O cenário pós Jogos Olímpicos de Barcelona `92
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O cenário pós Jogos Olímpicos de Barcelona `92
O cenário pós Jogos Olímpicos de Barcelona '92 Xavier Iglesias Instituto Nacional de Educação Física da Catalunha (Universidade de Barcelona) 1. “A la ville de Barcelona” Já se passaram 24 anos desde que em 1986 o presidente do COI, o Sr. Juan Antonio Samaranch, pronunciou essas palavras inesquecíveis que estão gravadas no coração de muitos barcelonenses como eu. “A la ville de...Barcelona”, cinco simples palavras que representaram a maior transformação de uma cidade como Barcelona. Seis anos depois, em 1992, a expectativa gerada pela nomeação de Barcelona tornou-se uma explosão de sensações e experiências que se configuraram em um único conceito: o sucesso espetacular dos Jogos Olímpicos de 1992. Uma vitória articulada em diferentes percepções, todas elas ligadas entre si: uma organização excelente, resultados esportivos da equipe espanhola muito superiores aos de qualquer outra participação olímpica e, finalmente, o auge de uma transformação totalmente radical da cidade de Barcelona em apenas seis anos. Pessoalmente tive a sorte de viver, em primeira pessoa, todos esses acontecimentos. Estava em uma sala com centenas de atletas e dirigentes quando o Presidente do COI desencadeou nossa euforia, como atleta e treinador acompanhei meus colegas em seus processos de treinamento até poucos meses antes, durante quase dois anos trabalhei no Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos de Barcelona „92 (COOB'92) participando de forma intensa e ativa na organização, primeiramente dos Jogos Olímpicos e depois, dos Paraolímpicos, e, finalmente, vivi dia a dia, a transformação de minha cidade, Barcelona. Nos intensos meses antes do verão de 1992, os funcionários do Comitê organizador dos Jogos Olímpicos se perguntavam, entre a incerteza e a ironia, “há vida após os Jogos Olímpicos de 1992?”. Era uma pergunta com dupla conotação: pessoal, sobre a situação profissional em que se encontrariam aqueles que deixaram quase tudo para viver a experiência da organização; e global, na qual se incorporava uma mistura de expectativas e dúvidas: “Seremos capazes de organizar os Jogos sem problemas?”, “O que acontecerá depois dos jogos com tudo que foi feito?”. Sem dúvida, Barcelona '92 foi um grande sucesso tanto pela organização dos Jogos quanto pelo planejamento de futuro realizado. 2. Dos Jogos Olímpicos de 1992 à Barcelona de 2010 Barcelona '92 foi um grande sucesso. A cidade precisava de um estímulo, um elemento catalisador, e o país (Espanha) um empurrão que o colocasse na linha de frente dos estados líderes da Europa. A análise da situação atual de Barcelona pode ser entendida se conhecermos as condições em que foi realizada a organização. Moragas e Botella (2002) nos descrevem as chaves para o sucesso em uma entrevista com os chefes responsáveis pela organização dos Jogos Olímpicos (Saramanch, Maragall e Abad), que concordam que depois de anos de investimentos e milhares de pessoas envolvidas, o grande acerto dos Jogos de Barcelona foi a capacidade de mover vontades e gerar recursos a serviço da cidade, e não o contrário. Definem que a grande estratégia, ao contrário de edições anteriores, foi planejar e canalizar os investimentos que respondiam à lógica da cidade, a serviço da cidade. Defendem também que outro fator determinante foi a cumplicidade de milhares de voluntários olímpicos e dos cidadãos. Todos acreditavam nos Jogos e os Jogos eram de todos. E explicam que "Barcelona recuperou a moral, e que as pessoas se tornaram muito mais positivas, muito mais otimistas, muito mais empreendedoras..." 