BRAL CONTAM-NOS

Transcrição

BRAL CONTAM-NOS
,
»:
ES P EC IAL
COORDENAÇÃO BRUNO CONTREIRAS
MATEUS E JOANA NOGUEJRA
_
Diários DE CONVIDADOS DO FESTIVAL DE LUZ DE MONTREAL
Três chefs entre té
OS CHEFS JOSÉ AVILLEZ,
RUI PAU LA E VíTOR SOBRAL CONTAM-NOS
COMO FOI A SUA
PARTICIPAÇÃO
NO FESTIVAL
EM MONTREAL
escobrir os aromas, desfrutar
da harmonia dos sabores, degustando a história e a cultu - ,
ra do povo português,
foi o
desafio lançado pela
edição do Festival de Luz de Montreal, no
Canadá, entre 18 e 28 de Fevereiro. Convidados a representar
o País através das
suas interpretações
gastronómicas,
18
produtores de vinho associaram - se a 21
chefs de nacionalidade portuguesa, ou a
trabalhar em Portugal, para darem provas
da qualidade da nossa gastronomia.
O convite surgiu há cerca de um ano e
meio mas a ausência de um apoio oficial,
por parte das-entidades portuguesas, fez
com que fosse necessário concertar esforços no sentido de angariar os 75 mil euros necessários à participação nacional.
Valeu a preciosa ajuda de Carlos Ferreira,
emigrante português em Montreal há cerca de trinta anos, que suportou parte do
valor e conseguiu o patrocínio de 18 produtores de vinho nacionais.
Apesar das evidentes dificuldades,
a
maior comitiva alguma vez convidada
pelç Festival de.Luz de Montreal conseguiu dar a provar os seus conheeímentos,
possibilitando deliciosas descobertas em
50 restaurantes
locais. Convidados a
partilharem as suas experiências, três
chefs de reconhecido mérito descrevem à Domingo as peripécias, dificuldades e conquistas alcançadas
durante o festival .• J.N.
D
42
Idomingo
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: I'
I
A COMITIVA DE CHEF,-,
PORTUGUESES
TRABALHOU EM,
50 RESTAURANTES
DE MONTREAL
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vhos no Canadá
JOSÉ AVILLEZ
"PESCÁMOS TRUTAS NO GELO.
E COZI NHÁMOS NA FOGUEIRA"
"Logo no aeroporto de Montreal empurraram-me para uma sala onde me
revistaram a mala. Eu tinha um problema: Levava lá dentro toucinho de
porco preto, para cozinhar um dos
pratos. E é proibidíssimo levar carnes, mas lá não há toucinho. Estava
no meio da alfândega a ser revistado
por uma mulher polícia e, como a minha mala depois de aberta se divide
em duas partes, enquanto ela vasculhava um dos lados consegui tirar os
três pedaços de toucinho e escondê-los nos bolsos do casaco que levava
vestido. Eu suava por todos os lados.
Hora e meia depois arrancámos para
o hotel. O Laurie Raphael é um restaurante do Hotel Le Germain, onde
ficámos hospedados. Pertence ao
chef Daniel Vézina, que tem um programa de televisão. Fomos fazer três
jantares e tudo foi comprado lá - excepto o toucinho. É certo que acho
que a estrela Michelin teve peso ao D
PERFIL
IDADE 30 anos
PROASSAo
Estagiou com
Ferrán Adriá e é
estrela Michelin
RESTAURANTE
Tavares
eoJAà Mesa
PARTlCIPAÇAo
Foi o festival em
que mais gostou
de participar
14MARÇO2010
43
·
ESPEClAL
atribuírem-me este restaurante. E
também o facto de ter estagiado no
EI Bulli (em Espanha), com o Ferrán
Adriá. Houve até quatro cozinheiros
que me pediram estágios em Lisboa.
