, sendo suspensas gradualmente as medicações para insuficiência cardíaca. Após um mês da realização do procedimento o paciente encontrava-se clinicamente assintomático, com melhora do padrão radiológico, demonstrado pela redução A ruptura de cordoalha tendínea da valva mitral foi descrita em 1806,3 porém apenas recentemente sua frequência, como causa de doença valvar mitral, tem sido apreciada. O estudo ecodopplercardiográfico realizado precocemente é imperativo, pois define o estado anatômico e funcional da valva mitral e das câmaras esquerdas, fornecendo uma orientação terapêutica e prognóstico.1 O folheto posterior é frequentemente o mais acometido, com estudos demonstrando seu acometimento em até 83% dos casos.3,6,7 A imensa maioria dos pacientes portadores de insuficiência mitral aguda (IMA) por ruptura de cordoalhas necessita de tratamento cirúrgico de imediato. Esses pacientes tipicamente se apresentam em insuficiência cardíaca congestiva (ICC) rapidamente progressiva e elevação da pressão capilar pulmonar com onda “v” elevada, requerendo intervenção cirúrgica precoce.5 Ocasionalmente, porém, a ruptura pode não se associar a uma deterioração hemodinamicamente significativa, pelo menos inicialmente, o que pode ser atribuído ao grau de regurgitação mitral que, por sua vez, é influenciado por fatores como posição, localização e número de cordas rotas, processo patológico subjacente, complacência do AE e função sistólica do ventrículo esquerdo (VE).9 Tal caso caracteriza justamente essa deterioração hemodinâmica significativa, já que os mecanismos compensatórios da ICC (aumento da frequência cardíaca, hipertrofia ventricular esquerda, aumento da contratilidade dos miócitos remanescentes, INSULFICIÊNCIA MITRAL POR RUPTURA DE CORDOALHAS TENDÍNEAS: RELATO DE CASO E REVISÃO DE LITERATURA 3. Pearson, AC; Vrain, JC; Mrosek, D; Labovitz, AJ. Color Doppler echocardiographic evaluation of patients with a flail mitral leaftlet. J Am Coll Cardiol., 1990; 1:232-9. 4. Sanders, CA; Austen, WG; Harthorne, JW; Dinsmore, RE; Scanell, JG. Clinical outcome of mitral regurgitation due to flail leaflet. N Engl J Med., 1967; 276:943-9. 5. Caldas S et. al. Diagnóstico e evolução da falência de valva mitral. Arq Bras Cardiol., 1998; 71(6):763-767. 6. Ling, LH; Enriquez-Sarano, M; Seward, JB et. al. Clinical outcome of mitral regurgitation due to flail leaflet. N Engl J Med., 1996; 335:1.417-23. 7. Sweatman, T; Selzer, A; Kamagaki, M; Cohn, K. Echocardiographic diagnosis of mitral regurgitation due to ruptured chordae tendineae. Circulation., 1972; 46:580-6. 8. Leal, JC; Gregori, JR; Galina, LE; Thevenard, RS; Braile, DM. Avaliação ecocardiográfica em pacientes submetidos à substituição de cordas tendíneas rotas. Rev Bras Cir Cardiovasc., 2007; 22(2):184-91. 9. Depace, NL; Minitz, GR; Ren, JF et. al. Diagnosis and surgical treatment of mitral regurgitation secondary to ruptured chordae tendineae. Am J Cardiol., 1983; 52:789-95. Figuras Figura 1 – Radiografia de tórax em posteroanterior Figura 2 – Eletrocardiograma mostrando taquicardia sinusal e sobrecarga atrial esquerda Figura 3 – Ecocardiograma com Doppler mostrando regurgitação mitral importante 80 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.10. n. 1-2 jan./jul. – 2011 DISPLASIA TANATOFÓRICA: RELATO DE CASO Thanatophoric Dysplasia: A Case Report Luciana G. Siqueira*, Michelle A. Hatcher** * Docente de Saúde da Criança da Universidade Federal do Estado do Amazonas ** Residente em Pediatria da Universidade Federal do Amazonas RESUMO A Displasia Tanatofórica (DT) é rara e ocorre em aproximadamente um em cada 33,330 a 47,620 nascidos vivos.1 A DT é uma doença condroplásica esquelética caracterizada por membros superiores e inferiores extremamente diminuídos e quantidade excessiva de pele em dobras de pernas e braços, entre outras