Evangelho segundo S. João 19,28

Transcrição

Evangelho segundo S. João 19,28
Evangelho segundo S. João 19,28-37.
Depois disso, Jesus, sabendo que tudo se consumara, para se cumprir totalmente a Escritura,
disse: «Tenho sede!» Havia ali uma vasilha cheia de vinagre. Então, ensopando no vinagre
uma esponja fixada num ramo de hissopo, chegaram-lha à boca. Quando tomou o vinagre,
Jesus disse: «Tudo está consumado.» E, inclinando a cabeça, entregou o espírito. Como era o
dia da Preparação da Páscoa, para evitar que no sábado ficassem os corpos na cruz, porque
aquele sábado era um dia muito solene, os judeus pediram a Pilatos que se lhes quebrassem as
pernas e fossem retirados. Os soldados foram e quebraram as pernas ao primeiro e também ao
outro que tinha sido crucificado juntamente. Mas, ao chegarem a Jesus, vendo que já estava
morto, não lhe quebraram as pernas. Porém, um dos soldados traspassou-lhe o peito com uma
lança e logo brotou sangue e água. Aquele que viu estas coisas é que dá testemunho delas e o
seu testemunho é verdadeiro. E ele bem sabe que diz a verdade, para vós crerdes também. É
que isto aconteceu para se cumprir a Escritura, que diz: Não se lhe quebrará nenhum osso. E
também outro passo da Escritura diz: Hão-de olhar para aquele que trespassaram.
São Bernardo (1091-1153), monge cisterciense e Doutor da Igreja
Homilias sobre o Cântico dos Cânticos, nº 61, 3-5
«Tirareis com alegria água das fontes da salvação»
Onde poderá a nossa fragilidade encontrar repouso e segurança, a não ser nas chagas do
Salvador? [...] Trespassaram-Lhe as mãos e os pés, e o lado com um golpe de lança. Destas
três chagas abertas jorrou o mel dos rochedos que me sacia (Sl 80, 17) e o óleo que corre
sobre a dura pedra e me permite «saborear e ver como é bom o Senhor» (Sl 33, 9). Ele
formava desígnios de prosperidade (Jer 29, 11) e eu não sabia. «Pois quem conheceu o
pensamento do Senhor? Ou quem foi o Seu conselheiro?» (Rom, 11, 34). Mas a lança que
Nele penetrou veio a ser para mim a chave que abriu o mistério dos Seus desígnios.
Como posso deixar de ver por estas aberturas? Os pregos e as chagas clamam que, na pessoa
de Cristo, Deus Se reconcilia verdadeiramente com o mundo. O ferro trespassou-Lhe a carne
e tocou-Lhe o coração, a fim de que Ele Se compadecesse das minhas fraquezas. O segredo
do Seu coração aparece a nu nas chagas do Seu corpo; vemos a descoberto o grande mistério
da Sua bondade, dessa misericordiosa ternura do nosso Deus, dessa luz que veio visitar-nos
do alto (Lc 1, 78). E como pode semelhante ternura não se manifestar nas Suas chagas? Como
haverias de mostrar com mais clareza do que através das chagas que Tu, Senhor, és doce e
compassivo e de grande misericórdia, uma vez que não há maior amor do que dar a vida (Jo
15, 13) por condenados à morte?
O meu mérito reside pois, todo ele, na piedade do Senhor, e não me faltará o mérito enquanto
Lhe não faltar a piedade. Se as misericórdias do Senhor se multiplicarem, numerosos serão os
meus méritos. E que me acontecerá, se tiver de me acusar de múltiplas faltas? «Onde abundou
o pecado, superabundou a graça» (Rom 5, 20). E, se «a graça do Senhor dura para sempre»
(Sl 102, 17), por mim, «hei-de cantar para sempre o amor do Senhor» (Sl 88, 2). É essa a
minha justiça? Senhor, só da Tua justiça me recordarei; é ela a minha justiça, pois Tu Te
tornaste para mim justiça de Deus (Rom 1, 17).
[Meditações sobre a via-sacra veja em outros documentos!]
“A túnica era sem costura” (Jo 19, 23-24).
Padre Cantalamessa: "A túnica era sem costura"
Celebração da Paixão do Senhor na Basílica vaticana
CIDADE DO VATICANO, sexta-feira, 21 de março de 2008 (ZENIT.org).- Esta Sexta-Feira
Santa, Bento XVI presidiu, na Basílica de São Pedro, no Vaticano, a celebração da Paixão do
Senhor.
Após a Liturgia da Palavra, durante a qual se narrou a Paixão segundo João, o pregador da
Casa Pontifícia, padre Raniero Cantalamessa, O.F.M. Cap., proferiu esta homilia.
***
P. Raniero Cantalamessa, ofmcap.
Pregação de Sexta-Feira Santa 2008
na Basílica de São Pedro
“A túnica era sem costura”
“Depois de os soldados crucificarem Jesus, tomaram as suas vestes e fizeram delas quatro
partes, uma para cada soldado. A túnica, porém, toda tecida de alto a baixo, não tinha
costura. Disseram, pois, uns aos outros: Não a rasguemos, mas deitemos sorte sobre ela,
para ver de quem será. Assim se cumpria a Escritura: Repartiram entre si as minhas vestes e
deitaram sorte sobre a minha túnica (Sl 21,19). Isso fizeram os soldados” (Jo 19, 23-24).
Aqui sempre se questiona o que o evangelista João queria dizer com a importância que dá a
esse detalhe da Paixão. Uma explicação, relativamente recente, é que a túnica recorda o
paramento do sumo sacerdote, e que João, então, queria afirmar que Jesus morreu não apenas
como rei, mas também como sacerdote.
Da túnica do sumo sacerdote não se diz, na Bíblia, que deveria ser sem costura (Cf. Ex 28, 4;
Lev 16, 4). Por isso, importantes exegetas preferem se ater à explicação tradicional, segundo a
qual a túnica intacta simboliza a unidade dos discípulos [1]. Esta é a interpretação que São
Cipriano já dava: “O mistério da unidade da Igreja, escreve, é expresso no Evangelho quando
se diz que a túnica de Cristo não foi dividida nem rasgada” [2].
