A força da raça

Transcrição

A força da raça
AD-40
CMYK
CORREIO BRAZILIENSE
ESPORTES
ATLETISMO
Os negros, que reinam na modalidade,
não têm o mesmo desempenho em
esportes de elite e provocam discussões
sobre genética humana e classe social
EVOLUÇÃO
das espécies
Roberto Landwehr, formado em Educação Física,
professor da Universidade Católica de Brasíila,
especialista em treinamento desportivo e doutorando
em Fisiologia do Exercício, acredita que o fenômeno
de os africanos serem excelentes fundistas e
velocistas nada mais é que a evolução das
espécies. “Enquanto o Oriente e a Europa se
desenvolviam, a África permanecia na idade
da pedra. O alto índice de mortalidade
infantil, que ainda hoje se registra
naquela região, em função das
condições climáticas, geográficas, flora
e fauna, além da condição sócioeconômica, muito provavelmente
provocou uma seleção natural,
tornando o africano de cada
região um ser mais forte e
apto a resistir às condições
específicas em que
convivem”, explica. “É bem
provável descobrirmos
que o negro é mais
evoluído
geneticamente para
certas atividades
físicas do que as
demais variantes da
raça humana, assim
que tivermos
condições mais
válidas de pesquisar
a fundo a condição
genética do
homem.”
Força da
RAÇA
JOSÉ CRUZ
DA EQUIPE DO CORREIO
ssim como no milionário basquete
norte-americano ou no valorizado futebol brasileiro, um fenômeno curioso se repete no atletismo mundial: é da raça negra
o domínio nos esportes que envolvem velocidade ou resistência. Ingredientes que tornam o assunto polêmico e provocam debates científicos e sociais, pois trata do confronto da diversidade humana.
O 10º Campeonato Mundial de Atletismo, que começou ontem, em Helsinque (Finlândia), deverá registrar um bom número de recordes. E repetirá, com
certeza, um fato que se observa ao longo da história
desse esporte: na final dos 100m estarão oito descendentes da raça negra. Entre 1988 e 2004 foram
realizadas 12 finais dos 100m rasos em campeonatos
mundiais de atletismo e olimpíadas. E os 96 velocistas que estiveram nessas decisões eram negros.
Esse fenômeno pode ser comparado com o da
predominância da raça branca no tênis, por exemplo. Até hoje, apenas três jogadores negros freqüentaram a elite mundial masculina: o norte-americano Arthur Ashe – campeão do US Open (1968), do
Australian Open (1970) e de Wimbledom (1975) –, o
francês Yannick Noah – vencedor de Roland Garros
(1983) – e MaliVai Washington (EUA), vice campeão
em Wimbledon (1996). Ainda na exceção, entra o
golfista Tiger Woods.
O debate sobre o desempenho do negro no esporte centraliza-se, também, no enfoque social,
pois a área da competição tem se revelado como
instrumento de ascensão para os mais pobres, que
fazem das corridas, por exemplo, uma valorizada
profissão. Nesse Mundial da Finlândia, um recorde
valerá US$ 100 mil (cerca de R$ 240 mil) na conta
do campeão.
Historicamente, a tese de que a raça faz a diferença no pódio esportivo surgiu nos Jogos Olímpicos de
Berlim, em 1936, quando Adolf Hitler tentou ver os
arianos vitoriosos. Em vão. Foi um negro do Alabama
(EUA) que humilhou o ditador: Jesse Owens ganhou
os 100m, os 200m rasos e o salto em distância. De
quebra, Owens integrou a equipe que venceu o revezamento 4x100m, deixando os alemães em terceiro
lugar, atrás dos italianos.
A
O JAMAICANO ASAFA POWELL NÃO COMPETE
NO MUNDIAL DE HELSINQUE, MAS PROVA A
LIDERANÇA DOS NEGROS NA VELOCIDADE DO
ATLETISMO COM O RECORDE DOS 100M (9S77)
Ciência e tabu
Ciência
A revista norte-americana Medicina & Ciência no Esporte e Exercício realizou um estudo, em 2004, na
Universidade de Indiana (EUA), sobre as características na estrutura muscular de brancos e negros. O objetivo era determinar se as diferenças na distribuição
e na quantidade da massa muscular no corpo humano estão condicionadas à raça.
Foram analisadas as características de 44 jogadores de futebol americano, dos quais 31 eram brancos.
Mas os resultados não mostraram diferenças significativas que pudessem confirmar a superioridade de
uma raça sobre outra.
Entretanto, um dado chamou a atenção dos pesquisadores: as pernas dos atletas negros eram maiores do que a dos brancos. Assim, com os membros inferiores maiores e exercendo uma espécie de “alavanca” na impulsão do corpo, a tendência é de um melhor rendimento dos corredores.
O jornalista brasileiro Maurício Cardoso, experiente em coberturas olímpicas, afirma em um artigo que “nenhum estudo da biologia molecular descobriu a chave do sucesso esportivo dos africanos.
O que se tem é puro palpite, a maioria infeliz”. E
completa: “A supremacia esportiva dos negros se
tornou notória a partir dos anos 60, depois que os
países africanos conquistaram a independência
política e aumentaram sua participação em competições internacionais. A partir desse momento,
começou também a investigação e a procura de explicações para o fato.”
O assunto, que não se esgota em pesquisas e opiniões, ganha um elemento novo com
o livro do jornalista norte-americano Jon Entine Tabu: por que os atletas negros dominam
os esportes e por que temos medo de falar sobre isso. Segundo o autor, “dezenas de atletas
com origem na parte ocidental da África já
correram os 100 metros rasos, o mais puro
teste de velocidade, em menos de 10 segundos. Nenhum branco asiático ou africano
oriental fez o mesmo”. O professor brasiliense Fernando Franco, do Centro de Estudos de
Atletismo (CEA), também lembra que os seis
brasileiros que até hoje conseguiram ultrapassar os 17m no salto triplo são negros.
Segundo o autor de Tabu, os africanos têm
características estruturais que os levam a se
destacar nas competições: baixa taxa de gordura no organismo, pernas mais longas e
quadris estreitos. No entanto, ele acredita
que os esportes em que as barreiras sociais
são menores – como o atletismo, o futebol
americano, o basquete e o futebol – a habilidade natural do ser humano é o mais importante fator de sucesso. Ou seja, as influências
geográficas e culturais são maiores que as diferenças genéticas.
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Thanassis Stavrakis/AP/15.6.05
40 • Brasília, domingo, 7 de agosto de 2005 •
Entine valoriza as investigações, mas acredita que o assunto não é explorado porque os
norte-americanos temem legitimar a superioridade de uma ração, provocando reação
discriminatória. Justifica-se, assim, o título
do livro do jornalista: tabu.
Os feitos de vários triplistas brasileiros
(Adhemar Ferreira da Silva, Nelson Prudêncio, João Carlos de Oliveira e Jadel Gregório) se enquadram no que escreveu do
autor. “A partir da Segunda Guerra, numa
reação às teorias extremistas sobre raça
que forneceram combustível intelectual ao
nazismo, sustentou-se que o conceito de
raça baseado principalmente na noção de
cor da pele não tem significado. Essa convicção igualitária alimentou o estereótipo
de que o sucesso esportivo seria inteiramente cultural – produto de trabalho duro
e oportunidades”.
Essa tese, a propósito, é a mesma do inglês
Linford Christie, negro, campeão dos 100m
rasos nos Jogos Olímpicos de Barcelona, em
1992. Ele descarta a genética como fator de
supremacia da raça. “A grande chance de ascensão social do negro é o esporte, e nós corremos todos para ele”. (JC)