características. A sobrevida nesses pacientes é rara após o período neonatal. Neste trabalho, relatamos o caso de uma criança de dois anos e sete meses com displasia tanatofórica. Palavras-chave: Displasia Tanatofórica; Acondroplasia; Genética. ABSTRACT Thanatophoric Dysplasia is rare occurring in approximately one out of 33,330 to 47,620 live births.1 Thanatophoric dysplasia is a skeletal disease characterized by extremely small superior and inferior limbs and excessive skin on leg and arm curves, amongst other characteristics. Survival of these patients is rare after the neonatal period. In this study, we report a case of thanatophoric dysplasia in a child two years and seven months old. Key-words: Thanatophoric Dysplasia; Achondroplasia; Genetic. 81 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.10. n. 1-2 jan./jul. – 2011 DISPLASIA TANAFÓRICA: RELATO DE CASO Introdução A Displasia tanatofórica (DT) é uma doença esquelética com alta taxa de mortalidade no período neonatal. 1,2 A DT é causada mutações de novo no gene FGFR. 3,4 A mutação gênica se expressa nos indivíduos por meio de anomalias do tipo hipodesenvolvimento pulmonar, tórax estreito, membros superiores e inferiores extremamente diminuídos, quantidade excessiva de pele em dobras de pernas e braços, costelas encurtadas, macrocefalia, fontanela anterior alargada, rebaixamento de ponte nasal e hipotonia. 5,6,7 Raros casos acima de um ano têm sido Alguns autores descritos. Mcdonald et. al. descreveram dois casos de crianças acima de três anos em 1989. Ambas necessitaram de suporte ventilatório a partir dos primeiros dois meses de vida. Há um caso de criança do sexo masculino descrito com sobrevida até os 17 anos, também com suporte ventilatório precoce. 9 A maioria dos pacientes nascidos vivos evolui para um quadro clínico de insuficiência respiratória e morte nas primeiras horas de vida. Relatamos o caso de uma criança de dois anos e meio, que sobreviveu ao primeiro ano e meio de vida sem assistência médica intensiva. proporção toraco-abdominal em forma de sino, abaulamento abdominal, membros superiores e inferiores curtos, quantidade excessiva de pele em dobras de pernas e braços. Os exames radiológicos evidenciaram macrocrania em forma de trevo (Figura 3), membros superiores curtos com ossos longos, largos e encurvados, arcos costais curtos, coluna espinhal com platispondilia (corpos vertebrais achatados), pélvis pequena, ossos femorais em forma de telefone. A TC de crânio não apresentou sinais de hidrocefalia, EEG sem anormalidades. O RN chorou ao nascer, porém evoluiu com insuficiência respiratória nas primeiras horas de vida, necessitando de ventilação motora assistida. A paciente permaneceu três meses em cuidados intensivos apresentando melhora do quadro respiratório, progredindo para respiração em ar ambiente. Permaneceu internada por mais um mês em ar ambiente recebendo alta com melhora clínica. Dos quatro meses até um ano e meio de idade a paciente não apresentou internações ou intercorrências. Além disso, também não apresentou hidrocefalia, patologias renais, convulsões ou necessidade de suporte ventilatório. Após a realização de estudos genéticos moleculares, foi confirmada a mutação no gene FGFR3 e o diagnóstico de displasia tanatofórica. Relato do caso Discussão RN, sexo feminino, nascida com 39 semanas, mãe primípara, parto cesariano, peso 2,825 kg, 35 cm comprimento, PC = 39 cm. Gestação com presença de oligodrâmnio, com ultrassom de 28 semanas, apresentando acondroplasia. No exame pós-natal o paciente apresentava macrocrania, fontanela anterior aumentada, testa larga e proeminente, espaçamento aumentado entre os olhos, olhos levemente proptóticos, ponte nasal rebaixada, face achatada, tórax estreito, O diagnóstico da displasia tanatofórica é baseado no exame físico e estudos