Correio Braziliense – Conflito entre gerações.

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Correio Braziliense – Conflito entre gerações.
2 • Trabalho • Brasília, domingo, 11 de outubro de 2015 • CORREIO BRAZILIENSE
CONFLITO ENTRE GERAÇÕES
Jovem para sempre...
...Ninguém vai ser. Quem não tolera o chefe ou outro colega mais velho por causa da idade precisa lembrar que, daqui a alguns
anos, pode estar na mesma situação. Profissionais mais maduros também devem dar abertura aos novatos na carreira
Ana Rayssa/Esp. CB/D.A Press
» AUGUSTO BERTO
ESPECIAL PARA O CORREIO
ibra o celular no bolso de
Fábio Caires, 25 anos. Ao
pegar o aparelho, o rapaz
começa a digitar palavras
com a velocidade de quem programa o churrasco do próximo
sábado. Mas quem espiasse a
conversa veria que o assunto era
mais sério. Tratava dos rumos do
novo projeto de relacionamento
da empresa de telefonia TIM com
órgãos públicos. Executivo de Relações Institucionais da companhia, Fábio estava cansado de
tantas reuniões presenciais. Sugeriu aos superiores a criação de
um grupo com os colegas no
WhatsApp, aplicativo de troca de
mensagens instantâneas. “Foi um
sucesso. Nenhum veterano tinha
pensado nisso antes. É uma geração acostumada com tecnologia”,
elogia o chefe de Fábio, Leandro
Guerra, 52 anos, diretor de Relações Institucionais da TIM.
Essa história tem desfecho feliz, mas, nem sempre, a relação
entre novatos e veteranos é um
conto de fadas no ambiente de
trabalho. Os chefes — boa parte
deles enquadrados como baby
boomers (acima de 51 anos) ou
geração X (entre 30 e 50 anos) —,
têm formas distintas de ver o
mundo em relação aos jovens subordinados, normalmente integrantes da geração Y (veja quadro). “Embate de ideias entre gerações é inevitável quando o mais
novo julga o mais velho como alguém sem criatividade e com hábitos atrasados. Também é um
problema se o profissional mais
maduro acha que sabe de tudo,
quer implantar a todo custo o
próprio modelo e se fecha para
novas ideias”, analisa Rúbria Coutinho, psicóloga e mestra em administração de empresas pela
Pontifícia Universidade Católica
de Minas Gerais.
Esse contraste entre novas e
antigas ideias se traduz em conflitos dentro da organização. Um
dos maiores problemas ocorre
quando o chefe adota uma
postura autoritária, centraliza
V
decisões e não dá espaço para pitacos dos mais jovens, que pedem para participar. “A geração Y
cresceu conectada a redes sociais, espaços democráticos com
possibilidade de conhecimento
compartilhado. Buscam na empresa um clima parecido”, analisa
a psicóloga Renata Tapioca.
“Há 20 anos, eu tinha que marcar hora com meu chefe para
conversar. Ele ficava em uma sala
fechada, inacessível”, recorda
Leandro Guerra, com diploma
em direito e de engenharia elétrica. Hoje, Leandro tem a própria
sala, mas deixa a porta aberta,
para estimular a entrada de todos. Fábio, mesmo sendo o funcionário mais novo do setor, recebeasmesmasmissõesdosmais
experientes, com poder igual de
palpitar sobre as decisões tomadas. Para o graduado em direito,
ser o caçula do setor tem vantagens. “Eu era muito ansioso para
tomar decisões e ganhei maturidade ao conviver e me espelhar
nos meus colegas. A integração
num time heterogêneo me fez
agregar o que cada um tem de
melhor.”
Expediente
Segundo Heitor Bergamini,
consultor em gestão empresarial, a
demanda por jornadas flexíveis é
uma das principais causas de dores de cabeça em gestores mais experientes. “Passei 30 anos da minha vida trabalhando das 7h30 às
17h30. Cumprir o horário todo era
sinônimo de empenho”, explica
Heitor. “Hoje, a tecnologia proporciona que o jovem trabalhe 24 horas pela empresa. Está em casa ou
no meio da balada e troca e-mail. A
juventude não tem mais hora, mas
tem compromisso”, completa. Na
IBM Brasil, empresa da área de tecnologia, 40% dos funcionários têm
até 29 anos. Lá, os horários são definidos pelos empregados, e o uso
de redes sociais é liberado durante
o expediente. “Trabalho realizado,
não importa se é de dia ou à noite.
O importante é cumprir objetivos”,
pontua o diretor de RH da IBM
Brasil Osvaldo Nascimento.