Qualquer que seja a explicação que se dá ao texto, uma coisa é certa: a unidade dos discípulos
é, para João, o propósito pelo qual Cristo morre: “Jesus havia de morrer pela nação, e não
somente pela nação, mas também para que fossem reconduzidos à unidade os filhos de Deus
dispersos” (Jo 11, 51-52). Na última ceia, ele próprio disse: “Não rogo somente por eles, mas
também por aqueles que por sua palavra hão de crer em mim. Para que todos sejam um,
assim como tu, Pai, estás em mim e eu em ti, para que também eles estejam em nós e o mundo
creia que tu me enviaste” (Jo 17, 20-21).
A feliz notícia a proclamar na Sexta-Feira Santa é que a unidade, antes que um objetivo a
atingir, é um dom recebido. Que a túnica fosse tecida “de alto a baixo”, explica São Cipriano,
significa que “a unidade trazida por Cristo provém do alto, do Pai celeste, e não pode, então,
ser rasgada por quem a recebe, mas deve ser acolhida integralmente”.
Os soldados fizeram em quatro parte “as vestes”, ou “o manto” (ta imatia), isto é, a
indumentária exterior de Jesus, não a túnica, o chiton, que era o indumento íntimo, usado em
contato direto com o corpo. Um símbolo também isso. Nós, homens, podemos dividir a Igreja
no seu elemento humano e visível, mas não a sua unidade profunda que se identifica com o
Espírito Santo. A túnica de Cristo não foi e não poderá ser dividida. “Pode-se, acaso, dividir
Cristo?”, dizia Paulo (cf. 1 Cor 1, 13). É a fé que professamos no Credo: “Creio na Igreja,
una, santa, católica e apostólica”.
***
Mas se a unidade deve servir de sinal “para que o mundo creia”, essa deve ser uma unidade
também visível, comunitária. É esta unidade que foi perdida e que devemos recuperar. Ela é
bem mais que relações de boa vizinhança, é a própria unidade mística interior – “sede um só
corpo e um só espírito, assim como fostes chamados pela vossa vocação a uma só esperança.
Há um só Senhor, uma só fé, um só batismo. Há um só Deus e Pai de todos” (Ef 4, 4-6) –, o
quanto esta unidade objetiva é acolhida, visualizada e manifestada, de fato, pelos crentes.
“Senhor, é este o tempo em que ides instaurar o reino de Israel?”, questionam os apóstolos a
Jesus depois da Páscoa. Hoje voltamos a fazer esta pergunta a Jesus: É este o tempo em que se
instaurará a unidade visível da tua Igreja? A resposta também é a mesma de então: “Não vos
pertence a vós saber os tempos nem os momentos que o Pai fixou em seu poder, mas descerá
sobre vós o Espírito Santo e vos dará força; e sereis minhas testemunhas” (At 1, 6-8).
Recordava-o o Santo Padre na homilia de 25 de janeiro passado, na Basílica de São Paulo
Fora dos Muros, na conclusão da Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos: «A unidade
com Deus e com os nossos irmãos e irmãs é um dom que provém do Alto, que brota da
comunhão do amor entre Pai, Filho e Espírito Santo e que nela se aumenta e se aperfeiçoa.
Não está em nosso poder decidir quando ou como esta unidade se realizará plenamente. Só
Deus o poderá fazer! Como São Paulo, também nós colocamos a nossa esperança e confiança
"na graça de Deus que está conosco"».
Também hoje virá o Espírito Santo, se nos deixarmos guiar, para conduzir à unidade. Como
fez o Espírito Santo para realizar a primeira fundamental unidade da Igreja: aquela entre
judeus e pagãos? Vem sobre Cornélio e a sua casa do mesmo modo com que em Pentecostes
veio aos apóstolos. Pedro tira a conclusão: “Pois, se Deus lhes deu a mesma graça que a nós,
que cremos no Senhor Jesus Cristo, com que direito me oporia eu a Deus?” (At 11, 17).
Ora, de um século para cá, nós observamos repetir-se sob nossos olhos este mesmo prodígio,
em escala mundial. Deus infundiu seu Espírito Santo, de modo novo e raro, sobre milhões de
fiéis, aparentemente em quase todas as denominações cristãs e, a fim de que não houvesse
dúvidas sobre suas intenções, o infundiu com as mesmas idênticas manifestações. Não é este
um sinal de que o Espírito que impele a reconhecer o episódio como discípulos de Cristo e a
tendermos juntos para a unidade?
Apenas esta unidade espiritual e carismática, é verdade, não basta. Observamos já ao início da
Igreja. A unidade entre judeus e gentios é nova e já ameaçada pelo cisma. Ali houve uma
“longa discussão”, no chamado concílio de Jerusalém, e, ao final, houve um acordo,
anunciando para a Igreja com uma fórmula: “pareceu bem ao Espírito Santo e a nós” (At 15,
28). O Espírito Santo opera, então, também através de uma via diferente, que é o confronto
paciente, o diálogo e o compromisso entre as partes, quando não está em jogo o essencial da
fé. Opera através das “estruturas” humanas e dos “ministérios” estabelecidos por Jesus,
sobretudo o ministério apostólico e petrino. É o que chamamos hoje de ecumenismo doutrinal
e institucional.
***
A experiência nos está convencendo porém que também este ecumenismo doutrinal, ou de
vértice, não é suficiente e não avança, se não for acompanhado por um ecumenismo espiritual,
de base. Isto é repetido sempre com maior insistência justamente pelos máximos promotores
do ecumenismo institucional. Aos pés da cruz, queremos meditar sobre este ecumenismo
espiritual: em que consiste e como podemos avançar nisto.
O ecumenismo espiritual nasce do arrependimento e do perdão e se alimenta com a oração.
Em 1977, participei de um congresso ecumênico carismático em Kansas City, Missouri.
Estavam lá quarenta mil presentes, metade católicos (entre os quais o cardeal Suenens) e
metade de outras denominações cristãs. Uma tarde, ao microfone, um dos animadores
começou a falar de um modo, para mim, naquela época, estranho: «Vós, sacerdotes e pastores,
chorai e lamentai, porque o corpo de meu Filho está em pedaços… Vós, leigos, homens e
mulheres, chorai e lamentai porque o corpo de meu Filho está em pedaços».