radiológicos, e pode ser confirmado com estudos genéticos moleculares do FGFR3.1,2,9 A DT é uma doença autossômica dominante causada por mutações de novo no gene FGFR3,3 responsável pela codificação da proteína receptora do fator de crescimento fibroblástico 3, que atua como contrarregulador do crescimento endocondral do osso na condrogênese e ontogênese.4 O gene FGFR3 tem sua localização no lócus cromossomal 4p16.3.5 Mutações de novo ocorrem em famílias 82 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.10. n. 1-2 jan./jul. – 2011 Siqueira et al sem história prévia de mutações similares. A maioria dos indivíduos portadores da doença não sobrevive até a idade adulta, minimizando os riscos de recorrência. Existem duas formas de displasia tanatofórica: tipo I e tipo II. O tipo 1 tem a presença de ossos da coxa curvados e curtos (micromelia) e algumas variações raras apresentando crânio em forma de trevo. O tipo II é caracterizado por ossos da coxa estreitos e anormalidades cranianas em formato de trevo que variam de moderada a severa.9,10 No caso deste estudo, a paciente apresentou DT tipo I, com características de fêmur em formato de “telefone”, o mais frequente dos tipos de displasia tanatofórica (Figura 2). O diagnóstico sugestivo de acondroplasia foi feito no período neonatal por ultrassom, e o diagnóstico de Displasia Tanatofórica especificado no período pósnatal por meio do exame físico e evidências radiológicas. Os achados radiográficos na DT evidenciam encurtamento rizomélico dos ossos longos, achatamento de vértebras (platispondilia) e forâmen magno pequeno. Alguns pacientes apresentam compressão do tronco encefálico, malformações do lobo temporal, hidrocefalia e hipoplasia do tronco encefálico.7,11 Pacientes com DT também podem apresentar anormalidades cardíacas como ductus arterioso patente e defeito do septo atrial, anormalidades renais, síndromes convulsivas e hipotonia.9 A criança do nosso estudo não apresentou crises convulsivas, hidrocefalia, malformações renais ou cardíacas e, ao contrário da maioria dos pacientes, teve ótima evolução pós-natal, enfatizando que no primeiro ano de vida não necessitou assistência respiratória. A paciente evoluiu com insuficiência respiratória apenas com um ano e seis meses de vida em decorrência de uma pneumonia aspirativa. Pacientes com DT têm hipodesenvolvimento pulmonar e estreitamento de costelas, o que impede adequada expansão e recuperação pulmonar. Até o presente momento 83 a criança permanece em cuidados intensivos e com o auxílio de ventilação motora. Referências 1. 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Acomete principalmente tronco e raramente a região da cabeça e pescoço. O objetivo deste trabalho foi relatar a evolução de um TMBNP de localização primária de nasofaringe com invasão de cavidade oral não metastático em um paciente do sexo feminino, 12 anos, e discutir os achados clínicos e tratamento utilizando revisão de prontuário da paciente e literatura especializada. O diagnóstico definitivo é realizado com histopatológico e imuno-histoquímica, onde demonstra positividade para a proteína S-100 em 50 a 70% dos casos e frequente supressão do anticorpo p53. O tratamento baseia-se em cirurgia com ressecção total e radioterapia no pós-operatório. Quimioterapia é sugerida e pode ser efetiva em pacientes com tumor irressecáveis ao diagnóstico. Conclui-se que TMBNP é um tumor agressivo e raro em crianças, existindo pouca informação disponível sobre o manejo clínico nessa faixa etária. Descritores: Criança; Nasofaringe; Sarcoma. ABSTRACT Malignant peripheral nerve sheath (MPNST) is an extremely rare spindle cell sarcoma consisting about 3-10% of all soft tissue sarcomas. It occurs mainly in adults of the third to sixth decades of life and only 10-20% are diagnosed in the first two decades. It occurs