Algoritmo para detecção precisa da contração ventricular

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Algoritmo para detecção precisa da contração ventricular
IV Congresso Brasileiro de Computação – CBComp 2004
______
Sistemas de Informação
Algoritmo para detecção precisa da contração
ventricular cardíaca visando determinação da
VRC intraoperatória
Maurício Campelo Tavares e Fernando Mendes De Azevedo
Abstract— In this work we present the project and test of an
algorithm to accomplish ventricular contraction detection over
an electrocardiographic signal with 1ms resolution, intended for
intraoperative use. The ECG signals was registered at 1 kHz
sampling frequency, using a system developed by the authors.
The algorithm is based on preliminary adaptive filtering for line
interference removal, linear filtering and an adaptive threshold
calculated on a beat-to-beat basis. A laboratory test with six volunteers provides 99,92 % of mean sensitivity and 99,98 % of
mean positive predictivity. Seven abdominal surgeries were accompanied and 99,90 % of mean sensitivity and 99,89 % of mean
positive predictivity were obtained. The developed algorithm can
be used in real time applications.
Palavras-chave— monitorização biomédica, eletrocardiografia, variabilidade do ritmo cardíaco, anestesiologia.
I. INTRODUÇÃO
O coração humano é dotado de um sistema excitadorcondutor elétrico, capaz de gerar impulsos rítmicos que causam a contração periódica do músculo cardíaco, resultando no
bombeamento sangüíneo. O nódulo sino-atrial (SA) é a estrutura que gera o impulso rítmico normal de auto-excitação. O
sistema é complementado pelo nódulo átrio-ventricular (AV),
no qual os impulsos elétricos são retardados antes de passar
aos ventrículos, pelo feixe AV, condutor dos impulsos elétricos das aurículas para os ventrículos, e pelos feixes de fibras
de Purkinje, responsáveis pela disseminação dos impulsos
elétricos a todas as partes dos ventrículos [1]. A maioria das
fibras cardíacas apresenta a propriedade de auto-excitação,
notadamente as do nódulo SA, que descarregam mais rapidamente que as do nódulo AV e que das fibras de Purkinje. Desse modo, em condições normais o nódulo SA controla a freqüência do batimento cardíaco, sendo chamado de marcapasso cardíaco.
O coração é provido de nervos simpáticos e parassimpáticos, também chamados vagais. Tais nervos afetam o funcionamento normal do coração, podendo alterar a freqüência de
batimento e a força contrátil dos músculos cardíacos. Estímulos vagais causam a produção do hormônio acetilcolina, provocando a redução da freqüência rítmica do nódulo SA e lentificando a transmissão do impulso cardíaco para os ventrículos.
Um estímulo vagal muito forte pode paralisar o nódulo SA,
Este trabalho foi financiado parcialmente pela Secretaria de Ciência e
Tecnologia do Rio Grande do Sul, sob o convênio UCPel-SCTRS 018/2001.
causando também a paralisação do ventrículos por falta de
impulso elétrico. Neste caso segue-se uma cessação dos batimentos cardíacos por um período de 4 a 10 segundos, após o
qual algum ponto do feixe AV passa a desenvolver um ritmo
próprio, acionando os ventrículos com freqüência entre 15 e
40 batimentos por minuto (bpm). A estimulação simpática, ao
contrário da estimulação vagal, causa aumento da excitabilidade dos tecidos cardíacos e da força de contração muscular.
Por conseqüência, a freqüência cardíaca aumenta sob ação do
sistema simpático. Este sistema permanece continuamente em
atividade, com intensidade variável de momento a momento.
Assim são conseguidas adaptações a um ambiente que está em
constante modificação. Podem ocorrer ainda descargas instantâneas do simpático, principalmente durante sensações de raiva ou medo: a freqüência cardíaca, a pressão sangüínea e a
glicemia aumentam, o fluxo sangüíneo é desviado para os
músculos esqueléticos e ocorrem outras reações que preparam
o corpo para um possível embate. Por sua vez, o sistema parassimpático produz principalmente descargas localizadas e
discretas, atuando quando há necessidade de poupar energia e
manter as funções orgânicas a um nível mínimo [2].
