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Índice
Prefácio
introdução.
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QUANDO O SEU ENTE QUERIDO FALECE
parte i. LEVANTAR O FINO VÉU ENTRE OS REINOS
1. Histórias de aparições
2. A forma como os espíritos tentam comunicar consigo
3. Histórias de clientes sobre os seus entes queridos falecidos
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parte ii. COMUNICAR COM OS SEUS ENTES QUERIDOS
FALECIDOS
4. Usar a intuição para ver o outro lado
5. O seu horário diário de cura e reconexão
6. Perguntas dos leitores sobre os seus entes queridos falecidos
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69
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parte iii.VER POR QUE AINDA ESTÁ AQUI
E O QUE FAZER AGORA
7. A sua missão de alma revela os seus dons
8. Os seus ciclos de sofrimento de reinvenção
9. Use a sua dor (raiva, culpa e culpabilização) como estímulo
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153
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parte iv. AJUDAR OS OUTROS
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10.Histórias sobre ajudar os outros
11.Cinco conversas para curar o sofrimento
12.Quatro passos para ajudar os seus entes queridos
a fazerem a passagem
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parte v.O SEU MANUAL PARA RECUPERAR
DO SOFRIMENTO
Agradecimentos
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Prefácio
O sofrimento leva­‑te para o oceano profundo da sabedoria da tua alma;
parte­‑te o coração, deixando­‑o bem aberto.
NUM SONHO…
E
stou numa praia, rodeada por uma vasta extensão de areia
escura que se estende até onde a vista consegue alcançar. Há gaivotas a grasnar ao longe. Estou a olhar para
os olhos azul­‑água do meu pai. Ele é jovem e está empolgado
a explicar­‑me algo com mais entusiasmo do que alguma vez
vi nos últimos anos da sua vida. O seu irmão, o meu querido
tio Pete, que morreu pouco depois do meu pai, está ao nosso
lado, a rir-se.
Estamos a desfrutar da vastidão da areia e do céu e a partilhar histórias quando, ao longe, por trás deles, vejo um tsunami
gigante a rolar pela areia na nossa direção, talvez com 30 metros
de altura e a elevar­‑se ameaçadoramente sobre a paisagem plana.
Viramo­‑nos e vemos outra onda possante a rolar diretamente
para nós, vinda da direção oposta. Estamos entre estas duas
ondas que se aproximam e percebemos num instante que não há
nada que possamos fazer.
Eu pego nas mãos deles.
— Como nos vamos lembrar? — pergunto, olhando­‑os nos
olhos. — Como nos vamos voltar a encontrar?
— Não te preocupes — responde o meu tio Pete. — Encontramo­
‑nos sempre.
sue frederick
Ele grita mais qualquer coisa, mas não consigo ouvir as suas
palavras entre o ruído estrondoso das ondas. Acordo ofegante,
ainda a sentir as mãos firmes de ambos à volta das minhas, a ansiar
novamente por aquele momento, com as suas vozes na minha
cabeça, incapaz de voltar a adormecer.
Voltamos sempre a encontrar­‑nos uns aos outros? Não será
essa nostalgia interminável a tirania do sofrimento? Ou é simplesmente a nossa perspetiva limitada sobre o tempo e o espaço?
Não estaremos a ansiar pelos reinos divinos, onde tudo e todos são
luminosos e estão interligados… desejosos de regressar a uma casa
de que não nos conseguimos lembrar exatamente?
Quando os nossos entes queridos passam para outros reinos,
nunca nos deixam completamente. Nós abandonamo­‑los, por não
acreditarmos que eles continuam connosco. Deixamos de ouvir.
A nossa dor bloqueia­‑os.
Claro que ficamos zangados porque os nossos nos deixaram
sozinhos quando precisávamos deles. E ficamos zangados com o
médico que não diagnosticou o cancro ou com o condutor embriagado naquela noite, na estrada. Mas estamos sobretudo zangados
connosco, porque poderíamos ter impedido que aquilo acontecesse
se ao menos tivéssemos…
Sim, há muitos motivos para ficarmos zangados no mundo
físico, e a vida é injusta: até percebermos que tudo tem um propósito. Este acontecimento trágico é apenas um breve incidente
no percurso da sua alma. O sofrimento está presente hoje na sua
vida para o ajudar. É a sua revelação divina, forçando­‑o a lembrar­‑se
de quem é realmente e do que veio cá fazer.
Não há nenhum professor tão poderoso como a Divina Mãe
Sofrimento, mestre espiritual da dor e da iluminação. Se escolheu a Mãe Sofrimento como professora, é obviamente uma
poderosa alma antiga que veio cá porque tem uma grande obra
a fazer e para ajudar a elevar a consciência humana. Está aqui
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pontes para o céu
para ser um farol de luz para os outros. E, sim, claro que vai
conseguir sustentar­‑se com estes dons e encontrar o amor que
deseja. Está tudo à espera de que dê um passo numa nova direção.
Deixe­‑me levá­‑lo numa jornada até ao divino. Vou abrir as suas
asas e ajudá­‑lo a lembrar­‑se de como voar. Vamos voar bem alto
até ao vasto oceano dos reinos mais elevados. Deixaremos a sua
dor para trás.
Nessa altura, vai lembrar­‑se de que veio de um mundo de graciosidade e luz ao qual regressará em breve, e que esta vida terrena
é o seu sonho breve. Verá os que já partiram a dançar no éter e a
esvoaçar pela sua casa como crianças a brincar.
Esta parte, este mundo físico, é a parte difícil. Mas veio para
cá com o propósito de se educar, expandir os seus limites e surgir
como um ser brilhante e poderoso. Não é uma vítima, por mais trágica que seja a sua história.