Comecei a ver as pessoas caírem uma após outra de joelhos em torno a mim e muitos desses
soluçavam de arrependimento pelas divisões no corpo de Cristo. E tudo isso enquanto uma
frase estava escrita de um lado a outro do estádio: «Jesus is Lord, Jesus é o Senhor». Eu era
como um observador ainda assaz crítico e destacado, mas lembro que pensei comigo: Se um
dia todos os crentes estivessem reunidos a formar uma só Igreja, seria assim: enquanto
estivermos todos de joelhos, com o coração contrito e humilhado, sob o grande senhorio de
Cristo.
Se a unidade dos discípulos deve ser reflexo da unidade entre o Pai e o Filho, essa deve ser,
antes de tudo, uma unidade de amor, porque tal é a unidade que reina na Trindade. A
Escritura nos exorta a «fazer a verdade na caridade» (veritatem facientes in caritate) (Ef 4,
15). E Santo Agostinho afirma que «não se entra na verdade senão através da caridade»: non
intratur in veritatem nisi per caritatem [3].
A coisa extraordinária a respeito desse caminho à unidade baseado no amor é que esse já está
agora escancarado diante de nós. Não podemos «queimar etapas» em relação à doutrina,
porque as diferenças existem e serão resolvidas com paciência nas sedes apropriadas.
Podemos, ao contrário, quiemar etapas na caridade, e estar unidos, a partir de agora. A
verdade, seguro sinal da vinda do Espírito, não é, escreve Santo Agostinho, o falar em
línguas, mas é o amor pela unidade: «Sabeis que tendes o Espírito Santo quando permitis que
vosso coração adira à unidade através de uma sincera caridade» 4].
Repensemos no hino da caridade de São Paulo. Cada frase sua adquire um significado atual e
novo, se aplicada ao amor entre membros das diversas Igrejas cristãs, nas relações
ecumênicas:
«A caridade é paciente…
A caridade não é invejosa…
Não busca só seu interesse…
Não leva em conta o mal recebido (no caso do mal feito aos outros!)
Não se alegra com a injustiça, mas se compraz da verdade (não se alegra das dificuldades
das outras Igrejas, mas se compraz de seus sucessos)
Tudo crê, tudo espera, tudo suporta» (1 Cor 13, 4 ss.).
Esta semana acompanhamos à sua morada eterna uma mulher – Chiara Lubich – fundadora do
Movimento dos Focolares – que foi uma pioneira e um modelo deste ecumenismo espiritual
de amor. Ela demonstrou que a busca da unidade entre os cristãos não leva ao fechamento
para o resto do mundo; é, ao contrário, o primeiro passo e a condição para um diálogo mais
vasto com os crentes de outras religiões e com todos os homens que têm no coração os
destinos da humanidade e da paz
***
«Amar-se, já foi dito, não significa olhar um para o outro, mas olharem juntos na mesma
direção». Também entre cristãos, amar-se significa olharem juntos na mesma direção que é
Cristo. «Ele é nossa paz» (Ef 2, 14). Na medida na qual andemos juntos para Cristo, nos
aproximaremos também entre nós, até ser verdadeiramente, como ele pediu, «uma só coisa
com Ele e com o Pai». Acontece como para os raios de uma roda. Vejamos o que acontece
aos raios quando do centro vão para o exterior: a medida que se distanciam do centro se
distanciam também entre si, até terminar em pontos distantes da circunferência. Vejamos, ao
contrário, o que acontece quando da circunferência movem-se até o centro: pouco a pouco
aproximam-se do centro, se aproximam entre si, até formar um ponto só.
O que poderá reunir os cristãos divididos será só a difusão entre eles de uma onda nova de
amor por Cristo. É isto que está acontecendo por obra do Espírito Santo e que nos enche de
estupor e de esperança. «O amor de Cristo nos constrange, ao pensamento que um morreu
por todos» (2 Cor 5, 14). O irmão de outra Igreja – também cada ser humano – é «alguém
pelo qual Cristo morreu» (Rom 14, 16), como morreu por mim.
***
Um motivo deve, sobretudo, impulsionar-nos adiante neste caminho. O que estava em jogo no
início do terceiro milênio não é o mesmo que estava no início do segundo milênio, quando se
produziu a separação entre oriente e ocidente, e nem mesmo é a mesma coisa que na metade
do mesmo milênio, quando se produz a separação entre católicos e protestantes. Podemos
dizer que a maneira exata de proceder do Espírito Santo do Pai e o problema da relação entre
fé e obras são os problemas que apaixonam os homens de hoje e com o qual permanece ou cai
a fé cristã?
O mundo caminhou adiante e nós estamos permanecemos presos a problemas e fórmulas que
o mundo não conhece mais nem o significado. Discutamos ainda sobre como ocorre a
justificação do pecador, em uma forma que perdeu o próprio sentido do pecado e o vê, cito,
como «uma nefasta invenção judaica que o cristianismo propagou ao povo».
Nas batalhas medievais havia um momento no qual, superadas as infantarias, os arqueiros, a
cavalaria e todo o resto, a multidão se concentrava em torno do rei. Ali se decidia o êxito final
da batalha. Também para nós a batalha hoje está em torno do rei. Existem edifícios ou
estruturas metálicas assim feitas que se se toca um certo ponto nevrálgico, ou se se tira uma
certa pedra, tudo desaba. No edifício da fé cristã esta pedra angular é a divindade de Cristo.
Removida esta, tudo se evapora e, antes de qualquer coisa, a fé da Trindade.
Daí se vê como existem hoje dois ecumenismos possíveis: um ecumenismo da fé e um
ecumenismo da incredulidade; um que reúne todos aqueles que crêem que Jesus é o Filho de
Deus, que Deus é Pai, Filho e Espírito Santo, e que Cristo morreu para salvar a todos os
homens, e um que reúne todos aqueles que, em descaso ao símbolo de Nicéia, continuam a
proclamar esta fórmula, mas esvaziando-a de seu verdadeiro conteúdo. Um ecumenismo no
qual, no limite, todos crêem nas mesmas coisas, porque ninguém crê mais em nada, no sentido
que a palavra «crer» tem no Novo Testamento. Foi esta versão «liberal» que tornou no
passado e continua a tornar a própria palavra «ecumenismo» suspeita por vários setores do
cristianismo.
«Quem é que vence o mundo, escreve João na Primeira Carta, se não quem crê que Jesus é o
Filho de Deus?» (1 Jo 5, 5). Permanecendo neste critério, a fundamental distinção entre os
cristãos não é entre católicos, ortodoxos e protestantes, mas entre aqueles que crêem que
Cristo é o Filho de Deus e aqueles que não crêem.
