REVISTA EAS - Volume 22 - Numero 1 - 2007
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REVISTA EAS - Volume 22 - Numero 1 - 2007
Revista Educação Agrícola Superior Associação Brasileira de Educação Agrícola Superior- ABEAS - v.22, n.1,p.7-12, 2007 A CRISE DOS ALIMENTOS, A LEI DE SEGURANÇA ALIMENTAR E AS FRAGILIDADES DO CENÁRIO BRASILEIRO Zezineto Mendesde Oliveira1, Anny Kelly Vasconcelos2, Frederico Campos Pereira3, Ricardo Pereira Veras4 1- Doutorando da Universidade Federal de Campina Grande. [email protected] 2- Doutoranda em Armazenamento da Universidade Federal de Campina Grande. [email protected] 3- Mestrando da Universidade Federal de Campina Grande. [email protected] 4- Mestrando da Universidade Federal de Campina Grande. [email protected] RESUMO O presente trabalho faz uma análise sobre a crise dos alimentos e suas conseqüências para a humanidade. Em um cenário global caracterizado por incertezas econômicas, de abastecimento e de crises financeiras, a questão alimentar toma proporções nas discussões internacionais, como um fator que deve ser considerado nas políticas de produção e de comercialização dos países industrializados e dos que estão em processo de desenvolvimento. A substituição da produção agrícola tradicional, ou seja, aquela voltada para a produção de alimentos; pela produção direcionada aos biocombustíveis, está determinando uma nova realidade no mercado de alimentos em nível global. Em que, essas substituições estão pressionando a alta dos preços dos alimentos no mercado internacional, aumentando o custo de vida das sociedades em desenvolvimento e pondo em risco as sociedades mais pobres. É um cenário de incertezas, que provoca vários questionamentos, e este trabalho se desenvolve fazendo uma análise sobre essa questão da crise dos alimentos que é de interesse de toda a humanidade. Palavras-chave: crise dos alimentos, desenvolvimento, biocombustíveis. INTRODUÇÃO Notadamente observa-se nos dias de hoje a clara preocupação das instituições e dos países no que diz respeito à crise alimentar no mundo atual, em que acontecem inúmeras manifestações por parte dos mais diversos órgãos internacionais como a ONU (Organização das Nações Unidas) e a FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação), que tentam achar saídas para essa realidade que assola principalmente os países mais pobres e em desenvolvimento, alertando o mundo sobre esse iminente e preocupante problema que, sem dúvida, afeta uma expressiva parte da humanidade. Essa preocupação é válida, quando observamos que a maior matriz produtora de grãos, mais notadamente o milho, que tem como maior produtor mundial os Estados Unidos da América, destinando grande parte de sua produção para o uso desse cereal para a produção do biocombustível. (ANDREOLLI, 2007), Forçando a alta não só do milho, mas de toda a gama de commodities agrícolas, como a soja, o trigo e o arroz, desencadeando um efeito cascata em outros mercados, que fazendo uso do protecionismo, garantem o abastecimento interno de seus países, adotando medidas restritivas às exportações, diminuindo a oferta dos alimentos, aumentando a especulação de investidores internacionais, resultando no aumento dos preços no mercado mundial. Um exemplo dessa realidade foi o que aconteceu com a disparada nos preços dos produtos agrícolas, ou commodities, que impulsionou demasiadamente o aumento dos preços nos últimos anos, tendo sido causada pelas barreiras impostas por países asiáticos às exportações. Somado a tudo isso a produção de etanol americana a partir do milho também influenciou e muito a alta dos preços ( PIMENTEL & PATZEK, 2005). Fazendo uma análise comparativa com a situação brasileira, percebemos uma razoável tranqüilidade, pois nosso país se encontra hoje na condição de exportador de grãos, o que, em princípio, poderia deixá-lo um pouco distante dessa crise. Em 2006 foi criado o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – SISAN, com