O registro da atividade elétrica do coração por meio de equipamento eletrônico é chamado de eletrocardiograma ou
ECG. Um ECG normal é composto por alguns eventos característicos: a onda P, gerada pela contração auricular; o complexo QRS, gerado pela contração ventricular; a onda T, correspondente ao relaxamento dos ventrículos. Sabe-se que o
ritmo cardíaco varia a cada batimento, em torno de um valor
médio, modulado pelos sistemas simpático e vagal. Assim, a
série formada pelos intervalos entre ondas R consecutivas
constitui uma fonte de informação preciosa, obtida por método
não invasivo, sobre o sistema nervoso autônomo e seus componentes: sistema respiratório, sistema termoregulador, sistema vasomotor e sistema renal [3]. Esta série, também chamada
tacograma, é usada para calcular a variabilidade do ritmo cardíaco, abreviada VRC ou HRV (Heart Rate Variability). Aplicações recentes da VRC incluem a monitorização de alterações no sistema nervoso autônomo durante anestesia regional
[4], [5] e durante anestesia geral [6], [7].
O objetivo deste trabalho consistiu em desenvolver e implementar um algoritmo de processamento digital capaz de
fornecer a VRC de pacientes submetidos à cirurgia, sob anestesia geral.
II.
METODOLOGIAS PARA OBTENÇÃO DA SÉRIE RR
A obtenção da série RR a partir de um sinal de ECG pressupõe o uso de recursos para identificar cada evento R no si445
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nal original, rejeitar os demais eventos e medir o tempo decorrido entre cada dois eventos R consecutivos. A detecção do
evento R (descrita freqüentemente como detecção do complexo QRS) pode ser feita por circuitos eletrônicos [8], [9] ou por
programa, caso o sinal de ECG já tenha sido digitalizado [10][15]. Os detectores por hardware podem ser usados quando a
única informação de interesse é o próprio tacograma. Detectores por software são mais vantajosos quando se deseja armazenar o sinal de ECG original e dali extrair o tacograma. As
duas alternativas baseiam-se na mesma premissa, relativa à
morfologia da onda R: buscar, no sinal original, regiões com
transição de tensão brusca, com grande amplitude.
A redução do custo e aumento da capacidade computacional dos microprocessadores a partir dos anos de 1980 fez com
que muitos projetos de monitores cardíacos adotassem detectores de QRS por programa, mesmo quando o único objetivo
concentrava-se em obter a taxa de batimento cardíaco. Uma
vantagem inerente a essa abordagem é a flexibilidade, uma
vez que a troca do algoritmo de detecção é feita mais facilmente, alterando-se o programa sem reformular circuitos eletrônicos. Grande parte dos algoritmos para detecção do QRS
baseiam-se em duas etapas: pré-processamento e regras de
decisão. A primeira etapa inclui a filtragem linear, com finalidade de ressaltar o complexo QRS frente às demais ondas do
ECG e frente aos artefatos. Alguns algoritmos contêm ainda
etapas de transformação não linear que podem incluir a elevação ao quadrado, integração por janela móvel, cálculo da energia de curto termo, cálculo do envelope por transformada
de Hilbert, entre outros. As regras de decisão são aplicadas
sobre a seqüência obtida na saída do pré-processador, visando
determinar se um evento detectado é ou não é um QRS. Entre
as principais alternativas propostas por vários pesquisadores
estão: comparação contra um patamar fixo; comparação contra
um patamar com decaimento exponencial; comparação contra
um patamar adaptativo; filtros casados; detecção de borda
dupla para obter um sinal de VRC com boa precisão temporal
na localização dos eventos R.
Na aquisição do ECG costuma-se chamar “artefato” a toda
interferência que corrompe o sinal original. Na VRC também
existem artefatos, decorrentes das falhas do detector. Se um
evento R não for detectado na sua posição real, diz-se que
ocorreu um falso negativo (FN). Ao contrário, se o detector
indicar a presença de um evento R onde o mesmo não ocorreu
na realidade, tem-se um falso positivo (FP). O pior caso ocorre quando é detectado um falso positivo seguido imediatamente de um falso negativo, ou vice-versa, descaracterizando a
série RR e inviabilizando várias das técnicas utilizadas usualmente para determinar a VRC.
III. DESCRIÇÃO DO SISTEMA DE AQUISIÇÃO DO ECG E DO
ALGORITMO PARA DETECÇÃO DO EVENTO R
Para realizar o registro do ECG e de outros sinais bioelétricos intraoperatórios de interesse foi implementado um sistema
de aquisição baseado em microcontroladores, cujo diagrama
de blocos pode ser visto na Fig. 1. Para captação do ECG são
usados eletrodos pré-gel (Meditrace), colocados nas posições
referentes à derivação I.
