Fechar - Revista ADM.MADE

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“Um Estudo Sobre a Violência no Parto no Rio de Janeiro Oitocentista: O
Caso da Princesa Isabel.”
Débora Cristina Carvalho Guimarães, FESBH1.
[email protected]
Resumo: O parto e o nascimento são eventos milenares, culturais, individuais e
familiares, mas, só pouco mais de um século, tornou-se objeto de interesse estudar as
formas de violência ocorridas no parto. No Brasil, em especial no Rio de Janeiro
oitocentista, as gestações e partos da Princesa Isabel, por exemplo, mostram todo o
contexto da medicina, sinalizando o pensamento e comportamentos sociais relativos à
parturição, à construção da medicina no Brasil, às normas públicas que orientavam o
evento parir e toda a metodologia utilizada. Centrando-nos na figura da Princesa
Isabel seus partos intervencionistas, análises sobre suas experiências de parto, e, em
especial, destacamos também, o contexto histórico dos serviços de Saúde no Brasil, e
assinalamos a importância do parto diante da realidade brasileira que separa a
vida familiar e comunitária da mulher, da dicotômica ideia implantada na sociedade
e ambiente médico hospitalar. Sua abordagem nos hospitais, além do conceito do
parto ser frequentemente associado às relações de controle, de alienações e do não
reconhecimento das subjetividades envolvidas nas práticas assistenciais, acaba
configurando violência favorecedora de uma estrutura institucional, caracterizada
pela rigidez hierárquica e técnicas desenvolvidas.
Palavras Chave: Brasil oitocentista, Violência no Parto, Mulher, Sociedade.
Abstract: The parturition and birth both are ancientes events, culture,
individual and familiar, but slightly more than a century it become a object of
interest to study the forms of violence which occurred at childbirth. In Brazil,
especially in Rio de Janeiro nineteenth century, pregnancies and parturition of
Princess Isabel, for example, show all the medical context, signaling the
thought and social behavior relating to parity, the construction of medicine in
Brazil, the public standards that guided the birthing event and the whole
methodology used. Focusing on the figure of princess Isabel, her
interventionist births and analysis about their birth, experiences and especially
also highlighting the historical of the Brazil Health Services and we assimilate
the importance of birth before the Brazilian reality that separates the family and
community life of woman, dichotomous idea implanted in society and hospital
medical environment. Its approach in hospitals, plus delivery concept is often
associated relation control, disposals and the non-recognition of subjectivity
involved in care practices just setting favoring violence of an institutional
framework characterized by hierarchical rigidity and techniques involved.
Keywords: Nineteenth-century Brazil, Violence in childbirth, woman society
1. Introdução
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Hipnoterapeuta Ericksoriana-Institute ACT; Practitioner e Master em PNL - Programação Neurolinguística
Society of NLP™ e Richard Bandler™. Treinadora Comportamental - IFT (Instituto de Formação de
Treinadores)- Graduada em História - UNESA – BH Pós Graduanda em Neurociência Aplicada a Educação,
Pela UNA BH Coautora do livro “Manual do Crescimento” da editora Momentum, lançamento previsto para
Novembro.2015. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/8671782844960990
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Neste artigo estudaremos a questão do parto no Brasil oitocentista, tendo como
exemplo o caso da Princesa Isabel. Para tal, baseamos nos estudos da socióloga e advogada
Anayansi Correa Brenes (1991), que possui diversas obras sobre a questão do parto e da
saúde da mulher. A autora é conhecida também pelo seu ativismo político e militância na
defesa dos direitos das mulheres e da cidadania e é referencia em vários outros estudos e
artigos que consultamos para a realização deste artigo. Ele está dividido em dois blocos: no
primeiro discutimos o processo de constituição do saber médico no Brasil século XIX, que
instituiu a inclusão da disciplina Obstetrícia e Ginecologia, na inauguração das escolas de
medicina e cirurgia, na Bahia e no Rio de Janeiro em 1808, através do edital de D. João VI.
Num segundo momento, exemplificamos as práticas intervencionistas, através da figura da
Princesa Isabel, sinalizando o pensamento e comportamentos sociais no que tange à
parturição, à construção da medicina no Brasil, às normas públicas que orientavam o
evento parto e toda a metodologia utilizada.
Ressaltamos que o período histórico privilegiado neste trabalho refere-se ao
século XIX, quando se percebe a emergência da medicina como área de saber, entrelaçada
a Junta de Saúde pública, um dos primeiros atos do imperador, para organizar a saúde
pública dessa época, tratava-se de uma tentativa totalmente voltada a higienização dos
espaços sociais, ao controle de epidemias por meio de saneamento, inspeção sanitária e
inspeção de portos. E, no caso da ginecologia e obstetrícia, fundamentava-se no combate a
práticas e cuidados tradicionais dos partos, realizadas por mulheres, conhecidas
popularmente como aparadeiras, comadres ou parteiras leigas. (MAIA, 2008 p.28)
Vale lembrar que, a maioria dos trabalhos e livros consultados não hesita em
desqualificar completamente as parteiras e considerar suas práticas como primitivas, em
oposição à sua condição, masculina e culta, de homem civilizado. “Quando da chegada de
D. João VI ao Brasil, o exercício da obstetrícia estava entregue às parteiras, não raro negras
forras” (REZENDE, 1987 p.1-18). A desqualificação das parteiras, leigas, pelos médicos,
em outros contextos, também implicou uma primitivização, fortemente marcada pelo
racismo dessas práticas de assistência que descreviam a sua então rival parteira, no começo
deste século, como imunda e ignorante, recém-saída das selvas da África e como uma
relíquia da barbárie. A análise da construção de uma imagem negativa das parteiras no
século XIX no Brasil passa pelo exame da questão racial. O preconceito da literatura
médica nacional contra as antigas parteiras não estaria relacionado também ao fato de
muitas dessas mulheres serem negras e mulatas, umas escravas, outras recém-saídas do
cativeiro? Certamente essa desqualificação combina a argumentação da superioridade e da
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autoridade de gênero, classe e raça, como mostram (EHRENREICH & ENGLISH, 1973 E
O‟DOWD E PHILLIPP 1994-apud, DINIZ 1997, p.1)
Muito embora, neste estudo discutamos a história da parturição no Brasil, seus
procedimentos, pensamentos, organizações e escolas mostramos também exemplos das
experiências obstétricas da Princesa Isabel. Verificamos que sua figura perpassa pelos
conceitos da época e diferenças sociais e econômicas que separavam a elite social de
pobres e desvalidos. Além disso, buscamos, também, demarcar as mudanças na
administração pública no que tange à saúde no Brasil, em especial, a parturição, sinalizar
as diferenças na medicina em relação ao parto e cuidados com a mulher, discutir as
diferenças sociais, econômicas e as técnicas rudes e os altos índices de infecções que
dizimavam mulheres e crianças. Apesar de várias reformulações, esse sistema implantado
pelas juntas de saúde não alcançou o objetivo de cuidar da saúde da população e, em
especial do parto, que é substanciado no fator intervencionista e domínio do corpo
feminino. Para desenvolver o tema central desse estudo O parto no Brasil, recorremos à
análise bibliográfica, buscando fatos, exemplos vividos pela Princesa Isabel a esse respeito,
destacando o contexto histórico do Serviço de Saúde no Brasil.
A motivação para o desenvolvimento deste trabalho surgiu da participação em
grupos de discussão sobre o parto, tais como: Grupo Parto do Princípio; ONG Bem Nascer;
redes de mulheres usuárias do sistema de saúde brasileiro que lutam pela promoção da
autonomia das mulheres; defesa dos direitos sexuais e reprodutivos, e, em especial, a
maternidade; além do acompanhamento de noticiários de toda mídia que instiga a
curiosidade pelo tema concepção e nascimento. A partir de então, a necessidade de
compreender a origem do tema, o desenvolvimento do pensamento e saber médico levounos ao aprofundamento da pesquisa. A grande surpresa fica demarcada na ausência de
historiadores que tratam desse assunto. Por outro lado, muitos médicos, advogados,
sociólogos, psicólogos, enfermeiros, assistentes sociais, teólogos, filósofos têm debatido e
questionado esse tema, trazendo para a discussão o problema da intervenção no sistema de
ensino da medicina obstétrica, apontando críticas às formas de nascer no Brasil desde sua
constituição.