vistas a assegurar o direito humano à alimentação adequada, e dá outras providências, através da Lei Nº 11.346 de 15 de setembro do mesmo ano. Na medida em que se passa a estudar essas Leis, percebe-se que existem avanços no conteúdo e na intenção de preservar e assegurar o direito humano à alimentação adequada, porém, ao mesmo tempo em que se confronta o modo como se produz e o destino dos excedentes de alimentos do país, seja na agricultura familiar, ou no agronegócio, nota-se 08 uma fragilidade nos dois modos de produção, que podem tornar impraticáveis a aplicabilidade da Lei e até mesmo, pôr em risco sua condição de celeiro mundial, caso haja mudanças, mesmo mínimas, nesse cenário mundial como hoje se apresenta. DESENVOLVIMENTO DO ASSUNTO Oferta de alimentos no mundo: uma visão panorâmica Observa-se a opção Americana de produzir biocombustíveis a partir do milho, deu a partida para o início da atual crise dos alimentos no mundo. Hoje com 262,6 milhões de toneladas/ano. Sendo produzidas nos EUA, tal fato o torna o primeiro produtor desse cereal no mercado global, levando-se em consideração que este alimento faz parte da base alimentar dos seres humanos e outros tipos de animais. À medida que se dá outro destino no emprego desse grão, e as alterações nesses volumes são extremamente significativas, toda a cadeia produtiva é afetada e os estoques mundiais se alteram, gerando grande especulação nos mercados mundiais. Se a matriz energética americana vai migrar suas atenções para a redução deste cereal e, sabendo-se que não existem muitas áreas de fronteira que se possa plantar mais milho para esse fim, acredita-se que o milho tomará a área ocupada por outros tipos de culturas, como por exemplo a cultura da soja; o que também implicaria numa baixa dos estoques mundiais dessa commoditie, e na conseqüente elevação de seu preço nas bolsas do mundo inteiro. Isso por si só já desencadeou um movimento especulativo e que levou determinados países a tomar medidas de controle mais eficazes de seus estoques, inclusive estendendo essa medida para outras commodities, como o arroz e o trigo. O efeito cascata acontece quase que imediatamente, em que a busca por garantir o abastecimento interno dos mais diversos países, como é o caso da Tailândia, sendo este o maior exportador mundial de arroz, vendendo ao exterior 9,5 milhões de toneladas de grãos em 2007 (FOLHAONLINE, 25.05.2008) E que, por medidas cautelares seu primeiro-ministro anunciou que seu país concluiu um acordo para criar um cartel do arroz, com poder de fixar os preços, com Mianmar, Laos, Vietnã e Camboja em razão da disparada do custo do grão; os preços dos alimentos dispararam. Tal tendência foi atribuída aos crescentes preços de energia e fertilizantes, por uma maior demanda mundial de alimentos, pelas secas, pela perda de terras cultivadas com arroz em favor de plantações para produzir biocombustíveis, bem como pela especulação dos investidores internacionais; são caracterizados como os principais fatores geradores desta crise. A demanda internacional pelo arroz tailandês cresceu depois que outros grandes exportadores, Vietnã e Índia, também adotaram restrições às exportações para garantir o abastecimento doméstico. Por outro lado vê-se a inviabilidade econômica para produção de biocombustíveis em detrimento de alimentos. No modelo norte-americano de se produzir etanol (álcool a partir do milho - Zea mays), o custo passa a ser altíssimo e, talvez, compense buscar outra forma de trabalhar sua matriz energética; porque apesar do incentivo à produção de etanol a partir do milho nos EUA, apoiado muitas vezes em forças políticas, algumas associações de classe e inclusive o USDA (United States Departamento of Agricultural), cientistas da Universidade de Cornell e de Berkeley têm demonstrado que, tanto no aspecto energético como no ambiental, a produção de etanol a partir do milho, não é sustentável, drenando U$ 