Noites de Terror
Transcrição
Noites de Terror
Noites de Terror 2 Noites de Terror RUBENS PEREIRA JUNIOR Capa por: Lucas Dallas 3 4 Este livro é para todos que me ajudaram a contar essa história, direta ou indiretamente. Para minha esposa Jaqueline, sem ela eu nunca voltaria a escrever, para minha filha Sarah Morgana que me deu a alegria de poder sonhar novamente e para meu amigo Lucas Dallas que sempre me ajudou com sua empolgação por minhas histórias e sua amizade sempre presente. 5 6 Prefácio “Mãe, para onde estamos indo? Esse lugar parece um pesadelo!” Esse seria um bom começo para falar sobre o que senti lendo esse livro. Mas antes... Vamos falar um pouco sobre casas mal-assombradas. Acredito firmemente que uma casa guarda um pouco mais que argamassa entre seus tijolos. Entre as fiadas, com um pouco de tempo e concentração, podemos encontrar traços de seus velhos moradores. Suas esperanças, suas alegrias, e muitas vezes, seu ódio, rancor e tudo o que fizeram de errado dentro do que comumente é chamado de lar. Acho que devemos começar por aqui. Rubens P. Junior trata em seu romance de estreia de temores escondidos. Uma sombra que se move no canto dos olhos, o silvo do vento em uma noite de tempestade, cortinas que parecem animadas por mão deformadas e invisíveis, do mal que espreita o caminho dos bons arregalando seus olhos vermelhos. Sua linguagem é simples, afiada; Rubens tem um jeito carinhoso de lidar com seus leitores, mesmo nos momentos mais aterrorizantes do livro (e não duvidem que eles existem em cada página dessa obra). Rubens também nos surpreende nas reviravoltas do livro — acredite em mim que você ficará preso até a última linha —, nas deliciosas influências da literatura de terror mundial, em seu jeito único de nos meter medo. Eu não poderia esperar menos. Se ler muito é pré-requisito para qualquer escritor, Rubens está à frente de muita gente talentosa que acompanho. Conhecer a “Abelha Rainha”, personagem principal do livro, foi um grande prazer. Confesso que conheci algumas adolescentes difíceis em meu passado, mas poucas como Lucia Fernandes. A garota realmente 7 leva a sério a missão de ser a garota mais popular da história. Isso nos coloca em dramas reais, coisas como loucura, bullying, anorexia, bulimia, e o egoísmo que vez ou outro nos domina como uma doença contagiosa. Desejo a você leitor uma ótima estadia no mundo sombrio de Rubens P Junior, tenha a certeza de estar muito bem acompanhado. Mas cuidado, quando a noite chegar, deixe uma luz acesa, uma bem fraquinha, apenas para mostrar o caminho de volta. Por Cesar Bravo, autor de “Além da Carne”, “Calafrios da Noite”, “Caverna de Ossos” e “Ouça o que eu Digo” 8 Prólogo Depoimento de pessoas que se relacionaram com Lucia Fernandes e a casa da Floresta dos Carvalhos: Detetive Leon: “Aquela garota era problemática, ela sempre causou problemas desde que se mudou para aquela casa. Ela começou à agir inocentemente mas eu sei que aquilo tudo foi somente um pretexto para que ninguém desconfiasse dela. Conheço esse tipo de gente, no começo se dizem os santos, mas, depois, tiram suas máscaras e mostram a verdadeira face. Por isso eu sempre digo, na MINHA CIDADE as pessoas devem ser normais. Não admito gente como ela por aqui.” Sra. Fontes: “A menina estava realmente com muitos problemas, e eles começaram a aumentar depois que ela se mudou para aquela casa. A pobrezinha já nasceu com problemas na bagagem e tudo foi ficando cada vez pior. Primeiro aconteceram coisas horríveis, depois tudo veio à tona, de uma hora para a outra. Eu tentei ajudar, mas, ela não me ouviu. Tudo o que eu queria era que nada daquilo tivesse acontecido. Teria sido melhor se ela não tivesse nunca posto os pés naquela casa maldita.” Doutor Raul: “A jovenzinha se meteu em muitos problemas. Tudo culpa daquela casa. Podem dizer que sou louco e tudo mais, mas sei o que estou dizendo, aquela casa é perigosa. Ela já fez muitas vítimas e não parará até chegar em seu verdadeiro alvo. Eu tentei ajudá-la, mas, meus conselhos não foram bons o bastante para converse-la de sair daquela casa. Agora, não há mais nada a fazer. Sinto muito.” 