***
«No segundo ano do rei Dario, no primeiro dia do sexto mês, esta palavra do Senhor foi
revelada por meio do profeta Ageu a Zorobabel, filho de Salatiel, governador da Judéia, e a
Josué, filho de Josedec, sumo sacerdote…: Parece-vos este o tempo de habitar tranqüilos em
vossas casas bem cobertas, enquanto minha casa é ainda uma tenda?» (Ag 1, 1-4).
Esta palavra do profeta Ageu é voltada hoje a nós. É este o tempo de continuar a preocuparnos só do que diz respeito a nossa ordem religiosa, nosso movimento, ou nossa Igreja? Não
será justamente esta a razão pela qual também nós «semeamos muito, mas colhemos pouco»
(Ag 1, 6)? Pregamos e agimos de todos os modos, mas convertemos poucas pessoas e o
mundo se distancia, ao invés de aproximar-se de Cristo.
O povo de Israel escutou o apelo do profeta; cessou de ornamentar cada um a própria casa
para reconstruírem juntos o templo de Deus. Deus então enviou de novo seu profeta com uma
mensagem de consolação e de encorajamento: «Agora, coragem, Zorobabel – oráculo do
Senhor – coragem, Josué, filho de Josedec, sumo sacerdote; coragem, povo todo do país, diz
o Senhor, e ao trabalho, porque eu estou convosco» (Ag 2, 4). Coragem, vós todos que tendes
no coração a causa da unidade dos cristãos, e ao trabalho, porque eu estou convosco, diz o
Senhor!
[1] Cf. R. E. Brown, The Death of the Messiah, vol. 2, Doubleday, New York 1994, pp. 955958.
[2] S. Cipriano, De unitate Ecclesiae, 7 (CSEL 3, p. 215).
[3] S. Agostino, Contra Faustum, 32,18 (CCL 321, p. 779).
[4] S. Agostino, Discorsi 269,3-4 (PL38, 1236 s.).
[Traduzido do original em italiano por José Caetano e Alexandre Ribeiro]
Jo 19,17 - 27: Via-crucis – cf.par. Mt 27,32-44; Mc 15,21-32; Lc 23,26-43
Ao morrer crucificado teu Jesus é condenado por teus crimes, pecador.
Pela Virgem dolorosa vossa Mãe tão piedosa, [:perdoai-me, bom Jesus!:]
1. Com a cruz é carregado / e do peso acabrunhado, [:vai morrer por teu amor:]
2. Pela cruz tão oprimido / cai Jesus desfalecido [:pela tua salvação:]
3. De Maria lacrimosa / sua Mãe tão dolorosa [:vê a imensa compaixão:]
4. Em extremo desmaiado / deve auxílio, táo cansado, [:recber do Cirineu:]
5. O seu rosto, ensangüentado, / por Verônica enxugado, [:eis no pano apareceu:]
6. Outra vez desfalecido / pelas dores abatido [:cai em terra o Salvador.]
7. Das matronas piedosas / de Sião filhas chorosas [:´E Jesus consolador:]
8. Cai terceira vez prostrado / pelo peso redobrado [:dos pecados e da cruz:]
9. Dos vestidos despojado / por verdugos maltratado [:eu vos vejo, meu Jesus:]
10. Sois por mim à cruz pregado / insultado, blasfemado, [:com cegueira e com furor.]
11. Por meus crimes padecestes / meu Jesus, por mim morrestes! [:Como é grande a
minha dor!:]
12. Do madeiro vos tiraram / e nos braços vos deixaram [:de Maria, que aflição!:]
13. No sepulcro vos deixaram, / enterrado vos choraram [:magoado o coração:]
14. Meu Jesus, por vossos passos / recebei em vossos braços [:a mim, pobre pecador!:]
Tradicional - Cantemos ….. n° 174
Evangelho segundo S. João 19,25-27. – cf.par. Mt 27,45-56; Mc 15,33-41; Lc 23,44-49
Junto à cruz de Jesus estavam, de pé, sua mãe e a irmã da sua mãe, Maria, a mulher de
Clopas, e Maria Madalena. Então, Jesus, ao ver ali ao pé a sua mãe e o discípulo que Ele
amava, disse à mãe: «Mulher, eis o teu filho!» Depois, disse ao discípulo: «Eis a tua mãe!» E,
desde aquela hora, o discípulo acolheu-a como sua.
Epifânio de Benevento (sécs. V-VI), bispo
Comentário sobre os quatro evangelhos, PLS 3, 852
«Para se cumprir totalmente a Escritura» (Jo 19,28)
«Não penseis que vim revogar a Lei ou os profetas. Não vim revogá-los, mas levá-los à
perfeição» […] Naquele tempo, com efeito, o Senhor exerceu o poder para cumprir na sua
pessoa todos os mistérios que a Lei anunciava acerca de Si. Porque, na Paixão, Ele
concretizou todas as profecias. Quando, segundo a profecia do bem-aventurado David (Sl
68,22), lhe ofereceram uma esponja embebida em vinagre para acalmar a sede, Ele aceitou-a
dizendo: «Tudo está consumado». Depois, inclinando a cabeça, entregou o espírito (Jo 19,30).
Não só Ele realizou pessoalmente tudo o que disse, como também nos confiou os seus
mandamentos, para que os puséssemos em prática. Ainda que os Antigos não tenham podido
observar os mandamentos mais elementares da Lei (Act 15,10), Ele prescreveu-nos que
seguíssemos os mais difíceis, por meio da graça e do poder que vêm da cruz.
S. Siluane (1866-1938), monge orthodoxo
Escritos
"Perto da cruz de Jesus estava sua mãe"
Nós não atingimos a plenitude do amor da Mãe de Deus e é por isso que também não
podemos compreender plenamente a sua dor. O seu amor era perfeito. Ela amava
imensamente o seu Deus e o seu filho, mas amava também os homens com um grande amor.
Que teria ela sofrido quando os homens, que tanto amava e cuja salvação queria até ao fim
dos tempos, crucificaram o seu filho bem-amado?
Não o podemos compreender, porque o nosso amor por Deus e pelos homens é demasiado
fraco. Porque o amor da Mãe de Deus não tem medida e ultrapassa a nossa compreensão, tal
como a sua dor é imensa e impenetrável para nós.