4,1 bilhões pagos em subsídios para produção do milho (ANDREOLI e DE SOUZA, 2006). O balanço de energia para converter o milho em etanol é negativo (1,29:1), ou seja, para cada 1 kcal de energia fornecida pelo etanol, são gastos 29% a mais de energia fóssil para produzir álcool (PIMENTEL e PATZEK, 2005) Se subir o preço de um commoditie qualquer, como é o caso do milho, seus derivados caminharão na mesma tendência de alta em toda cadeia alimentícia derivativa. Os principais produtores mundiais de milho são, pela ordem, os EUA, China, Brasil, UE, México e Argentina. A produção desses cinco países mais a União Européia, respondem por 80% da oferta mundial, caracterizando altos níveis de concentração; em que só os EUA produzem cerca de 46% desse total. O preço da Soja foi alavancado pela opção do produtor americano em plantar milho para produção do etanol, na mesma área que antes era plantada esta leguminosa, com isso sua área de plantio restringiu-se, e a Soja aumentou seu preço em 87%. Some-se a isso, o fato de que, alguns países emergentes estarem passando por um período de crescimento de suas economias, consequentemente, suas populações alcançam um maior poder aquisitivo, possibilitando um aumento no consumo de alimentos. Composto basicamente de carne, leite e queijos. Um bom exemplo é o do consumo de carne na China, segundo dados publicados pela revista britânica The Economist em 2008, cada chinês consumia em média 20 quilos de carne por ano em 1985, e atualmente, consome 50 quilos. Maior consumo de carne, implica num maior consumo de grãos, em que para produzir um quilo de carne bovina, são necessários 8 quilos de grãos. O trigo teve um aumento nos seus preços na ordem de 130%. Os principais países produtores de grãos, como a Austrália, sofreram secas históricas que diminuíram a produção em até 10%. As catástrofes climáticas também contribuíram em algum lugar do mundo para que essa generalizada e proclamada crise se acentuasse. Como pode ser observado, por intermédio de não apenas um fator, mas de vários fatores, a propalada “Crise Alimentar” está instalada, mostrando a face frágil de um mundo que pode sucumbir quando um conjunto de fatores ou decisões estratégicas e unilaterais de países ricos acontecem, prejudicando uma parcela significativa das populações pobres em todo o mundo. (www.vejaonline.abril.com.br/notitia, 26.5.2008) Através dos fatos expostos, pode-se perceber a gravidade da questão, e buscar entender, que essa tal crise seja mesmo real, e que pode até mesmo vir a se agravar ainda mais, devido à tantas outras mudanças globais em que nos deparamos a cada dia. Tais fatos, não deixam de afetar a natureza, que está reagindo de forma mais intensa e imprevisível. Porém, observando os estoques mundiais, vemos que a própria ONU admite que “A alta nos preços dos alimentos está gerando o que estamos chamando de a nova face da fome. Ou seja, pessoas que, de repente não podem mais pagar por seus alimentos", alerta a ONU. O problema não seria a falta dos produtos nas prateleiras em muitos casos, mas a falta de recursos para adquiri-los e a sua justa distribuição. Apesar de o Brasil ser um país exportador, o mesmo vem sendo afetado internamente com a alta dos alimentos em nível global, que neste caso, grande parte dessa situação, devese as simples ações de especulação. O Brasil depende em boa parte, do trigo Argentino, que supre quase dois terços da necessidade do país. Sendo que essa dependência poderia diminuir sobremaneira, caso fosse determinado ou direcionado parte da área agricultável do país, para a produção de trigo, o que é 09 bastante conhecido que o mesmo dispõe de terra e clima para isso. Em contrapartida, o Brasil está exportando milho como nunca havia feito antes, com cerca de 10,8 milhões de toneladas, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB) em 2007. Nos últimos anos, o Brasil passou de importador a exportador de milho, porém, o preço dessa