UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA A CONSTRUÇÃO

Transcrição

UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA A CONSTRUÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
INSTITUTO DE LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LÍNGUA E CULTURA
MARCIA RITA DOS SANTOS SALES
A CONSTRUÇÃO DISCURSIVA DA FEMINILIDADE EM
PROPAGANDAS DE COSMÉTICOS
SALVADOR
2014
MARCIA RITA DOS SANTOS SALES
A CONSTRUÇÃO DISCURSIVA DA FEMINILIDADE EM
PROPAGANDAS DE COSMÉTICOS
Dissertação apresentada ao Programa de pós-graduação
em Língua e Cultura, Instituto de Letras, Universidade
Federal da Bahia, como requisito para obtenção do grau de
mestra em Lingística.
Orientadora: Profa. Dra. Lícia Maria Bahia Heine
Salvador
2014
A Maura e Edvaldo, meus pais, pelo amor que
me encoraja.
Aos meus irmãos, pela companhia que me
alegra.
AGRADECIMENTOS
A Deus, por me protejer e abençoar todos os dias, me permitindo realizar pequenos e grandes
sonhos.
A minha orientadora, Prof.ª Lícia Heine, por ter acreditado em mim, pelo seu
comprometimento, pelo entusiasmo e dedicação com que realiza seu trabalho e que tanto me
inspira. Sou grata, principalmente, por compreender os meus atrasos, as minhas faltas.
À Prof.ª Palmira Heine, pela disponibilidade em me ajudar desde os primeiros passos, na
escolha do tema deste trabalho, sempre prestativa e dedicada.
A Adielson Ramos de Cristo, por me ajudar com o seu conhecimento e também por me ouvir
em momentos de apeensão e dúvidas.
A todos os professores do Programa de Pós-Graduação em Língua e Cultura da Universidade
Federal da Bahia, pela competência e dedicação.
Aos meus pais, pela doação, apoio e incentivo em todos os momentos. Pelo orgulho que
demonstram a cada pequena conquista.
Aos meus irmãos que sempre me apoiaram na realização dos meus projetos.
A Dr. Roque, pela dedicação e profissionalismo com que conduz seu trabalho, que tanto me
fortaleceu durante esse processo. Sua amizade e companhia foram muito importantes para
mim.
A Dr. Karibé, pelo amparo, pela força, pelo compromisso e amizade sinceros.
Aos meus colegas de mestrado, por compartilharem suas experiências acadêmicas e
profissionais.
A Mariana e Carol, pela compreensão e companhia, dividindo o espaço que nos abriga.
Aos meus colegas de trabalho, pela compreesão e incentivo.
“Entre a mulher e nós interpõe-se um
fantasma: o de sua imagem, da imagem que
fazemos dela e da qual ela se reveste.
Não podemos sequer tocá-la como carne
que se ignora a si mesma, porque entre nós
e ela, desliza esta visão dócil e servil de um
corpo que se entrega.
E com a mulher acontece o mesmo: não se
sente nem se imagina, a não ser como
objeto, como ‘outro’.
Nunca é dona de si. Seu ser se divide entre o
que é realmente e a imagem que faz de si.
Uma imagem que lhe foi impressa por
família, classe, escola, amigas, religião e
amante. Sua feminidade nunca se expressa,
porque se manifesta por meio de formas
inventadas pelo homem. [...]”
Octavio Paz, 1992.
SALES, Marcia Rita dos Santos. A construção discursiva da feminilidade em propagandas de
cosméticos. 104 f. il. 2014. Dissertação (Mestrado) – Instituto de Letras, Universidade Federal
da Bahia, Salvador, 2014.
RESUMO
Orientada à luz da Análise de discurso desenvolvida por Pêcheux, a proposta desse trabalho é
analisar a construção discursiva da feminilidade, historicamente marcada e determinada por
posicionamentos ideológicos na propaganda de cosméticos. Nas sociedades modernas, é
justamente esse setor de produtos um forte revelador de padrões estéticos impostos pela
formação social capitalista. Influenciadas por tais posicionamentos evidenciados pela mídia,
as mulheres são instadas a consumir produtos que lhes assegurem o corpo esguio, magro, a
pele rejuvenescida e bem cuidada, o cabelo em tons e cortes modernos que lembrem as
modelos e atrizes bem sucedidas deseus comerciais. A análise aqui faz pensar o discurso
sobre a mulher nas propagandas de cosméticos, observando a relação entre língua e ideologia.
Uma relação atestada pelo fato de que a língua(gem) não é transparente e, portanto, também
os sentidos não o são. Isso porque, como o sujeito não é dono do seu dizer, faz-se mister
considerar que o interdiscurso determina os sentidos de uma formação discursiva. Assim, será
adotado o procedimento de ir e vir constante entre teoria, consulta ao corpus e análise, a fim
de perceber como os sentidos sobre a feminilidade são constituídos nas propagandas que serão
analisadas.
Palavras-Chave: Propaganda; discurso; feminilidade.
SALES, Marcia Rita dos Santos. A construção discursiva da feminilidade em propagandas de
cosméticos. 104 f. il. 2014. Dissertação (Mestrado) – Instituto de Letras, Universidade Federal
da Bahia, Salvador, 2014.
ABSTRACT
Oriented in light of the analysis of discourse developed by Pecheux, the purpose of this paper
is to analyze the discursive construction of femininity, which is historically marked and
determined by ideological positions in advertising cosmetics. In modern societies, it is
precisely such sector of products that strongly reveals aesthetic standards imposed by the
capitalist social formation. Influenced by such ideological positions evidenced by the media,
women are encouraged to consume products which ensure the slender and slim body,
rejuvenated and well-cared skin and modern hair colors and cuts that remind the successful
models and actresses present in commercials. The analysis here in discuss the discourse on
women in advertisements for cosmetics, taking into consideration the relationship between
language and ideology. A relationship that is attested by the fact that language is not
transparent and, therefore, neither are the senses. That's because, as the subject is not the
master of her discourse, it is important to consider that interdiscourse determines the
directions of a discursive formation. Thus, the procedure to be adopted shall be the constant
turn-taking between theory, corpus consultation and analysis in order to understand how the
meanings about femininity are made in the advertisements to be analyzed.
Keywords:Advertising; discourse; femininity.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 – Anúncio em jornal em 1878. …………………………………………………….40
Figura 2 - Anúncio de máquina de costura, 1860……………………………………………41
Figura 3 - Anúncio ao Collete de Ouro, 1860…………………………………………….42
Figura 4 – Propaganda da década de 1930…………………………………………………..43
Figura 5 – Propaganda da década de 1950…………………………………………………..44
Figura 6 – Propaganda da Bombril na década de 1980……………………………………...46
Figura 7 – Propaganda de elixir da década de 1880…………………………………………59
Figura 8 – Propaganda de eletrodomésticos, final do século XIX…………………………...60
Figura 9 – Propaganda de maquiagem da década de 1960…………………………………. 62
Figura 10 – Propaganda de maquiagem da década de 1980…………………………………64
Figura 11 – Propaganda da década de 1990………………………………………………….65
Figura 12 – Propaganda NIVEA – My Silhouet-gel redutor………………………………….72
Figura 13 – Propaganda O Boticário – maquiagem, veiculada em outdoor…………………77
Figura 14 – Propaganda O Boticário - maquiagem, versão para revista…………………….78
Figura 15 – Propaganda Nivea, loção hidratante para o corpo……………………………….81
Figura 16 – Propaganda Natura/ Linha de maquiagem-1ª página……………………………86
Figura 17 – Propaganda Natura/ Linha de maquiagem-2ª página…………………………....87
Figura 18 – Propaganda Natura/ Linha de maquiagem-3ª página……………………………87
Figura 19 – Propaganda Natura/ Linha de maquiagem-4ª página……………………………88
Figura 20 – Propaganda Dove firmming, loção corporal e sabonete firmadores da pele……..92
Figura 21 – Propagada NIVEA, produtos disversos…………………………………………..96
SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO…………………………………………………………………….11
2
CONSIDERAÇÕES SOBRE A ANÁLISE DE DISCURSO…………………….16
2.1
ORIGEM, CONCEITUAÇÃO E FILIAÇÕES……………………………………...16
2.2
MICEL PÊCHEUX…………………………………………………………………. 20
2. 3
PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DA ANÁLISE DE DISCURSO PECHEUTIANA...25
2.3.1
Discuso e ideologia………………………………………………………………….25
2.3.2
Sujeito e sentido…………………………………………………………………….28
2.3.3
Esquecimentos……………………………………………………………………....31
2.3.4
Condições de produção, interdiscurso e formação discursiva…………………...32
3
UM BREVE OLHAR SOBRE A PROPAGANDA……………………………….37
3.1
A PROPAGANDA NO BRASIL……………………………………………………38
4
OS COSMÉTICOS – O QUE SÃO, COMO SURGIRAM, SEU PODER DE
TRANSFORMAR…………………………………………………………………..48
5
A MULHER, SEU ESPAÇO: DE CASA À PROPAGANDA DE
COSMÉTICOS……………………………………………………………………...58
5.1
COMO ERA NO PRINCÍPIO……………………………………………………….58
5.2
A MULHER, SEU CORPO, SUA BELEZA………………………………………...66
6
A QUESTÃO DA FEMINILIDADE………………………………………………69
6.1
COPO DESEJÁVEL…………………………………………………………………71
6.1.1
nivea my silhouety – silhueta perfeita, curvas de arrasar………………………...72
6.2
PARA GARANTIR O “GATO”, O “PRÍNCIPE”…………………………………..76
6.2.1
Maquiagem O Boticário – Para que varinha de condão………………………....77
6.2.2
Para conquistar – Hidratante corporal Nivea……………………………………81
6.3
A “MULHER DE VERDADE”, A “REAL BELEZA”……………………………..85
6.3.1
Maquiagem Natura Única, para “gente bonita de verdade”……………………86
6.3.2
Dove firming – Mulheres com curvas “de verdade”……………………………..92
6.3.3
Beleza é…Nivea……………………………………………………………………96
7
CONSIDERAÇÕES FINAIS…………………………………………………….101
REFERÊNCIAS…………………………………………………………………104
11
1 INTRODUÇÃO
Considerando a importância de textos veiculados pela mídia, em especial a
propaganda, com seu poder de manipulação, é mister observar a presença de um discurso
resultante do entrelaçamento de diferentes formações discursivas, historicamente marcado. Já
que o sujeito constitui-se por diversas ideologias, seu discurso, consequentemente, será
marcado por uma heterogeneidade. Ele vai além da materialidade linguística, e permite a
inserção daquilo que lhe é exterior. Nessa conjectura, destaca-se o poder do discurso
midiático na construção de identidades sociais, determinando papeis, lugares e a participação
dos sujeitos na vida social.
Organizada de forma diferente das demais mensagens, a publicidade impõe,
nas linhas e entrelinhas, valores, mitos, ideais e outras elaborações
simbólicas, utilizando os recursos próprios da língua que lhe serve de
veículo, sejam eles fonéticos, léxico-semânticos ou morfossintáticos
(CARVALHO, 1998, p. 13).
A mulher, mais especificamente, o papel social que lhe foi atribuído, sempre mereceu
questionamentos ao longo do tempo, visto que, pautado numa sociedade que sempre
privilegiou o masculino, sofreu e ainda sofre distorções. Ser mulher significava, desde ser a
cuidadora do lar, da família, limitando-se ao espaço de suas casas, até a sua saída de casa,
quando acessa outros espaços sociais e tem o seu corpo desvelado pelos meios de
comunicação. É a partir daí que o corpo feminino passa a ser oferecido pela publicidade.
Serviços e produtos diversos valem-se constantemente da imagem feminina, numa série de
exigências que perpassam pela moda e pela estética. A indústria de cosméticos é um dos
setores que mais exploram esse artifício.
Esse trabalho pretende justamente analisar a construção discursiva da feminilidade,
historicamente marcada e capaz de determinar posicionamentos ideológicos na propaganda de
cosméticos. Nas sociedades modernas, é justamente esse setor de produtos um forte revelador
de padrões estéticos impostos pelo grupo social. Influenciadas pela mídia, as mulheres
precisam consumir produtos que lhes assegurem o corpo esguio, magro, a pele rejuvenescida
e bem cuidada, o cabelo em tons e cortes modernos e que lembrem as modelos e atrizes bem
sucedidas de seus comerciais.
As propagandas de cosméticos como qualquer outro objeto utilizado pela mídia, estão
impregnadas de ideologias e, por isso, são capazes de revelar os anseios, padrões, sejam eles
estéticos, morais e de comportamento.
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A proposta de análise, nesse trabalho, faz pensar os sentidos dos discursos nas
propagandas de cosméticos dimensionados no tempo e no espaço das práticas do homem,
considerando o discurso sócio-histórico, observando a relação ente língua e ideologia.
Segundo Orlandi (2009), o trabalho simbólico do discurso está na base da produção da
existência humana e concebe a linguagem como mediação necessária entre o homem e a
realidade natural e social.
Esse trabalho será orientado à luz da Análise de Discurso de linha francesa
desenvolvida por Michel Pêcheux, segundo o qual o discurso é o efeito de sentidos entre
interlocutores. Concluindo-se que o sentido, no texto publicitário, a propaganda, se dá a partir
das relações entre os interlocutores e as condições de produção e assim a propaganda constrói
seu discurso levando em consideração a sua exterioridade. O que é possível de seduzir o
consumidor, seu público alvo.
Relacionando a linguagem a sua exterioridade, Pêcheux (1975) propõe o interdiscurso,
definindo-o como memória discursiva. “[...] o saber discursivo que torna possível todo o dizer
[...]”, nas palavras de Orlandi (2009, p. 31):
De acordo com esse conceito, as pessoas são filiadas a um saber discursivo
que não se aprende, mas que produz seus efeitos por intermédio da ideologia
e do inconsciente. O interdiscurso é articulado ao complexo de formações
ideológicas representadas no discurso pelas formações discursivas: algo
significa antes, em outro lugar e independentemente.
A partir da observação das formações ideológicas que compõem o discurso nas
propagandas, será analisada a representação discursiva da feminilidade, considerando a
mulher em sua inscrição histórico-social. A criação de peças publicitárias que dão enfoque à
imagem da mulher explora suas necessidades, trabalha a partir de seus desejos de perfeição
estética, de agradar o parceiro, de estar na moda etc. São exigências fundamentadas em
padrões culturalmente impostos, carregados de ideologias, perpetuados ao longo da história.
Para nortear a pesquisa aqui apresentada, propõe-se o quetionamento sobre como se
dá a construção do discurso sobre a feminilidade, nas propagandas de cosméticos. Levando
em consideração o sentido de feminilidade como o conjunto de características que vão além
dos aspectos físicos e morais e alcança outras capacidades que valorizam a figura feminina
para além de objeto.
Mais especificamente, nessa pesquisa, analisa-se, a partir da propaganda de
cosméticos diversos, nacionais, as formações discursivas e ideológicas que aí interagem e que
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constroem a feminilidade, levando em conta os elementos multissemióticos do texto
publicitário. Na tentativa de identificar padrões, culturalmente impostos, e as ideologias
perpetuadas ao longo da história, no discurso sobre a mulher, foram analisadas seis
propagandas de cosméticos: 1. Gel redutor de gordura e modelador da silhueta, da marca
Nivea; 2. Maquiagem da marca O Boticário; 3. Loção hidratante para o corpo, da marca
Nivea; 4. Maquiagens da linha Unica da marca Natura; 5. Loção firmadora da pele, da marca
Dove; 6. Produtos diversos, da marca Nivea.
O estudo proposto neste trabalho, analisar propagandas, nasce da experiência
particular, na observação atenta dos textos midiáticos e do fascínio que estes despertam como
objeto cultural e artístico. Surge, também, do trabalho com esse gênero textual em sala de
aula, da necessidade de uma percepção crítica maior dos discursos veiculados por ele, capazes
de vender, não apenas produtos, mas também valores e imagens.
O recorte do tipo de propaganda parte da inquietação diante da imagem feminina
criada pela publicidade no processo sócio-histórico que constrói a cultura. Essa imagem
feminina vem recoberta de uma série de exigências, principalmente estéticas, capazes de
influenciar e gerar mudanças de comportamento.
Para a seleção das propagandas que constituem o corpus foram considerados, em sua
composição, elementos significativos quanto a presença de posicionamentos ideologicos.
Assim são consideradas palavras e imagens que encaminhem a publicidade de produtos
cosméticos para um ponto comum, a identificação de dizeres e sentidos sobre a mulher e
sobre feminilidade.
Não é fácil fazer uma abordagem sobre a constituição dos vínculos sociais nas
comunidades modernas sob a influência da mídia. Portanto, se justifica analisar, estudar,
descrever os mecanismos que regulam o simbólico, que criam e manipulam signos, sob a
condição de não se cair na armadilha das falsas aparências.
O estudo da linguagem, tomando sua importância no ato social de comunicação, é de
grande relevância na formação de uma sociedade. Com base nesta consideração, este trabalho
visa contribuir para a discussão sobre o papel e a imagem atribuída à mulher, bem como o uso
de sua imagem pela publicidade. Esta pesquisa pode também ensejar uma real compreensão
dos fenômenos de comunicação de massa, num país em desenvolvimento, onde a propaganda
é forte instrumento de consumo.
Esta análise faz refletir sobre o sentido de feminilidade, construída pelo quarto poder,
a mídia, através da propaganda. Faz pensar as diferenças entre a mulher real e a exposta pela
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propaganda, muitas vezes inalcançável e que gera distorções e exigências que anulam sua
essência.
Para a análise do corpus proposta nessa pesquisa, é necessário frisar, recorre-se a uma
sequência gradativa, que vai da superfície linguística compreendida como a materialidade do
discurso, sua forma empírica, afetada, segundo Pêcheux, pelos esquecimentos 1 e 2. Passa
pela análise do objeto discursivo, ou seja, o objeto dessuperficializado linguisticamente, que,
segundo Pêcheux (2010), refere-se à língua, em sua existência material, caracterizada pela
estrutura não linear dos mecanismos sintáticos e que já desconsidera o esquecimento nº 2, ou
seja, considera outras possibilidades do dizer. Chega-se ao processo discursivo, o discurso da
análise proposta pela teoria pechetiana, afetado pela ideologia e o inconsciente.
Segundo Orlandi (2009, p. 67), “[...] construímos, a partir do material bruto, um objeto
discursivo em que analisamos o que é dito nesse discurso e o que é dito em outros, em outras
condições, afetados por diferentes memórias discursivas”. Pretende-se, então, detectar a
relação do discurso com as formações discursivas, e, considerando que a análise do discurso
Pechetiana visa compreender como um objeto simbólico produz sentido, será adotado o
procedimento de ir e vir constante entre teoria, consulta ao corpus e análise, a fim de perceber
as formações discursivas explícitas ou implícitas nas propagandas analisadas, capazes de
construir a imagem feminina.
Este trabalho foi organizado em cinco capítulos. O primeiro capítulo, “Considerações
sobre a Análise de Discurso”, apresenta, de maneira suscinta, a origem dos estudos do
Discurso e da Análise de Discurso como disciplina. Faz uma explanação sobre Michel
Pêcheux e os pressupostos de sua teoria, a qual dá embasamento a esta pesquisa.
No segundo capítulo, “Um olhar sobre a propaganda”, mostra-se, a princípio, a
diferenciação entre os termos propaganda e publicidade, comumente confundidos em seu uso
cotidiano. Em seguida, explicita-se o percurso histórico da propaganda; o modo como foi
desenvolvida, especialmente no Brasil, e sua consolidação. Mostra também, a partir da
referência aos hábitos de consumo, o tipo de produtos e serviços que se valiam dos
“reclames”, como eram chamadas as propagandas.
O terceiro capítulo, “Os cosméticos – o que são, como surgiram, seu poder de
transformar”, apresenta a origem do termo e a classificação que se dá a esses produtos, de
acordo com os objetivos de sua utilização. Seguem-se algumas considerações sobre os
objetivos da indústria cosmética aliada à propaganda. Faz-se uma exposição da evolução dos
cosméticos na história, considerando o seu uso, os objetivos e costumes em várias culturas e
seu valor atribuído pela mulher, que desde muito tempo, credita aos cosméticos o poder de
15
embelezar. Por fim, o capítulo discute o uso da imagem da mulher utilizada pela propaganda
de cosmético, que promete juventude e perfeição estética.
O quarto capítulo, “A mulher, seu espaço: de casa à propaganda de cosméticos”,
procura mostrar a maneira como a mulher é representada socialmente e a maneira como a
mídia se utiliza dos papeis atribuídos a ela ao longo do tempo. Traz um esboço da utilização
da figura feminina pela propaganda, analisando desde as primeiras peças publictárias, na
década de 70 do século XIX, até o final do século XX. Ao final, reflete sobre a super
exposição do corpo da mulher na publicidade, hoje, questionando o modo como ela é
representada. Essa representação apenas reflete seu papel como objeto sexual, desprezando
sua singularidade e esssência.
Enfim, o quinto capítulo, “A questão da feminilidade” traz a análise do corpus,
apresentando as imagens de cada propaganda, em um total de seis peças publicitárias. Esses
anúncios foram agrupados de acordo com caractéristicas que dizem respeito principalmente à
constituição do discurso e o sentido pretendido, para enfatizar a necessidade de aquisição do
produto. Assim, a análise de cada grupo de propagandas é intitulada de acordo com os
recursos e dizeres simbólicos comuns a esses anúncios. Primeiro faz-se uma descrição,
considerando os recursos multissemióticos que compõem a propaganda, depois chega-se à
análise e aplicação dos pressupostos teóricos.
Vale ressaltar, ainda, que os termos “propaganda’ e “publicidade” são utilizados como
sinônimos, nesse trabalho. Além desses termos, outros, como “anúncio” e “peça publicitária”
serão adotados para designar esse objeto cultural, de que se utiliza essa pesquisa.
16
2 CONSIDERAÇÕES SOBRE A ANÁLISE DE DISCURSO
2.1 ORIGEM, CONCEITUAÇÃO E FILIAÇÕES DA AD
A gênese da Análise de Discurso pode ser compreendida a partir do estudo do
desenvolvimento da Linguística. O interesse em estudar o objeto de que se ocupa essa
disciplina, lembra Orlandi (2009), já havia sido apresentada em diferentes épocas e sob
diferentes perspectivas, mesmo que de forma não sistemática.
O estudo da língua e seu funcionamento para a produção de sentido, que é o objeto de
estudo da AD, já começa a ser investigado no século XIX. Tomando o texto em sua
materialidade linguística, M. Bréal propõe seu estudo com a semântica histórica. Em seguida
os formalistas russos, no século XX, já propunham uma análise que não era a análise de
conteúdo e depois, outras teorias se ocuparam em estudar a língua e seu uso.
A Análise de Discurso, procurou definir o seu campo de atuação, analisar textos
impressos. A princípio a AD se apoiando sobre conceitos e métodos da linguística. Contudo,
não é suficiente apenas a Linguística. Para marcar a sua especificidade no interior dos estudos
da linguagem e, a AD considerou outras dimensões como a ideologia e o discurso.
A Análise de discurso, tal como será tratada nesse trabalho, nasceu na França, em
1960. Veja-se, sobre isso, o que diz Mussalin:
É sob o horizonte comum do marxismo e de um movimento de crescimento
da Linguística – que se encontra em franco desenvolvimento e ocupa o lugar
de ciência piloto – que nasce o projeto da Análise do Dscurso (doravante
AD). O projeto da AD se inscreve num objetivo político, e a Linguística
oferece meios para abordar a política (MUSSALIM, 2012, p. 114).
O conceito de discurso, como objeto de investigação científica de que se ocupa essa
disciplina, se distancia das acepções decorrentes de seu uso no cotidiano. Diferente do uso
que se faz, por exemplo, quando se refere às palavras proferidas com eloquência por um
político ou um professor, a palavra discurso é tomada pela AD, em geral, referindo-se “a
aspectos sociais e ideológicos impregnados nas palavras quando elas são pronunciadas”. Para
Cleudemar Fernandes (2008, p. 13): “discurso implica uma exterioridade à língua, encontra-se
no social e envolve questões de natureza não estritamente linguística”.
O discurso, então, não é a linguagem como materialidade simbólica. O discurso
considera as posições e ideologia dos sujeitos envolvidos, seus lugares sociohistóricos. A
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linguagem é a forma através da qual o discurso se materializa, como bem se atesta na seguinte
citação:
O discurso é assim palavra em movimento, prática de linguagem: com o
estudo do discurso observa-se o homem falando. Na análise de discurso,
procura-se compreender a língua fazendo sentido, enquanto trabalho
simbólico, parte do trabalho social geral, contitutivo do homem e da sua
história (ORLANDI, 2009, p. 15).
A partir do exposto, pode-se dizer que os estudos da AD consideram a linguagem
como intermediária entre o homem e sua realidade natural e social. Trabalha-se com o
discurso como objeto sociohistórico “em que o linguístico intervém como pressuposto”.
Um breve esboço histórico esclarece o surgimento da AD como disciplina, como se
estuda hoje.
Os anos 50 serão decisivos para a constituição de uma análise do discurso
como disciplina. De um lado, surge o trabalho de Harris (Discourse analysis,
1952), que mostra a possibilidade de ultrapassar as análises confinadas
meramente à frase, ao estender procedimentos da linguística distribucional
americana aos enunciados (chamados discursos) e, de outro lado, os
trabalhos de R. Jakobson e E. Benveniste sobre a enunciação (BRANDÃO,
2004, p. 13).
Os trabalhos de Harris, de um lado, e os de Jakobson e Benveniste, de outro, mostram
uma diferença de perspectiva nos estudos em Análise de discurso. Segundo Orlandi (apud
Brandão, 2004), essas duas direções vão marcar duas maneiras diferentes de pensar a teoria
do discurso: uma que a entende como uma extensão da linguística (que corresponde à
pespectiva americana) e outra que considera o enveredar para a vertente do discurso o sintoma
de uma crise interna da linguística, principalmente na área da semântica (que corresponderia à
perspectiva europeia).
Nos estudos de Harris se procede a uma análise do texto do mesmo modo como se
analisam unidades menores e, apesar de ser considerada “o marco inicial” nos studos da AD,
sua obra não leva em consideração elementos sociohistóricos na produção de sentidos. Este
autor
Caracteriza sua prática teórica no interior do que chamamos isomorfismo:
estende o mesmo metódo de análise de unidades menores (morfemas, frases)
para unidades maiores (texto) e procede a uma análise linguística do texto
como o faz na instância da frase, perdndo dele aquilo que ele tem de
específico (ORLANDI, 2009, p. 18).
18
Portanto, ele não leva em conta a totalidade do texto com suas especificidades. Não há
uma análise do significado fora do linguístico.
Numa outra perspectiva, Benveniste “dá relevo ao papel do sujeito falante no processo
de enunciação e procura mostrar como acontece a inscrição desse sujeito nos enunciados que
ele emite” (BRANDÃO, 2004. p. 14). Nesse trabalho, que Orlandi aponta como uma
tendência europeia, há uma aproximação com o trabalho empreendido pela Análise de
discurso que reflete sobre a inscrição sociohistórica dos sujeitos.