mainly in trunk, head and neck. The aim of this study was to describe the evolution of a primary site of MPNST nasopharynx invasion of non-metastatic oral cavity in a 12 years old female patient, and discuss the clinical features and treatment using the patient chart review and literature. The definitive diagnosis can be achieved by histopathologic and immunohistochemistry, which shows positivity for S-100 protein in 50 to 70% of cases and frequent deletion of p53 antibody. The treatment relies on surgery with total resection and postoperative radiotherapy. Chemotherapy is suggested and can be effective in patients 85 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.10. n. 1-2 jan./jul. – 2011 TUMOR MALIGNO DE BAINHA DE NERVO PERIFÉRICO COM A APRESENTAÇÃO CLÍNICA NA NASOFARINGE E CAVIDADE ORAL DE UMA CRIANÇA: RELATO DE CASO with unresectable tumor at diagnosis. We conclude that MPNST is a rare aggressive tumor in children, and there is few information available about the clinical management in this age group. Keywords: Child; Nasopharynx; Sarcoma. Introdução Tumores da bainha de nervos periféricos podem ser classificados em benignos e malignos. A categoria benigna inclui neuroma traumático, neurofibroma, neurilemoma e neuroma encapsulado paliçado (PEN) enquanto a categoria maligna consiste no tumor maligno de bainha de nervo periférico (TMBNP). 1 TMBNP é uma entidade rara que corresponde a 5-10% dos sarcomas e surge principalmente no tronco (50%), seguido pelas extremidades (30%) e região de cabeça e pescoço (20%).1,5 Ocorre principalmente em adultos e apenas 10 a 20% dos TMBNPs são diagnosticados nas duas primeiras décadas de vida, entretanto representam um dos mais frequentes não rabdomiossarcomas em idade pediátrica.4 Existe pouca informação disponível sobre o manejo clínico dessa neoplasia, particularmente em pacientes pediátricos.4 Relato do caso O presente caso refere-se a um paciente do sexo feminino, 12 anos, parda, natural de Borba e procedente de Nova Olinda do Norte (Amazonas/Brasil), que apresentou uma lesão expansiva no palato, com evolução de cerca de três meses associada dispneia, epistaxe e obstrução nasal. O exame físico revelou uma massa na topografia da maxila que ocupava aproximadamente dois terços do palato duro e palato mole medindo perto de 2 x 2 cm 2 e linfadenopatia cervical em nível II à esquerda (Figura 1). 86 Figura 1 – Massa em topografia da maxila, ocupando aproximadamente dois terços do palato duro Foi realizada tomografia computadorizada de face revelando uma lesão expansiva heterogênea, com realce irregular pelo meio de contraste, mal definida, de localização posterior interessando a porção esquerda da cavidade nasal, estendendo-se até a coana, promovendo a erosão óssea do palato duro, com um componente dentro da cavidade oral; erosão da parede medial e posterior do seio maxilar esquerdo, base do processo pterigoide e pterigoides medial à esquerda, medindo 4,3 x 4,2 x 4,0 cm (Figura 2). revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.10. n. 1-2 jan./jul. – 2011 Costa et al da irressecabilidade da lesão, a paciente foi submetida à quimioterapia neoadjuvante com base no protocolo POG9553, tendo realizado três ciclos de quimioterapia com esquema VID: vincristina (1,5 mg/m2), ifosfamida (3 g/m2) e doxorrubicina (30 mg/m2). Clinicamente, a paciente apresentou melhora dos sintomas iniciais mantendo lesão irressecável com base na tomografia computadorizada de face após o terceiro ciclo de quimioterapia. Optouse por manter o esquema VID até completar seis ciclos, tal como proposto pelo protocolo POG9553. Após o sexto ciclo de quimioterapia, a paciente manteve os resultados tomográficos inalterados decidindo-se por iniciar o tratamento radioterápico. A paciente recebeu uma dose de 5080 cGy, divididas em 25 frações, sem resposta