Foi então a partir desse olhar que nos surgiu a pergunta: como iniciou a
constituição do saber médico no Brasil? E, a partir de que momento, a mulher começou a
ser examinada e atendida por médicos ou em hospitais e clínicas especializadas em
partos? Mas, nossa a pergunta principal é: como a realização de partos pela entrada da
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figura masculina se torna prejudicial á mulher, inclusive conseguindo mudar as formas de
nascer no Brasil?
Desse modo, nosso objetivo geral é entender as formas de partejar no Brasil e as
políticas públicas2 que orientavam o evento, focando no Rio de Janeiro oitocentista,
explorando todo o contexto da medicina e técnicas desenvolvidas ou disponíveis para o
conhecimento médico e procedimentos. Como objetivo específico, pretendemos
compreender, mirando nos partos da Princesa Isabel, o funcionamento público/privado, o
evento procriar em sociedade, e como esses serviços foram implantados pela Junta de
Saúde Pública, que norteava os procedimentos. Pretendemos assim, mostrar o contexto
histórico do saber médico e parturição no Brasil. Para isso, baseamos em estudos de
Anayansi Correa Brenes (1991), Cláudio Bertolli (1999), Cleomenes Barros Simões
(2010), Mary Del Priore (2013) e Mônica Bara Maia (2006) cujos trabalhos se relacionam
com a parturição no Brasil e a Saúde da mulher.
2. A CONSTITUIÇÃO DO SABER MÉDICO NO BRASIL NO SÉCULO XIX
A transformação do Brasil de paraíso a inferno ocorreu em um período curto,
pois, do paraíso descoberto por Cabral até o século XVII, a colônia portuguesa já havia
sido alcunhada de inferno. Era um lugar onde os colonizadores e escravos tinham pouca
possibilidade de sobrevivência, em virtude das dificuldades materiais encontradas na
região e das frequentes enfermidades (BERTOLLI FILHO, 2008, p.5). Em relação a
Colônia até o Império, não existia nenhum tipo de atenção à saúde. Só com a mudança da
Família Real para o Brasil, no século XIX, é que iniciou uma intervenção mínima dos
serviços sanitários nas municipalidades. A realidade social apresentada nessa época eram
doenças graves como varíola, febre amarela entre outras epidemias. Assim, no final do
Império, a organização sanitária era rudimentar e centralizada, incapaz de responder às
epidemias e de assegurar a assistência aos doentes sem discriminação. Não havia
assistência médica pública e os atendimentos eram realizados por médicos particulares que
visitavam pessoas que tinham recursos para pagar, enquanto os desprovidos eram
atendidos por casas de misericórdia, muitas delas mantidas pela Igreja. Desse modo, a
assistência aos pobres ficava sob a responsabilidade da caridade cristã e da filantropia
(PAIM, 2009, p.27, apud ALVES, 2014, p.35). Mas, a chegada da Corte portuguesa ao
2
O termo Políticas Públicas usado neste trabalho, para época estudada, esta associada com o tema Estudos
sobre a Violência no Parto. Precisamos deixar claro que não se usava esse termo. Havia sim uma junta de
saúde pública, que organizava e estruturava todo o contexto. Mas, não exatamente “politicas públicas”. Saúde
Pública é um termo cunhado no Brasil República e nasceu com as políticas de Higienização e controle
sanitários.
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Brasil, em 1808, trouxe mudanças significativas na administração pública colonial. A
administração portuguesa, no Brasil, não se caracterizou de imediato pela organização do
espaço social e visando ao combate às causas das doenças. É no século XIX que deu início
ao processo de transformação política e econômica principalmente no que implicava a
medicina. Foram fundadas academias médico-cirúrgicas no Rio de Janeiro e na Bahia. No
entanto, o país foi capaz de incorporar, na organização de seus programas de saúde, os
elementos teórico-conceituais emergentes que sustentaram a evolução de seus paradigmas
da saúde, considerando os diferentes momentos de seu desenvolvimento social, político e
econômico. (FINKELMAN, 2002, p.14).
Segundo Maia (2008), o modelo de construção do sistema de saúde no Brasil está
posto numa lógica fragmentada, curativa e hospitalar. E, no impacto dessas características,
na administração pública da saúde, a lógica, desde a implantação, da Junta de Saúde
Pública é de monitoramento e permeia a atenção curativa, higienista e, em especial o parto,
buscando formas de intervir ao menor sinal de perigo a vida da mulher. Assim, desde os
primórdios, a assistência à saúde no Brasil constitui um campo dicotômico e de tentativas
de separação, privilegiando a classe médica.
Buscando, então, compreender o modelo de assistência ao parto no Brasil,
constituído de forma a privilegiar e consolidar práticas médico-hospitalares individuais,
financiadas pelo sistema previdenciário em detrimento de ações coletivas de prevenção e
promoção da saúde, deparamos com a criação dos primeiros cursos de medicina, e da junta
de saúde pública no Rio, objeto deste estudo, as práticas eram voltadas exclusivamente ao
combate e controle de epidemias, saneamento, inspeção sanitária e de portos. A propósito,
em sua tese de doutorado, Brenes apresentou importante pesquisa realizada em acervos,
arquivos e documentos que narram como esse processo teve início no Brasil. Segundo ela a
introdução da medicina naquele espaço é articulada num discurso anatomopatológico,
produzindo uma ideia dicotômica a partir da entrada da figura masculina no saber e prática
obstétricas (BRENES, 1991, Pg.137). Basta ver que, desde o momento da sua constituição,
essa arte tem centrado seus estudos no parto e, posteriormente, na gravidez, sobre enfoque
biológico, permitindo a interrupção da gravidez pelo parteiro ou médico parteiro, desde
que algum sinal anatômico indicasse risco de vida para a mulher. Paralelamente a esse
discurso patológico, nasceu um sincretismo terapêutico, substanciado em práticas
populares, como a medicina do curandeirismo. Surgiram assim, experimentos curiosos
como: uso do centeio espigado, sangrias, aplicações de sanguessugas, excitantes e
eletrogalvanismos para abortos, além do frequente descaso e a forte medicalização do
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corpo feminino. Mesmo sem dominar as técnicas como fórceps e a cesariana, com sucesso
para a mulher e a criança durante o parto, a obstetrícia anunciou exclusividade, desde 1840
deslocando seu olhar para questões como sexualidade, higiene, e moral feminina no Brasil.
Sendo assim, na segunda metade do século XIX, a medicina conseguiu se articular em
outras áreas da vida da mulher, produzindo uma nova imagem da mulher na sociedade,
reconhecendo o seu papel com os filhos, como esposa, mãe e dona de casa (BRENES,
1991. Pg.145).
Mas, foi Tosi (1988) uma das primeiras pesquisadoras que buscou compreender o
sistema de saúde no Brasil e marca sua pesquisa estudando os métodos de
acompanhamento a gravidez. Ela procurou compreender como a gestação e o parto são
instituídos e incorporados como prática medicinal e hospitalar. Inicialmente na Europa, nos
Séculos XVII e XVIII, e mais tarde no Brasil, essa prática inaugura o espaço de
experimentações clínicas, articuladas e estruturadas, com a entrada da figura masculina no
saber e prática. Aliás, a formação do profissional (homem) de medicina no Brasil
funcionou precariamente nos primeiro anos do século XIX, a julgar por, toda a agitação
política e movimentos pela independência, abdicação do trono e falta de paz interna
acabaram relegando a formação médica ao segundo plano. E, assim, o ensino de medicina,
carente de aprimoramento, permaneceu assentado na má vontade entre médicos brasileiros
e médicos portugueses. Isso ocorreu porque os médicos brasileiros exigiam a legitimidade
do direito de conferir cartas de cirurgião ou cirurgião mor aos alunos diplomados pelas
escolas brasileiras, e os médicos portugueses queriam que apenas os diplomas expedidos
em Coimbra fossem considerados válidos. Essa questão intensificou a discussão e o
embate pela validade dos diplomas expedidos em Coimbra. Somente em 1826, é outorgado
o direito às escolas nacionais de expedir diplomas e cartas de cirurgiões aos alunos. Senão,
vejamos:
Sendo então implantadas as escolas de medicina no Brasil, a primeira na
Bahia a pedido do barão de Goyana – José Correa Picanço, que falou a D.