commoditie continua a subir, pois estão pagando mais por ele no mercado externo e o produtor não hesita em faturar mais na hora de comercializar sua safra, fazendo com que os setores que dependem deste cereal para fabricação de ração usada na produção de frango e suínos por exemplo, terem também que reajustar seus preços. Com isso, a população mais pobre sofrerá maior impacto, pois a cesta básica está subindo acima da inflação, e isso afeta a renda dessas famílias, que terão que suprir esse déficit em detrimento de outros itens como saúde, transporte, educação, vestimenta etc. Segundo a ONU, os que mais sofrem com essa realidade são os pobres e miseráveis, que vivem nas grandes cidades. Algumas famílias chegam a gastar 80% do que ganham hoje para apenas comprar alimentos. (www.g1.globo.com/Noticias/Economia, 26.5.2008) A LEI DE SEGURANÇA ALIMENTAR: ALGUMAS ABORDAGENS CRÍTICAS Para se fazer uma abordagem mais analítica e crítica da questão, serão expostos a seguir, alguns Artigos, parágrafos e capítulos da lei Nº. 11.346, sancionada em 2006 pelo Presidente da República Sr. Luiz Inácio Lula da Silva, para que se possa fazer um paralelo sobre como assegurar o cumprimento de uma lei dessa natureza em meio a um turbilhão de notícias e perspectivas ruins, ligadas à crise dos alimentos, que vem gerando sérias conseqüências em níveis globais, e que poderá se agravar num futuro breve. LEI Nº 11.346, DE 15 DE SETEMBRO DE 2006. Cria o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – SISAN com vistas em assegurar o direito humano à alimentação adequada e dá outras providências. No seu Art. 1o esta Lei estabelece as definições, princípios, diretrizes, objetivos e composição do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – SISAN; por meio do qual o poder público, com a participação da sociedade civil organizada, formulará e implementará políticas, planos, programas e ações com vistas em assegurar o direito humano à alimentação adequada. § 1o A adoção dessas políticas e ações deverá levar em conta as dimensões ambientais, culturais, econômicas, regionais e sociais. o Art. 3 A segurança alimentar e nutricional consiste na realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis. Nesse parágrafo, a disparidade continua, pois tem-se percebido que, cada vez mais faz-se uso das sementes transgênicas de soja, milho e algodão, e que, a tendência, é que essa demanda continue em escala acelerada, pois é o modelo que ora está posto, quem dita as regras do jogo do agrobuisness, e não se vislumbra nisso, nem mesmo uma boa prática em termos econômico, pois existe a prática do monopólio na venda dos insumos, que está nas mãos de poucas empresas, tanto de agroquímicos, como de sementes e adubos. Nem tão pouco, é respeitada a diversidade ambiental existente, porque vem sendo gerados vários questionamentos sobre os transgênicos e suas consequências futuras ao meio ambiente. Esse primeiro parágrafo trata do reconhecimento por parte da comunidade internacional quanto à relevância da abordagem dos Direitos Humanos para garantir a erradicação da fome e da desnutrição é extremamente relevante e representa uma vitória daqueles que defendem o multilateralismo e colocação da economia a serviço da promoção da dignidade humana.(VALENTE, 2002). II – a conservação da biodiversidade e a utilização sustentável dos recursos; IV – a garantia da qualidade biológica, sanitária, nutricional e tecnológica dos alimentos, bem como seu aproveitamento, estimulando práticas alimentares e estilos de vida saudáveis, que respeitem a diversidade étnica e racial e cultural da população. Com relação a esse artigo quarto e seus quatro incisos, vemos que a agricultura familiar passa também por uma crise, onde a inadimplência impera e cada vez mais, vai-se tirando o homem do campo e do acesso ao crédito. Basta ver nos assentamentos, que o índice de inadimplência é alarmante, servindo como depósito de pessoas que não