Quando fica preso ao seu sofrimento, o seu ente querido
vê­‑o envolto numa nuvem cinzenta de energia negativa e anseia
tirar­‑lhe a sua dor. O seu sofrimento impede que os seus entes
queridos comuniquem consigo. Torna­‑se uma parede que não
conseguem atravessar.
É nos dias desperdiçados a pensar que não fomos suficientemente bons, suficientemente fortes, suficientemente espertos,
ou a dizer que não nos importamos que desiludimos o nosso eu
superior e afastamos os que já não estão connosco.
Quando voltar a abrir o seu coração e confiar na sua intuição,
ouvirá os seus entes queridos a falar. Aceitará a sua espiritualidade e ajudará os outros. Irá afastar­‑se da amargura que lesa a sua
alma e o separa do amor.
A Mãe Sofrimento vai acabar por lhe ensinar, em última instância, que a sua vida tem de ter um sentido e um propósito,
ou não terá nenhum motivo para estar aqui, e que a chave para descobrir esse propósito está dentro de si. Este livro revela a missão
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sue frederick
da sua alma e ilumina os seus próximos passos. Mas tem de dar
o primeiro deles…
Se procurar apenas acabar com a dor, ela aumentará exponencialmente. Os vícios e as distrações desviam­‑no do caminho e
tornam o seu percurso mais difícil. Ao invés, quando confia no seu
eu superior, torna­‑se um farol de luz para o mundo. E é por isso
que aqui está.
Este momento doloroso é o seu despertar espiritual, gentilmente cedido pelo seu eu superior. É o seu momento de graça.
Agora, resta apenas uma solução: cumprir a missão da sua alma e
tornar­‑se o ser de luz que está destinado a ser. Aqui e agora, pode
escolher. Tudo aquilo de que precisa está aqui. Tudo é perdoado.
Quanto a si… lembre­‑se de que é divino. E este é o seu momento.
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Introdução
Quando o seu ente
querido falece
Se estiveres a sofrer hoje, sabe que o teu ente querido tenta acalmar
a tua dor. Fica quieta e ouve…
E
stou diante de uma assistência de 200 pessoas, ou mais,
a dar um workshop de fim de semana para as ajudar a
verem o verdadeiro trabalho que têm a fazer, a missão da
sua alma. Uma mulher levanta o braço, e tenho um breve vislumbre de um homem de pé junto a ela, com um boné de basebol que
lhe tapa os olhos. Diz­‑me que o seu marido morreu recentemente
e lhe deixou muito pouco dinheiro. Que saiu do mercado de trabalho há 20 anos para criar os seus três filhos e ajudar nas tarefas
administrativas do negócio do marido. Neste momento sente­‑se
perdida sem ele e o respetivo ordenado. Posso ajudá­‑la?
Enquanto ela me conta a sua triste história, vejo que o seu espírito é luminoso e brilhante. Calculo rapidamente o seu percurso de
nascimento e vejo que é uma alma mestre no caminho do número
sagrado 11; que está aqui para inspirar e curar os outros. Ainda
tem uma grande obra a fazer. Vejo­‑a a aconselhar pessoas e a dar
workshops no futuro. É evidente que este sofrimento que sente tem
o objetivo de estimular a sua reinvenção.
A seu lado, o homem acena com a cabeça e envia­‑me a mensagem:
— Ela tem mais dons do que eu alguma vez tive. Está na hora de
acreditar em si mesma. Diga­‑lhe para ser terapeuta. É por isso que
ainda está aqui. É a vez dela. Há dinheiro para ela.
Eu passo­‑lhe esta informação e explico que este tipo de trabalho é a missão da sua alma e que vai ser ótima nele. Responde­‑me
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sue frederick
dizendo que achou engraçado porque tem sonhado em voltar a estudar e tirar psicologia, a única coisa que a interessa realmente. Mas
como poderá pagar os estudos? O homem acena novamente:
— O dinheiro está lá — diz.
Quando lhe dou esta mensagem, argumenta que não há
dinheiro nenhum. Repete a sua história triste, e consigo ver que
ela não está pronta a libertar­‑se dela ou a dar­‑lhe um novo fim.
Passo à frente e continuo o workshop, frequentemente ciente da presença do homem com o boné de basebol. Durante um intervalo
fecho os olhos e falo diretamente com ele:
— Ela precisa da sua orientação para encontrar uma forma de
financiar os estudos. Onde está o dinheiro? Tem de lhe dizer.
No final do workshop de dois dias, a mulher vem ter comigo.
— Ontem à noite tive um sonho — diz ela. — O meu marido
disse­‑me que havia outro seguro. Era sempre tão desorganizado…
Punha os papéis em qualquer lado. Mas agora acho que sei onde
encontrá­‑los quando chegar a casa. Afinal sou capaz de conseguir
voltar a estudar. Veremos. — Enquanto me diz isto, está com um
sorriso radioso. É o início da sua nova história.
Outro dia, enquanto me preparo para trabalhar com uma
cliente, vejo dois senhores adoráveis sentados à minha frente
durante a minha meditação.
— Diga­‑lhe que é ela que tem talento e não nós — dizem eles,
a rir­‑se um com o outro. — Diga­‑lhe que ela tem o dom de contar
histórias e que tem de usá­‑lo. Que pode escrever e contar a sua
própria história num documentário. É tão bonita e talentosa, mas
não vê os seus próprios dons — afirma o mais velho.
Ligo à minha cliente e começo a sessão, partilhando a minha
visão. Passou anos a promover o trabalho do seu marido e do irmão
dele, ambos artistas de sucesso e ambos falecidos. É evidente
que querem que agora ela se concentre nos seus próprios dons.