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Estimulador
sonoro
Fones de
ouvido
HSO
Préamplificador
4 canais
cabo 3m
Amplificador,
isolador,
filtros
Eletrodos
A/D 16 bits
A/D
interno
uControlador
16 bits
e periféricos
Barramento
Controlador
USB
Computador portátil
Fig. 1. Sistema de aquisição em blocos, simplificado.
Cada canal do pré-amplificador apresenta um circuito para
proteção contra sobretensão no eletrodo, filtro passa-baixas
para redução de rádio freqüências, amplificador diferencial
(Texas INA118, ganho 20,23) e circuito de guarda para os
cabos dos eletrodos [16]. Cada INA118 é seguido por um filtro passa-altas de primeira ordem com freqüência de corte (f3dB) de 0,1 Hz e ganho de 10,1. Segue-se um filtro passabaixas Butterworth com dois pólos e ganho unitário, com f-3dB
de 200 Hz para o ECG. O ganho total do canal de ECG é de
504, o erro de ganho típico é de 3%, o ruído típico é de 0,5
µVpp na faixa de 0,1 Hz a 10 Hz, a razão de rejeição para sinais de como comum é de 100 dB a 60 Hz e a impedância de
entrada é de 1 GΩ em CC. Esses circuitos são alimentados a
partir de um conversor CC-CC que fornece +5 V e -5 V isolados (3 kV/1 minuto). Cada canal do pré-amplificador consome
20 mW de potência.
O circuito de aquisição é comandado por um microcontrolador Intel N87C196KD, trabalhando com uma freqüência de
20 MHz. A escolha do microcontrolador foi baseada nas suas
características intrínsecas: memória de programa OTPROM de
32 kB, memória de dados de 1 kB, controlador independente
de entradas e saídas (HSIO Unit), circuito de watchdog, porta
serial assíncrona RS-232 e conversor analógico-digital com 8
canais multiplexados e 10 bits de resolução. A existência desses periféricos no mesmo circuito integrado permite redução
de tamanho, complexidade e custo do circuito impresso [17].
Este sistema foi descrito com detalhes em [18] e [19].
O sinal de ECG proveniente do sistema de aquisição, gravado em arquivo, é submetido a um pré-processamento com
filtro adaptativo, visando remover a interferência de 60 Hz e
harmônicas de 120 Hz e 180 Hz. Esta etapa foi implementada
em Matlab® e baseia-se no algoritmo descrito em [20].
A transformação do sinal de ECG filtrado em um tacograma
é feita por programa desenvolvido também em Matlab® que
compreende as seguintes etapas:
1 – estimação da amplitude dos eventos R nos primeiros 5
segundos do sinal;
2 - filtragem IIR passa-faixas com Butterworth de 2a ordem
(fcpa = 10 Hz, fcpb = 25 Hz), para enfatização da onda R frente
às ondas P e T. Este filtro também atenua eventuais variações
de linha de base e interferências eletromiográficas, isto é, provenientes da atividade muscular;
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3 – localização temporal das ondas R por detecção da superação de um patamar adaptativo. Este patamar é calculado
amostra a amostra através da seguinte equação:
pat i = (V prox − Vb )e −t / τ + Vb
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amplitude do evento R. O resultado deste teste pode ser visto
na Fig. 3: o erro relativo máximo passou a ser de ± 3 ms.
Mesmo nesta condição desfavorável o erro não ultrapassa ±
0,3 %, sendo aceitável para a obtenção precisa do tacograma.
(1)
ECG simulado e pré-filtrado
escala arbitrária
ECG filtrado 10-25 Hz e patamar adaptativo
200
100
0
-100
-200
Tacograma
tempo (ms)
1011
1010
1009
1008
50
100
150
200
250
300
350
400
450
500
550
600
Intervalos RR
Fig. 2. Avaliação do algoritmo de detecção da onda R com sinal de ECG
simulado. No gráfico superior, sinal de ECG correspondente à derivação I; no
gráfico intermediário, sinal de ECG processado e patamar adaptativo calculado pelo algoritmo (linha tracejada); no gráfico inferior, tacograma resultante
apresentando erro relativo de ± 0,1 %.
