Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa/ Universidade
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CENTRO DE BIOLOGIA AMBIENTAL/ CENTRO DE ECOLOGIA APLICADA Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa/ Universidade de Évora PROGRAMA DE MONITORIZAÇÃO DO PATRIMÓNIO NATURAL (Área de Regolfo de Alqueva e Pedrógão) Projecto Pmo 6.2 - Monitorização de Roedores RELATÓRIO FINAL Janeiro de 2004 Relatório Final MONITORIZAÇÃO DE ROEDORES RESPONSÁVEL: Maria da Luz Mathias Centro de Biologia Ambiental (CBA) Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa Campo Grande, 1749-016 Lisboa PARTICIPANTES: António Mira (Centro de Ecologia Aplicada, Univ. Évora) - Março 1999 a Julho 2003 Miguel Pereira (Centro de Ecologia Aplicada, Univ. Évora) - Março 1999 a Dezembro 2000 Paulo Pereira (Centro de Ecologia Aplicada, Univ. Évora) - Março 1999 a Dezembro 2000 Ana Cláudia Nunes (Bolseira, CBA, Univ. Lisboa) - Março 1999 a Dezembro 2000 Carla Cristina Marques (Bolseira, CBA, Univ. Lisboa) –Junho 1999 a Dezembro 2000 Catarina Figueiredo (Bolseira, CBA, Univ. Lisboa) –Setembro 1999 a Setembro 2000 Filipa Nunes de Carvalho (Bolseira, CBA, Univ. Lisboa) –Março 1999 a Junho 1999 Inês Sousa (Bolseira, CBA, Univ. Lisboa) - Fevereiro 2000 a Dezembro 2000 Maria do Carmo Perestrello (Bolseira, CBA, Univ. Lisboa) - Março 1999 a Junho 1999 Maria João Gomes Santos (Bolseira, CBA, Univ. Lisboa) - Setembro 1999 a Setembro 2000 Sara Lopes Santos (Bolseira, CBA, Univ. Lisboa) - Março 1999 a Dezembro 2000 Vanessa Oliveira (Bolseira, CBA, Univ. Lisboa) –Janeiro 2003 a Julho 2003 Fotografia da capa: Microtus cabrerae (Sara Santos) 1 RESUMO O presente projecto teve por objectivo determinar i) a ocorrência e ii) mapear a distribuição das populações de três espécies de micromamíferos roedores, o rato de Cabrera Microtus cabrerae - único roedor endémico da Península Ibérica e de estatuto Raro em Portugal -, o rato-de-água Arvicola sapidus - espécie de ocorrência restrita à Península Ibérica e França - e o leirão Eliomys quercinus - de distribuição por toda a Europa, excepto Grã Bretanha e Escandinávia. Foram adoptadas várias metodologias, incluíndo prospecção de indícios de presença (e.g. dejectos, trilhos), armadilhagem, realização de transectos pedestres (exclusivamente para A. sapidus) e análise de regurgitações de coruja-das-torres (Tyto alba). Identificaram-se oito colónias de M. cabrerae, quatro localizadas dentro da área de estudo, as quais não serão abrangidas pela área máxima de regolfo. A. sapidus ocorre em toda a área de trabalho e será a espécie mais afectada com o enchimento da barragem, prevendo-se o seu desaparecimento em alguns dos locais onde se encontra presente actualmente. Ambas as espécies poderão ser influenciadas pelas alterações ecológicas resultantes de modificações nas práticas agrícolas e de uso do solo. A espécie E. quercinus não foi detectada na área de estudo, quer por armadilhagem em zonas de montado de azinho, quer pela análise de regurgitações. 3 INTRODUÇÃO Os roedores são importantes componentes dos ecossistemas terrestres devido ao seu, em geral, reduzido tamanho, elevada abundância e versatilidade ecológica (e.g Nowak, 1999). São também a principal presa de muitos outros vertebrados (e.g. répteis, aves ou mamíferos), alguns com estatuto de ameaça, funcionando como elos-charneira ao transferirem para elos superiores das redes tróficas a energia proveniente dos níveis inferiores (Golley et al., 1975). Muitas espécies de roedores são comensais ou semi-comensais e esta associação ao Homem transforma-os num grupo de mamíferos particularmente relevante, quer em termos ambientais ou de Saúde Pública, quer em termos estritamente económicos (e.g. Moreira & Naumann-Etienne, 1987; Nunes et al., 2001, 1993; Mira, 2003). Em Portugal Continental a ordem Rodentia inclui 13 espécies, nove das quais ocorrem no Alentejo e Algarve. Este estudo incide sobre a monitorização das espécies de roedores que integram as comunidades de pequenos mamíferos na área de regolfo de Alqueva e Pedrógão, com ênfase em três espécies prioritárias: o rato de Cabrera (Microtus cabrerae), o rato-deágua (Arvicola sapidus) e o leirão (Eliomys quercinus). O rato de Cabrera é o único roedor endémico da Península Ibérica. Apresenta uma distribuição fragmentada em toda a área de ocorrência e parece ser relativamente exigente quanto a determinados requisitos ecológicos (e.g. Ventura et al., 1998; Santos et al., 2003), tendo-se verificado uma preferência pela ocupação de áreas de gramíneas perenes altas, de juncais ou de comunidades nitrófilas (Fernandez-Salvador, 1998). O rato de Cabrera é uma espécie ameaçada, tanto em Portugal como em Espanha, figura no anexo II da Convenção de Berna e nos anexos II e IV da Directiva Habitats (SNPRCN, 1990). O rato-de-água é um roedor com hábitos aquáticos e de distribuição europeia restrita, ocorrendo apenas em França e na Península Ibérica, não lhe sendo atribuido qualquer estatuto de ameaça (Blanco, 1998). O leirão ocorre de norte a sul do país, aparentemente em núcleos populacionais muito localizados (Mira et al., 2003). Em muitas regiões da Europa tem-se vindo a verificar um rápido declínio da espécie (Nowak, 1999; Ruíz & Román, 1999; Moreno, 2002) temendo-se que o mesmo possa estar a ocorrer em Portugal (Mira et al. 2003). Contudo, no nosso país não lhe é atribuído presentemente qualquer estatuto de ameaça, embora no Livro Vermelho da UICN seja classificado como Vulnerável (IUCN, 1996). 