«A Cruz e Maria»
Por D. Orani João Tempesta, arcebispo de Belém do Pará
BELÉM DO PARÁ, domingo, 16 de setembro de 2007 (ZENIT.org).- Publicamos a seguir o
artigo escrito por D. Orani João Tempesta, O. Cist., Arcebispo de Belém do Pará (Brasil) e
Presidente da Comissão Episcopal para Cultura, Educação e Comunicação da CNBB, por
ocasião da Festa da Exaltação da Santa Cruz, comemorada no dia 14 de setembro, e logo
após, a piedosa memória de Nossa Senhora das Dores, comemorada no dia seguinte.
O Artigo foi publicado pela página web da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
(CNBB).
***
Nos dias 14 e 15 últimos celebramos a Festa da Exaltação da Santa Cruz e de Nossa Senhora
das Dores. Festas antigas e ao mesmo tempo tão importantes para a nossa vida hoje. Com a
reforma litúrgica do Concílio Vaticano II as festas foram colocadas juntas para celebrarem o
mistério da Cruz e da nossa salvação em Cristo, que ali deu a Sua vida por nós.
A festa da Exaltação da Santa Cruz vem dos primeiros séculos da Igreja, quando os cristãos
começam a anunciar que o instrumento de martírio, o sinal de maldição se tornara o sinal da
Salvação porque o Filho de Deus derramou o seu Sangue na Cruz e nela lavou a nossa vida de
pecado, pagando-os por nós! E assim como o simbolismo da serpente no deserto (Nm 21, 49), os cristãos a levantam para que quem crer e acolher Aquele que foi suspenso no madeiro e
está hoje ressuscitado seja salvo!
Assim que foi possível foram construídas em Jerusalém as Basílicas do Gólgota e no Sepulcro
do Cristo Ressuscitado. Também quando se encontraram os pedaços da cruz que ainda
estavam conservados foi erigida em Roma a Basílica de Santa Cruz em Jerusalém, hoje uma
Abadia Cisterciense que conserva até agora essas preciosas relíquias.
Jesus nos disse que “Aquele que não carrega sua cruz e não me segue não pode ser meu
discípulo” (Lc 14, 27), e São Paulo recorda que “eu me glorie somente da cruz de nosso
Senhor Jesus Cristo. Por ele, o mundo está crucificado para mim,como eu estou crucificado
para o mundo” (Gal 6,14). A liturgia do dia nos lembra que Jesus Cristo, “humilhou-se a si
mesmo, fazendo-se obediente até a morte, e morte de cruz. (Fl 2,8), e que “do mesmo modo
como Moisés levantou a serpente no deserto, assim é necessário que o Filho do homem seja
levantado, para que todos os que nele crerem tenham a vida eterna” (Jo, 3, 14-15).
Nós utilizamos a cruz em várias ocasiões na liturgia: fazendo o sinal da cruz ao iniciarmos as
celebrações (e aqui invocando a Santíssima Trindade), ela está próxima do altar quando se
celebra a missa, tornando presente o simbolismo: “Contemplarão aquele que traspassaram”
(Zc 12,10, Jô 19,37).
O símbolo da cruz perpassou os séculos nas várias manifestações sociais e religiosas!
Atualmente pode apenas virar um adorno sem referência cristã e, em alguns lugares,
questiona-se a presença dos crucifixos em locais públicos, no começo por alguns não
católicos e agora por alguns não cristãos.
Apesar de todos esses movimentos não poderemos tirar de nossa frente os crucificados de
hoje, como os pobres, doentes, idosos, explorados, desprezados e nem tampouco de nossas
vidas com suas cruzes, mesmo que não aceitas, mas sempre presentes.
Santo André de Creta, Bispo, na liturgia das horas dessa festa recorda-nos: “celebramos a
festa da Cruz; por ela as trevas são repelidas e volta a luz. Celebramos a festa da cruz e junto
com o Crucificado somos levados para o alto para que, abandonando a terra com o pecado,
obtenhamos os céus”.
Logo no dia seguinte à festa da Santa Cruz a Igreja nos recorda a piedosa memória de Nossa
Senhora das Dores. Invocamos Maria com muitos títulos. Lembramos das alegrias com o
título de Nossa Senhora dos Prazeres, mas recordamos também das cruzes e dores de Nossa
Senhora nesse dia seguinte à celebração da cruz. A liturgia nos recorda Maria ao pé da Cruz
recebendo João como filho (Jo 19, 25-27) e nele todos nós! Para Ela já tinha sido profetizada
a sua participação dolorosas na obra da salvação: “uma espada traspassará a tua alma” (Lc
2,35a).
Em Maria vemos todas as mães que choram e sentem as dores pelos filhos. Vemos todos nós
ao contemplarmos as cruzes de nossas vidas e a Salvação em Cristo. Vemos que todos nós,
cristãos e católicos, quando estamos aos pés da cruz, temos junto conosco Maria, nossa mãe!
Para nós que temos como sinal a cruz que perpassa os séculos, e Maria que está sempre ao
nosso lado, passemos pelas cruzes na confiança da Ressurreição e da Nova Vida em Cristo.
Evangelho segundo S. João 19,28-37.
Depois disso, Jesus, sabendo que tudo se consumara, para se cumprir totalmente a Escritura,
disse: «Tenho sede!» Havia ali uma vasilha cheia de vinagre. Então, ensopando no vinagre
uma esponja fixada num ramo de hissopo, chegaram-lha à boca. Quando tomou o vinagre,
Jesus disse: «Tudo está consumado.» E, inclinando a cabeça, entregou o espírito. Como era o
dia da Preparação da Páscoa, para evitar que no sábado ficassem os corpos na cruz, porque
aquele sábado era um dia muito solene, os judeus pediram a Pilatos que se lhes quebrassem as
pernas e fossem retirados. Os soldados foram e quebraram as pernas ao primeiro e também ao
outro que tinha sido crucificado juntamente. Mas, ao chegarem a Jesus, vendo que já estava
morto, não lhe quebraram as pernas. Porém, um dos soldados traspassou-lhe o peito com uma
lança e logo brotou sangue e água. Aquele que viu estas coisas é que dá testemunho delas e o
seu testemunho é verdadeiro. E ele bem sabe que diz a verdade, para vós crerdes também. É
que isto aconteceu para se cumprir a Escritura, que diz: Não se lhe quebrará nenhum osso. E
também outro passo da Escritura diz: Hão-de olhar para aquele que trespassaram.