9 Cristiano Silveira: “Pobre Lucia... eu sei o que ela passou naquela casa. Eu sei...” – Cristiano parou por um momento e olhou vagamente para a janela da delegacia, parecia muito impressionado – “Eu contei para ela, eu contei o que tinha acontecido comigo. Ela não saiu a tempo daquela casa e agora...” – Cristiano secou algumas lágrimas que escorreram pelo canto do olho – “Eu sabia que isso tudo aconteceria de novo. Eu tinha que ter avisado ela antes mesmo dela se mudar para aquela casa. Eu devia ter feito alguma coisa antes de tudo isso acontecer. Foi tudo culpa minha... culpa minha...” A casa da Floresta dos Carvalhos está fechada e em fase de estudo, organizado do Centro de Pesquisas Psíquicas EFEPP, para comprovar se os fenômenos ocorridos lá são, de fato, acontecimentos paranormais verídicos ou apenas fraudes. 10 1 - Podem entrar! – Afirmou morbidamente o homem de meia idade e roupas escuras parado na porta da casa da Floresta dos Carvalhos, abrindo-a ligeiramente e deixando uma visão escura de seu interior. O casal Vasconcelos estava paralisado na porta da casa em meio àquela noite escura e fria ao seu redor, pois, eles sabiam qual era aquela residência. A vizinhança inteira falava dela e ela havia se tornado a vilã local. Os boatos e histórias de que aquela casa era assombrada eram muitos e alguns eram de arrepiar os cabelos. Com todas essas histórias a casa vivia desocupada, ninguém a comprava, alugava ou se quer passava perto dela. Mas, Natalia estava disposta a tudo para saber onde estava sua filhinha, Julia, que havia desaparecido há alguns dias. A polícia não havia conseguido resultado algum com suas incansáveis buscas durante o dia todo. Foi quando seu marido, Ronaldo, chegou com uma idéia que a fez pensar muito. Ele ficou sabendo de uma tal Madame Milleniun, uma vidente com grande poder e que poderia ajudá-los. Foram ao encontro dela, que, misteriosamente disse que o melhor lugar para se entrar em contato com as forças dos mortos e se obter respostas seria em uma casa assombrada. 11 E lá estavam eles, parados na frente da casa da Floresta dos Carvalhos, que parecia encará-los, como se reservasse algo para eles. - E então, Senhor e Senhora Vasconcelos? Não vão entrar? – Repetiu o homem olhando-os e estendendo a mão para o interior da casa. O casal entrou calmamente na residência, que para o espanto deles, estava muito bem cuidada. Toda limpa e arrumada, com alguns móveis nos locais devidos e tudo mais. No meio da sala estava a tal Madame Milleniun, sentada em uma cadeira perto de uma pequena mesa redonda. Natalia sentiu vontade de rir, pois, Madame Milleniun, de mais ou menos uns 60 anos estava vestida tipicamente como uma vidente de filmes hollywoodianos dos anos 40. Faltava somente o turbante em sua cabeça. Um cheiro forte invadiu as narinas de Natalia, fazendo-a se enjoar rapidamente. - É só o incenso, moça. Preciso deles para entrar em conexão com o mundo oculto. – Disse Madame Milleniun com uma voz muito calma. – Sentem-se. Haroldo, feche a porta, por favor. Não queremos ser incomodados. O homem que abriu a porta para o casal fechou-a lentamente, fazendo-a produzir o barulho clichê das portas de filmes de terror, arranhando e gemendo sinistramente. Natalia e Ronaldo seguiram para a mesa e sentaram-se junto à Madame Milleniun que os olhou diretamente nos olhos e disse profundamente: - Vou fazer o possível para localizar a filha de vocês. Para isso preciso entrar em contato com os espíritos que vagam por essas paredes. Isso fez Natalia se arrepiar dos pés à cabeça. - Dêem as mãos, por favor. Vamos formar uma corrente psíquica. Nossas energias juntas são muito mais eficientes. – Continuou Madame Milleniun muito séria estendendo suas mãos enrugadas para Natalia e Ronaldo. - Você