4 Prevê-se que a construção de um empreendimento com a magnitude da barragem de Alqueva produza um efeito barreira associado a alterações climáticas e de uso do solo, de influência mais generalizada, que poderão ter grande impacto nas populações animais, e em particular nos roedores, que ocorrem na área de influência da barragem. Deste modo, é de grande interesse conhecer o tipo de distribuição e outros aspectos da ecologia e biologia destas populações, a fim de se poder, numa primeira fase, inventariar e, posteriormente, minimizar os efeitos do impacto a que serão sujeitas. OBJECTIVOS Assim, de acordo com o projecto-candidatura os objectivos gerais do presente trabalho foram: a) cartografar os locais de ocorrência e delimitar as áreas de distribuição das diferentes espécies, com ênfase nas espécies prioritárias; b) determinar a riqueza e abundância específicas; c) identificar os biótopos de ocorrência das diferentes espécies e, quando possível, os factores ambientais que condicionam a sua presença; Este estudo decorreu em dois períodos: de Março de 1999 a Dezembro de 2000, e de Janeiro a Dezembro de 2003. Os objectivos específicos do estudo durante o segundo período de trabalhos foram: d) confirmar os locais de ocorrência e as áreas de delimitação das diferentes espécies, definidas no primeiro período de trabalhos; e) avaliar a influência do enchimento da barragem de Alqueva na presença das espécies prioritárias. MATERIAL E MÉTODOS Inventariação e Monitorização A área de estudo corresponde à área geográfica que abrange os concelhos de Alandroal, Moura, Mourão, Portel, Reguengos de Monsaraz e Vidigueira, representada em 11 cartas 5 militares 1:25000 (441, 452, 462, 474, 481, 482, 483, 490, 491, 492 e 501), tendo sido ainda realizadas algumas amostragens em áreas adjacentes (cartas militares 440, 451, 502) (Fig. 1). Numa fase inicial do plano de trabalhos foi compilada toda a informação disponível relativa à ecologia e distribuição das três espécies em estudo, através de uma pesquisa bibliográfica e consulta a especialistas. N W E S Figura 1. Área de estudo (a escuro). (escala aproximada 1:9 200 000) A metodologia utilizada na inventariação e monitorização das diferentes espécies baseou-se essencialmente em: 1. Pesquisa de indícios de presença (dejectos, latrinas, túneis na vegetação) em áreas potencialmente adequadas à presença de M.cabrerae* (e.g. Ayanz, 1994; FernándezSalvador, 1998) e ao longo de cursos de água, para detecção da presença de A.sapidus. Uma vez que a prospecção de indícios de presença é uma metodologia considerada eficaz e expedita para a confirmação de ocorrência destas duas espécies prioritárias (Castells & Mayo, 1993; Wemmer et al., 1996), todos os locais amostrados com base nesta metodologia durante o primeiro período de trabalhos, foram novamente prospectados durante o segundo período. Nos locais registados como ausência, mas confirmados como presença na primeira amostragem foram adicionalmente prospectadas as zonas adjacentes com habitat potencialmente adequado à presença das espécies. Foram também revisitados alguns locais registados como ausência no primeiro período de trabalhos, dado que correspondiam pelas suas características a habitats favoráveis à presença das espécies; 6 2. Armadilhagem com armadilhas tipo Sherman, iscadas com cenoura e maçã ou sardinhas em óleo e flocos de aveia*, respectivamente no caso da armadilhagem dirigida a M.cabrerae e A.sapidus ou a E.quercinus. Cada sessão de armdilhagem prolongou-se, em média, por quatro noites, tendo as armadilhas sido dispostas em linha e/ou aleatoriamente, de acordo com as características locais. O esforço de captura traduziu-se em armadilhas.noite (número de armadilhas x número de noites de armadilhagem) e o sucesso de captura, para cada espécie, como a razão entre o número de indivíduos capturados e o esforço de captura x 100; 3. Análise de regurgitações da coruja-das-torres (Tyto alba), um predador de micromamíferos, não selectivo (Mikkola, 1983; Taylor, 1994). No presente estudo, considerou-se uma área de caça da coruja-das-torres equivalente à area de um círculo com 1,5km de raio cujo centro corresponde à localização de um poiso ou ninho amostrado (Taylor, 1994). A identificação dos micromamíferos baseou-se em Gama (1957), Yalden (1977), Madureira (1982), Orsini et al. (1989) e Brown et al. (1992). A abundância relativa das espécies-presa (P.O.