Algoritmo para detecção precisa da contração ventricular
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Algoritmo para detecção precisa da contração ventricular
IV Congresso Brasileiro de Computação – CBComp 2004 ______ Sistemas de Informação Algoritmo para detecção precisa da contração ventricular cardíaca visando determinação da VRC intraoperatória Maurício Campelo Tavares e Fernando Mendes De Azevedo Abstract— In this work we present the project and test of an algorithm to accomplish ventricular contraction detection over an electrocardiographic signal with 1ms resolution, intended for intraoperative use. The ECG signals was registered at 1 kHz sampling frequency, using a system developed by the authors. The algorithm is based on preliminary adaptive filtering for line interference removal, linear filtering and an adaptive threshold calculated on a beat-to-beat basis. A laboratory test with six volunteers provides 99,92 % of mean sensitivity and 99,98 % of mean positive predictivity. Seven abdominal surgeries were accompanied and 99,90 % of mean sensitivity and 99,89 % of mean positive predictivity were obtained. The developed algorithm can be used in real time applications. Palavras-chave— monitorização biomédica, eletrocardiografia, variabilidade do ritmo cardíaco, anestesiologia. I. INTRODUÇÃO O coração humano é dotado de um sistema excitadorcondutor elétrico, capaz de gerar impulsos rítmicos que causam a contração periódica do músculo cardíaco, resultando no bombeamento sangüíneo. O nódulo sino-atrial (SA) é a estrutura que gera o impulso rítmico normal de auto-excitação. O sistema é complementado pelo nódulo átrio-ventricular (AV), no qual os impulsos elétricos são retardados antes de passar aos ventrículos, pelo feixe AV, condutor dos impulsos elétricos das aurículas para os ventrículos, e pelos feixes de fibras de Purkinje, responsáveis pela disseminação dos impulsos elétricos a todas as partes dos ventrículos [1]. A maioria das fibras cardíacas apresenta a propriedade de auto-excitação, notadamente as do nódulo SA, que descarregam mais rapidamente que as do nódulo AV e que das fibras de Purkinje. Desse modo, em condições normais o nódulo SA controla a freqüência do batimento cardíaco, sendo chamado de marcapasso cardíaco. O coração é provido de nervos simpáticos e parassimpáticos, também chamados vagais. Tais nervos afetam o funcionamento normal do coração, podendo alterar a freqüência de batimento e a força contrátil dos músculos cardíacos. Estímulos vagais causam a produção do hormônio acetilcolina, provocando a redução da freqüência rítmica do nódulo SA e lentificando a transmissão do impulso cardíaco para os ventrículos. Um estímulo vagal muito forte pode paralisar o nódulo SA, Este trabalho foi financiado parcialmente pela Secretaria de Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul, sob o convênio UCPel-SCTRS 018/2001. causando também a paralisação do ventrículos por falta de impulso elétrico. Neste caso segue-se uma cessação dos batimentos cardíacos por um período de 4 a 10 segundos, após o qual algum ponto do feixe AV passa a desenvolver um ritmo próprio, acionando os ventrículos com freqüência entre 15 e 40 batimentos por minuto (bpm). A estimulação simpática, ao contrário da estimulação vagal, causa aumento da excitabilidade dos tecidos cardíacos e da força de contração muscular. Por conseqüência, a freqüência cardíaca aumenta sob ação do sistema simpático. Este sistema permanece continuamente em atividade, com intensidade variável de momento a momento. Assim são conseguidas adaptações a um ambiente que está em constante modificação. Podem ocorrer ainda descargas instantâneas do simpático, principalmente durante sensações de raiva ou medo: a freqüência cardíaca, a pressão sangüínea e a glicemia aumentam, o fluxo sangüíneo é desviado para os músculos esqueléticos e ocorrem outras reações que preparam o corpo para um possível