não vai precisar de velas, Madame Milleniun? – Perguntou Ronaldo ainda achando tudo estranho. - NÃO! – Gritou ela mais que depressa. – Os “outros” não gostam de ser vistos. Muito bem, vamos começar. Concentrem-se na sua filha. Pensem nela com o máximo de detalhes. E, façam o que fizer, aconteça o que acontecer, nunca, nunca se levantem ou soltem as mãos. Podem estragar tudo. Todos ficaram quietos. Haroldo foi em direção ao corredor que levava à cozinha e sumiu por lá. Madame Milleniun fechou os olhos 12 calmamente e ficou quieta. Um suave chiado vinha de longe, mas, Natalia deixou de prestar atenção a ele e começou a olhar para Madame Milleniun. Ela estava rígida como uma estátua, segurando as mãos de Natalia, apertando-as. O cheiro de incenso no ar se tornou escasso e parecia que a temperatura caía a cada segundo, deixando o ambiente cada vez mais frio e incomodo. Madame Milleniun abriu a boca e os olhos rapidamente. Um gemido assustador e profundo veio de sua garganta e impressionou o casal Vasconcelos. Ela falou com uma voz mórbida e arrastada: - Óh, guardiões dos portões da morte, senhores do além, afastem seus gatos da frente, retirem as nuvens que cobrem meus olhos, deixem-me obter o contato com os seres do além-vida. Um porta-retrato em cima de uma mesinha de canto se espatifou no chão, fazendo um barulho que chamou a atenção de todos. Ela continuou: - Eu vos suplico senhores da noite. Deixem-me travar contato com os mortos. Eles têm as informações que preciso. Um gemido distante soou na sala, fazendo Natalia se arrepiar. O que estava fazendo aquilo? Como estaria Haroldo? O frio ficou ainda mais intenso. - Pronto. Consegui. Chamem pelo nome de sua filha. Se ela responder é porque está morta. Se não obtiver nenhuma resposta, vou suplicar para que os guardiões dos mortos me digam onde ela está. – Madame Milleniun falava seriamente. - Julia! Julia! É a mamãe. – Gritou instantaneamente Natalia, esperando não ouvir a resposta da filha, pois ela tinha a esperança de ainda encontrá-la viva. O frio tornou-se insuportável. O vapor branco e chamativo saía da boca de todos. Um gemido soou ainda mais alto dentro da sala. Natalia estava começando a ficar assustada. Foi quando ouviram a voz fina e assustada de uma criança. Natalia começou a chorar desesperada ao ouvir os gritos apavorados de sua filha: - Mamãe, por favor, me ajuda. Eu estou aqui, preciso de você. Me ajuda. Está escuro aqui. - Ela ainda não fez a travessia. Sinto muito, Senhora Vasconcelos, ela está morta. Mas... acho que posso trazê-la de volta. – Disse Madame Milleniun, eufórica. 13 - O quê? Você pode trazer minha filha de volta? Por favor, faça isso. Traga-a de volta. – Dizia Natalia desesperada. A idéia de sua filhinha ter morrido era inconcebível e ela estava quase enlouquecendo com isso. - Tudo bem. Só que vai custar um pouquinho mais caro. É que esse tipo de serviço... - Não me importa o quanto eu tenha que pagar para ter minha filha de volta. Eu pago o que quiser. – Disse Natalia histericamente. - Ok. Senhores do Mundo dos Mortos, peço-lhes um sacrilégio. Peço para que libertem essa alma inocente e que ainda pertence a este mundo. Peço para que a tragam de volta para este mundo. Deixem-na viva. Não a permitam que faça a travessia para o mundo dos mortos. Não é o momento dela. Com todo o meu poder, peço para que me ouçam e lhe dêem mais uma chance no nosso mundo material. Enquanto Madame Milleniun dizia suas frases e súplicas, Natalia notou que tudo estava mais escuro do que nunca, o frio era de matar e um ar pesado tomava conta do lugar. Foi quando uma perna da mesa onde estavam com as mãos dadas quebrou-se do nada com um estrondo assustador. Madame Milleniun assustou-se, dando um pulo na cadeira, mas, continuou fazendo suas súplicas. Outra perna da mesa se quebrou, fazendo-a desabar totalmente no chão. Madame Milleniun gritou apavorada. Natalia afastou-se da mesa ainda com as mãos dadas e olhou assustada