-percentagem de ocorrência) foi considerada como a razão entre o número de indíviduos de cada espécie e o número total de presas (e.g. Ruprecht, 1979). Esta metodologia permitiu inventariar, para além das espécies de roedores, as espécies de insectívoros de pequeno tamanho que ocorrem na área de estudo, pelo que estas serão também indicadas nos resultados obtidos. ________________ * No início do estudo, com o objectivo de aperfeiçoar a técnica de captura de M.cabrerae, foram realizadas sessões de armadilhagem na Serra de S. Mamede (Abril 1999) e em Proença-a-Velha (Maio 1999). No primeiro local foi capturado um indivíduo, correspondendo a um esforço de armadilhagem de 297 armadilhas.noite e a um sucesso de captura de 0.003. Em Proença-a-Velha foi igualmente capturado um indivíduo, com um esforço de armadilhagem de 21 armadilhas.noite e um sucesso de captura de 0.048. Verificou-se que a presença deste roedor parece estar associada a locais com gramíneas perenes altas ou médias e com alguma humidade (e.g. juncais e charcos temporários), que permita a manutenção de vegetação verde todo o ano, tal como já descrito (Ayanz, 1994; Fernández-Salvador, 1998). Foram ainda observados indícios de presença da espécie tais como: túneis na vegetação, latrinas e dejectos isolados de cor verde. Com o objectivo de determinar as preferências alimentares (milho, sementes de girassol, maçã ou cenoura) da espécie, o indivíduo capturado em Proença-a-Velha foi mantido durante algum tempo em cativeiro. Na sequência deste procedimento concluiu-se que o melhor isco a usar nas sessões de armadilhagem para M. cabrerae seria constituido por maçã, cenoura e sementes de girassol. Como previsto, realizou-se a visita de dois consultores, o Dr. J. Ventura (Univ. Autónoma de Barcelona) e a Dra. R. Fernández-Salvador (Museu Nac. de Ciências Naturais –Madrid), à área de ocorrência de M.cabrerae na Serra de S. Mamede e a alguns locais de habitat potencialmente favorável, na área de regolfo de Alqueva e Pedrógão. Embora tenha sido confirmada a adequação da metodologia e do isco utilizados na área de estudo, muitos dos locais onde tinham sido efectuadas sessões de armadilhagem não foram considerados favoráveis à ocorrência da espécie. Para além das características ambientais que conduziram à selecção dos locais (e.g. presença de gramíneas altas e humidade) outras características deverão também ser consideradas com igual relevância na avaliação da adequação dos locais (e.g. água permanente no solo, características físicas do solo). Após este contacto, confirmou-se a fiabilidade dos indícios de presença como forma de detectar a ocorrência desta espécie. Assim 7 sendo, decidiu-se armadilhar apenas quando fossem encontrados sinais de presença nas áreas prospectadas com características ambientais semelhantes às descritas Ocupação de biótopos Para esta componente do estudo foram analisadas 11 áreas de caça da coruja-das-torres: Barranco das Caldeiras (BC), Cabana das Castelhanas (CC), Granja (G), Horta da Torre (HT), Monte Albardeiros (MA), Monte da Julioa (MJ), Monte Mercador (MM), Monte Negro (MN), Monte do Panasco de Cima (MPC), Outeiro (O) e Santa Catarina (SC). Os biótopos foram identificados e quantificados com base em ortofotomapas de 1995, em formato digital, e em observações no campo. Os biótopos considerados foram os seguintes (e.g. Alves et al., 1998): Estepes (EST) –formações vegetais dominadas por gramíneas; Florestas de produção (FLOR) –formações arbóreas utilizadas em exploração silvícola, constituídas por Pinus pinaster (pinhal) ou Eucalyptos sp. (eucaliptal); Galerias ripícolas (GR) –margens de linhas de água com cobertura arbustiva e, por vezes, arbórea, de baixa densidade; Matos (MAT) –formações vegetais dominadas por arbustos esclerófitos de baixo porte e elevada diversidade como Cistus ladanifer, Lavandula sp., Ulex sp., Cytisus sp. e Genista sp.; Montados (MONT) –formações florestais seminaturais caracterizadas pela existência de um estrato arbóreo geralmente pouco denso e um subcoberto arbustivo de complexidade e densidade variada; Olivais (OLIV) –habitats seminaturais caracterizados pela presença de Olea europaea; Zonas urbanas (URB) –povoações e construções humanas. A análise canónica de correspondências (CCA) (programa CANOCO, versão 4.0) foi utilizada para avaliar a associação das espécies aos biótopos. Previamente foram utilizados os ‘ Va r i a b l eI n f l a t i onFa c t or s ’( VI Fs )p a r ade t e c t a rer e mov e ra sv a r i á v e i sc or r e l a c i on adas entre si, de modo a evitar o efeito da multicolinearidade entre as variáveis (Braak & Amilauer, 1998). O resultado da CCA é um diagrama de ordenação espécies-variáveis ambientais (biótopos), onde as espécies são representadas por pontos e as variáveis ambientais por vectores. No diagrama, a localização das espécies em relação aos vectores indica as suas preferências ambientais (Braak, 1986). 