PAUL BLOOM - Fronteiras do Pensamento

Transcrição

PAUL BLOOM - Fronteiras do Pensamento
PAUL BLOOM
LIBRETO PREPARATÓRIO
PAUL
BLOOM
(Canadá, 1963)
Expediente
Fronteiras do Pensamento
Temporada 2014
Curadoria
Fernando Schüler
Produção Executiva
Pedro Longhi
Coordenação-geral
Michele Mastalir
Coordenação e Edição
Luciana Thomé
Pesquisa
Francisco Azeredo
Juliana Szabluk
Editoração e Design
Lume Ideias
Revisão Ortográfica
Renato Deitos
www.fronteiras.com
©
Psicólogo canadense Ph.D. em Psicologia
cognitiva pelo MIT e destacado professor
de Psicologia e Ciência Cognitiva em Yale.
“A vida mental dos seres humanos jovens
não é só um tema interessante. Ela também
levanta – e pode ajudar a responder –
questões fundamentais da filosofia e da
psicologia, incluindo como a evolução
biológica e a experiência cultural conspiram
para moldar a natureza humana.”
VIDA E OBRA
O psicólogo canadense Paul Bloom é reconhecido por
de um teatro de fantoches, Bloom consegue evidenciar
suas pesquisas científicas a respeito de como as crianças e
que os pequenos seres humanos fazem a distinção entre
os adultos entendem o mundo à sua volta e suas ligações
o personagem bom e o ruim. Além disso, o livro aborda
com questões como linguagem e moralidade.
que o altruísmo, por exemplo, é inato e resultado da evo-
Formado na Universidade McGill, em Montreal, des-
lução da espécie, não algo a ser ensinado ou aprendido.
de 1999 é professor de Psicologia e Ciências Cognitivas
A publicação foi bastante elogiada por especialistas
na Universidade Yale, nos Estados Unidos. Desde 2003,
em artigos para jornais como o Washington Post e o The
também é coeditor da revista científica norte-americana
Boston Globe.
Behavioral and Brain Sciences. Em 2006, em reconhe-
As pesquisas desenvolvidas por Bloom na universidade
cimento por suas “extraordinárias contribuições para a
norte-americana buscam interligar psicologia do desenvol-
Psicologia”, passou a integrar a Sociedade Americana de
vimento, teologia, cognição, ciências sociais, linguística e
Psicologia. Dois anos antes, havia recebido o Lex Hixon
teoria evolutiva para compreender a natureza do senso co-
Prize por sua excelência no ensino em Yale.
mum. O canadense defende, por exemplo, que seres hu-
Bloom é autor de seis livros. O mais recente é O que
manos são essencialistas, ou seja, que nossas crenças sobre
nos faz bons ou maus (Just babies: The origins of good and
a história de um objeto mudam a nossa experiência com
evil), lançado em 2014 no Brasil. Na obra, o psicólogo
ele, não simplesmente como uma ilusão, mas como uma
demonstra que, mesmo antes de poderem falar ou andar,
profunda sensação do que o prazer e a dor são.
os bebês possuem a capacidade de julgar a bondade e a
Pai de dois filhos, Bloom é casado com a psicóloga
maldade das ações das outras pessoas, além de sentir em-
canadense Karen Wynn, reconhecida como pesquisadora
patia e compaixão e ter um senso rudimentar de justiça.
das capacidades cognitivas de crianças e adolescentes e
Com base na análise do comportamento de bebês diante
diretora do Laboratório de Cognição Infantil em Yale. O
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IDEIAS
psicólogo costuma escrever artigos para as revistas Nature, Science e New Yorker, além de jornais como o The New
York Times e o The Guardian.
“O que mais me interessa na minha pesquisa sobre
adultos e crianças é a noção do senso comum. E a noção
de senso comum claramente envolve noções de bem e de
mal. Universalmente, vemos pessoas ao nosso redor como
legais, decentes, justas, honrosas e outros como canalhas
e idiotas. E cremos que as boas pessoas devem ser recompensadas e as más devem ser punidas. A humanidade
tem isso como universal.