As ideias de Fábio são aceitas pelo chefe, Leandro (à frente): “Nenhum veterano tinha pensado nisso antes”
Vento a favor
Nas telonas
O conflito entre gerações é
retratado no filme Senhor
estagiário, lançado no
Brasil em 24 de setembro
de 2015. O ator Robert De
Niro protagoniza a película
no papel de Ben Withaker,
ex-executivo de 70 anos
que, cansado da
aposentadoria, volta a
trabalhar como estagiário
em uma movimentada
startup de tecnologia. Jules
Ostin (Anne Hathaway),
jovem presidente da
empresa, fica com receio de
o funcionário idoso não
acompanhar o ritmo do
trabalho. Apesar da
desconfiança, em pouco
tempo Withaker ganha a
admiração dos colegas.
De um lado, profissionais com
décadas de trabalho podem ensinar os atalhos da profissão. De
outro, jovens agregam conhecimentos sobre as parafernálias
tecnológicas e como usá-las para
facilitar os projetos na empresa e
trazem uma visão atualizada dos
conhecimentos técnicos necessários ao trabalho.
Quando Gabriela Hernandes,
20 anos, chegou à escola de educação infantil Ceav Jr, em Taguatinga, passou um aperto
com uma criança de comportamento difícil. “Ele deitava no
chão, chorava, não gostava nem
que eu chegasse perto”, lembra.
Há duas décadas na escola, a
também monitora Rosa Maria
Ribeiro, 49, percebeu a dificuldade da novata. Como conhecia
as manias do menino em questão, explicou para Gabriela a
melhor maneira de abordá-lo.
Após seis meses na empresa,
Gabriela tem o maior apego com
o aluno e usa as mesmas táticas
sempre que algum dos pequenos tem uma birra maior.
“Só de olhar, sei quando a
criança vai ficar com febre. Chega
com aquele olho baixo, aviso logo
para a mãe ficar ligada”, divertese Raimunda Oliveira, 50 anos,
monitora há 19 no Ceav Jr. Ela repassa todas as dicas para Poliane
Stephnie, 20, que ocupa o mesmo
cargo há apenas um ano. “Fico de
olho para aprender tudo. Ela me
ensina sem grosseria, eu a considero uma mãe. Sei que isso vai
ajudar muito o meu futuro profissional”, explica Poliane.
A troca de conhecimento é
uma via de mão dupla para as
monitoras. Quando foram encarregadas de fazer um mural sobre
a obra do pintor brasileiro Romero Britto, Raimunda se desesperou. Precisava de referências, saber as cores usadas por ele. Todas
as dúvidas foram respondidas
após rápida navegação no celular
de Poliane. “Ela apertou os botões e em cinco minutos eu estava com um monte de ideias”, exalta Raimunda.
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Ana Rayssa/Esp.CB/D.A Press
Estabilidade emocional
“Em minhas consultorias, percebo as relações de trabalho no
serviço público mais tensas, porque se acumulam por muitos
anos. Emoções negativas são difíceis de eliminar”, analisou o especialista em desenvolvimento
humano Roberto Aylmer. Mas há
quem prove o contrário.
Na sala da Secretaria de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação, vinculada ao Ministério da
Ciência Tecnologia e Inovação
(MCTI), de longe, é possível ver os
cabelos grisalhos de Jairo Coura,
62 anos. Há oito na pasta, a mesa
dele é ponto de peregrinação entre os colegas, em busca de ajuda.
Seja com a área de energia elétrica, tema do mestrado de Jairo, ou
para tratar de problemas pessoais.
“É uma troca de conhecimento
constante. Ele sabe de tudo!”, exclama Douglas de Oliveira, 29.
“Agora fizemos um grupo de
inglês para treinar o idioma. Todo
mundo se ajuda, independentemente da idade”, declara Tatyana
Aranda, 30. “Todos aqui sempre
me incentivam. Eles buscam fazer novos cursos. Eu também fui
atrás”, conta o veterano.
Mentoria
Para especialistas ouvidos pelo Correio, a melhor maneira de
as corporações estimularem a
boa convivência entre as gerações são os programas de formação
de mentores. A tática consiste em
criar um vínculo entre o funcionário mais vivido e um novato. O
primeiro dá conselhos sobre carreira e orientar o trabalho dos
jovens. Em geral, não há pagamento extra para o mentor.
“Quem é antigo sente sua importância e seu conhecimento reconhecidos e estreita relações com
o mais jovem, que recebe autonomia e confiança para realizar
tarefas”, explica Roberto Aylmer,
especialista em desenvolvimento
humano.
A formação de mentores pode
aproximar as gerações e despertar talentos ainda não percebidos
nos jovens. Durante um projeto
de produção de líderes no Banco
Mercantil do Brasil, funcionários
com menos de 25 anos mostraram grande desenvoltura ao se
comunicar com superiores mais
experientes. O gerente de Capital
Humano da instituição, Márcio
Ferreira, percebeu a aptidão dos
novatos e os colocou para atender beneficiários do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS),
clientes com faixa de idade mais
elevada. “Deu muito certo. O
tempo de atendimento foi agilizado, e recebemos vários elogios
dos usuários.”
As monitoras de educação infantil Gabriela e Poliane (à frente) aproveitam
para aprender com Raimunda e Rosa, que têm muitos mais anos de carreira

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