João VI da necessidade de se criar um colégio de cirurgia. Este concordou
com a ideia e, em Carta Régia de 18 de fevereiro de 1808, assinada por D.
Fernando José de Portugal, ministro do reino, foi determinando que Picanço
fizesse o plano de curso e que escolhesse entre os cirurgiões do hospital
militar os professores que deveriam ensinar não só cirurgia, mas também
anatomia e arte obstétrica. Para matricula do aluno em ambas as escolas
bastavam apenas que o candidato soubesse ler e escrever. Recomendava-se
apenas: Bom será que entendam as línguas inglesa e francesa. Daí haver
passado a história com o nome de Regime de “bom será”. (SALLES, 1971,
apud BRENES, 1991, p.138).
A segunda escola de medicina no Brasil foi inaugurada no Rio de Janeiro em
1809, instituída pelo decreto de 5 de novembro de 1808, tendo, como docente de medicina
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operatória e arte obstétrica, Joaquim da Rocha Mazarem, licenciado em cirurgia pela
escola cirúrgica do Hospital São José, em Lisboa, ele foi acompanhante da Família Real,
como primeiro cirurgião da nau, Príncipe Real.
Respeitadas as habilidades do aluno, no ato da matrícula e ao final de quatro anos
de estudo, os alunos recebiam uma certidão que alegava estarem prontos para prestar
exames finais perante o físico-mor. Quando aprovados, prestavam juramento ao santo
evangelho e podiam curar onde não houvesse médicos. Nesse ínterim, o ensino oficial de
obstetrícia para mulheres no Rio de Janeiro diploma, em 1834, a mais celebre das parteiras,
a francesa de nascimento Maria Josefina Matilde Durocher ou, simplesmente, madame
Durocher. Ela foi a primeira mulher a receber o título de membro oficial na Academia
Imperial de Medicina em 1871. Curiosamente, Durocher vestia-se como homem, pois,
dizia que exercia uma profissão masculina (SOUZA, 1967 apud BRENES, 1991, p.139).
Entretanto, de 1808, data da implantação do ensino oficial de medicina e escolas
de obstetrícia no Brasil até 1875, após 67 anos da chegada da família Real ao Brasil e da
inauguração das escolas de medicina, os alunos possuíam somente conhecimentos teóricos,
não o prático, devido a falta de condições clínicas, de hospitais e enfermarias preparadas
para receber a mulher. Nesse contexto, foi instalado, no Hospital de São Cristóvão, uma
enfermaria destinada a, receber e acolher parturientes. Ademais, os serviços clínicos e de
partos eram incompletos e defeituosos, não inspirando a confiança das parturientes,
Portanto, poucas grávidas procuravam os serviços. Aos médicos, cabia encontrar um local
adequado para observação do corpo feminino. A ideia inicial seria unir a escola de
medicina e obstetrícia, as clinicas obstétricas e consultórios. Houve, na ocasião, um esforço
enorme dos médicos e professores para construir uma imagem de médico que inspirasse a
confiança da mulher, mas, ainda assim, não conseguiram que elas procurassem o obstetra e
muito menos, que confiassem neles. Desde então, criou-se, no Brasil, um discurso médico,
harmonizando com os demais discursos da sociedade e estratégias, que garantisse a
posição do médico em sociedade. Assim sendo, demarcou-se para mulher, uma vida social
mais intensa, apoiada numa ideia da mulher de sociedade imperial, mais expressiva que a
da sociedade patriarcal colonial. No entanto, esse discurso veio pautado pela sexualidade
feminina descrita a fundo e colocou a mulher no papel de ser frágil, indefeso, inconstante a
quem somente os médicos poderiam orientá-la. É desse discurso que nasceu o mito do
amor materno, da mãe dedicada e boa esposa, da rainha do lar (NUNES, 1846 apud BRENES, 1991, p.145), e
[...] as histéricas, as mundanas, e toda uma série de tipos femininos que
ocupariam a literatura médica e o imaginário social do século XIX. A mulher,
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criada no século XIX, que povoou as páginas de romance nacional,
destacava-se pela sua constituição frágil, débil. Em geral, as mulheres são
muito mais delicadas, mais ternas, mais sensíveis, mais pacíficas. Foram
criadas para serem esposas e mães. Todos os órgãos são delicados, flexíveis
fáceis de excitar e ferir. (NUNES, 1846 apud-BRENES, 1991, p.145)
Em adição, Foucault (1963), em seu pensamento sobre o nascimento da clínica,
diz que o corpo humano na medicina figura como objeto patológico passível de
intervenção ao menor sinal de doença. Centrando-se no panorama europeu, que antecede o
brasileiro, suas análises são totalmente coerentes com o panorama da medicina no Brasil
do Século XIX. Ele inclusive, aponta as mesmas continuidades e falhas, exaltando a
hegemonia dos médicos como único profissional responsável por ordenar e normatizar
questões referentes ao corpo e, em especial, ao corpo feminino. Ele destaca o processo de
medicalização nos hospitais, do parto, da sociedade e dos profissionais inseridos nesse
processo como, parteiras leigas ou médicos formados, os quais veem, esses configurando a
doença como o mal no corpo. E caracteriza o médico como filhos de seu tempo, devido a
incompetência para evitar as doenças dentro de um cenário complexo da medicina, como
esclarece esse trecho:
A coincidência exata do corpo da doença, com o corpo do homem doente é
um dado histórico e transitório. Seu encontro só é evidente para nós, ou
melhor, dele começamos apenas a nos separar, O espaço de configuração da
doença e o espaço de localização do mal no corpo só foram superpostos, na
experiência médica, durante um curto período: o que coincide com a
medicina do século XIX e os privilégios concedidos à anatomia patológica.
Época que marca a soberania do olhar, visto que no mesmo campo
perceptivo, seguindo as mesmas continuidades ou as mesmas falhas, a
experiência, de uma só vez, as lesões visíveis do organismo e a coerência das
formas patológicas, o mal se articula exatamente com o corpo e sua
distribuição lógica se faz, desde o começo, por massas anatômicas.
(FOUCAULT, 1963 p.44).
Mary Del Priore analisa o pensamento social e afirma que doença e culpa se
misturavam no imaginário social e o corpo feminino era visto, tanto pela igreja quanto
pelos médicos, parteiras leigas, enfermeiras e cuidadoras, como nebuloso, obscuro. Era
nesse corpo que Deus e o diabo digladiavam. Qual fosse a doença que atacasse a mulher,
seria interpretada como indício de ira celestial. O aparecimento da figura do médico
(homem) traz conceitos e elaborações de funções no interior do sistema medicinal, fator
que acabou por ultrapassar os limites da medicina e se atrelou a conceitos morais e
metafísicos. Porém todo conhecimento do corpo feminino dizia respeito à reprodução e
também à enorme obsessão em mapear e compreender seu funcionamento (DEL PRIORE,
2012, p.78).
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Nesse contexto, os esforços da medicina em estudar o útero eram proporcional ao
mistério que a mulher representava, sendo ela um depósito sagrado da vida. Inúmeras
estratégias foram usadas para atrair a mulher aos locais de internamento, hospitais e
maternidades, mesmo não conseguindo precisar a data ideal para a consulta satisfatória.