A análise de discurso se filia, teoricamente, a três campos disciplinares: a Linguísica, o
Marxismo e a Psicanálise. Da Linguística, a AD se beneficia do foto de que esta “constitui-se
pela afirmação da não-transparência da linguagem: ela tem seu objeto próprio, a língua, e esta
tem sua ordem própria” (Orlandi, 2009, p. 19). Isso é fundamental para a AD, já que ela
“procura mostrar que a relação linguagem/pensamento/mundo não é unívoca, não é uma
relação direta que se faz termo-a-termo, isto é, não se passa diretamente de um a outro”
(Orlandi, 2009, p. 19).
Quanto ao Marxismo, “a Análise de discurso pressupõe o legado do materialismo
histórico, isto é, o de que há um real da história de tal forma que o homem faz história mas
esta também não lhe é transparente”. A contribuição da Psicanálise se dá com “o
deslocamento da noção de homem para a de sujeito. Este, por sua vez, se constitui na relação
com o simbólico, na história”. Para Orlandi (2009), a AD é herdeira dessas três regiões de
conhecimento, mas não o é de modo servil e
interroga a Linguística pela historicidade que ela deixa de lado, questiona o
Materialismo perguntando pelo simbólico e se demarca da Psicanálise pelo
modo como, considerando a historicidade, trabalha a ideologia como
materialmente relacionada ao inconsciente sem ser absorvida por ele (
ORLANDI, 2009, p. 20).
A constituição da Análise de discurso está centrada particularmente nas propostas de
Pêcheux, Bakhtin e Foucalt. Cada um, com suas diferentes formulações teóricas e
metodológicas contribuíram para esse campo do saber. Como observa Gregolin (2012), esses
autores, com suas singularidades, toma o sentido de discurso no interior do seu projeto de
constituição, na França, desde o final dos anos 1960. Em princípio, adotou-se o discurso
político como objeto privilegiado, uma tentativa que se identificava com o marxismo e a
psicanálise.
19
Portanto, os diálogos entre Pêcheux, Foucault e Bakhtin envolveram
diferentes respostas à articulação entre teorias linguísticas , teorias do sujeito
e teorias da história e da sociedade. Observando os distanciamentos e as
aproximações entre esas diferentes formulações, perceberemos que o solo
epstemológico da AD foi fertilizado pela interpretação cada um desses
autores fez daquilo que Pêcheux chamou de “tríplice aliança”, em torno de
Saussure, Marx e Freud (GREGOLIN, 2012, p. 35).
É necessário lembrar que Bakhtin se distancia de Pêcheux e Focault quanto ao tempo e
espaço de sua produção, por essa razão, “ele participa da AD como um ‘outro’, uma leitura,
uma interpretação. “ Essas distâncias temporais e espaciais explicam, em certa medida, as
recusas expressas por Pêcheux em relação a Bakhtin”. As divergências entre esses dois
autores dizem respeito a seus posicionamentos quanto à linguística, à teoria do social e da
história. Por outro lado, uma revisão teórico-metodológica “aproxima a AD pecheutiana de
Foucault, Bakhtin e De Certeau, leva à análise do real da língua e do real da história,
integrados na produção ‘em espiral’ de configurações do corpus” (Gregolin, 2012).
As convergências e divergências entre os projetos da AD de Foucault, Pêcheux e
Bakhtin “ não propõe, evidentemente, que seja possível decidir ‘quem estava com a razão’,
porque as verdades científicas são relativas. A própria verdade, como afirma Foucaul, é uma
construção histórica”. Compreende-se, então, que cada um dos trabalhos desenvolvidos por
esses autores levem em conta seu momento histórico. Tanto Pêcheux, quanto Foucault ou
Bakhtin, na singularidade de suas propostas, tem muito frequentemente orientdo as pesquisas
em AD, no Brasil. Agora não mais restrito ao discurso político, mas abrangendo o discurso
publicitário, pedagógico, jornalístico e outros.
Mussalin (2003) considera que surgiram diferentes “Análises do Discurso”.
[…] têm-se duas “Análises do Discurso” diferentes: a Análise do Discurso
de origem francesa, que privilegia o contato com a História, e a Análise do
Discurso anglo-saxã, área bastante produtiva no Brasil, que privilegia o
contato com a Sociologia. […] O que diferencia a Análise do Discurso de
Origem francesa da Análise do Discurso anglo-saxã, ou comumente
chamada de americana, é que esta última considera a intenção dos sujeitos
numa interação verbal como um dos pilares que a sustenta, enquanto a
Análise do Discurso francesa não considera como determinante essa
intenção do sujeito; considera que esses sujeitos são condicionados por uma
determinada ideologia que predetermina o que poderão ou não dizer em
determinadas conjunturas histórico-sociais. (MUSSALIM, 2012, p.125)
Essa pesquisa, analisando o discurso da propaganda de cosméticos, toma como
orientação teórica em Análise de discurso, entre os três autores referidos acima, o trabalho
20
desenvolvido por Michel Pêcheux. Para isso, vale uma explicitação dos postulados da AD
pecheutiana, bem como algumas informações sobre esse teórico.
2.2 MICHEL PÊCHEUX
Expoente maior do grupo que fundou a Escola Francesa de Análise de Discurso,
Michel Pêcheux nasceu em 1938, em Tours e morreu em 1983, em Paris. Os estudos de
Pêcheux foram fortemente influenciados por Louis Althuser, com quem estudou Filosofia na
École normale supérieure. Além da aproximação desse estudioso com Althuser ser,
notadamente, sua inscrição no marxismo, mais especificamente, ambos rompem com uma
concepção de ideologia como reflexo da instância econômica e com a concepção de
linguagem como instrumento de comunicação e língua como sistema paralisado em uma
sintaxe defasada.
Quando trabalhou no Laboratório de psicologia no Centre National de la Recherche
Scientifique, em 1966, Michel Pêcheux encontrou Michel Ploon e Paul Henry, dois
intelectuais igualmente importantes para o surgimento da Análise de Discurso e com quem
compartilhou muitas ideias e escritos. O trabalho que Pêcheux apresenta o insere no domínio
da Psicologia social, é justamente na crítica que faz a esta e à análise de conteúdo que está a
sua aproximação maior com Michel Ploon e Paul Henhy.
Objetivando transformar a prática das ciências sociais, Pêcheux reflete sobre a história
da epstemologia e a filosofia do conhecimento empírico.
Focalizando o sentido, que é o ponto nodal no qual a Lingüística intersecta a
Filosofia e as Ciências Sociais, Pêcheux reorganiza este campo de
conhecimento. Pelo confronto do político com o simbólico, a Análise de
Discurso que ele propõe levanta questões para a Lingüística, interrogando-a
pela historicidade que ela exclui, e, do mesmo modo ela interroga as
Ciências Sociais questionando a transparência da linguagem sobre a qual
elas se sustentam (ORLANDI, 2005, p. 10).
É a partir disso que Pêcheux propõe a não transparência da linguagem em sua
materialidade, no campo das Ciências Sociais. Ele critica o fato de esta ainda estar presa a
uma ideologia defasada.
Retornando a Pêcheux em sua trajetória intelectual, e, mais especificamente a sua
aproximação com Althusser, pode se dizer que é a partir do pensamento deste filósofo que
21
Pêcheux constrói os fundamentos teóricos a AD. Sobre essa relação, Maldidier (2003, p. 18),
assim declara: “Althusser é, para Michel Pêcheux, aquele que faz brotar a fagulha teórica, o
que faz nascer os projetos de longo curso”.
É no marxismo, mais especificmente, sobre o materialismo histórico, que está a
formação do campo conceptual da Análise do dscurso. Pêcheux retoma as ideias de Althusser,
e ressignifica conceitos como os de sujeito, ideologia, aparelhos ideológicos de estado, luta
de classes. As reflexões desses dois estudiosos convergem para o que se designa como teoria
materialista do discurso.
Michel Pêcheux publicou seu primeiro artigo em 1966, sob o pseudônimo de Thomas
Hebert, na Les Cahiers Pour l‟Analyse, intitulado “Reflexões sobre a situação teórica das
ciências sociais, especialmente da psicologia social”. Neste momento, ele já começa a fundar
a noção de discurso e traz reflexões mais voltadas para questões epstemológicas. Neste
momento ele se refere abertamente ao materialismo histórico e à psicanálise e contesta o fato
de as ciências sociais desconsiderarem sua relação com a política.
O momento crucial na trajetória de Michel Pêcheux é quando ele publica a obra
“Análise Automática do Discurso”, em 1969. Nesta obra, Pêcheux empreende discussões
sobre as bases da linguística e sua importância para o discurso, bem como sobre o processo
discursivo. É o momento em que este autor lança questões fundamentais de sua teoria do
discurso. Baseado nos estudos realizados por Canguilhem e Althusser Pêcheux traz uma
abordagem distinta ao pensar a Ciência da Linguagem.
As discussões sobre língua e linguagem divergiam do formalismo hermético,
questionando a negação da exterioridade. A linguagem não é mais concebida como apenas um
sistema de regras formais, ela é pensada em sua prática, atribuindo valor ao trabalho com o
simbólico, com a divisão política dos sentidos, visto que o sentido é movente e instável.
Em AAD, o sujeito é trazido para o centro de discussão. Não qualquer sujeito, mas um
sujeito específico para a análise de discurso, o sujeito do inconsciente, da linguagem,
interpelado pela ideologia. É a contribuição do materialismo, que inclui a relação da ideologia
e o inconsciente. Pêcheux mostra que “língua e discurso tem materialidades distintas”
(Zandwais, 2009, p. 22).
Em 1975 com publicação do livro “Semântica e Discurso”, Michel Pêcheux mostra
um estágio mais maduro e fortalecido da sua teoria. Ele enumera algumas das evidências que
fundam a semântica e propõe um novo olhar sobre esta. Sobre isso, expõe Denise Maldidier:
22
Seu trajeto nos leva de Aristóteles à semântica moderna, passando por Port
Royal e Leibniz, indo de Candillac a Kant, depois à fenomenologia moderna.
Mosra como à oposição clássica entre necessário e contingente vem se
superpor um novo par, o de objetivo e subjetivo. […] Todo o procedimento
de Michel Pêcheux […] consiste em colocar na luz o funcionamento
dicotômico do pensamento filosófico (MALDIDIER, 2003, p. 46).
Pela leitura que faz do filósofo logicista Frege, Pêcheux analisa o funcionamento do
pré-construído e a articulação de enunciados. No capítulo sobre discurso e ideologia, Michel
Pêcheux, baseando-se na leitura de “Ideologia e aparelhos ideológicos de estado”, trata da
interpelação a partir do projeto de Althusser e aprofunda a questão sobre o sujeito de discurso.
Sobre esse aspecto, ele assim comenta:
Todo o nosso trabalho encontra aqui sua determinação pela qual a questão da
constituição do sentido se junta à da constituição do sujeito, e não de um
modo marginal (por exemplo no caso particular dos ‘rituais’ ideológicos da
leitura e da escrita), mas no interior da própria ‘tese central’, na figura da
interpelação (PÊCHEUX, 2009, p. 140).
É nesse ponto que a teoria do discurso pechetiana encontra apoio para a sua questão central, a
evidência do sentido e do sujeito.
Ainda em “Sêmantica e discurso”, Pêcheux traz a expressão “forma-seujeito”, se
referindo ao funcionamento imaginário do sujeito. Também o conceito de interdiscurso, já
inscrito anteriormente em AAD, aparece como “o todo complexo com dominante” das
formações discursivas relacionados às formações ideológicas. A expressão “formação
discursiva”, utilizada a princípio por Michel Foucault em Arqueologia do saber, também é
aprofundada nesta obra de Michel Pêcheux.
Portanto, na obra em questão, Pêcheux ordena conceitos de sua teoria do discurso,
enquanto um campo outro do saber. Ocupando-se dos estudos da linguagem, o que o difere de
Althusser, trabalha com o discurso como o lugar da constituição do sujeito e do sentido
mediados pela materialidade da língua.
Diferente do exposto sobre algumas obras de Michel Pêcheux, apresentadas aqui numa
ordem cronológica, o seu projeto de elaboração da AD, configura-se em três épocas que se
definem pela elaboração e revisão dos conceitos-chave de sua teoria. Designadas por AD1,
AD2 e AD3, refletem as mudanças no pensamento desse estudioso.
Na primeira época da Análise de discurso, AD1, surge a noção de maquinaria
discursiva, que, como esclarece Fernandes (2008, p. 87), “pode ser compreendida como um
23
conjunto de discursos produzidos em um dado momento. Esses discursos […] eram
considerados como homogêneos e fechados em si”. A proposta de Pêcheux, nessa fase, é
influenciada pelo estruturalismo saussuriano, ele pensa a língua como a base dos processos
discursivos, levando em conta o sujeito e a história. De acordo com Gregolim:
Na concepção do objeto discurso cruzam-se Saussure (relido por Pêcheux),
Marx (relido por Althusser) e Freud (relido por Lacan). As teses
althusserianas sobre os aparelhos ideológicos e o assujeitamento propõem
um sujeto atravessado pela ideologia e pelo inconsciente (um sujeito que não
é onte nem origem do dizer; que reproduz o já- dito, o já-lá, o préconstruído)(GREGOLIM, 2007, p. 67).
A AD2 é marcada pelo movimento em direção à heterogeneidade. Nesse momento,
Michel Pêcheux apresenta a noção de formação discursiva, reinterpretada do conceito de
Faucault. Essa noção, sgundo Fernandes (2008, p. 88), “começa a fazer explodir a noção de
maquinaria estrutural fechada uma vez que o dispositivo da formação discursiva está em
relação paradoxal com seu exterior”. É nessa época que Pêcheux formula a teoria dos
esquecimentos nº1 e nº2 ; publica, em 1975, o grande livro Les Varités de la police, em que
propõe uma teoria materialista do discurso; retoma a tese da interpelação ideológica,
acentuando o caráter contraditório do assujeitamento e a transformação das relações de
produção pelos aparelhos ideológicos.
Na terceira época, AD3, Michel Pêcheux questiona o trabalho que realiza e abre
problemáticas sobre o discurso, a interpretação, a estrutura e o acontecimento. Sobre esse
momento, vê-se a citação:
a noção de maquinaria discursiva estrutural é levada ao limite e estabelece-se
o primado teórico do outro sobre o mesmo; a ideia de homogeneidade
atribuída à noção de condições de produção do discurso é definitivamente
abandonada; a ideia de estabilidade é banida em função do reconhecimento
da desestabilização das garantias sócio-históricas; há o reconhecimento da
não neutralidade da sintaxe; a noção de enunciação passa a ser abordada e as
reflexões sobre a heterogeneidade enunciativa levam à discussão sobre o
discurso-outro (FERNANDES, 2008, p. 89).
Vê-se na obra de Pêcheux um distanciamento de posições dogmáticas anteriores sob a
influência de Althusser. Começa uma aproximação com o pensamento foucaultiano e são
colocadas interrogações “até mesmo sobre a possibilidade de redefinição de uma política da
Análise do Discurso” como atesta Fernandes (2008, p. 89).
24
Após a morte de Michel Pêcheux, em 1983, suas indagações e reformulaçãoes
permitram uma continuidade às formulações teóricas da Análise de discurso. Para Maldidier:
Por causa de Michel Pêcheux, o discurso, no campo francês, não se confunde
com sua evidência empírica; ele representa uma forma de resistência
intelectual à tentação pragmática. Este pensamento continua a trabalhar em
certas pesquisas sobre o discurso. Para além da Linguística, ele permitiu a
abertura de novas pistas na história, em sociologia, em psicologia, por todo
lugar onde se tem a ver com textos, onde se produz o encontro da língua com
o sujeito (MALDIDIER, 2003, p. 96).
Assim, o que se segue, a partir dos úlimos escritos de Pêcheux, são, não apenas
reformulações no próprio campo da AD, mas também outros deslocamentos teóricos, tanto na
França, quanto no Brasil. As bases teóricas pecheutianas foram problematizadas, a exemplo
dos historiadores e linguístas analistas de discurso.
Existe, de acordo com Piovezani e Sargentini, uma diferença no percurso do
pensamento de Pêcheux e seu grupo no Brasil e na França:
Se, no Brasil, o nome de Pêcheux é quase onipresente, visto que se trata de
fonte de postulados fundamentais, de inspiração para avanços na teoria e
ainda de legitimação institucional, na França, há atualmente um
silenciamento das contribuições fundamentais de Pêcheux oriundas dos
primeiros tempos de formulação e de reformulações da Análise de Discurso
(PIOVEZANI, SARGENTINI, 2011, p. 12).
Segundo Fernandes (2008), no Brasil a Análise de discurso passou a ter lugar a partir
da década de 1980, com o fim da ditadura militar e a abertura política, “porque a natureza
política observada desde suas bases, […] a constatação de que por trás das palavras
pronunciadas outras são ditas, necessitariam de condições de produção historicamente
favoráveis à sua implementação” (FERNANDES, 2008, p. 90) .
A obra de Pêcheux é reconhecida no Brasil e a partir de então produzem-se muitos
desenvolvimentos, o que fortalece o reconhecimento da AD como instituição. A recepção da
teoria Pecheutiana vai desde sua aplicação até os deslocamentos e avanços metodológicos,
resultado do trabalho de alguns pesquisadores. Há, entre os brasileiros, uma predileção pelos
postulados formulados por Pêcheux no período em que o materialismo althusseriano é
presente.
Nos trabalhos que se desenvolvem no Brasil a partir dos legados de Michel Pêcheux, é
presente o princípio de que o discurso é resultado da relação entre língua e história.
25
2.3. PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DA ANÁLISE DE DISCURSO PECHEUTIANA
Pode-se dizer que Michel Pêcheux, juntamente com Jean Dubois, é o fundador da
Análise de Discurso na França, em 1969. Esta teoria surgiu num momento em que a França
experimentava o pulular das ideias liberais. A AD, como já foi explicitado anteriormente, se
constitui sobre os pilares de três áreas do saber: Linguística, Marxismo e Psicanálise, o que
promove deslocamentos e elaborações nas noções de
língua, ideologia e inconsciente.
Pêcheux elabora seus conceitos sob a influência das ideias de Foucault e Althusser.
De Althusser, a influência mais direta se faz a partir de seu trabalho sobre os
aparelhos ideológicos de Estado na conceituação do termo “formação
ideológica”. E será da Arqueologia do saber que Pêcheux extrairá a
expressão “formação discursiva”, da qual a AD se apropriará, submetendo-a
a um trabalho específico (BRANDÃO, 2004, p. 18).
Na base da Análise de discurso proposta por Pêcheux está o conceito de ideologia,
influenciado pela teoria althusseriana. É justamente esse enfoque ideológico que particulariza
o trabalho desse autor e que esclarece sua concepção de discurso, sujeito e sentido, centrais
para o trabalho da AD. A noção de ideologia é resignificada pela AD considerando o trabalho
com a linguagem. Como se esclarece a seguir:
A ideologia, por sua vez, nesse modo de a conceber, não é vista como
conjunto de representações, como visão de mundo ou como ocultação da
realidade. Não há aliás realidade sem ideologia. Enquanto prática
significante a ideologia aparece como efeito da relação necessária do sujeito
com a língua e com a história para que haja sentido (ORLANDI, 2009, p.
48).
A partir dessas observações, uma explanação dos pressupostos teóricos pecheutianos
para a análise em AD dará melhor clareza à análise realizada nesse trabalho de pesquisa, ora
apresentada.
2.3.1. Discurso e ideologia
Nas palavras de Pêcheux (2010, 85), o termo discurso “implica que não se trata
necessariamente de uma transmissão de informação entre A e B mas, de modo mais geral, de
um ‘efeito de sentidos’ entre os pontos A e B”. Esta noção de discurso é imprescindível tanto
para a compreensão da singularidade da AD proposta por Pêcheux, quanto para se entender a
26
noção de sujeito e sentido. Pêcheux considera que o discurso existe por meio do sujeito e que
este é interpelado pela ideologia.
Segundo Orlandi, para quem o discurso é “efeito de sentidos entre locutores”:
[...] não se trata de transmissão de informação apenas, pois, no
funcionamento da linguagem, que põe em relação sujeitos e sentidos
afetados pela língua e pela história, temos um complexo processo de
constituição desses sujeitos e produção de sentidos e não meramente
transmissão de informação. São processos de identificação do sujeito, de
argumentação, de subjetivação, de construção da realidade etc. (ORLANDI,
2009, p. 21).
São considerações que a autora faz, pensando a disposição dos elementos pelo
esquema de comunicação, constituído de emissor, receptor, código, referente e mensagem o
qual descreve o processo de comunicação de forma linear. Trata-se do esquema de
comunicação proposto por Jakobson, e reformulado por Pêcheux, que vai além e não
considera a linguagem apenas como simples transmissão de informação entre sujeitos.
Pêcheux propõe o discurso como efeito de sentidos entre sujeitos, que ocupam lugares
determinados no sistema de produção.
A concepção de discurso da AD pecheutiana leva em conta fatores exteriores à
lingüística. A esse respeito, observa-se o que reflete Cleudemar Fernandes:
Para falarmos em discurso, precisamos considerar os elementos que têm
existência no social, as ideologias, a história. Com isso, podemos afirmar
que os discursos não são fixos, estão sempre se movendo e sofrem
transformações, acompanham as transformações sociais e políticas de toda
natureza que integram a vida humana (FERNANDES, 2008, P. 14).
Outro ponto a salientar nessas considerações é que discurso não deve ser confundido
com a noção de fala, proposta na dicotomia Saussuriana língua/fala. “O discurso não
corresponde à noção de fala, pois não se trata de opô-lo à língua como sendo esta um sistema,
onde tudo se mantém, [...]” (ORLANDI, 2009, p. 22). Em AD, a língua não é vista como
sendo fechada em si mesma, nem o discurso é visto totalmente sem condicionantes
lingüísticos ou determinado historicamente. Para Pêcheux, confundir discurso e fala é um
equívoco e sobre isso esclarece:
O discurso seria então a realização em atos verbais da liberdade subjetiva
que ‘escapa ao sistema’ (da língua). Contra esta interpretação reafirmamos
27
que a teoria do discurso e os procedimentos que ela engaja não poderiam se
identificar com uma ‘linguística da fala’ (PÊCHEUX, 2010, p. 178).
O discurso se realiza por meio da materialidade linguística, mas é exterior à língua.
Ele reside justamente no social, portanto há que se considerar o sujeito, a posição sociohistórica que ele ocupa, sua inscrição ideológica. “É preciso sair do especificamente
linguístico, dirigir-se a outros espaços, para procurar descobrir, descortinar, o que está entre a
língua e a fala, fora delas” (FERNANDES, 2008, 17). A ideologia, como se observa, faz parte
dos estudos da AD, alíás, “é a ideologia que faz com que haja sujeitos” e por isso, vale
explicitar a maneira como esta é resignificada por Pêcheux, a partir de Althusser, em suas
formulações teóricas.
Althusser trabalha a ideologia a partir das discursões sobre as lutas de classe, para ele,
a ideologia é a relação imaginária transformada em práticas, reproduzindo as relações de
produção vigentes. Quando discorre sobre os aparelhos ideológicos de Estado, Althusser
atribui a estes a regulação das regras e das práticas materiais, e como sua função, reproduzir e
perpetuar as condições de produção.
Não há uma preocupacão de Althusser com a Linguística, ao estudar a ideologia e os
aparelhos ideológicos de Estado. É nesse ponto que Pêcheux se destaca, quando ressalta a
necessidade de articular a Linguística com o materialismo histórico. Para Pêcheux (2009, p.
81), “[...] a língua se apresenta como a base comum de processos discursivos diferenciados,
que estão compreendidos nela na medida em que [...] os processos ideológicos simulam os
processos científicos.”
Pêcheux trabalha a questão da língua a partir das discussões de Althusser sobre as
lutas de classe. Para esse autor, as classes não são indiferentes à língua, uma vez que se
utilizam desta em sua luta política. Os sujeitos estabelecem seus discursos através da
linguagem e pelo viés da ideologia e segundo Orlandi (2009, 45), “re-significar a noção de
ideologia a partir da consideração da linguagem” é um dos pontos fortes da Análise de
discurso. Esta autora acrescenta ainda: “o fato mesmo da interpretação, ou melhor, o fato de
que não há sentido sem interpretação, atesta a presença da ideologia”.
Segundo Althusser, “A ideologia interpela os indivíduos como sujeitos”. A partir
dessa tese, Pêcheux propõe examinar como esta leva à problemática de uma teoria
materialista dos processos discursivos, articulada à das condições ideológicas de
reprodução/transformação das relações de produção.
28
2.3.2 Sujeito e sentido
O sujeito de Pêcheux funciona pela ideologia e pelo inconsciente, não é um sujeito
reconhecível a priori, assim como acontece com a noção de sentidos. Segundo Pêcheux,
[...] as palavras, expressões, proposições etc., mudam de sentido segundo as
posições sustentadas por aqueles que as empregam, o que quer dizer que elas
adquirem seu sentido em referência a essas posições, isto é, em referência às
posições ideológicas [...] (PÊCHEUX, 2009, p. 146-147).
Portanto, o sujeito, na perspectiva da AD pecheutiana, não é considerado em sua
individualidade, mas como um ser social, em um espaço coletivo e ideológico. De acordo com
Orlandi, o sujeito só tem acesso a parte do que diz, uma vez que é atravessado pela linguagem
e pela história, sob o modo do imaginário, e acrescenta:
[...] ele é sujeito de e sujeito à. Ele é sujeito à língua e à história, pois para se
constituir, para (se) produzir sentidos ele é afetado por elas. Ele é assim
determinado, pois se não sofrer aos efeitos do simbólico, ou seja, se ele não
se submeter à língua e à história, ele não se constitui, ele não fala, não
produz sentidos (ORLANDI, 2009, p. 49).
Fala-se também, quanto ao sujeito da AD, que ele “é pensado como ‘posição’”. Para
ser sujeito do que diz, o indivíduo deve ocupar um lugar que é a sua posição
sócio-
ideológica. “ [...] os sujeitos são intercambiáveis. Quando falo a partir da posição de “mãe”,
por exemplo, o que digo deriva seu sentido, em relação à formação discursiva em que estou
inscrevendo minhas palavras [...]” (ORLANDI, 2009, p. 49).
O sujeito se submete à língua, ele é um sujeito assujeitado, ele é ao mesmo tempo livre
e submisso. Isso quer dizer que, na sua relação com os sentidos, esse sujeito é determinado
pela exterioridade, já que a compreensão dos sentidos depende de sua historicidade. Por isso,
como explica Orlandi(2009), “embora a subjetividade repouse na possibilidade de
mecanismos linguísticos específicos, não se pode explicá-la estritamente por eles”.
Outro aspecto importante sobre a noção de sujeito adotada por Pêcheux é a
consideração de que este sujeito é afetado pelo incosciente. Como ressalta Indursky:
O sujeito que o fundador da Teoria da Análise do Discurso convoca é um
sujeito que não está na origem do dizer, pois é duplamente afetado.