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pontes para o céu
É escritora, e está na hora de contar a sua própria história. Depois da
nossa sessão, demora algum tempo a mudar de direção, a libertar
o foco sobre os seus entes queridos que morreram, os talentos que
tinham, e volta a concentrar­‑se no seu próprio percurso. No entanto,
acaba por fazê­‑lo, e a sua grande obra desenrola­‑se lindamente.
Horas de conversas com espíritos e a partilha dessas conversas com clientes demonstraram­‑me, sem sombra de dúvida, que
os nossos entes queridos falecidos se esforçam muito para que os
consigamos ouvir. Eles tentam várias vezes ajudar­‑nos a ter uma
visão mais alargada de quem somos e do que viemos aqui fazer,
mesmo que não se comportassem assim enquanto cá estavam.
Fazer a passagem muda tudo…
Uma mulher com ar muito cansado aproxima­‑se de mim na longa
fila para autografar livros. Tem uma amiga junto a ela, com o braço
a segurar com firmeza a cintura da mulher exausta. A amiga diz­‑me
que esta mulher acabou de perder o seu jovem filho para o cancro.
— Ela não está muito bem — refere a amiga. — Consegue ver
o espírito do filho dela? — pergunta.
Sim, eu sinto­‑o. É um espírito brilhante e dançante a seu lado,
que faz tolices, dá risadas e lhe puxa o braço. Mas a mulher está
derrotada, tem o coração pesado e não consegue senti­‑lo. Sinto
que poderá ter um medicamento a entorpecê­‑la, uma droga dada
por um médico simpático com a intenção de ajudar. Mas o medicamento (provavelmente prescrito para depressão) impede­‑a de
sentir o seu lindo filho, que dança junto a si; em vez disso, sente
apenas uma brisa ligeira na sua pele e não faz caso.
Como posso ajudá­‑la a vê­‑lo? Digo­‑lhe que ele está bem e feliz,
que dança ao lado dela e que quer que ela seja feliz. Peço­‑lhe para
fechar os olhos comigo durante uns instantes e sentir a energia.
Damos as mãos em silêncio. Consigo sentir a energia do seu filho
a fazer das suas: a saltar à nossa volta. Diz:
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sue frederick
— Mãe, estou aqui. Estou bem.
A mulher sorri para mim brevemente e tem lágrimas nos olhos.
— Acho que consigo senti­‑lo — afirma. — Mas nunca acreditei
na vida depois da morte…
Explico que este sofrimento é o seu momento para despertar
espiritualmente. Digo­‑lhe para todas as manhãs ficar sentada em
meditação silenciosa e pedir para sentir a presença do seu filho.
Digo­‑lhe para falar com ele diretamente durante a meditação e
escrever quaisquer pensamentos ou imagens que lhe surjam.
Explico que, se fizer isto, trará o seu próprio espírito de volta
à vida. Saberá, sem qualquer dúvida, que o seu filho está feliz
e bem. Diz­‑me que vai fazê­‑lo.
Devido ao pesar que sente, rezo para que faça o esforço. Uma
grande parte dela não acredita verdadeiramente que o seu menino
continua a viver, mesmo quando ele lhe puxa as mangas. Passou
a maior parte da vida a rejeitar o seu eu superior e intuição e a ser
cínica. Agora está numa crise espiritual profunda. O seu falecido
filho está bem, a brilhar na luz como um pequeno buda ao seu lado,
a desejar desesperadamente que a mamã se sinta melhor. Porém, a
mãe tem de fazer um esforço para voltar a despertar o seu eu superior.
É a sua alma que está a dormir, não a do filho. Está na hora de se
lembrar de quem é e por que está aqui. A partida do seu filho destina­
‑se a inspirar este novo despertar espiritual. Este é o acordo entre
almas gémeas que fez com o seu filho muito antes do início desta
vida, e enquanto se consome com dor não percebe o objetivo, interpreta mal esse acordo e torna o seu caminho mais difícil.
Digo­‑lhe para me mandar e­‑mails sobre os seus progressos.
Um ano mais tarde, tenho notícias dela. Diz que, depois de meses
a consumir­‑se com sofrimento, começou a meditar. Diz­‑me que
tem sido milagroso, que consegue ouvir a voz do filho quando se
senta e aquieta a mente. E esta experiência, diz, lançou a sua vida
numa direção nova e cheia de esperança.
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pontes para o céu
Somos nós que morremos quando choramos pelos nossos entes
queridos. Aqueles que partem rezam para que a nossa dor desapareça, para que entendamos que tudo tem um propósito e que
podemos juntar­‑nos a eles assim que cumprirmos a nossa missão
aqui e ajudarmos a atenuar a dor dos outros.
As vozes dos meus entes que partiram são como uma canção
interminável na minha cabeça. Movem as minhas mãos pelo teclado
e enchem as minhas noites de sonhos. Sou a criança que deixaram
para trás e que observam com grande preocupação e um amor extraordinário; retraindo­‑se quando desejam ajudar, ficando calados quando
escolho o caminho errado, deixando­‑me aprender as minhas lições
como uma criança aprende a andar caindo e voltando a levantar­‑se.
Desde que vi o Paul sob a luz branca e reluzente do candeeiro
de rua, com um halo prateado em torno da cabeça e olhos roubados de um céu azul­‑oceano intenso… soube que o meu lugar era
junto dele. Via­‑me com tanta graciosidade, afagando­‑me o cabelo
para encontrar perfeição em cada falha, vendo beleza em cada
ruga. O Paul pôs as mãos na minha alma e amou­‑me.
