REVISTA EAS - Volume 22 - Numero 1 - 2007

Transcrição

REVISTA EAS - Volume 22 - Numero 1 - 2007
Revista Educação Agrícola Superior
Associação Brasileira de Educação Agrícola Superior- ABEAS - v.22, n.1,p.7-12, 2007
A CRISE DOS ALIMENTOS, A LEI DE SEGURANÇA
ALIMENTAR E AS FRAGILIDADES DO CENÁRIO BRASILEIRO
Zezineto Mendesde Oliveira1, Anny Kelly Vasconcelos2, Frederico Campos Pereira3,
Ricardo Pereira Veras4
1- Doutorando da Universidade Federal de Campina Grande. [email protected]
2- Doutoranda em Armazenamento da Universidade Federal de Campina Grande. [email protected]
3- Mestrando da Universidade Federal de Campina Grande. [email protected]
4- Mestrando da Universidade Federal de Campina Grande. [email protected]
RESUMO
O presente trabalho faz uma análise sobre a crise dos alimentos e suas conseqüências para a humanidade. Em um cenário
global caracterizado por incertezas econômicas, de abastecimento e de crises financeiras, a questão alimentar toma proporções nas
discussões internacionais, como um fator que deve ser considerado nas políticas de produção e de comercialização dos países
industrializados e dos que estão em processo de desenvolvimento. A substituição da produção agrícola tradicional, ou seja, aquela
voltada para a produção de alimentos; pela produção direcionada aos biocombustíveis, está determinando uma nova realidade no
mercado de alimentos em nível global. Em que, essas substituições estão pressionando a alta dos preços dos alimentos no mercado
internacional, aumentando o custo de vida das sociedades em desenvolvimento e pondo em risco as sociedades mais pobres. É um
cenário de incertezas, que provoca vários questionamentos, e este trabalho se desenvolve fazendo uma análise sobre essa questão da
crise dos alimentos que é de interesse de toda a humanidade.
Palavras-chave: crise dos alimentos, desenvolvimento, biocombustíveis.
INTRODUÇÃO
Notadamente observa-se nos dias de hoje a clara
preocupação das instituições e dos países no que diz respeito à
crise alimentar no mundo atual, em que acontecem inúmeras
manifestações por parte dos mais diversos órgãos
internacionais como a ONU (Organização das Nações Unidas)
e a FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e
Alimentação), que tentam achar saídas para essa realidade que
assola principalmente os países mais pobres e em
desenvolvimento, alertando o mundo sobre esse iminente e
preocupante problema que, sem dúvida, afeta uma expressiva
parte da humanidade.
Essa preocupação é válida, quando observamos que a
maior matriz produtora de grãos, mais notadamente o milho,
que tem como maior produtor mundial os Estados Unidos da
América, destinando grande parte de sua produção para o uso
desse cereal para a produção do biocombustível.
(ANDREOLLI, 2007),
Forçando a alta não só do milho, mas de toda a gama
de commodities agrícolas, como a soja, o trigo e o arroz,
desencadeando um efeito cascata em outros mercados, que
fazendo uso do protecionismo, garantem o abastecimento
interno de seus países, adotando medidas restritivas às
exportações, diminuindo a oferta dos alimentos, aumentando a
especulação de investidores internacionais, resultando no
aumento dos preços no mercado mundial.
Um exemplo dessa realidade foi o que aconteceu com
a disparada nos preços dos produtos agrícolas, ou commodities,
que impulsionou demasiadamente o aumento dos preços nos
últimos anos, tendo sido causada pelas barreiras impostas por
países asiáticos às exportações. Somado a tudo isso a produção
de etanol americana a partir do milho também influenciou e
muito a alta dos preços ( PIMENTEL & PATZEK, 2005).
Fazendo uma análise comparativa com a situação
brasileira, percebemos uma razoável tranqüilidade, pois nosso
país se encontra hoje na condição de exportador de grãos, o que,
em princípio, poderia deixá-lo um pouco distante dessa crise.
