Cromoscopia com lugol

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Cromoscopia com lugol
Projeto Diretrizes
Sociedade Brasileira de Endoscopia Digestiva
Gestão 2007-2008
Presidente: Dr. Artur A. Parada
Cromoscopia com lugol na detecção do câncer de esôfago
Comissão de Diretrizes :
Presidente: Edivaldo Fraga Moreira
Membros:
Lix Alfredo de Oliveira
Paulo Roberto Alves de Pinho
Walton Albuquerque
Elaboração final: 10 de maio de 2008
Participantes - Capítulo SOBED de Minas Gerais:
Edivaldo Fraga Moreira
Simone Diniz Carvalho
José Celso Cunha Guerra Pinto Coelho
Descrição do método de coleta dos estudos baseados em evidências:
1- Busca bibliográfica nas bases de dados MEDLINE, COCHRANE LIBRARY e
LILACS/BIREME através de descritores gerais e específicos relacionados ao tema;
2- Revisão manual das citações dos artigos selecionados;
3- Classificação dos trabalhos selecionados segundo grau de recomendação e força de
evidência 1:
A- Estudos experimentais e observacionais de melhor consistência
B- Estudos experimentais e observacionais de menor consistência
C- Relatos ou séries de casos
D- Publicações baseadas em consensos ou opiniões de especialistas
Objetivos:
Estabelecer orientações e recomendações práticas quanto à cromoscopia com lugol na
detecção do câncer de esôfago(Carcinoma de células escamosas-CCE):
1- Identificar os pacientes com risco aumentado de CCE de esôfago (grupos de risco);
2- Avaliar se justifica o uso rotineiro da cromoscopia com lugol para a detecção do
CCE esofágico.
Introdução:
O câncer de esôfago é a oitava neoplasia de maior incidência no mundo 2(B), sendo
o carcinoma de células escamosas (CCE) o tipo histológico predominante em 95% dos
casos 3,4(B) 5,6(C) 7,8(B).
A incidência do câncer de esôfago varia consideravelmente em relação à localização
geográfica. As maiores taxas ocorrem no norte da China, Irã e áreas da Ásia Central, onde a
prevalência pode chegar até a 760 casos por 100.000 habitantes 5,6(C) 8,9(B). Nos países
ocidentais, a taxa média de incidência é de 1 a 5 casos por 100.000 habitantes 9,10(B). No
Brasil, o câncer de esôfago consta entre as dez neoplasias mais incidentes e as maiores
taxas são observadas no estado do Rio Grande do Sul 4(B) 5(C). Segundo dados do Instituto
Nacional do Câncer (INCA), a estimativa do número de casos novos de câncer de esôfago
para o ano de 2006 foi de 10.580, sendo 7.970 e 2.610 casos ocorridos, respectivamente,
em homens e em mulheres 11(D).
O CCE de esôfago predomina no sexo masculino (3,6:1) e entre a 5ª e 7ª décadas de
vida 3,9(B) 12(D). É uma das neoplasias de pior prognóstico devido à detecção tardia, pois
90% dos casos se encontram em estado avançado quando se manifestam os sintomas, e os
resultados terapêuticos são ruins nesta fase, com taxa de sobrevida em 5 anos abaixo de
15%. No sul do Brasil, a taxa de mortalidade é de 14,3 e de 4,2 para cada 100.000
habitantes, respectivamente para homens e mulheres 4(B), e, segundo dados do Ministério
da Saúde, de 1979 a 2004, a taxa de mortalidade por câncer de esôfago em homens
brasileiros aumentou em 11,52% 13(D). O prognóstico, por outro lado, melhora
significativamente quando se faz o diagnóstico em estágios precoces da doença, com taxas
de sobrevida em 5 anos de até 95% 2-4(B) 6(C) 7-10(B) 12(D) 14, 16(B).
Existem diversos fatores de risco descritos para o CCE do esôfago entre eles, a
idade avançada e história familiar de câncer, sexo masculino, exposição a nitrosaminas,
injúria térmica por bebidas quentes, deficiência de micronutrientes (riboflavina, retinol,
ácido ascórbico, alfatocoferol, selênio, magnésio, zinco), dieta pobre em frutas e vegetais
frescos e radiação. O abuso de álcool e tabaco, a associação com doenças conhecidas, tais
como tumores primários de cabeça e pescoço, lesões cáusticas do esôfago, acalasia, tilose e
Síndrome de Plummer-Vinson são os fatores de risco mais frequentemente analisados nos
trabalhos científicos 2,3(B) 6(C) 8-10(B) 12(D) 14(B) 18(C) 19(B) 20(D).