2.1. Transformação da cidade Moragas e Botella (2002) argumentam que no planejamento do evento olímpico foi traçado um modelo de cidade graças à previsão dos efeitos a longo prazo de todos os investimentos que foram realizados para Barcelona '92. Há muitos elementos notáveis que moldaram a transformação da cidade, entre eles destacam os seguintes: 2.1.1. O mar O mar. Barcelona recuperou o mar, o redescobriu, conquistou, o fez seu. Era uma cidade portuária onde os cidadãos apenas passeavam perto do mar, viravam-lhe as costas. E os Jogos Olímpicos transformaram totalmente a fachada marítima, criando ou reestruturando, praticamente, um novo bairro graças à criação da Vila Olímpica. Desde os Jogos Olímpicos a orla marítima de Barcelona se tornou uma das principais atrações de Barcelona. Passear pelos intermináveis calçadões que abraçam todo o litoral de Barcelona, com suas extensas praias recuperadas, nos remete a 25 anos atrás e a não se lembrar da existência desse maravilhoso lugar que atualmente qualquer cidadão ou visitante pode desfrutar. Porém, não só as praias apareceram, o porto olímpico se constituiu como um centro esportivo e de lazer reunindo milhares de pessoas todos os dias: ancoradouros para as embarcações, um centro de vela administrado pela Federação Catalã de Vela, shoppings, bares e restaurantes e, sobretudo, uma nova área turística como propaganda dessa nova cidade. 2.1.2. As rondas A criação das rondas, anéis viários que envolvem toda Barcelona, facilitando os deslocamentos dos veículos, é outro dos principais elementos da Barcelona pósolímpica. O sucesso das rondas de Barcelona e sua ampla utilização, no entanto, chegaram a ser questionadas, pois no momento do investimento não se aumentou o número de pistas (há zonas com apenas 2 e o restante tem 3), porém isso não diminui o sucesso de seu planejamento e execução. 2.1.3. A Vila Olímpica Quando nos deslocávamos no verão de 1992 para a nova Vila Olímpica, nós, barcelonenses que tínhamos a sorte de entrar no local das Olimpíadas, observávamos o surgimento de um bairro totalmente novo onde não lembrávamos que havia existido nada de especial; se tratava de um conjunto residencial, não uniforme, com prédios modernos e com o colorido de milhares de atletas que o ocupavam. E em nossas visitas a incerteza continuava... “O que vai acontecer com esta "nova pequena cidade" que foi criada?” Carbonell J. (2002), Diretor da Divisão de Vilas do COOB '92, afirma que a Vila Olímpica "tornou-se uma área residencial com grande qualidade de vida, um novo centro de atividades e serviços e um ponto de atração para muitos cidadãos, principalmente por motivos de lazer: as praias, os cinemas, os restaurantes e os bares do Porto Olímpico, o Cassino, recebem milhões de visitas a cada ano.” Em números, nos relata que dos 2.048 domicílios onde os atletas se alojaram os atletas, no ano de 1992, durante a celebração dos Jogos Olímpicos, 60% já haviam sido vendidas, e foram entregues aos seus proprietários no primeiro trimestre de 1993, após as necessárias readaptações. O último apartamento da Vila Olímpica foi vendido em 1996, e nesta nova área de Barcelona residem 5.783 pessoas. Porém nem toda a Vila Olímpica é constituída por moradias, há grandes edifícios de escritórios, um centro de saúde, uma biblioteca pública, universidades e, para aqueles que tiveram oportunidade de conviver com os atletas nos refeitórios e no centro de informações da Vila durante os Jogos, hoje é possível passear pelas mesmas instalações que foram transformadas em um grande Shopping. 2.1.4 Outras mudanças A transformação de Barcelona não se limitou à criação de instalações, habitação e infraestruturas. Foram criados novos parques, estruturas viárias foram modificadas, a rede de transportes urbanos foi incrementada, e a estrutura de telecomunicações foi melhorada... E não só em Barcelona, as subsedes também viram como o fenômeno olímpico incidiu positivamente em seus municípios. 2.2. A utilização das instalações desportivas Segura X, Serra A e Pallejá R (2002), analisam o uso das instalações desportivas de Barcelona, avaliando o bom nível de gestão, com taxas globais de autofinanciamento de 95%, com qualidade de serviço e uma boa resposta dos cidadãos. Segundo Truñó (1995) "das 43 instalações utilizadas durante os Jogos, apenas 15 foram novas instalações (8 na cidade de Barcelona e 7 nas subsedes), e dos outros 28, 10 eram remodelações e 18 instalações existentes que exigiam, apenas, uma ação temporária para adequá-las ao uso olímpico". O ano pós-olímpico, 1993, foi muito complicado devido à crise que afetou muitos países, especialmente a Espanha. Isso provocou uma diminuição dos investimentos justamente no momento de propor a reutilização das instalações olímpicas a serviço da sociedade. A prefeitura de Barcelona apostou em uma