podem mais abrir mão do pouco espaço que já adquiriram, mas que, por outro lado, tornaram-se reféns de uma política fundiária e de crédito que impossibilita a sua sobrevivência nos moldes atuais. FRAGILIDADES E DEPENDÊNCIAS DO SISTEMA PRODUTIVO BRASILEIRO: AS CAUSAS DA INSEGURANÇA ALIMENTAR Existe uma causa fundamental para a insegurança alimentar no Brasil: a fragilidade no acesso. Isto se dá especialmente, pela falta de poder aquisitivo de uma parcela não desprezível da população para adquirir os alimentos de que necessita. Mas existem outras faces deste mesmo problema. É, também, a falta de acesso aos bens de produção, na área rural, para aqueles que não tem terra, e principalmente para os que não dispõe de crédito nem de assistência técnica para produzir com qualidade na pouca e má distribuída terra que lhes cabe. Fazendo uso de uma abordagem analítica da situação agrícola brasileira, mesmo sendo um momento em que se bate recordes e mais recordes de produtividade, soa até insensato afirmar que dentro em breve o país não estará produzindo por falta de acesso aos materiais genéticos de última geração, e por falta das sementes transgênicas (das quais, seus usuários tornam-se eternamente dependentes, caso continue com o mesmo modode produção atual). Além dos insumos que hoje dobram de preços a exemplo dos derivados do petróleo como os adubos nitrogenados, sem deixar de considerar os royalties pagos às multinacionais produtoras de sementes, que podem vir a ser um item significativo no custo de produção das planilhas dos agricultores brasileiros. Esses itens atualmente, associados aos pesticidas e agroquímicos que estão nas mãos de poucas empresas, as quais podem, a qualquer momento, monitorar e majorar seus preços e tornar o agronegócio brasileiro inviável economicamente. Diante do que foi exposto, é possível perceber que existe uma vinculação entre a questão alimentar e a capacidade de produção dos países. Esta vinculação, é bastante evidente, e que já foi tema de importantes debates até a década de 1970. Na Revista Educação Agrícola Superior - Vol. 22 Nº 01 - Janeiro / Junho - 2007 10 Primeira Conferência Mundial de Segurança Alimentar, promovida pela FAO em 1974, num momento em que os estoques mundiais de alimentos estavam bastante escassos, com quebras de safra em importantes países produtores, a idéia de que a Segurança Alimentar estava estritamente ligada à produção agrícola era corrente. Isto veio, inclusive, fortalecer o discurso da indústria química na defesa da Revolução Verde. Afirmavam que o flagelo da fome e da desnutrição no mundo desapareceria com o aumento significativo da produção agrícola, o que estaria assegurado com o emprego maciço de insumos químicos (fertilizantes e agrotóxicos). A produção mundial, ainda na década de setenta, se recuperou - embora não da mesma forma como prometia a Revolução Verde - e nem por isto desapareceram os males da desnutrição e fome, que continuavam atingindo tão gravemente parcela importante da população mundial. É neste contexto que se começa a perceber que, mais do que a disponibilidade de alimentos, a capacidade de acesso aos alimentos por parte dos povos em todo o mundo, mostra-se como questão crucial para a Segurança Alimentar. Claro que esta questão e outros fatores podem ser causadores de agudas crises de insegurança alimentar, como as situações de guerra e desestruturação da capacidade de produção, como têm ocorrido em países da África. (MENEZES, 1999.). Numa outra dimensão, a falta de acesso aos serviços públicos (água, esgoto, educação e saúde), que têm impacto sobre a segurança alimentar e a falta de acesso à informação, instrumento básico para aqueles mais vulneráveis à fome e desnutrição. Outros problemas também ameaçam a segurança alimentar e nutricional no Brasil. De um lado, o crescimento das importações de alimentos (de alguns itens – trigo por exemplo), deixando a soberania alimentar do país ameaçada. Do