Fato é que, mesmo sendo chamadas pelo médico as mulheres só compareciam em
momento de grande necessidade, e não continuavam o tratamento. Portanto, isso
dificultava muito o trabalho do médico. Por outro lado, o médico carecia da permanência
da mulher no hospital, o único meio de adquirir prática na difícil arte de partejar. Num
último apelo, as consultas, surgiam discursos moralistas e filantrópicos sobre aleitamento
destinado às mulheres de famílias abastadas que utilizavam amas de leite (caso do
abandono infantil), principalmente, pelo desejo feminino de manter o corpo belo, conservar
forma estética pelo medo de perder o marido, argumenta estes autos:
Numa análise de identificação como corpo o gênero torna-se identidade, e
essa identificação é estimulada principalmente nas sociedades
tradicionalistas, logo na mais tenra idade, forçando o indivíduo a assumir um
papel e adotar comportamentos que afetam seu padrão de vida (ECKARTE
TOLLE 2003, p.48).
Como afirma Coutinho (1858), nessa cruzada, a participação do médico foi
significante. Os seus discursos sobre a ausência de leis severas que punissem as práticas de
abortos e infanticídio vieram ao encontro da construção dos dispositivos legais para
enquadramento criminal, antes mesmo da proclamação da Republica. E tais normas
resguardavam os direitos dos médicos de intervirem no processo de gravidez e parto.
Como no pensamento social a respeito do corpo feminino, todo o conhecimento estava
posto numa lógica de dominação, e, assim o doente permanecia à margem dos
acontecimentos (COUTINHO, 1858 BRENES, - Apud 1991, p.148). A propósito, eis o que
diz este trecho:
Desejar-se-ia tentar aqui a análise de um tipo de discurso o da experiência
médica em uma época em que, antes das grandes descobertas do século XIX,
ele modificou menos seus materiais do que sua forma sistemática. A clínica
é, ao mesmo tempo, um novo recorte das coisas e o princípio de sua
articulação em uma linguagem na qual temos o hábito de reconhecer a
linguagem de uma ciência positiva. A quem desejasse fazer o inventário
temático, a ideia de clínica sem dúvida apareceria carregada de valores
demasiado imprecisos; nela provavelmente se decifrariam figuras incolores,
como o efeito singular da doença sobre o doente, a diversidade dos
temperamentos individuais a probabilidade da evolução patológica, a
necessidade de uma percepção vigilante, inquieta com as mínimas
modalidades visíveis, a forma empírica, cumulativa e indefinidamente aberta
do saber médico: velhas noções usadas há muito tempo e que, sem dúvida, já
formavam o equipamento da medicina grega. Nada neste velho arsenal pode
designar claramente o que ocorreu na passagem do século XVIII, quando a
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retomada do antigo tema clínico «produziu», à primeira vista, uma mutação
essencial no saber médico (MACHADO, ROBERTO2001-apud
FOUCAULT, 1963, pg.12, )
O que fica posto então nessa discussão são as mudanças no âmbito social e
familiar, quer na dimensão exógena, quer na dimensão doméstica da mulher salientando
implicações importantes para o universo feminino e, em especial, para o parto. Com efeito,
os motivos complexos de interações sociopolíticas da parturição têm, como resultado, a
coexistência de diferentes quadros e procedimentos institucionais. Com a articulação de
ações e relações totalmente diferentes, na tentativa de organizar as juntas de saúde pública
e procedimentos, nasceram instituições substancialmente transformadas, enquanto que
outras, simplesmente desapareceram como é o caso dos partos em casa acompanhados de
parteiras.
3. A PRINCESA ISABEL E SUA POSSÍVEL ESTERILIDADE: CASAMENTO
POLÍTICA E RELIGIOSIDADE.
O panorama social no Brasil no século XIX, com relação a mulher era
especialmente limitado. A educação oferecida era direcionada ao papel de dona de casa e
objetivava satisfazer o ambiente do lar. A instrução era limitada e dependia da situação
socioeconômica da família. A elas, cabia apenas cuidar dos afazeres domésticos e das
leituras das rezas. Portanto, a educação da mulher era totalmente direcionada ao lar,
criação de filhos e desempenho, com eficiência das tarefas domésticas. Fato é que o espaço
feminino era sempre limitado e reservado. Cabia a elas obediência aos homens, idas à
igreja, os casamentos eram arranjados, e os jovens homens ou mulheres nem mesmo
escolhiam seus parceiros (RIBEIRO, 2006, p.79-84). Segundo D´Incão (2012), a sociedade
brasileira passava por uma série de transformações à época, como a consolidação do
capitalismo, a ascensão da burguesia, a reorganização das vivências familiares, e das
atividades femininas e a grande valorização da intimidade e maternidade. O país era
marcado pelo processo de urbanização. Certamente o panorama da vida da princesa Isabel
não diferenciava desse contexto, mas, filha do representante do governo no país, muitas
vezes era obrigada a assumir os afazeres políticos, assumindo o papel de regente.
O historiador Roderick J. Barman (2003) propõe, em seus estudos, um olhar para
a vida da princesa Isabel, como veículo de compreensão da interação entre gênero e poder
no século XIX. E para tanto, busca analisar, sob uma ótica feminista, a vida da princesa.
Ele enfatiza em seus estudos, as dificuldades das mulheres do século XIX, suas ações
moldadas e inseridas nas estruturas sociais e econômicas criadas por homens aos quais
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eram subordinadas. Fato é que as questões entre gênero e política encontravam imbricadas
na realidade da princesa, para além do seu papel de filha, esposa, mãe e, às vezes, regente.
Ele pôde constatar, nos seus estudos, que a princesa, mesmo tendo acesso a recursos e
poder já que era regente na ausência de seu pai Dom Pedro II, não encontrava abertura para
se afirmar e agir com independência. Era sim, uma mulher extremamente obediente e,
raramente, expressava algum tipo de descontentamento.
Isabel, nascida em 1843, casou-se com Dom Luiz Felipe Maria Fernando Gastão
de Orleans, Cond´eu, num sábado, dia quinze de outubro de mil oitocentos e sessenta e
quatro, então com 18 anos, sobre juramento de seu contrato antenupcial, que continha 22
artigos assinados em onze de outubro de mil oitocentos e sessenta e quatro. Segundo esse
contrato, seus filhos deveriam obrigatoriamente nascer em território do Império, ou seja,
no Brasil. Sendo ela herdeira do trono e, muitas vezes, ocupando a posição de regente, para
além das questões políticas que assolavam o país, recaía sobre o casal a necessidade de um
herdeiro que legitimasse a continuidade da monarquia. Porém, passados quatro anos de
casados, o casal permanecia à espera de seu primeiro filho. Essa ausência afligia a
monarquia e, sobretudo, a princesa. A priori, imaginava-se que ela fosse estéril3· No
entanto, ela se mostrou infértil4. Muitos fatores corroboravam essa tese, como os vários
abortos, fato que a deixava triste e angustiada. Tal situação causava estresse com seu
marido e levou-a à busca de terapêuticas impostas pelos médicos da Corte e mestres da
Academia de Medicina. Muitas foram as viagens em busca de águas ferríferas (contendo
sais de ferro), magnesianas (sais de magnésio) e carbogasosas (gases). A preocupação com
a falta de filhos e a pressão pela continuidade da dinastia assolava o casal de forma
violenta (SIMÕES, 2010, p.18).
Em meio a essa situação, o Brasil conclamava a queda da Monarquia e as ideias
do movimento republicano buscava encontrar seu espaço entre o caos e a confusão. Ideias
liberais e racionalistas empurravam para a destruição da ordem natural desejada (DEL
PRIORI, 2013, p.144). Nesse ínterim, o casal D´eu aproveita a viagem para a França para
consultar especialistas, posto que, no Brasil, exames mais íntimos eram vistos como
indecentes e a medicina ainda era incapaz em obstetrícia. Os cursos de obstetrícia e
ginecologia só foram criados a partir de 1879 e não intervinham nas enfermidades
femininas, pois os alunos possuíam apenas conhecimentos teóricos A aquisição desse eram
impossível, devido falta de condições clínicas, de hospitais e enfermarias preparadas para
3
Incapacidade definitiva de engravidar
4
Incapacidade reiterada de levar um feto viável
13
receber a mulher. Além disso, os serviços clínicos e de partos eram incompletos e
defeituosos, o que não inspirava a confiança da mulher, como destacado anteriormente.