O grande desafio é estabelecer o diagnóstico do câncer precoce de esôfago em
pacientes assintomáticos, nos quais as alterações macroscópicas são difíceis de serem
encontradas, assim como avaliar os métodos de rastreamento em indivíduos com maior
predisposição ao aparecimento do câncer, já que o screening para esta neoplasia na
população geral não é justificável. A detecção precoce do câncer de esôfago permite
equacionar alternativas terapêuticas endoscópicas ou cirúrgicas, tendo em vista a cura da
doença 9(B) 12(D) 16(B) 20(D) 21(B).
Diagnóstico endoscópico do câncer de esôfago:
A endoscopia digestiva alta tem sido indicada para o diagnóstico de displasia e de
câncer precoce de esôfago em pacientes com risco aumentado, embora estas lesões se
apresentem como alterações sutis de cor e/ou relevo da mucosa, na maioria das vezes
imperceptíveis ao exame convencional 7,14(B) 17(C) 21(B). Contudo a acurácia diagnóstica
do exame melhora de modo significativo quando são associadas técnicas complementares
como a cromoscopia 2,4,7,8,10(B) 12(D) 16(B) 18(C) 21(B) 22(C) 23(B) 24(C).
A cromoscopia realizada durante a endoscopia corresponde a técnica de aplicação
tópica de corantes na superfície mucosa, sob visão direta e através de cateter inserido no
canal acessório do aparelho, permitindo evidenciar alterações mínimas da arquitetura
epitelial, definir corretamente seus limites e orientar as biópsias endoscópicas. É técnica
segura, de fácil realização, eficaz e de baixo custo. O corante a ser utilizado deve ser
escolhido de acordo com suas propriedades físico-químicas e com os objetivos do exame
endoscópico 4,7,10,21(B) 25(D).
Cromoscopia com lugol
Técnica
O corante mais utilizado para a avaliação diagnóstica do CCE de esôfago é o lugol,
uma a solução obtida através de diluição de partes iguais de iodo livre (1,2%) e de iodeto de
potássio (2,4%) em água bidestilada (c.s.p. 100 ml), com concentração final entre 2 e 3%,
preferencialmente. O lugol é um corante de absorção (vital) que penetra no meio
intracelular através de difusão e absorção pela membrana e reage com o glicogênio contido
nas células do epitélio escamoso não queratinizado do esôfago, corando-as em tonalidades
de marrom de moderada a forte intensidade. Áreas com displasia ou câncer, que são pobres
em glicogênio, não se coram ou se apresentam mal coradas ao exame (áreas iodo-claras ou
iodo-negativas), tornando-se alvos de biópsias orientadas para esclarecimento diagnóstico.
Deve-se lembrar que algumas lesões não neoplásicas podem também não apresentar
coloração clássica ao lugol, motivo de redução da especificidade do método, como nas
erosões, ulcerações, epitélio de regeneração, hiperceratose, edema, atrofia, mucosa gástrica
ectópica e epitélio de Barrett 17(C) 21(B) 25(D) 26(B).
A solução de lugol foi utilizada inicialmente por Schiller, em 1933, para diagnóstico
de carcinomas cervicais uterinos em estágios iniciais, já que o epitélio normal do colo
uterino, que contém glicogênio, corava-se fortemente de marrom, enquanto que, diante de
processos patológicos, havia áreas claras ou não coradas cujas biópsias levavam ao
diagnóstico anátomo-patológico da lesão 27(B). O uso do lugol em endoscopia digestiva,
por sua vez, foi introduzido em 1966 como um importante artifício técnico para o
diagnóstico precoce do câncer esofágico e de suas lesões precurssoras em pacientes com
maior predisposição à doença 28(C), embora, nos dias atuais, a técnica ainda não seja de uso
corriqueiro na prática clínica 19(B).