Pessoalmente e socialmente. Na constituição de sua psiquê, este sujeito é
dotado de inconsciente. E, em sua constituição social, ele é interpelado pela
29
ideologia. É a partir deste laço entre inconsciente e ideologia que o sujeito da
análise de discurso se constitui ( INDURSKY, 2008, p. 10-11).
O sujeito não se dá conta de sua interpelação pela ideologia, o que o leva à ilusão de
ser a origem do que diz e de que domina o que diz. Essa ilusão constitui o que Pêcheux chama
de esquecimento. O esquecimento nº 1 “é da instância do inconsciente e resulta do modo pelo
qual somos afetados pela ideologia”. O sujeito, por esse esquecimento, pensa ser a origem do
seu dizer, quando na verdade este é determinado pelo modo como esse sujeito se inscreve
historicamente. O esquecimento nº 2 “ é da ordem da enunciação: ao falarmos, o fazemos de
uma maneira e não de outra, e, ao longo de nosso dizer, formam-se famílias parafrásticas que
indicam que o dizer sempre podia ser outro” (ORLANDI, 2009, p. 35).
O sujeito, na perspectiva da teoria desenvolvida por Pêcheux, é afetado pelo
inconsciente.
Trata-se de um sujeito que se constitue pela relação entre inconsciente,
linguagem e ideologia. Pêcheux vale-se de conceitos de Althusser, Freud e Lacan para
explicar o que vem a ser sujeito do discurso. De Althusser depreende-se, na constituição do
sujeito em Pêcheux, o conceito de interpelação, segundo o qual a ideologia age de tal forma
que transforma os indivíduos em sujeitos. Lacan, fazendo uma releitura do inconsciente de
Freud, diz que o sujeito é afetado pelo que ele denomina de “o grande outro”. Ele considera
que a existência do “eu” não pode ser desvencilhada da existência do “Outro” que o interpela,
assim o inconsciente se estrutura como uma linguagem que interfere no discurso do sujeito
empírico. Na citação seguinte, esse autor argumenta:
O que é um sujeito? Será alguma coisa que se confunde, pura e
simplesmente, com a realidade individual que está diante de seus olhos
quando vocês dizem o sujeito? Ou será que, a partir do momento em que
vocês o fazem falar, isso implica necessariamente uma outra coisa? Quero
dizer, será que a fala é como que uma emanação que paira acima dele, ou
será que ela desenvolve, que impõe por si só, uma estrutura? [...] Quando há
um sujeito falante, não há como reduzir a um outro, simplesmente, a questão
de suas relações como alguém que fala, mas há sempre um terceiro, o
grande Outro, que é constitutivo da posição do sujeito enquanto alguém que
fala (LACAN, 1999, p. 186).
É a partir do inconsciente que o sujeito é interpelado pelo Outro. Na concepção de
Pêcheux, o sujeito não é totalmente livre, dono de suas vontades, ele é marcado pelo
consciente e inconsciente. Diferente da noção de sujeito fundado na razão, que é senhor do
que diz, o que se postula na teoria pecheutiniana é a ideia de um sujeito descentrado pelo
inconsciente, que não controla o seu dizer. Mas esse sujeito tem a ilusão de ser a origem do
30
que diz e de controlar o seu pensamento, a isso Pêcheux denominou de esquecimentos, o
esquecimento nº1 e o esquecimento nº2, exposto anteriormente. Assim, a compreensão de
sujeito, esclarece o processo de produção de sentidos, que “não está na essência das palavras
mas na discursividade”.
Os sentido das palavras são produzidos a partir dos sujeitos, sua posição sociohistórica
e ideológica. As palavras não têm sentido em si mesmas, em sua literalidade, elas “ falam com
outras palavras”, como se esclarece na seguinte citação:
O sentido de uma palavra, de uma expressão, de uma proposição etc., não
existe “em si mesmo” ( isto é, em sua relação transparente com a literalidade
do significante), mas, ao contrário, é determinado pelas posições ideológicas
que estão em jogo no processo sócio-histórico no qual as palavras,
expressões e proposições são produzidas ( isto é, reproduzidas) (PECHÊUX,
2009, p. 148.).
É preciso referir as palavras às suas condições de produção e sua inscrição em uma
formação discursiva. Esses conceitos são tomados por Pêcheux em sua proposta de análise e
merecem ser esclarecidas, como se verá mais adiante.
Ainda com relação ao sujeito, Pêcheux reflete sobre a identificação do sujeito do
discurso com os saberes de uma formação discursiva, o modo como se relaciona com a formasujeito e com a ideologia. São três as tomadas de posição, como são denominadas por
Pêcheux.
A primeira modalidade mostra uma identificação plena do sujeito com a formação
discursiva de modo que “a ‘tomada de posição’ do sujeito realiza seu assujeitamento sob a
forma do ‘livremente consentido’”.
A segunda modalidade mostra uma contra-identificação com a formação discursiva
imposta ao sujeito. O sujeito toma uma posição, se distancia, questiona, contesta. “O sujeito
da enunciação ‘se volta’ contra o ‘sujeito universal’”, ele “luta contra a evidência
ideológica”.
A terceira modalidade toma a forma de uma desidentificação com a formação
ideológica em que está inscrito. O sujeito se desidentifica a ponto de se identificar com outra
FD. “O funcionamento dessa ‘terceira modalidade’ constitui um trabalho (transformaçãodeslocamento) da forma-sujeito e não sua pura e simples anulação”.
A tomada de posição não é, de modo algum, concebível como um ‘ato originário’ do
sujeito-falante: ela deve, ao contrário, ser compreendida como o efeito, na forma-sujeito, da
31
determinação do interdiscurso como discurso-transverso’, são conclusões de Pêchux (2009),
quando discorre sobre a forma-sujeito do discurso. A forma-sujeito do discurso refere-se à
existência do indivíduo em sua prática social, situado historicamente. Trata-se de uma
expressão introduzida por Althusser e designa o sujeito como “agente das práticas sociais”.
Pêcheux diz que:
a forma-sujeito do discurso na qual coexistem, indissociavelmente,
interpelação, identificação e produção de sentido, realiza o non-sens da
produção do sujeito como causa de si sob a forma da evidência primeira.
Estamos lidando com uma determinação que se apaga no efeito necessário
que ela produz sob a forma da relação entre sujeito, centro e sentido, […]
(PÊCHEUX, 2009, p. 243).
Desse modo, vê-se que o sujeito é interpelado socioideologicamente, ele é marcado
pelos já-ditos. Mas esse sujeito também é marcado pelo esquecimento, ele tem a ilusão de ser
a origem do que diz, “se constitui pelo esquecimento daquilo que o determina”.
2.3.3 Esquecimentos
Há dois tipos de esquecimentos que são inerentes aos discursos. O esquecimento nº 2
dá ao sujeito a ilusão da impressão da realidade do pensamento. É a partir desse esquecimento
que o sujeito acredita que o que ele diz só pode ser dito daquela maneira e não outra, com
aquelas palavras e não outras. Esse esquecimento, segundo Orlandi (2009, p. 35), “nos faz
acreditar que há uma relação direta entre o pensamento, a linguagem e o mundo”. Nas
palavras de Pêcheux é:
O esquecimento pelo qual todo sujeito-falante ‘seleciona’ no interior da
formação discursiva que o domina, isto é, no sistema de enunciados, formas
e sequências que nela se encontram em relação de paráfrase – um enunciado,
forma ou sequência, e não um outro, que, no entanto, está no campo daquilo
que poderia formulá-lo na formação discursiva considerada (PÊCEUX,
2009, p. 161).
Trata-se de um esquecimento semi-consciente, também chamado de esquecimento
enunciativo.
Por outro lado, o esquecimento nº 1, também chamado de esquecimento ideológico, é
da instância do inconscente. O sujeito, por esse esqueciento, tem a ilusão de ser a origem do
32
que diz. Os sentidos são apenas retomados pelo sujeito, não se originam neste. Esse
esquecimento
Dá conta do fato de que o sujeito-falante não pode, por definição se
encontrar no exterior da formação discursiva que o domina. […] remetia, por
uma analogia com o recalque inconsciente, a esse exterior, na medida em
que – como vimos – esse exterior determina a formação discursiva em
questão (PÊCHEUX, 2009, p. 162).
É pelo esquecimento que sujeitos e sentidos se significam, “estão sempre em
movimento, significando sempre de muitas e variadas maneiras”. Orlandi (2009, p. 36).
Pêcheux (2009) coloca que a oposição entre os esquecimentos nº 1 e nº 2 está relacionada à
oposição empírica, em que o sujeito se encontra, que é marcada pela identificação imaginária
em que o outro (com o minúsculo) é um outro eu, e o processo de interpelaçãoassujeitamento, que diz respeito ao que Lacan chama metaforicamente de “Outro” com O
maiúsculo.
2.3.4 Condições de produção, interdiscurso e Formação discursiva
Pêcheux considera que não é possível analisar um discurso como se analisa um texto,
ou seja, como uma sequência da língua fechada sobre si mesma, para ele é preciso referir o
discurso ao “conjunto de discursos possíveis” a partir de suas condições de produção. Essas
condições de produção do discurso compreendem a relação de forças existentes entre os
protagonistas do discurso, as relações de sentido nas quais é produzido e a antecipação do que
o outro vai pensar.
Um discurso está sempre situado no interior da relação de forças, o que o sujeito diz,
enuncia, promete ou denuncia é determinado pelo lugar que ele ocupa. Como reflete Orlandi
(2009), “Como nossa sociedade é constituída por relações hierarquizadas, são relações de
força, sustentadas no poder desses diferentes lugares, que se fazem valer na ‘comunicação’”.
As palavras significam de acordo com o lugar do sujeito, quando um médico fala ao paciente,
o lugar que ele ocupa, de conhecedor da ciência que pratica, lhe autoriza dizer o que diz, do
modo como diz.
A relação de sentidos no discurso diz respeito a relação que um sentido tem com
outros sentidos já produzidos. Um dizer sempre se relaciona com outros dizeres. Como
adverte Pêcheux:
33
Em outros termos, o processo discursivo não tem, de direito, início: o
discurso se conjuga sempre sobre um discursivo prévio, ao qual ele atribui o
papel de matéria-prima, e o orador sabe que quando evoca tal acontecimento,
que já foi objeto de discurso, ressuscita no espírito dos ouvintes o discurso
no qual este acontecimento era alegado, com as ‘deformações’ que a
situação presente introduz e da qual pode tirar partido (PÊCHEUX, 2010, p.
76).
Pode-se dizer, com isso, que o sujeito imagina, tenta prever o que seu ouvinte espera
em seu discurso. De certa forma, esse sujeito falante se coloca no lugar do outro, sujeito
ouvinte. É o mecanismo da antecipação que, segundo Orlandi (2009, p.39), “regula a
argumentação, de tal forma que o sujeito dirá de um modo, ou de outro, segundo o efeito que
pensa produzir em seu ouvinte”.
A seguir, um esboço das formações imaginárias suposto em todo processo discursivo:
Expressão que designa as
formações imaginárias
I (A)
I (B)
I (B)
I (A)
Signficação da expressão
Imagem do lugar de A para
sujeito colocado em A
Imagem do lugar de B para
sujeito colocado em A
Imagem do lugar de B para
sujeito colocado m B
Imagem do lugar de A para
sujeito colocado em B
o
o
o
o
Questão implícita cuja
“resposta” subentende a
formação imaginária
correspondete
“Quem sou eu para lhe falar
assim?”
“Quem é ele para que eu lhe
fale assim?”
“Quem sou eu para que ele
me fale asssim?”
“Quem é ele para que me fale
assim?”
A partir desse esquema, vê-se como os protagonistas do discurso podem intervir
quanto às condições de produção do discurso. Vale lembrar, trata-se do ponto de vista do
sujeito sobre uma posição imaginária e não física.
A relação do discurso com as condições de produção envolve tudo o que já foi dito ao
longo da história, tudo o que já foi dito, em outro momento, pode ser acionado pela memória.
É pela memória que se formula o dizível, como ressalta Orlandi (2009) há um pré-construído
na base de todo dizer. A noção de memória é basilar no estudo do discurso proposto por
Pêcheux e se refere não a uma memória individual, psicológica, mas a uma memória coletiva
na qual se inscrevem os sujeitos. Memória pode ser compreendida, como o que Pêcheux
denominou interdiscurso, definindo-o como “ o todo complexo com dominante”. Nas
observações de Orlandi (2009, p. 33):
34
o interdiscurso é todo o conjunto de formulações feitas e já esquecidas que
determinam o que dizemos. Para que minhas palavras tenham sentido é
preciso que elas já façam sentido. E isto é efeito do interdiscurso: é preciso
que o que foi dito por um sujeito específico, em um momento particular, se
apague na memória para que, passando para o ‘anonimato’, possa fazer
sentido em ‘minhas’ palavras.
Assim, o sentido das palavras não existe em si mesmo, depende da posição ideológica
do sujeito no processo socio-histórico. Disso compreendem-se outros mecanismos na análise
de discurso aqui tratada, são a formação discursiva e a formação ideológica. Sobre a formação
ideológica, assim se posiciona Pêcheux:
Falaremos de formação ideológica para caracterizar um elemento (este
aspecto da luta nos aparelhos) suscetível de intervir como uma força em
confronto com outras forças na conjuntura ideológica característica de uma
formação social em dado momento; desse modo, cada formação ideológica
constitui um conjunto complexo de atitudes e de representações que não são
nem ‘individuais’ nem ‘universais’ mas se relacionam mais ou menos
diretamente a posições de classes em conflito umas com as outras
(PÊCHEUX, 2010, p. 163).
A partir disso, colocando a questão da ideologia e discurso, Pêcheux (2010) afirma
que se deve conceber o discurso como um dos aspectos materiais do que chamamos
materialidade ideológica. Os sentidos se manifestam pois, a partir da posição do sujeito e sua
inscrição em uma formação ideológica, são determinados ideologicamente. As formações
ideológicas estão ligadas às formações discursivas, estas inscrevem-se naquelas. Para Orlandi
(2009), a noção de formação discursiva dá ao analista a possibilidade de estabelecer
regularidades no funcionamento do discurso, além de permitir compreender o processo de
produção de sentidos e sua relação com a ideologia.
Segundo Pêcheux (2010, p. 164), as formações discursivas “determinam o que pode e
deve ser dito (articulado sob a forma de uma arenga, um sermão, um panfleto, uma exposição,
um programa etc.) a partir de uma posição dada numa conjuntura […]”. Assim, o sentido que
as palavras adquirem “dependem de relações constitíuidas nas/pelas formações discursivas”.
As formações discursivas não são homogêneas, ao contrário, elas são marcadas pela
heterogeneidade, são constituídas por diferentes discursos, já que há diferentes posições dos
sujeitos, sobre determinados assuntos. Uma formação discursiva explicita sujeitos e dizeres
sociohistoricamente organizados, mas não se limita a apenas um momento social e histórico,
ela possibilita efeitos de sentidos em novos contextos, a partir de elementos que tiveram
35
existência em outros momentos e lugares. Pêcheux afirma que as formações discursivas
intervêm nas formações ideológicas enquanto componentes, e sublinha, ainda que:
uma formação discursiva existe historicamente no interior de determinadas
relações de classes; pode fornecer elementos que se integram em novas
formações discursivas, construindo-se no interior de novas relações
ideológicas, que colocam em jogo novas formações ideológicas (PÊCHEUX,
2010, p. 165).
Não há uma formação discursiva que não seja associada a outra, isso porque pelo
primado do interdiscurso, todo discurso provém de um já-dito, de um pré-construído. Por isso
pode-se pensar a relação do interdiscurso com o intradiscurso, ou seja, entre o dizível, que
está na constituição do discurso com o que é formulado, dito em dado momento. Convém
tratar aqui do discurso-transverso, cujo funcionamento, diz Pêcheux (2009, p. 153 ), “remete
àquilo que, classicamente, é designado por metonímia, enquanto relação da parte com o todo,
da causa com o efeito, do sintoma com o que ele designa etc.”. O discurso-transverso está em
relação direta com a ‘articulação’, pois esta resulta da linearização do discurso-transverso no
eixo do intradiscurso.
Pensando o dizível como memória, vale ressaltar a presença da paráfrase no conjunto
de presspostos teóricos pêcheutianos. Para Pêcheux (2010, p.166), “a produção de sentido é
estritamente indissociável da relação de paráfrase entre sequências tais que a família
parafrástica destas sequências constitui o que se poderia chamar a matriz do sentido”. Pode-se
compreender, com isso, que o efeito de sentido é resultado da relação no interior da família
parafrástica, como diz Orlandi (2009, 38), “não há sentido sem repetição, sem sustentação no
saber discursivo”. Eni propõe uma relação comparativa entre paráfrase e polissemia. Para a
autora, na polissemia há uma ruptura do processo de significação, há um deslocamento de
sentidos. A polissemia permite uma continuidade de discursos, possibilita novos sentidos, já
que “ela joga com o equívoco”. Orlandi (2009), considera que o funcionamento da linguagem
se assenta na tensão entre esses dois processos, como se vê na seguinte citação:
São duas forças que trabalham continuamente o dizer, de tal modo que todo
discurso se faz nessa tensão: entre o mesmo e o diferente . Se toda vez que
falamos, ao tomar a palavra, produzimos uma mexida na rede de filiação dos
sentidos, no entento, falamos com palavras já ditas. E é nesse jogo entre
paráfrase e polissemia, entre o mesmo e o diferente, entre o já dito e o a se
dizer que os sujeitos e os sentidos se movimentam, fazem seus percursos,
(se) significam (ORLANDI, 2009, p. 36.
36
Assim, por um lado, a paráfrase permite a produção de discursos a partir de um já-dito,
assegurando a historicidade. Por outro lado, a polissemia intervém com o diferente, possibilita
a simultaneidade de sentidos e de sujeitos.
37
3 UM BREVE OLHAR SOBRE A PROPAGANDA
A princípio, vale explicitar uma diferenciação entre os termos
propaganda e
publicidade, já que estes são muito frequentemente confundidos. De acordo com Monnerat
(2003), o termo publicidade é derivado de público, do latim publicus, indicando a qualidade
do que é público. Já o termo “propaganda”, do latim propagare (técnica do jardineiro de
cravar no solo os rebentos novos das plantas, com o intuito de reproduzir novas plantas que
posteriormente terão vida própria), foi retirado do nome Congregatio de propaganda fide,
congregação criada em 1622, em Roma, pelo Papa Urbano VIII com o objetivo de propagar a
fé, persuadir os pagãos e levá-los à Igreja Católica.
Segundo Sandmann (1997, p. 14), em português, “ publicidade é usado para a venda
de produtos e serviços e propaganda tanto para a propagação de idéias como no sentido de
publicidade”. Assim, propaganda se apresenta como um termo abrangente e pode ser utilizado
em todos os sentidos.
Para este trabalho, adota-se o termo propaganda, que aparece no título e no texto em
geral, em sentido mais amplo. O termo publicidade que também é utilizado nessa análise,
surge como sinônimo de propaganda, assim como também os termos anúncio e peça
publicitária.
Diz-se que a propaganda é uma atividade humana tão antiga quanto os registros de que
algo acontece ou aconteceu. Há muitos relatos que procuram explicar o surgimento da
propaganda. Citando Martins (1999, p. 35), alguém já até tentou dar um ar científico à
origem da propaganda dizendo que quando o homem das cavernas pendurava uma pele de
animal na entrada de sua caverna, esse ser pré-histórico já estava fazendo sua divulgação aos
interessados no produto.
A partir de diversos fatos históricos mundiais comprova-se a intenção de propagar,
seja uma ideia, pessoas, serviços, produtos. A raiz propagand_ do latim, remete ao sentido de
algo que precisa ser espalhado. Os romanos pintavam as paredes para anunciar lutas de
gladiadores, os fenícios pintavam grandes rochas ao longo das rotas movimentadas para
promover seus artigos.
Mensagens comerciais e campanhas políticas foram encontradas em ruínas da antiga
Arábia. Egípcios usavam papiros para criar mensagens de venda e cartazes, enquanto o
conhecido volante de hoje (flayer), pode ser encontrado na antiga Grécia e Roma. Outra
antiga forma de propaganda era a marca que os comerciantes colocavam em seus produtos,
38
tais como potes. À medida que sua reputação se espalhava de boca em boca, os compradores
começavam a procurar por uma marca em particular.
Apesar de não haver uma total comprovação, a palavra propaganda originou-se depois
que a Igreja criou uma congregação religiosa para propagar a fé, como afirma Sampaio (1999,
p. 19). Trata-se da Congregatio de propaganda fide, foi criada em 1622, pelo Papa Urbano
VIII, a fim de difundir a religião e produzir material litúrgico que se contrapunha à ideologia
luterana.
O momento de transição na história da propaganda mundial ocorreu em meados do
século XV, quando Johan Gutemberg inventou a imprensa. Os anunciantes não precisavam
mais produzir cópias extra de um anúncio à mão.
Com a superprodução e subdemanda, tornou-se necessário estimular o mercado, por
isso a técnica publicitária mudou da simples informação para a persuasão. A primeira
propaganda impressa em língua inglesa apareceu em 1478. Em 1622, a propaganda recebeu
um grande incentivo com o lançamento do primeiro jornal inglês , The Weekly News.
Benjamin Franklin é conhecido como o precursor da propaganda americana, porque
sua Gazette, publicada em 1729, teve grande repercussão na época. As agências de
propaganda foram criadas a partir da segunda metade do século XIX, por fabricantes e
corretores que trabalhavam para jornais e recebiam comissão pela venda de espaço de
propaganda para várias empresas. Pouco a pouco, formaram agências e aproximaram-se mais
dos anunciantes. As agências passaram a oferecer mais propaganda e serviços de marketing
para seus clientes.
A publicidade tal como se conhece hoje iniciou-se em 1871, com a fundação da JW
Thompson, primeira agência americana. Nessa época, já era organizada como uma indústria e
já tinha agências de propaganda e publicitários. Mas é somente no século XIX que a
propaganda começa a se expandir, com o nível da tecnologia e as técnicas de produção em
massa.
Por conta da superprodução e subdemanda, tornou-se necessário estimular o mercado
e assim, a técnica publicitária mudou da simples informação para a persuasão. A propaganda,
em seu contexto social e institucional, tal como se vê hoje, foi definida no final do século
passado.
3.1 A PROPAGANDA NO BRASIL
39
A “propaganda” sobre a terra promissora, elaborada por Caminha, certamente valeuse de formas de demonstração igualmente utilizadas pelas agências publicitárias que hoje
fazem “mágicas” em prol do consumo. Pode-se dizer que, no Brasil, tudo começa com a Carta
de Caminha ao Rei de Portugal.
Marília Graf (2003) relata que a propaganda surgiu, no Brasil, no momento em que D.
João VI, fugido de Portugal, decreta a abertura dos portos, e em 1808, libera a importação de
qualquer mercadoria transportada por navios portugueses ou estrangeiros em paz com a
Coroa, o que favoreceu, principalmente, a importação de produtos ingleses.
Social e culturalmente, o Império molda um comportamento, baseado no
europeu, que é seguido por todo o país, durante o século XIX e parte do XX.
D. João trouxe para o Brasil a modernidade Europeia, influenciando o país,
por meio de criação da Escola Médico-cirúrgica da Bahia, da Escola
Cirúrgicada, Anatômica e Médica do Rio de Janeiro, da Academia Real de
Belas Artes, da Imprensa Régia, do Teatro Real de São João, do Banco do
Brasil e de várias outras instituições (GRAF, 2003, p.17).
Com o lançamento do primeiro jornal, Gazeta do Rio de Janeiro, que dá início a
imprensa brasileira, surge a propaganda. Isso ocorre num contexto em que o dinheiro de papel
é colocado no mercado, em substituição às moedas, tornando-se rapidamente popular.
A primeira propaganda de que se tem notícia foi de um imóvel. “Os anúncios dessa
época são todos do tipo ‘classificados’ em que a linguagem reproduz a fala cotidiana e a dos
vendedores ambulantes”(GRAF, 2003, p. 17). Eram textos curtos, sem ilustrações, que
ofereciam serviços caseiros, eram também anúncios de compra e venda de casas e de
escravos.
Em 1821, surge O Diário do Rio de Janeiro, um jornal de anúncios classificados,
demonstrando a importância da propaganda, então chamada de reclame. Entre 1822 e 1831,
período do primeiro reinado, o Brasil caracteriou-se pela força da elite de proprietários rurais
com uma estrutura socioeconômica baseada na escravidão, latifúndios e monocultura.
Nesse contexto surge uma enorme quantidade de propagandas oferecendo escravas
como amas-de-leite para amamentação dos filhos brancos da elite, uma vez que apenas as
mães sem poder aquisitivo é que amamentavam seus filhos.
40
Figura 1 - Anúncios de jornal em 1878. Fonte: 100 ANOS DE PROPAGANDA, 1980.
Esses anúncios continuaram com características de clasificado vendendo imóveis,
produtos e escravos. Através dessas propagandas, vendiam-se também os hábitos europeus,
interferindo nos costumes comportamentais e políticos.
No período de regência, alterações na constituição causam revoluções populares. Os
jonais se aliam a partidos políticos para discutir a situação do país e exigir mudanças. Em
jornais da época como O Republico, A Malagueta e A Aurora Fluminense, as propagandas
permanecem como classificados, agora são anúncios de produtos importados europeus,
escravos e imóveis.
Sobre os produtos e hábitos de consume da época, Graf (2003, p. 25) assim comenta:
“Do ponto de vista do consumo, é na Regência que o hábito de fumar transforma-se em moda.
Os brasileiros, ao contrário dos ingleses, preferem os charutos para se diferenciarem dos
escravos que fumavam cachimbo”
Com o auge da economia cafeeira que facilitou a consolidação do Estado Monárquico,
controlado pela aristócracia rural e escravagista, a propaganda se desenvolve variando de
forma e de estilo. Mais argumentativa, acompanha todas as mudanças sociais, culturais e
econômicas do Brasil.
41
No final do século, o incentivo à imigração gerado pela falta de mão-de-obra para o
cultivo do café, muda o cotidiano, trazeno novos hábitos de viver, pensar e consumir.
Os imigrantes […] que saíam do meio urbano e com algum dinheiro,
sonhavam em montar, aqui no Brasil, indústrias e serviços na busca do
enriquecimento rápido. Durante o império, o maior exemplo desses
imigrants é Hermann Hering, que montou em Blumenau, a primeira malharia
nacional, em 1880 (GRAF, 2003, p. 28).
Com a chegada do comércio externo norte-amerino, em 1851, são publicados reclames
da principal importadora americana, no Rio de Janeiro. São propagandas de tecidos, móveis,
gelo, bonecas, brinquedos, borracha e fogões de cozinha.
Figura 2 - Anúncio de máquina de costura, 1860. Fonte: http://uk.pinterest.com/cunhalima/memoria-graficabrasileira
Nesta época os anúncios sobre amamentação mudam de teor, as amas-de-leite são
brancas e sadias, seguindo o cientificismo europeu sobre o aleitamento materno.
O crescimento do comércio ipulsiona o crescimento da propaganda, com o objetivo de
incentivar o consumo, agora não apenas de produtos e serviços nacionais , mas principalmente
importados. Segundo Graf (2003, p. 31), eram “produtos de consumo semiduráveis (como
bicicletas e roupas), duráveis (como pianos), supérfluos, jóias e etc. destinados aos
consumidores endinheirados da Corte e das zonas rurais vizinhas”.