Mas, na França, esse assunto era tratado com bastante seriedade. Até havia uma
pequena bíblia destinada aos jovens esposos, em geral deveria ser lida depois de rezar. Ela
continha conselhos conjugais como retratado a seguir:
A esposa estéril era considerada um ser incompleto que jamais deveria provar
o gosto da conjugabilidade, mas havia outros detalhes, nada de aparecer de
boné na hora de deitar, para os maridos dietas a base de quinino, vinhos
madeira e leite de cabra fresco, Para elas banhos, água e tudo mais que
remetesse a umidade do útero. O que acontecia na cama? Caricias eram
permitidas? Em que posições fazia-se amor? Fazia-se muito ou pouco? Sobre
todos os assuntos, os médicos legiferavam e descreviam em detalhes como
deviam passar o momento solene da concepção. O coito deveria ser rápido,
limpo e eficaz e a esposa devia manter-se em More canino-posição do cãopor vinte minutos. Depois deitar-se lentamente, contraindo as nádegas,
recomendava o best-seller Higiene e fisiologia do casamento. (DEL PRIORE,
2013 p.146)
Passaram-se meses da peregrinação de Isabel: chás, banhos, conselhos bíblicos,
até que a princesa começasse a sentir os primeiros sinais e desconfortos do início da
gravidez. Observada a realidade da coisa (porque, não se falava em gestação ou gravidez,
palavras que remetiam ao coito), Isabel escreveu a seu pai pedindo benção para si e o
netinho. Em resposta, mais preocupações e sofrimentos. Seu obstetra francês, Dr. Depaul,
alertava sobre os perigos de atravessar o oceano Atlântico e o conde D´eu tentava
exaustivamente demover o imperador Dom Pedro II da ideia do nascimento do herdeiro em
solo brasileiro. Solicitou, e até mesmo sugeriu, que o bebê nascesse na embaixada
brasileira. Contudo, Dom Pedro, irredutível, lançava mão do segundo artigo do contrato
nupcial, que dizia que a criança tinha que nascer em território brasileiro.
Devido ao receio e a intransigência do imperador, a questão foi discutida no
Conselho de Estado, e a princesa, grávida de cinco meses, embarcou para o Brasil,
acompanhada do marido. Ao chegar, instalou-se no palácio Laranjeiras, então com oito
meses de gravidez e ali permaneceu à espera do parto.
4. O PRIMEIRO PARTO
Segundo Simões, (2010), 32 dias após o desembarque, no dia vinte e cinco de
julho de mil oitocentos e setenta e quatro, a princesa começou a sentir as primeiras
contrações uterinas ou metrossistoles5. (SIMÕES, 2010, P.32) O seu pai mandou chamar
5
Nome técnico das contrações uterinas durante o trabalho de parto
14
três obstetras,6 além de estar presente uma parteira trazida de Paris pelo conde D´eu. Era
madrugada de vinte e seis de julho de mil oitocentos e setenta e quatro. Haviam se passado
24 horas de trabalho de parto, quando o Doutor Sabóia, Vicente Cândido Figueira Sabóia,
diretor da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, parteiro nomeado e presidente da
Academia Imperial de Medicina no Brasil, também, é chamado para auxiliar. Observou-se
um lento trabalho de parto, perceberam-se movimentação do feto, perda do tampão
mucoso,7 perda do líquido amniótico com mecônio,8 contrações espaçadas, pouco intensas
e de curta duração. Ou seja, esse quadro sinalizava um parto longo, extenuante para a
mulher, dada a exaustão e aumento de tensão emocional, o que inibe, exponencialmente, as
contrações para a expulsão do feto. Esse trabalho resultou em 50 horas de sofrimento e em
óbito fetal, confirmado pelo doutor Feijó e substanciado no sofrimento fetal crônico, o que
ele alegou ter iniciado com a viagem de retorno ao Brasil e acelerado pelas questões
religiosas a que foram impostas à princesa. Isso porque a princesa, ao pisar em solo
brasileiro, cansada, apreensiva com a gestação, deparou-se com um quadro de mudanças e
intervenções, ou seja, o regime de padroado, antes sob o governo imperial, agora
enfrentava uma crise e interdições de membros clericais e maçons. Nessa época, a
maçonaria estava intimamente entranhada na Corte. Esse rompimento institucional criou
um problema de Estado para a Coroa e ameaçou derrubar o governo imperial. Toda essa
questão ficou conhecida como questão religiosa ou questão dos bispos um conflito entre
bispos católicos e a maçonaria. Isso atingia a princesa que era tão apegada e dedicada ao
catolicismo, foi um grande golpe no sentimento da princesa católica (DEL PRIORI, 2013,
p.152)
Mas, voltando ao parto, Isabel encontrava-se agitada, com muita dor, quando o
Doutor Feijó a fez inalar uma pequena dose de clorofórmio. Diante da impossibilidade dos
obstetras presentes conseguirem a expulsão do feto, o Dr. Feijó decide pela craniotomia,
procedimento rotineiro na época. A craniotomia de Smelle consistia na perfuração da
cabeça do feto, com o objetivo de reduzir o volume com a retirada do conteúdo cerebral
facilitando assim, a passagem do polo cefálico,9 para então extrair o feto (SIMÕES, 2010,
p.34).
6
Dr. Feijó, Luiz da Cunha Feijó, Catedrático de Partos, expressão utilizada na época, para professor de obstetrícia, na
Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, e o mais reputado parteiro do seu tempo, tendo sido obstetra da Casa Imperial.
Francisco Ferreira de Abreu, doutor pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro em 1845 e catedrático de medicina
legal e José Ribeiro de Souza Fontes, Médico da Imperial Câmara, conselheiro, cirurgião-mor do exército e coronel.
7
Secreção gelatinosa que fecha o colo uterino durante a gravidez
8
Primeiras fezes eliminadas pelo feto – (SIMÕES, 2010, p.82-87)
9
Refere-se à cabeça do feto
15
Para que esse procedimento fosse feito, antes injetaram água benta no útero da
princesa para batizar o feto. Depois de 50 horas de muito sofrimento, a menina foi retirada
do útero e recebeu o nome de Luísa Vitória de Orleans e Bragança, em homenagem aos
avós paternos (Luiz Carlos Felipe Rafael e Orleans, o duque de Nemours, e Vitória
Antonieta Augusta, princesa de Saxe – Corburgo Gotha). Esse procedimento foi feito após
inúmeras tentativas mal sucedidas de aplicação de Fórceps de Simpson10, instrumento de
dois ramos cruzados ou não, e desarticuláveis, destinado a apreender a cabeça do feto e
extraí-la através do canal pelvigenital, objeto, diga-se de passagem, manipulado inclusive
pelo imperador, em função da exaustão dos quatro obstetras que se revezavam, veja relato:
No começo da noite de 27 de julho, horas amargas! A criança foi batizada
mediante a inserção de uma seringa, cheia de água benta esvaziada no útero:
„Tive a consolação de ver batizada nossa querida filhinha‟, disse Isabel a mãe
Teresa Cristina. Virou anjo ao pé da Virgem, depois extraíram o corpo para
salvar a vida da princesa. A operação chamada Embriotomia 11, valia-se de
ferros, entre os quais um perfurador craniano, para extrair o feto. (DEL
PRIORE, 2013, p.148, grifos do autor)
O que fica claro é que os médicos foram incapazes de dar uma solução ao
problema. Sendo assim, mãe e filha passaram 50 horas em dores e sofrimento. As
manchetes nos jornais traziam anúncios da morte da pequena Luísa Vitória, o infortúnio
dos pais e descreviam o enterro no convento da Ajuda. Isabel encontrou refúgio na igreja,
na fé e na ligação natural entre homens e Deus.