Em 2006 foi criado o Sistema Nacional de Segurança
Alimentar e Nutricional – SISAN, com vistas a assegurar o
direito humano à alimentação adequada, e dá outras
providências, através da Lei Nº 11.346 de 15 de setembro do
mesmo ano. Na medida em que se passa a estudar essas Leis,
percebe-se que existem avanços no conteúdo e na intenção de
preservar e assegurar o direito humano à alimentação
adequada, porém, ao mesmo tempo em que se confronta o
modo como se produz e o destino dos excedentes de alimentos
do país, seja na agricultura familiar, ou no agronegócio, nota-se
08
uma fragilidade nos dois modos de produção, que podem
tornar impraticáveis a aplicabilidade da Lei e até mesmo, pôr
em risco sua condição de celeiro mundial, caso haja mudanças,
mesmo mínimas, nesse cenário mundial como hoje se
apresenta.
DESENVOLVIMENTO DO ASSUNTO
Oferta de alimentos no mundo: uma visão panorâmica
Observa-se a opção Americana de produzir
biocombustíveis a partir do milho, deu a partida para o início da
atual crise dos alimentos no mundo. Hoje com 262,6 milhões
de toneladas/ano.
Sendo produzidas nos EUA, tal fato o torna o primeiro
produtor desse cereal no mercado global, levando-se em
consideração que este alimento faz parte da base alimentar dos
seres humanos e outros tipos de animais. À medida que se dá
outro destino no emprego desse grão, e as alterações nesses
volumes são extremamente significativas, toda a cadeia
produtiva é afetada e os estoques mundiais se alteram, gerando
grande especulação nos mercados mundiais. Se a matriz
energética americana vai migrar suas atenções para a redução
deste cereal e, sabendo-se que não existem muitas áreas de
fronteira que se possa plantar mais milho para esse fim,
acredita-se que o milho tomará a área ocupada por outros tipos
de culturas, como por exemplo a cultura da soja; o que também
implicaria numa baixa dos estoques mundiais dessa
commoditie, e na conseqüente elevação de seu preço nas bolsas
do mundo inteiro. Isso por si só já desencadeou um movimento
especulativo e que levou determinados países a tomar medidas
de controle mais eficazes de seus estoques, inclusive
estendendo essa medida para outras commodities, como o
arroz e o trigo.
O efeito cascata acontece quase que imediatamente,
em que a busca por garantir o abastecimento interno dos mais
diversos países, como é o caso da Tailândia, sendo este o maior
exportador mundial de arroz, vendendo ao exterior 9,5 milhões
de toneladas de grãos em 2007 (FOLHAONLINE, 25.05.2008)
E que, por medidas cautelares seu primeiro-ministro
anunciou que seu país concluiu um acordo para criar um cartel
do arroz, com poder de fixar os preços, com Mianmar, Laos,
Vietnã e Camboja em razão da disparada do custo do grão; os
preços dos alimentos dispararam. Tal tendência foi atribuída
aos crescentes preços de energia e fertilizantes, por uma maior
demanda mundial de alimentos, pelas secas, pela perda de
terras cultivadas com arroz em favor de plantações para
produzir biocombustíveis, bem como pela especulação dos
investidores internacionais; são caracterizados como os
principais fatores geradores desta crise.
A demanda internacional pelo arroz tailandês cresceu
depois que outros grandes exportadores, Vietnã e Índia,
também adotaram restrições às exportações para garantir o
abastecimento doméstico.
Por outro lado vê-se a inviabilidade econômica para
produção de biocombustíveis em detrimento de alimentos. No
modelo norte-americano de se produzir etanol (álcool a partir
do milho - Zea mays), o custo passa a ser altíssimo e, talvez,
compense buscar outra forma de trabalhar sua matriz
energética; porque apesar do incentivo à produção de etanol a
partir do milho nos EUA, apoiado muitas vezes em forças
políticas, algumas associações de classe e inclusive o USDA
(United States Departamento of Agricultural), cientistas da
Universidade de Cornell e de Berkeley têm demonstrado que,
tanto no aspecto energético como no ambiental, a produção de
etanol a partir do milho, não é sustentável, drenando U$ 4,1
bilhões pagos em subsídios para produção do milho
(ANDREOLI e DE SOUZA, 2006). O balanço de energia para
converter o milho em etanol é negativo (1,29:1), ou seja, para
cada 1 kcal de energia fornecida pelo etanol, são gastos 29% a
mais de energia fóssil para produzir álcool (PIMENTEL e
PATZEK, 2005)
Se subir o preço de um commoditie qualquer, como é o
caso do milho, seus derivados caminharão na mesma tendência
de alta em toda cadeia alimentícia derivativa. Os principais
produtores mundiais de milho são, pela ordem, os EUA, China,
Brasil, UE, México e Argentina. A produção desses cinco
países mais a União Européia, respondem por 80% da oferta
mundial, caracterizando altos níveis de concentração; em que
só os EUA produzem cerca de 46% desse total.