Nos pratos que escolhi usei o salmão porque é um peixe que eles têm
lá. E cozinhei veado e lavagante que
são típicos. Fizemos um penne com
ouriço do mar, um pesto de algas e
pinhões, uma ostra "petrificada" no
deserto, a horta da "galinha dos ovos
de ouro" (este dois últimos pratos
também servimos cá no Tavares). De
sobremesa fizemos uma esponja de
avelã. Ficaram agradavelmente surpreendidos. Mostrámos uma cozinha
nova e diferente. Tive à volta de 200
pessoas nos três dias. No primeiro
dia, em 65 pessoas 20 já tinham vindo cá ao Tavares, jantar comigo. O
prato mais consensual foi a horta da
"galinha dos ovos de ouro'; não só
porque as pessoas ficaram esteticamente impressionadas como quando o provaram sentiram uma série
de sabores aconchegantes. Tanto
que o chef me pediu se o autorizava
a pôr este prato na carta do Laurie
Raphael. É um orgulho poder influenciar alguém. Depois de cinco
dias de trabalho, fomos para o Quebeque e pescámos trutas, fizemos .
uma fogueira e com uma frigideira
cozinhámos logo ali o peixe, no lago
gelado Sacacomie. A origem da cozinha não é muito diferente disto. E
como fui escuteiro, toda a vida fiz fogueiras. Nada ali era novo. Só a paisagem. De repente, estávamos numa
mata toda nevada, onde não se ouvia nada, relaxados a pescar no gelo,
a andar de trenó com os cães'~.
_
RUI PAULA
D
"O CHEF DO RESTAURANTE
LAURIE RAPHAEL PEDIU-ME
SE O AUTORIZAVA A PÔR
UM PRATO MEU NA CARTA"
JosÉAVILLEZ
441 domingo
"ALMOÇO PARP
PESCA de trutas
no
gelo,Quebeque
I
"O convite para representar Portugal
surgiu de forma praticamente inesperada no dia 22 de Fevereiro, assim
como inesperada foi a forma como fui
recebido naquela que hoje considero
uma das cidades mais interessantes a
nível mundial. À chegada ao aeroporto,
fui conduzido pela cidade até ao Hotel
Intercontinental, onde fiquei hospedado. Tal como todos os chefs, também
eu tenho alguns segredos que naturalmente passam pela qualidade dos produtos, frescos e de origem nacional, tal
como o azeite português que fiz questão de exigir na lista que previamente
enviei ao Festival e que foi seguida à
risca pela organização.
Uma vez conferida a cozinha do restaurante Osco e os alimentos que iria
precisar para a confecção dos pratos,
foi altura de desfrutar de um convívio
entre amigos, num dos restaurantes
daquele que foi responsável pelo sucesso da participação portuguesa no
1
l
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."'
ORNALISTAS ECRíTICOS"
Festival: Carlos Ferreira, O dia seguinte
amanheceu cedo e com muito trabalho, já que foi a vez de repartir conhecimentos com os outros chefs e cozinheiros e ensinar-lhes alguns segredos
da nossa cozinha, tudo para que nada
falhasse no almoço que iríamos dar no
meu terceiro dia em Montreal para 20
jornalistas estrangeiros, críticos atentos à gastronomia que me propunha
representar,
Queijo Brie com compota de três pimentas, amêijoas à Bulhão Pato, robalo
com açorda de sapateira e carré de cordeiro com puré de queijo de cabra foram alguns pratos da ementa. Para sobremesa, mil-folhas de creme de ovos
com frutos secos. Como resistir? As críticas foram muito boas, assim como os
elogios porque a nossa comida tem um
sabor diferente. Eu mesmo tive a oportunidade de comprovar o sucesso da
nossa gastronomia durante o jantar que
confeccionámos já no dia 25, no qual
tive uma bela surpresa. No meu percurso pelas mesas do restaurante fui abordado por dois senhores que me confessaram que haviam estado no meu restaurante em Portugal, o D.O.C., o que me
deixou extremamente orgulhoso. Afinal,
eles também tiveram clientes por minha
causa. Na sexta-feira foi dia de partir. De
Montreal levo o encanto por uma cidade
inigualável, amizades que espero conservar pela vida e o desejo de repetir a
experiência." _
"NAS MESAS FUI ABORDADO
POR DOIS SENHORES QUE
DISSERAM TER ESTADO NO MEU
RESTAURANTE EM PORTUGAL"
RUI PAULA, CHEF
PARTIDA de Lisboa para a cidade
de Montreal
PERFIL
IDADE 43 anos
PROFISSÃO
Iniciou a carreira
dechefhá 17
anos
RESTAURANTE
D.O.C. e D.O.P.