4.1 OUTRAS GESTAÇÕES DA PRINCESA ISABEL
Isabel mudou-se para Petrópolis. Na tentativa de refazer sua vida longe do
imperador e dos afazeres políticos, entregou-se à igreja e ao vilarejo onde via a dicotomia
social entre alemães afrancesados, a verdadeira utopia que o Brasil desejava ser. Ao
mesmo tempo, via um Rio de Janeiro distante dos modelos civilizados europeus:
indivíduos vivendo na sujeira, mau-cheiro da cidade, ambulantes, carroças e bondes
puxados por burros (DEL PRIORI, 2013, p.151-154). Longe dos temas políticos, Isabel
não acompanhou toda a infraestrutura instalada à época no Rio de Janeiro, sua
modernização, nem tampouco o crescimento das vozes de insatisfação que pululavam no
gabinete Rio Branco. O que Isabel também não percebia era que quanto mais se
aproximava da Igreja e bispos, mais essa piedade lhe desagradava. Isso porque muitos
políticos eram maçons e essa questão religiosa demonstrava uma luta entre a posição do
10
11
Instrumento cirúrgico semelhante a uma pinça que extrai o feto do útero
Operação que consiste no corte do feto para retirá-lo do útero materno (SIMÕES, 2010, p.82-87)
16
Papa e a do mundo liberal. Mas, para Isabel, a liturgia ultramontana12, devia pacificar e
aproximar as pessoas e, ainda promover milagres. Todavia um novo milagre acontece: ela
engravidou novamente, sua segunda gravidez e a criança estava prevista para nascer em
outubro de 1875 (DEL PRIORI, 2013, p.153).
Vale lembrar aqui, que, na época em que Isabel enterrou sua filha, anestésicos e
analgésicos começavam a ser descobertos e desenvolvidos na Inglaterra e França e eram
usados para relaxar músculos uterinos, e o uso de clorofórmio estava na moda. (DEL
PRIORI, 2013, p.153). Dessa vez Isabel exigiu a presença do médico que conhecera em
Paris, Dr. Jean Henri Depaul, no entanto, o casal sabia das implicações do convite a tal
médico, recebendo críticas da academia de medicina no Brasil. Considerando que a
medicina obstétrica no Brasil possuía célebres médicos. Toda a argumentação da classe
médica brasileira combatia a vinda do Dr. Depaul, Jean Anne Henri Depaul, Professor à La
Faculté de Médicine et memore de l´Academie de Médicine de Paris. A imprensa
interpretava esse pedido da Princesa como menosprezo à competência dos médicos
brasileiros. O consumado obstetra, o Dr. Feijó, da Casa Imperial, catedrático da Faculdade
de Medicina do Rio de Janeiro, estava apto a atender às necessidades da Princesa na hora
do parto diziam os críticos (SIMÕES, 2010 p.41-42).
A solução desse fato foi o isolamento da princesa e não falar no assunto,
incluindo o imperador. Assim, durante essa gestação, Isabel isolou-se. Tinha medo que o
pai descobrisse e interditasse a vinda do médico, além de ter que suportar os
questionamentos da imprensa, que movia campanhas contra o casal. Mesmo assim,
mandaram vir o Dr. Depaul e sua enfermeira a Sra. Soyer. A chegada do médico trouxe
segurança à parturiente, que, no dia 14/10/1875, entrou em trabalho de parto. Examinada
pelo Dr. Depaul, foi constatado que o feto encontrava atravessado no útero (SIMÕES,
2010 p. 44). Preocupado, pois sabia não conseguir fazer a versão, ou seja, virar o feto de
cabeça para baixo, ou virá-lo para ficar de nádegas apresentação pélvica, o Dr. Depaul
recorre, de imediato, ao competente obstetra, professor Vicente Cândido Figueira de
Sabóia o (Visconde de Sabóia), o qual ele havia conhecido através de seu livro Tratado
sobre Partos escrito em francês, editado em Paris em 1873, e adotado pelas faculdades
europeias. Sabóia compareceu ao palácio e conseguiu fazer a manobra de versão do feto,
que nasceu com auxílio do fórceps, mas sem chorar, deixando a princesa angustiada após
12
Um movimento católico conservador que se expandiu, ao longo do Século XIX, como resposta ao crescimento de
movimentos laicizantes diversos como o Liberalismo, o Socialismo, o positivismos, entre outros, marcados pela defesa de
uma sociedade mais racional e com menor interferência da religião na politica.
17
13 horas de trabalho de parto. Devido a esse sofrimento, a princesa, exaurida, apresentou
febre, língua seca, halitose e pulso acelerado (SIMÕES, 2010, p.47).
D. Pedro de Alcântara, o príncipe de Grão Pará, assim denominado em
homenagem a maior província do Brasil, nasceu pesando 4.555kg, cianótico13, asfixiado,
deprimido, com a face edemaciada, banhado por um liquido amniótico tingido de
mecônio,14 inerte e sem nenhum sinal de vida. Foi então envolto em um lençol e levado
pela enfermeira Soyer para outro quarto. Lá, ela iniciou os procedimentos de ressuscitação:
colocou a cabeça da criança de lado mais baixa que o tronco para facilitar a expulsão das
secreções, fez massagens cardíacas e respiratórias, aspirou a secreção pela boca e narinas
via boca a boca, (tendo em conta que não existam ainda aparelhos aspiradores e
insufladores de oxigênio), fez cócegas com pena de galinha nas narinas e completou com
um banho quente. Após terminar os cuidados com a Princesa, o próprio Dr. Depaul foi ao
quarto e iniciou mais procedimentos a fim de fazê-lo reviver: mais massagens cardíacas,
respirações e palmadas na região plantar dos pés. Finalmente, mais de uma hora após o
nascimento, o bebê chora e é levado aos braços da Mãe (SIMÕES, 2010, p.48).
Devido às manobras obstétricas, principalmente a tração cefálica, imposta com
intuito de desprender o ombro do feto, houve lesão do plexo braquial inferior15 esquerdo,
causando inércia do braço, devido ao esmagamento dos músculos dos ombros, dada a força
empreendida com manobras para o desprendimento do feto. Assim, D. Pedro de Alcântara
ficou conhecido devido essa deficiência de mão seca, mão atrofiada e maneta, trata-se de
um tipo de paralisia obstétrica, em que o indivíduo permanece com o braço, mão e dedos
sempre em extensão denominado paralisia Klumpke.16 Mesmo em meio a tudo isso, uma
nova realidade desponta-lhe a alegria e alívio de ter dado um herdeiro ao trono do Brasil.
Diante de todos esses fatos ocorridos com as gravidezes e nascimentos dos dois
primeiros filhos da princesa, percebemos o despreparo dos médicos em relação às
parturientes. A maneira como eram tratadas, a necessidade de entender os fenômenos
ocorridos no corpo da mulher antes, durante e pós-parto, suplantava o evento, os
sentimentos e percepções. Ademais, o século trouxe, para o atendimento dessa
13
Característica da parte do corpo que se encontra roxa.
Fezes do feto (SIMÕES, 2010, p.82).
15
O plexo braquial é o lugar onde as raízes nervosas da medula espinhal se reúnem e reorganizam antes de
serem redistribuídas para inervar os músculos e a pele do braço. Há cinco raízes envolvidas no plexo, as
quais saem da cavidade torácica inferiormente a clavícula, através da axila. (SIMÕES, 2010, p.87)
16
É uma doença caracterizada pela lesão do sétimo e oitavo nervos cervicais C7 e C8) e do primeiro torácico
(T1). Quando lesados, esses nervos (integrantes do plexo braquial, provocam paralisia dos músculos flexores
longos e da mão, podendo haver perda sensitiva na região ulnar do antebraço e mão) (SIMÕES, 2010, p.87).