outro, a falta de sustentabilidade do sistema alimentar que não prioriza os órgãos de pesquisa, nos quais deveria ter a autonomia genética garantida, principalmente nos produtos mais importantes à alimentação dos brasileiros, e da pauta de exportação, além dos principais insumos necessários para manter a hegemonia e a afinidade produtiva da qual o país dispõe. Não se pode deixar de considerar, que a imposição de um padrão alimentar inadequado, pode ameaçar antigos valores culturais de grande riqueza da alimentação do país. À Margem de toda essa discussão entre crise alimentar e Leis que “protegem” a população dessa crise, estão as empresas multinacionais produtoras de sementes, que por sua vez, são detentoras de empresas de engenharia genética e donos das sementes e dos alimentos transgênicos. Essas empresas já detêm no Brasil, mais de 80 % do mercado de venda de sementes híbridas e transgênicas, e com certeza estão assistindo esse desenrolar da “crise alimentar” com a expectativa de obter mais lucro com todo esse alarde feito ao redor de uma perspectiva de fome que ronda a humanidade. Essa busca por mais lucro, torna-se evidente quando se nota que o monopólio (ou no mínimo um oligopólio) está fortemente assentado em bases altamente sólidas no Brasil; porque essas empresas são as mesmas que também produzem os agrotóxicos e pesticidas, detentora de uma outra fatia de mercado em mais de 70%. As empresas que mais figuram nesse cenário, são a Monsanto, Bayer, Du Pont, Dow e a Syngenta. Além de ser questionável essa dependência do Brasil de sementes para produzir, que é o caminho que está sendo trilhado silenciosa e vulneravelmente, em busca de recordes cada vez maiores em produtividade e suficiência. Surgem ainda, outros elementos de importância equivalente. Sendo eles, a estabilidade da oferta de alimentos ao longo do tempo; o grau de autonomia ou auto-suficiência, garantido pela capacidade de produção de alimentos do país, e a sustentabilidade, econômica e ecológica, desta produção.. O modelo que está se desenhando. (ALMEIDA, 2004). Com certeza vai asfixiar os produtores, pois com a propriedade do material genético, as multinacionais serão donas e se apropriarão dos diversos materiais através do patenteamento de espécies vegetais, e esse modelo trará impactos sobre o agricultor, na medida que é cerceado seu direito de reprodução de sementes. Ele a cada safra terá de se submeter a compra-las novamente da multinacional, pois o hibridismo induzido á semente não permite que sua F2 seja plenamente produtiva quanto a F1 que foi vendida pela transnacional, ficando assim o produtor refém geneticamente das grandes corporações. O segmento de sementes passa a ser controlado por um grupo reduzido de empresas transnacionais, em sua maioria originária da química fina, o que permite um domínio mais amplo sobre toda a chamada agroindústria à montante e à jusante, na medida em que as sementes poderão funcionar como veículo definidor de todo um pacote tecnológico. Ao comprar a semente da multinacional, o produtor vê-se obrigado a fechar um verdadeiro “pacote” de insumos, incluindo ai, todos os agroquímicos, deixando-lhe totalmente engessado desde o momento do planejamento de sua produção. Tudo isso, sem considerar a exclusão do pequeno produtor, que não vai poder propagar sua semente nem pagar os royalties da próxima safra aos grandes grupos. Mas, as Genectics Ladys ainda não estão satisfeitas, elas buscam ainda mais. Além de vender as sementes que podem vir com gens do BT Bacilo thuringiensis que mata a lagarta, comercializam também os herbicidas, as quais suas plantas são resistentes e, num breve futuro, poderão vender “vacinas” dentro das sementes; ou seja, as plantas geneticamente modificadas virão com genes nela inseridos que, segundo os geneticistas, serão capazes de curar as mais diversas doenças como cólera, diarréia, gripe, etc (GRAVINA, 2008 - http://www.pioneersementes.com.br/). Tais