O preço da Soja foi alavancado pela opção do produtor
americano em plantar milho para produção do etanol, na
mesma área que antes era plantada esta leguminosa, com isso
sua área de plantio restringiu-se, e a Soja aumentou seu preço
em 87%. Some-se a isso, o fato de que, alguns países
emergentes estarem passando por um período de crescimento
de suas economias, consequentemente, suas populações
alcançam um maior poder aquisitivo, possibilitando um
aumento no consumo de alimentos.
Composto basicamente de carne, leite e queijos. Um
bom exemplo é o do consumo de carne na China, segundo
dados publicados pela revista britânica The Economist em
2008, cada chinês consumia em média 20 quilos de carne por
ano em 1985, e atualmente, consome 50 quilos. Maior consumo
de carne, implica num maior consumo de grãos, em que para
produzir um quilo de carne bovina, são necessários 8 quilos de
grãos.
O trigo teve um aumento nos seus preços na ordem de
130%. Os principais países produtores de grãos, como a
Austrália, sofreram secas históricas que diminuíram a
produção em até 10%. As catástrofes climáticas também
contribuíram em algum lugar do mundo para que essa
generalizada e proclamada crise se acentuasse.
Como pode ser observado, por intermédio de não
apenas um fator, mas de vários fatores, a propalada “Crise
Alimentar” está instalada, mostrando a face frágil de um
mundo que pode sucumbir quando um conjunto de fatores ou
decisões estratégicas e unilaterais de países ricos acontecem,
prejudicando uma parcela significativa das populações pobres
em todo o mundo. (www.vejaonline.abril.com.br/notitia,
26.5.2008)
Através dos fatos expostos, pode-se perceber a
gravidade da questão, e buscar entender, que essa tal crise seja
mesmo real, e que pode até mesmo vir a se agravar ainda mais,
devido à tantas outras mudanças globais em que nos deparamos
a cada dia. Tais fatos, não deixam de afetar a natureza, que está
reagindo de forma mais intensa e imprevisível. Porém,
observando os estoques mundiais, vemos que a própria ONU
admite que “A alta nos preços dos alimentos está gerando o que
estamos chamando de a nova face da fome. Ou seja, pessoas
que, de repente não podem mais pagar por seus alimentos",
alerta a ONU. O problema não seria a falta dos produtos nas
prateleiras em muitos casos, mas a falta de recursos para
adquiri-los e a sua justa distribuição.
Apesar de o Brasil ser um país exportador, o mesmo
vem sendo afetado internamente com a alta dos alimentos em
nível global, que neste caso, grande parte dessa situação, devese as simples ações de especulação. O Brasil depende em boa
parte, do trigo Argentino, que supre quase dois terços da
necessidade do país.
Sendo que essa dependência poderia diminuir
sobremaneira, caso fosse determinado ou direcionado parte da
área agricultável do país, para a produção de trigo, o que é
09
bastante conhecido que o mesmo dispõe de terra e clima para
isso. Em contrapartida, o Brasil está exportando milho como
nunca havia feito antes, com cerca de 10,8 milhões de
toneladas, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento
(CONAB) em 2007.
Nos últimos anos, o Brasil passou de importador a
exportador de milho, porém, o preço dessa commoditie
continua a subir, pois estão pagando mais por ele no mercado
externo e o produtor não hesita em faturar mais na hora de
comercializar sua safra, fazendo com que os setores que
dependem deste cereal para fabricação de ração usada na
produção de frango e suínos por exemplo, terem também que
reajustar seus preços. Com isso, a população mais pobre sofrerá
maior impacto, pois a cesta básica está subindo acima da
inflação, e isso afeta a renda dessas famílias, que terão que
suprir esse déficit em detrimento de outros itens como saúde,
transporte, educação, vestimenta etc.