embate. Por sua vez, o sistema parassimpático produz principalmente descargas localizadas e discretas, atuando quando há necessidade de poupar energia e manter as funções orgânicas a um nível mínimo [2]. O registro da atividade elétrica do coração por meio de equipamento eletrônico é chamado de eletrocardiograma ou ECG. Um ECG normal é composto por alguns eventos característicos: a onda P, gerada pela contração auricular; o complexo QRS, gerado pela contração ventricular; a onda T, correspondente ao relaxamento dos ventrículos. Sabe-se que o ritmo cardíaco varia a cada batimento, em torno de um valor médio, modulado pelos sistemas simpático e vagal. Assim, a série formada pelos intervalos entre ondas R consecutivas constitui uma fonte de informação preciosa, obtida por método não invasivo, sobre o sistema nervoso autônomo e seus componentes: sistema respiratório, sistema termoregulador, sistema vasomotor e sistema renal [3]. Esta série, também chamada tacograma, é usada para calcular a variabilidade do ritmo cardíaco, abreviada VRC ou HRV (Heart Rate Variability). Aplicações recentes da VRC incluem a monitorização de alterações no sistema nervoso autônomo durante anestesia regional [4], [5] e durante anestesia geral [6], [7]. O objetivo deste trabalho consistiu em desenvolver e implementar um algoritmo de processamento digital capaz de fornecer a VRC de pacientes submetidos à cirurgia, sob anestesia geral. II. METODOLOGIAS PARA OBTENÇÃO DA SÉRIE RR A obtenção da série RR a partir de um sinal de ECG pressupõe o uso de recursos para identificar cada evento R no si445 IV Congresso Brasileiro de Computação – CBComp 2004 nal original, rejeitar os demais eventos e medir o tempo decorrido entre cada dois eventos R consecutivos. A detecção do evento R (descrita freqüentemente como detecção do complexo QRS) pode ser feita por circuitos eletrônicos [8], [9] ou por programa, caso o sinal de ECG já tenha sido digitalizado [10][15]. Os detectores por hardware podem ser usados quando a única informação de interesse é o próprio tacograma. Detectores por software são mais vantajosos quando se deseja armazenar o sinal de ECG original e dali extrair o tacograma. As duas alternativas baseiam-se na mesma premissa, relativa à morfologia da onda R: buscar, no sinal original, regiões com transição de tensão brusca, com grande amplitude. A redução do custo e aumento da capacidade computacional dos microprocessadores a partir dos anos de 1980 fez com que muitos projetos de monitores cardíacos adotassem detectores de QRS por programa, mesmo quando o único objetivo concentrava-se em obter a taxa de batimento cardíaco. Uma vantagem inerente a essa abordagem é a flexibilidade, uma vez que a troca do algoritmo de detecção é feita mais facilmente, alterando-se o programa sem reformular circuitos eletrônicos. Grande parte dos algoritmos para detecção do QRS baseiam-se em duas etapas: pré-processamento e regras de decisão. A primeira etapa inclui a filtragem linear, com finalidade de ressaltar o complexo QRS frente às demais ondas do ECG e frente aos artefatos. Alguns algoritmos contêm ainda etapas de transformação não linear que podem incluir a elevação ao quadrado, integração por janela móvel, cálculo da energia de curto termo, cálculo do envelope por transformada de Hilbert, entre outros. As regras de decisão são aplicadas sobre a seqüência obtida na saída do pré-processador, visando determinar se um evento detectado é ou não é um QRS. Entre as principais alternativas propostas por vários pesquisadores estão: comparação contra um patamar fixo; comparação contra um patamar com decaimento exponencial; comparação contra um patamar adaptativo; filtros casados; detecção de borda dupla para obter um sinal de VRC com boa precisão temporal na localização dos eventos R. Na aquisição do ECG costuma-se chamar “artefato” a toda interferência que corrompe o sinal original. Na VRC também existem artefatos, decorrentes