O que interessa é como esse universal surge. Creio que
podemos compreender a partir do pensamento evolutivo.
Uma visão caricaturada da evolução de Darwin diz que
somos uma evolução de um ser completamente automotivado, interessado em si mesmo, talvez interessado em sua
família, mas não muito mais do que isso. Porém, com o
passar dos anos, há outras noções mais complexas de evolução que levam em conta o fato de que algumas intuições e ações morais podem ser adaptações biológicas. Teríamos evoluído nisso porque é útil para criaturas como
nós, que vivem em pequenos grupos interconectados.”
“Muitos dos prazeres e desprazeres originais estão relacionados com a evolução, com coisas boas do ponto de
vista animal. Por exemplo, animais não gostam de bater
a cabeça na parede, porque machuca. Já humanos adultos podem desenvolver prazeres que não estejam ligados
ao bem-estar. O masoquismo é um desses casos.”
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ESTANTE
“Não há dúvidas de que a dor é influenciada pelo
conhecimento. Pesquisas mostram que sentimos mais
dor se soubermos que a pessoa que nos causa essa dor o
faz de propósito. Por outro lado, há o caso de atletas.
Corri uma maratona há alguns anos e senti muita dor,
mas sabia por que estava doendo. Porém, suponha que
tivesse acordado um dia com as mesmas dores. Seria
muito mais intolerável, porque desconheceria a causa.”
“O prazer é um aspecto fundamental da natureza
humana, e qualquer teoria sobre a mente ou sobre como
as pessoas funcionam inclui entender melhor do que elas
gostam. A resposta prática é que muitas pessoas querem
aumentar a quantidade de prazer que têm em sua vida
e diminuir a quantidade de sofrimento, e, para isso, é
preciso entender do que gostamos e por que gostamos.
Muitos de nós não sabemos o que nos dá prazer, e
aprender mais sobre isso pode melhorar nossa vida.”
“Se as crenças mudam radicalmente a forma como
as pessoas sentem algo, então o prazer pode mudar se as
opiniões mudarem. Se suas convicções sobre um objeto
mudarem, seu sentimento sobre ele vai mudar. Se as
pessoas começarem a reprovar o processo de obtenção dos
diamantes, vão passar a gostar menos deles. Isso de certa
forma é uma boa notícia: nossa crença de que algo é
ruim pode nos fazer gostar menos dele.”
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O QUE NOS FAZ BONS OU MAUS
Just babies: The origins of good and evil
1ª edição 2013 / Edição em português –
Best Seller, 2014
Muitos de nós acreditam que os
bebês nascem egoístas e que é papel
da sociedade, e em especial dos pais,
transformá-los de pequenos sociopatas
em seres civilizados. Em O que nos
faz bons ou maus, Paul Bloom explica
que os seres humanos são, de fato,
dotados de um senso de moralidade.
Baseando-se em pesquisas inovadoras na
Universidade Yale, ele demonstra que,
mesmo antes de começarem a andar
ou falar, os bebês são capazes de julgar
a bondade e a maldade nas ações de
outros, sentir empatia e compaixão e ter
um senso rudimentar de justiça.
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HOW PLEASURE WORKS: THE
NEW SCIENCE OF WHY WE LIKE
WHAT WE LIKE
1ª edição 2010 / Sem edição em
português
Nós somos atraídos, quer saibamos ou
não, para os aspectos ocultos das coisas
e das pessoas. Cortar-se com lâminas
de barbear, pagar para ser espancado,
assistir televisão sem limites, frear o
carro para olhar acidentes na estrada ou
ir ao cinema para chorar vendo filmes
sentimentais são alguns exemplos.
Neste relato, Paul Bloom examina
a ciência por trás desses desejos
curiosos, atrações e gostos, explorando
um dos motores mais fascinantes e
fundamentais do comportamento
humano. How pleasure works mostra
como certos hábitos universais da
mente humana explicam do que
gostamos e por que gostamos.