para ela que estava apenas com um pé inteiro caída no chão se retorcendo toda, como se ainda estivesse viva. Para o espanto de todos, a lareira que estava totalmente apagada soltou uma enorme labareda no ar, fazendo Madame Milleniun cair para trás no chão, desfazendo o círculo. Terríveis sons de sussurros, gritos e risadas abafadas todos ao mesmo tempo surgiram em todo o cômodo, aterrorizando a todos. O frio tornou-se sufocante. As luzes da sala começaram a ligar e desligar muito rapidamente, apavorando a todos. Os livros da estante voavam por toda a sala. Os vasos de plantas se espatifavam nas paredes, as mesas levantavam-se no ar e iam em direção à tudo. Os três se abaixaram no chão, apavorados. Natalia chorava assustada. Ronaldo estava pasmo e Madame Milleniun gritava desesperada. - Haroldo, pare já com isso. Está me assustando. Quando foi que você pôs esses controles na casa? Pare já – Gritava ela. Haroldo surgiu no corredor com uma aparência terrível, como se tivesse muito assustado: 14 - Todos os controles da casa queimaram e a mesa da cozinha está flutuando no ar, quebrando tudo ao ser redor. O que é isso? Vamos embora daqui. - O QUE ESTÁ ACONTECENDO AQUI? – Gritou Natalia apavorada agarrada a seu marido. - Não percebeu ainda, mulher tola. É tudo armação. Fizemos isso para conseguir dinheiro seu e de seu marido idiota. – Gritou Madame Milleniun histericamente. - Então por que não param com tudo isso? – Perguntou Natalia pasma. - Não somos nós. Isso... isso é a casa. – Disse Haroldo assustado. Parecia que a casa queria destruir a todos ali dentro. Muitos móveis flutuavam no ar se espatifando nas paredes e querendo acertar alguém. Foi quando um grito terrível ecoou por toda a sala. Tudo parou. Os móveis caíram no chão com um estrondo enorme. O frio diminuiu rapidamente e o ar se tornou respirável novamente. Todos se levantaram e olharam uns para os outros. Então, se deram conta de que Madame Milleniun havia sumido. - Vasculhamos tudo em todos os cantos dessa casa, mas não encontramos a tal Madame Milleniun. Mas, descobrimos que o verdadeiro nome de Madame Milleniun era Carolina, e que ela era uma farsante que junto com Haroldo, armavam um plano para arrancarem dinheiro das famílias que sempre procuravam seus “filhinhos queridos” que eles mesmos sequestravam. Era sempre assim. Primeiro eles levavam o casal para a casa, faziam alguns truques com controles espalhados pela sala, como os ventiladores que faziam um leve ruído, mas deixavam o ambiente frio, as caixas minúsculas de som onde colocavam barulhos de gemidos e o dispositivo que derrubava os porta-retratos no chão. Depois colocavam uma gravação da criança seqüestrada para tocar, assustando aos pais que pagariam mais para Madame Milleniun trazê-la de volta do mundo dos mortos. – Disse o policial para o detetive Leon que estava perplexo. Tem gente que faz de tudo para ganhar dinheiro. 15 - Mas, uma coisa que não entendo foi como fizeram para a mesa ficar daquele jeito, e os objetos voarem por toda a casa. – Disse outro policial intrigado. - Foi... foi a casa. Eu estou dizendo. – Disse Haroldo, preso por algemas e detido por outro policial. - Cale essa boca, farsante. – Rugiu o detetive Leon. – Levem esse seqüestrador para a cadeia. Depois encontraremos essa tal de Carolina, a vulga Madame Milleniun. Vou falar com a moça ali. O Detetive Leon caminhou com seu jeito estranho e chamativo em direção à Natalia Vasconcelos que estava abraçada a seu marido Ronaldo e à sua recém-encontrada filha, Julia. - E então? Como está a menina? - Ela está bem. Só um pouco assustada. – Disse Ronaldo feliz por terem encontrado sua filha. - Vocês conseguiram ver como ela fez aquelas coisas lá dentro da casa? – Perguntou o detetive Leon com sua voz ranzinza de sempre. O casal Vasconcelos olhou-se por um momento e depois disseram juntos: - Foi a casa! - Hum! Outros loucos. Escutem, o que aconteceu lá dentro foi tudo armação. A casa não fez