Segundo a ONU, os que mais sofrem com essa
realidade são os pobres e miseráveis, que vivem nas grandes
cidades. Algumas famílias chegam a gastar 80% do que
ganham hoje para apenas comprar alimentos.
(www.g1.globo.com/Noticias/Economia, 26.5.2008)
A LEI DE SEGURANÇA ALIMENTAR:
ALGUMAS ABORDAGENS CRÍTICAS
Para se fazer uma abordagem mais analítica e crítica
da questão, serão expostos a seguir, alguns Artigos, parágrafos
e capítulos da lei Nº. 11.346, sancionada em 2006 pelo
Presidente da República Sr. Luiz Inácio Lula da Silva, para que
se possa fazer um paralelo sobre como assegurar o
cumprimento de uma lei dessa natureza em meio a um turbilhão
de notícias e perspectivas ruins, ligadas à crise dos alimentos,
que vem gerando sérias conseqüências em níveis globais, e que
poderá se agravar num futuro breve.
LEI Nº 11.346, DE 15 DE SETEMBRO DE 2006.
Cria o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e
Nutricional – SISAN com vistas em assegurar o direito humano
à alimentação adequada e dá outras providências.
No seu Art. 1o esta Lei estabelece as definições,
princípios, diretrizes, objetivos e composição do Sistema
Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – SISAN; por
meio do qual o poder público, com a participação da sociedade
civil organizada, formulará e implementará políticas, planos,
programas e ações com vistas em assegurar o direito humano à
alimentação adequada.
§ 1o A adoção dessas políticas e ações deverá levar em
conta as dimensões ambientais, culturais, econômicas,
regionais e sociais.
o
Art. 3 A segurança alimentar e nutricional consiste na
realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a
alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem
comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo
como base práticas alimentares promotoras de saúde que
respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental,
cultural, econômica e socialmente sustentáveis. Nesse
parágrafo, a disparidade continua, pois tem-se percebido que,
cada vez mais faz-se uso das sementes transgênicas de soja,
milho e algodão, e que, a tendência, é que essa demanda
continue em escala acelerada, pois é o modelo que ora está
posto, quem dita as regras do jogo do agrobuisness, e não se
vislumbra nisso, nem mesmo uma boa prática em termos
econômico, pois existe a prática do monopólio na venda dos
insumos, que está nas mãos de poucas empresas, tanto de
agroquímicos, como de sementes e adubos. Nem tão pouco, é
respeitada a diversidade ambiental existente, porque vem
sendo gerados vários questionamentos sobre os transgênicos e
suas consequências futuras ao meio ambiente.
Esse primeiro parágrafo trata do reconhecimento por
parte da comunidade internacional quanto à relevância da
abordagem dos Direitos Humanos para garantir a erradicação
da fome e da desnutrição é extremamente relevante e
representa uma vitória daqueles que defendem o
multilateralismo e colocação da economia a serviço da
promoção da dignidade humana.(VALENTE, 2002).
II – a conservação da biodiversidade e a utilização
sustentável dos recursos;
IV – a garantia da qualidade biológica, sanitária,
nutricional e tecnológica dos alimentos, bem como seu
aproveitamento, estimulando práticas alimentares e estilos de
vida saudáveis, que respeitem a diversidade étnica e racial e
cultural da população. Com relação a esse artigo quarto e seus
quatro incisos, vemos que a agricultura familiar passa também
por uma crise, onde a inadimplência impera e cada vez mais,
vai-se tirando o homem do campo e do acesso ao crédito. Basta
ver nos assentamentos, que o índice de inadimplência é
alarmante, servindo como depósito de pessoas que não podem
mais abrir mão do pouco espaço que já adquiriram, mas que,
por outro lado, tornaram-se reféns de uma política fundiária e
de crédito que impossibilita a sua sobrevivência nos moldes
atuais.
FRAGILIDADES E DEPENDÊNCIAS DO SISTEMA
PRODUTIVO BRASILEIRO: AS CAUSAS DA
INSEGURANÇA ALIMENTAR
Existe uma causa fundamental para a insegurança
alimentar no Brasil: a fragilidade no acesso. Isto se dá
especialmente, pela falta de poder aquisitivo de uma parcela
não desprezível da população para adquirir os alimentos de que
necessita. Mas existem outras faces deste mesmo problema. É,
também, a falta de acesso aos bens de produção, na área rural,
para aqueles que não tem terra, e principalmente para os que
não dispõe de crédito nem de assistência técnica para produzir
com qualidade na pouca e má distribuída terra que lhes cabe.