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DESCARTES’ BABY: HOW
THE SCIENCE OF CHILD
DEVELOPMENT EXPLAINS
WHAT MAKES US HUMAN
1ª edição 2004 / Sem edição em
português
Todos os seres humanos veem o
mundo de duas maneiras distintas.
Até mesmo os bebês compreendem
os mundos físico e social. Eles
esperam que os objetos obedeçam
aos princípios da física e se assustam
quando as coisas desaparecem
ou desafiam a gravidade. No
entanto, eles também podem
ter emoções e responder com
raiva, simpatia ou alegria. Em
Descartes’ baby, Paul Bloom mostra
como nossa perspectiva dualista,
desenvolvida ao longo da vida,
influencia profundamente nossos
pensamentos, sentimentos e ações.
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NA WEB
HOW CHILDREN LEARN
THE MEANINGS OF WORDS
(LEARNING, DEVELOPMENT
AND CONCEPTUAL CHANGE)
1ª edição 2002 / Sem edição em
português
As crianças aprendem palavras através
de habilidades cognitivas sofisticadas
que existem para outros fins. Estas
incluem a capacidade de compreender
as intenções dos outros, a capacidade
de adquirir conceitos, a apreciação da
estrutura sintática e as habilidades de
aprendizagem e memória. Paul Bloom
é o primeiro a mostrar que mesmo
a aquisição de substantivos simples
requer capacidades conceituais, sociais
e linguísticas que interagem de forma
complexa.
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SITE OFICIAL
www.paulbloomatyale.com
TWITTER
@paulbloomatyale
FACEBOOK
https://www.facebook.com/PaulBloom.official
WIKIPEDIA (em inglês)
http://en.wikipedia.org/wiki/Paul_Bloom_
(psychologist)
YALE
Perfil de Paul Bloom no site da Universidade Yale
(em inglês)
http://psychology.yale.edu/faculty/paul-bloom
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ENTREVISTAS
A vida moral dos bebês
Crenças e preconceitos moldam reação das
pessoas a prazer e dor
Entrevista para o jornal Folha de S. Paulo, publicada em
julho de 2011
http://is.gd/Bloom1
(http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe1907201102.htm)
Nossas crenças afetam nosso prazer
Entrevista para a revista Época, publicada em setembro
de 2010
http://is.gd/Bloom2
(http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI168343-15224,00.html)
VÍDEOS E LINKS
TED Talks
Palestra de Paul Bloom (legendado)
http://is.gd/Bloom3
Artigo de Paul Bloom no jornal The New York Times,
publicado em maio de 2010 (em inglês)
http://is.gd/Bloom5
(http://www.nytimes.com/2010/05/09/magazine/09babies-t.
html?pagewanted=all&_r=1&)
Big Think
Entrevista concedida para o site Big Think, publicada
em dezembro de 2009 (em inglês)
http://is.gd/Bloom6
(http://bigthink.com/videos/big-think-interview-with-paul-bloom)
Open Yale Courses
Em 2007, as aulas de Paul Bloom na cátedra de
Introdução à Psicologia de Yale foram escolhidas para
fazer parte dos seletos cursos on-line da Universidade,
Open Yale Courses (em inglês). No YouTube é possível
encontrar vídeos com legendas
http://is.gd/Bloom7
(http://oyc.yale.edu/psychology/psyc-110)
(https://www.ted.com/talks/paul_bloom_the_origins_of_pleasure)
A guerra sobre a razão
Artigo de Paul Bloom publicado na revista The Atlantic,
publicado em fevereiro de 2014 (em inglês)
http://is.gd/Bloom4
(http://www.theatlantic.com/magazine/archive/2014/03/the-war-on-reason/357561/)
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ARTIGO
OS BEBÊS MORALISTAS
DE PAUL BLOOM
POR HAMILTON DOS SANTOS
É jornalista e escritor. Mestre em Filosofia
pela Universidade de São Paulo, é autor de,
entre outros, Enfim, grávidos! (Editora Best
Seller). Com passagem pelos jornais Folha
de S. Paulo e O Estado de S. Paulo, trabalha
desde 1996 no Grupo Abril, onde atualmente
é diretor de Comunicação e Treinamento.