nada. Deixem disso. Assombrações não existem. - Detetive Leon, e quanto à Madame Milleniun? O que houve com ela? – Perguntou Natalia. - Provavelmente fugiu. Mas, vamos encontrá-la. Ela deve pagar pelo que fez. - E quanto à coisa que tem no porão? Vai prender ela também, policial? – Perguntou Julia inocentemente. O detetive Leon deu-lhe um olhar insignificante e de desprezo e disse com rispidez: - Não há nada no porão, menina. E não sou policial. Sou detetive. Entendeu? - S-Sim. – Respondeu Julia de cabeça baixa. Natalia olhou o detetive se afastar e fez-lhe uma cara de nojo. Como podem existir pessoas desse jeito? O Detetive Leon foi em direção à casa, acompanhado de alguns policiais, pois, pretendia dar a ordem a eles de limparem a casa, pois, daqui a 12 dias se mudaria uma família para ela. O que era uma ótima notícia, pois, assim a casa ficaria livre de invasões desse tipo de gente. E depois ainda dizem que cidades pequenas têm poucas coisas assim. Na 16 mente do Detetive Leon, o Brasil sempre teria gente querendo se dar bem às custas dos outros. Ao entrarem na casa, todos paralisaram no chão, totalmente espantados. Todos os móveis estavam nos seus devidos lugares, ainda inteiros e sem nenhum arranhão. Do lado de fora, a casa da Floresta dos Carvalhos parecia sorrir satisfeita. 17 2 Lucia se via parada em meio a um enorme corredor, sem saber o que fazer, sem saber para onde ir. - Ed! – Gritou, não obtendo nenhuma resposta. - Mãe, pai! – O grito ecoou ao longo do corredor, compondo uma melodia infernal. Uma infinidade de portas eram vistas à sua frente e não se era possível ver o fundo do aposento que parecia tomado pela escuridão, engolindo-o à distancia. O medo tomou conta de Lucia, que se encontrava ali, paralisada, em meio àquele corredor enorme, com seu pijama fino e fragil, tremendo de frio, sozinha. Como ela havia vindo parar ali? Isso confirmava que Lucia era sonâmbula e que poderia gritar durante a noite, como seu irmão sempre dizia. Ela caminhou até a porta mais próxima e girou a maçaneta, mas, nada aconteceu, a porta estava trancada. Caminhou mais para frente e girou a maçaneta da porta do quarto seguinte e sem sucesso, o mesmo acontecera, ou melhor, nada acontecera. A porta também estava trancada. Seu coração começou a disparar. Por que será que as portas estavam trancadas? Uma sensação horrível cresceu em seu interior, deixando-a apavorada. O corredor à sua frente parecia se alongar a cada vez que Lucia olhava para seu fundo, se assimilando a garganta de um monstro gigante que lhe engolia em meio às trevas e ao frio cortante. Seus pés lhe levavam para mais fundo do corredor, os dedos levando choques de frio a cada toque de seus passos no chão gelado e 18 duro, seus olhos se enchiam de lágrimas que lhe embasavam a visão tornando seu caminho ainda mais obscuro. Sem que ela percebesse, seus pés iam lhe levando mais rapidamente para o fundo, iam mudando de velocidade. Sem perceber, ela estava correndo feito uma louca no corredor interminável, suas lagrimas esvoaçavam para trás, deixando seus cabelos cada vês mais molhados e despenteados, ela estava deixando de pensar e estava começando à falar, à gritar, à berrar pelo corredor a mesma frase. - Onde estão todos, cadê todos vocês? Foi quando ela parou de repente. Sentia que algo se aproximava, simplesmente sentia. Olhou por cima do ombro, sentindo aquela sensação estranha que sentimos na espinha quando algo nos observa pelas costas e viu que, bem no fundo do corredor, atrás dela, uma fina névoa se erguia em meio à escuridão faminta que engolia o corredor. O frio se intensificou ainda mais, o chão do corredor se tornou úmido e exageradamente gelado, o ar ficou pesado, difícil de respirar. O coração de Lucia disparou, pareceu ter subido pela garganta, ela sentiu um insuportável gosto de sangue na língua, suas mãos tremeram muito e ficaram mais geladas do que estava, suas pernas se tornaram tremulas e frias, pareciam