empresas, além de produzirem um dos herbicidas mais populares do mundo, as multinacionais do setor desenvolveram plantas mais resistentes ao veneno, permitindo que os agricultores pulverizem a plantação sem prejuízo à sua colheita. Os cientistas da empresa também desenvolveram plantas capazes de produzir uma toxina inofensiva para o homem, mas fatal para os insetos (MARTINS, 2000). Diante desse cenário, não se pode mais uma vez, agir passivamente como aconteceu com o caso da revolução verde. É interessante notar, que as idéias e as tecnologias para desencadear a próxima onda, já estão em pleno processo de finalização, e talvez, as empresas detentoras desses meios, tenham sido pegas de surpresa porque não esperavam que essa “crise” fosse acontecer tão cedo. Mas que, sem dúvida, num ambiente desses, é que se torna propício para que a população se deixe levar pelo milagre de uma genética, que mais parece ter saído de álbuns futuristas, para ser implantadas sem a devida atenção e responsabilidade. Não se sabe ainda com certeza e segurança, quais as implicações dessas novas idéias e tecnologias, em que, por exemplo, um gene que esteriliza as sementes, tipo “um exterminador do futuro”, poderá trazer de conseqüências para a biodiversidade e os seres humanos (CORDEIRO, 2007 ). As sementes transgênicas são inférteis, ou seja, produzem apenas uma vez. As empresas produtoras desse tipo de semente, afirmam que a fizeram dessa forma, para que não Revista Educação Agrícola Superior - v.22, n.1,p.7-12, 2007 11 percam os direitos sobre a tecnologia que desenvolveram, garantindo o lucro a que tem direito. Por outro lado, isso cria uma enorme dependência, porque os produtores ficam vinculados a essas empresas, tendo que pagar o preço que elas julgarem justo; além de ficarem a mercê da tecnologia dessas empresas, que podem simplesmente produzir sementes que necessitem de um produto químico específico, que também são produzidos por elas, ou por empresas sócias, sob pena de mortandade da plantação, ocasionando prejuízos e forçando a compra casada de produtos. Ou pior, decidir não vender sua semente, podendo ter o poder de falir a economia de um país. O poder que essas empresas terão, será comparável ao dos presidentes, pois deles pode depender se haverá ou não safra, podendo vir a controlar toda a humanidade, haja vista a dominação alimentícia instaurada. Para que essa estratégia tenha sucesso, é necessário eliminar alguns tipos de plantações convencionais, que são muito comuns no Brasil, o qual pode vir a ser um tipo de fornecedor alternativo para o mercado mundial, podendo significar uma barreira à essa dominação em andamento, e uma ameaça ao lucro das empresas que estão por trás dessa nova realidade. Pelo tamanho da safra brasileira, de soja especialmente, e pela posição do país no mercado mundial, a liberação dos transgênicos aqui, caracteriza-se como algo fundamental. Várias organizações nacionais e internacionais protestaram contra a edição da medida provisória, argumentando que o Brasil premia os que descumprem a lei, uma vez que, grande parte da safra, é possivelmente de sementes transgênicas, que até então, eram proibidas de serem plantadas e que ofendem ao princípio da precaução e da obrigatoriedade de licenciamento ambiental, ambos exigidos pela Constituição Federal. Contradizendo, o que fora afirmado em defesa da medida provisória, jamais houve falta de sementes naturais, sendo injustificável a liberação da safra contaminada. (SILVEIRA, 2004 ) À GUISA DE PROPOSIÇÕES DE INTERVENÇÃO Propostas Vê-se que a questão da segurança alimentar e nutricional, engloba uma série de fatores, entre elas o acesso à terra e à água, o fomento à agricultura familiar de base agroecológica, e a recuperação da capacidade reguladora do Estado (MALUF, 2000). Além da ampliação de ações estruturantes e emancipadoras, que dotem o pequeno e médio produtor de estruturas consolidadas de acesso ao crédito, garantia