8 Em relação às espécies prioritárias foi adicionalmente seguida a seguinte metodologia: M.cabrerae –visando fundamentamente a delimitação da área de ocorrência da espécie e a identificação das variáveis climáticas e de uso do uso que condiciona a sua presença foi elaborado um modelo probabilístico de regressão logística com dados de presença/ausência nacionais de M. cabrerae e um mapa de probabilidades de ocorrência da espécie a nível nacional. Os dados obtidos foram confrontados com as informações referentes à área de estudo. A.sapidus –foram monitorizadas um total de 35 variáveis ambientais em locais de presença ou potencial presença da espécie visando determinar a sua influência na presença/ausência da espécie. RESULTADOS Esforço de amostragem A fim de determinar a distribuição de cada espécie-alvo na área de estudo, foram amostrados, um total de 322 locais, através de diferentes metodologias. Durante o primeiro período de trabalhos, foram prospectadas um total de 121 áreas e realizados 84 transectos ao longo de linhas de água, com um comprimento médio de 500m, com a finalidade de identificar indícios da presença de M.cabrerae e A.sapidus, respectivamente. Adicionalmente, foram realizadas 54 sessões de armadilhagem, 34 dirigidas à captura M.cabrerae, 4 à captura de A.sapidus e 16 à captura de E.quercinus, correspondendo a um esforço total de 8100 armadilhas.noite. Este esforço resultou na captura de 13 M.cabrerae e 7 A.sapidus, de entre um total de 280 micromamíferos pertencendo a seis diferentes espécies, incluindo as prioritárias (Tab.I). A armadilhagem dirigida à captura de E.quercinus não teve sucesso. O esforço de armadilhagem para a detecção desta espécie incidiu exclusivamente em montados de azinho, com uma cobertura arbustiva do solo relativamente densa, que pudesse servir de abrigo à espécie, uma vez que a avaliação da presença de E. quercinus em montados de azinho era um dos pressupostos do estudo (ver Regulamento de Candidatura EDIA). A recolha de regurgitações constituiu a única metodologia utilizada com o intuito de amostrar as três espécies prioritárias em simultâneo. Obtiveram-se amostras de regurgitações 9 em 72 poisos e/ou ninhos de coruja-das-torres, todos localizados em construções humanas (excepto um), num total de 2228 regurgitações, cuja análise permitiu identificar 10194 micromamíferos-presa de dez diferentes espécies, oito roedores e dois insectívoros (Tab.II). Para confirmar a ausência de uma espécie rara, como é o caso de M. cabrerae, consideraram-se apenas amostras de regurgitações com um número superior ou igual a 100 mamíferos-presa. Este valor foi calculado com base na fórmula n = 3/m, onde n é a dimensão da amostra para detectar a espécie-alvo com uma probabilidade de 0.95 e m a densidade média dessa espécie (Green & Young, 1993). No cálculo referido contabilizaram-se todos os indivíduos de M. cabrerae encontrados em 20 amostras de regurgitações distribuídas pelo país (m = 129/4337). À semelhança do proposto para M. cabrerae, consideraram-se amostras com um mínimo de 100 mamíferos-presa para afirmar a ausência de A.sapidus (Tabela 3). Por outro lado, com o objectivo de verificar se a análise de regurgitações constituia uma metodologia válida para a detecção de E. quercinus numa dada área, foi analisada uma amostra de regurgitações de uma área do Parque Natural de Sintra-Cascais (Samarra) onde a sua ocorrência era conhecida, confirmando-se a presença da espécie na dieta da coruja-das-torres (2 indivíduos numa amostra de 232 mamíferos-presa). Apenas em 33 locais da área de estudo e zonas adjacentes, o conjunto das regurgitações recolhidas continha mais de 100 mamíferos-presa. No segundo período de trabalhos foram prospectados um total de 55 áreas para M.cabrerae e 120 para A.sapidus. Para a primeira espécie, este esforço procurou confirmar as colónias anteriores e identificar outras nessa região; para A.sapidus, o esforço incidiu principalmente nos locais de presença já conhecidos e em alguns dos locais de ausência. Riqueza e abundância específicas As diferentes metodologias utilizadas permitiram inventariar um total de oito espécies de roedores (mais seis para além de M.cabrerae e A.sapidus: o ratinho-caseiro Mus musculus, o ratinho-ruivo Mus spretus, o ratinho-do-campo Apodemus sylvaticus, a ratazana-preta Rattus rattus, a ratazana-castanha R. norvegicus e o rato-cego-mediterrânico Microtus duodecimcostatus) de entre as nove que podiam potencialmente ocorrer na área de estudo. Só o leirão E.quercinus não foi inventariado, como já referido. Adicionalmente foram 10 também detectadas duas espécies de insectívoros, o musaranho-comum (Crocidura russula) e o musaranho-anão (Suncus etruscus). Em relação à armadilhagem as espécies mais capturadas foram M. spretus, A. sylvaticus e C. russula, às quais correspondeu um sucesso de captura de 1,72, 1,06 e 0,36, respectivamente. Para M.cabrerae o sucesso de captura foi de 0,16 e para A.sapidus de 0,09. Identicamente, nas regurgitações, observou-se que as espécies-presa mais representadas foram M. spretus (P.O.=0,27), A. sylvaticus (P.O.=0,14) e C. russula (P.O.