que iam dobrar a qualquer momento, fazendo com que Lucia desabasse no chão, seus olhos se arregalaram tentado ver algo na escuridão. Ela procurava alguma reação, alguma ideia, mas simplesmente, não conseguia pensar, seus ossos doíam incansavelmente, deixando-a a beira da loucura. Ela não sabia o que fazer. Notou que nenhum som era ouvido, o silencio era absoluto e a nevoa à sua frente tornada o que era negro e escuro em branco e angustiante, avançando cada vez mais em direção à garota. Seu pescoço se virou automaticamente para trás, juntamente com seu corpo, e seus olhos arregalados tiveram uma medonha visão. Do outro lado do corredor, onde a névoa pálida e grossa já havia dominado tudo, algo se levantava, se materializava em meio àquela neblina. Lucia viu que algo totalmente negro e que se assemelhava à fumaça começava a surgir entre a nevoa, formando uma enorme massa de negrume no ar, que parecia ganhar consistência e forma. Então, um som de respiração forçada ecoou por todo o corredor e eis que surge em meio aquela sombra bizarra algo que aterrorizou a garota. Um psicótico e ameaçador par de olhos tremendamente vermelhos que pareciam brilhar em entre aquele que parecia ser seu corpo feito de trevas, destacando-se de forma apavorante. 19 Foi quando ele encarou Lucia profundamente. Um pânico inevitável invadiu todo o corpo da garota, temendo pelo o que lhe poderia acontecer. Ouviu-se então o choramingar de Lucia que se transformou em horríveis berros de pavor. Dominada pelo pânico a garota se viu correndo o mais rápido que podia sem saber para que direção estava indo, apenas correndo, tentando fugir do medo, tentando fugir daquilo que a encarava furiosamente. Ela notou então que segurava uma lanterna, não sabia de onde ela tinha surgido, mas, o caminho à sua frente se iluminou pelo fino feixe de luz que o aparato emitia a sua frente. O corredor já não tinha mais nenhuma porta, nenhuma janela, ele estava completamente limpo e mais interminável do que nunca, se estendendo constantemente como se crescesse a casa passo acelerado de Lucia, que corria desesperada pelo cômodo infinito. A coisa às suas costas avançava ligeiramente, flutuando no ar coberto de neblina, cada vez mais próximo da garota, os olhos vermelhos totalmente fixos em seu alvo e uma aura aterradora ao seu redor, deslizando pelo ar em uma velocidade sobrenatural. Lucia corria desesperadamente, a toda velocidade tentando se safar daquilo que a perseguia e começou a sentir o chão sob seus pés começar a ficar escorregadio. Algo grosso e viçoso começava a cobrir todo o piso que começou a mudar de cor, antes em tons marrons da madeira velha e agora em vermelho vivo e chamativo. Era sangue. Todo o piso estava coberto por sangue. O medo em Lucia crescia cada vez mais ao ver que seu horror não tinha fim. Aquele ser lhe perseguindo estava cada vez mais próximo, o frio estava lhe atrasando, as pernas doíam de tanto correr naquele corredor sem fim que se estendia cada vez mais e mais e o chão agora estava mais escorregadio do que nunca com todo aquele sangue o banhando de forma horrenda. Enquanto a garota corria, começou a notar que a neblina começava a se dissipar e que o corredor à sua frente parecia aos poucos se transformar em outro cômodo, algo mais rustico, mais simples e obscuro. Lhe parecia com as paredes de um porão escuro e mofento. Lá, “ele” não pode me pegar. Não pode me pegar. Não pode me pegar. Enquanto pensava, ela choramingava cada vez mais alto, correndo em direção à escada, sua única salvação. Ao chegar nela, desceu-a rapidamente e só parou quando estava no chão. Mas, isso 20 deixou Lucia em estado de choque, ela não saíra na sala de estar, ela acabara de entrar no porão. As caixas estavam jogadas pelo chão e os móveis haviam sido arrastados para um canto do porão, para limpar espaço. Por que os móveis foram arrastados? Por que há esse espaço vazio no chão? No local vazio, havia, traçado no chão, um símbolo