satisfatória. Ainda mostrando lesão irressecável, optou-se por iniciar o segundo esquema de quimioterapia VP/IFO (vepeside e ifosfamida) com VAC (vincristina, adriamicina e ciclofosfamida) nas respectivas doses: vepeside (150 mg/m2); ifosfamida (1.800 mg/m2); vincistina (1,5 mg/ m2); adriamicina (25 mg/m2); ciclofosfamida (600 mg/m2). A paciente foi submetida a três ciclos desse regime até ser encaminhada para o tratramento fora de domicílio (TFD), em São Paulo/Brasil, para avaliação cirúrgica retornando com o parecer reiterando a irresecabilidade da lesão e com a proposta de regime quimioterápico alternativo Vincristina (1,5 mg/m2) / Irinotecano (20 mg/m2), do qual recebeu três ciclos sem resposta clínica, evoluindo no terceiro ciclo com neutropenia febril, choque séptico e óbito. Figura 2 – Tomografia computadorizada revelando lesão expansiva heterogênea em cavidade oral e nasal Foi realizada uma biópsia incisional da lesão cujo fragmento de exame histopatológico revelou aspecto maligno geralmente fusiformes, com núcleos hipercromáticos, principalmente vesiculosa, pleomorfismo e mitoses atípicas (Figura 3). A imuno-histoquímica revelou positividade para os anticorpos p53 e S100 e negativos para HHF35, desmina, SMA e AE1/AE3. Figura 3 – Células com aspecto fusiforme, com núcleos hipercromáticos, pleomorfismo e mitoses atípicas Com base no perfil morfológico e imunohistoquímico, o diagnóstico definitivo da lesão foi de sarcoma de células fusiformes compatível com tumor maligno da bainha de nervo periférico. Após todos os exames para o estadiamento, incluindo tomografia de tórax, mielograma, biópsia óssea e cintilografia óssea, nenhuma evidência da doença foi encontrada a distância. Em razão Discussão Os tumores malignos da bainha do nervo periférico surgem a partir de ramos maiores ou menores de nervo periférico ou bainha de fibras nervosas periféricas. Esses tumores podem surgir espontaneamente em 87 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.10. n. 1-2 jan./jul. – 2011 TUMOR MALIGNO DE BAINHA DE NERVO PERIFÉRICO COM A APRESENTAÇÃO CLÍNICA NA NASOFARINGE E CAVIDADE ORAL DE UMA CRIANÇA: RELATO DE CASO pacientes adultos embora 5 a 42% dos TMBNPs têm uma associação bem documentada com neurofibromatose tipo I (NF1).1,9 TMBNP ocorre mais comumente em pacientes entre 20 e 50 anos e incide em idades mais jovens nos pacientes com NF1. Entre os pacientes com NF1, 4-29% desenvolvem TMBNP, geralmente após um período de latência de 10-20 anos. 2,7 Nesse caso, temos um paciente jovem, sem características de NF1 que conflita com os principais dados da literatura.1,9 Outro mecanismo envolvido com o desenvolvimento de TMBNP é a radioterapia prévia. 5,10,14 Estudo demonstra que 10% dos pacientes que receberam radiação para tumores antes não especificados evoluíram com TMBNP. 10 A apresentação clínica é uma massa de tecido mole no tronco, extremidades ou mais raramente na cabeça e região cervical, com ou sem dor e disestesia. 4,6 Quando o tumor aparece em topografia de cabeça e pescoço, locais frequentes são nasofaringe, seios paranasais, cavidade nasal, cavidade oral, órbita, nervos cranianos, a laringe, o espaço parafaríngeo ou pterigomaxilar, glândul as salivares menores e na glândula tireoide. 5 Metástases são também comuns (40-80%) por meio de extensão direta e disseminação hematogênica perineural. Os locais mais comuns são o fígado, pulmão e mais raramente metástase ganglionares. 2,5 Apesar da alta frequência relatada na literatura, metástases não foram observadas nesse caso. O diagnóstico desses tumores pode ser sugerindo por técnicas de imagem, cujo aspecto corresponde à de sarcomas de tecidos moles e é útil para avaliação de infiltração de estruturas ósseas. 2,13 O diagnóstico definitivo pode ser realizado com a combinação da histopatologia e estudo imuno-histoquímico. 