Nessa sociedade, onde o Império só aceitava indvíduos brancos, surge a necessidade
de parecer branco. Com isso, aparecem anúncios de produtos que prometiam
embranquecimento como a “Água dos Amarantes”, que prometia fazer desaparecer a cor
trigueira em cinco dias (Graf, 2003).
42
Os primeiros painéis de rua, panfletos e bulas de remédio começaram a aparecer em
1860. As ilustrações, começaram a surgir em 1875, com os jornais Mequetrefe e O Mosquito,
já com peças ilustradas com desenhos, litogravuras e logotipos ( 100 anos de propaganda,
19(80) p. 3).
Figura 3 - Anúncio Ao Collete de Ouro, 1860. Fonte: http://uk.pinterest.com/cunhalima/memoria-graficabrasileira
De acordo com Marcondes (2002, p. 16), “da literatura e do jornalismo a publicidade
importou o texto; do desenho e da pintura, trouxe as ilustrações”. Assim, as propagandas
nasciam da junção de vários elementos.
Em 1900 surgiu a “Revista da Semana” no Rio de Janeiro, com ela, vieram anúncios
mais coloridos, impressos por técnicas novas. Nesta mesma época, surgem também as sátiras
políticas na propaganda, que vai se prolongar por toda a década. Sobre as agências de
publicidade no Brasil, sabe-se que a primeira teria surgido em São Paulo, em 1913, a revista
“Eclética”. De acordo com Severino, Gomes e Vicentini (2011), a primeira agência de
propaganda norte-americana chegou ao Brasil, em 1930 e trouxe a publicidade com fotos aos
anúncios brasileiros.
A propaganda incorpora os avanços e as conquistas da sociedade, e os coloca
a serviço da comunicação comercial. A evolução das técnicas e dos recursos
da fotografia produz um impacto enorme na sociedade. O jornalismo
incorpora rapidamente esses avanços e, em pouquíssimo tempo, tem sua
própria forma de abordagem fotográfica, o fotojornalismo.”
(MARCONDES, 2001, p. 24)
Apesar de um período tumultuado, de 1930 a 1945, a publicidade floresceu com o
surto industrial dos anos 30. Neste mesmo período, surgiu a expressão “a propaganda é a alma
43
do negócio”, por causa de uma visível profissionalização dos que faziam a propaganda. Várias
revelações começam a surgir: o rádio, revistas para todos os gostos e os slogans criativos.
Figura 4 – Propaganda da década de 1930 fonte: www.fredcunhanews.com
Segundo o livro 100 anos de propaganda, publicado pela Abril Cultural (1980), “os
pioneiros da propaganda Brasileira foram poetas famosos, como Olavo Bilac, e artistas
plásticos, como Julião Machado, que passou a desenhar para a publicidade”. O estilo artnouveu, tão em voga, começa a aparecer em revistas semanais e ilustradas, em 1900.
O século XX é marcado por conquistas revolucionárias para o sistema de comunicação
brasileiro.
No dia 18 de setembro de 1950 nasceu, em São Paulo, a primeira TV do
Brasil: a TV Tupi, que revolucionária a publicidade brasileira de uma forma
que nunca havíamos visto. Na época não havia vts, então as imagens iam
para o ar ao vivo, e a maioria das propagandas eram feitas por mulheres, já
que o público mais atingido eram as mulheres. Começou a acontecer uma
disputa maior em relação ao mercado e as publicidades passaram a ser mais
elaboradas (SEVERINO, GOMES e VICENTINI, 2011, p. 4) .
A propaganda passa a ser muito mais informativa, incorporando muitas inovações,
com textos mais longos. “Era um tempo de grandes mudanças […]. Com o surto da
industrialização, começa a competição pelo consumo, os clientes se multiplicam, as agências
proliferam e a pesquisa estatística determina os veículos” (Loyola, 2012, p. 1) artigo textos e
tradução na redação publicitária .
A necessidade de se regulamentar o exercício da propaganda no Brasil foi prova do
desenvolvimento do mercado publicitário. Na década de 40 começam os primeiros esforços
para disciplinar eticamente a propaganda, surgem: o decreto Lei que consolida a propaganda
44
de médicos, cirurgiões-dentistas, parteiras, massagistas, casas de saúde e estabelecimentos
congêneres; o conselho Nacional de Imprensa (CNI) e a Associação Brasileira de Propaganda
(ABA).
Em 1951, surge a Escola Superior de Propaganda, em São Paulo, tendo no seu quadro
de professores, somente profissionais com uma vasta experiência de mercado. Calcula-se que
mais de 80% dos seus alunos foram absorvidos pelo mercado publicitário e que muitos deles
fizeram parte do altos escalões da publicidade. Durante toda a década de 50, acontece a
consolidação da comunicação de massa, a partir do pós-guerra.
Figura 5 – Propaganda da década de 50. Fonte: h2oinfo.blogspot.com.
Se a televisão daria o tom dos anos 50, o Rádio foi a tônica dos anos 30. Veja-se na
citação a tragetória do rádio e da TV.
A primeira licença para a instalação de uma emissora de rádio no Brasil, data
de1920. No entanto, a primeira estação regular, a Rádio Educadora, que
depois se transformaria em Rádio Tamoio, só vai surgir em 1927. Mas, em
1938 já haviam, na cidade de São Paulo, dez emissoras de rádio e mais 24 no
interior. A Televisão, tem a data de 1932 como a primeira experiência de
transmissão realizada no Brasil. Foi uma transmissão rudimentar feita por
Roquete Pinto que enviou imagens do centro do Rio de Janeiro para diversos
45
bairros. No entanto, a primeira emissora de televisão brasileira e de toda a
América Latina, foi a TV Tupi (Canal 4), resultado da visão inovadora de
Assis Chateubriand e inaugurada em 1950 em São Paulo. O mesmo ano em
que os Estados Unidos autorizava o funcionamento da TV em cores no seu
país (LOYOLA, 2012, p. 114).
Com tantas mudanças na sociedade brasileira, as propagandas seguem a mesma
tendência. Por causa dessas mudanças, os homens são venerados pela publicidade da época e
passam a aparecer em vários anúncios. As mulheres ficavam em casa ou saiam para fazer
compras, mas estavam sempre atualizadas do que acontecia.
A linguagem publicitária passa, então, a incorporar as liberdades e a
sensação de progresso que toda a sociedade nacional está respirando. O tom
ufanista e a tônica da modernização se fazem presentes em praticamente
todas as mensagens que a propaganda emite nessa época. A publicidade
começa a ter na sociedade o papel que exerce tão bem hoje: de espelho no
qual todos nos olhamos e onde temos uma referência aceita e comum de
quem somos, o que andamos fazendo de bom, o que é moderno e o que não
devemos perder de jeito nenhum, sob o risco de ficarmos por fora dos
avanços da história ( MARCONDES, 2001, p. 38).
A propaganda passou por uma fase de ouro quanto à originalidade e imaginação, no
final do ano de 1970 e parte dos anos de 1980. O Brasil ganhou vários prêmios em festivais
publicitários internacionais. O Conar - Conselho Nacional de Auto-Regulamentação
Publicitária, que defende até hoje os consumidores de propagandas ruins ou enganosas, foi
oficializado em 1980.
Ainda nessa década, a publicidade perdeu toda a força que havia obtido. “Os
anunciantes não possuíam verbas para investir em propaganda por causa da inflação. O setor
não soube criar alternativas para sair da decadência, por isso as agências perderam o alto
poder que conquistaram na ditadura militar” (SEVERINO, GOMES e VICENTINI, 2011, p. 5)
A conquista mais importante, nos anos 1990, foi a consolidação da internet. Nesse ano
houve turbulências no setor, por conta de medidas econômicas e políticas. A retomada do
crescimento não demorou muito, veja-se no esboço a seguir.
Com a presidência de Fernando Collor de Melo e com o congelamento dos
preços, as agências começaram a ter vários problemas financeiros, tiveram
que diminuir o quadro de funcionários e o seu desempenho foi péssimo com
pouca verba para o setor. Em 1994, Fernando Henrique Cardoso cria um
novo plano econômico para o Brasil e uma nova moeda: o real. Assim
acontece a retomada dos investimentos em propaganda e inicia-se a fase
mais importante do setor. Desde então, o Brasil é considerado a terceira
potência mundial em criação publicitária, pelos elogios que recebe dos
46
países de Primeiro Mundo e pela quantidade de prêmios que conquistou em
festivais internacionais (SEVERINO, GOMES e VICENTINI, 2011, p. 6)
Algumas propagandas brasileiras ganharam prêmios internacionais. O mais premiado
internacionalmente e que é visto como o case mais importante da história da publicidade
brasileira é o Primeiro Soutien. Outro marco da propaganda brasileira é a campanha da
Bombril, foi a primeira empresa a investir uma verba muito alta na publicidade, e mesmo com
altos índices de rejeição, o seu garoto propaganda deu tão certo que até hoje é conhecido
como garoto Bombril.
Figura 6 – Propaganda da Bombril na década de 80. Fonte: centauroalado.blogspot.com
Atualmente, a publicidade leva em conta os estudos de mercado e, segundo Severino, Gomes
e Vicentino (….), grande parte das mensagens publicitárias é sugestiva e a propaganda
ocupou o lugar da publicidade combativa. De acordo com esses autores, alguns sociólogos
dividiram em três épocas o longo caminho percorrido pela publicidade.
Na era primária, limitava-se a informar o público sobre os produtos
existentes, ao mesmo tempo em que os identificava através de uma marca.
Isto sem argumentação ou incitação à compra. Na era secundária, as técnicas
de sondagem desvendavam os gostos dos consumidores e iam orientar a
publicidade, que se tornou sugestiva. Na era terciária, baseando-se nos
estudos de mercado, na psicologia social, na sociologia e na psicanálise, a
publicidade atua sobre as motivações inconscientes do público, obrigando-o
a tomar atitudes e levando-o a determinadas ações (SEVERINO, GOMES E
VICENTINO, 2011, P. 7).
47
Na publicidade contemporânea nota-se muito mais a promoção de estilos de vida do
que a venda de produtos. Os recursos utilizados evoluiram junto com a necessidade de
promover o objeto de consumo, para além de suas qualidades próprias. Hoje, a função da
propaganda é, antes de mais nada, instigar desejos e perpetuar crenças e ideologias.
48
4 OS
COSMÉTICOS – O QUE SÃO, COMO SURGIRAM E SEU “PODER DE
TRANSFORMAR”
Os termos cosmético e cosmética tem origem do grego kosmétikos e do latim
cosmetorium, ou de Cosmus, perfumista romano famoso do século I, que fabricava vários
preparados, entre eles o cosmianum, ungüento antirrugas de grande fama.
Segundo a Câmara Técnica de Cosméticos (Catec), a definição de cosméticos no
Brasil está de acordo com a Resolução RDC nº 211, de 14 de julho de 2005: produtos de
higiene pessoal, cosméticos e perfumes são preparações constituídas por substâncias naturais
ou sintéticas, de uso externo nas diversas partes do corpo humano, pele, sistema capilar,
unhas, lábios, órgãos genitais externos, dentes e membranas mucosas da cavidade oral, com o
objetivo exclusivo ou principal de limpá-los, perfumá-los, alterar sua aparência e ou corrigir
odores corporais e ou protegê-los ou mantê-los em bom estado.
Vale ressaltar que trata-se de uma definição adotada tanto pelo Mercosul, quanto pela
União Europeia. Nessa mesma Resolução, os produtos cosméticos são classificados em dois
tipos: Produtos Grau 1: são produtos de higiene pessoal cosméticos e perfumes cuja
formulação cumpre com a definição adotada no item 1 do Anexo I desta Resolução e que se
caracterizam por possuírem propriedades básicas ou elementares, cuja comprovação não seja
inicialmente necessária e não requeiram informações detalhadas quanto ao seu modo de usar e
suas restrições de uso, devido às características intrínsecas do produto: Produtos Grau 2: são
produtos de higiene pessoal cosméticos e perfumes cuja formulação cumpre com a definição
adotada no item 1 do Anexo I desta Resolução e que possuem indicações específicas, cujas
características exigem comprovação de segurança e/ou eficácia, bem como informações e
cuidados, modo e restrições de uso.
A compreensão desse conceito leva a crer que esses produtos quase que se limitam,
ou ao menos deveriam, a, basicamente, limpar, higienizar e conservar. Acontece que, como
assinala Santos (2009), é assombroso todo o imaginário que excede o valor de uso de
qualquer cosmético. Os cosméticos, hoje, transitam entre a simples função de cuidar e o
imaginário de rejuvenescer. Além disso, há a sedução das invenções cosméticas e constantes
formulações da química, bioquímica, da medicina que permitem maior conhecimento do
corpo.
No nosso tempo, ganhou-se consciência de que o corpo petence a cada um
de nós, mas é preciso mantê-lo, preservá-lo e regenerá-lo constantemente. O
corpo é uma espécie de vitrina ou decoração que requer a utilização de
produtos de maquiagem, de higiene e limpeza. O corpo exige também
prevenção anti-envelhecimeto, a pele precisa de cuidados redobrados durante
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o verão, no inverno há quem frequente solários e em situações particulares,
recorre-se à cirurgia estética para corrigir aspectos que nos desconfortam.
Cuidados, cuidados a toda hora!(SANTOS, 2009, p. 8).
Numa sociedade em que se incorporou a cultura do narcisismo, vê-se o corpo como
algo a ser glorificado, impondo-se a ele sacrifícios em busca da perfeição estética. A indústria
cosmética, apoiada na publicidade, vem legitimar esse valor na sociedade, apostando,
principalmente, no fascínio que as imagens são capazes de produzir no imaginário. “Um
cosmético, está dito e redito, vende sempre um sonho (beleza, juventude, bem-estar físico,
estatuto, auto estima..) havendo, na comunicação publicitária pouca preocupação em motivar
os consumidores para as reais funções e aplicações destes produtos” (SANTOS 2009, p.67).
De acordo com o SEBRAE (2007), o uso de cosméticos remonta há, pelo menos, 30
mil anos. Pintar o corpo para fins ornamentais e religiosos era um hábito desde os povos
primitivos. Segundo o Conselho Regional de Química – IV Região, esses povos usavam para
isso terra, cascas de árvores, seiva de folhas esmagadas e orvalho. Na Antiguidade, placas de
argila encontradas em escavações arqueológicas na Mesopotâmia trazem instruções sobre
asseio corporal, já mostrando a importância dada à higiene.
Os primeiros registros do uso de cosméticos estão no Egito, apesar de muitos desses
produtos terem se originado na Ásia. De acordo com o Conselho Regional de Química (CRC–
IV região), “Os antigos egípcios […] usavam extratos vegetais, como a henna. Eles tinham
caixas de toalete para guardar seus cosméticos, e enterravam os faraós junto com seus cremes
e poções de beleza”. Isso demonstra o quão arraigados são os valores que sustentam a cultura
do culto à beleza e fomentam a indústria cosmética.
Durante o Império Romano, um médico grego chamado Galeno de Pérgamo
(129 a 199 d.C.) desenvolveu um precursor dos modernos cremes para a pele
a partir da mistura de cera de abelha, óleo de oliva e água de rosas. Galeno
deu o nome de Unguentum Refrigerans a seu produto, na verdade um cold
cream. O creme se funde em contato com a pele, liberando a fase interna
aquosa, o que produz uma sensação refrescante. A mesma fórmula ainda é
utilizada atualmente nas emulsões de água em óleo(CRQ, 2011).
Interessante notar que se trata de um cosmético que parece ter sido aperfeiçoado ao
longo do tempo. É encontrado nas prateleiras, hoje, para o consumo, em uma sociedade tão
vaidosa quanto a do Império Romano. O que pode diferenciar essas duas épocas pode ser
justamente a liberdade de uso desses produtos, uma vez que, como descreve o Conselho
Regional de Química (CRQ-IV região), os cosméticos foram proibidos na Idade Média, um
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período em que o rigor religioso do cristianismo reprimiu o culto à higiene e a exaltação da
beleza, ensinando que os males do corpo só poderiam ser curados com a intervenção divina.
Por conta de tanta repressão, no que se denominou de Idade das Trevas, na Europa, o
uso de cosméticos desapareceu completamente. As Cruzadas devolveram a este período
alguns costumes do culto à beleza.
Os cruzados traziam do oriente cosméticos e perfumes. Além disso, no início
do período medieval a ocupação árabe na Península Ibérica fez com que
certos hábitos de higiene fossem mantidos em cidades como Córdoba,
Sevilha e Granada por questões religiosas: casas de banho, redes de esgoto e
a limpeza pública continuaram a existir em alguns lugares por conta da
religião dos muçulmanos (CRQ-IV Região, 2011).
Com o descobrimento da América e o Renascimento, no século XV, inícia-se uma
nova era, a Idade Moderna. “O Humanismo, que coloca o homem como centro do universo, e
o retorno aos valores da antiguidade clássica preconizado pelo Renascimento, trazem de volta
a busca pela beleza […]. A religiosidade perdia força, e os pintores mostravam as mulheres
saudáveis e belas”. Uma das maiores e mais importantes obras de arte, A Mona Lisa, de
Leonardo da Vinci, aparece sem sobrancelhas, face ampla e alva, com tez suave e delicada.
Personagens bíblicos são retratados mostrando a beleza em sua plenitude
Para clarear a pele, as mulheres europeias, inclusive a Rainha Elizabeth I, da
Inglaterra, usavam uma grande variedade de produtos, incluindo tinta branca à base de
chumbo, no rosto. Um estilo que foi popularizado e conhecido como Máscara da Juventude.
Mais tarde, o arsênico passa a ser empregado como pó facial em substituição ao chumbo.
Nesse momento, Itália e França despontam como grandes centros produtores de cosméticos,
que são usados apenas pela aristocracia europeia por conta do alto preço.
Também nessa época torna-se popular o uso dos cabelos louros, considerados
angelicais, e o perfume ganha força, porque os europeus são aconselhados pelos médicos a
tomar apenas um ou dois banhos por ano. Para o clareamento dos cabelos, era utilizada uma
mistura de enxofre negro com alume e mel, e expostos ao sol. Os perfumes são criados para
mascarar o forte odor corporal. A perfumaria ganha força na França e adquire grande
importância para a economia francesa desde o reinado de Luiz XIV (1638-1715) utilizando
ingredientes naturais. Sobre esse, que é um dos cosméticos mais comuns e acessíveis,
segundo o Conselho Regional de Farmácia de São Paulo (CRF-SP), acrescenta-se:
O grande salto dos perfumes só aconteceu quando o italiano Giovanni Maria
Farina, em 1725, estabeleceu-se em Colônia, na Alemanha, e criou a mais
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antiga perfumaria do mundo. Lá desenvolveu o perfume que chamou de Eau
de Cologne em homenagem à cidade que o acolhera. O perfume de Farina se
tornou o preferido das casas reais europeias do século XVIII, foi copiado
mundo afora, e a denominação água de colônia virou sinônimo de perfume a
partir daí (CRF- SP, 2013, p. 13).
A indústria de cosméticos é impulsionada pelas inovações técnicas do setor químico.
Em Paris, por exemplo, lojas vendiam cosméticos, depilatórios, pomadas, azeites, águas
aromáticas, sabonetes e outros artigos de beleza. Mas uma nova onda de restrições ao
embelezamento iria acontecer na Europa. Na Inglaterra do século XVI, o Puritanismo,
liderado por Oliver Cromwell (1599-1658), provocou um período de obscurantismo, durante
o qual o uso de cosméticos e perfumes foi banido. Em 1770, o parlamento inglês, para
restringir o uso de cosméticos, editou um ato que estabelecia o seguinte:
Qualquer mulher que... se imponha, seduza e atraia ao matrimônio qualquer
um dos súditos de Sua Majestade por utilizar pinturas, perfumes, cosméticos,
produtos de limpeza, dentes artificiais, cabelos falsos, espartilho de ferro,
sapatos de saltos altos, enchimento nos quadris, irá incorrer nas penalidades
previstas pela Lei contra a bruxaria e o casamento será considerado nulo e
sem validade ( CRQ-IV REGIÃO, 2011).
No final do século XVIII, o uso de cosméticos ficou fora de moda. No século XIX, já
na Idade Contemporânea, ocorreu o seu retorno, quando cosmético não mais era associado à
bruxaria e os produtos desse gênero eram vistos com os seus reais propósitos. Desde então, as
mulheres passaram a manipular seus produtos com ingredientes naturais, em suas próprias
casas até o surgimento dos industrializados.
Donas de casa, então, começaram a fabricá-los em suas próprias residências
e entre os ingredientes utilizados incluíam-se sopas, limonadas, leite, água de
rosas, creme de pepino, e outros elementos que constituíam receitas
exclusivas de cada família. As indústrias de cosméticos surgiram no início
do século XX, em função da necessidade de as mulheres comprarem
produtos prontos, pois muitas delas já trabalhavam fora de casa (SEBRAE,
2007, p. 8).
E, mais recentemente, percebe-se que é justamene essa a razão de um crescimento
acelerado no consumo de cosméticos. Segundo a Associação Brasileira da Indústria de Higiene
Pessoal, Perfumaria e Cosméticos – ABHIPEC, o segmento de beleza vem crescendo
incessantemente no Brasil. Essa ascensão é consequência do aumento do seu público-alvo.
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Somos um país com mais mulheres e essas mulheres estão se tornando mais
independentes devido sua inserção no mercado de trabalho. Essa ‘nova’ mulher
que se insere na sociedade de forma tão contundente deverá ser a locomotiva que
puxará o crescimento deste setor na próxima década (ABHIPEC, 2014).
Voltando ao percurso histórico, a liberação da mulher foi o fator fundamental para o
sucesso dos cosméticos prontos e, no século XIX, os principais marcos da preparação de
bases para cremes incluem a introdução da lanolina purificada por Liebreich e da vaselina por
Cheseborough em 1870. Indústrias começaram a fabricar as matérias-primas para a produção
de cosméticos e produtos de higiene nos Estados Unidos, como a Colgate, na França, Japão,
Inglaterra e Alemanha.
Paralelamente a esse progresso tecnológico, os conhecimentos científicos contribuíram
decisivamente para o desenvolvimento de numerosas fórmulas de preparações mais eficientes
e seguras. Os salões de beleza ganham popularidade, mas, fato muito curioso,
muitas
mulheres preferem entrar pela porta dos fundos para não sugerir que precisem de ajuda para
parecer mais jovens.
Vê-se que a angustia de egos destruídos por não atender aos padrões pré-estabelecidos
não é de hoje. A ânsia de recuperar o “paraíso perdido”e um corpo modelado faz parte do
sonho da humanidade. Como frisa Santos (2009, p. 26), “as rugas e outros sinais de
envelhecimento podem afetar a auto-estima. Numa sociedade obcecada pelo culto da beleza e
da juvende, serão poucos os que não se importam de ver aparecer e multiplicar os sinais da
idade”.
Um dos ítens mais desejados pelo público feminino, a maquiagem, passa a acompanhar de
perto as cores da alta costura, nas últimas décadas do século XX. Os consumidores tornam-se cada
vez mais exigentes: querem ressaltar sua beleza natural com fórmulas mais leves e obter resultados
mais rápidos. É um momento em que, segundo Lipovetsky (2009), em toda parte, impõe-se a
lógica da diversificação e da estilização dos modelos.
Iniciativa e independência do fabricante na elaboração das mercadorias, variação
regular e rápida das formas, multiplicação dos modelos e séries – esses três
grandes princípios inaugurados pela Alta costura não são mais apanágio do luxo
do vestuário, são o próprio núcleo das indústrias de consumo. A ordem
burocrático-estética comanda a economiado consumo agora reorganizada pela
sedução e pelo desuso acelerado. A indústria leve é uma indústria estruturada
com a moda (LIPOVETSKY, 2009, p. 184).
Outro cosmético que ganha grande importância nessa época é o protetor solar, para
prevenir os danos provocados pelo excesso de sol. Novas fórmulas vão se desenvolvendo e o
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produto vai se tornando cada vez mais eficiente. Os resultados e benefícios dos cremes e loções,
que antes levavam um mês, passaram a aparecer em até 24 horas. Com novas formulações, os
cosméticos que apenas cobriam as imperfeições, passaram também a controlar rugas e esconder as
marcas do tempo. Em 1990 surgem cremes específicos, e caros, para a celulite e é também o tempo
dos auto-bronzeadores.
Assim, pode-se inferir que uma maior consciência do corpo despertou também para a
necessidade de sua preservação e regeneração. Isso impulsionou o auto-cuidado, aumentando o
consumo de produtos de higiene e consolidando linhas de cosméticos. Sobre isso, seguem as
considerações de Santos (2009).
[…] nos anos de 1990, o corpo, além de ser sinônimo de performance, passou a
ser um espelho da vida pessoal, profissional e social, ou seja, passou a ser
encarado como uma vitrina destinada a comunicar a nossa imagem aos outros. É
um corpo higiênico, sedutor, mercadoria, símbolo de sucesso e saúde (SANTOS,
2009, p. 16).
De acordo com o Conselho Regional de Química, em 1995, a nanotecnologia, uma das
maiores revoluções do século XX, entra pela primeira vez na fórmula dos cosméticos. A Lancôme
lança um creme facial com nanocápsulas de vitamina E para combater o envelhecimento, com uma
fórmula desenvolvida e patenteada pela Universidade de Paris. A partir de então, as maiores
empresas mundiais de cosméticos começam a investir em pesquisa e desenvolvimento de diversas
linhas de produtos que utilizam a nanotecnologia.
Um nanocosmético pode ser definido como sendo uma formulação cosmética
que veicula ativos ou outros ingredientes nanoestruturados com propriedades
superiores em sua performance em comparação com produtos convencionais.
[…]. Os nanocosméticos têm várias vantagens sobre os cosméticos
convencionais, como melhor penetração nas camadas mais internas da pele onde
os ativos são mais necessários, e uma distribuição mais homogênea das
substâncias. Por exemplo, formulações de protetores solares com TiO2
nanoparticulado prometem tornar esses produtos mais eficientes ( CRQ – IV
Região, 2011)
A imagem utilizada pela publicidade de cosméticos já vinculou a beleza e perfeição estética
a sucesso e poder. “Celebridades, esportistas, atrizes e modelos lançam suas próprias linhas de
cosméticos para ousar em relação a cores e tons de maquiagens” CRQ (2011). É muito comum ver
linhas de cosméticos assinadas por celebridades, no mercado, hoje. É o caso de marcas como
Chakira, Carolina Herrera, Gabriela Sabatine, Juliana Paes, Antônio Banderas e muitos outros. Não
é raro, apreciando aqui especialmente as propagandas de cosméticos para mulheres, que uma
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simples tintura de cabelo ou um creme para as mãos sejam anunciados por garotas propagandas
jovens, famosas, bem sucedidas. Sobre essa questão, observa-se na citação seguinte:
Os anúncios e campanhas publicitárias dirigidas ao público feminino são
centrados no sucesso, na vaidade e na aparência. […] o testemuno de mulheres
belas e famosas dá credibilidade ao produto e desperta o desejo de identificação
da mulher-consumidora com a estrela insinuante que ela gostaria de ser
(CARVALHO, 1998, p. 24-25).