estranho que ela não conseguiu reconhecer naquele momento, em cada ponta do símbolo havia varias velas já acesas, e no centro, havia uma vasilha com coisas que Lucia não acreditava ser o que estava vendo. Parecia que era sangue e havia em meio a esse sangue... olhos... olhos humanos. Um baú de livros, que Lucia suspeitou ser de magia negra, estava escancarado bem ao lado do símbolo, os livros estavam jogados pelo chão e abertos. __ Lucccciaaaa... Esse sussurrar fez com que o coração de Lucia gelasse, ela paralisou no chão sem saber o que fazer. Foi quando sentiu uma mão em seu ombro. Uma mão fria como o sopro da morte, segurando e penetrando-a profundamente eu seu ser que se via paralisado diante de tal toque. Um grito agudo se fez ouvir e Lucia percebeu que tal som vinha de sua garganta que doía ao produzir tal som com tanta força e pavor. As cobertas se enrolavam em seu corpo, deixando-a confusa. Ela então abriu os olhos, retirou o peso de seu rosto e percebeu que se encontrava em sua cama. Foi tudo um pesadelo. - Você acha que é fácil dormir com você gritando a noite toda? Tá doida é? Não posso com isso não Lu, estou em fase de crescimento, preciso ter uma noite longa de sono. Isso vai acabar me deixando baixinho e magrelo para sempre. – Resmungava Eduardo, o irmão mais novo de Lucia e caçula da família Fernandes. O dia já havia raiado e todos da casa já estavam se organizando para o dia da mudança, que havia começado em meio à um vento forte e frio e uma chuva grossa e insistente que não passava a algumas horas. 21 Todos estavam ansiosos para se mudar de casa, afinal, não era todo dia que seu pai herdava uma casa da falecida, e desconhecida, digase de passagem, tia-avó que ninguém sem lembrava de ter conhecido em vida. E isso ainda não era o melhor, a residência que eles haviam ganhado era uma verdadeira mansão, um casarão localizado perto da saída da cidadezinha de Vale Negro, distante de todo o movimento de onde eles moravam, em um lugar tranquilo, seguro, sossegado e muito bem valorizado. Diziam que as casas daquela região eram da classe rica do município. Quem não iria ficar animado em morar em uma residência dessas? Bom, uma pessoa não ficou. E essa pessoa é justamente a filha mais velha da família Fernandes, Lucia, que desde o primeiro instante que soube do presentinho que seu pai ganhou, já ficou toda queixosa. Primeiro que ela teria que morar longe de seus amigos de escola e segundo que ela sabia muito bem da fama que aquela casa tinha. Todos da cidade diziam que a Casa da Floresta dos Carvalhos era mal assombrada. E o mais engraçado é que esse fato deve o efeito contrário no irmão mais novo de Lucia, o pequeno Eduardo, carinhosamente apelidado de Ed. O garoto vivia contando para todos os coleguinhas de classe que iria morar em uma casa assombrada, que dormiria com fantasmas, que andaria pelos corredores que caminham os mortos e coisas do tipo. Típico de crianças com a mente fértil. Eram apenas cinco e meia da manhã e a família já estava de pé, arrumando as malas para a mudança. Lucia organizava seus pertences do mais lentamente que podia, tentando, em vão, postergar sua mudança para anova residência. Bem lá no fundo, algo não a deixava tranquila. E não era o falatório da vizinhança não. A casa realmente parecia ter alguma coisa estranha e que Lucia havia percebido desde o primeiro momento que olhou a casa pela primeira vez. Ela nem quis entrar dentro para poder ver os cômodos. Alguma coisa a incomodava. Bom, é melhor esse incomodo passar logo, pois vou morar nessa “Mansão da Família Addams”. Pensou Lucia enquanto arrumava seus livros. Lucia pegou alguns livros que estavam dentro de seu guardaroupas e os guardou dentro da mala onde se encontrava sua enorme coleção de livros dos mais variados gêneros literários. Já, Eduardo se empenhava em juntar sua coleção de revistinhas em quadrinhos, que também era uma coleção notável, entre elas se encontravam os maiores 22