Partilhámos tanta alegria nas nossas escapadelas: as longas
caminhadas para subir a cumes ridículos, as conversas sobre Deus,
os filmes que nos faziam rir e chorar. Com os sonhos dele dentro do
meu coração, vi o nosso futuro desenrolar­‑se. Para mim, este amor
seria um refúgio: um sítio onde me sentia a salvo de um mundo em
que os meus dons me levavam muito para lá do normal. Precisava
dos seus braços à minha volta para me aninhar, para construirmos
a nossa vida de sonho. Juntos, acharíamos uma forma de tornar
nosso este reino, fazer boas ações e prosperar. O Paul fazia­‑me feliz
todos os dias.
Sabia que ele ia morrer em breve? Sou intuitiva. Porque não vi?
A informação chegou­‑me de muitas formas para estar preparada. Contudo, por ser a criança obstinada que era, lutei contra cada
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sue frederick
revelação divina: o olhar na cara do técnico no dia em que fizeram
o exame ao fígado do Paul, a forma como esse exame desapareceu
e nunca mais se encontrou, o diagnóstico errado que não fazia sentido. Na sua primeira estada no hospital, um homem da idade do
Paul, a morrer de um cancro colorretal em fase terminal, foi transferido para o seu quarto. Enquanto o Paul ainda estava a perceber
o que significava ter um tumor nos intestinos, este rapaz em agonia
e a sua mulher desesperada (chamada Sue) permitiram­‑nos vislumbrar um futuro que não queríamos ver. Pedimos rapidamente para
nos transferirem para outro quarto.
E se eu tivesse prestado atenção aos sinais, teria ajudado? De certeza que poderia ter reagido com mais graciosidade. Podia ter mudado
mais cedo a nossa cama do andar de cima lá para baixo. Não precisava
de ter atirado o meu copo de chá gelado contra a parede na noite em
que a lata deixou vazar bílis por cima dos lençóis. Tão dramático. Mas
o meu futuro perfeito estava a ser arrancado lenta e dolorosamente
das minhas mãos. A nossa vida de sonho estava a desmoronar­‑se.
Será que o Paul sabia aonde aquela viagem nos levaria? Que acabaria
aqui, comigo a falar consigo? No final falava por enigmas, dizendo­‑me
que eu tinha um dom, pedindo­‑me para não desperdiçar a minha
vida a chorar por ele. Fez exigências impossíveis ao meu coração.
Eu devia ser a alma bebé do nosso grupo, esforçando­‑me para
acompanhar aqueles que amava. Quando pediram um voluntário para vir aos reinos físicos e cumprir uma tarefa difícil, para ser
forte e ajudar a elevar os limites da consciência, devo ter levantado
a mão… sem saber realmente o que isso implicava. Mas sabendo que
tinha de fazer algo importante, abrangente e destemido, ou seria
deixada para trás. Lembro-me de alguém me dizer que eu tinha um
coração corajoso; foi apenas um murmúrio e depois desvaneceu­‑se.
Quantas horas terão sido aqui desperdiçadas com pena de mim?
É difícil dizer. Mas tudo o que importa é que antes de deixar esta
vida, antes de terminar, o leitor já me terá ouvido.
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PARTE I
LEVANTAR O FINO VÉU
ENTRE OS REINOS
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Histórias de aparições
O véu entre os reinos é mais fino do que pensas: fino e transparente.
Fecha os olhos e sente­‑o…
N
unca houve uma altura em que os espíritos não falassem comigo, não vagueassem à noite pelo meu quarto
ou murmurassem ao meu ouvido. Eles também falam
consigo. No entanto, o leitor é melhor a ignorá­‑los, está mais
ancorado pela lógica a este mundo físico do que eu, embora tenha
tentado muito enraizar­‑me no pensamento lógico do hemisfério
esquerdo do cérebro.
Algures durante o meu nascimento, em 1951, deve ter sido feito
um dano extenso e indetetável no meu cérebro perfeito, tão grande
e preciso que praticamente reduziu o meu hemisfério esquerdo e
me deixou maioritariamente ligada aos reinos celestiais.
Desde cedo que houve seres radiantes que falavam comigo no
jardim de flores onde a minha mãe plantava margaridas, e santos
que ficavam ao meu lado todos os domingos na igreja. Foi uma
bênção ser católica; a Virgem Maria foi uma presença constante na
minha vida, tão real que falava com ela em voz alta. Mal aprendi
a fazê­‑lo, rezava o terço todos os dias.
A cidade misteriosa de Nova Orleães fez parecer os meus dons
quase normais. A minha mãe, crioula e intuitiva, descendente de
uma longa linhagem de mulheres com capacidades videntes, era
suficientemente forte para ver aquilo de que eu precisava e para me
ajudar a ficar aqui firmemente enraizada. Passava as tardes a ensinar­
‑me as letras, pronunciando as palavras precisa e logicamente até eu
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sue frederick
conseguir desenvolver o meu hemisfério esquerdo e ler as páginas.
Só tinha 3 anos. Foi o que me salvou. A minha mãe acreditava que
eu era sobredotada.
Quando cresci e ouvia o que alguém ia dizer antes de essa pessoa falar, o tempo voltava para trás e retraía­‑me. Tenho a certeza
de que parecia transtornada, perturbada. Não compreendia o riso
e porque ninguém conseguia ouvir os murmúrios dos que estavam à nossa volta. Mas eu não gostava de doidices. Era demasiado
forte para isso.
Então, fiz­‑me de morta. Passei para o modo de sobrevivência.