Nos anos 90, uma outra tendência foi o fortalecimento de linhas de cosméticos feitos com
ingredientes naturais. Castanha do pará, guaraná e andiroba, ganham espaço na preferência dos
consumidores por produtos como cremes, xampus e perfumaria. “Mais uma vez o trabalho dos
químicos é importante para obtenção dos extratos puros das plantas, de proteínas a baixo custo e
criação de novos sistemas de transferência de ativos” CRQ –IV Região (2011).
Com o envelhecimento da população, no século XXI, a tendência de as pessoas quererem
parecer mais jovens faz com que os cremes anti-idade ganhem importância. Sobre esse fato, Santos
(2007, p.57) faz uma constatação: “[…] é impressionante o arsenal de técnicas anti-idade proposto
pelos industriais da cosmética, a que se juntam os especialistas da cirurgia, os dermatologistas,
[…]”. De acordo com a Associação Brasileira de Cosmetologia – ABC ( 2013), as enzimas são um
fenômeno da atualidade na produção de cremes para renovar a pele, substituindo os alfahidroxiácidos. Além disso conta-se,
hoje,
com outros procedimentos como as cirurgias
cosméticas e outros tratamentos como implantes de colágeno e injeções de botox para reduzir
rugas e marcas de expressão.
Sobre a oferta de tratamentos que apregoam efeitos anti-idade, anti-rugas, Santos (2009)
alerta quanto a linguagem usada na publicidade desses produtos, citando:
O panorama é animador em termos de dinâmica de mercado, se bem que se
retome aqui um conjunto de perguntas que há muito aguaram resposta: como
impedir a exploração da credulidade face aos produtos milagrosos, àqueles que
são medicamentos, mas não estão reconhecidos enquanto tal? aos alimentos que
prometem saúde ou os cosméticos que prometem a juventude irrecuperável?
Convém nunca esquecer que quem vende cosméticos, também vende sonhos
(SANTOS, 2009, p. 20).
À maquiagem, um dos produtos mais associados ao paradgma do culto da forma, e ao
poder de sedução, é dado o estatuto de transformadora da beleza. Não é à toa que muitos
programas de TV investem em quadros como “o antes e depois” da maquiagem, produzindo
verdadeiras obras de arte por profissionais que ganham cada vez mais fama, no mercado da moda.
De aordo com a ABIHPEC (2013 ), o uso de matéria-prima mineral na maquiagem ganhou
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força com o aprofundamento das pesquisas e a exploração das propriedades presentes nas argilas,
nos óxidos, dióxidos, micas, malaquitas, no magnésio e até em pedras semipreciosas, como a
ametista, a safira e a turmalina.
Antes da consolidação da indústria cosmética, as mulheres colocavam a saúde
em risco a cada aplicação de cosméticos e artigos de maquiagem artesanais.
Felizmente, a produção de cosméticos e maquiagens evoluiu muito desde o uso
desses recursos nocivos à saúde. Porém, apesar de décadas de estudos e testes de
segurança nas indústrias, a maquiagem ainda é um produto químico aplicado
diretamente no rosto e, como tal, merece cuidados. As mulheres que não
dispensam a maquiagem devem ficar atentas a alguns detalhes para que esse
ritual de beleza não prejudique a saúde (PORTAL UNIMED, CARTILHA DE
MAQUIAGEM, 2013).
Assim, a indústria e a tecnologia, apesar dos avanços, ainda não são capazes de oferecer
produtos totalmente sem riscos à saúde da pele. Portanto a maquiagem e todos os outros produtos
cosméticos aos quais, principalmente o público feminino, recorre em busca da beleza, da juventude
e perfeição estética representam um sacríficio, pois é um risco à saúde. O uso de esmaltes e batons
em seus variados tons e de cremes e xampus com longa duração pode ter consequências
desagradáveis. Segundo o Jornal da UNICAMP (2013), pesquisadores do laboratório Innovare de
Biomarcadores, da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da UNICAMP apontaram para a
existência de cosméticos com substâncias alérgenas ou até potencialmente cancerígenas.
Todas essas consideraçãoes são válidas no estudo ora proposto. Se o consumo de
cosmético é cada vez maior, apesar dos riscos, há um discurso cada vez mais elaborado, capaz de
seduzir o consumidor-mulher. É justamente o discurso da mídia, expandindo-se cada vez mais, se
utiliza do recurso da sedução, apela mais pelos artifícios e magia de que sugere e menos pela
realidade. Sobre essa sedução, Giles Lipovetsky, em “O império do efêmero”, assim se refere:
A sedução funciona cada vez menos pela solicitude, pela atenção calorosa, pela
gratificação, e cada vez mais pelo lúdico, pela teatralidade hollywoodiana, pela
gratuidade superlativa […]. Acreditou-se demasiadamente que a essência da
publicidade residia em seu poder de destilar calor comunicativo, que conseguia
conquistar-nos por sua instância material cheia de cuidados por nós
(LIPOVETSKY, 2009, p. 217-218).
As imposições culturais quanto ao ideal de beleza encontram ecos na indústria de
cosméticos e em sua publicidade. É uma convergência capaz de moldar hábitos e faz inverter
valores. O que conduz a um indivíduo muito mais preocupado em exibir signos exteriores do que
em realizar seu ego. Para Palacoios (…), “A busca pela compreensão, ou pelo conhecimento da
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interioridade do corpo, constitui-se em um processo interminável. Todas as ções destinadas a
conhecer, a fortalecer e a embelezar o corpo carregam em si próprias uma parte de impotência e de
risco”.
O consumo de cosméticos nas sociedades atuais parecem ter levado produtos como xampu,
hidratantes corporais, cremes faciais, maquiagens a um estatuto de gêneros de primeira
necessidade. Palacios (2012) constata que em se tratando especificamente de produtos cosméticos,
há uma intenção por parte do discurso publicitário, não apenas de difundir, mas também isntituí-lo
como um padrão de uso. O uso de cosméticos, especialmente pelo consumidor mulher, tem sido
obrigatório, visto sua divulgação comparada à própria necessidade de alimentação.
Essa indução à compra e consumo diário de cosméticos leva a indústria do setor a dados
sempre favoráveis. O Brasil, segundo a Abihpec, é o terceiro maior mercado consumidor no
mundo. “A indústria de comésticos não conhece o regime layoff, férias coletivas ou capacidade
ociosa. Enquanto a maioria da indústria se esforça para terminar o ano no azul, uma fábrica de
cosméticos na capital paulista cresceu 27% só no primeiro semestre” (ABHIPEC, 2014).
O discurso publicitário, a partir de recursos imagéticos e verbais, reproduz padrões
socioculturais presentificados na prática diária de cuidados com o corpo. Esse discurso revela que,
por traz da orientação de cuidados com a saúde e bem-estar, institui-se a preocupação estética,
levando ao incremento e sofisticação, cada vez maior, desses produtos. O diretor técnico da
Grendha Professional Care, Celso Martins Junior, confirma: "Investimos em máquinas novas, em
muito equipamento de laboratório e a proposta desse investimento era, de fato, aumentar a nossa
capacidade de produtividade e impulsionar o crescimento das marcas que contemplam toda a nossa
empresa".
Há um imperativo da beleza no Brasil, atestado, também, por esse crescimento acelerado
do setor, que tanto investe em capacidade de produção. Esse imperativo está atrelado à exaltação
da sensualidade. Ou seja, a beleza tão pretendida passa pela modelação do corpo, e o que se vê nos
comerciais são imagens associadas ao erótico, busca-se o corpo sexualmente desejável. O filósofo
francês Gilles Lipovetsky, falando sobre luxo e consumo, refere-se ao Brasil como “vitrine do
status sensual” e considera que a questão da sensualidade está muito arraigada na cultura brasileira.
Há uma valorização da aparência no Brasil. Na citação seguinte, este filósofo declara:
Faço muitas conferências sobre a beleza e, no Brasil, as mulheres vêm me falar
que, com 40 anos, estão velhas. A exigência de parecer jovem se tornou algo
importante. Antes o importante era mostrar que era rico, agora é parecer jovial.
Nos EUA e na Europa as mulheres já gastam mais com hidratação, ou com botox
e cirurgias estéticas, do que com produtos de maquiagem. No Brasil você vê
mulheres com cabelo branco (risos)? A cultura brasileira ensina que as mulheres
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precisam esconder a idade tingindo os cabelos. Alguns estudiosos dizem que esse
fenômeno é uma tirania e não vai durar; vamos ter de aceitar nossa idade. Não
acredito nisso, essa é a cultura moderna. Não acredito que vamos recuar com a
cultura da juventude. Penso que um dia teremos técnicas muito mais avançadas
para nos manter sempre jovens (LIPOVETSKY, 2012).
Junte-se a isso uma projeção para 2020 de que o dinheiro movimentado pelo setor de
cosméticos e cuidados pessoais no Brasil vai mais que dobrar, e é possível pesar no poder de
dominação sociocultural e ideológico. A cultura do culto ao corpo vai além da necessidade da
impressionar pela beleza, ela se estende à concepção da beleza e da juventude como garantia de
felicidade.
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5 A MULHER, SEU ESPAÇO: DE CASA À PROPAGANDA DE COSMÉTICOS
5.1 COMO ERA NO PRINCÍPIO
A maneira como a mulher é representada na mídia e em outros espaços sociais, hoje, é
resultado das relações socioculturais historicamente perpetuadas. O discurso sobre a mulher
contemporânea, tendo em vista a discussão ora proposta, tem sido construído e utilizado pela mídia
a partir da realidade. É um discurso determinado ideologicamente, fruto das transformações
ocorridas na sociedade.
Para a análise desenvolvida nesse trabalho é importante considerar que as diferenças
sexuais sempre foram valorizadas ao longo dos séculos pelos mais diferentes povos em todo o
mundo. A figura feminina, em algumas culturas, como a ocidental, sempre foi associada ao pecado
e à corrupção do homem. A mulher foi também associada à ideia de fragilidade e posta em
situação de total dependência da figura masculina, dando origem a uma cultura patriarcalista e
machista. Com o ritual do matrimônio, a mulher ganhou ainda o papel de mãe, e, interessante
notar, na cerimônia do casamento, ela “passa das mãos do pai para as do noivo”.
Nesse contexto, não era de se esperar que características como inteligência, criatividade,
coragem fossem definidoras da mulher e que simbolizassem seu papel. Mas, o estilo de vida de
milhares de mulheres no mundo todo tem sido afetado por mudanças no universo feminino. Além
disso, a postura dessa figura feminina perante a sociedade e seus posicionamentos em relação a
assuntos como maternidade, trabalho, sexo, fidelidade fizeram com que esta saísse da obscuridade
de uma sociedade patriarcal e buscasse alcançar seus objetivos.
Vale ressaltar, a imagem da mulher, refererida nesse trabalho, não quer dizer
necessariamente a imagem física veiculada pelo anúncio. Trata-se da imagem da mulher construída
pelos sujeitos sociais explicitada simbolicamente através de recursos da publicidade. Edson
Gastaldo, discutindo publicidade e sociedade numa perspectiva antropológica, conclui:
A par de sua inegável influência no campo social – ainda que devidamente
relativisada – o discurso publiciário também é por sua vez influenciado pela
sociedade a que se destina. Além de fornecer a “matéria-prima” cultural de que é
feito o mundo representado nos anúncios, o campo social também influencia o
campo discursivo publicitário sob a forma de “resultados”, […] (GASTALDO,
2013, p. 76).
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Quando surgiram as primeiras peças publicitárias ilustradas, em 1875, eram
produzidas em litogravura. Dos produtos anunciados, eram os fortificantes e elixires que
dialogavam com as donas de casa, prometendo-lhes vigor e bem-estar.
Figura 7 – Propaganda de elixir da década de 1880. Fonte: divando.pop.com.br.
Exibindo fotografias de mulheres ou não, a propaganda dirige-se à figura feminina como
dona-de-casa, mãe, cuidadora dos filhos, submissa ao marido e feliz com os afazeres de limpeza e
organização.
No final do século XIX e início do século XX, A figura feminina já começa a ser
reproduzida nos cartazes anunciando serviços e produtos. Porém, ainda envolta em discursos
que lhe aproximavam muito mais da vida doméstica do que da necessidade do cuidado de si e
da aparência. A mulher era mostrada utilizando novos eletrodomésticos, como aspirador de
pó, geladeira e a televisão em cores. Isso enfatizava a função e o benefício que esses
aparelhos traziam para a vida das donas-de-casa. O mercado e, claro, a publicidade vê a
mulher como a consumidora oficial. Como destaca Carvalho, 1998, p. 23.
A sociedade de consumo identifica e reforça o papel feminino que vem se
desenvolvendo historicamente a partir da organização patriarcal da
sociedade: o de sustentáculo interno da estrutura familiar. Nesse sentido, a
mulher desempenha a função de protetora/provedora das necessidades da
família e da casa, constituindo a própria imagem da domesticidade ( de
domus, “casa”).
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Assim, a publicidade influencia hábitos, quando concentra na mulher a imgem de
consumidora. Baseando-se mais no sonho e no que está no íntimo das pessoas, a indústria da
publicidade dirige à mulher um discurso que a trata como dona-de-casa, pois essa era a ideia
que ela fazia de si mesma.
Na década de 50, marcada pela construção de uma economia moderna e pela urbanização,
alguns padrões culturais foram modificados. Com a chegada de novas tecnologias, vindas do
exterior, tudo passou a ser elétrico: o ferro que substituiu o ferro à carvão, o fogão que
substituiu o fogo a lenha, o chuveiro, o liquidificador, a batedeira, a máquina de lavar roupa.
Com isso, as tarefas domésticas foram facilitadas e as mulheres tiveram mais tempo para
outros afazeres, cuidar da estética ou até mesmo trabalhar fora de casa.
Figura 8 – Propaganda de eletrodomésticos, final do século XIX. Fonte: www.propagandashistoricas.com.br
A mulher, então, chega ao mercado de trabalho. Os anúncios de produtos de beleza
são mais frequêntes e exibiam atrizes e moças jovens e lindas, enfatizando o efeito do produto
e a busca da beleza perfeita. Com mais oportunidades de emprego, a mulher buscou
qualificação e precisou de maior escolaridade. O status social da mulher começa a mudar, o
cuidado de si passa a ser uma preocupação. A busca pela beleza é estimulada pela TV. Sobre
a beleza nessa época, veja-se a citação.
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Dois estilos de beleza feminina marcaram a década de 50 em todo o mundo:
o das ingênuas chiques, que se caracterizava pela naturalidade e jovialidade,
encarnado no cinema por Grace Kelly e Audrey Hepburn, e fatal, como das
pin-ups americanas, loiras e com seios fartos. Entretanto, os grandes
símbolos mundiais de beleza na década de 50 foram Marilyn Monroe e
Brigitte Bardot, que eram a mistura dos dois estilos (DUBY; PERROT,
1990, p.110).
Entre os cosméticos mais anunciados na década de 50, destacam-se os produtos de
maquiagem. A mulher exposta nas propagandas retratavam a moda daquela época, usando
vestidos rodados, estampas florais, poá, casacos de pele, sapatos de boneca, acessórios de
pérolas, cabelos presos em coques ou penteados, e claro, maquiagem sempre. Além de ser
excelente dona de casa, mãe, esposa, a mulher deveria estar sempre impecavelmente linda e
maquiada, ser um exemplo de beleza.
Com a ascensão dos meios de comunicação de massa interligando as pessoas, temas
como diferenças sexuais entre homens e mulheres, casamento, a mulher no mercado de
trabalho e modelos de comportamento passam a ser discutidos. A partir daí, começam a
aparecer os movimentos femininos. A imagem da mulher começa a mudar em consequência
das ideias feministas, reforçadas com a ajuda da TV, do cinema, do rádio e das revistas
femininas.
Com esses meios de comunicação inseridos na sociedade, impondo estilos de
vida e explorando a sexualidade, as mulheres mais ousadas começaram a
fumar, ler coisas supostamente proibidas, investir no futuro profissional,
discordar dos pais e maridos e a contestar secreta ou abertamente a moral
sexual (DEL PRIORE, 1997).
O discurso publicitário, apontando novas tendências quanto ao papel social da mulher
e refletindo sua emancipação, muda sua elaboração visual e verbal. Cosméticos mais
modernos são apresentados em peças mais ousadas. A figura feminina é exposta de modo a
insinuar mais sensualidade. Em propagandas de produtos como cremes e maquiagem,
imagens de atrizes de sucesso como Elizabeth Taylor surgem como exemplo de charme e
beleza.
62
Figura 9 – Propaganda de maquiagem da década de 1960. Fonte: www.viverbarato.com
A escolha da garota propaganda deve corresponder, para a publicidade, ao ideal de
glamour e beleza almejado pelo sujeito consumidor, a mulher. Vale ressaltar que esse formato
em que se retrata a mulher na publicidade enfatiza também desejo e erotismo, o que reforça
uma posição passiva diante do olhar masculino. Para Bourdieu (1999), “... elas existem primeiro
pelo e para, o olhar dos outros, ou seja, enquanto objetos receptivos, atraentes e disponíveis.”
Sobre esse aspecto, Boris e Cesídio destacam.
A representação do corpo feminino pode ter mudado em alguns aspectos
desde a época do sistema patriarcal até os dias de hoje, mas o fato de o corpo
da mulher ainda ser considerado um mero objeto de desejo do homem ainda
é pertinente em alguns momentos, pois, algumas vezes, a mulher precisa da
aprovação do homem para se sentir satisfeita, e a mídia se aproveita para
favorecer o consumo, por exemplo, através de um elogio, tomando como
ideal o tipo de corpo preferido pelos homens, o tipo de roupa que a torne
mais sensual, o modelo de mãe e de esposa atenciosa e presente à família e
de profissional inteligente e bem-sucedida (BORIS; CESÍDIO, 2007).
Os cosméticos voltam às prateleiras, e o cuidado estético marca a década de 50. O
glamour é tema de grande importância entre as mulheres da época, elas se preocupavam em
marcar a silhueta e ressaltar os traços do olhar com maquiagens.
A maquiagem estava na moda e valorizava o olhar, o que levou a uma
infinidade de lançamentos de produtos para os olhos, um verdadeiro arsenal
composto por sombras, rímel, lápis para os olhos e sobrancelhas, além do
indispensável delineador. A maquiagem realçava a intensidade dos lábios e a
palidez da pele, que devia ser perfeita. Grandes empresas, como a Revlon,
Helena Rubinstein, Elizabeth Arden e Estée Lauder, gastavam muito em
publicidade, era a explosão dos cosméticos. Na Europa, surgiram a
63
Biotherm, em 1952 e a Clarins, em 1954, lançando produtos feitos a base de
plantas, que se tornaria uma tendência a partir daí. (GARCIA, 2010)
Os anos 60, acima de tudo, viveram uma explosão de juventude em todos os aspectos.
Era a vez dos jovens, que influenciados pelas idéias de liberdade "On the Road" (título do
livro do beatnik Jack Keurouac, de 1957) da chamada geração beat, começavam a se opor à
sociedade de consumo vigente. O movimento, que nos 50 vivia recluso em bares nos EUA,
passou a caminhar pelas ruas nos anos 60 e influenciaria novas mudanças de comportamento
jovem, como a contracultura e o pacifismo do final da década.
Nesse momento, as ideias de liberdade influenciaram novas mudanças de
comportamento jovem. A sociedade de consumo vigente começa a ganhar outra cara. As
conquistas decorrentes do movimento feminista refletem na comunicação publicitária, que
tende a se adaptar cada vez mais ao novos modelos de comportamento feminino. Produtos
eram criados especificamente para jovens que, como sinal de liberdade, criavam sua própria
moda. Os cosméticos que se destacam são, ainda, os produtos de maquiagem, como se vê na
citação.
A maquiagem era essencial e feita especialmente para o público jovem. O
foco estava nos olhos, sempre muito marcados. Os batons eram clarinhos ou
mesmo brancos e os produtos preferidos deviam ser práticos e fáceis de usar.
Nessa área, Mary Quant inovou ao criar novos modelos de embalagens, com
caixas e estojos pretos, que vinham com lápis, pó, batom e pincel. Ela usou
nomes divertidos para seus produtos, como o "Come Clean Cleanser",
sempre com o logotipo de margarida, sua marca registrada (GARCIA, 2010).
Na década de 70, houve um aumento significativo na participação da mulher como
profissional no mercado de trabalho. Isso porque ela também passou a ferquentar todos os
níveis de ensino. Apesar dessas conquistas, a utilização da imagem da mulher pela
publicidade revelava uma insistência em seu papel como dona-de-casa ou símbolo sexual.
Nos anos 80, houve avanços técnicos na publicidade, um dinamismo maior na
utilização de recursos visuais e o surgimento de produtos evidenciando a liberação da figura
feminina.
64
Figura 10 – Propaganda de maquiagem da década de 1980. Fonte: ateliedefigurinos.blogspot.com
As propagandas divulgavam uma mulher que, mesmo com todos os
afazeres
domésticos e o trabalho fora do lar, se sentia feliz em receber elogios e sorrisos dos filhos e
maridos. Pode-se ver que não há nenhuma inovação na apresentação da mulher nesse período.
Diante dessas mudanças do corpo da mulher, vale ressaltar que ainda há, na
sociedade brasileira, traços pertinentes à cultura conservadora - o patriarcado
- na qual o homem é o chefe, cercado pela família, exercendo sua autoridade
preponderante e a mulher cumprindo a função de dona-de-casa e de mãe,
apesar de ter havido uma maior conscientização dela com relação à sua
independência (BORIS; CESÍDIO, 2007)
Apesar de nessas décadas a práticas do consumo dos produtos cosméticos terem se
intensificado, a preocupação com a aparência dividia a atenção feminina com o papel de mãe
e dona-de-casa. Mas as práticas de beleza, com o uso de cosméticos, principalmente,
marcarão o final do século XX.
A obsessão com a perfeição estética e a conservação da juventude passam a ser preocupação
primeira, potencializada pela cultura de consumo. Acrescenta-se a isso uma maior liberdade
sexual, impondo o erotismo e culto ao corpo escultural. O corpo da mulher passa a ser
explorado, mais que nunca, como objeto sexual, no discurso da mídia.
[…] o corpo da mulher passou a atrair interesses econômicos de grandes
empresas, que investem na moda e nas propagandas publicitárias, passando a
65
ser exigido como uma marca de feminilidade. Foi a partir, principalmente,
das décadas de 1950 e de 1960, que as estratégias do mercado, como forma
de atrair os consumidores, se basearam na insaciabilidade do desejo de
consumir, ou seja, os indivíduos passaram a consumir bens
independentemente de seu valor de uso, […]. Sendo a cultura um espaço de
desenvolvimento e de socialização do indivíduo, expressa um conjunto de
valores, de símbolos, de atitudes, de modos de sentir e de ser, de
comportamentos e de formas de organizar os processos que caracterizam o
mundo interno e as relações interpessoais. Ela determina o modo de viver do
ser humano (BORIS; CESÍDIO, 2007).
Em busca de prazer, o corpo feminino sofreu limites impostos por uma sociedade
patriarcal. Depois, além de esse corpo produzir força de trabalho, foi se adequando aos
interesses capitalistas. No final do século XX, novos padrões de comportamento começam a
ser ditados. A mídia, principalmente através da propaganda, utiliza o corpo feminino para
vender produtos e também para fazê-las consumir.
Figura 11 – Propaganda da década de 1990. Fonte: www.fredcunhanews.com
O final do século XX é marcado pelo surgimento de novas mídias, pela invenção do
sistema de TV a cabo e crescimento das audiências. Na relação do campo publicitário com a
representação da mulher houve uma transformação. As empresas começaram a focar seus
produtos na mulher, pois sua entrada no mercado de trabalho possibilitou maior participação
no poder econômico. Assim, as propagandas foram se adequando aos novos papéis femininos.
Nos anos 90, novas tendências na representação do feminino começam a ser mostradas
pela publicidade. Há um investimento no espetáculo, a sedução e a surpresa passam a ser mais
66
utilizados pela publicidade. Nessa década, a mulher passa a ser vista em várias funções além
de apenas como dona-de-casa. No entanto, de acordo com Garboggini, “os apelos tradicionais
continuam ao lado de novas abordagens dos diversos tipos de funções femininas solicitadas
na publicidade nos períodos anteriores” (GARBOGGINI, 2003, p.155).
A publicidade enquanto expressão simbólica reproduz no seu discurso uma imagem de
mulher como a sociedade lhe define, considerando uma série de transformações histórico-sociais.
Os anúncios publicitários buscam refletir as conquistas femininas como liberdade pessoal,
profissional e financeira.
As mulheres romperam barreiras, com a liberdade conquistada pelo movimento
feminista. Elas assumiram cargos importantes e mostraram que sua capacidade pode ser
equiparada às dos homens. Mas será que na busca de alcançar postos de controle de situação,
elas conseguem manter o contato com a família e com sua própria sensibilidade e
feminilidade?
5.2 A mulher da propaganda – será ela mesma?
Ao longo dos anos, as conquistas femininas, são evidenciadas em anúncios
publicitários. A propaganda serve, assim de testemunha de um processo de transformação da
subjetividade feminina. Mas o resultado disso é uma submissão a padrões estéticos impostos
pela ditadura da beleza e do consumismo. Para Boris e Cesídio:
O corpo, nos dias atuais, é pouco dotado de espontaneidade, de naturalidade
e de erotismo, pois foi condicionado, ou seja, regulado pelos interesses da
sociedade capitalista, que somente visa ao consumo e ao lucro. […] O corpo
da mulher passou a atrair interesses econômicos de grandes empresas, que
investem na moda e nas propagandas publicitárias, passando a ser exigido
como uma marca de feminilidade (BORIS; CESÍDIO, 2007).
As mulheres querem uma silhueta perfeita, um corpo escultural, um rosto lindo. Elas
se preocupam em emagrecer e por isso lotam as academias e se submetem a dietas e
procedimentos cirúrgicos sacrificantes. Se preocupam em cuidar da pele e dos cabelos. Tudo
isso seguindo um ideal de beleza que lhes é imposto pela modernização da sociedade e dos
novos papéis assumidos pela nova mulher.
As características femininas postas em evidência, hoje, valorizam mais os aspectos
físicos e seu poder de sedução. Não apenas sob o olhar e avaliação masculina, mas também
para si mesma, na exigência de se moldar ao que culturalmente se aceita como belo. Por isso,
67
a questão da feminilidade, tomando-a como sua singularidade e essência, tende a ser
suprimida. Atualmente a imagem exerce poder sobre todas as coisas, a publicidade se
apropriando disso, exalta o corpo modificado pelos cosméticos, dietas e cirurgias plásticas. E
sobre isso Everardo Rocha discorre:
Da análise da mulher construída dentro dos anúncios emerge a imagem de
uma individualidade em que o corpo – e não o espaço interno – é o que
importa. O corpo é termo marcado como expressão do ser e como objeto de
uso. Mas não é apenas isto: o corpo feminino que a publicidade revela é
fragmentado. Sofre um processo em que a unidade se perde e as partes
prevalecem sobre o todo. A mulher dentro dos anúncios existe, sobretudo,
aos pedaços – seio, pé, perna, pele, rosto, unha, mão, nádega, olho, lábio,
cílio, coxa e o que mais se puder destacar como um quebra cabeças invertido
cujas peças desencaixam, escondendo a figura que nunca se forma. Esta
imagem do corpo, corpo aos pedaços, não pode sustentar o indivíduo como
totalidade (ROCHA, 2001, p, 38).