Fazendo uso de uma abordagem analítica da situação agrícola
brasileira, mesmo sendo um momento em que se bate recordes
e mais recordes de produtividade, soa até insensato afirmar que
dentro em breve o país não estará produzindo por falta de
acesso aos materiais genéticos de última geração, e por falta das
sementes transgênicas (das quais, seus usuários tornam-se
eternamente dependentes, caso continue com o mesmo
modode produção atual).
Além dos insumos que hoje dobram de preços a
exemplo dos derivados do petróleo como os adubos
nitrogenados, sem deixar de considerar os royalties pagos às
multinacionais produtoras de sementes, que podem vir a ser um
item significativo no custo de produção das planilhas dos
agricultores brasileiros. Esses itens atualmente, associados aos
pesticidas e agroquímicos que estão nas mãos de poucas
empresas, as quais podem, a qualquer momento, monitorar e
majorar seus preços e tornar o agronegócio brasileiro inviável
economicamente.
Diante do que foi exposto, é possível perceber que
existe uma vinculação entre a questão alimentar e a capacidade
de produção dos países. Esta vinculação, é bastante evidente, e
que já foi tema de importantes debates até a década de 1970. Na
Revista Educação Agrícola Superior - Vol. 22 Nº 01 - Janeiro / Junho - 2007
10
Primeira Conferência Mundial de Segurança Alimentar,
promovida pela FAO em 1974, num momento em que os
estoques mundiais de alimentos estavam bastante escassos,
com quebras de safra em importantes países produtores, a idéia
de que a Segurança Alimentar estava estritamente ligada à
produção agrícola era corrente. Isto veio, inclusive, fortalecer o
discurso da indústria química na defesa da Revolução Verde.
Afirmavam que o flagelo da fome e da desnutrição no
mundo desapareceria com o aumento significativo da produção
agrícola, o que estaria assegurado com o emprego maciço de
insumos químicos (fertilizantes e agrotóxicos). A produção
mundial, ainda na década de setenta, se recuperou - embora não
da mesma forma como prometia a Revolução Verde - e nem por
isto desapareceram os males da desnutrição e fome, que
continuavam atingindo tão gravemente parcela importante da
população mundial.
É neste contexto que se começa a perceber que, mais
do que a disponibilidade de alimentos, a capacidade de acesso
aos alimentos por parte dos povos em todo o mundo, mostra-se
como questão crucial para a Segurança Alimentar. Claro que
esta questão e outros fatores podem ser causadores de agudas
crises de insegurança alimentar, como as situações de guerra e
desestruturação da capacidade de produção, como têm
ocorrido em países da África. (MENEZES, 1999.).
Numa outra dimensão, a falta de acesso aos serviços
públicos (água, esgoto, educação e saúde), que têm impacto
sobre a segurança alimentar e a falta de acesso à informação,
instrumento básico para aqueles mais vulneráveis à fome e
desnutrição. Outros problemas também ameaçam a segurança
alimentar e nutricional no Brasil. De um lado, o crescimento
das importações de alimentos (de alguns itens – trigo por
exemplo), deixando a soberania alimentar do país ameaçada.
Do outro, a falta de sustentabilidade do sistema alimentar que
não prioriza os órgãos de pesquisa, nos quais deveria ter a
autonomia genética garantida, principalmente nos produtos
mais importantes à alimentação dos brasileiros, e da pauta de
exportação, além dos principais insumos necessários para
manter a hegemonia e a afinidade produtiva da qual o país
dispõe. Não se pode deixar de considerar, que a imposição de
um padrão alimentar inadequado, pode ameaçar antigos
valores culturais de grande riqueza da alimentação do país.