ECG simulado, modulado e pré-filtrado
tensão (mV)
1
0.5
0
-0.5
ECG filtrado 10-25 Hz e patamar adaptativo
200
100
0
-100
-200
Tacograma
VALIDAÇÃO E RESULTADOS EM CIRURGIA
Para validação do algoritmo foi usado um sinal de ECG
simulado, proveniente de um equipamento Medsim 300B
(DNI Nevada), ajustado para fornecer 0,7 mV no evento R e
60 bpm. O amplificador de ECG do módulo de aquisição foi
ajustado para a escala de ±2 mV e a taxa de aquisição para
1000 amostras/s. Na Fig. 2 podem ser vistos o sinal de ECG
simulado (topo), o sinal filtrado e o patamar adaptativo calculado pelo algoritmo (gráfico intermediário), além do tacograma resultante (gráfico inferior). O erro relativo é de ±1 ms
(±0,1 %) e sua origem mais provável é o próprio simulador,
que usa uma taxa de atualização da saída de 500 Hz. Sabe-se
que a amplitude da onda R não é fixa, mas sim modulada pela
respiração livre ou pela ventilação mecânica durante a cirurgia. Visando testar o algoritmo em condição mais próxima à
real, o sinal proveniente do simulador foi modulado em amplitude (fm = 0,1667 Hz), causando uma redução de até 50 % na
0
1012
tempo (ms)
IV.
0.5
-0.5
escala arbitrária
onde Vprox é o valor inicial do patamar logo após a detecção
de uma onda R; Vb é o valor mínimo que pode ser assumido
pelo patamar adaptativo, determinado em função da resolução
do conversor A/D, do fundo de escala analógico utilizado na
aquisição e do valor de pico para o evento R calculado no
passo 1; t é o contador do número de amostras de ECG existentes entre duas detecções consecutivas, isto é, recebe o valor
zero inicialmente e após cada detecção, sendo incrementado a
cada nova amostra processada; τ é a constante de decaimento
do patamar, fixada em 750 para decaimento ótimo com ECG a
80 bpm e taxa de amostragem do sinal de 1000 amostras/s. O
algoritmo inclui ainda um período refratário de 180 ms após a
detecção de um evento R, no qual a superação do patamar não
é testada, evitando detecção dupla de um mesmo evento. O
tacograma é formado pela série de intervalos entre as detecções consecutivas;
4 – correção do desvio temporal na detecção, o que é feito
buscando a posição da maior amostra no período de 50 ms
após a superação do patamar adaptativo. Esta correção é especialmente importante quando a VRC é pequena mas implica
em um atraso temporal correspondente que deve ser considerado quando da implementação para tempo real;
5 – reamostragem do tacograma, isto é, decimação da série
de intervalos tomada amostra a amostra, pelo fator
FAM/nvfreq, onde FAM é a freqüência de amostragem original do ECG e nvfreq é a freqüência de reamostragem desejada
(neste caso, 4 Hz). Esta etapa do algoritmo foi incluída para
testes comparativos, não sendo necessária em implementação
para tempo real.
tensão (mV)
1
1013
1012
1011
1010
1009
1008
1007
1006
1005
50
100
150
200
250
300
350
400
450
500
550
600
Intervalos RR
Fig. 3. Avaliação do algoritmo de detecção da onda R com sinal de ECG simulado. No gráfico superior, sinal de ECG modulado em amplitude (vide
texto), simulando efeito da respiração forçada; no gráfico intermediário, sinal
de ECG processado e patamar adaptativo (linha tracejada); no gráfico inferior,
tacograma resultante apresentando erro relativo de ± 0,3 %.
Os resultados da aplicação do algoritmo sobre sinais reais,
obtidos de voluntários durante testes em laboratório, podem
ser vistos na Fig. 4. Cabe ressaltar que as abcissas dos gráficos
para o voluntário 1 e para o voluntário 2 são diferentes. O
primeiro apresenta erros de detecção, ao contrário do segundo.
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Tacograma do voluntário 2 - 3529 intervalos
1800
1200
1600
1150
1400
1100
1200
1050
tempo (ms)
tempo (ms)
Tacograma do voluntário 1 - 2935 intervalos
1000
800
1000
950
600
900
FP
FP
400
200
Sistemas de Informação
15 FP
0 FN
0
FP
FP
850
FP
500
1000
1500
Intervalos RR
2000
2500
800
0 FP
0 FN
500
1000
1500
2000
Intervalos RR
2500
3000
3500
Fig. 4. Tacogramas derivados dos sinais de ECG dos voluntários 1 (esquerda) e 2 (direita).
Cada tacograma corresponde a aproximadamente 1 hora de aquisição de sinal de ECG.