=0,12), o que parece confirmar a sua maior abundância relativa na área de estudo. Distribuição Em relação às espécies prioritárias foi confirmada a presença de quatro colónias do rato de Cabrera em três locais, durante a primeira fase de trabalhos: Rosário/Ameixieira, Rosário/Ribeiro do Negro (carta militar 452) e Alandroal/Redondo, este último na periferia da área de estudo e correspondendo à presença de duas colónias (carta militar 440), o que está de acordo com o reduzido sucesso de capturas e baixa percentagem de ocorrência nas regurgitações (Mapa I, em anexo). As colónias encontravam-se a uma distância mínima de 4,8km e máxima de 7,8km entre si (média = 6,6km). Na segunda fase de trabalhos verificouse que a colónia Alandroal-Redondo não estava no mesmo local previamente registado, tendo-se no entanto encontrado indícios de presença da espécie (trilhos e latrinas) a cerca de 200m do local inicial. Esta nova localização situa-se na margem da estrada de alcatrão mais próxima, numa zona de coberto vegetal herbáceo denso e o deslocamento da colónia esteve provavelmente relacionada com uma diminuição substancial do coberto vegetal herbáceo no local inicial, derivado do elevado nível de pastoreio desde então verificado. A colónia Rosário/Ribeiro Negro manteve-se no mesmo local, não se tendo registado quaisquer alterações. Em Rosário/Ameixieira os indícios de presença da espécie foram encontrados a cerca de 50m da localização inicial. Durante o segundo período de trabalhos foram ainda encontrados indícios de presença de M. cabrerae em Monte do Baldio (carta militar 441). Esta colónia situa-se na margem de uma linha de água (local amostrado no primeiro período de trabalhos para prospecção de A. sapidus), e a área adjacente caracteriza-se pela presença de cultura cerealífera de sequeiro. A colónia estende-se ao longo de um troço de cerca de 30m (Mapa I, em anexo). 11 Tabela I. Resultado das sessões de armadilhagem na área de regolfo de Alqueva e Pedrógão, com indicação do esforço de armadilhagem (armadilhas.noite) e do número total de indíviduos (n) das diferentes espécies capturados (roedores e insectívoros) (M.c. Microtus cabrerae, Ar.s. Arvicola sapidus, Ap.s. Apodemus sylvaticus, M.s. Mus spretus, R.n. Rattus norvegicus, C.r. Crocidura russula; * carta da periferia da área de estudo) Carta Nº de sessões Militar armadilhagem Esforço (arm.noite) Espécies inventariadas (n) 440* 3 310 M. c. 9 Ar. s. 1 Ap. s. 10 M. s. 6 R. n. 0 C.r. 3 441 1 200 0 0 1 0 0 0 452 4 425 4 0 1 6 0 4 463 1 200 0 0 1 0 0 0 474 1 200 0 0 0 0 0 0 481 6 1188 0 0 18 51 0 0 482 6 1073 0 0 0 17 0 1 483 9 826 0 1 14 7 1 15 490 6 599 0 0 18 14 0 3 491 6 1068 0 5 20 14 5 3 492 7 1215 0 0 3 8 0 0 501 4 796 0 0 0 16 0 0 Total 54 8100 13 7 86 139 6 29 Pelo contrário, o rato-de-água distribui-se por toda a área de estudo, tendo sido inventariado em 76 locais (Mapa II, em anexo). No que se refere às restantes espécies de micromamíferos verificou-se que as presenças de C. russula e S. etruscus são mais frequentes nas cartas militares 441, 452, 481, 482, 483, 490, 491 e 492, enquanto que A. sylvaticus, M.spretus e M. duodecimcostatus se encontram por toda a área de estudo. Contrariamente, R. rattus apresenta uma distribuição aparentemente pontual (cartas militares 482 e 492) e R. norvegicus uma distribuição mais generalizada (cartas militares 452, 463, 474, 481, 482, 483, 490, 492 e 501). A distribuição de M. musculus sugere uma ocorrência localizada, essencialmente nas cartas militares 481, 482, 483 e 492. No entanto, a mesma poderá ter sido substimada tendo em consideração o facto de se 12 tratar de uma espécie comensal e a armadilhagem ter incidido num reduzido número de áreas intervencionadas pelo Homem (Mapas III, IV, V, VI, VII, VIII, IX e X, em anexo) Biótopos ocupados Para este estudo, a disponibilidade de cada biótopo na área de estudo foi calculada através do seu mapeamento em 11 áreas de caça da coruja-das-torres (Tab. III), de entre as 72 amostras analisadas, devido à indisponibilidade de informação cartográfica digital para as restantes áreas. No conjunto das 11 áreas de caça referidas verificou-se que os domínios de caça da coruja-das-torres são bastante heterogéneos. No entanto, as áreas mais abertas, como os montados (9,95-73,68%: média 39%) e as estepes (9,19-64,68%: média 21%) predominam sobre os matos (0,34-25,89%: média 12%), as áreas urbanas (0,58-33,52%: média 10%), os olivais (0,34-33,43%: média 8%), as galerias ripícolas (0,57-22,10%: média 9%) e as florestas de produção (1,37-8,73%: média 1%). Na análise canónica de correspondências as áreas urbanas foram excluídas, como resultado dos VIFs. O ratinho-caseiro e o rato-de-água, por serem presas pouco frequentes na dieta da coruja-das-torres (Gauch, 1982), e M.cabrerae, por estar ausente nas 11 áreas amostradas, também não foram considerados nesta análise (ver Tab. IV). 