14
18
especialidade, a figura masculina, com suas percepções para o ato do parto até então
compartilhado apenas por mulheres. Voltando ao caso de Isabel, uma princesa, portanto,
figura de expressão em nossa sociedade tinha, como peso nos ombros, não somente os
cuidados com filho, mas, também a regência do país. Seu pai lhe deixara um conjunto de
recomendações e em clima pessimista, não obtinha orientações precisas. O gabinete a
ignorava, e não propunham reformas nem a ela nem mesmo aos ministros. Isabel via-se
acuada e achacada o tempo todo pela imprensa, que não se cansava de acusá-la de
sacrificar a dignidade nacional. Tudo isso porque a sociedade dos séculos anteriores
compartilhava crenças e valores comuns que justificavam a Monarquia, mas, nesse
momento também nascia um espirito republicano, que rejeitava a tutela católica e
monárquica como retratado a seguir:
Sem dúvida, a maioria de brasileiros era católica. Mas, sobretudo nas
capitais, a gente não aceitava mais que a igreja coroasse reis, se aliasse aos
privilegiados e fulminasse sua liberdade. A incompatibilidade entre os
valores republicanos-liberdade, igualdade, fé na ciência, secularização da
sociedade, liberdade religiosa e a tradição romana antiliberal e
antidemocrática, que inspirava tanto a lei quanto a moral individual, estava
no centro do conflito (DEL PRIORE, 2013, p.159).
Nesse contexto, Isabel engravidou novamente, era a terceira gravidez e seguia sua
vida embaralhada entre o público e o privado. As tensões aumentavam com a nova
gravidez. Contudo, decidiu trazer o Dr. Depaul novamente ao Brasil, causando mais furor
na imprensa, desgosto na sociedade acadêmica de medicina, que o acusavam de ser criador
de casos e mal educado, tal fato, se deve a uma entrevista dada ao Le Fígaro, em Paris,
quando, então, ele vangloriou-se dos feitos e méritos, sendo descortês com os médicos
brasileiros (SIMÕES, 2010, p.56). Mesmo assim o casal preocupava-se com o bem estar da
princesa e com a vida do bebê. Vale lembrar aqui, uma característica nova se apresentava
na sociedade brasileira: a preocupação com o papel dos homens destinados a serem
maridos, pais e, muitas vezes desempenhar o papel de obstetras. Isso porque os exames
íntimos eram feitos pelo marido que relatavam tudo ao médico presente, para que fossem
tomadas as providências necessárias. Sua intervenção médico-conjugal tinha que ser
higiênica, tranquilizadora, terna. Eles deveriam ajudar as esposas simplesmente evitando
frivolidade e agitações (DEL PRIORE, 2013, p.173). Por si só, esse pensamento legitimava
muitas violências sofridas por mulheres, que, na crença popular, teriam que suportar a
sangue frio e celebrar a dor do parto com resignação e resiliência, numa alusão clara que o
parto era o resultado da punição universal difundida pela igreja: “parirás com dor,” dizia a
Bíblia. Só a Virgem Maria concebeu sem homem e não sofreu dor ao parir.
19
Além disso, havia a questão da dinastia dos Bragança ameaçada no Brasil. Muitas
eram as querelas e embates no governo. A figura do imperador como chefe de governo
trazia definição de um Brasil em crise financeira, econômica, monárquica. A vida do
imperador como chefe de Estado no Brasil sinalizava um governo em declínio, abrindo
possibilidade para novas ideias politicas. Suas constantes ausências colocavam a Princesa
Isabel no papel de regente.
Como vimos, os partos no Brasil oitocentista eram um horror. A parturiente
afundava em agonia e gritos, além de ter que suportar as contrações com valentia. Os
métodos usados pelos médicos brasileiros davam medo, escolhiam e colocavam a
parturiente em posições que julgavam corretas, sem esperar pela dilatação do períneo.
Obrigavam-na a se esforçar demasiadamente provocando rasgos no períneo e útero.
Apoiavam o próprio peso sobre o abdome da mulher a fim de fazer descer o bebê,
ajeitavam-na violentamente usando os dedos como pinça e puxando o feto pelas orelhas,
ou introduziam os dedos na boca da criança e sacudiam de um lado para o outro a fim de
passar os ombros, sem observar se havia circular de cordão umbilical causando
estrangulamento do nascituro (DEL PRIORI, 2013, p.174).
Foi assim com Luiza Vitória, primeira filha, e com o segundo D. Pedro, o que lhe
causou a paralisia do ombro e da mão. Naquele momento, Isabel, além da insegurança com
a gravidez e parto, tinha sobre seus cuidados o Brasil, pois ocupava a posição de regente.
Com efeito, mesmo sem o apoio do pai, mandou vir o Dr. Depaul. Em vinte e seis de
janeiro de 1878, nasceu o terceiro filho do casal Luiz Maria, Philippe de Alcântara Gastão
Miguel Gabriel Raphael Gonzaga, em homenagem ao avô paterno, o Duque de Nemours.
Fora um parto relativamente fácil, apesar das muitas horas de sofrimento e fórceps. Se
comparado aos anteriores, foi um momento muito feliz para o casal. Mas, o Dr. Depaul
partiu de volta para França levando consigo muito insultos da imprensa e da classe médica
brasileira que considerava sua presença invasiva e desnecessária, além de fazer crescer a
insatisfação do público para com a Coroa. Tendo em Conta, que a imprensa interpretava a
vinda do médico como um menosprezo a competência dos médicos brasileiros e acusavam
a princesa de desmoralizar a Pátria. Aventavam a hipótese de que, quando a ela passasse a
majestade imperial, ela entregaria o governo nas mãos de retretas, moças da câmara,
cozinheiros, lacaios, e eles ocupariam cargos de senadores, deputados, ministros e
conselheiros de Estado (SIMÕES, 2010, p. 43).
Contudo, o segundo filho ajudou a consolidar a relação do casal. Seus políticos
acabaram se fechando para um mundo que os hostilizavam. Gastão por ser francês, Isabel
20
por ser considerada incompetente, fraca, beata. Mas, longe do frio formalismo da maior
parte dos casais de elite, eles gozavam de afeição sincera um pelo outro, partilhavam
sentimentos sinceros e desinteressados das alianças dinásticas. Ele, surdo, ela feia, o amor
não foi causa, mas consequência de sua união e isso se tornou uma forma de encontrar
felicidade pessoal. (DEL PRIORI, 2013, p.176).
Em maio de 1878, o casal decidiu partir para Europa, com autorização do
Imperador, para residir dois anos fora do Brasil, em busca de tratamento para o filho D.
Pedro, vítima do segundo parto e conhecido pelo epíteto de mão seca. Assim, o casal
deixava para trás um passado passivo e violento: dois abortos, um natimorto, duas
gravidezes, 18 meses de regência, críticas da imprensa, tristezas, dores, depressões.
Buscavam, também, sossego longe da vida política turbulenta. Estavam então, agora perto
de tudo que a velha Europa oferecia de melhor e foi lá que nasceu o quarto e último filho
do casal. Não muito diferente dos outros, foram 24 horas de trabalho de parto, fórceps e
várias torções a fim de estancar o sangramento da princesa. O casal decidiu voltar ao Brasil
e encontrou o país mergulhado em campanhas pelo fim da escravidão e manifestações
abolicionistas. Até amigos íntimos do casal aderiram às campanhas. Em meio a tudo isso, o
imperador adoeceu. Em situação difícil, alguns mentores escolheram a princesa como
instrumento de ação para pôr fim a todo mal que assolava o país.
A descrição desses fatos reforça a tese, deste estudo, ao utilizarmos, como exemplo
a Princesa Isabel e suas gestações e parto. Vimos como esses acontecimentos se
articulavam na sociedade, mostrando, inclusive, como os abusos no Brasil são crônicos,
caracterizados pela bipolarização entre a medicalização e controle do corpo feminino.