O que faz de Paul Bloom um dos ensaístas mais relevantes e provocativos da atualidade é a sua capacidade
de retomar velhas e boas perguntas da Filosofia, colocando-as em uma perspectiva multidisciplinar construída a
partir da sua bem ilustrada incursão pelos mais diversos
campos das ciências humanas.
Vale, no entanto, justificar melhor o qualificativo
“ensaísta” que acabo de atribuir a ele. Ex-professor de
Psicologia da Universidade do Arizona e atual titular da
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cadeira de Psicologia da Universidade Yale, Bloom é mais
ças, Paul Bloom começou a se aproximar da obra de Steve
conhecido pelas suas contribuições acadêmicas às ciên-
Pinker, outro canadense notável por relacionar a Psicolo-
cias cognitivas. Quer dizer, a princípio, ele está mais para
gia às demais ciências humanas, em especial a Linguística.
cientista do que para ensaísta.
Não pretendo aqui avançar em dados biográficos.
Nascido de uma família judia em Montreal, no Canadá,
Os registros acima são apenas para apontar a filiação de
Bloom é graduado em Psicologia pela Universidade McGill.
Bloom. Sua proximidade com Macnamara e Pinker in-
Optou por essa disciplina por ter, desde muito jovem,
fluenciou não apenas a definição de seus objetos de es-
trabalhado como voluntário em programas de desenvol-
tudo (desenvolvimento infantil, origens dos princípios
vimento de crianças autistas.
morais, origem das ideias, origem da linguagem, dualis-
Ou seja, desde cedo se envolveu com o trabalho de
campo, o laboratório. Essa primeira experiência o fez supor que acabaria em uma clínica como terapeuta infantil.
Ainda na graduação, Bloom conheceu John Macnamara
mo, arte e ficção), como também o ferramental (Ciências
Cognitivas e Sociais, Linguística, Teologia e, claro, Filosofia, mais especificamente Filosofias da Mente) que usa
para investigar esses objetos.
(1929-1996), lendário professor do Departamento de
Além da pluralidade dos interesses e da multidisci-
Psicologia daquela universidade, conhecido pelo seu ca-
plinaridade, Bloom também compartilha com esses dois
tolicismo altruísta e também pelos seus estudos que ex-
autores a preferência por um estilo de escrita que não
ploram as interfaces entre Filosofia e Psicologia.
requer formação especialista do leitor.
Já nas suas pesquisas de pós-graduação, realizadas em
Aborda temas áridos, como, por exemplo, a questão
grande parte no Massachusetts Institute of Tecnology
da distinção moral nos bebês, com uma linguagem clara
(MIT), nos Estados Unidos, sob a orientação de Susan
e engajadora, sem, no entanto, negligenciar demasiada-
Carey, especialista em formação da linguagem das crian-
mente o rigor acadêmico.
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O resultado é uma obra mais pontuada por insights
Veremos adiante como Bloom vai se contrapor a essa
do que propriamente por teses e demonstrações. Daí a
tese de Locke para construir aquele que talvez seja o seu
atribuição do termo “ensaísta” como tentativa de descre-
livro mais significativo, a saber, Descartes’ baby: How the
ver com alguma justiça a sua obra.
science of child development explains what makes us human
Há algo mais herdado de Macnamara e Pinker: como
(2005), ainda inédito em português.
eles, Bloom também é tributário do Pensamento Empírico
Antes, porém, voltemos à dívida que Bloom tem com
do século XVIII, em especial de John Locke e David Hume.
o Empirismo. Se no caso de Locke a dívida é pontual,
Serem tributários não significa estarem em concordância com as teses defendidas pelos dois empiristas.
como assinalei acima, no caso de Hume ela é mais genérica e diluída.