2,6 Histologicamente, esses tumores não têm apresentação definida ou clássica aparência. Alguns achados importantes são a presença de células fusiformes, com uma alta taxa de mitose dispostas em feixes ou fascículos.5 88 A imuno-histoquímica é importante para excluir fibrossarcoma, sarcoma sinovial e histiocitoma fibroso e demonstra positividade S-100 em 50 a 70% dos casos e frequentemente mostra positividade para p53 que se correlaciona com a agressivadade do tumor. 2,5,6,9 O painel imuno-histoquímico desse paciente foi compatível com a literatura. No que se refere ao tratamento desses tumores, a ressecção cirúrgica radical é a conduta de eleição naqueles com margem cirúrgica. 6 TMBNPs são geralmente considerados resistentes à radioterapia e à quimioterapia, entretanto a radioterapia adjuvante com a dose total de pelo menos 60Gy tem sido recomendada como parte do tratamento principalmente para aqueles portadores de tumores com pior prognóstico (alto grau ou recorrente); entretando radioterapia adjuvante não tem sido citada como um importante fator prognóstico.2,5,6,7 Considerando que os TMBNPs são integrantes do grupo dos não rabdomiossarcomas, a quimioterapia, baseada no protocolo POG9553 para não rabdomiossarcomas, tem sido descrita pelo Grupo de Oncologia Pediátrica (POG) como terapêutica para TMBNPs irressecáveis ou metastáticos ao dignóstico ainda com resultados pouco promissores incluindo: resposta parcial; sem resposta e doença estável a despeito do regime quimioterápico. 15 No caso relatado, o tumor da paciente foi considerado irressecável desde o dignóstico e optado pelo protocolo POG9553 sem alteração significativa ao término dele (extensão inalterada do tumor) corroborando com os dados da literatura. O prognóstico em geral é pobre com taxa de sobrevida em cinco anos entre 48-50% e elevado risco de recorrência 38-45%.2 Idade acima de sete anos, sexo masculino, presença de neurofibromatose, localização central e tumores de grandes dimensões têm sido relatados como fatores de mau prognóstico.2,6 A sobrevida da paciente relatada foi de quinze meses provavelmete por conta dos revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.10. n. 1-2 jan./jul. – 2011 Costa et al fatores de mau prognóstico envolvidos com o caso, pincipalmente o tamanho da lesão, que a definiu como irressecavél ao diagnóstico e a localização em topografia de cabeça e pescoco. 2,5,6 Em conclusão, a despeito das modalidades terapêuticas em vigência, incluindo cirurgia, radioterapia adjuvante e quimioterapia para tumores sem margem cirúrgica e/ou metastáticos, o prognóstico dos TMBNPs continua bastante reservado necessitando ampliação dos conhecimentos terapêuticos provavelmente por meio de estudos multicêntricos a fim de definir estratégias terapêuticas mais promissoras. 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Essa causa de lesão renal aguda deve ser lembrada em doenças linfoproliferativa, pois apresenta evolução renal favorável desde que o diagnóstico e tratamento sejam estabelecidos em tempo hábil. Palavras-chave: Lesão Renal Aguda; Linfoma Não Hodgkin; Doença Linfoproliferativa. ABSTRACT Acute kidney injury as initial manifestation of non-Hodgkin lymphoma Summary We report a case of acute kidney injury caused by infiltration of tumor cells in the renal parenchyma. The patient developed acute kidney injury secondary non-Hodgkin lymphoma. The diagnosis was made by percutaneous renal biopsy which showed infiltration of the kidney tumor. This cause of acute kidney injury must be considered in lymphoproliferative diseases, as it has favorable renal evolution since the diagnosis and treatment are established in time. Keywords: Acute Kidney Injury; Non-Hodgkin Lymphoma; Lymphoproliferative Disease. 