Aprendi a pensar logicamente, a passar de A para B, a ignorar as
visões e os sonhos. Não queria desiludir o meu carinhoso e lógico
pai. Precisava de pagar as contas. E quando os murmúrios começaram a desvanecer­‑se, dei por mim numa carreira precoce, aos
20 anos, a ensinar crianças a ler e organizar os seus hemisférios
esquerdos, porque era disso que precisava. Tornei­‑me educadora
de infância do método Montessori para me curar.
Se ao menos tivesse sabido que aqui estava para explicar
o mundo da forma como eu o via, e não tentar adaptar­‑me ou
tornar­‑me igual a todos os outros, podia ter começado o meu
trabalho mais cedo. Demorei muito tempo a fazer­‑lhe chegar
esta mensagem, para o ajudar a perceber que o véu é ténue e
que veio cá propositadamente, com uma missão. Contudo, esta
é a única coisa de que sempre tive a certeza e o dom que vim
aqui partilhar.
O MEU PAI…
Estamos em maio de 1997. O meu pai, diagnosticado com
cancro do pulmão quatro semanas antes, tem estado em coma
há dias, com dificuldade em respirar. A minha família faz turnos
22
pontes para o céu
a cuidar dele no hospital. Hoje quero ficar ao seu lado porque
sinto que vai partir. Porém, é a minha vez de tomar conta dos
seus cinco netos, incluindo a minha filha de 3 anos.
Dou um beijo na testa do meu pai, digo­‑lhe que o amo e que
o verei em breve. De volta à casa da avó, deito as crianças para
fazerem a sesta. Por fim, adormecem. Estou livre para meditar,
como faço todos os dias há 30 anos.
Sentada no sofá, fecho os olhos e repito um mantra, um som
em sânscrito sagrado e ancestral. A minha mente acalma de imediato. Num instante, tenho o meu pai nitidamente à minha frente,
a rir-se e a fazer palhaçadas. É novo e saudável. Fico encantada ao
vê­‑lo feliz e bem­‑disposto. Esta imagem é tão real e tangível que
sorrio e digo em tom de brincadeira:
— O que estás a fazer aqui, pai? Pai! — repito em voz alta,
abrindo os olhos, apercebendo­‑me de que acabei de ver claramente
o meu pai, que está num hospital a quilómetros de distância…
a morrer. Pego no telefone para ligar para o quarto de hospital.
O meu irmão atende.
— O que se passa, Jim? Acabei de ver o pai.
— Ele teve um ataque cardíaco. Estamos a tentar parar as tentativas de reanimação. Está um caos.
— Estava a meditar, e ele apareceu à minha frente, vivo e feliz.
— Isso é incrível, Sue. És vidente — diz de forma doce mas
sarcástica. — Agora põe outra vez os miúdos no carro e vem
para cá.
Quando chego ao hospital com o meu bando de bebés rabugentos, o corpo do meu pai está disposto pacificamente na cama de
hospital e a minha família está reunida à sua volta, a chorar. Fico
abalada por não ter estado com ele.
— Ele partiu — anuncia Jim quando entro. — Mas estiveste
com ele mais do que nós. Isto aqui estava um caos quando aconteceu. Viste­‑o assim que passou para o outro lado.
23
sue frederick
Continuo aborrecida por não ter estado ao lado dele para ajudá­
‑lo, mas acabo por perceber que o espírito do pai não estava preso
ao caos confuso do quarto de hospital. Estava comigo e claramente
feliz e livre! Fico grata por ter estado a meditar e por ter conseguido
vê­‑lo tão nitidamente.
Dias mais tarde, enquanto a família se reúne na sala para discutir os preparativos do funeral, a minha filha de 3 anos entra
a correr na sala e para de repente.
— Porque estão todos a chorar? — pergunta, olhando para as
nossas caras tristes.
— Porque o avô morreu e sentimos a falta dele — diz o meu
irmão Tom.
— Eu acabei de vê­‑lo a passar a voar pela janela, e ele parecia
feliz — devolve ela, com uma inocência absoluta, olhando confusa
para nós como se estivéssemos errados.
O meu irmão ajoelha­‑se à frente dela e pede suavemente:
— Diz­‑me o que viste, Sarah.
A Sarah descreve o meu pai com um ar jovem e feliz, a passar
pela janela a voar e a acenar­‑lhe. Todos nós sorrimos ao imaginá­‑lo.
Acreditamos. Isso ajuda­‑nos.
MAIS UMA HISTÓRIA…
Foi um dia que terei para sempre gravado na minha alma,
13 de julho de 1980, o dia em que o meu marido morreu. Depois
da sua batalha de um ano contra o cancro colorretal, o Paul saiu
graciosamente do seu corpo, passou pelos meus braços e subiu na
direção da chuva de uma tarde de verão no Colorado.
Após semanas de traumas médicos extenuantes, cheguei a casa
do hospital para dormir na nossa cama, que agora mora no
centro da sala. Esta cama foi onde partilhámos pela primeira vez
24
pontes para o céu
o amor e os sonhos para o futuro e, por fim, gotas de morfina
e frascos nasogástricos que marcaram o fim da vida do Paul.
Aos 35 anos, faleceu.
A sua morte deu­‑me a bênção de uma consciência inabalável
de que somos almas numa jornada e que a vida continua além
dos reinos físicos. Mas ainda assim ele partiu. Fiquei viúva e sozinha aos 29 anos. Já sinto a falta dele.
Exausta, adormeço na nossa cama e apercebo­‑me rapidamente
de que o Paul está a dormir ao meu lado. Claro que está aqui.