Significa, isto sim, revisitarem problemas e questões for-
Ora, a interface – há quem prefira o termo confusão
muladas por eles. Por exemplo, no caso de Locke, os três
– entre Filosofia e Psicologia atinge o seu ponto culmi-
– Macnamara, Pinker e Bloom – retomam a metáfora da
nante justamente na obra de David Hume. Não há tema
“folha de papel em branco”, e a partir dela derivam boa
da Psicologia tal como a conhecemos hoje que não esteja,
parte de suas investigações.
de uma forma ou de outra, considerado ou pressuposto
Apenas para lembrar, a metáfora da “folha em bran-
em seu Tratado da Natureza Humana (1739).
co” foi usada por Locke como argumento cabal de que
Ao formular a sua “ciência do homem”, Hume des-
não pode haver ideias inatas. Para o filósofo inglês, ini-
creve uma geografia mental nunca antes vista em Filo-
cialmente, a mente é limpa como uma folha de papel,
sofia. Primeiro, desvenda o modo pelo qual chegamos
limpa e lisa como uma tabula rasa, para recuperar a ori-
ao conhecimento (Do entendimento). Depois, explica
gem latina da metáfora.
como nascem e agem as paixões e os sentimentos (Das
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Paixões). E, por fim, estipula de onde derivam os princí-
É este o contexto que devemos considerar ao ler Paul
pios morais (Da Moral). Na base de tudo, aponta o filó-
Bloom. Tomemos, por exemplo, o seu livro How pleasure
sofo escocês, está a experiência. Nada existe a priori como
works – The new science of why we like what we like (2010).
queriam os modernos. Tudo é impulsionado pelos cinco
sentidos, e a vida mental resulta, no final das contas, das
sensações que o nosso corpo experimenta. Ideias inatas,
só na cabeça de Platão ou Descartes. E, o mais chocante
Ao se propor a explicar como funciona o prazer e como
este determina o nosso gosto – tanto quanto o desprazer
determina o nosso desgosto –, Bloom não avança muito
em relação à argumentação fundamental de Hume, se-
de tudo isso: “A razão é, e deve ser, apenas a escrava das
gundo a qual o prazer funciona a partir das sensações (os
paixões, e não pode aspirar a outra função, além de servir
cinco sentidos) em articulação com outros princípios da
e obedecer a elas”. Desse modo, estabeleceu-se a primazia
natureza humana, como a simpatia e a imaginação. É,
das paixões como determinantes das ações humanas. Em
em suma, uma fonte da ação humana. Ainda em Hume,
consequência, a moral e a estética não podem ser guiadas
o prazer físico é mais facilmente observável e explicável,
pela razão. Quem as guia são os sentimentos e o gosto. O
enquanto o mental é mais difícil de ser descrito.
prazer e o desprazer são, de fato, os grandes formuladores
de nossa vida mental. E o gosto funciona tanto como
operador estético quanto moral, isto é, é pelo gosto que
eu julgo o belo; é por ele também que eu julgo o bom.
Bloom diz que este seu livro é “sobre prazeres muito
mais misteriosos” e exclusivamente humanos. Claro, ele
está se referindo aos prazeres da arte, da música, da ficção
e da religião, prazeres estes que, observa ele, os animais
São essas as formulações que até hoje alicerçam o que
não sentem. Ele vai especular, por exemplo, por que senti-
compreendemos por Filosofias da Mente. São elas que,
mos prazer diante de um original de Vermeer; e desprazer
acrescidas das novas descobertas das Neurociências e da
se sabemos que se trata de uma cópia. E vai concluir que,
Biologia, ainda reverberam na produção das atuais cáte-
no caso do prazer, o que importa no fundo não é apenas
dras de Psicologia.