Essa mulher aos pedaços de que trata o autor não se dá conta do discurso social,
construído, não apenas pela publicidade, mas também pela religião, a política. Sem
questionar, ela vai se moldando, sem perceber a manipulação por tras da oferta de felicidade.
Sim, o discurso construído pela propaganda apelo pela emoção e quando promete a
possibilidade de transformação estética, promete também sucesso e felicidade, poder de
conquista, realização profissional.
Estamos constantemente sendo submetidos a uma avalanche de produtos que
pouco, ou quase nada, significariam para nós não fosse a auréola que a
publicidade lhe confere. Valendo-se do poder das palavras, ela garante a
esses objetos um status especial, mitificando-os: um relógio pode tornar-se
uma jóia; um carro, um símbolo de prestígio etc. ( MONNERAT, 2003, p.
40).
Outro aspecto quanto à preocupação com o corpo, na sociedade atual, é a conservação
da juventue. É difícil para as mulheres admitirem que estejam envelhecendo. Elas querem
parecer mais jovens, por isso gastam muito dinheiro com produtos “milagrosos” e submetemse a cirurgias plásticas, etc. Cada descoberta nova, pela ciência, de produtos antienvelhecimento faz com que as mulheres alimentem o sonho De acabar com as rugas e outros
sinais senis. Na busca de uma pele jovem, valem as dores, o investimento financeiro e as
cicatrizes a que se arriscam. Sobre esse tipo de cosmético, assim argumenta Edna Araújo:
As argumentações científicas sobre os efeitos de uma técnica ou de um
produto/marca torna convincente seu poder de ação proposto. Nesse sentido,
68
marcas de produtos cosméticos como: Boticário, Avon, Natura, L’Oréal,
Nivea, Clarins, Channel, Revlon, Vichy, Racco e tantas outras também
disputam o mercado, a credibilidade e o das consumidoras, através de linhas
de produtos voltados para o rejuvenescimento e enbelezamento da pele.
Todos os produtos enfatizam seus aspectos rejuvenescedores, firmadores,
anti-idade, anti-sinais, iluminadores, reparadores e renovadores da pele. Ou
seja: as propostas anunciadas não apenas prometem como reafirmam a
necessidade de beleza e jovialidade feminina. No entanto, as mulheres que
fazem as propagandas ainda são jovens suficientes para não apresentarem os
chamados sinais de decrepitudes associados ao envelhecimento (ARAÚJO,
2008, p. 107).
A partir de um mundo fantasioso, a publicidade faz crer que é possível ser jovem e
bela. Bastam algumas aplicações do creme e, como mágica, a juventude tão desejada, é
alcançada. Essas necessidades e comportamento atestam os sentidos de feminilidade
reproduzidos pela propaganda tão dferentes daqueles em que se considera a mulher em sua
totalidade e essência. “ Sobra da imagem da mulher um corpo, ou melhor, pedaços, restos,
fragmentos que, sem alternativa, delegam a palavra aos produtos” (Rocha, 2001, p. 39).
Assim, a mulher da propaganda parece se transfigurar em uma mercadoria, apenas,
dando “vida” aos produtos. Seu papel é o de fazer vender os cremes mágicos, realizadores de
sonhos e desejos, em nome do lucro. A mulher por traz da dona-de-casa dedicada, assume o
primeiro plano na elaboração das peças publicitárias, para satisfazer o olhar machista, agora
também, da mulher.
69
6 A QUESTÃO DA FEMINILIDADE
Explorar o lado feminino, ter feminilidade, ser mais feminina são alguns imperativos
que se ouve quando as mulheres precisam mostrar um lado mais ousado, sensual, elegante,
charmoso, sensível, delicado. É comum que as pessoas exijam das mulheres certos atributos
que a caracterizariam como mulher no cenário cultural e social. Mas, o que é mesmo a
feminilidade, o ser feminina? É partindo desse questionamento que a observação e análise do
simbólico, materializado nas propagandas de cosméticos aqui expostas, são realizadas.
Sob a ótica psicanalítica, o tema da feminilidade, que teve um longo percurso na obra
freudiana, é tratado a partir da concepção falocêntrica que trata a sexualidade feminina
através de um paradigma universal. Partindo desse paradgma, Freud adota o modelo da
sexualidade masculina, tratando tudo o que foge a esse modelo de forma negativizada.
A construção do discurso sobre feminilidade, na modernidade, partiu sempre de uma
posição masculina, considerando o contexto histórico e social. Segundo Angela de Almeida
(2012), sempre se delineou uma diferença de essência entre o masculino e o feminino e,
consequentemente, as distribuições sociais entre os diferentes sexos baseavam-se nas
disposições naturais de cada um, que possuíam naturezas diferentes. Segundo essa autora:
“Quase todos os grandes teóricos da época, entre eles, Rousseau, Hegel e Kant, estavam de
acordo com essa leitura sobre a natureza diferencial entre masculino e feminino e com as
consequências disso sobre a legitimidade de suas inserções sociais” (Almeida, 2012, p. 30).
No final do século XIX e início do século XX, surge um novo olhar, mais atento,
sobre a condição da mulher na sociedade. Há um questionamento sobre o que estava
acontecendo com as mulheres naquele momento de transição. Sobre a imagem da mulher
perpetuada até então, há a seguinte citação:
A cultura europeia, destes idos, produzia um discurso que visava promover
uma perfeita adequação entre as mulheres e o conjunto de atributos, funções,
predicados e restrições denominado feminilidade. Assim, era definida a
natureza das mulheres. As virtudes próprias da feminilidade pautavam-se no
recato, na docilidade, na afetividade mais desenvolvida, na receptividade
passiva em relação aos desejos e necessidades dos homens e, mais tarde, dos
filhos. A figura da mulher estava construída em torno do atributo da
maternidade, isto é, o erotismo propriamente feminino deveria passar pelo
labirinto enigmático da maternidade. Por outro lado, num evidente paradoxo,
uma ideia bastante corrente, naquele momento, apontava que a natureza
feminina precisaria ser domada pela sociedade e pela educação para que as
mulheres pudessem cumprir o destino ao qual estariam, naturalmente,
designadas serem esposas e mães. Dessa forma, aos pais, maridos e
70
educadores, parecia mais conveniente que a mulher se mantivesse inocente
sexualmente e maleável socialmente (ALMEIDA, 2012, p. 30).
Nessas circunstâncias, vê-se que a mulher era subjugada, e a concepção de
feminilidade era forjada pelo discurso masculino. Mas a insatisfação das mulheres com este
modelo de “feminilidade” é o que dá origem a um outro momento do trabalho de Freud sobre
esse tema, com seus estudos sobre a histeria. “Diante da coerção a seu corpo, sua sexualidade
e sua vida, de modo geral, as mulheres encontraram, nos sintomas histéricos, uma forma de
dramatizar sua insatisfação e seu protesto” (Almeida, 2012, p. 31). Nesse trabalho ele destaca
as qualidades intelectuais e morais das mulheres.
Freud foi um dos primeiros a perceber, ou melhor, a escutar a crise ainda
inominada que suas pacientes vinham atravessando. A recusa das histéricas
em aceitar esta “feminilidade” como modelo de subjetivação e de sexuação o
levou a passar grande parte de sua existência imerso em pesquisas que lhe
possibilitassem desvendar o mistério da constituição da feminilidade
(ALMEIDA, 2012, p. 31).
O conceito de feminilidade traz, a partir de uma produção mais recente, a valorização
do que é singular em oposição ao universal. É uma marca que distingue o modelo falocêntrico
do que vem sendo trabalhado por outros autores. Para estes, o conceito de feminilidade está
centrado na ideia de singularidade. Para Nunes (2002, p. 56): “... a noção de feminilidade
pode ajudar […] a criar espaços para a diversidade, a alteridade e a singularidade, tarefa da
qual nós analistas não devemos nos furtar”.
A noção de feminilidade pensada para a análise proposta nesse trabalho de pesquisa se
aproxima dos conceitos mais contemporâneos, fundados não apenas na singularidade, mas
também na igualdade. Se expressa em qualidades que vão além dos aspectos físicos e morais
e alcança outras capacidades que valorizam a figura feminina para além de objeto.
Leva-se em consideração, principalmente, o fato de os discursos sobre a feminilidade
serem, hoje, antes de mais nada, influenciados socioculturalmente, pois não dá para dizer o
que é ser “feminino” ou “masculino” senão a partir do que se aprende na família, na escola e
na mídia.
As propagandas analisadas aqui mostram, mais particularmente, como se constrói a
feminilidade nos discursos veiculados em suportes diversos através da publicidade. Por trás
da oferta de produtos cosméticos, hoje ainda mais consumidos que há pouco tempo atrás,
esses discursos prometem tudo aquilo de que o público feminino julga necessitar,
71
influenciado por uma ditadura, que mais oprime do que lhe valoriza. Seja pela oferta de
beleza, poder de sedução, sensualidade, fama, longevidade, correção estética, a propaganda
vale-se de recursos visuais fortemente elaborados, seu discurso leva em conta o imaginário
feminino diante de uma sociedade de consumo cada vez mais excludente e exigente quanto à
manutenção da beleza e da juventude.
Cabe assim, numa tentativa de se identificar a ideologia por trás do simbólico,
observar as peças publicitárias ora apresentadas, como mais um elemento cultural revelador
de valores.
6.1. CORPO DESEJÁVEL
Se há uma escravização moderna, pode-se dizer que esta tem a ver com a submissão a
que o ser humano vem sendo exposto quanto ao uso do corpo como objeto de sedução.
Seduzir, na sociedade hodierna, passou a ser um instrumento de “sobrevivência”.
Nunca se buscou tanto o poder da sedução como nos dias de hoje, esse atributo, antes
recoberto de tabus. Para alcançar o corpo com curvas, uma silhueta esbelta e menbros bem
torneados, ditados pelo modelo de corpo sensual, recorre-se a meios diversos e cada vez mais
sofisticados. O corpo passa a ser compreendido como instrumento de poder e expressão de si.
Torna-se mercadoria e assim, um meio de se criar vínculos e distinções sociais.
Após a Segunda Guerra Mundial novos hábitos levam a uma exposição maior do
corpo. Somados a isso, o cinema e a difusão da mídia de massa impulsionaram uma nova
cultura em que o corpo ganha centralidade.
Após a Segunda Guerra Mundial, o desejo de moda expandiu-se com força,
tornou-se um fenômeno geral, que diz respeito a todas as camadas da
sociedade [...] os signos efêmeros e estéticos da moda deixaram de aparecer,
nas classes populares, como um fenômeno inacessível reservado aos outros:
tornaram-se uma exigência de massa, um cenário de vida decorrente de uma
sociedade que sacraliza a mudança, o prazer, as novidades (LIPOVETSKY,
2009, p. 115).
A corrida às academias de ginástica, a busca por cirurgias plásticas talvez não tenham
tanta credibilidade quanto o uso de cosméticos na luta pela perfeição, afinal eles contam com
a publicidade bem elaborada de seus produtos, como nas análises que se seguem.
72
6.1.1 NINEA My silhouet - Silhueta perfeita, curvas de arrasar
Figura 12 – Propaganda Nívea – My Silhouet. Fonte: Revista Corpo a corpo, 2008
Nessa peça publicitária, veiculada na revista Corpo a corpo do mês de outubro, de
2008, edição 240, o sujeito, a marca Nívea, valendo-se de elementos multissemióticos, orienta
para um discurso marcado pela ideologia da perfeição estética feminina. O produto oferecido,
gel-creme redutor e remodelador, My silhouette, é apresentado em uma embalagem com
formato de tubo que simula uma curva, na sua extremidade superior. O que pode ser
relacionado ao texto verbal que intitula a propaganda: “Que tal você com curvas de arrasar?”.
O que parece ser vendido, por trás desse jogo de ideias que se vale da linguagem tanto
verbal, quanto não-verbal, é a possibilidade de ter um corpo com curvas, sem excesso de
gordura, esteticamente perfeito, o corpo sensualizado, desejável, capaz de seduzir. O sujeito
consumidor, interpelado pela ideologia, é afetado pelo efeito de sentido de que a possibilidade
de reduzir medidas é acessível, basta adquirir o produto.
Sobre esse sujeito, o sujeito da AD
73
preconizada por Pêcheux, diz Orlandi (2009, p. 46): “O indivíduo é interpelado em sujeito
pela ideologia para que se produza o dizer”.
E considerando ainda o sujeito, Pêcheux (2009) fala de “tomadas de posição”
referindo-se ao modo como esse sujeito se identifica com a ideologia inscrita em uma
formação discursiva. Em uma primeira tomada de posição, há uma identificação do sujeito
com a ideologia presente no discurso, no caso em análise, há uma adesão à FD da perfeição
estética, creditando a isso a felicidade e bem-estar. Mas o sujeito pode também, questionar a
ideologia dessa FD se afastando do discurso que atribui à beleza e perfeição estética condição
para a felicidade e aceitação por parte do outro, há, nesse caso, uma contra-identificação, ele
não se identifica plenamente, discorda, duvida e pode transformar a FD.
Quando o sujeito se identifica com outra ideologia, há uma desidentificação com a FD,
no caso da peça aqui analisada, o sujeito não se identificaria com a ideologia de que a mulher
precisa ser bonita, sensual, com curvas e com silhueta perfeita para ter feminilidade, para
conquistar um parceiro ou para ser feliz.
Há ainda outros elementos que compõem a materialidade dessa peça publicitária. A
silhueta com curvas desejáveis, prometida pelo uso do produto é ilustrada pela imagem da
mulher no rótulo. Ainda no rótulo, quando se lê: “reduz até 3 cm, a partir de 4 semanas de
uso” e a imagem da fita métrica que surge ao lado do produto dão credibilidade e reforçam
valores perpetuados historicamente.
O que mais chama a atenção aqui é a imagem de mulher vendida pela propaganda.
Que medidas são essas, anunciadas pelo produto? Quem deseja essa mulher com medidas
tais? Para quem essa mulher se exibe? Certamente recorre-se a uma memória que retoma
discursos legitimados pela história, que erotizam a mulher e lhe atribui a condição de objeto
de desejo do homem.
Tratando ainda da descrição da peça, abaixo das imagens, o verbo comprar, no
imperativo, seguido do site da empresa www.NIVEA.com.br é escrito em branco com o nome
da marca em maiúscula em fonte menor do que a do restante do texto verbal, mas que chama
a conhecer mais sobre o produto, além de tornar mais fácil sua aquisição.
Depois das descrições até então realizadas, que é uma análise da superfície linguístca,
passemos à análise da discursividade, objetivando explicitar o modo de produção de sentidos
nessa propaganda. Partindo da ideologia presente nesse discurso, já referida acima, a do corpo
feminino como objeto de desejo, materializada na linguagem já explicitada, pode-se dizer que
a FD em que se inscreve esse discurso é a busca da perfeição estética.
74
O sujeito discursivo é afetado por dizeres outros, tais como “é preciso ser bela para ser
admirada”, “a beleza é fundamental”, “os cuidados femininos devem priorizar o corpo e a
conservação da juventude”. A posição sujeito na propaganda de cosméticos que promete
rejuvenescimento e beleza é determinada pelo interdiscurso, ou seja, o que é dito nessa peça
publicitária, materializada pelo uso tanto da linguagem verbal, quanto pela seleção de
imagens e outros elementos, é resultado da inscrição desse sujeito na história, é um sujeito
que se identifica com um já-dito sobre a mulher. Esse já-dito lhe atribui feminilidade levando
em conta apenas seus atributos físicos.
O interdiscurso mobiliza dizeres, mesmo há muito esquecidos, nesse caso, dizeres
sobre a mulher resultantes do tratamento a esta dispensado, desde momentos longínquos da
história. Sobre o interdiscurso, diz Orlandi (2009, p.31): “é todo o conjunto de formulações
feitas e já esquecidas que determinam o que dizemos”. Há um retorno à memória, uma
memória discursiva, o saber que resulta de experiências passadas, de culturas que limitavam o
papel da mulher à reprodução, ao cuidado com casa e filhos, desprezando traços como sua
capacidade intelectual. A FD tratada aqui permite inferir que, se o sujeito se inscreve em uma
FI que valoriza os traços físicos da mulher, exaltando a beleza e juventude, os sentidos que
constituem o discurso, sustentam que para ser feliz é preciso ser bela e jovem.
As condições de produção que são, segundo Pêcheux (2009), as circunstâncias de um
discurso são extremamente relevantes nessa análise. Em sentido amplo, as condições em que
esse discurso é produzido, compreendem a formação social e padrões culturais em que se
localizam os sujeitos, principalmente, o sujeito leitor-consumidor do produto anunciado, com
sua forma de se relacionar com as mercadorias e serviços que circulam por meio da mídia,
cada vez mais sedutora com seu poder de manipulação e convencimento.
O sujeito consumidor, afetado pela memória, por fatos que se referem a práticas,
muitas vezes sofríveis, como o uso do espartilho, para obter uma silhueta “perfeita”, credita
ao produto a possibilidade de obter os efeitos de que necessita. É um sujeito que
inconscientemente se filia a um sentido de feminilidade. Esse discurso sobe a beleza é
atravessado por outro, o discurso capitalista, materializado por elementos como o endereço
eletrônico introduzido pelo comando ”compre”, na propaganda, e além do sentido evidente,
da literalidade desse verbo no imperativo, há uma simultaneidade de movimentos distintos de
sentido no mesmo objeto simbólico, como diz Orlandi (2009), há polissemia.
Nesse jogo polissêmico, um sentido possível é o de ter para ser. Para ser bonita, para
ser aceita é preciso ter/usar My silhouette. A posição sujeito anunciante desse discurso
objetiva o lucro e, através do enunciado “Compre: www.NIVEA.com.br”, retoma um já-dito,
75
repete sentidos, o que podemos chamar de paráfrase. A mídia se utiliza desse processo
parafrástico, uma vez que reproduz um dizer a partir de interesses mercadológicos, mesmo
com variações de palavras. “A paráfrase apresenta assim o retorno aos mesmos espaços do
dizer” (Orlandi, 2009, p. 36).
Retomando os elementos que compõem a propaganda em análise, há ainda outro texto
verbal que merece destaque. Quando se diz “reduz até 3 cm, a partir de 4 semanas”, pode se
depreender mais um fator no funcionamento das condições de produção, que constituem esse
discurso, são as formações imaginárias, evidenciadas nesse dizer sob o mecanismo da
antecipação, já que o sujeito anunciante, sabedor do imediatismo do sujeito consumidor, se
antecipa, determinando o curto prazo do efeito almejado com o uso do cosmético.
Outro mecanismo presente nesse dizer é a relação de forças, o lugar a partir do qual
fala o sujeito/empresa NIVEA, lhe permite dizer desse modo, estabelecendo prazos para o
efeito do produto, porque sabe de seu poder de mercado. A marca NIVEA existe desde 1911 e
se diz “uma das marcas de cuidado com a pele mais confiáveis do mundo”, há três anos de seu
lançamento, já estava disponível em todos os continentes. Segundo informações do site
oficial, todo ano, cerca de 100.000 consumidores do mundo inteiro fornecem comentários
sobre os produtos NIVEA. Logo, existe uma autoridade junto aos consumidores, as projeções
feitas a esse sujeito anunciante lhe conferem uma posição sujeito, diferente do lugar empírico
que ele ocupa.
O sujeito anunciante diz o que diz e do modo que diz, na propaganda, refletido uma
FI mercadológica em que se inscreve essa posição. Trata-se do sujeito-empresa que visa o
lucro. O sentido das palavras nesse dizer “Reduz até 3 cm a partir de 4 semanas” é resultado
dessa posição sujeito que produz uma imagem do sujeito interlocutor como sendo capaz de se
submeter ao uso de quaisquer produtos ou técnicas para corrigir imperfeições estéticas.
Nesse jogo imaginário, essa previsão sobre o tempo de efeito do produto ganha
veracidade, por que a imagem que o sujeito anunciante faz do sujeito interlocutor, a mulher,
dentro de uma conjuntura sócio-histórica, é daquela que pensa tornar-se feminina, quando
conquista um corpo esbelto, escultural, sem excessos, com curvas, o corpo “perfeito” da
propaganda, portanto o produto lhe é adequado.
Essa análise leva a crer em um conceito de feminilidade como sendo a capacidade de
sedução através do corpo, claro, um corpo que atenda ao modelo estabelecido culturalmente.
O que é ter uma silhueta perfeita? Que curvas são capazes de arrasar? Quantos centímetros há
que se reduzir para obter uma silhueta perfeita? O padrão de corpo desejável, diferente
daquele valorizado em outra época, quando ser saudável e bela era ser “cheinha”, impõe, hoje,
76
a magreza, a cintura bem definida, pernas torneadas e glúteos empinados, nem que para isso
valham cirurgias plásticas sacrificantes, over traines em academias, numa corrida ansiosa pela
aceitação do outro, pela admiração da “concorrência”, pela exposição na mídia.
O ser feminino que encanta pelo talento, pela sinceridade e honestidade de caráter,
pela inteligência, pela criatividade, pela graça do olhar ou do sorriso não está em primeiro
plano nesse discurso. Em sua singularidade, originalidade, a mulher não é exposta nessa
publicidade, exceto pela aparente liberdade no figurino utilizado pela garota propaganda, que
traduz certa ousadia, conquistada mais recentemente. É preciso que ela se transforme com a
ajuda, é claro, do cosmético oferecido.
6.2 PARA GARANTIR “O GATO”, O “PRÍNCIPE”
A crença no príncipe encantado, que salva a princesa de madrastras e bruxas temíveis,
não fazem parte apenas do ambiente das personagens de contos de fadas. Essa crença também
faz parte do imaginário feminino e se traduz na necessidade de um parceiro, um marido, um
companheiro.
Muitas mulheres ainda acreditam, mesmo sabendo de todas as dificuldades, que
construir uma história a dois é a melhor opção. O estigma da solteirona sempre reforçou essa
crença, já que uma mulher com mais de 30 anos e sem marido era vista pela sociedade como
fracassada.
Com a modernidade, conquistas impulsionadas pelo discurso feminista têm sido
comumente ilustradas na publicidade. A figura da mulher independente, solteira e menos
preocupada em casar-se faz parte do jogo de linguagem nos anúncios de produtos para esse
público. Hoje, a mulher pode sentir-se bem não com apenas um “príncipe”, mas com vários e
ao mesmo tempo.
O que interessa ressaltar nessas considerações é o fato de a mulher submeter-se a
certos comportamentos para se fazer adequada ou merecedora de um parceiro, marido,
companheiro. Antes, pautada no papel de dona de casa e mãe que se atribuiu à mulher, a
sociedade exigia-lhe habilidades ligadas aos afazeres domésticos, principalmente. Ela tinha
que mostrar-se bem prendada, maternal, boa esposa, além é claro de possuir atributos físicos
favoráveis à procriação.
A mulher sempre esteve sob a pressão do poder de conquista. E hoje, numa
atualização dos padrões de comportamento, considerando sua emancipação e conquistas, ela
77
ainda precisa submeter-se a práticas, muitas vezes, dolorosas, para agradar, para conquistar,
para ser vista e desejada.
O desejo é, por sinal, uma marca da emancipação feminina. E a ele estão relacionadas
muito mais características físicas, uma vez que os padrões exigidos para uma boa mulher,
esposa, companheira estão ligados a valores de relacionamentos mais modernos. Numa época
de relações cada vez mais descartáveis, em que se busca mais o prazer em detrimento de
sentimentos mais duradouros, o corpo é visto como um insrumento de poder, desde que seja
belo, magro, jovem e sexy.
Vale, para conquistar um parceiro, empinar o bumbum com exercícios na academia de
ginástica ou com silicone, rejuvenescer com procedimentos cirúrgicos, e, claro, usar aquela
maquiagem que realça o semblante, o perfume que enlouquece, os cremes que garantem
transformação.
Assim, a maquiagem é oferecida pela propaganda não apenas para realçar traços
faciais, mas para lhe garantir encantar os homens, o xampu que não apenas lava, mas
principalmente faz os cabelos paraecerem os da Diva famosa que o anuncia, o perfume que dá
poderes mágicos. Enfim o “milagre” prometido pelas campanhas publicitárias fazem crer na
realização de sonhos, típicos dos contos de fadas.
6.2.1 Maquiagem O BOTICÁRIO. Para que varinha de condão?
FIGURA 13 – Propaganda O Boticário veiculada em outdoor. Fonte: www.ccsp.com.br
78
Figura 14 – Propaganda O Boticário, versão para revista. Fonte: www.ccsp.com.br
A análise será da propaganda da marca O Boticário, de 2005, da campanha “contos de
fada”, produzida pela agência AlmapBBDO, veiculada em revistas e outdoors. No caso das
imagens reproduzidas aqui, trata-se de um diálogo com a história da Cinderela que pode ser
identificado seja pela presença dos sapatinhos de cristal ou pelo dizer, “Gabriela vivia
sonhando com seu príncipe encantado. Mas, depois que ela passou a usar O Boticário, foram
os príncipes que perderam o sono”.
Tanto a imagem quanto o texto verbal revelam um intertexto com o conhecido conto
sobre a garota castigada pela madrasta má e pouco apreciável fisicamente, que se transforma
em uma bela princesa capaz de encantar e conquistar o príncipe. Na versão para revista, o
texto verbal é “Para que varinha de condão, quando se tem maquiagem O Boticário”. A
logomarca, retângulo verde com o nome O Boticário, e o slogan “Você pode ser o que quiser”
compõem também o anúncio.
O que mais chama a atenção é a imagem da mulher, em primeiro plano, maquiada e
com um olhar sedutor em vez do semblante de inocência característico das mocinhas dos
contos de fadas, sempre envoltas da fantasia típica desse gênero de texto. Trata-se de uma
79
versão moderna da mocinha castigada, suja de cinzas e cansada dos afazeres domésticos a que
era obrigada, mas transformada magicamente em exemplo de beleza do reino.
A garota propaganda usa maquiagem O Boticário, o que seria, hoje, o motivo da
transformação dessa mulher em um exemplo de beleza, capaz de conquistar não apenas um
príncipe, mas vários. E é esse poder de conquistar um parceiro, pela beleza, é claro, o artifício
de que se vale a propaganda para vender o cosmético “mágico”. O discurso sobre a mulher, na
propaganda desse ramo da indústria e comércio, atribui a ela, a sua beleza, a seus atributos
físicos o poder da conquista.
Para psicanalistas, na história de Cinderela há muito mais do que uma simples trama
romântica. É um conto que surgiu em várias civilizações diferentes e tem origem atemporal,
por isso, a trajetória da protagonista pode traduzir uma espécie de arquétipo fundamental,
traduzindo o anseio natural da psique humana em ser reconhecida especial e levada a uma
existência superior. Por isso pode-se dizer que Cinderela é uma personagem muito
representativa da mulher mostrada pela propaganda, o desejo de se sentir superior é uma
marca própria do ser feminino, para a publicidade de produtos dirigidos a esse público.