À Margem de toda essa discussão entre crise
alimentar e Leis que “protegem” a população dessa crise, estão
as empresas multinacionais produtoras de sementes, que por
sua vez, são detentoras de empresas de engenharia genética e
donos das sementes e dos alimentos transgênicos. Essas
empresas já detêm no Brasil, mais de 80 % do mercado de
venda de sementes híbridas e transgênicas, e com certeza estão
assistindo esse desenrolar da “crise alimentar” com a
expectativa de obter mais lucro com todo esse alarde feito ao
redor de uma perspectiva de fome que ronda a humanidade.
Essa busca por mais lucro, torna-se evidente quando
se nota que o monopólio (ou no mínimo um oligopólio) está
fortemente assentado em bases altamente sólidas no Brasil;
porque essas empresas são as mesmas que também produzem
os agrotóxicos e pesticidas, detentora de uma outra fatia de
mercado em mais de 70%. As empresas que mais figuram nesse
cenário, são a Monsanto, Bayer, Du Pont, Dow e a Syngenta.
Além de ser questionável essa dependência do Brasil
de sementes para produzir, que é o caminho que está sendo
trilhado silenciosa e vulneravelmente, em busca de recordes
cada vez maiores em produtividade e suficiência. Surgem
ainda, outros elementos de importância equivalente. Sendo
eles, a estabilidade da oferta de alimentos ao longo do tempo; o
grau de autonomia ou auto-suficiência, garantido pela
capacidade de produção de alimentos do país, e a
sustentabilidade, econômica e ecológica, desta produção.. O
modelo que está se desenhando. (ALMEIDA, 2004).
Com certeza vai asfixiar os produtores, pois com a
propriedade do material genético, as multinacionais serão
donas e se apropriarão dos diversos materiais através do
patenteamento de espécies vegetais, e esse modelo trará
impactos sobre o agricultor, na medida que é cerceado seu
direito de reprodução de sementes. Ele a cada safra terá de se
submeter a compra-las novamente da multinacional, pois o
hibridismo induzido á semente não permite que sua F2 seja
plenamente produtiva quanto a F1 que foi vendida pela
transnacional, ficando assim o produtor refém geneticamente
das grandes corporações.
O segmento de sementes passa a ser controlado por
um grupo reduzido de empresas transnacionais, em sua maioria
originária da química fina, o que permite um domínio mais
amplo sobre toda a chamada agroindústria à montante e à
jusante, na medida em que as sementes poderão funcionar
como veículo definidor de todo um pacote tecnológico. Ao
comprar a semente da multinacional, o produtor vê-se obrigado
a fechar um verdadeiro “pacote” de insumos, incluindo ai,
todos os agroquímicos, deixando-lhe totalmente engessado
desde o momento do planejamento de sua produção. Tudo isso,
sem considerar a exclusão do pequeno produtor, que não vai
poder propagar sua semente nem pagar os royalties da próxima
safra aos grandes grupos.
Mas, as Genectics Ladys ainda não estão satisfeitas,
elas buscam ainda mais. Além de vender as sementes que
podem vir com gens do BT Bacilo thuringiensis que mata a
lagarta, comercializam também os herbicidas, as quais suas
plantas são resistentes e, num breve futuro, poderão vender
“vacinas” dentro das sementes; ou seja, as plantas
geneticamente modificadas virão com genes nela inseridos
que, segundo os geneticistas, serão capazes de curar as mais
diversas doenças como cólera, diarréia, gripe, etc (GRAVINA,
2008 - http://www.pioneersementes.com.br/).
Tais empresas, além de produzirem um dos herbicidas
mais populares do mundo, as multinacionais do setor
desenvolveram plantas mais resistentes ao veneno, permitindo
que os agricultores pulverizem a plantação sem prejuízo à sua
colheita.
Os cientistas da empresa também desenvolveram
plantas capazes de produzir uma toxina inofensiva para o
homem, mas fatal para os insetos (MARTINS, 2000).
Diante desse cenário, não se pode mais uma vez, agir
passivamente como aconteceu com o caso da revolução verde.
É interessante notar, que as idéias e as tecnologias para
desencadear a próxima onda, já estão em pleno processo de
finalização, e talvez, as empresas detentoras desses meios,
tenham sido pegas de surpresa porque não esperavam que essa
“crise” fosse acontecer tão cedo. Mas que, sem dúvida, num
ambiente desses, é que se torna propício para que a população
se deixe levar pelo milagre de uma genética, que mais parece
ter saído de álbuns futuristas, para ser implantadas sem a devida
atenção e responsabilidade.