Santo Hipólito de Roma (? - cerca de 235), presbítero e mártir
Sobre a Santa Páscoa
A árvore da cruz
Esta árvore é para mim uma planta de salvação eterna, da qual me alimento, da qual me
regalo. Pelas suas raízes eu me enraízo e pelos seus ramos me estendo. À sua sombra, ergui a
minha tenda e, fugindo aos grandes calores, aí encontro o meu lugar de repouso. As suas
folhas são a minha defesa, os seus frutos as minhas perfeitas delícias. Na fome, é o meu
alimento; na sede, a minha fonte; na nudez, a minha roupagem... porque as suas folhas são o
Espírito da vida; longe de mim, doravante, as folhas da figueira. Quando receio Deus, ela é a
minha protecção; quando tropeço, o meu apoio; quando combate, o meu prémio; quando
triunfo, o meu troféu. É para mim o caminho estreito e a estrada bem lançada. É a escada de
Jacob e o caminho dos anjos, no cimo do qual o Senhor está verdadeiramente apoiado. Esta
árvore da cruz de dimensões celestes elevou-se da terra aos céus, fixando-se, qual planta
eterna entre o céu e a terra, base de todas as coisas, apoio do universo, junção do mundo.
É a ti que invocamos, ó Deus, Mestre eterno, Cristo Mestre e Rei; estende as tuas grandes
mãos sobre a tua Santa Igreja e sobre este povo sempre teu. Uma vez que venceste os nossos
inimigos, ergue agora os troféus da nossa salvação e dá-nos também a graça de cantarmos
com Moisés o cântico de vitória pois a ti pertencem a glória e o poder pelos séculos dos
séculos.
S. João Crisóstomo (cerca de 345-407), bispo de Antioquia, depois de Constantinopla, doutor
da Igreja
Sermão sobre a Cruz para Sexta-feira Santa
"Junto à cruz de Jesus estava sua mãe"
Vês esta vitória admirável? Vês as consequências maravilhosas da cruz? Dir-te-ei eu algo que
seja mais admirável? Aprende a forma como esta vitória se realizou e ficarás ainda mais
estupefacto. Aquilo que tinha permitido que o demónio vencesse, foi o mesmo que Jesus usou
para o dominar. Ele combateu com as armas que o demónio tinha utilizado. Escuta como.
Uma virgem, o lenho e a morte: eis os símbolos da derrota. A virgem era Eva, porque ainda
não se tinha unido ao homem; o lenho era a árvore; e a morte era a pena em que Adão
incorria. Mas eis que, em contraposição, a virgem, o lenho e a morte, esses símbolos da
derrota, se tornam símbolos da vitória. No lugar de Eva, Maria; no lugar da árvore do
conhecimento do bem e do mal, a árvore da cruz de Cristo; no lugar da morte de Adão, a
morte de Cristo. A árvore enviava para o inferno, a cruz faz regressar aqueles que tinham
descido às profundezas. Por outro lado, a árvore serviu para esconder o homem envergonhado
da sua nudez, ao passo q ue a cruz elevou aos olhos de todos um homem nu, mas vencedor.
Eis o prodígio que a Cruz realizou em nosso favor; a Cruz é o troféu erguido contra os
demónios, a espada desembainhada contra o pecado, a espada com que Cristo trespassou a
serpente. A Cruz é a vontade do Pai, a glória do Filho unigénito, a alegria do Espírito Santo, o
esplendor dos anjos, o orgulho de S. Paulo, o baluarte dos eleitos, a luz do mundo inteiro.
S. Boaventura (1221-1274), franciscano, doutor da Igreja
A Árvore da Vida, 29-30. Opera omnia 8, 79
Eis o coração que tanto amou os homens
Comtempla, ó homem que foste salvo, aquele que por ti foi pregado na cruz... Levanta-te, tu
que amas Cristo, sê como a pomba "que faz o seu ninho no fundo da fresta" (Jr 48,28) e aí,
"tal como o passarinho que encontrou a sua morada" (Sl 83.4), não deixarás de vigiar; como a
toutinegra, abrigarás aí os teus filhinhos e estenderás a boca para "beber água das fontes da
salvação" (Is 12,3). Com efeito, essa é "a fonte que, brotando no meio do Éden, se divide em
quatro braços" (Gn 2,10) e, derramada nos corações dos fiéis, irriga e fecunda a terra inteira...
Corre, pois, até essa fonte de vida e de luz com um vivo desejo, sejas tu quem fores, e, no teu
amor a Deus, grita-lhe com toda a força do teu coração:
"Ó beleza inefável do Altíssimo, esplendor puríssimo da luz eterna, Vida que vivificas toda a
vida, claridade que iluminas toda a luz e conservas em eterno fulgor os astros diversos que
brilham diante do trono da tua divindade, desde o início dos tempos!
Ó torrente eterna e inacessível, límpida e suave, cuja fonte está escondida aos olhos de todos
os mortais! A tua profundeza é sem fundo, a tua altura sem limites, a tua largura sem
margens, a tua pureza sem qualquer mancha. É de ti que emana 'o rio que alegra a cidade de
Deus' (Sl 45,5)... para que te cantemos hinos de louvor, 'em explosão de alegria e de acção de
graças' (Sl 41,5), pois nós sabemos por experiência que 'junto a ti está a fonte da vida e que na
tua luz veremos a luz' (Sl 35,10)".
Jean Tauler (cerca 1300-1361), dominicano
Meditação sobre a Paixão
“Quando tiverdes elevado o Filho do Homem, então compreendereis que Eu Sou” (Jo
8,28)
Vinde, vós todos que amais a Deus; vede o que Nosso Senhor fez por vós. Vinde, vós todos
que fostes resgatados pelo sangue puríssimo do Cordeiro inocente; vede e compreendei o que
Ele sofreu por causa do nosso pecado. Hoje abre-se para nós o Livro da Vida, os sete selos
são quebrados (Ap 6). A verdade resplandece, nela se manifestam os tesouros da sabedoria e
da ciência (Ro 11,33); brota a fonte que contém os mistérios de Deus.