das falhas do detector. Se um evento R não for detectado na sua posição real, diz-se que ocorreu um falso negativo (FN). Ao contrário, se o detector indicar a presença de um evento R onde o mesmo não ocorreu na realidade, tem-se um falso positivo (FP). O pior caso ocorre quando é detectado um falso positivo seguido imediatamente de um falso negativo, ou vice-versa, descaracterizando a série RR e inviabilizando várias das técnicas utilizadas usualmente para determinar a VRC. III. DESCRIÇÃO DO SISTEMA DE AQUISIÇÃO DO ECG E DO ALGORITMO PARA DETECÇÃO DO EVENTO R Para realizar o registro do ECG e de outros sinais bioelétricos intraoperatórios de interesse foi implementado um sistema de aquisição baseado em microcontroladores, cujo diagrama de blocos pode ser visto na Fig. 1. Para captação do ECG são usados eletrodos pré-gel (Meditrace), colocados nas posições referentes à derivação I. ______ Sistemas de Informação Estimulador sonoro Fones de ouvido HSO Préamplificador 4 canais cabo 3m Amplificador, isolador, filtros Eletrodos A/D 16 bits A/D interno uControlador 16 bits e periféricos Barramento Controlador USB Computador portátil Fig. 1. Sistema de aquisição em blocos, simplificado. Cada canal do pré-amplificador apresenta um circuito para proteção contra sobretensão no eletrodo, filtro passa-baixas para redução de rádio freqüências, amplificador diferencial (Texas INA118, ganho 20,23) e circuito de guarda para os cabos dos eletrodos [16]. Cada INA118 é seguido por um filtro passa-altas de primeira ordem com freqüência de corte (f3dB) de 0,1 Hz e ganho de 10,1. Segue-se um filtro passabaixas Butterworth com dois pólos e ganho unitário, com f-3dB de 200 Hz para o ECG. O ganho total do canal de ECG é de 504, o erro de ganho típico é de 3%, o ruído típico é de 0,5 µVpp na faixa de 0,1 Hz a 10 Hz, a razão de rejeição para sinais de como comum é de 100 dB a 60 Hz e a impedância de entrada é de 1 GΩ em CC. Esses circuitos são alimentados a partir de um conversor CC-CC que fornece +5 V e -5 V isolados (3 kV/1 minuto). Cada canal do pré-amplificador consome 20 mW de potência. O circuito de aquisição é comandado por um microcontrolador Intel N87C196KD, trabalhando com uma freqüência de 20 MHz. A escolha do microcontrolador foi baseada nas suas características intrínsecas: memória de programa OTPROM de 32 kB, memória de dados de 1 kB, controlador independente de entradas e saídas (HSIO Unit), circuito de watchdog, porta serial assíncrona RS-232 e conversor analógico-digital com 8 canais multiplexados e 10 bits de resolução. A existência desses periféricos no mesmo circuito integrado permite redução de tamanho, complexidade e custo do circuito impresso [17]. Este sistema foi descrito com detalhes em [18] e [19]. O sinal de ECG proveniente do sistema de aquisição, gravado em arquivo, é submetido a um pré-processamento com filtro adaptativo, visando remover a interferência de 60 Hz e harmônicas de 120 Hz e 180 Hz. Esta etapa foi implementada em Matlab® e baseia-se no algoritmo descrito em [20]. A transformação do sinal de ECG filtrado em um tacograma é feita por programa desenvolvido também em Matlab® que compreende as seguintes etapas: 1 – estimação da amplitude dos eventos R nos primeiros 5 segundos do sinal; 2 - filtragem IIR passa-faixas com Butterworth de 2a ordem (fcpa = 10 Hz, fcpb = 25 Hz), para enfatização da onda R frente às ondas P e T. Este filtro também atenua eventuais variações de linha de base e interferências eletromiográficas, isto é, provenientes da atividade muscular; 446 IV Congresso Brasileiro de Computação – CBComp 2004 3 – localização temporal das ondas R por detecção da superação de um patamar adaptativo. Este patamar é calculado amostra a amostra através da seguinte equação: pat i = (V prox − Vb )e −t / τ + Vb ______ Sistemas de Informação amplitude do evento R. O resultado deste teste pode ser visto na Fig. 3: o erro relativo máximo passou a