O estudo dos erros de detecção do algoritmo é importante
para que as análises efetuadas posteriormente não apresentem
erros significativos. Um FP ocorre quando o algoritmo reconhece algum evento espúrio como sendo um evento R. As
causas mais comuns para um FP são ruído muscular, movimento de eletrodos, onda T com amplitude elevada e ruído
impulsivo, não necessariamente nesta ordem.
Um evento erroneamente detectado entre dois eventos R
normais causa o surgimento de dois intervalos RR com valores pequenos, pelo efeito de interpolação, conforme pode ser
observado na Fig. 4 (lado esquerdo, em torno do intervalo
1500). Um FN ocorre quando um evento R verdadeiro deixa
de ser detectado. Nas duas horas de registro mostradas na Fig.
4 não ocorreu nenhum FN.
A qualidade de um algoritmo para detecção é determinada
em função do número de FPs e FNs observados sobre um conjunto de sinais. Exemplificando com os sinais da Fig. 4, para o
voluntário 1 foram observados 15 FP sobre um total de 2936
batimentos, o que corresponde a 99,49 % de especificidade.
Não tendo sido observado nenhum FN, o algoritmo ofereceu
100 % de sensibilidade. Para o sinal do voluntário 2 o algoritmo ofereceu 100 % de especificidade e 100 % de sensibilidade. Para o conjunto dos sinais de seis voluntários adultos
saudáveis, obtidos também em laboratório, o algoritmo apresentou 99,98 % de especificidade e 99,92 % de sensibilidade.
Deve-se destacar que os sinais dos voluntários são regulares e
com poucos eventos arrítmicos. Os sinais de ECG registrados
durante cirurgia apresentam contaminação por vários agentes:
movimentação espontânea do paciente no início e no final da
cirurgia, intubação e extubação, manipulação dos órgãos internos no caso de cirurgia abdominal, interferência da rede
elétrica aumentada pela proximidade do cirurgião e ajudantes,
uso simultâneo de outros equipamentos eletrônicos de monitorização, e principalmente, uso da unidade eletrocirúrgica para
corte e coagulação. Além disso algumas drogas, como os indutores intravenosos da anestesia e os anticolinesterásicos,
causam variações bruscas na taxa do batimento cardíaco.
Vários desses fatores podem ser observados na Fig. 5, que
contém um tacograma obtido em cirurgia. Verifica-se, naquela
figura, que o detector que apresentava desempenho quase perfeito com sinais regulares passa a registrar vários FPs e FNs.
A Tabela 1 sumaria o desempenho do algoritmo de detecção
para os sinais de ECG de sete pacientes adultos, classificados
como ASA I ou ASA II (isto é, sem doença crônica que cause
alterações sistêmicas), registrados durante cirurgias abdominais realizadas no Hospital Universitário São Francisco de
Paula, em Pelotas, RS. Os tacogramas foram analisados visualmente por dois técnicos treinados. O critério para considerar
um ponto como FP ou FN foi a redução do intervalo RR em
50% com relação à média de um segmento de 120 s e superação da mesma média em 50%, respectivamente. Os trechos
com uso intenso da unidade eletrocirúrgica não foram considerados nesta análise, pois são considerados “trechos com
ruído” e recebem tratamento diferenciado dentro do sistema.
V.
DISCUSSÃO
Conforme pode ser observado na Tabela 1, o pior desempenho em termos de especificidade ocorreu durante a cirurgia do
paciente 2, na qual ocorreram 29 FPs (99,57 %). O pior desempenho em termos de sensibilidade foi observado para o
paciente 6, com 26 FNs durante o intraoperatório. Em termos
médios, o algoritmo apresentou 99,90 % de especificidade e
99,89 % de sensibilidade na aplicação prática, considerado um
total de 58.226 intervalos RR. Isto significa que o algoritmo
falhou em detectar apenas 63 batimentos, ou 0,1082 % do
total de batimentos.
A contrário dos detectores de ECG encontrados na literatura, cujas principais aplicações encontram-se no auxílio ao diagnóstico e na detecção de eventos arrítmicos, a finalidade do
algoritmo desenvolvido é localizar com precisão o instante de
cada contração ventricular de pacientes sob anestesia. Assim,
não foi necessário prever tratamento para ruído eletromiográfico, uma vez que o paciente está sob efeito de relaxante muscular.