Não se sabe ainda com certeza e segurança, quais as
implicações dessas novas idéias e tecnologias, em que, por
exemplo, um gene que esteriliza as sementes, tipo “um
exterminador do futuro”, poderá trazer de conseqüências para a
biodiversidade e os seres humanos (CORDEIRO, 2007 ).
As sementes transgênicas são inférteis, ou seja,
produzem apenas uma vez. As empresas produtoras desse tipo
de semente, afirmam que a fizeram dessa forma, para que não
Revista Educação Agrícola Superior - v.22, n.1,p.7-12, 2007
11
percam os direitos sobre a tecnologia que desenvolveram,
garantindo o lucro a que tem direito. Por outro lado, isso cria
uma enorme dependência, porque os produtores ficam
vinculados a essas empresas, tendo que pagar o preço que elas
julgarem justo; além de ficarem a mercê da tecnologia dessas
empresas, que podem simplesmente produzir sementes que
necessitem de um produto químico específico, que também são
produzidos por elas, ou por empresas sócias, sob pena de
mortandade da plantação, ocasionando prejuízos e forçando a
compra casada de produtos. Ou pior, decidir não vender sua
semente, podendo ter o poder de falir a economia de um país.
O poder que essas empresas terão, será comparável ao
dos presidentes, pois deles pode depender se haverá ou não
safra, podendo vir a controlar toda a humanidade, haja vista a
dominação alimentícia instaurada. Para que essa estratégia
tenha sucesso, é necessário eliminar alguns tipos de plantações
convencionais, que são muito comuns no Brasil, o qual pode vir
a ser um tipo de fornecedor alternativo para o mercado
mundial, podendo significar uma barreira à essa dominação em
andamento, e uma ameaça ao lucro das empresas que estão por
trás dessa nova realidade. Pelo tamanho da safra brasileira, de
soja especialmente, e pela posição do país no mercado mundial,
a liberação dos transgênicos aqui, caracteriza-se como algo
fundamental.
Várias organizações nacionais e internacionais
protestaram contra a edição da medida provisória,
argumentando que o Brasil premia os que descumprem a lei,
uma vez que, grande parte da safra, é possivelmente de
sementes transgênicas, que até então, eram proibidas de serem
plantadas e que ofendem ao princípio da precaução e da
obrigatoriedade de licenciamento ambiental, ambos exigidos
pela Constituição Federal.
Contradizendo, o que fora afirmado em defesa da
medida provisória, jamais houve falta de sementes naturais,
sendo injustificável a liberação da safra contaminada.
(SILVEIRA, 2004 )
À GUISA DE PROPOSIÇÕES DE
INTERVENÇÃO
Propostas
Vê-se que a questão da segurança alimentar e
nutricional, engloba uma série de fatores, entre elas o acesso à
terra e à água, o fomento à agricultura familiar de base agroecológica, e a recuperação da capacidade reguladora do Estado
(MALUF, 2000).
Além da ampliação de ações estruturantes e
emancipadoras, que dotem o pequeno e médio produtor de
estruturas consolidadas de acesso ao crédito, garantia de
comercialização, seguro produção e assistência técnica de
qualidade.
A soberania alimentar, passa pela independência dos
modos de produção e do domínio público, possibilitando aos
agricultores, o acesso e a utilização de tecnologias apropriadas,
para uma produção que não dependa única e exclusivamente de
material genético das multinacionais. Criação de bases para um
banco genético que esteja à disposição dos principais órgãos de
apoio e assistência técnica em todos os níveis, bem como o
desenvolvimento da pesquisa focada nos aspectos regionais,
priorizando as necessidades locais e da região, fortalecendo o
modo tradicional de plantio e técnicas apropriadas e adaptadas
O desenvolvimento e o apoio a uma agricultura com
bases agro-ecológicas, que prioriza a biodiversidade produtiva,
tornam-se necessárias e emergentes. A criação e ampliação de
bancos de sementes, que possam funcionar como verdadeiras
armas contra a esterilização de sementes, que parece estar em
curso, é uma ferramenta que pode proteger nossas riquezas
naturais. (CORDEIRO & FARIA, 1993)
Ou seja, é necessário expandir a diversidade genética
que o Brasil acumulou durante anos, no sentido de evitar que o
mesmo torne-se refém de empresas multinacionais, e que evite
dos agricultores brasileiros terem que recorrer às mesmas para
poderem garantir seu sustento.