13 Tabela III. Proporções (%) dos diversos biótopos presentes em 11 áreas de caça da coruja-das-torres, na área de regolfo de Alqueva e Pedrógão (MONT-Montados, EST-Estepes, MAT-Matos, URBZonas urbanas, OLIV-Olivais, GR-Galerias ripícolas, FLOR-Florestas de produção; significado das outras letras como na Fig.1). BC CC G HT MA MJ MM MN MPC O SC MONT 35,89 47,67 14,89 56,88 47,77 24,10 35,57 73,68 38,40 9,95 48,98 EST 15,45 20,27 64,68 25,36 31,01 20,82 39,99 9,19 20,16 0,00 11,68 MAT 20,66 25,89 0,56 0,17 3,38 20,53 7,11 0,00 0,34 URB 1,31 14,35 8,71 15,10 5,12 0,58 15,60 33,52 7,02 OLIV 18,74 0,36 14,22 0,34 5,99 0,00 0,35 3,40 GR 7,95 3,64 2,01 1,54 1,05 19,46 11,73 16,19 22,10 3,84 0,57 FLOR 0,00 0,00 0,00 1,37 2,09 0,00 0,00 2,17 3,63 0,47 0,00 0,00 0,00 10,53 19,58 33,43 12,18 8,73 Tabela IV. Percentagem de ocorrência (%) das espécies de micromamíferos identificadas na dieta da coruja-das-torres em 11 áreas de caça (significado das outras letras como na Fig.2). BC CC G HT MA MJ MM MN MPC O SC Insectivora C.russula S.etruscus 14,09 9,8 2,4 5,2 3,6 1,8 26,2 3,4 10,8 2,5 3,2 4,3 18,3 4,5 5,1 1,9 24,8 3,0 5,4 2,5 15,0 3,5 Rodentia A.sapidus M.duodecimcostatus A.sylvaticus R.rattus M.spretus M.musculus 1,9 4,5 0,6 39,6 0,6 1,2 33,7 31,9 - 0,2 0,6 11,2 23,5 0,6 6,1 28,7 14,3 2,6 0,7 6,6 25,6 0,7 27,8 14,8 12,6 0,2 0,3 0,6 4,9 0,1 34,1 2,7 2,7 4,4 0,9 24,8 - 0,2 0,4 20,1 0,2 34,7 0,9 40,2 6,4 12,7 0,5 14,0 31,8 0,6 9,6 - Os dois primeiros eixos, referentes à variabilidade espacial da abundância relativa das espécies de micromamíferos, explicam 55% da variabilidade da comunidade e 88% da variabilidade das relações espécie-ambiente. A elevada associação espécies-variáveis ambientais sugere que os biótopos explicam bem as variações da comunidade de micromamíferos. Apenas uma das variáveis apresentou um coeficiente canónico significativo com o Eixo 2 (Montado t = -3.13, p < 0.05). A análise da Figura 2 revela que as variáveis que mais contribuem para a ordenação das espécies no Eixo 1 são as estepes (EST) e, de forma negativa, as florestas de produção (FLOR) e os olivais (OLIV). Relativamente ao Eixo 2, as 14 variáveis montados (MONT) e matos (MAT) são as que mais contribuem, respectivamente negativa e positivamente, para a ordenação das espécies. C. russula e M. spretus parecem associar-se a montados, enquanto que a presença de R. rattus parece estar mais associada a olivais e a florestas de produção. A ocorrência de M. duodecimcostatus é fortemente influenciada pela presença de estepes. A associação de A. sylvaticus a qualquer biótopo não é clara, embora se esboce uma preferência por galerias ripícolas. Este resultado confirma o carácter ubiquista da espécie. Para S. etruscus não é possível fazer qualquer associação clara com os biótopos disponíveis. MAT As GR EST Md Se Cr Rr OLIV FLOR Ms MONT Figura 2. Diagrama de ordenação das espécies de micromamíferos (·) e biótopos ( ) resultante de uma análise canónica de correspondência (As-Apodemus sylvaticus, Cr-Crocidura russula, MdMicrotus duodecimcostatus, Ms-Mus spretus, Rr-Rattus rattus, Se-Suncus etruscus) Espécies prioritárias: Em relação às duas espécies prioritárias, não incluídas nesta análise, as associações aos biótopos só podem ser estabelecidas recorrendo aos resultados das capturas e à localização dos indícios de presença. Verificou-se que as colónias de M.cabrerae ocorriam em locais 15 caracterizados pela presença de gramíneas verdes, alguns juncos e silvas, e com um nível de pastoreio médio. Adicionalmente, confrontaram-se os resultados de um modelo probabilístico de regressão logística com dados de presença/ausência nacionais de M. cabrerae e um mapa de probabilidades de ocorrência da espécie a nível nacional com os dados regionais obtidos. O modelo obteve um bom ajuste aos dados (2 = 49.118; p < 0.0001), explicando 70 % da variabilidade da variável resposta (R2 de Nagelkerke = 0.70) e com uma classificação de presenças e ausências de 84.9 %. Demonstrou-se que esta espécie ocorre em locais com valores médios de insolação (2800 a 3000 h por ano) e de precipitação (700 a 800 mm por ano), e em solos tendencialmente ácidos (pH < 7) (Mathias et al., 1999) (Anexo III). Os resultados deste estudo confirmam as conclusões obtidas a partir do modelo probabilístico, considerando todo o território nacional (Mathias et al., 1999) que apresenta valores de probabilidade de ocorrência mais elevados (90 a 100%) para as áreas onde se localizam as duas colónias do Alandroal e, valores mais baixos (25 a 50%), para as áreas onde ocorrem as duas colónias do Rosário (Anexo III). Por outro lado, de um total de 35 variáveis ambientais analisadas em locais de potencial ocorrência de A. sapidus, 16 apresentaram valores do teste de Mann-Whitney significativos (p<0.05) (Tabela V), indicando a sua influência na presença/ausência da espécie. Assim, o rato-de água encontra-se presente em locais com valores elevados de profundidade do leito e velocidade da corrente, abundância de macrófitos aquáticos, abundância de culturas e ausência de afloramentos rochosos nas áreas envolventes, margens com elevada cobertura herbácea e valores reduzidos de afloramentos rochosos e solo nú. Em termos de vegetação nas margens, pode-se dizer que a espécie está presente em locais de elevada cobertura de juncos e herbáceas altas, baixa densidade arbórea e ausência de loendro. A influência humana traduziu-se na valorização de locais com pouco pastoreio, mais próximos de povoações, e que frequentemente, são locais de lazer ou pesca. 