Carteiras bem fechadas - Fundamenta Investimentos

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Carteiras bem fechadas - Fundamenta Investimentos
Carteiras bem fechadas
10/03/2014
Por Mohamed A. El-Erian
Alguns economistas, como Larry Summers1, a chamam de "estagnação secular"2.
Outros, de "japanização". Todos, no entanto, concordam que, após muitos anos de
crescimento inadequado nas economias avançadas, surgiram riscos substanciais de
longo prazo, não apenas para o bem-estar dos cidadãos desses países, mas também
para a estabilidade da economia mundial.
Os que buscam formas para reduzir os ricos de crescimento inadequado concordam
que, entre todas as possíveis soluções, a que pode fazer mais diferença é o aumento
no investimento das empresas. E muitas empresas grandes e médias, tendo se
recuperado de forma notável da crise de 2008 e da subsequente recessão, agora
dispõem dos recursos necessários para investir em novas fábricas, equipamentos e
contratações.
De fato, com a lucratividade em níveis recorde ou próximos disso, o caixa do setor
empresarial dos Estados Unidos acumulou-se trimestre após trimestre e atingiu o
maior patamar em sua história - um dinheiro que vem rendendo muito pouco, já
que as taxas de juros estão próximas a zero. Além disso, como as empresas
melhoraram de forma expressiva sua eficiência operacional e estenderam os
vencimentos de suas dívidas, não precisam preocupar-se em acumular tanta
poupança, como forma de prevenção, quanto no passado.
De qualquer ângulo que se olhe, o setor empresarial das economias avançadas em
geral e o dos EUA em particular mostram uma força que há muito não se via. As
firmas não financeiras alcançaram uma combinação de resiliência e agilidade que
contrasta com as condições predominantes entre alguns lares e governos pelo
mundo que ainda não confrontaram adequadamente o legado dos tempos de
excesso de alavancagem.
Até agora, porém, muitas empresas, em vez de usar o caixa abundante para investir
na expansão da capacidade produtiva e na entrada em novos mercados preferiram
devolver dinheiro aos acionistas (ou foram pressionadas por acionistas ativistas a
devolvê-lo).
Só no ano passado, as empresas dos EUA autorizaram mais de US$ 600 bilhões em
programas de recompra de ações - um volume recorde, impressionante sob
qualquer critério. Além disso, um número maior de empresas elevou os
pagamentos de dividendos trimestrais aos acionistas. Nos dois primeiros meses de
2014, essa situação se manteve.
Embora os acionistas tenham se beneficiado da pouca disposição das empresas em
investir seu amplo caixa, a maior parte desse dinheiro vem circulando apenas no
setor financeiro.
Para que as economias avançadas prosperem, é necessário (embora não suficiente)
que a disposição do setor empresarial em investir se equipare a sua carteiras
recheadas. Há seis fatores que parecem representar limitações particularmente
importantes.
Primeiro, as empresas estão preocupadas quanto ao futuro da demanda por seus
produtos. A recente recuperação da economia, moderada como vem se mostrando,
foi impulsionada por políticas experimentais promovidas por bancos centrais para
sustentar o consumo. Agora, com o Federal Reserve (Fed, autoridade monetária dos
EUA) começando a abandonar os estímulos monetários e com a desaceleração dos
países emergentes, a maioria das empresas é simplesmente incapaz de dizer onde
estão as oportunidades de grande crescimento.
Segundo, com a China sendo um motor tão influente da demanda mundial, as
perspectivas da segunda maior economia mundial têm impacto desproporcional
nas projeções das receitas das empresas pelo mundo. E, com o sistema bancário
paralelo e o crescimento excessivo do crédito local atraindo cada vez mais atenção,
muitas empresas mostram nervosismo.
Terceiro,
embora
as
empresas
reconheçam que a inovação é uma
vantagem comparativa fundamental na
economia global de hoje, também vêm
sendo contidas por sua natureza cada
vez mais voltada à ideia do "vencedor
fica com tudo". O sucesso na inovação,
hoje, se trata muito menos de
financiamento e muito mais de
encontrar um aplicativo "matador".
Como resultado, muitas empresas não
estão muito convencidas de que a
inovação "normal" renderia maior retorno e acabam investindo menos do que no
passado.
Quarto, a análise de custo/benefício de longo prazo para possíveis investidores é
obscurecida por questões legítimas sobre certos ambientes operacionais. Nos EUA,
muitas empresas aguardam uma grande reforma orçamentária; mas ainda não têm
condições de avaliar que impacto isso teria sobre seus futuros lucros operacionais.
Na Europa, os políticos são cientes da necessidade de grandes reformas estruturais,
como as necessárias para solidificar a integração regional; mas as empresas não
têm grande clareza sobre quais são os componentes dessas reformas.
Quinto, o alcance da redução dos riscos não é tão grande quanto os avanços
financeiros sugeririam de início. Sim, as empresas contam com mais ferramentas
de proteção financeira a sua disposição. Mas a capacidade de administrar os riscos
negativos de forma abrangente ainda é limitada por mercados de longo prazo
incompletos e parcerias público-privadas que não podem ser alavancadas
suficientemente.
Por fim, a maioria dos líderes de empresas reconhece ter uma grande dívida de
gratidão com as autoridades monetárias, pela relativa tranquilidade dos últimos
anos. Graças a ousados experimentos de políticas econômicas, as autoridades
monetárias tiveram sucesso em evitar uma depressão internacional de vários anos,
comprando tempo para que as empresas pudessem se curar.
Os bancos centrais, no entanto, trabalhando praticamente sozinhos, não tiveram
condições de reforçar apropriadamente os motores de crescimento das economias
avançadas; nem contavam com as ferramentas para fazê-lo. Embora muitos líderes
de empresas ainda não tenham compreendido bem as ameaças pairando, parecem
estar inquietos quanto aos danos colaterais de longo prazo implícitos em um
quadro no qual bancos centrais estão com as contas inchadas e economias de
mercado modernas são administradas com taxas de juros artificialmente
reprimidas.
A boa notícia é que cada uma dessas limitações sobre os investimentos pode -e deve
- ser enfrentada; e os recentes dados3 de investimentos das empresas dos EUA
indicam progressos. A má notícia é que isso vai exigir muito mais tempo, esforços e
coordenação internacional. No meio tempo, o setor empresarial vai assumir uma
parte maior do trabalho pesado apenas gradualmente. Isso será suficiente para
manter as economias avançadas crescendo este ano; infelizmente, não o será para
obter o crescimento acelerado que o bem-estar de seus cidadãos - e da economia
mundial - precisa com tanta urgência. (Tradução de Sabino Ahumada)
1 - www.bit.ly/1n3zeVw
2 - www.bit.ly/1fQIdQ1
3 - www.1.usa.gov/1npaeVk
Mohamed A El-Erian executivo-chefe e codiretor-executivo de
informações da PIMCO, é autor de "When Markets Collide" (quando
mercados colidem, em inglês). Copyright: Project Syndicate, 2014.
www.project-syndicate.org