A técnica da cromoscopia com lugol consiste nas seguintes etapas 17(C) 21(B) 25(D)
26
(B):
1. avaliação endoscópica cuidadosa da mucosa antes da aplicação do corante;
2. instilação de água na luz esofágica para retirada de muco e secreções, sem
necessidade de uso de mucolíticos;
3. passagem de cateter tipo spray pelo canal do endoscópio e instilação de 10 a 50
ml de solução de lugol (média = 20 ml), em concentração de 1 a 3% (a maioria
dos estudos emprega solução a 2%), iniciando a aplicação próximo à junção
esofagogástrica, com progressão retrógrada até esôfago proximal, o que permite
distribuição homogênea do corante sobre a mucosa;
4. aguardar 2 minutos após aplicação, lavar com água a mucosa para retirada do
excesso de corante e aspirá-lo;
5. avaliação da mucosa para identificação de áreas iodo-claras ou iodo-negativas,
que devem ser biopsiadas (mínimo de dois fragmentos) com pinça endoscópica
para confirmação histológica.
Vantagens 7,8,10(B) 12(D) 17(C) 21(B) 22(C)
1. técnica simples, rápida, segura e de baixo custo;
2. alta sensibilidade (77-100%) 2(B) 4,5(C) 7,8(B) 16(B) 17(C) e alto valor preditivo
negativo (95,8%) 4(C) da técnica para identificação de lesões displásicas e
neoplásicas, características que a torna método adequado para rastreamento de
doenças;
3. auxilia na melhor definição das margens e extensão da lesão;
4. orienta a realização de biópsias endoscópicas.
Desvantagens
1. indicação precisa e impacto do método ainda não foram amplamente
estabelecidos 8,26(B);
2. baixa especificidade (15-63%) 2(B) 5(C) 7,8(B) 16(B) 17(C) devido à alta
prevalência de alterações inflamatórias esofágicas decorrentes da doença do
refluxo 26(B) que podem se apresentar como áreas iodo-claras ou iodo-negativas.
Efeitos adversos 16, 21, 23(B) 24(C)
1. pirose;
2. desconforto e/ou dor retroesternal;
3. erosões e/ou ulcerações no esôfago e/ou estômago;
4. espasmo esofagiano imediatamente após aplicação do corante;
5. broncoespasmo, se instilação do corante próximo ao esfíncter esofágico superior
e conseqüente aspiração;
6. contra-indicação relativa em pacientes com hipersensibilidade ao iodo ou em
doença tireoideana descompensada.
Os efeitos irritativos do corante sobre a mucosa esofágica são minimizados com o
uso da solução de lugol mais diluída (1%) ou instilação endoscópica de 20 ml de solução de
tiossulfato de sódio a 5% sobre a mucosa, imediatamente após término do procedimento 23
(B).
É aconselhável a proteção de vias aéreas se houver necessidade de estudo minucioso
do esôfago proximal 21(B).
Grupos de risco para câncer de esôfago(CCE) e avaliação de
benefícios da cromoscopia com o lugol no diagnóstico:
Câncer primário de cabeça e pescoço
Os pacientes com tumores malignos primários da região de cabeça e pescoço estão
mais predispostos à ocorrência de uma segunda neoplasia primária no trato aerodigestivo,
fenômeno este explicado pela exposição repetida a carcinógenos, principalmente álcool e
tabaco, que levam a mutações genéticas repetidas e ao surgimento de lesões tumorais
29,30
(B) 31(C).
Estudos prospectivos em pacientes com tumores malignos primários da região de
cabeça e pescoço submetidos à endoscopia mostram que a incidência de neoplasia de
esôfago sincrônica e/ou metacrônica é relativamente elevada, variando de 2,5 a 13,9%, e
explicada, em parte, pela presença de fatores de risco comuns a estes dois tipos de tumores
6
(C) 13(D) 18(C) 23(B) 32(B) 33,34(C).
A taxa de sobrevida dos pacientes com tumores malignos primários da região de
cabeça e pescoço dois anos após o diagnóstico de um segundo tipo de neoplasia, em
especial de esôfago ou pulmão, é em torno de 10%, justificada pelo estágio avançado destas
lesões quando são descobertas 35(C).