Gestos do interdiscurso são retomados por essa publicidade de maquiagem, em dizeres
histórico e socialmente marcados. Os sentidos convocados pelo dizer: “Para que varinha de
condão se você tem maquiagem O Boticário” pode pressupor que é imprescindível, para a
conquista de um “príncipe”, ser bela, ser encantadora, ser sedutora o que, no mundo fantástico
dos contos de fadas, era possível com ajuda da varinha de condão e que no mundo real e
moderno corresponde à submissão a métodos muitas vezes sofríveis, para alcançar a beleza
ideal.
Tudo o que já foi dito sobre a feminilidade, sobre o comportamento feminino diante da
conquista de um parceiro, sobre a necessidade de um marido está significando nesse texto. Há
discursos, há muito tempo impostos, sobre o papel da mulher e sua felicidade, presentes nesse
enunciado verbal da propaganda. São memórias trazidas por elementos simbólicos utilizados
na elaboração dessa peça publicitária que permitem identificar elementos do interdiscurso.
Pensando ainda os sentidos a partir da historicidade marcada na propaganda, chama à
atenção a garota sonhadora, à espera do príncipe, revelando uma posição ideológica sobre o
casamento, indispensável à mulher, como modo de vida. Afinal, a mulher arruma-se, enfeitase, maquia-se para o outro, apenas? O propósito de ficar bonita é um artifício de conquista
amorosa? Por isso uma FI da mulher como objeto de desejo. Segundo Pêcheux (2010, p.
163), “falaremos de formação ideológica para caracterizar um elemento suscetível de intervir,
80
com uma força em confronto com outras forças, na conjuntura ideológica característica de
uma formação social em dado momento”.
Outro elemento que compõe o simbólico nessa propaganda é a imagem dos sapatinhos
de cristal, eles se multiplicaram. O sentido produzido por essa imagem revela uma ideologia
mais recentemente experienciada pela mulher moderna. Essa mulher sente-se confortável,
vaidosa e feliz em conquistar vários parceiros, o que pode traduzir sua emancipação quanto ao
casamento e menor submissão a um parceiro.
Nos dias que correm, as razões que levavam mulheres a ter necessidade de
casar não se sustentam. Nas universidades, o número de moças é superior ao
de rapazes. Em poucas décadas, elas ganharão mais que eles. Resta
acompanhar o que irá acontecer com as mulheres, agora livres sexualmente,
nem sempre tão interessadas em ter filhos e independentes economicamente
(GIKOVATE, .
Assim, há um posicionamento social do sujeito enunciador, marcando ideologicamente o
sentido do que se diz. São esses aspectos sociais e ideológicos somados ao contexto mais
imediato, os elementos lingüísticos utilizados em sua elaboração, que compõem as condições
de produção desse discurso da propaganda.
Há algo que se mantém no discurso dessa peça publicitária. É o processo da paráfrase,
ou seja, “há um retorno aos mesmos espaços do dizer”. As propagandas de cosméticos que
dirigem à mulher a promessa de beleza e longevidade produzem dizeres a partir de outros
dizeres já cristalizados, repetindo sentidos, daí, diz Orlandi (2009), que a paráfrase é a matriz
do sentido, pois não há sentido sem repetição, sem sustentação no saber discursivo. Nos
enunciados “para que varinha de condão quando se tem maquiagem O Boticário” e “ depois
que ela passou a usar O Boticário...” repete-se o dizer já típico do sujeito anunciante
assegurando resultados e eficácia garantidos. Sabedor dos anseios do sujeito consumidor, o
discurso publicitário conta com dizeres que atribuem ao produto anunciado o poder de
transformação rápida, os benefícios desejados, enfim, a felicidade.
Também a polissemia é outro processo presente no que se refere à produção de
sentidos aqui analisados. No dizer “Para que varinha de condão quando se tem maquiagem O
Boticário”, o termo varinha de condão, próprio dos contos de fadas, pode ter implícitos
sentidos que serão determinados pelo sujeito, possível consumidor. Diante desse objeto
simbólico e de outros, verbais ou não-verbais, que compõem o anúncio, e, afetado por uma
ideologia, esse sujeito pode lhe atribuir diferentes sentidos. A varinha de condão pode
81
significar simpatias, orações e outros elementos da crendice popular a que recorrem as
mulheres, no intuito de fazer o “príncipe” se encantar por elas.
Voltando à observação do slogan da marca “você pode ser o que quiser”, e lembrando
que os sentidos estão na relação com a exterioridade, nas condições em que são produzidos,
além da superfície lingüística do texto, há uma forte contradição trabalhando aí. Ao mesmo
tempo em que se pretende um discurso aparentemente moderno, mais emancipado, em
concordância com a luta feminista, que combate imposições de comportamento, este dizer
acompanha a logomarca (retângulo verde com o nome da empresa), o que pode sugerir a
necessidade de usar o produto para ser o que se quer, limitando esse ser a um rosto com
maquiagem, modelado, que segue um padrão de estética imposta pela moda.
Há um direcionamento ideológico para o sentido pretendido, ser o que se quer é, para
o mercado capitalista, consumir o produto anunciado e se transformar no que ditam os
padrões culturais. Nesse caso, a mulher bela, objeto de desejo do sexo masculino, “o
príncipe”. O ser feminino dessa propaganda, a mulher, consumidora dos produtos de
maquiagem O Boticário não seria um sujeito totalmente livre, independente e inteligente, que,
sem recorrer ao uso de cosméticos para ficar bonita, sabe que pode conquistar um parceiro por
seus atributos intelectuais, pela sua naturalidade e simplicidade.
6.2.2 Para conquistar – hidratante corporal NIVEA
Figura 15 – Propaganda Nivea, loção hidratante para o corpo, veiculada pela Revista Claudia, 2008.
82
Nessa propaganda, a marca Nivea anuncia a linha de hidratantes Nivea Body. A
campanha foi idealizada pela agência Africa e engloba anúncios de página simples e dupla em
revistas femininas como Claudia, Marie Claire, Caras e Boa Forma. O anuncio traz, como
garota-propaganda, a top Gisele Bündchen, usando uma camiseta branca básica, com a
assinatura da peça, “I love my body”, em cor azul, sendo o verbo love simbolizado por um
coração. Do lado esquerdo inferior, uma imagem de embalagens do produto à venda e acima
desta imagem, o texto verbal: “Use Nivea Body. Porque o amor é cego, mas o gato não”.
A escolha da garota propaganda, modelo utilizada pelo sujeito-empresa anunciante,
vale algumas considerações iniciais, dada a importância do uso de elementos imagéticos pela
mídia em geral e em especial a propaganda publicitária de produtos e serviços. Sabe-se que o
jogo de sedução pelo visual passa por um estudo que vai além do linguístico strictu sensu e
entra no campo da psicologia. Segundo Romonet (2002), é a partir do conhecimento do ser
humano, de seus limites, desejos, de suas necessidades, de seus automatismos, de seus
mecanismos psíquicos, que as ações da mídia são criadas e endereçadas. A imagem da
modelo Gisele Bündchen, considerada a modelo mais bonita do mundo, também a modeloícone mais sexy do mundo é, para o sujeito anunciante, capaz de atestar o valor de certas
características femininas, valorizadas socialmente e perpetuadas ao longo do tempo.
A ideologia vigente nessa propagada, a de que a mulher é objeto de admiração e desejo,
de que ela é objeto sexual, permite sua relação com uma Formação Discursiva determinada
pela necessidade de conquistar um parceiro por seu corpo escultural, obedecendo a padrões
estabelecidos pela moda das passarelas. Pensando que a FD “permite compreender o processo
de produção de sentidos”, junto com a FI, possibilitarão perceber a constituição dos sentidos
nessa peça publicitária.
Pensando os sentidos aqui presentes, remontemos também ao sujeito da AD pechetiana,
o indivíduo interpelado em sujeito pela ideologia que pressupõe determinada FD, sendo esta
última o lugar da constituição dos sentidos. O sujeito mulher consumidora se identifica com o
discurso presente nessa propaganda, porque se inspira e deseja um corpo magro, sem
excessos, o corpo da modelo, tão mostrado pela mídia e atestado como o corpo ideal pela
cultura da qual faz parte. Ela se identifica e quer agradar o “gato” que não é cego.
Utilizando-se do dito popular “o amor é cego”, o sujeito-empresa anunciante joga com a
linguagem e a crença que seu público-alvo tem de que o corpo é atrativo de um parceiro. A
mulher considera que o “gato”, que enxerga perfeitamente e é atento observador, será
seduzido principalmente por seus atributos físicos e hoje, mais do que nunca, investe na
83
aparência.
Para pensarmos as condições de produção nessa propaganda, retomemos o conceito de
discurso, segundo Pêcheux (2010): não se trata necessariamente de uma transmissão de
informação entre A e B, mas, de maneira mais geral, de um ‘efeito de sentidos’ entre os
pontos A e B. O efeito de sentidos se dá considerando os lugares ocupados pelos sujeitos na
estrutura de uma formação social.
Daí pensar o sentido de feminilidade no discurso dessa peça publicitária, levando em
conta o lugar que o sujeito mulher consumidora e o sujeito anunciante ocupam histórico e
socialmente determinados. É a partir do lugar que ocupam que decorre a imagem que eles
fazem de si mesmos e do outro, que são, no processo discursivo, as formações imaginárias. A
partir disso, as condições de produção do discurso podem ser compreendidas.
Uma vez que se identifica o lugar do sujeito consumidor, também se identifica seu
contexto sócio-histórico e ideológico e por isso, o sentido ser um e não outro. A mulher a
quem se dirige essa publicidade é marcada historicamente pelo machismo e submissão a um
papel sexual, ela se vê como fonte de satisfação do desejo masculino, e por isso o cuidado
com o corpo não é para a satisfação própria, mas tomando, mais uma vez, a materialidade da
propaganda aqui já descrita, para o “gato” que não é cego. É essa imagem da mulher que
prevalece, quando o sujeito anunciante pensa o dizer nessa propaganda, afinal, por que a
modelo Gisele Bündchen e não outra? Por que essa modelo faz pose sensual?
Esse sujeito anunciante, representativo do Quarto poder, a mídia, exerce sobre o
consumidor certo poder, historicamente perpetuado que lhe garante credibilidade. A imagem
que o consumidor faz do sujeito anunciante está baseada na autoridade que este conquistou
socialmente. O dizer é produzido na propaganda através da materialidade simbólica, qual seja,
a imagem espetacular da mulher mais sexy, esbanjando sensualidade, que credita a um
simples hidratante corporal, o poder de conquista. E sobre esse espetáculo, tão claro não
apenas nessa propaganda, mas na mídia em geral, ressalta Debord.
Não é um suplemento do mundo real, uma decoração que lhe é acrescentada.
É o âmago do irrealismo da sociedade real. Sob todas as suas formas
particulares – informação ou propagada, publicidade ou consumo direto de
divertimentos -, o espetáculo constitui o modelo atual da vida dominante na
sociedade. É a afirmação onipresente da escolha já feita na produção, e o
consumo que decorre dessa escolha (DEBORD, 1997, p. 14).
Nas palavras de Pêcheux (2010, p. 82), “Todo processo discursivo supõe a existência
dessas formações imaginárias”, e acrescenta que , além das formações imaginárias, o
84
‘contexto’ e a ‘situação’ na qual aparece o discurso como pertencendo igualmente às
condições de produção. Num sentido estrito, fazem parte das condições de produção desse
discurso, as circunstâncias e elementos descritos acima quanto a escolha da modelo, o texto
verbal, o suporte de veiculação da propaganda, a logomarca do produto, o semblante e pose
da garota-propaganda, o momento cultural de culto ao corpo.
Pensadas em sentido mais abrangente, as condições de produção incluem a forma
como o papel da mulher se constituiu histórico e socialmente, a maneira como a história foi
impondo modelos de beleza e como esses foram assimilados e perpetuados, a ideologia da
perfeição estética feminina facilitada pelo consumo de produtos cosméticos e a ideologia da
beleza como atributo imprescindível para a conquista do parceiro. Tudo isso tem efeito nessa
peça publicitária. É a memória discursiva, tratada nesse trabalho como sinônimo de
interdiscurso, trabalhando nesse discurso, são já ditos contribuindo para a construção dos
sentidos.
Assim, é possível compreender o efeito metafórico de “gato” nesse discurso.
Considerando ideologia e inconsciente, compreendem-se os efeitos de sentido produzidos
pelos elementos simbólicos da propaganda que decorrem de deslizes, equívocos. A noção de
feminilidade presente no discurso do anúncio do Nivea Body é perceptível pelos efeitos e
articulações que envolvem os sujeitos e sua historicidade, a língua e a ideologia. Segundo
Orlandi (2009), o efeito metafórico, o deslize – próprio da ordem do simbólico – é lugar da
interpretação, da ideologia, da historicidade.
É pela historicidade, principalmente, que passa a análise da noção de feminilidade
nessas duas propagandas. Com um discurso marcado pela necessidade de se ter um
“príncipe”, um “gato”, a ideologia que subjaz nesses anúncios é a do casamento, é a de que a
mulher é feita para casar, ter um marido, um companheiro. É revisitando a história que se
pode encontrar, no papel atribuído à mulher, a raiz dessa necessidade em que se baseia o
desejo de conquistar um parceiro.
Tudo isso justificaria um outro aspecto marcante nessas duas peças publicitárias, a
sedução. Se o passado histórico atesta uma FI da necessidade do casamento, por outro lado, é
o presente que reitera a exibição do corpo em gestos sensuais, seja pelo olhar com retoques de
maquiagem, no caso da garota-propaganda de O Boticário, seja pela pose sensual da Top
model escolhida pela Nivea para divulgar seu hidratante corporal.
O poder da conquista atribuído à mulher na atualidade é creditado ao corpo sensual, aos
artifícios que garantem beleza e correção estética. Se antes, a mulher precisava ser bem
85
prendada quanto aos afazeres domésticos e cuidados com marido e filhos para ser considerada
ideal para casar, hoje, ela precisa, principalmente, atender aos padrões estéticos, inclusive
para manter o casamento. E a publicidade, atualizada, atende à essa transformação. “Os
produtos cosméticos, as marcas de perfume em particular, recorrem sistematicamente a
publicidades refinadas, sofisticadas, colocando em cena criaturas sublimes, perfis e
maquiagens de sonho” (LIPOVETSKY, 2009, p. 23).
A mulher apresentada nesse discurso é aquela capaz de conquistar tanto pela sedução do
corpo, pela beleza, pela graça da aparência física, mas esquecida em sua essência. Não há
qualquer referência a qualidades mais duradouras, aquelas que, ao contrário dos aspectos
físicos, não necessitam de cremes rejuvenescedores, perduram com o tempo, dependem dele
para se tornar melhor.
6.3 A “MULHER DE VERDADE”, A “REAL BELEZA” – ROMPENDO COM A
IDEOLOGIA DA PERFEIÇÃO ESTÉTICA?
Seguindo uma lógica de mercado, a cultura da mídia, ao elaborar discursos sobre a
mulher, objetiva viabilizar a venda de produtos e serviços. Assim,
a publicidade busca
reproduzir experiências sociais com as quais seu público consumidor interage.
As imagens utilizadas na propaganda são veículos de sentidos que tormam claras as
contradições da cultura contemporânea principalmente no que diz respeito à questão das
representações de gênero.
Pode- se perceber que as campanhas criadas atualmente tem buscado associar novos
conceitos aos benefícios propostos pelos produtos, em seus anúncios. Isso porque se acredita
em uma identificação da mulher com representações do feminino que contemplem as
diferenças e diversidades.
O padrão de beleza e de sensualidade feminina tem sofrido questionamentos. Valores
socioculturais tem sido contestados como consequência de uma consciência mais humanista.
Para acompanhar as novas tendências, o cenário publicitário tem mostrado uma tentativa de
inovar seu discurso, alinhando-o a um pensamento politicamente correto.
Dando espaço a outra imagem da mulher, a mídia propõe quebrar estereótipos,
apresentando uma figura feminina diferente das comumente vistas na propaganda. São
86
mulheres comuns, em situações do cotidiano, vestidas e produzidas fora do padrão ditado pela
magresa e apelo sexual.
Esse discurso se caracteriza, principalmente, pela desaprovação de atitudes e
comportamentos que discriminem grupos socais minoritários.
Nas propagandas que se seguem, pode-se observar uma reflexão dessa filosofia do
politicamente correto que tem se tornado constante. A criação de peças publicitárias tem
seguido uma orientação que possibilite a inclusão simbólica de minorias sociais. Mas será que
os parâmetros de beleza tão valorizados socialmente ainda não ecoam nas estratégias
discursivas. Veja-se nas propagandas que seguem.
6.3.1 Maquiagem NATURA UNICA, para “gente bonita de verdade”
Figura 16 – Propaganda Natura/ Linha de maquiagem. Fonte: Revista Claudia, 2003
1ª página
87
Figura 17 – Propaganda Natura/ Linha de maquiagem. Fonte: Revista Claudia, 2003
2ª página
Figura 18 – Propaganda Natura/ Linha de maquiagem. Fonte: Revista Claudia, 2003
3ª página
88
Figura 19 – Propaganda Natura/ Linha de maquiagem. Fonte: Revista Claudia, 2003
3ª página
A propaganda, maquiagem Natura, publicada na revista Claudia, em maio de 2003,
edição nº 5, com o slogan “bem estar bem”, tematiza sobre “mulheres de verdade” abordando
o fato de que apesar de serem bonitas e bem sucedidas (esta peça publicitária traz imagens da
famosa jornalista Marília Gabriela, da atriz e cantora Thalma de Fretas e da, não tão famosa,
consultora de produtos da marca, Mônica Batoni), elas tem em comum o anseio de perfeição
estética.
A mulher é representada nesse discurso sob a imagem de mulher moderna e bem
resolvida, independente e engajada socialmente. Uma mulher que, diferente daquela
frequentemente mostrada nesse tipo de propaganda, cuida de si, não apenas para agradar o
outro, mas para agradar a si mesma. Há a presença de um discurso transverso, o discurso de
que a beleza é fundamental.
Exibida em sete páginas, esta peça publicitária traz em destaque, na primeira página,
como uma capa, a fotografia de batons de diferentes tons e dispostos no espaço como se
estivessem disponíveis para serem usados e, abaixo da imagem, o seguinte texto, “Não é
porque a Natura está lançando sua nova linha de maquiagem que vai deixar de mostrar
mulheres de verdade”. O sujeito anunciante adota um discurso que se difere do já conhecido
nesse tipo de publicidade, que escolhe modelos maquiadas para impressionar o consumidor.
89
Na segunda página, em primeiro plano, à esquerda, há a imagem da famosa jornalista
Marília Gabriela, segurando o rosto com as duas mãos e sorrindo discretamente, com ar de
satisfação e felicidade. Ao lado, a imagem de produtos de maquiagem, pó compacto,
delineador para olhos, conjunto duo de sombras, seguida do dizer: “como a Marília Gabriela,
que adoraria ter as sobrancelhas da Thalma de Freitas”.
No canto superior direito, outra
imagem, agora bem menor, da jornalista num momento de leitura, em um ambiente que
parece ser a sua própria casa, seguida de uma declaração sua: “Gosto de cuidar do meu bemestar físico para me sentir segura. Primeiro para mim, para dentro, depois para fora, para os
outros.” Logo abaixo, a indicação da autora como “Marília Gabriela, jornalista e Gente Bonita
de Verdade”. No canto esquerdo, acima, a logomarca e o slogan: “bem estar bem”. Mais
abaixo, pequeno texto com a descrição e benefícios de um dos produtos de maquiagem
expostos: “Com o Duo de Sombras Natura Unica, seu olhar ganha mais vida e expressão.
Graças à sua exclusiva tecnologia, que utiliza partículas micronizadas, o Duo de Sombras
Textura Ultra Fina tem fácil aplicação e proporciona um toque sedoso, com suavidade,
durabilidade e resistência à água.”
Na terceira página, com os elementos dispostos da mesma maneira, a foto agora é da
atriz e cantora Thalma de Freitas, tocando seu queixo suavemente, com os dedos da mão
direita, como que destacando, numa expressão de leveza e tranquilidade. Os produtos de
maquiagem agora são: base firmadora para o rosto e blush, abaixo dessa imagem diz-se: “A
Thalma de Freitas, que sonha ter o queixo da Mônica Batoni.” A pequena imagem da atriz no
canto superior esquerdo está associada à transcrição de sua fala:” o conhecimento é o maior
bem que uma pessoa pode ter. Porque se ela sabe das coisas, pode se cuidar, se proteger. Eu
acho que o melhor jeito de ajudar não é dando o peixe, mas ensinando a pescar.”,“ Thalma de
Freitas, atriz e Gente Feliz de Verdade”.
E ainda, e o que é mais importante, a apresentação do produto propriamente dito:
“Aplique a Base Compacta Natura Unica e realce os traços do seu rosto. Com o efeito
aveludado de um pó, a Base Compacta Protetora cobre pequenas imperfeições e uniformiza o
tom da sua pele. As HidroSphere, microesferas de colágeno de origem marinha, exclusivas da
linha, garantem a hidratação, e o FPS 15 auxilia na prevenção do envelhecimento precoce.”
Em mais uma página, a última, surge a imagem da consultora de produtos Natura,
Mônica Batoni, e ao lado, a foto de batons, acima do seguinte texto: “E a Mônica Batoni, que
faria de tudo pelos lábios de Marília Gabriela.” Disposto como nas páginas anteriores, o que
diz Mônica: “Assim que as pessoas descobrem como é bom se cuidar, elas passam a gostar
mais de si mesmas. Participar desse processo é muito gratificante.” “Monica Batoni,
90
Consultora Natura e Gente Bonita de Verdade.” Quanto aos batons expostos, descreve: “Um
toque de Batom Extremo Conforto Natura Unica protege e valoriza seus lábios. O Batom
Extremo Conforto FPS 15 possui uma inovadora textura ultrafina, que forma um filme natural
e desliza nos seus lábios. Ele é macio, fácil de aplicar e mantém a cor, o brilho e a hidratação
por muito mais tempo.”
Há nessa propaganda um entrecruzamento de diferentes discursos. Os sentidos
produzidos a partir da análise de sua materialidade simbólica retomam gestos do
interdiscurso. Nota-se, a princípio, o discurso da beleza como característica imprescindível à
mulher, o que remete à ideologia de que para ser feliz é preciso ser esteticamente perfeita.
Mesmo a mulher publicamente reconhecida, profissional e bem sucedida como Marília
Gabriela, Thalma de Freitas e Mônica Betoni, aparecem nesse anuncio subordinadas à beleza
e à fragilidade.
Elas também não estão totalmente satisfeitas com seu corpo, com seus traços
peculiares. Marília Gabriela “adoraria ter a sobrancelha da Thalma de Freitas, que por sua
vez, “sonha ter o queixo da Mônica Batoni”, que “faria de tudo pelos lábios da Marília
Gabriela”. Buscando uma aderência do sujeito-mulher, público alvo dessa peça publicitária, a
FD gera o discurso de que toda mulher deve buscar através de algum cosmético a
possibilidade de corrigir imperfeições, modelar o corpo e restaurar traços, do rosto, com os
quais não está satisfeita.
Com os seguintes dizeres: “Com o Duo de Sombras Natura Unica seu olhar ganha
mais vida e expressão”; “Aplique a Base Compacta Natura Unica e realce o traço do seu
rosto... Cobre pequenas imperfeições e uniformiza o tom de sua pele”; “Um toque de Batom
Extremo Conforto Natura Unica protege e valoriza seus lábios”. O sujeito anunciante vende
aquilo de que necessita o sujeito consumidor para alcançar a perfeição estética. E é essa FI, a
da perfeição estética, a base do dizer dessa propaganda. Há um discurso limitante e perverso
sobre a feminilidade, materializado nos elementos lingüísticos utilizados na sua elaboração,
que atribuem à mulher não apenas o lugar de objeto de desejo, mas também faz crer que para
se sentir bem e para ser feliz é preciso ser bonita, mas não ter “defeitos”.
Considerando as condições de produção em sentido amplo, ou seja, o contexto sóciohistórico e ideológico, como diz Orlandi (2009), o sujeito anunciante supõe que o público
feminino, consumidor dos produtos cosméticos de beleza anunciados, encontrará nesse
modelo de mulher tanto a sua realidade (mulheres que trabalham, que buscam independência
financeira, que alcançaram sucesso no que fazem, que se cuidam e tem algo que gostariam de
mudar ou melhorar em sua aparência para se sentirem melhor), quanto a realização de seus
91
desejos (a correção de traços com os quais não estão satisfeitas e que lhe garantiria beleza,
perfeição estética).
Essa posição do sujeito decorre do que Pêcheux formula sobre os protagonistas do
discurso e que faz parte das condições de produção e implica o mecanismo imaginário. Tratase da imagem do sujeito locutor ( quem sou eu para lhe falar assim?), da posição sujeito
interlocutor (quem é ele para me falar assim?) e do objeto do discurso ( do que estou lhe
falando? Do que ele me fala?). E, no caso do discurso aqui tratado, pode-se perceber que o
sujeito publicitário vale-se de uma imagem feminina não mais associada àquela socialmente
definida há um tempo atrás como a cuidadora do lar, dos filhos, que deve se cuidar para
agradar ao marido.
Em aderência a um modelo cultural mais recente, fruto da luta pela emancipação da
mulher, a imagem feminina, evocada nessa peça publicitária é a da mulher que tem uma
posição profissional, que é independente, inteligente, com ideias próprias, exemplos de
sucesso e que acima de tudo preza pela auto-estima, mas, ainda, associada à beleza e
perfeição estética. Os produtos de maquiagem são oferecidos a elas para corrigir seja o
queixo, a sobrancelha ou os lábios. Percebe-se
uma
relação
paradoxal
nos
sentidos
produzidos nesse discurso.
Os elementos simbólicos constituintes do dizer dessa propaganda, descritos nessa
análise, provam que, mesmo destacando características como inteligência, perspicácia e
independência, para construir o sentido de feminilidade, esse discurso é atravessado por outro
discurso. Este discurso outro é justamente o que interessa ao mercado e, por isso mantém uma
relação com padrões de beleza marcados historicamente, e que impõem à mulher o ideal de
sedução e de conquista pela beleza. Afinal, qual é essa “mulher de verdade” que a Natura faz
questão de mostrar ao longo dessa propaganda? Pode-se depreender, através do interdiscurso,
que a expressão “mulher de verdade”, no discurso analisado nos remete, pela memória, ao
sentido de que as mulheres mostradas são reais, pois são conhecidas do público, sabe-se de
suas rotinas e necessidades cotidianas. Não são modelos selecionadas apenas por sua beleza
física, como fazem outras propagandas do gênero, a fim de que o sujeito se filie Ao seu dizer.