Vimos que a matriz de formação das escolas de medicina no Brasil surgiu substanciada em
pensamentos de dominação. É também a figura de Isabel exemplifica como se articulavam
ciência médica e parturição no Brasil. Mostra a crença segundo a qual doenças eram
derivadas dos pecados cometidos e os cirurgiões eram poucos e mal instruídos. Mostra
principalmente, o conhecimento reduzido no que se referia à reprodução. Ademais,
podemos compreender a maneira como vivia essa sociedade, a organização do pensamento
público, político e também tomar conhecimento dos serviços prestados no atendimento do
parto nas experiências das parturientes, destacando a violação do corpo feminino, seja sob
a forma de maus tratos ou de inadequação de assistência (DEL PRIORE, 2013, p,173).
21
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Iniciando as considerações finais, o parto, tema cada vez mais frequente na
medicina, congressos, artigos e cursos. Isso não nos surpreende. Afinal, o ser humano é o
maior objeto dessa profissão tão antiga e respeitada. (MOACYR SCLIAR, 2011, p.15).
Portanto, tomamos como tema para este trabalho, um estudo sobre a violência no parto no
Rio de Janeiro Oitocentista e o caso da princesa Isabel. Mulher, mãe, esposa, que assume,
por três vezes, a regência do Brasil Império, durante as viagens de seu pai. Nessas
ocasiões, sancionou leis como: a Lei do Ventre Livre, Lei Rio Branco ou Lei Paranhos, até
a Lei Áurea. Foi a única personalidade brasileira a ser agraciada pela igreja católica com a
suma distinção. Recebeu a comenda por seus feitos e por seus atos de bondade.
Com relação à presente pesquisa, percebemos que, “se na ocasião, século XIX, os
médicos dominassem o parto cesariano, a Princesa Isabel não teria tido infortúnios por
ocasião dos seus partos” (SIMÕES, 2010, p. 11). Também não estamos homogeneizando o
processo de parturição no Brasil e Europa. Nosso intento foi localizar o pensamento
médico moderno, relacionando-o com ideias de modernização do Brasil, até porque, o
século XIX foi emblemático para o mundo, pois nesse período surgiram tecnologias,
ocorreram desenvolvimentos científicos. Assim, no Brasil, o século XIX, foi marcado pelo
impacto de grandes transformações que atingiram vários níveis das relações sociais. As
mudanças foram impactantes, estimuladas, principalmente, pelo dinamismo no contexto da
economia internacional, elas alteraram a ordem e as hierarquias sociais, as noções de
espaço e tempo dos indivíduos e os modos de percepção do cotidiano. As pessoas foram
envolvidas num intenso processo de transformações de hábitos cotidianos, de convicções e
percepções, cujas raízes se encontravam na Revolução Industrial.
Com efeito a expansão econômica ao final do século XVIII desencadeou, em
alguns países, transformações amplas, complexas e profundas, reconhecidas por alguns
teóricos como revolução científico-tecnológica. Entre outras práticas, essa revolução
aproximou as descobertas científicas ao cotidiano das populações e estimulou o
desenvolvimento de potenciais energéticos, originando campos de exploração industrial.
Novas áreas do conhecimento floresceram, como: a microbiologia, a bacteriologia e a
bioquímica, que tiveram efeitos substantivos na produção e conservação de alimentos, na
farmacologia, na medicina, na higiene e profilaxia e representaram impacto decisivo para o
prolongamento da vida humana (NOVAIS, 1998, p. 7). Entretanto, o acesso a escolas e
faculdades no Brasil ficava restrito à elite, uma situação que não diferenciava muito do
resto do mundo. Surpreendentemente esses processos nos ajudaram a pensar o modelo de
22
constituição da parturição no Brasil, sem menosprezar a dicotômica realidade relacionada
ao moderno e ao tradicional. Mesmo com o exercício da medicina legalizado, os
consultórios permaneciam vazios e as parteiras sobrecarregadas, consequência também da
condição econômica da família, do cenário da parturição no Brasil que fomentava a
dominação do corpo feminino.
Também verificamos com esse estudo que, em pouco mais de um século o parto
deixou de ser uma experiência familiar e íntima, compartilhada por mulheres conforme
descrevem em diversas pesquisas e estudos antropológicos, para se tornar uma prática
institucionalizada nos hospitais. Os enganos da medicina, de uma sociedade que impunha à
mulher um jugo de moralismo. Afinal, parir e nascer, definitivamente, não são processos
naturais, nem meramente fisiológicos. São eventos sociais e culturais complexos que
envolvem interações entre indivíduos, grupos sociais e organizações (hospitais e
maternidades), com poderes e legitimidade diferenciados. De acordo com Maia (2010, p.
15), „a disputa pelo modelo de assistência ao parto articula uma disputa de politicas
públicas uma disputa organizacional‟.
Isso posto, parto não é somente dor física, nem mesmo devemos ignorá-la ou
minimizar o componente doloroso do parto. O que chamamos a atenção aqui é para as
diferentes formas de cuidar dos nascimentos e os variados tipos de dores a que está
expostas as mulheres, além do fator violência física e verbal. Sendo o ser humano o
principal agente modificador do planeta, a entrada da figura masculina no evento parir
deveria minimizar as dores e sofrimentos da mulher, para além da questão medicamentosa
e tecnológica desenvolvida que procuram amenizá-los. O surgimento das violências e
dominações sobrepõe exponencialmente o fator doloroso. Todos nascem ou vão parir de
alguma forma: as mulheres literalmente, os homens como pais. Devemos atentar para esse
mecanismo como cidadão crítico em busca de um mundo mais justo, menos violento.
Acreditar que todo nascimento é perfeito e saudável significa ignorar milhares de
atrocidades e violências. O que contribui para isso são as sociedades machistas que se
colocam no direito de legislar sobre o corpo feminino. Rios (2003), fala de uma violência
Institucional existente na área da saúde demarcando que decorre das relações sociais
marcadas pela sujeição dos indivíduos, objeto deste estudo retratar o panorama da
parturição no Brasil século XIX, e suas peculiaridades.
Como descrito anteriormente, a entrada da figura masculina no evento, foi causa
defendida por médicos, teólogos, sociólogos, filósofos entre outros, e atrelada à relação de
controle e alienação. O não reconhecimento das subjetividades envolvidas nessas práticas
23
desencadeou essa violência acabando por favorecer as estruturas institucionais
caracterizadas pela rigidez hierárquica. No entanto, o período correspondente à primeira
metade do século XIX é marcado pela evolução e descobertas no campo científico e
médico pela expansão dos hospitais e casas de cuidados e pela organização dessas
instituições.
Em suma, este estudo nos mostra que, a medida que o parto passou a ser objeto de
entendimento dos médicos e controlado pela medicina, esse evento familiar, antes
valorizado por outros tipos de saberes, passou ao controle hospitalar e dos médicos. A
palavra humanizar na área médica, tem se tornado tópico frequente, a julgar pelas
mudanças muito rápidas e as transformações tecnológicas. Estas ganharam destaque,
garantindo diagnósticos precisos, seguros e eficazes, salvando muitas vidas (RIOS, 2003,
p.6).
Por fim, hoje é curioso percebermos que o maior objetivo da medicina é curar. E
que curar vem do termo latino, que quer dizer cuidar. É reportando a história de D. Isabel
Cristina, princesa do Brasil, suas gestações, violências, o panorama politico e social em
que ela estava envolvida, percebemos em sua trajetória, e atualidade comportamentos
semelhantes relativos à parturição no país, ou seja, os mesmos conceitos, acolhimentos e
cuidados dispensados as mulheres. Ainda hoje, mulheres continuam sendo violentadas
física e verbalmente em instituições de saúde. Portanto, a nosso ver, é discutir o assunto
efetivamente de modo a promover mudanças que promovam transformações na dicotômica
ideia entre cuidar e curar, buscando não apenas diminuir, mas sim reprimir ou mesmo
minimizar esse problema.
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