O uso da cromoscopia com lugol para estudo do esôfago em pacientes com tumores
malignos primários da região de cabeça e pescoço foi pioneiramente realizado por Shiozaki
et al (1990) 30(B), em estudo prospectivo com 178 pacientes tratados do tumor inicial. Foi
realizada endoscopia com uso de lugol e observada ocorrência de carcinoma superficial do
esôfago em 5,1% dos casos. A partir daí, vários autores têm recomendado o uso da
endoscopia digestiva alta associada à coloração com lugol em portadores de tumores
malignos primários da região de cabeça e pescoço devido à alta sensibilidade do método
para diagnóstico de displasia ou carcinoma esofágico quando presentes.
Ina et al (1994) 33 submeteram 127 homens com câncer de cavidade oral e/ou de
orofaringe a cromoscopia com lugol, identificando oito casos de câncer esofágico
assintomático (6,3%), sendo que cinco deles (62,5%) não foram detectados pela endoscopia
convencional, sugerindo o uso da solução de lugol para detecção de câncer precoce
esofágico neste grupo de pacientes 33(C). Tincani et al (2000), em estudo prospectivo no
nosso meio com 60 pacientes com tumores de cabeça e pescoço avaliados através da
cromoscopia com lugol, evidenciaram áreas iodo-claras no esôfago em 55% dos casos (n =
42 lesões), sendo que 5 delas (8,3%) eram compatíveis com carcinomas superficiais, outras
5 lesões (8,3%) com displasias e as restantes 32 lesões tratavam-se de esofagite (n = 22),
epitélio de Barrett (n = 3) e achados inespecíficos (n = 7) 17(C). O screening endoscópico
com solução de lugol evidenciou carcinoma e displasia de esôfago em 12,7% e 6,6%,
respectivamente, em 134 pacientes com tumores primários de cabeça e pescoço no estudo
de Tanabe et al (2001) 31(C). No estudo de Muto et al (2002), em 389 pacientes com
tumores malignos primários da região de cabeça e pescoço, 54 (13,9%) tinham câncer
esofágico sincrônico. Daqueles que apresentavam lesões esofágicas de formato irregular e
maiores que 10 mm de diâmetro ao exame endoscópico (18,8%), esta incidência elevava
para 54,8%. Das lesões esofágicas sincrônicas diagnosticadas através do uso de lugol, 94%
delas lesões eram superficiais 18(C). Hashimoto et al (2005)7 mostraram que a endoscopia
convencional foi semelhante à cromoscopia com lugol para a detecção de câncer avançado
do esôfago em pacientes com tumores primários de cabeça e pescoço, porém com
sensibilidade muito baixa para diagnóstico de neoplasia intra-epitelial de alto e baixo graus,
respectivamente de 55% e de 33% 7(B).
Em estudo multicêntrico, Dubuc et al (2006)16(B) avaliaram 1095 pacientes através
da cromoscopia com solução de lugol, sendo 393 deles portadores de tumores primários de
cabeça e pescoço ou traqueobrônquicos. A prevalência de lesões esofágicas cancerosas e
displásicas neste grupo foi de 9,9% (39/392). Houve detecção de lesões adicionais após a
cromoscopia com lugol em 17 destes 39 pacientes(43.5%), em especial de lesões
displásicas de baixo e alto graus(83%), ou seja, 15 lesões a mais em um total de 18
detectadas. Neste estudo, observou-se maior acurácia diagnóstica do método quanto mais
precoces eram as lesões esofágicas favorecendo melhora do prognóstico através de
tratamento precoce e/ou acompanhamento adequado 16(B). Este aumento da sensibilidade
da endoscopia digestiva associada ao lugol para detecção de displasia de alto grau e de
câncer (CCE) justificaria, segundo os autores, a inclusão deste grupo de pacientes em
programas de rastreamento endoscópico com o uso do lugol 16(B).
Nestes pacientes portadores de tumores primários de cabeça e pescoço, a historia de
etilismo e tabagismo, a frequencia de associação de doenças hepáticas e problemas
respiratórios e de tratamento radioterápico, são fatores que certamente reduzem as
possibilidades terapêuticas no CCE de esôfago. No entanto, o prognóstico destes pacientes
quando submetidos ao screening endoscópico parece ser melhor que nos não submetidos.
O tratamento endoscópico minimamente invasivo pode ser realizado. Também,
negligenciar a associação do CCE de esôfago após um tratamento intensivo destes
pacientes com câncer de cabeça e pescoco parece ilógico. Apesar de favorecer o
tratamento, não há dados significativos do efeito deste screening na mortalidade destes
pacientes.16(B).