Outro sentido ainda é o de essas mulheres serem famosas e cheias de sucesso, mas
ainda assim não se sentirem completas quanto à beleza, elas têm as mesmas insatisfações que
as não famosas, e por isso, junto à Marília Gabriela e Thalma de Freitas, ambas artistas e
frequentemente mostradas pela mídia televisava, a marca anunciante escolheu uma outra
mulher, anônima, “apenas” uma consultora de cosméticos, fazendo crer que estão todas em
nível de igualdade quanto à busca pelo bem estar e beleza, são “de verdade”, porque são
92
iguais a todas as outras (à potencial leitora-consumidora da maquiagem que tem uma
“solução” para as imperfeições no rosto).
Os discursos que se cruzam aqui demonstram como os sentidos de feminilidade se
relacionam, mesmo representando o passado e o presente. Há, um retorno à memória e uma
resignificação de sentidos. “Todo dizer, na realidade, se encontra na confluência dos dois
eixos: o da memória (constituição) e o da atualidade (formulação) (Orlandi, 2009).
Voltando ao slogan da marca, considerando sua função e importância na elaboração
desse gênero de texto, constata-se que o dizer “bem estar bem” remete a um sentido de que a
aquisição do produto e seu uso pressupõem bem estar. Reforça o que seria o compromisso do
sujeito empresa, não apenas com o leitor-consumidor, mas também com o planeta.
Vale ressaltar que a logomarca que aparece sobre o slogan sugere uma folha ao vento
e que esta empresa de produtos cosméticos se filia a um discurso ecologicamente correto.
Segundo a Natura, para desenvolver seus produtos, ela mobiliza uma rede de pessoas capazes
de integrar conhecimento científico e o uso sustentável da rica biodiversidade botânica
brasileira. O discurso mercadológico, evidente nos sentidos apreendidos tanto no uso da
linguagem verbal quanto não-verbal que compõem a propaganda, é articulado a outro
discurso, o discurso ecológico. Assim pode-se afirmar a presença do discurso transverso, ou
seja, há a articulação de um pré-construído em outro discurso. Sobre o discurso transverso
6.3.2 DOVE firming. Mulheres com curvas “de verdade”
Figura 20 – Propaganda Dove firmming, loção corporal e sabonete firmadores. Fonte: Revista Marie Claire,
2005.
93
Veiculada na revista Marie Claire, em agosto de 2005, a propaganda do sabonete e
loção firmadora Dove, é parte de uma campanha da marca, intitulada “Real Beleza”. Foi
criada pela agência Ogilvy em 2004 e se baseou em uma pesquisa de comportamento,
realizada em 10 países com três mil mulheres, que mostrou: somente 2% das mulheres
pesquisadas se achavam bonitas; 75% definiam sua beleza como sendo mediana; e 50%
entendiam que seu peso estava acima do ideal.
Segundo declarações Marcella Puglia, gerente de marca da Unilever , no próprio site
da empresa, esta campanha pela real beleza está alinhada com a nova filosofia da marca que
defende a diversidade. Para ela, Sentir-se bonita é o principal e todas as mulheres podem se
sentir assim, se cuidando e criando seu próprio estilo de beleza. Marcella considera que hoje
em dia a definição de beleza é bastante limitada e isso gera frustração, levando as mulheres a
se sentirem impotentes em atingir o padrão de beleza estabelecido
Essa imagem traz a fotografia de mulheres sorridentes e em momento de descontração,
vestidas à vontade, apenas com lingerie. Ao lado da fotografia, um texto verbal: “Deixar
modelos tamanho 36 mais firmes não teria sido nenhum desafio”. “Sistema firmador Dove.
Testado em curvas de verdade”. No canto inferior esquerdo, a fotografia dos produtos
anunciados, uma caixa de sabonete e um pote de loção, ambos contendo em seus rótulos a
indicação de colágeno em sua fórmula.
Abaixo da fotografia e em fonte menor o seguinte dizer: “Sabonete mais loção com
colágeno garantem 90% de eficácia firmadora”, com asterisco indicativo de texto
esclarecedor, que aparece em letras bem pequenas: “pesquisa realizada com 573 mulheres”.
Compondo ainda o anúncio, no canto inferior direito, há a divulgação do endereço eletrônico,
“www. campanhapelarealbeleza.com.br”.
As mulheres que aparecem na fotografia estão distantes das modelos magérrimas,
típicas das campanhas publicitárias. Elas certamente usam tamanhos maiores que 36 e
correspondem a “mulheres reais”, bonitas, mas com quilos a mais e silhuetas não tão enxutas
como era de se esperar em anúncios do gênero. Numa tentativa de inovar, apresentando
mulheres estigmatizadas socialmente, o sujeito publicitário aposta na diversidade como uma
inovação de mercado. “A campanha fez com que a marca obtivesse um crescimento histórico
de aproximadamente 700% nas vendas mundiais nos dois anos seguintes”.
Há uma interdiscursividade no dizer dessa peça publicitária, através da materialidade
da linguagem verbal e imagética, capaz de causar um efeito social positivo, uma vez que
parece reavaliar conceitos que beneficiam grupos estereotipados. Há gestos do interdiscurso
presentes aí, os questionamentos recentemente impulsionados pelas conquistas da mulher
94
moderna com relação a padrões de beleza impostos socioculturalmente, um olhar mais realista
quanto aos “milagres” oferecidos pela indústria cosmética, estão significando nesse dizer.
Na imagem da mulher com “curvas de verdade”, tão de bem com a vida, o sujeito
consumidor, provavelmente entre as 50% das entrevistadas que consideram seu peso acima do
ideal, vê a possibilidade de ser feliz, em sua realidade. Para ela é a abertura para um novo
contexto menos preconceituoso. A FD em que se inscreve esse discurso dialoga com a da
Natura. O sujeito discursivo, tanto o sujeito anunciante quanto o sujeito consumidor, se filiam
a dizeres recentes sobre a mulher, que refletem uma emancipação social muito significativa
no que diz respeito a padrões de comportamento. Essa FD pertence a uma FI feminista e de
defesa do politicamente correto.
A imagem de mulheres acima do peso, utilizada nessa peça, dialoga com a imagem de
mulheres com corpos esbeltos, mais comumente utilizadas em propagandas desse tipo,
propondo questionamentos. Isso demonstra a adesão, por parte do sujeito discursivo, a novos
conceitos socioculturais que promovem grupos até então estigmatizados. A posição que o
sujeito assume nesse discurso permite compreender o sentido que a imagem e as palavras
utilizadas adquirem, ou seja, é a partir da FD a qual o sujeito se filia que se pode reconhecer a
FI materializada na linguagem. Com base no que afirma Pêcheux em uma de suas teses:
As palavras, expressões, proposições etc., mudam de sentido segundo as
posições sustentadas por aqueles que as empregam, o que quer dizer que elas
adquirem seu sentido em referência a essas posições, isto é, em referência às
formações ideológicas (no sentido definido mais acima) nas quais essas
posições se inscrevem (PÊCHEUX, 2009).
Assim, a expressão “curvas de verdade” utilizada pelo sujeito anunciante, nessa peça,
assume um sentido específico, no interior desse discurso, por causa da relação que tem com
outros dizeres tanto verbais como em: “Deixar modelos 36 mais firmes não teria sido nenhum
desafio”, quanto com a imagem de mulheres mais “cheinhas” que ilustra a propaganda. A
expressão “curvas de verdade”, evidencia a visão equivocada de quem acredita que modelos
magérrimas, como exigem os comerciais que exploram o corpo feminino, tem curvas.
Somente naquelas mulheres de manequim acima do 36 é que se pode realmente ver curvas.
O pré-construído desse dizer revela a adesão do sujeito a um discurso politicamente
correto, um discurso distante de qualquer preconceito quanto aos padrões estéticos femininos,
um discurso que lhe aproxima do sujeito-mulher consumidora, aquela que diz se considerar
95
acima do peso ideal, segundo pesquisa, e que provavelmente encontrará no sabonete e loção
firmadora Dove uma possibilidade de se aproximar dos padrões estéticos mais aceitáveis.
O sujeito anunciante dessa propaganda, apesar das marcas visíveis de um discurso
politicamente correto, sem preconceitos, toma como modelo de pele firme ideal, exatamente
aquelas mulheres de manequim 36, o que evidencia uma contradição. Esse sujeito, filiado
também a uma FD mercadológica, joga com a linguagem, deixando marcas de uma ideologia
dominante quando se trata da estética feminina. Vinculado a uma FI da perfeição estética
tendo a magreza como padrão, é esse padrão que o influencia a vender uma loção firmadora, é
esse padrão que a consumidora insatisfeita deseja. De onde se depreende que a ideia de
feminilidade, mesmo nessa propaganda, está vinculada à beleza física.
Considerando as condições de produção desse discurso, vê-se, por parte do sujeito
anunciante, a preocupação com um discurso que favoreça a mulher “fora dos padrões”. Vivese um momento social de questionamentos de valores e crenças, o tratamento dispensado a
grupos minoritários vem sendo revisado de modo a se criar uma consciência que desencoraje
a discriminação e o preconceito. Também as conquistas femininas que refletem
principalmente em maior liberdade de expressão são condições determinantes dos efeitos de
sentido nesse discurso.
A emancipação de papeis sociais assumidos pela mulher, antes submissa à figura
masculina, e uma nova ideologia de afirmação do feminino na sociedade hoje, como
reparação de uma história de opressão, fazem parte das condições de produção dos sentidos
nesse discurso. A posição dos sujeitos também intervém na produção do discurso, isto é, o
sujeito, do ponto de vista do seu interlocutor e não em sua realidade empírica. Tratam-se das
formações imaginárias que resultam da antecipação que o sujeito faz a seu interlocutor
prevendo o sentido que seu discurso produz. Acrescentando que
As diversas formações resultam, elas mesmas, de processos discursivos
anteriores (provenientes de outras condições de produção) que deixaram de
funcionar, mas que deram nascimento a “tomadas de posição” implícitas que
asseguram a possibilidade do processo discursivo em foco (PÊCHEUX,
2010).
Com isso, é correto dizer que o sujeito anunciante, a marca de cosméticos Dove, está
ciente dos estigmas que limitam e oprimem grande parte das mulheres na sociedade e da
necessidade de repensar valores culturalmente impostos quanto à estética feminina. Ele se
antecipa a esse sujeito mulher e se colocando como um aliado, leva a uma reflexão que
possibilite uma ruptura desses estigmas e de preconceitos.
96
Vale ressaltar a contradição já mencionada acima, entre essa posição do sujeito e outra
materializada no texto verbal que explicita um padrão social de beleza como parâmetro.
Como se vê, o manequim 36 é o ideal para esse sujeito, vinculado a uma FD que privilegia a
magreza, o corpo enxuto como padrão ideal de beleza. Compreende-se, então que mesmo se
utilizando de uma estratégia politicamente correta, o discurso sobre a feminilidade nessa
propaganda não leva em conta, como quer parecer, a mulher real ou a sua real feminilidade.
6.3.3 Beleza é... NIVEA
Figura 21 – Propagada NIVEA, produtos disversos. Fonte: www.portaldapropaganda.com.
Mais uma propaganda da marca Nivea, peça que faz parte de uma campanha sob o
mote “Beleza é...”, foi criada pela TBWA da Alemanha e lançada em agosto de 2007. A
campanha chega ao Brasil com adaptação da agência Africa. Segundo declaração da diretora
de marketing da empresa, o objetivo é dar liberdade para que cada mulher faça sua própria
definição de beleza. É uma peça diferente de todas as outras analisadas aqui, pois não há a
exposição do produto anunciado.
97
O anuncio chama a atenção pela sutileza de sua elaboração, não se sabe qual é o
sujeito anunciante até se visualizar a logomarca da empresa. A ausência do produto e da
descrição de suas características e benefícios suprime o tom apelativo do qual se vale o
discurso publicitário na busca do convencimento. Em vez disso, o imperativo é um convite à
liberdade e originalidade, seja pela disposição do sujeito modelo na imagem, uma mulher
despojada, com semblante de satisfação e bem-estar inspirando ousadia e originalidade, mas
ao mesmo tempo graça, beleza e sensualidade através, principalmente, do olhar, traço mais
destacado na garota-propaganda.
A publicidade tem se moldado às transformações do indivíduo contemporâneo, como
atesta Lipovetsky (2009, p. 220), quando diz: “Numa era de prazer e de expressão de si, é
preciso menos repetição cansativa e estereótipos, mais fantasia e originalidade. A publicidade
soube adaptar-se muito depressa a essas transformações culturais”.
No jogo simbólico pictórico utilizado pelo sujeito anunciante há a predominância de
um discurso que atribui poder à mulher. Há um apelo emocional, uma chamada à reflexão
sobre a figura feminina contemporânea, mais dona de si, independente e que tem “brilho
próprio”. Trata-se de um discurso elaborado para estabelecer uma imagem positiva do
produto. Considerando o jogo imaginário, as posições ideológicas e o processo sócio-histórico
em que se produz o dizer dessa propaganda é que se lhe pode atribuir sentido.
Pensando os efeitos de sentido nesse discurso, pode-se dizer que um sentido mais
imediato seria o de bem-estar e felicidade associados à beleza, referida aí de modo implícito.
Esse efeito de sentido só é possível, se o sujeito interlocutor estiver envolvido no contexto em
que a marca do produto é consumida. Além de saber que a logomarca é de uma empresa de
produtos cosméticos, é preciso saber, também, de sua representatividade e credibilidade no
mercado. Ela só significa a partir do contexto sócio-histórico e ideológico, dos sujeitos
envolvidos, das condições de produção e da memória discursiva recuperando os já-ditos do
interdiscurso.
Os sentidos são constituídos nessa propaganda levando em conta a filiação do sujeito
em uma Formação Discursiva da ditadura da beleza. Não há como escapar à ideologia da
perfeição estética, mesmo sob a tentativa de “humanizar” a comunicação com o sujeito
consumidora, materializada numa linguagem mais afetiva e que, segundo Maria Laura Santos,
diretora de Marketing da Nivea, “Explora a beleza de forma holística, em todas as suas
dimensões – não só como a pessoa se vê, mas também como é e se sente”.
A imagem utilizada nessa peça mostra uma situação do cotidiano, um grupo de
mulheres, certamente em um evento para este público, demonstrando sensação de bem-estar e
98
descontração. A lata de bebida, a jaqueta, o sorriso compartilhado das modelos são elementos
que podem representar modernidade e liberdade que ilustram o conceito de beleza “de forma
mais holística”, como pretende o sujeito anunciante.
O sujeito consumidor, interpelado ideologicamente, pode identificar-se, ou não, com
esse conceito de beleza, que leva em conta seus valores e sensações. E, sabedor de um novo
perfil de consumidor, mais questionador e zeloso pelo bem-estar, o sujeito empresa
anunciante, com o manifesto “Beleza é...”, tenta se aproximar do cotidiano desse sujeito,
respeitando-o.
Se “As palavras falam com outras palavras”, o conceito de beleza, no dizer verbal
“Beleza é ter brilho próprio”, é parte de um discurso que se delineia na relação com outros
discursos. Um dos efeitos de sentido que esse discurso produz é o de que a beleza é
imprescindível, toda mulher tem que ser bonita. Através de pesquisa realizada com mulheres
de vários países, com idade entre 20 e 70 anos, o sujeito empresa objetivou dar liberdade para
que cada mulher fizesse sua própria definição de beleza.
Sabendo-se disso, outro sentido
presente aí é o de que a beleza vai além da aparência física, beleza é ter atitude, amor próprio,
beleza é ser original, numa relação com o discurso dos protestos feministas atuais.
São sentidos determinados ideologicamente, ancorados em uma FD que lhe permite
dizer assim, considerando as novas orientações publicitárias que “faz eco às metamorfoses do
indivíduo contemporâneo, menos preocupado em exibir signos exteriores de riqueza do que
em realizar seu Ego” (LIPOVETSKY, 2009, p. 220 ). Como se salienta na citação:
O discurso se constitui em seus sentidos porque aquilo que o sujeito diz se inscreve
em uma formação discursiva e não outra para ter um sentido e não outro. Por aí
podemos perceber que as palavras não têm um sentido nelas mesmas, elas derivam
seus sentidos das formações discursivas em que se inscrevem (ORLANDI, 2009,
p. 43).
As posições dos sujeitos envolvidos nesse discurso, o sujeito anunciante Nivea e o
sujeito mulher consumidora dos produtos, permitem compreender os sentidos assumidos pela
materialidade simbólica que compõe o discurso nessa peça publicitária. Isso quer dizer que
para ser sujeito do que diz, o anunciante, empresa Nivea, assume uma posição de autoridade
no que produz.
Trata-se de um sujeito reconhecido pela eficiência e credibilidade que seus produtos
alcançaram no mercado, é também um sujeito detentor de poder, porque aos produtos que
fabrica, os cosméticos, é atribuída a possibilidade de transformação estética e de
rejuvenescimento. Quanto à posição do sujeito consumidor, é resultante justamente dos
99
anseios gerados pelos padrões estéticos sócio-culturalmente perpetuados, fazendo-lhe crédulo
dos “milagres” oferecidos pelos cremes hidratantes, rejuvenescedores, firmadores, redutores
de medidas etc.
O discurso que tem sido disseminado com as crescentes conquistas da mulher na
sociedade enfatizam suas características mais essenciais. Afinal, que mulher é essa para a qual
beleza é ter brilho próprio? Por que essa propagada lhe diz assim? Traços como força,
coragem, inteligência lembram e atestam a capacidade que a mulher tem de assumir novos
papeis, antes limitados aos de dona de casa, mãe e objeto de desejo do homem. Este último,
por muito tempo, foi responsável por fazer da beleza a qualidade mais valorizada e pela qual
valem sacrifícios.
Buscando uma identificação do consumidor mulher, o sujeito anunciante do discurso
na publicidade atualiza o que diz, a mulher mostrada em seus comerciais, agora, busca brilho
próprio, cuidado, alegria, amor...É esta a mulher imaginada pelo sujeito publicitário para que
este lhe diga o que diz, do modo que diz.
É a partir das formações imaginárias, mecanismo próprio de todo processo discursivo,
que a posição dos sujeitos intervém na produção de sentidos. A imagem que o sujeito empresa
faz do sujeito consumidor, a mulher, considera esta em seu momento de questionamento de
valores e por isso, menos passiva diante do discurso da necessidade de perfeição estética.
Então, o anuncio que elabora oferece muito mais que beleza física, oferece bem-estar, porque
leva em conta seus anseios mais essenciais. Vale ressaltar que, apesar de não expor um
produto, a Nivea continua produzindo cosméticos rejuvenescedores e embelezadores do
corpo, portanto muito longe de apenas levar em consideração o brilho natural feminino, sem
retoques artificiais. Trata-se de um discurso que considera a feminilidade ainda em sentido
limitado, mesmo que tente se aproximar de aspectos de sua essência.
Nas três peças que compõem esse bloco de análise o que há de comum é o fato de
adotarem um discurso que tenta se distanciar do já conhecido nesse ramo de produtos, o da
valorização de padrões estabelecidos que limita a liberdade feminina, excluindo pela
imposição de perfeição estética. Para a produção de sentidos nesses anúncios deve-se
considerar uma FD da valorização da beleza interior, que não está limitada aos aspectos
físicos. É um discurso que pertence a uma FI do feminismo moderno, que dissemina uma
imagem de mulher mais livre da ditadura da beleza e menos passiva diante dos discursos
opressores da mídia.
No entanto, na materialidade discursiva dessas propagandas, há marcas reveladoras do
discurso do qual tentam se diferenciar na conquista de um público consumidor, agora mais
100
consciente e questionador. Como exposto na análise, a “mulher de verdade” da natura ainda
não está totalmente livre da ditadura de perfeição estética, uma vez que, através da
maquiagem anunciada procura corrigir imperfeições e transformar o próprio corpo. “A real
beleza” da Dove, apesar de mostrar modelos de diversos manequins, ainda valoriza a
magreza. A Nivea, em seu manifesto inovador, não deixa de mostrar que “beleza é...” estar
esteticamente dentro de padrões culturais socialmente impostos.
Na materialidade simbólica verbal e não-verbal, em que se expressa o discurso dessas
peças publicitárias, há elementos que mantém uma regularidade e por isso o sentido parece já
estar lá, óbvio. Mas se a linguagem é o lugar onde o sentido se constrói, é a partir da posição
do sujeito e das brechas dessa linguagem que é possível perceber/interpretar produzindo
outros sentidos.
Quando as peças publicitárias em questão mostram mulheres em situações cotidianas,
quando utilizam temas e títulos em defesa de uma um conceito de beleza mais libertador,
podem, a princípio fazer crer num discurso que considera a feminilidade em sentido mais
positivo. Mas, porque há a presença da ideologia constituindo o sujeito-leitor, que está
inscrito historicamente e considerando ainda o efeito que vem pela memória, o interdiscurso,
é que se pode extrair outro sentido ressoando por traz da materialidade apenas. É a partir da
FD mercadológica que o sentido de beleza nesses anúncios se evidencia, sob a imagem da
mulher esbelta que toma refrigerante, da pela realçada por maquiagem e pelo manequim 36
tão lembrado.
101
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pensando-se que, se além da economia e da tecnologia há o simbólico, construindo um
sistema de valores para constituir vínculos sociais nas comunidades modernas sob a influência
das mídias, o discurso de informação presente nas propagandas assinalam posições
ideológicas integrantes de outros discursos que o antecedem e o sucedem. Assim,
materializado em textos que se utilizam de recursos visuais fortemente elaborados, com
dizeres impregnados de ideologia, esse discurso constrói a identidade da mulher,
estabelecendo padrões de comportamento, que muitas vezes contraria a própria essência
feminina.
O discurso presente na propaganda de cosméticos leva em conta o imaginário
feminino diante de uma sociedade de consumo cada vez mais excludente e exigente quanto à
manutenção da beleza e da juventude. Esse discurso considera, ainda, a necessidade de a
mulher conquistar um parceiro, tendo que, para isso, atender a um padrão de corpo perfeito e
envolto em erotismo e sensualidade.
Neste trabalho, pode-se concluir que, apesar de todas as conquistas das mulheres, não
apenas no campo profissional, mas também na vida amorosa, ela ainda é vista como objeto de
consumo. A publicidade reforça essa visão sobre o que é a feminilidade, produzindo um
discurso impregnado de já ditos que, historicamente sempre revelaram o machismo e sexismo
presente na sociedade.
Como o corpo passou a ser idolatrado na cultura de consumo, a preocupação quanto à
manutenção da juventude e a necessidade de atender ao padrão de corpo perfeito, é cada vez
mais comum. E é a adesão das mulheres a esses novos valores, que mais contribui para o
vertiginoso crescimento do mercado de cosméticos e da indústria da propaganda voltada a
esse público.
Assim, as mulheres são induzidas a consumir e a viver de acordo com o que
é transmitido como ideal e desejável para elas pela mídia, o que influencia
seu comportamento e seu modo de ser-no-mundo (BORIS; CESÍDIO, 2007,
p. 474).
As propagandas analisadas no quinto capítulo desse trabalho mostram a forma
apelativa como o discurso sobre a feminilidade é elaborado. Apontando para formações
discursivas da ditadura da beleza, remete à formação ideológica do corpo não apenas como
objeto de desejo sexual masculino, mas também como instrumento de competição com outras
102
mulheres. Apesar de tentar uma abordagem mais democrática sobre os padrões estéticos e o
comportamento feminino, as características postas em evidência na propaganda, através de
elementos simbólicos impregnados de significados na cultura moderna, ressaltam muito mais
os atributos físicos da mulher.
Isso faz pensar que ser mulher e estar no mundo é menos um ato criativo e produtivo,
e mais um ato de consumo. Assim, a liberdade individual feminina, que se transformou em
um dos marcos da pós-modernidade é contraditória, de certa forma, quando se pensa nessas
formas de comportamento pré-formatadas. Então não há uma liberdade de mostrar-se a sua
maneira. No contexto midiático e do consumo, isso é uma ilusão, vendida pela publicidade.
Pode-se perceber também que, ao influenciar na transformação do corpo como forma
de valorização da beleza, o discurso das propagandas analisadas revelam uma ideologia
presente nessas atitudes, legitimadas socio-historicamente. Evidencia-se, também, uma
relação de poder no discurso publicitário, uma vez que o sentido de feminilidade está pautado
em uma formação discursiva mercadológica. À publicidade não interessam os traços que
particularizem a figura feminina, para a propaganda, interessa a mulher coisificada, pois é seu
corpo, sensualizado e perfeito esteticamente, que faz vender.
Ao lado disse, cabe discorrer, há a tentativa de se adequar a novos discursos, mais
politicamente corretos ou mais atualizados quanto à posição da mulher contemporânea. As
propagandas apresentadas e analisadas nesse trabalho trazem em sua constituição linguística,
seja através do verbal ou imagético, traços de uma nova mulher.
As imagens analisadas, especialmente nas peças publicitárias das marca Dove e
Natura, transmitem uma visão do feminino aliado ao bem-estar, alegria de viver,
desprendimento e originalidade. É possível perceber uma preocupação em ressaltar e destacar
nas imagens aquelas características até então ridicularizadas pela mídia. Seja na proposta de
mostrar mulheres felizes de verdade ou uma beleza real, essas marcas tentam uma
representação do feminino de forma mais democrática.
É possível se depreender outra formação discursiva, a da necessidade de conquistar
um parceiro, gerada por uma formação ideológica que impõe o casamento como uma
necessidade, uma salvação. Reflexo de uma época em que o casamento era do máximo
interesse das mulheres porque só assim poderiam ter uma vida sexual socialmente aceitável.
Com as conquistas e emancipação da mulher, a ênfase a seu papel de cuidadora do lar
e da família, como sendo essencial para atrair um marido, deu lugar à sensualidade e aos
atributos físicos. A exibição do corpo feminino em anúncios publicitários dispostos ao olhar
masculino, mantem a mesma ideologia do machismo e sexismo que, outrora, a mantinha presa
103
às atividades domésticas. A diferença é que agora, atendendo a novos paradigmas, ressalta sua
independência e liberdade sexual.
Com isso, o que se pode perceber é que, nas sociedades atuais, ainda se permite que a
publicidade trate a mulher como desprovida de valores, sem sentimentos, sem pureza, sem
inteligência, quando destaca apenas seus atributos físicos. Mas, buscando um apelo
diferenciado, percebe-se também um discurso de valorização das diferenças corporais e de
auto-aceitação da forma física, mesmo que sutilmente marcado por padrõe estéticos e coerção
à compra de produtos.
Os resultados das análises mostram que a construção do sentido de feminilidade no
discurso das peças publicitárias que vendem cosméticos tendem a desprezar a singularidade
da mulher, pensando essa singularidade como a expressão de sua essência, sem a imposição
de papeis culturalmente determinados. Quando ousa inovar mostrando gestos, sentimentos e
atitudes genuínos da mulher, ainda se prende a padrões de corpo-beleza disseminados pela
sociedade de consumo.
Considerando que toda pesquisa possui limitações, fica em aberto a possibilidade de
futuros olhares sobre esse estudo. Por se tratar de um tema profícuo, muitas discussões podem
ser desenvolvidas. Além do discurso sobre a mulher, a linguagem publicitária com seu poder
de manipulação pode render ricos trabalhos.
104
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