91 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.10. n. 1-2 jan./jul. – 2011 LESÃO RENAL AGUDA COMO MANIFESTAÇÃO INICIAL DE LINFOMA NÃO HODGKIN mg/dL, potássio 5,2 mEq/L, sódio 137 mEq/L, urina I: pH 5,0, densidade 1010, leucócitos: 5.000/mL, hemácias: 6.000/mL, ausência de cristais e dismorfismo eritrocitário, proteínas totais 6,6 g/dL (albumina sérica 4,13 g/dL), ácido úrico 12,5 mg/dL, glicemia 96 mg/ dL, cálcio 10,2 mg/dL, fósforo 6,2 mg/dL, bicarbonato sérico 18 mEq/L, DHL 585 U/L. Volume urinário de 400 ml/24h. Não foi feita coleta proteinúria de 24h. Os rins apresentaram-se ao ultrassom renal tópicos, com discreto aumento da ecogenicidade, rim direito 12 x 4,9 x 4,8 cm e rim esquerdo 11 x 5,1 x 5,3 cm, com ausência de hidronefrose e litíase renal, relação córtico-medular preservada. Pelo quadro de LRA, foi submetida à terapia de substituição renal (TSR) tipo hemodiálise. Durante a investigação clínica realizou-se biópsia renal guiada por ecografia de rim direito, com obtenção de material para análise histopatológica e IF. As lâminas demonstravam fragmento córtico-medular de rim contendo cinco glomérulos. A histologia indicou achados morfológicos de infiltração por linfoma não Hodgkin (LNH) de grandes células. No relatório de imunofluorescência, ratificou padrão de lesão não imune. Para avaliação completa do caso, realizou-se biópsia de medula óssea com análise imunohistoquímica confirmando o diagnóstico de linfoma não Hodgkin de células T, os marcadores LCA, CD3 e KI-67 foram positivos, sendo esse presente em 100% das células neoplásicas. A pesquisa de Epstein Barr, anti-DNA ase, FAN, crioglobulinas, Anca C e P, sorologia para hepatite B, C e HIV tipo I e II resultou negativa. Evidenciou-se na tomografia de tórax nódulos pulmonares (menores que 5 cm), de natureza inespecífica e atelectasias no pulmão direito. E no abdome demonstrou linfonodos (medindo 0,8 cm) na cadeia ilíaca esquerda. O estadiamento clínico foi do tipo IV. Houve diminuição da ureia e creatinina, A lesão renal aguda (LRA) pode ocorrer em 10 a 30% dos casos de doença O acometimento linfoproliferativa. 1,2 renal dos diferentes tipos de linfoma pode ocorrer em função do efeito direto do próprio tumor (trombose venosa, obstrução ureteral) a manifestações extrarrenais deles (hiperparaproteinemia, hemólise, hipercalcemia, hiperuricemia) ou mais raramente ao envolvimento renal primário pelo tumor. Relato de caso Paciente do sexo feminino, 37 anos, parda, com quadro clínico evolutivo de sete dias da data de internação hospitalar com febre, artralgia progressiva de pequenas e grandes articulações. Acompanhado de vômitos, edema progressivo de membros inferiores evoluindo para anasarca e oligúria. Relatou episódio de pancreatite aguda quatro meses antes da internação hospitalar. História familiar negativa para doença maligna prévia. Admitida no Hospital Universitário Getúlio Vargas (HUGV) para investigação diagnóstica. Ao exame físico, apresentava-se hipertensa (140/104 mmHg), hipocorada (+2/+4) com restante dos dados vitais estáveis. Destacavam-se úlcera oral em palato, petéquias em face, tronco e membros inferiores. Não foram observadas alterações na ausculta cardíaca e pulmonar. Abdome doloroso à palpação difusa, a presença de visceromegalias não foi possível por abundante tecido adiposo. Os pulsos estavam presentes e sem alterações, não sendo evidenciadas adenomegalias periféricas. Os exames laboratoriais revelaram: hemoglobina 10,4 g/dL, hematócrito 29,1% (VCM 87fl), leucócitos 2400, segmentados 74%, bastonetes 1%, linfócitos 22,5%, eosinófilos 3%, monócitos 7% e plaquetas 63000/mm 3. Ureia 405 mg/dL, creatinina 9,4 92 revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.10. n. 1-2 jan./jul. – 2011 Nascimento et al recebendo alta da nefrologia após sete sessões de hemodiálise. Transferida para o Serviço da Hematologia. A paciente iniciou quimioterapia com esquema