16 Tabela V. Resultados do teste de Mann-Whitney calculado para 35 variáveis ambientais medidas para Arvicola sapidus. Variáveis Média dos níveis (ausências) Média dos níveis (presenças) Teste U p n Regime Profundidade Largura Velocidade Secura Ensombramento Areia “ I l h a ”e r os ã o “ I l h a ”v e ge t a ç ã o Macrófitos Rochas grossas AE afl roch AE matos AE pousio/pasto AE árvores AE culturas Afl roch margem Solo margem Veget. margem Herb. margem Altura herbáceas Arbustos margem Árvores margem Juncus margem Silvas margem Freixo Loendro Sist. radiculares Agricultura Pastoreio Resíduos sólidos Lazer/pesca Acesso facilitado Distância povoação Lontra 413,36 398,99 401,97 399,16 398,94 414,81 403,62 406,42 402,11 389,49 409,77 406,01 414,00 403,46 410,93 399,74 423,16 434,62 382,11 384,69 365,93 410,69 417,71 381,30 406,70 417,05 419,40 408,87 405,56 429,32 414,62 402,10 409,67 423,81 396,00 446,22 433,52 445,64 423,63 390,95 405,35 395,69 433,04 443,90 381,05 386,76 393,77 430,58 404,52 443,61 359,61 319,60 502,82 443,49 503,48 403,10 378,60 484,31 417,03 383,13 374,89 409,45 422,92 338,09 391,62 435,36 408,91 359,48 55419,0 51192,5 53322,0 51298,5 53484,0 54500,5 55515,5 55363,0 55410,0 47808,5 51488,5 53737,0 55014,0 54037,5 56969,5 51668,0 48796,5 41514,0 40710,0 47161,5 35379,0 56710,5 52253,0 42440,5 56323,0 53076,0 51577,0 57703,0 55436,0 44879,0 54622,5 53169,0 57769,0 48772,0 0,3031 0,0051 0,0985 0,0015 0,1824 0,1798 0,9274 0,5212 0,0949 0,0034 0,1332 0,1158 0,2843 0,1582 0,7080 0,0051 0,0006 0,0000 0,0000 0,0018 0,0000 0,6919 0,0374 0,0000 0,5493 0,0333 0,0049 0,9757 0,1650 0,0000 0,2261 0,0179 0,9625 0,0072 818 818 817 818 808 818 807 807 817 802 806 818 818 818 818 818 817 817 817 795 792 817 817 808 817 818 818 817 818 817 818 818 818 818 412,39 399,39 56036,0 0,3792 818 17 Figura 3. Diferentes aspectos de uma área (Alandroal-Redondo) com presença de Microtus cabrerae. Figura 4. Exemplo de uma área (Mourão) onde se realizou um transecto, com presença de Arvicola sapidus. 18 DISCUSSÃO E CONCLUSÕES A comunidade de micromamíferos da área de regolfo de Alqueva e Pedrógão é constituída pela maioria das espécies que potencialmente podem ocorrer a sul do rio Tejo, com excepção do leirão E. quercinus. Deste modo, pode considerar-se que a comunidade de pequenos mamíferos da área de estudo constitui uma amostra representativa da fauna de micromamíferos mediterrânica (Fons et al., 1980). A região mediterrânica caracteriza-se por Invernos suaves, mas com chuvas abundantes, e Verões quentes e secos, que favorecem a formação de uma vegetação esclerófita (Blondel & Aronson, 1999). Os montados, formações florestais bem adaptadas a estas condições são os biótopos mais representados na área de estudo e aqueles que revelaram uma diversidade específica mais elevada. Por outro lado, a acção do Homem (pastoreio, agricultura, fogo) e o abandono dos campos que se tem verificado nas últimas décadas, favorecendo o aparecimento de matos, tem conduzido à formação de um mosaico de paisagens que favorece a definição de um número elevado de nichos ecológicos, o que pode conduzir a um aumento da riqueza e abundância específicas. O rato de Cabrera foi uma das espécies-alvo do presente trabalho. As áreas onde foi detectada a espécie caracterizaram-se por apresentar alguma humidade ao nível do solo, o que permitia a manutenção de uma cobertura de gramíneas densas e verdes durante grande parte da época de estio. A associação desta cobertura herbácea com formações de silvas ou juncos, ou outros arbustos lenhosos, parece ser um requisito importante para a espécie, pois estas formações, para além de proporcionarem refúgio, poderão impedir a acção do pastoreio sobre as gramíneas adjacentes, que constituem o alimento principal de M.cabrerae (Ayanz, s/ data; Costa et al., 2003). Aparentemente, o rato de Cabrera não será directamente afectado pelo enchimento da barragem de Alqueva, uma vez que a área máxima de regolfo não abrangerá nenhuma das colónias identificadas. No entanto, ao nível do impacto indirecto, são de considerar algumas consequências negativas. A construção do empreendimento de Alqueva, irá reflectir-se principalmente em alterações profundas do uso do solo –a expansão das culturas de regadio, de áreas de pastoreio intensivo e de algumas infra-estruturas turísticas (e.g. campos de golfe) - com uma repercussão muito para além da área de regolfo. Estas alterações de uso do solo poderão traduzir-se também num aumento de interacções específicas, com competição por espaço e alimento, um factor negativo para uma espécie 19 como M. cabrerae, que apresenta uma distribuição fragmentada e restrita a biótopos particulares. Sugere-se que a principal medida de conservação a implementar consista num controlo do pastoreio em redor das colónias, uma vez que é na proximidade destas que se encontra uma maior abundância de herbáceas verdes (mais procuradas pelo gado). As actividades agrícolas também poderão ser prejudiciais se incluírem a remoção de vegetação (matos) com máquinas agrícolas. Estas medidas seriam eficazes se as colónias permanecessem todo o ano nos mesmos locais. No entanto, isso não acontece frequentemente, havendo também registos de alterações