Ele é meu marido e consigo sentir as suas pernas quentes e fofinhas enroscadas à volta das minhas. Sinto­‑o a abraçar­‑me com
força e sinto a sua respiração no meu cabelo. Não me consigo
lembrar de onde ele esteve, mas agora está em casa.
Passado algum tempo, um homem vestido de branco aparece
ao lado da cama. Acho que deve ser um enfermeiro. Estica o seu
braço comprido por cima de mim para tocar no Paul. Lentamente
percebo que ele não está vestido de branco e que não é um enfermeiro. Está a emanar luz. E não é humano, mas outra coisa
qualquer. Não sei bem o quê. Quando ele se estica por cima de
mim, o Paul desaparece de repente detrás de mim.
Abro os olhos e vejo que são 2 da manhã, que não há ninguém
a dormir ao meu lado, nem ninguém junto à cama, vestido de
branco. Sinto a presença inconfundível de um ser divino. Percebo
que o Paul esteve aqui e que um ser superior veio buscá­‑lo. A sua
breve visita terminou, e o seu guia espiritual está a ajudá­‑lo a passar para reinos mais elevados.
Durante mais algumas noites sou acordada de repente de um
sono profundo, ao sentir uma presença no meu quarto. Quando
abro os olhos, o relógio marca a mesma hora: 2h00. A sua visita
chegou ao fim.
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sue frederick
A FALECIDA MÃE DE UMA CLIENTE
ENVIA UMA MENSAGEM
É 2011, e os meus olhos estão fechados em meditação enquanto
me preparo para trabalhar com uma cliente ao telefone. Consigo
ouvir uma voz feminina persistente a dizer­‑me ao ouvido:
— Estou a olhar pelas minhas meninas, estou a tomar chá com
elas. Estou a tomar chá com as minhas meninas…
A minha cliente chama­‑se Marya e tem 34 anos. Durante a
sessão, ao telefone, fico a saber que sofre de depressão e não
consegue orientar a sua carreira para o caminho certo. Ela odeia
o seu emprego.
A voz da outra mulher continua a persistir nos meus ouvidos.
Descrevo essa voz e a sua mensagem à minha cliente.
— É a minha mãe! — exclama Marya. — Ela morreu de
repente há dez anos, num acidente de carro. Tenho uma irmã.
Éramos as meninas da minha mãe. Quando éramos pequenas,
tomávamos chá com ela todos os dias. Quando ficámos mais
velhas, ela convidava­‑nos para tomar chá e conversar.
Descrevo a energia persistente e quase desagradável desta
mulher que ouvi falar ao meu ouvido.
— Sim, é a minha mãe — diz ela.
A morte da mãe foi um ponto de viragem terrível para Marya.
Tinha 24 anos na altura e nunca ultrapassou a perda repentina.
Isso lançou­‑a numa depressão profunda.
— Porque morreu a minha mãe de forma tão horrível? Eu precisava dela — lamenta­‑se Marya. — Quando aconteceu decidi que
o mundo era um local sombrio e não queria estar aqui. Já nada
fazia sentido.
Enquanto conversamos, um raio de sol entra pela janela do
meu escritório e brilha na parede à minha frente. O raio de sol,
sarapintado pelas folhas em movimento fora da minha janela cria
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pontes para o céu
uma forma nítida na parede. É a imagem perfeita do rosto de uma
mulher bonita. Descrevo este rosto a Marya. É a mãe dela.
Durante toda a hora da nossa sessão telefónica, olho para a
imagem perfeita do rosto da mulher na parede. O rosto nunca
apareceu no meu escritório nem antes nem depois disto. A mãe
da minha cliente estava tão determinada a que eu desse uma
mensagem a Marya que se manifestou numa imagem nítida dela
própria para que a pudesse ver.
— A sua mãe continua consigo, a olhar por si — digo a
Marya. — Tem de viver como se soubesse que ela está a ver.
Deixe­‑a orgulhosa de si.
No final da sessão, a voz de Marya está mais leve. Ela concorda
em dar vários passos pequeninos no sentido de realizar a sua
grande obra e cumprir a missão da sua alma.
COMO OS NOSSOS SONHOS NOS PODEM CURAR
Quando estava em sofrimento, uma pessoa que me era próxima e que já tinha falecido apareceu­‑me várias vezes em sonhos
para me curar. Publiquei pela primeira vez esta história sobre a
minha amiga Crissie no meu livro I See Your Soul Mate e recebi
muitos e­‑mails de pessoas a dizer­‑me o quanto a história as ajudou. Vou inclui­‑la também neste livro com a esperança de que o
inspire a ligar­‑se a alguém que perdeu.
Conheci a minha melhor amiga de sempre, Crissie, na 2.ª classe,
nos baloiços do recreio da nossa escola primária católica. O seu brilhantismo doido e humor louco ligaram­‑nos de imediato. A nossa
primeira conversa foi mais ou menos assim (embora ela fosse a
única a falar):
— Não achas «convento de freiras» uma expressão estranha,
parecida com «conserveiras»? Porque escolheria uma rapariga ir
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sue frederick
para a conserveira… ou… ser freira? Achas que todas as freiras saem
iguais de um convento de freiras, como as ervilhas saem das conserveiras? E se Shakespeare tivesse dito «Ide para a conserveira!»?
— Enquanto ela falava, ria­‑se a bandeiras despregadas, dobrando­
‑se em ataques de riso que me fizeram rir-me descontroladamente
com ela. Percebi que tinha encontrado uma verdadeira amiga,
alguém que pensava fora da norma. Nem sempre a compreendia,
mas adorei­‑a imediatamente.