Chop (ciclofosfamida, daunorrubicina, vincristina e prednisona). No oitavo dia após o primeiro ciclo da quimioterapia, procurou o serviço de urgência com quadro de febre, dor abdominal e diarreia sanguinolenta. Exames admissionais evidenciavam leucócitos de 800/mm 3, segmentados 35%, linfócitos 9%, eosinófilos 1%, monócitos 35,9% e plaquetas 77.000/mm3, ureia de 235 mg/dl, creatinina de 3 mg/dl, potássio 3,3 mEq/L, sódio 130 mEq/L. Evoluiu com sepse foco abdominal, necessitando de suporte ventilatório, antibioticoterapia de amplo espectro e antifúngico. Os níveis de ureia e creatinina retornaram dentro dos limites da normalidade após adequada hidratação. Houve piora hemodinâmica e óbito após oito dias. Discussão O envolvimento renal é comum em pacientes com linfoma sistêmico não Hodgkin. 3 O linfoma renal representaria metástases hematogênicas ou invasão direta do tumor crescendo no espaço perirrenal.4 A maioria dos LNHs com acometimento renal são agressivos (RICHARDS et. al., 1990). Embora a evidência clínica de envolvimento renal com linfoma só é visto em 2 a 14% de todos os pacientes, uma elevação de creatinina sérica é relatada em 26 a 56%. 5 A infiltração do rim por células malignas ocorre basicamente no interstício e resulta em atrofia tubular com preservação do glomérulo.6 No caso apresentado, a LRA parece ter sido originada a partir de infiltração de células tumorais, sendo revertida após TSR. Os níveis aumentados de ácido úrico e fósforo podem ser explicados somente pela perda da função 93 renal. Não havia evidências de obstrução das vias urinárias nos exames ultrassonográficos. Outras causas de insuficiência renal foram afastadas pela análise dos dados clínicos e laboratoriais. Entre as séries de pacientes publicadas na literatura há prevalência de homens com média etária de 48 anos ao diagnóstico, sendo que na maioria dos casos a creatinina sérica ao diagnóstico era superior a 3,5 mg/dl. 7 A apresentação clínica dos linfomas varia muito, dependendo do tipo. 8 O quadro clínico da infiltração renal costuma ser, na maioria das vezes, inespecífico. A paciente apresentou hematúria, hipertensão arterial e anemia de doença crônica. A ocorrência de lesão renal em pacientes com linfoma pode surgir em razão do comprometimento direto do sistema urinário (obstrução ureteral ou dos vasos renais, infiltração do parênquima renal, ou ruptura renal ou ureteral), a alterações endócrinometabólicas (hipercalemia, secreção de PTHsímile e paraproteinemias) ou por efeito do tratamento (nefrite radioativa e síndrome de lise tumoral).9 Em um estudo realizado pela Schniederjan e Osunkoya10 sobre os 40 casos de neoplasias linfoides do trato geniturinário, o local mais comum de envolvimento foi o rim, predominou linfoma não Hodgkin difuso de células B. Apesar dos meios de imagem fornecerem indícios do diagnóstico, esse só é obtido de forma inequívoca por meio da biópsia renal.11 A despeito dos significativos avanços no tratamento dos pacientes com linfoma agressivo não Hodgkin, a maioria não é curada com a terapia convencional.12 O relatório atual descreve um paciente com antecedente função renal normal, que desenvolveu LRA associada com LNH evoluindo a óbito. Em resumo, apesar da infiltração do parênquima renal por doenças linfoproliferativas ser pouco investigada, deve revistahugv - Revista do Hospital Universitário Getúlio Vargas v.10. n. 1-2 jan./jul. – 2011 LESÃO RENAL AGUDA COMO MANIFESTAÇÃO INICIAL DE LINFOMA NÃO HODGKIN ser considerada em pacientes portadores ou com suspeita diagnóstica dessas neoplasias. A importância de estabelecer o diagnóstico e instituir o tratamento adequado é enfatizada pela rápida reversão da lesão renal observada no caso descrito. Referências 1. Richmond, J; Sherman, RS; Diamond, HD; Craver, LF. 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