ser de ± 3 ms. Mesmo nesta condição desfavorável o erro não ultrapassa ± 0,3 %, sendo aceitável para a obtenção precisa do tacograma. (1) ECG simulado e pré-filtrado escala arbitrária ECG filtrado 10-25 Hz e patamar adaptativo 200 100 0 -100 -200 Tacograma tempo (ms) 1011 1010 1009 1008 50 100 150 200 250 300 350 400 450 500 550 600 Intervalos RR Fig. 2. Avaliação do algoritmo de detecção da onda R com sinal de ECG simulado. No gráfico superior, sinal de ECG correspondente à derivação I; no gráfico intermediário, sinal de ECG processado e patamar adaptativo calculado pelo algoritmo (linha tracejada); no gráfico inferior, tacograma resultante apresentando erro relativo de ± 0,1 %. ECG simulado, modulado e pré-filtrado tensão (mV) 1 0.5 0 -0.5 ECG filtrado 10-25 Hz e patamar adaptativo 200 100 0 -100 -200 Tacograma VALIDAÇÃO E RESULTADOS EM CIRURGIA Para validação do algoritmo foi usado um sinal de ECG simulado, proveniente de um equipamento Medsim 300B (DNI Nevada), ajustado para fornecer 0,7 mV no evento R e 60 bpm. O amplificador de ECG do módulo de aquisição foi ajustado para a escala de ±2 mV e a taxa de aquisição para 1000 amostras/s. Na Fig. 2 podem ser vistos o sinal de ECG simulado (topo), o sinal filtrado e o patamar adaptativo calculado pelo algoritmo (gráfico intermediário), além do tacograma resultante (gráfico inferior). O erro relativo é de ±1 ms (±0,1 %) e sua origem mais provável é o próprio simulador, que usa uma taxa de atualização da saída de 500 Hz. Sabe-se que a amplitude da onda R não é fixa, mas sim modulada pela respiração livre ou pela ventilação mecânica durante a cirurgia. Visando testar o algoritmo em condição mais próxima à real, o sinal proveniente do simulador foi modulado em amplitude (fm = 0,1667 Hz), causando uma redução de até 50 % na 0 1012 tempo (ms) IV. 0.5 -0.5 escala arbitrária onde Vprox é o valor inicial do patamar logo após a detecção de uma onda R; Vb é o valor mínimo que pode ser assumido pelo patamar adaptativo, determinado em função da resolução do conversor A/D, do fundo de escala analógico utilizado na aquisição e do valor de pico para o evento R calculado no passo 1; t é o contador do número de amostras de ECG existentes entre duas detecções consecutivas, isto é, recebe o valor zero inicialmente e após cada detecção, sendo incrementado a cada nova amostra processada; τ é a constante de decaimento do patamar, fixada em 750 para decaimento ótimo com ECG a 80 bpm e taxa de amostragem do sinal de 1000 amostras/s. O algoritmo inclui ainda um período refratário de 180 ms após a detecção de um evento R, no qual a superação do patamar não é testada, evitando detecção dupla de um mesmo evento. O tacograma é formado pela série de intervalos entre as detecções consecutivas; 4 – correção do desvio temporal na detecção, o que é feito buscando a posição da maior amostra no período de 50 ms após a superação do patamar adaptativo. Esta correção é especialmente importante quando a VRC é pequena mas implica em um atraso temporal correspondente que deve ser considerado quando da implementação para tempo real; 5 – reamostragem do tacograma, isto é, decimação da série de intervalos tomada amostra a amostra, pelo fator FAM/nvfreq, onde FAM é a freqüência de amostragem original do ECG e nvfreq é a freqüência de reamostragem desejada (neste caso, 4 Hz). Esta etapa do algoritmo foi incluída para testes comparativos, não sendo necessária em implementação para tempo real. tensão (mV) 1 1013 1012 1011 1010 1009 1008 1007 1006 1005 50 100 150 200 250 300 350 400 450 500 550 600 Intervalos RR Fig. 3. Avaliação do algoritmo de detecção da onda R com sinal de ECG simulado. No gráfico superior, sinal de ECG modulado em amplitude (vide texto), simulando efeito da respiração forçada; no gráfico intermediário, sinal de ECG processado e patamar adaptativo (linha tracejada); no gráfico inferior, tacograma resultante apresentando erro relativo de ± 0,3 %. Os resultados da aplicação do algoritmo sobre sinais reais, obtidos de voluntários durante testes em laboratório, podem ser vistos na Fig. 4. Cabe ressaltar que as abcissas dos gráficos para o voluntário 1 e para o voluntário 2 são diferentes. O primeiro apresenta erros de detecção, ao contrário do segundo. 