PARTICIPAÇAo
Esta foi a
primeira vez que
participou no
Festival de Luz
em Montreal. Foi
também a primeira visita à cidade, facto que
o deixou deslumbrado
14 MARÇO 2010
I 45
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ESPEClAL
_
VíTOR SOBRAL
PERFIL
"HOUVE
PEQUENO
DESCUIDO
COM OAnJM"
IDADE 43 anos
PROFISSÃO
Iniciou a sua carreira há 22 anos
RESTAURANTE
Tasca
da Esquina
"Creme de espargos, coentros e
mousse de bacalhau, peito de pato
com batatas confitadas, caldeirada de
cabrito com cogumelos, pudim abade
de Priscos ou sericá de maçã. A]L a
edição do Festival de Luz de Montreal
desafiou os chefs portugueses a p0rem à prova a qualidade e sabor inigualáveis da gastronomia portuguesa,
algo que desde logo me levou a preparar uma cuidada ementa capaz de fazer jus à ocasião. Na bagagem não me
atrevi a levar mais do que experiência
e conhecimento já que, antes de aterrar na cidade canadiana e representar
Portugal pela quarta vez, fiz uma paragem em Nova lorque. nos Estados
Unidos, país pouco condescendente
com artigos estranhos ao controlo aé-
PARTICIPAÇÃO
Foi a quarta vez
que participou
no Festival, mas
a primeira em
que fez parte de
de uma comitiva
convidada
"FUI O CHEF ELEITO PARA
FAZER UM JANTAR PARA
A POPULAçÃO, COM UMA
EMENTA PARA 400 PESSOAS"
VITOR SOBRAL, CHEF
EQUIPA do Instituto
reo. A par da impecável organização
do Festival, este ano tive a agradável
surpresa de poder confeccionar os
meus pratos no Instituto de Hotelaria
de Montreal, uma estrutura ímpar.
Confesso que nunca tinha visto nada
assim. A experiência foi fantástica,
embora não tenha sido fácil trabalhar
numa estrutura com características
bem distintas das de um restaurante.
O facto de não haver uma equipa sólida, dada a relativa experiência dos alunos, colocou o desafio a um hível superior. Porém, houve um ou outro per46 I domingo
de Hotelaria
que ajudou na confecção
calço que não consegui evitar, como
aquele que ocorreu no jantar de gala
no InstibJto no segundo dia do festival. Para o prato principal escolhi duas
receitas, entre elas o atum dos Açores,
batata-doce assada. compotas de maça, tomate e figos. Um dos alunos ficou responsável pelo atum no fomo, o
que não se revelou uma escolha acertada. pois deixou-o passar do ponto.
Não houve solução. As pessoas tiveram de o saborear assim, embora ninguém tenha reclamado. Imprevistos à
parte. senti-me lisonjeado PQr ser o
da comida
chef eleito para fazer as honras no
jantar para a população, com uma
ementa para cerca de 400 pessoas.
Para além de ter feito um exemplo de
cada prato, não abdiquei na confecção
do molho do tradicional bacalhau confitado com migas de broa de milho,
iguaria que deixou saudades entre os
presentes. A nossa participação no
Festival veio provar que. mesmo sem
apoio oficial, à dedicação e talento dos
chefs, aliada a iniciativas pioneiras, tornam possível a expansão de Portugal
pelos horizontes do Mundo:'.

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