de comercialização, seguro produção e assistência técnica de qualidade. A soberania alimentar, passa pela independência dos modos de produção e do domínio público, possibilitando aos agricultores, o acesso e a utilização de tecnologias apropriadas, para uma produção que não dependa única e exclusivamente de material genético das multinacionais. Criação de bases para um banco genético que esteja à disposição dos principais órgãos de apoio e assistência técnica em todos os níveis, bem como o desenvolvimento da pesquisa focada nos aspectos regionais, priorizando as necessidades locais e da região, fortalecendo o modo tradicional de plantio e técnicas apropriadas e adaptadas O desenvolvimento e o apoio a uma agricultura com bases agro-ecológicas, que prioriza a biodiversidade produtiva, tornam-se necessárias e emergentes. A criação e ampliação de bancos de sementes, que possam funcionar como verdadeiras armas contra a esterilização de sementes, que parece estar em curso, é uma ferramenta que pode proteger nossas riquezas naturais. (CORDEIRO & FARIA, 1993) Ou seja, é necessário expandir a diversidade genética que o Brasil acumulou durante anos, no sentido de evitar que o mesmo torne-se refém de empresas multinacionais, e que evite dos agricultores brasileiros terem que recorrer às mesmas para poderem garantir seu sustento. Criar, de fato, políticas que priorizem a diversidade, minimizem a dependência de agroquímicos, favoreçam técnicas agro-ecológicas e preservacionistas dos solos e dos mananciais hídricos e, desenvolva um programa de recuperação de matas ciliares e de gestão de micro bacias, bem como o desenvolvimento de projetos que visem a revitalização de rios e corpos d'água. CONCLUSÕES Diante do exposto, pode-se afirmar que a Lei de Segurança Alimentar, como está escrita, abrange vários aspectos teóricos importantes. Os principais quesitos que necessitam de uma maior fundamentação, para que o Brasil continue hegemônico e competitivo no setor agrícola, devem ser difundidos e defendidos. Porém, o que se tem observado, é que a prática anda bem distante da teoria, porque a dependência do país de sementes, adubos e agroquímicos das multinacionais, é plenamente perceptível. Sendo possível visualizar ainda, que a maior parte do nosso modelo de produção, caminha para a afirmação dessa dependência, o que é um risco; pois a qualquer mudança de humor do mercado internacional, poderá fazer ruir, toda cadeia produtiva nacional, e deixar o país na iminência de um colapso alimentar; o que poderia gerar conseqüências imprevisíveis. REFERÊNCIAS ALMEIDA, Dayse Coelho de. Transgênicos e princípio da precaução: situação econômica, juridica e ambiental. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 221, 13 fev. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4824> . Acesso em: 11 set. 2008 . ANDREOLI, S. P. Cana-de-açúcar: a melhor alternativa para conversão da energia solar e fóssil em etanol. Economia e Energia, n. 59, dez. 2006 - jan. 2007. (Texto para discussão, n. 59). Disponível em: CORDEIRO, ÂNGELA; FARIA, ANDRÉA ALICE. Gestão de bancos de sementes comunitários. Varsão brasileira do Manual de Gestão Pública de Fernand Vincent. 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FOLHA ONLINE http://www1.folha.uol.com.br/folha/ www.g1.globo.com/Noticias/Economia www.ultimosegundo.ig.com.br/economia 20.5.2008 www.vejaonline.abril.com.br/notitia/servlet/newstorm.ns.pre sentation) http://www.ecoeacao.com.br/index.php?option=com_content &task=view&id=7488&Itemid=42 em 25 08 de 2008. ORGÃOS CONSULTADOS Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB) FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação Instituto Nacional de Geografia e Estatística (IBGE), ONU (Organização das Nações Unidas) Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – SISAN, United States Department of Agriculture - Home( USDA) Revista Educação Agrícola Superior - v.22, n.1,p.7-12, 2007