447 IV Congresso Brasileiro de Computação – CBComp 2004 ______ Tacograma do voluntário 2 - 3529 intervalos 1800 1200 1600 1150 1400 1100 1200 1050 tempo (ms) tempo (ms) Tacograma do voluntário 1 - 2935 intervalos 1000 800 1000 950 600 900 FP FP 400 200 Sistemas de Informação 15 FP 0 FN 0 FP FP 850 FP 500 1000 1500 Intervalos RR 2000 2500 800 0 FP 0 FN 500 1000 1500 2000 Intervalos RR 2500 3000 3500 Fig. 4. Tacogramas derivados dos sinais de ECG dos voluntários 1 (esquerda) e 2 (direita). Cada tacograma corresponde a aproximadamente 1 hora de aquisição de sinal de ECG. O estudo dos erros de detecção do algoritmo é importante para que as análises efetuadas posteriormente não apresentem erros significativos. Um FP ocorre quando o algoritmo reconhece algum evento espúrio como sendo um evento R. As causas mais comuns para um FP são ruído muscular, movimento de eletrodos, onda T com amplitude elevada e ruído impulsivo, não necessariamente nesta ordem. Um evento erroneamente detectado entre dois eventos R normais causa o surgimento de dois intervalos RR com valores pequenos, pelo efeito de interpolação, conforme pode ser observado na Fig. 4 (lado esquerdo, em torno do intervalo 1500). Um FN ocorre quando um evento R verdadeiro deixa de ser detectado. Nas duas horas de registro mostradas na Fig. 4 não ocorreu nenhum FN. A qualidade de um algoritmo para detecção é determinada em função do número de FPs e FNs observados sobre um conjunto de sinais. Exemplificando com os sinais da Fig. 4, para o voluntário 1 foram observados 15 FP sobre um total de 2936 batimentos, o que corresponde a 99,49 % de especificidade. Não tendo sido observado nenhum FN, o algoritmo ofereceu 100 % de sensibilidade. Para o sinal do voluntário 2 o algoritmo ofereceu 100 % de especificidade e 100 % de sensibilidade. Para o conjunto dos sinais de seis voluntários adultos saudáveis, obtidos também em laboratório, o algoritmo apresentou 99,98 % de especificidade e 99,92 % de sensibilidade. Deve-se destacar que os sinais dos voluntários são regulares e com poucos eventos arrítmicos. Os sinais de ECG registrados durante cirurgia apresentam contaminação por vários agentes: movimentação espontânea do paciente no início e no final da cirurgia, intubação e extubação, manipulação dos órgãos internos no caso de cirurgia abdominal, interferência da rede elétrica aumentada pela proximidade do cirurgião e ajudantes, uso simultâneo de outros equipamentos eletrônicos de monitorização, e principalmente, uso da unidade eletrocirúrgica para corte e coagulação. Além disso algumas drogas, como os indutores intravenosos da anestesia e os anticolinesterásicos, causam variações bruscas na taxa do batimento cardíaco. Vários desses fatores podem ser observados na Fig. 5, que contém um tacograma obtido em cirurgia. Verifica-se, naquela figura, que o detector que apresentava desempenho quase perfeito com sinais regulares passa a registrar vários FPs e FNs. A Tabela 1 sumaria o desempenho do algoritmo de detecção para os sinais de ECG de sete pacientes adultos, classificados como ASA I ou ASA II (isto é, sem doença crônica que cause alterações sistêmicas), registrados durante cirurgias abdominais realizadas no Hospital Universitário São Francisco de Paula, em Pelotas, RS. Os tacogramas foram analisados visualmente por dois técnicos treinados. O critério para considerar um ponto como FP ou FN foi a redução do intervalo RR em 50% com relação à média de um segmento de 120 s e superação da mesma média em 50%, respectivamente. Os trechos com uso intenso da unidade eletrocirúrgica não foram considerados nesta análise, pois são