Anos mais tarde, no 7.º ano, os Beatles apareceram no programa The Ed Sullivan Show. Na nossa escola primária católica,
só a minha vida e a de Crissie mudaram nesse momento. Sabíamos que os Beatles significavam mais do que apenas música maravilhosa e que nos estavam a mostrar uma vida maior e mais
empolgante, que as duas desejávamos. Prometemos uma à outra
que deixaríamos o Sul assim que acabássemos o liceu e que realizaríamos os nossos grandes sonhos. Ela nunca me permitiu
esquecer essa promessa.
O seu brilhantismo pô­‑la sempre entre os primeiros da turma
e entrou para Universidade de Georgetown, em 1969, fazendo parte
de um pequeno grupo de mulheres a serem pela primeira vez aceites naquela faculdade de Washington. Quando lhe disse que tinha
entrado na Universidade do Missouri para estudar jornalismo,
ela passou a chamar­‑lhe sempre «Universidade da Miséria» e disse­
‑me que eu devia ter «apontado para uma costa». (Tinha razão!
Mas eu não era tão inteligente como ela, por isso fiquei agradecida
pela oportunidade de frequentar a Universidade da Miséria.)
A nossa amizade durou muito além do meu tempo na Miséria
e do dela em Georgetown. O seu primeiro amor verdadeiro foi um
colega da Universidade de Georgetown chamado Paul Frederick,
de quem ficou noiva. Dois meses antes do grande casamento
sulista que os pais da Crissie tinham planeado alegremente, o Paul
Frederick deixou­‑a. A Crissie nunca superou realmente.
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pontes para o céu
Mais tarde, quando me mudei para o Colorado e conheci um
montanhista atraente chamado Paul Frederick (não era o mesmo
tipo), desconfiei imediatamente dele. Será que ele também ia partir o meu coração? (Afinal de contas, partiu.) Crissie foi a primeira
amiga que nos visitou e conheceu o meu novo amor, cujo nome
era igual ao do homem que lhe tinha partido o coração. Gostou
logo dele.
Quando ao meu Paul Frederick foi diagnosticado um cancro,
os telefonemas frequentes da Crissie ajudaram­‑me a lidar com a
situação. Com a Crissie, cada conversa explorava novas ideias, fazia
perguntas difíceis e procurava a verdade: tudo isso de uma forma
alegre e espirituosa. Adorava­‑a. Fez­‑me as perguntas mais difíceis que já alguém me fez. E fazia­‑me rir mais intensamente do que
qualquer outra pessoa que conhecesse. Disse­‑me sempre que eu
era uma escritora com talento e devia «escrever de uma vez, raios!».
Seis meses depois da morte de Paul, Crissie veio visitar­‑me.
Animava­‑me e desafiava­‑me em simultâneo. O que ia fazer agora
da minha vida? Ia seguir em frente? Andava a escrever? Sondava
e provocava­‑me enquanto conduzíamos para as montanhas para
fazer esqui. Parecia saudável, enérgica, solitária como sempre, mas
satisfeita em termos gerais com o seu estilo de vida como licenciada na Califórnia. (Estava a tirar um doutoramento em botânica.)
No voo de regresso a casa, na Califórnia, reparou numas nódoas
negras que lhe apareceram no corpo. Quando aterrou em São
Francisco, estava cheia de nódoas negras e foi levada de ambulância para o hospital. O seu diagnóstico chocante de leucemia, tão
cedo após a morte do Paul, foi avassalador. Após estas notícias
devastadoras, tive vários ataques de ansiedade em que a minha garganta se fechava e não conseguia engolir nem comer. Sentia­‑me
nauseada a maior parte do tempo.
A mãe da Crissie mudou­‑se para a Califórnia para tomar conta
dela, e o pai arranjou­‑lhe o tratamento mais avançado na época,
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sue frederick
um transplante de medula no Hospital Fred Hutchinson, em Seattle.
Rodeada de amigos e familiares, fez tratamentos de quimioterapia
e radioterapia e quase morreu durante o complexo transplante de
medula. Não conseguia compreender por que alguém tão inteligente, afetuoso e bom como a Crissie tinha de passar por tanto
sofrimento, tão horrível como a experiência do Paul. Em desespero
e sofrimento profundo, vendi tudo o que tinha e mudei­‑me para
o México para dar aulas de fitness num resort. Precisava de sarar e
estava a deixar um mundo que já não fazia sentido.
Quando a Crissie entrou finalmente em remissão, mudou­‑se
de volta para a Califórnia e concluiu os seus estudos superiores.
Mas só tinha 31 anos e tinha passado por um inferno. Estava numa
crise espiritual profunda, interrogando­‑se sobre o sentido da vida.
Compreendi a sua dor.
Mantivemos contacto através de cartas e telefonemas. Começou
a retomar a sua vida e a sentir­‑se melhor. Gritou comigo quando
lhe contei que estava apaixonada por um mexicano casado (mas
separado) chamado Emilio, dono da loja de mergulho local.
— Sue Ellen, só vais magoar­‑te! És uma escritora, por isso podes
usar isso para qualquer coisa, suponho… mas sinceramente! Volta
para casa e escreve, raios!
Ainda não podia voltar para casa. A minha vida pacífica a fazer
snorkeling e mergulho todos os dias com o Emilio foi uma forma de
cura para mim, mesmo sabendo que ele nunca seria meu companheiro para toda a vida. Gostava dele na mesma.