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Sistemas de Informação
Tacograma intraoperatório do paciente 2 - 6673 intervalos
1200
estimulação
cirúrgica
1100
FN
FN
FN
atropina
1000
tempo (ms)
900
800
700
600
500
indução
com
fentanil
400
FP
300
unidade
eletrocirúrgica
200
FP
FP
FP
FP
unidade
eletrocirúrgica
miografia
Intervalos RR
Fig. 5. Tacograma derivado do sinal de ECG de paciente cirúrgico, no qual podem ser vistos alguns trechos contaminados com interferência da
unidade eletrocirúrgica, miografia e uso das drogas anestésicas.
A presença de uma etapa prévia de filtragem da interferência de rede elétrica, fundamental e harmônicas, permitiu dispensar testes com ruído aditivo nessas freqüências. Nos monitores de ECG convencionais a freqüência de aquisição situa-se
usualmente entre 200 e 500 amostras/s. A escolha de 1 kamostras/s nesta aplicação deveu-se à necessidade de localizar o
evento R com uma precisão temporal de 1ms. Considerando
que o sinal é processado amostra a amostra para cálculo do
patamar adaptativo, e que qualquer desvio na detecção pode
ser confundido com variabilidade, torna-se importante que o
algoritmo seja simples, visando sua implementado em tempo
real, em um monitor de variabilidade cardíaca.
Apesar dos testes de laboratório terem sido realizados com
freqüência cardíaca fixa de 60 bpm, o algoritmo apresentou
bom desempenho na faixa de 50 a 120 bpm, observada nos
pacientes submetidos à cirurgia. Novos testes devem ser feitos
para observar o desempenho do algoritmo com pacientes neonatos, nos quais a freqüência basal é mais alta do que a observada em pacientes adultos.
TABELA I
DESEMPENHO DO ALGORITMO DE DETECÇÃO DOS EVENTOS R NOS SINAIS DE
ECG INTRAOPERATÓRIO DE SETE PACIENTES
Paciente
Número de
FP
FN
Especificidade Sensibilidade
Intervalos RR
%
%
pac_1
7710
8
5
99,94
99,94
pac_2
6673
29
8
99,57
99,88
pac_3
12170
1
5
99,99
99,96
pac_4
12327
10
17
99,92
99,86
pac_5
7699
3
2
99,96
99,97
pac_6
5727
6
23
99,90
99,60
pac_7
5920
2
3
99,97
99,95
TOTAL
58226
59
63
99,90
99,89
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Sistemas de Informação
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M. C. Tavares, Projetando com Microcontroladores 8XC196 (Designing
with 8XC196 microcontrollers). Pelotas: Educat, 342 p. (Portuguese),
2000.
M. C. Tavares and F. M. De Azevedo, “A Low-cost Multiprocessor
System for Intraoperative Bioelectrical Signal Registering,” in Proc. The
2002 International Conference on Mathematics and Engineering Techniques in Medicine and Biological Sciences. Proceedings CD-ROM.
M. C. Tavares, F. A. O. Costa and F. M. De Azevedo, “Advances in the
RSI Multiprocessor System for Intraoperative Bioelectrical Signal Registering,” in Proc. The 2003 International Conference on Mathematics
and Engineering Techniques in Medicine and Biological Sciences. Proceedings CD-ROM.
M. C. Tavares, “Aquisição e processamento de sinais bioelétricos neurofisiológicos intraoperatórios,” Ph.D. Thesis, Universidade Federal de
Santa Catarina, Florianópolis, 2003.
VII. BIOGRAFIAS
Maurício Campelo Tavares – Engenheiro Eletricista (UCPel, 1984). Mestre
em Engenharia Elétrica, área de Engenharia Biomédica (UFSC, 1997), Doutor
em Engenharia Elétrica, área de Engenharia Biomédica (UFSC, 2003). Professor adjunto da Escola de Engenharia e Arquitetura e Coordenador do Laboratório de Engenharia Biomédica da Universidade Católica de Pelotas. Membro
Titular da Sociedade Brasileira de Engenharia Biomédica. Membro do IEEE
desde 1995. Áreas de interesse: instrumentação biomédica microprocessada,
aquisição e processamento de sinais bioelétricos, processamento de ECG,
EEG e potenciais evocados em anestesiologia.
Fernando Mendes de Azevedo – Engenheiro Eletrônico (UFPA, 1977).
Mestre em Engenharia Elétrica (UFSC, 1981), Doutor em Ciências, opção
Informática, pela Université Notre Dame de La Paix, Bélgica (1993). Professor Adjunto e Diretor do Instituto de Engenharia Biomédica da Universidade
Federal de Santa Catarina. Áreas de interesse: inteligência artificial, redes
neurais artificiais, aplicações de IA em engenharia biomédica.
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