fórmula de gestão baseada na colaboração dos setores público e privado que ficou conhecida como “modelo Barcelona” (Segura X, Serra A e Pallejá R, 2002) que resultou na situação atual: mais de 93 gestores de instalações públicas, com diferentes níveis de profissionalização e várias formas de gestão: desde a criação de uma sociedade anônima municipal (Barcelona Promoció), até a gestão por parte de diversas entidades (clubes desportivos, federações, associações...). O uso também foi totalmente diversificado: espaços pluridisciplinares (Palau Sant Jordi, Estádio Olímpico...), instalações voltadas para esportes específicos (Federação Catalã de Vela - Centro de Vela), instalações transformadas em centros de ensino universitário (Institut Nacional d‟Educació Física de Catalunya)... Praticamente todas as instalações olímpicas, hoje em dia, apresentam uso cotidiano com alto nível de satisfação por parte dos cidadãos. 3. O INEFC Em 1975 foi criado o Institut Nacional d‟Educació Física de Barcelona em Esplugues de Llobregat (Barcelona). Um centro que inaugurou seu primeiro curso acadêmico em 1975-76 com a palestra inaugural "A História dos Jogos Olímpicos", a cargo daquele que anos mais tarde seria o Presidente do Comitê Olímpico Internacional (COI), o Sr. Juan Antonio Samaranch. Na obra que nos relata a evolução do INEFC (Puig N, 2003), vemos como o INEFC de Barcelona, ao longo do tempo, vem adquirindo grande protagonismo como principal centro universitário de licenciatura em Educação Física. No planejamento das instalações olímpicas, foi planejada a criação de uma nova unidade, no anel olímpico de Montjuïc, cujo destino final será abrigar a sede do INEFC. Em 1991 o INEFC, já construído, abriga o evento teste do Campeonato Mundial Júnior de Luta (todas as instalações olímpicas incorporaram eventos de teste antes dos Jogos Olímpicos), e em outubro do mesmo ano, foi inaugurado o curso acadêmico de 1991-92, já ministrado no novo prédio de Montjuïc. Para o centro de Barcelona do Institut Nacional d‟Educació Física de Catalunya a herança dos Jogos Olímpicos foi magnífica. Instalações de grande qualidade arquitetônica, com estética inspirada nos antigos templos gregos, absolutamente apaixonantes. O novo prédio e sua localização na montanha de Montjuïc permitiram potencializar o desenvolvimento qualitativo de suas atividades e oferecer uma vitrine ao centro acadêmico que permite a organização de competições esportivas, congressos, seminários etc. A polivalência das instalações permitiu, por exemplo, que do dia 15 ao dia 17 de fevereiro de 2008 fosse organizada de maneira totalmente coordenada e integrada o 1º Congresso Internacional de Ciência e Tecnologia de Esgrima e a celebração da Copa do Mundo de Esgrima “Ciutat de Barcelona”, tudo isso organizado com a participação dos professores, alunos e funcionários do INEFC, graças à oferta de uma disciplina eletiva direcionada a este processo organizacional e com a participação final na conferência de 187 alunos do INEFC, entre os 300 participantes de 40 países (Iglesias X, 2008). 4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Carbonell J (2002): “La Vila Olímpica, deu anys després”, en Moragas M, Botella M (eds.) (2002): Barcelona: la herencia de los Juegos (1992-2002). Centro de Estudios Olímpicos (UAB), Ayuntamiento de Barcelona, Editorial Planeta 2. Iglesias X (ed.) (2008): Book of Abstracts of the 1st International Congress on Science and Technology in Fencing. Barcelona (http://www.esgrima.cat/barcelona2008/images/stories/fitxers/Barcelona2008.pdf; consulta 9 de outubro de 2010). 3. Moragas M, Botella M (eds.) (2002): Barcelona: la herencia de los Juegos (19922002). Centro de Estudios Olímpicos (UAB), Ayuntamiento de Barcelona, Editorial Planeta. 4. Puig N (ed.) (2003). 1976-2001 L‟INEFC de Barcelona. Relats testimonials. Institut Nacional d‟Educació Física de Catalunya, Barcelona. 5. Segura X, Serra A e Pallejá R (2002). “El uso de las instalaciones olímpicas”, en Moragas M, Botella M (eds.) (2002): Barcelona: la herencia de los Juegos (19922002). Centro de Estudios Olímpicos (UAB), Ayuntamiento de Barcelona, Editorial Planeta. 6. Truñó E (1995): “Barcelona, ciudad del deporte” in Moragas M e Botella M (eds.): Las claves del éxito. Barcelona: UAB.