aquilo que se apresenta aos nossos sentidos, mas o que
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pensamos ser aquilo que se nos apresenta. Mesmo que es-
A tese central do livro é a de que somos dualistas por
sas conclusões não mostrem grandes evoluções em relação
natureza. Quando bebês, instintivamente, dividimos o
ao pensamento do século XVIII, os insights que Bloom
mundo entre objetos físicos e estados mentais. Segundo
vai destilando ao longo da obra vão costurando novas
Bloom, o bebê não estranha que uma pessoa se mova,
possibilidades para a reflexão estética e moral. Um desses
mas ficaria absolutamente surpreso se um objeto, uma
insights é a sugestão de que a dependência que temos da
mesa, começasse a se mover. Essa distinção que natural-
informação para desfrutar o prazer em sua plenitude é,
mente fazemos desde bebês entre coisas e pessoas nos leva
para Bloom, um artifício inteligente da natureza humana
à convicção que se consolida na vida adulta de que corpo
para nos proteger do prazer destrutivo. Por exemplo, se
e mente são entidades distintas. Assim, vamos criando a
comemos carne, imediatamente nossa mente nos leva a
noção de que objetos se movem por princípios físicos e
procurar saber de que carne se trata. Por quê? Ora, isso
pessoas por princípios emocionais.
nos impede de sentir prazer comendo carne humana. Ou
O título do livro refere-se, evidentemente, ao dualis-
seja, o prazer tem em si mesmo um mecanismo que nos
mo corpo-mente de René Descartes (1596-1650), mas a
protege socialmente. Desse modo, Bloom estabelece uma
argumentação de Bloom se baseia no que ele chama de
relação entre prazer e sobrevivência, sendo a função do
dualismo do senso-comum, que nada mais é senão essa
prazer motivar alguns comportamentos que são bons para
inclinação natural que temos desde a mais tenra infância
o refinamento e o fortalecimento dos nossos genes.
para ver o mundo de modo material e imaterial.
No caso do livro Descartes’ baby, que, como mencionei
Bloom vai extrair dessa argumentação consequências
acima, é a obra mais provocativa e relevante de Bloom,
surpreendentes, entre elas a ideia de que os bebês podem ler
o empirismo também aparece como pano de fundo da
emoções e responder a elas. Elencando uma série de pesqui-
argumentação, mas aqui o autor se coloca em oposição a
sas de campo, um método recorrente na sua forma de cons-
Hume e principalmente a Locke.
truir suas teses e tirar suas conclusões, Bloom tenta demons-
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trar que diante de pessoas ou animais de comportamento
Mas nós podemos também ver uma pessoa como sendo
condenável (vício), as crianças reagem de modo reprovativo,
menos de uma pessoa”.
sabendo aprovar comportamentos louváveis (virtude).
O que a comentadora está dizendo é que o dualis-
Ora, se é assim, conclui ele, então as crianças podem
mo dos bebês, supondo que seja mesmo uma capacidade
fazer distinções morais, sabem diferenciar o mal do bem
natural, não permanece isolado por muito tempo. Ele
– essa tese, aliás, está aprofundada no seu mais recente
interage com a cultura que cerca o bebê ou a pessoa em
trabalho, o livro Just babies: The origins of good and evil
formação. Imagine, por exemplo, que essa cultura trate
(2013, título da edição em português é O que nos faz
pessoas como objeto – ou vice-versa, em um caso extre-
bons ou maus), no qual ele tenta demonstrar que as ideias
mado –, isto é, supondo que haja culturas que tendam
morais são inatas.
ao não dualismo, que tipo de adulto estaríamos forjando?
Ao comentar Descartes’ baby, Susan Goldin-Meadow,
professora do Departamento de Psicologia da Universidade de Chicago, escreve: “Bloom faz um trabalho notável
para ilustrar os modos pelos quais manipulamos nosso
dualismo. Somos capazes de ver o mesmo objeto como
parte tanto do mundo físico quanto do mundo mental. Pensamos de forma diferente sobre uma pintura de
Vermeer e uma outra pintada para parecer um Vermeer.
Bloom, como nota a própria comentadora, não chega
ao ponto de fazer diretamente essa ilação.
Mas está aí a força de sua obra: a capacidade de levar
o leitor a fazer perguntas que, quando tentamos respondê-las, nos levam providencialmente a uma compreensão
mais refinada e rica da natureza humana.
Não se pode esperar mais de um bom ensaísta.
Julgamos não apenas o objeto físico, mas também o ato
criativo que deu origem ao objeto, um ato que está intimamente ligado aos objetivos do criador. Por essa razão
é que vemos uma coisa como sendo mais que a coisa.
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