Criar, de fato, políticas que priorizem a diversidade,
minimizem a dependência de agroquímicos, favoreçam
técnicas agro-ecológicas e preservacionistas dos solos e dos
mananciais hídricos e, desenvolva um programa de
recuperação de matas ciliares e de gestão de micro bacias, bem
como o desenvolvimento de projetos que visem a revitalização
de rios e corpos d'água.
CONCLUSÕES
Diante do exposto, pode-se afirmar que a Lei de
Segurança Alimentar, como está escrita, abrange vários
aspectos teóricos importantes. Os principais quesitos que
necessitam de uma maior fundamentação, para que o Brasil
continue hegemônico e competitivo no setor agrícola, devem
ser difundidos e defendidos. Porém, o que se tem observado, é
que a prática anda bem distante da teoria, porque a dependência
do país de sementes, adubos e agroquímicos das
multinacionais, é plenamente perceptível. Sendo possível
visualizar ainda, que a maior parte do nosso modelo de
produção, caminha para a afirmação dessa dependência, o que
é um risco; pois a qualquer mudança de humor do mercado
internacional, poderá fazer ruir, toda cadeia produtiva nacional,
e deixar o país na iminência de um colapso alimentar; o que
poderia gerar conseqüências imprevisíveis.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Dayse Coelho de. Transgênicos e princípio da
precaução: situação econômica, juridica e
ambiental. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 221,
13 fev. 2004. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4824>
.
Acesso em: 11 set. 2008 .
ANDREOLI, S. P. Cana-de-açúcar: a melhor alternativa para
conversão da energia solar e fóssil em etanol. Economia
e Energia, n. 59, dez. 2006 - jan. 2007. (Texto para
discussão, n. 59). Disponível em: CORDEIRO,
ÂNGELA; FARIA, ANDRÉA ALICE. Gestão de
bancos de sementes comunitários. Varsão brasileira do
Manual de Gestão Pública de Fernand Vincent. Rio de
janeiro: AS-PTA, 1993.
CORDEIRO, ÂNGELA. Cultivando a Diversidade: Recursos
Genéticos e Segurança Alimentar Local. 1994.
MALUF, Renato; MENEZES, Francisco; VALENTE, Flávio
L.Contribuição ao tema da segurança alimentar no
Brasil.Cadernos de Debate, Campinas, vol. IV, p. 6688, 1996.
MENEZES, Francisco. O conceito de Segurança alimentar. In:
As faces da Pobreza no Brasil. Rio de Janeiro. 1999
Revista Educação Agrícola Superior - v.22, n.1,p.7-12, 2007
12
PIMENTEL, D.; PATZEK, P. Ethanol productionusing corn,
switchgrass, and wood; Biodieselproduction using
soybean and sunflower. Natural Resources Research, v.
14, n. 1, p. 65-76, 2005.
SILVEIRA, José Maria et al. Evolução recente da
biotecnologia no Brasil. Campinas: IE/Unicamp, fev.
2004 (Texto para Discussão).BNDES.
VALENTE, F. Direito humano à alimentação: desafios e
conquistas. São Paulo: Cortez, 2002.
SITES CONSULTADOS
http://www.pioneersementes.com.br/).
FOLHA ONLINE http://www1.folha.uol.com.br/folha/
www.g1.globo.com/Noticias/Economia
www.ultimosegundo.ig.com.br/economia 20.5.2008
www.vejaonline.abril.com.br/notitia/servlet/newstorm.ns.pre
sentation)
http://www.ecoeacao.com.br/index.php?option=com_content
&task=view&id=7488&Itemid=42 em 25 08 de 2008.
ORGÃOS CONSULTADOS
Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB)
FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e
Alimentação
Instituto Nacional de Geografia e Estatística (IBGE),
ONU (Organização das Nações Unidas)
Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional –
SISAN,
United States Department of Agriculture - Home( USDA)
Revista Educação Agrícola Superior - v.22, n.1,p.7-12, 2007

Documentos relacionados