Hoje rompe-se o antigo véu (Mt 27.51), todas as aparências dão lugar à realidade. O Santo
dos Santos abre-se de par em par, graças a Jesus, o Sumo Sacerdote (He 2,17). O sacrifício
que Ele oferece não é senão o seu próprio sangue. Hoje, em Jesus Cristo, é revelado o sentido
de todos os símbolos, são descobertos todos os mistérios. Hoje abre-se o tesouro imenso do
pai de família do qual fruirão plenamente todos os pobres, todos os fracos, todos os
oprimidos. Cada um pode beber nas chagas do Senhor a graça de que mais necessita...
Hoje manifestou-se, acima de todas as coisas, o admirável mistério: o Rei dos homens faz-se
o rebutalho da humanidade; o Altíssimo faz-se o último de todos; o Filho único de Deus
oferece-se livremente à cruz pelos pobres pecadores que somos nós. Ele quer pregar o pecado
na cruz, matar a morte e, pelo seu sangue precioso, destruir a nota da dívida onde estão
registadas as nossas faltas (Col 2,14)...
Não foi Ele que disse: “Quando eu for elevado, atrairei tudo a mim” (Jo 12,32)? Tudo, quer
dizer, todos os homens, em quem tudo se reune. Muitos homens escontram a cruz; entre
muitas tribulações, Deus leva-os a essa cruz, para os atrair a Ele. Então eles carregam de bom
grado a sua própria cruz e assim tornam-se verdadeiros amigos de Deus.
Evangelho segundo S. João 19,31-37.
Como era o dia da Preparação da Páscoa, para evitar que no sábado ficassem os corpos na
cruz, porque aquele sábado era um dia muito solene, os judeus pediram a Pilatos que se lhes
quebrassem as pernas e fossem retirados. Os soldados foram e quebraram as pernas ao
primeiro e também ao outro que tinha sido crucificado juntamente. Mas, ao chegarem a Jesus,
vendo que já estava morto, não lhe quebraram as pernas. Porém, um dos soldados traspassoulhe o peito com uma lança e logo brotou sangue e água. Aquele que viu estas coisas é que dá
testemunho delas e o seu testemunho é verdadeiro. E ele bem sabe que diz a verdade, para vós
crerdes também. É que isto aconteceu para se cumprir a Escritura, que diz: Não se lhe
quebrará nenhum osso. E também outro passo da Escritura diz: Hão-de olhar para aquele que
trespassaram.
S. João Crisóstomo (c. 345-407), Bispo de Antioquia, e depois de Constantinopla, Doutor da
Igreja
Sermão sobre a Cruz para Sexta-Feira Santa
«Junto da cruz de Jesus, estava sua mãe»
Vês esta vitória admirável? Vês os sucessos da Cruz? Irei eu agora dizer-te alguma coisa de
mais admirável? Aprende a forma como esta vitória se realizou e ficarás ainda mais
estupefacto. Aquilo que permitiu ao demónio vencer, é aquilo por que Cristo o dominou.
Combateu o demónio com as armas que ele usara. Escuta como: uma virgem, a madeira, a
morte, eis os símbolos da derrota. A virgem era Eva, pois não se unira ao homem; a madeira
era a árvore; e a morte a pena em que Adão incorreu. Mas eis que, em contrapartida, a virgem,
a madeira e a morte, estes símbolos de derrota, se tornaram nos símbolos da vitória. Em lugar
de Eva, Maria; em lugar da árvore do conhecimento do bem e do mal, o madeiro da Cruz; em
lugar da morte de Adão, a morte de Cristo.
Vês que o demónio foi vencido por aquilo que lhe dera a vitória? Com a árvore, ele vencera
Adão; com a cruz, Cristo triunfou do demónio. A árvore conduziu ao inferno, a cruz faz
regressar os que a ele tinham descido. Além disso, a árvore serviu para esconder o homem
envergonhado da sua nudez, enquanto que a cruz elevou aos olhos de todos um homem nu,
mas vencedor.
Eis o prodígio que a Cruz realizou em nosso favor. A Cruz é o troféu elevado contra os
demónios, a espada puxada contra o pecado, a espada com que Cristo trespassou a serpente. A
Cruz é a vontade do pai, a glória do Filho único, a alegria do Espírito Santo, o esplendor dos
anjos, o orgulho de S. Paulo, a muralha dos eleitos, a luz do mundo inteiro.
S. Bernardo (1091-1153), monge de Cister e doutor da Igreja
Homilias sobre o Cântico dos Cânticos
“Vinde com alegria tirar água das fontes vivas da salvação” (Is 12,3)
Onde pode a nossa fragilidade encontrar repouso e segurança, senão nas feridas do Salvador?
Perfuraram as suas mãos, os seus pés, e com um golpe de lança o seu lado. Por estes buracos
abertos posso provar o mel desta rocha (Sl 80, 17) e o óleo que escorre da pedra dura, quer
dizer “provar e ver como o Senhor é doce” (Sl 33,9). Ele formulava desígnios de paz (Jer
29,11) e eu não o sabia. “Quem, com efeito, conheceu o pensamento do Senhor? Quem foi o
seu conselheiro?” (Rom 11,34). Mas o prego que o perfura tornou-se para mim uma chave
que me abre o mistério dos seus desígnios.
Como não ver através das suas chagas? Os pregos e as feridas gritam que, verdadeiramente,
na pessoa de Cristo, Deus se reconciliou com o mundo. O ferro trespassou o seu ser e tocou o
seu coração, a fim de que ele não ignore mais como se compadecer das minhas fraquezas. O
segredo do seu coração aparece a nu nas feridas do seu corpo; vemos a descoberto o grande
mistério da sua bondade, esta misericordiosa ternura do nosso Deus, “Sol nascente que nos
visitou do alto” (Lc 1,78). E como não seria esta ternura manifesta nas suas feridas? Como
mostrar mais claramente que pelas tuas feridas que tu, Senhor, és doce e compassivo e de uma
grande misericórdia, porque não há maior amor do que dar a sua vida (Jo 15,13) pelos
condenados à morte?
Todo o meu mérito é pois a piedade do Senhor, e não me faltará mérito tanto quanto a piedade
não lhe faltará a ele. Se as misericórdias de Deus se multiplicam, os meus méritos serão
numerosos. Mas que acontecerá se tenho a reprovar-me uma quantidade de faltas? “Onde
abundou o pecado superabundou a graça” (Rom 5,20). E se “a bondade do Senhor se estende
por todo o sempre”, pelo meu lado “cantarei eternamente as misericórdias do Senhor” (Sl
102,17;88,2). É esta a minha justiça? Senhor, recordar-me-ei apenas da tua justiça, porque é
ela a minha justiça pois que para mim se tornou justiça de Deus (Rom 1,17).