do uso do solo com consequente deslocamento de colónias para outros locais adjacentes (Santos et al., 2004). As s i m,apr opos t aéumr a i o( “ b uf f e r ” )de protecção de 500 m em redor de cada colónia identificada, com especial incidência nas linhas de água de escorrência ou temporárias. Relativamente ao rato-de-água, verificou-se a importância de algumas características físicas das linhas de água (como a profundidade e velocidade do curso de água), e da vegetação (macrófitos, vegetação e juncos nas margens, altura das herbáceas) e pastoreio na determinação da sua presença. Prevê-se que o enchimento da barragem de Alqueva conduza ao seu desaparecimento em alguns dos locais onde se encontra actualmente. No entanto, mesmo as linhas de água que ocorrem na periferia da albufeira de Alqueva, deverão sofrer alterações ecológicas resultantes de modificações nas práticas agrícolas e de uso do solo, como por exemplo a diminuição da cobertura e altura da vegetação das margens, que poderão trazer consequências negativas para as populações de A. sapidus dessas áreas. Sugere-se que a principal medida de conservação a implementar em relação a esta espécie seja a protecção da vegetação ripícola locais de presença na de estudo e nas futuras áreas de regadio, o que não favorecerá apenas o rato-de-água mas toda a fauna associada a este habitat. No que se refere ao leirão, a ausência de capturas nas várias sessões de armadilhagem, e principalmente o facto de não ter sido identificado nenhum indivíduo da espécie entre um total de 10194 mamíferos-presa constituintes da dieta de Tyto alba, apontam para a não ocorrência da espécie, não só nos montados de azinho, mas também nos restantes biótopos da área de estudo incluídos nas áreas de caça de Tyto alba amostradas. Não é possível saber, no entanto, se esta ausência constitui uma situação recente, traduzindo um declínio continuado da espécie. Com efeito, num estudo realizado no Parque Nacional de Doñana (Espanha), a cerca de 180 km da nossa área de estudo, constatou-se que a espécie, abundante há 20 anos 20 atrás (632 capturas num total de 22740 armadilhas), encontra-se actualmente em acentuado declínio (seis capturas em 11520 armadilhas) (Ruíz & Román, 1999). No que se refere a outros micromamíferos, as amostragens realizadas permitiram a identificação de várias espécies, sendo algumas frequentes e de distribuição generalizada na área de estudo, como sejam, C. russula, M. duodecimcostatus, A. slyvaticus e M. spretus. Estas espécies não possuem qualquer estatuto de ameaça e encontram-se também amplamente distribuidas a nível nacional (e.g. Mathias, 1999), pelo que o impacto da barragem de Alqueva sobre estas não será significativo. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Alves, J.M.; Espírito-Santo, M.D.; Costa, J.C.; Gonçalves, J.H. & M.F. Lousã (1998). Habitats naturais e semi-naturais de Portugal Continental. 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Resultados da análise de regurgitações de coruja-das-torres referentes ao total das amostras recolhidas (* carta localizada na periferia da área de estudo) (n- nº de indivíduos identificados).REVER LEGENDA=armadilhagem Carta Militar Nº de poisos Espécies inventariadas (n) M. c. 3 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 Ar. s. 7 1 1 0 0 0 1 1 0 0 3 1 0 E. q. 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 C. r. 210 37 1 10 0 42 197 113 198 130 67 116 19 S. e. 10 12 0 3 0 11 95 37 71 19 28 97 4 M. d. 192 124 0 1 0 4 27 141 59 259 7 5 37 Ap. s. 125 113 5 16 2 14 185 135 337 99 58 257 18 M. m. 12 4 1 1 0 1 10 6 27 1 27 13 0 M. s. 167 100 6 11 3 63 254 408 428 94 374 735 21 R. r. 1 2 0 0 0 1 1 5 0 0 1 2 0 n total 1086 532 16 50 10 208 1054 1204 1605 736 1053 1837 360 440* 441 451* 452 463 474 481 482 483 490 491 492 501 1 10 1 4 2 3 5 9 10 5 4 15 2 502* 1 0 1 0 63 27 5 27 13 109 1 443 Total 72 3 16 0 1203 414 861 1391 116 2773 14 10194 29 30 rato de Cabrera (Microtus cabrerae) Mapa 1 –Distribuição do rato de Cabrerae (Microtus cabrerae) na área de estudo rato-de-água (Arvicola sapidus) Mapa 2 –Distribuição do rato-de-água (Arvicola sapidus) na área de estudo rato-cego-mediterrânico (Microtus duodecimcostatus) Mapa 3 –Distribuição do rato-cego-mediterrânico (Microtus duodecimcostatus) na área de estudo ratinho-do-campo (Apodemus sylvaticus) Mapa 4 –Distribuição do ratinho-do-campo (Apodemus sylvaticus) na área de estudo ratazana-castanha (Rattus norvegicus) Mapa 5 –Distribuição do ratazana-castanha (Rattus norvegicus) na área de estudo ratazana-preta (Rattus rattus) Mapa 6 –Distribuição do ratazana-preta (Rattus rattus) na área de estudo ratinho-caseiro (Mus musculus) Mapa 7 –Distribuição do ratinho-caseiro (Mus musculus) na área de estudo ratinho-ruivo (Mus spretus) Mapa 8 –Distribuição do ratinho-ruivo (Mus spretus) na área de estudo musaranho-de-dentes-brancos (Crocidura russula) Mapa 9 –Distribuição do musaranho-de-dentes-brancos (Crocidura russula) na área de estudo musaranho-anão (Suncus etruscus) Mapa 10 –Distribuição do musaranho-anão (Suncus etruscus) na área de estudo