considerados “trechos com ruído” e recebem tratamento diferenciado dentro do sistema. V. DISCUSSÃO Conforme pode ser observado na Tabela 1, o pior desempenho em termos de especificidade ocorreu durante a cirurgia do paciente 2, na qual ocorreram 29 FPs (99,57 %). O pior desempenho em termos de sensibilidade foi observado para o paciente 6, com 26 FNs durante o intraoperatório. Em termos médios, o algoritmo apresentou 99,90 % de especificidade e 99,89 % de sensibilidade na aplicação prática, considerado um total de 58.226 intervalos RR. Isto significa que o algoritmo falhou em detectar apenas 63 batimentos, ou 0,1082 % do total de batimentos. A contrário dos detectores de ECG encontrados na literatura, cujas principais aplicações encontram-se no auxílio ao diagnóstico e na detecção de eventos arrítmicos, a finalidade do algoritmo desenvolvido é localizar com precisão o instante de cada contração ventricular de pacientes sob anestesia. Assim, não foi necessário prever tratamento para ruído eletromiográfico, uma vez que o paciente está sob efeito de relaxante muscular. 448 IV Congresso Brasileiro de Computação – CBComp 2004 ______ Sistemas de Informação Tacograma intraoperatório do paciente 2 - 6673 intervalos 1200 estimulação cirúrgica 1100 FN FN FN atropina 1000 tempo (ms) 900 800 700 600 500 indução com fentanil 400 FP 300 unidade eletrocirúrgica 200 FP FP FP FP unidade eletrocirúrgica miografia Intervalos RR Fig. 5. Tacograma derivado do sinal de ECG de paciente cirúrgico, no qual podem ser vistos alguns trechos contaminados com interferência da unidade eletrocirúrgica, miografia e uso das drogas anestésicas. A presença de uma etapa prévia de filtragem da interferência de rede elétrica, fundamental e harmônicas, permitiu dispensar testes com ruído aditivo nessas freqüências. Nos monitores de ECG convencionais a freqüência de aquisição situa-se usualmente entre 200 e 500 amostras/s. A escolha de 1 kamostras/s nesta aplicação deveu-se à necessidade de localizar o evento R com uma precisão temporal de 1ms. Considerando que o sinal é processado amostra a amostra para cálculo do patamar adaptativo, e que qualquer desvio na detecção pode ser confundido com variabilidade, torna-se importante que o algoritmo seja simples, visando sua implementado em tempo real, em um monitor de variabilidade cardíaca. Apesar dos testes de laboratório terem sido realizados com freqüência cardíaca fixa de 60 bpm, o algoritmo apresentou bom desempenho na faixa de 50 a 120 bpm, observada nos pacientes submetidos à cirurgia. Novos testes devem ser feitos para observar o desempenho do algoritmo com pacientes neonatos, nos quais a freqüência basal é mais alta do que a observada em pacientes adultos. TABELA I DESEMPENHO DO ALGORITMO DE DETECÇÃO DOS EVENTOS R NOS SINAIS DE ECG INTRAOPERATÓRIO DE SETE PACIENTES Paciente Número de FP FN Especificidade Sensibilidade Intervalos RR % % pac_1 7710 8 5 99,94 99,94 pac_2 6673 29 8 99,57 99,88 pac_3 12170 1 5 99,99 99,96 pac_4 12327 10 17 99,92 99,86 pac_5 7699 3 2 99,96 99,97 pac_6 5727 6 23 99,90 99,60 pac_7 5920 2 3 99,97 99,95 TOTAL 58226 59 63 99,90 99,89 VI. REFERÊNCIAS [1] [2] A. C. Guyton, Tratado de Fisiologia Médica. 5a. Ed. Rio de Janeiro: Interamericana, 1976. R. J. Lefkowitz, B. B. Hoffman, and P. Taylor P., “Neurotransmissão – Os sistemas nervosos autônomo e motor somático,” in Goodman & Gil- [3] [4] [5] [6] [7] [8] [9] [10] [11] [12] [13] [14] [15] [16] man: As Bases Farmacológicas da Terapêutica, J. G. Hardman and L. E. Limbird, Ed. 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Mestre em Engenharia Elétrica (UFSC, 1981), Doutor em Ciências, opção Informática, pela Université Notre Dame de La Paix, Bélgica (1993). Professor Adjunto e Diretor do Instituto de Engenharia Biomédica da Universidade Federal de Santa Catarina. Áreas de interesse: inteligência artificial, redes neurais artificiais, aplicações de IA em engenharia biomédica. 450