Eu e a Crissie fizemos um plano para nos vermos no território da nossa infância. A Crissie apanhou um avião para a Costa do
Golfo para visitar a família dela na mesma altura que fui a casa
visitar a minha. Os nossos pais tinham ambos barcos de pesca e
casas de praia. O pai da Crissie levou­‑a ao porto perto da nossa casa
de praia para passar algum tempo connosco. O meu pai (que adorava a Crissie) levou­‑nos a pescar e a passear de barco. Quando nos
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pontes para o céu
fartámos de pescar, ele deixou­‑nos numa ilha remota para conversarmos enquanto pescava ao largo da ilha.
Eu e a Crissie andámos e conversámos durante horas ao longo
da areia e da água cristalina da nossa ilhazinha remota. Falámos
sobre a sua luta constante com a leucemia, do transplante de
medula, do que ela sentia em relação à morte, do meu sofrimento
em relação ao Paul, das minhas tentativas para terminar o meu relacionamento condenado à partida com Emilio e da crença que ela
tinha, de partir o coração, de que nunca iria encontrar a sua alma
gémea nem ter filhos. Sentia­‑se sozinha e incapaz de ser amada.
— Qual é a parte mais difícil? — perguntei­‑lhe.
— Desiludir o meu pai — disse, enquanto as lágrimas caíam. —
Ele quer tanto que eu viva… — Soube nessa altura que a Crissie
estava a morrer, dissessem os médicos o que dissessem. Reconheci
o processo de libertação por que estava a passar. Era a mesma conversa que tinha tido com o Paul.
Quando o meu pai nos foi buscar à ilha, levou­‑nos de volta à
marina, onde o pai de Crissie estava à espera no seu barco de pesca.
Enquanto os nossos pais se riam e brincavam um com o outro,
eu e a Crissie abraçámo­‑nos uma última vez. Ela não me conseguiu
olhar nos olhos quando se virou e entrou no barco do pai. Enquanto
o barco deles saía do porto, acenámos uma à outra. Quando deixei
de a ver, comecei a soluçar compulsivamente. O meu pai perguntou suavemente:
— Porque estás tão triste? Ela está com ótimo aspeto. Ela vai
conseguir.
A chorar, virei­‑me para ele e disse:
— Pai, esta é a última vez que a vou ver. Tenho a certeza.
A Crissie voltou para a sua casa na Califórnia. Eu voltei para
o México. Três meses depois, ela morreu.
Na noite da sua morte, e antes de saber que ela tinha morrido,
a Crissie veio ter comigo em sonhos. Passámos a noite toda a rir
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e dar gargalhadas juntas (como sempre tínhamos feito). Quando
acordei, os músculos do meu estômago doíam de me rir tanto.
Nunca tinha sentido, nem voltei a sentir, este tipo de sensações
físicas depois de um sonho como naquela noite com a Crissie.
Nessa manhã, enquanto estava a fazer café e me preparava para
ligar para os Estados Unidos para saber da Crissie, recebi um telefonema a informar­‑me de que ela tinha morrido durante a noite.
Apercebi­‑me de que me tinha visitado em sonhos para me dizer
que estava bem e que a morte não era o fim de nada.
Porém, a Crissie ainda não tinha acabado de me ensinar coisas.
Um ano depois, tinha finalmente regressado aos Estados Unidos
com o coração partido por causa do Emilio e tentava encaminhar
a minha vida e a minha carreira. O meu sofrimento pela perda da
Crissie, do Paul e do Emilio punham­‑me em baixo, deixando­‑me
triste e deprimida.
Uma noite, a Crissie veio ter comigo num sonho e curou o meu
coração partido. Nesse sonho, eu e ela estamos numa varanda de
pedra branca com vista para um mar verde­‑esmeralda. É pacífico
e extremamente bonito, e estou muito contente por estar ali ao seu
lado. Estamos a falar como sempre fizemos, mas não usamos palavras. Ela está um pouco atrás de mim, à minha esquerda, enquanto
olhamos para a água. Reparo que o seu corpo físico está a reluzir
e parece­‑se mais com manchas de luz do que com uma presença
física totalmente formada. A forma que eu conheço como Crissie
está a mudar. Tem a mão nas minhas costas e esfrega­‑a em círculos
enquanto fala comigo. Estamos a falar sobre o meu desgosto por
causa do Emilio.
A Crissie tira várias cartas escritas à mão em muitos tipos de
papel de carta que o Emilio tinha escrito à sua mulher, de quem
estava separado (e que durante o nosso relacionamento morava
noutra cidade). Nas cartas o Emilio declara o seu amor eterno pela
mulher. Página após página, conta histórias de como o seu negócio
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pontes para o céu
de mergulho está a correr bem e quão maravilhosa vai ser a sua
vida quando voltar para casa, para junto dela. A Crissie deixa­‑me
bem claro que o Emilio nunca me amou de verdade e que tenho de
libertá­‑lo e seguir em frente. Quando ela me mostra estas cartas,
a dor e o sofrimento que senti por todas as minhas perdas acumulam­
‑se no meu peito. Enquanto esfrega as minhas costas, sai de mim
um grito intenso e triste; o som propaga­‑se através do mar esmeralda à nossa frente. É poderoso, ancestral e profundo, mais alto
do que qualquer som que alguma vez tenha produzido. Enquanto
esta dor sai em torrentes de dentro de mim e flui através da água,
a Crissie esfrega gentilmente as minhas costas e encoraja­‑me a
libertar­‑me de tudo.
Quando acabo de chorar, a Crissie desaparece lentamente ao
meu lado. Acordo ainda a ouvir o som dos meus lamentos dolorosos e a sentir a mão da Crissie nas minhas costas. Choro durante a
maior parte da manhã. À medida que os dias passam, dou conta de
que o meu sofrimento diminui. Estou finalmente capaz de começar uma jornada de reinvenção e busca espiritual que me leva até
ao trabalho que faço hoje.
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