Beato Guerric d'Igny (c.1080-1157), abade cisterciense
4º sermão para a Assunção
«E, desde aquela hora, o discípulo acolheu-a como sua»
Quando Jesus se pôs a percorrer as cidades e as aldeias para anunciar a Boa Nova (Mt 9,35),
acompanhava-o Maria, a seus passos presa de maneira inseparável, suspensa de seus lábios
sempre que Ele abria a boca para ensinar. A tal ponto assim era que nem a tempestade da
perseguição nem o horror do suplício a fizeram abandonar a companhia do Filho, os
ensinamentos do seu Mestre. «Aos pés da cruz de Jesus estava Maria, sua mãe». Ela é mãe,
verdadeiramente mãe, a que nem nos terrores da morte abandonava o Filho. Como poderia ela
ter sido assustada pela morte, esta cujo «amor era forte como a morte» (Ct 8,6), e mais forte
até que a própria morte. Sim, de pé ela se mantinha aos pés da cruz de Jesus e a dor desta cruz
crucificava-a em seu próprio coração, também; todas as chagas que via no corpo ferido de seu
Filho eram gládios que lhe trespassavam a alma (Lc 2,35). É pois com toda a justiça que ali
mesmo é proclamada Mãe, e lhe seja designado um protector bem escolhido que a tome a seu
cuidado, porque foi de facto ali que se manifestaram o amor perfeito da mãe para com o Filho
e a verdadeira humanidade que o Filho recebera da mãe [...].
Tendo-a Jesus amado, levou o seu amor «até ao extremo» (Jo 13,1). Não só os seus últimos
momentos de vida foram para ela, como também as suas últimas palavras: acabando por assim
dizer de ditar o seu testamento, Jesus confiou a mãe aos cuidados do seu mais querido
herdeiro [...]. Pedro recebeu a Igreja; e João, recebeu Maria. Esta parte da herança coube a
João como um sinal do amor privilegiado de que era objecto, mas também devido à sua
castidade [...] Porque convinha que à mãe do Senhor só prestasse serviços o discípulo bem
amado de seu Filho, e mais ninguém [...] E por tal disposição providencial, poderia o futuro
evangelista de tudo se ocupar com familiaridade juntamente com a que tudo sabia, aquela que,
desde sempre, observava tudo o que a seu Filho dizia respeito e «conservava todas estas
coisas, ponderando-as no seu coração» (Lc 2,19).
S. Siluane (1866-1938), monge ortodoxo
Escritos
"Quiseste que ela se tornasse nossa mãe quando estava perto da cruz de Jesus" (oração
sobre as oferendas)
Oh! como é bom, quando a alma está toda cheia do amor de Deus, como tudo se enche de
doçura e de alegria! Mas, mesmo então, não escapamos às aflições e, quanto maior é o amor,
maiores são as aflições. A mãe de Deus nunca pecou, nem por um só pensamento, nunca
perdeu a graça, mas também ela teve de suportar grandes aflições. Quando estava ao pé da
cruz, a sua pena era grande como o oceano. As dores da sua alma eram incomparavelmente
maiores do que as de Adão ao ser expulso do Paraíso porque o seu amor era, também ele,
incomparavelmente maior do que o de Adão. E se se manteve viva, foi unicamente porque a
força do Senhor a sustentava, porque o Senhor queria que ela visse a sua ressurreição e que,
depois da sua ascensão, ficasse na terra para consolar e alegrar os apóstolos e o novo povo
cristão.
„Perto da cruz de Jesus, permaneciam de pé sua mãe, a irmã de sua mãe …e perto dela,
o discípulo a quem amava“ - Jo 19,25-26
1. Pecadores redimidos * com o sangue do Senhor, [:atendei, olhai se existe * dor igual à
minha dor!:]
2. Dolorosa, aguda espada, * transpassou-me o coração * [:quando a morte do meu Fiho
me predisse Simeão:].
3. Junto ao Filho, para o Egito, * eu fugi, com dor atroz, * [:quando Herodes o buscava *
para dá-lo ao vil algoz:].
4. Quem dirá meu sentimento? * Desolada me encontrei * [:vendo o Filho meu perdido!
* por três dias o busquei:].
5. Que martírio na minha alma, * encontrando meu Jesus, * [; no caminho do Calvário,
arquejante sob a cruz:]!
6. Mas, ó ceus, ó terra, vede: * dor maior não pode haver * [: vendo a morte do meu
Filho! * … foi milagre eu não morrer:].
7. Contemplai meu sofrimento, * minha angústia ao pé da Cruz: * [:pela lança
transpassado * vi meu Filho, o meu Jesus:].
8. Oh! Que dor mais cruciante, * que suprema solidão, * [: ao levarem-no ao sepulcro, *
invadiu-me o coração!:]
Popular Brasileiro – Cantos e orações, 413
Evangelho segundo S. João 19,28-37. – cf.par. Mt 27,57-66; Mc 15,42-47; Lc 23,50-56
Depois disso, Jesus, sabendo que tudo se consumara, para se cumprir totalmente a Escritura,
disse: «Tenho sede!» Havia ali uma vasilha cheia de vinagre. Então, ensopando no vinagre
uma esponja fixada num ramo de hissopo, chegaram-lha à boca. Quando tomou o vinagre,
Jesus disse: «Tudo está consumado.» E, inclinando a cabeça, entregou o espírito. Como era o
dia da Preparação da Páscoa, para evitar que no sábado ficassem os corpos na cruz, porque
aquele sábado era um dia muito solene, os judeus pediram a Pilatos que se lhes quebrassem as
pernas e fossem retirados. Os soldados foram e quebraram as pernas ao primeiro e também ao
outro que tinha sido crucificado juntamente. Mas, ao chegarem a Jesus, vendo que já estava
morto, não lhe quebraram as pernas. Porém, um dos soldados traspassou-lhe o peito com uma
lança e logo brotou sangue e água. Aquele que viu estas coisas é que dá testemunho delas e o
seu testemunho é verdadeiro. E ele bem sabe que diz a verdade, para vós crerdes também. É
que isto aconteceu para se cumprir a Escritura, que diz: Não se lhe quebrará nenhum osso. E
também outro passo da Escritura diz: Hão-de olhar para aquele que trespassaram.