Segundo o guideline da ASGE( American Society for Gastrointestinal Endoscopy) 65
publicado em 2006, sobre conduta em lesões pré-neoplásicas do trato gastrointestinal, a
vigilância endoscópica com cromoscopia com lugol nos pacientes portadores de tumores
primários malignos da região de cabeça e pescoço é útil em detectar câncer precoce e
displasia no esôfago. No entanto, não existem trabalhos suficientes para recomendar esta
vigilância de rotina .Uma única endoscopia poderia ser indicada para identificar câncer
esofágico sincrônico nestes pacientes. Ainda neste guideline, afirma-se que apesar de pouca
evidência do benefício em especial na sobrevida, vários autores recomendam endoscopias
periódicas nestes pacientes.65 (B).
Etilismo-Tabagismo
O álcool e o tabaco são os principais fatores de risco para CCE de esôfago. O
consumo combinado destas drogas é freqüente e apresenta efeito sinérgico para
desenvolvimento do tumor e proporcional à freqüência e à duração do hábito 9,10(B) 22(C)
36-38
(B). O risco relativo para a ocorrência do câncer de esôfago em indivíduos que fazem
uso concomitante de álcool e tabaco é mais elevado (44 vezes), em comparação ao uso
isolado de cada um (6 vezes) 37(B).
O uso crônico do álcool predispõe ao surgimento de neoplasia de esôfago por
diferentes mecanismos, entre eles 36,39(B):
1. lesão da mucosa pelo álcool, favorecendo maior absorção de carcinógenos;
2. indução de enzimas microssomais, entre elas o citocromo P-450, e ativação
metabólica dos carcinógenos;
3. ação dos carcinógenos intrínsecos do álcool;
4. co-fator nas deficiências nutricionais presentes no etilista pesado, as quais agem de
modo sinérgico com outros fatores de risco para propiciar o aparecimento do câncer
esofágico.
O tabaco não é fator de risco obrigatório para o desenvolvimento de lesões displásicas e
neoplásicas no esôfago de etilistas pesados, porém estes indivíduos tendem a ser também
fumantes, favorecendo esta relação sinérgica 3(B). A exposição ao fumo apresenta risco 10
vezes maior de CEE de esôfago em fumantes pesados (> 30 cigarros/dia), quando
comparados a não fumantes 40(B).
Os indivíduos etilistas e tabagistas são considerados um grupo de risco para o
desenvolvimento de CCE de esôfago. O benefício do uso da cromoscopia com solução de
lugol como método de screening para a detecção deste tumor em etilistas pesados que se
submeterão à endoscopia deve ser avaliado. Em estudo de coorte com 629 homens
alcoólatras (média de consumo de 125 g/dia de álcool por 28 anos), submetidos à
cromoscopia com lugol, 25,8% apresentaram áreas iodo-claras no esôfago (162/629), sendo
que em 3,3% destes pacientes (21/629) estas lesões foram compatíveis com câncer (todos
superficiais). Vale salientar que o consumo concomitante de tabaco ocorreu em mais de
86% dos casos (média de 24 cigarros/dia por 33 anos) 3(B). Meyer et al (1997) 22 avaliaram
153 pacientes com consumo de mais de 80 g/dia de álcool por mais de 15 anos ou mais de
40 g/dia de álcool associados a consumo de mais de 15 pacotes de cigarro/ano, nos quais
foi identificada uma prevalência de câncer de esôfago de 8,2%. Neste estudo, o valor
diagnóstico da cromoscopia com lugol foi quase idêntico ao da vídeoendoscopia
convencional. Por outro lado a cromoscopia com o lugol foi bastante útil para avaliação
precisa dos limites e extensão das lesões suspeitas 22(C). Em nosso meio, Fagundes et al
(1999) 4, com o objetivo de avaliar o uso do lugol para rastreamento de CCE de esôfago,
selecionaram 190 homens expostos por mais de 10 anos a três fatores de risco conhecidos
para este câncer: álcool (ingestão acima de 80 g/dia de álcool), tabaco (consumo superior a
10 cigarros/dia) e mate (usuário de mais de 500 ml de mate/dia). Cerca de 91,5% destes
pacientes apresentaram endoscopia sem alterações ao exame convencional. Áreas iodonegativas foram identificadas à cromoscopia em 12,2% deste grupo (23/188), com presença
de displasia em seis pacientes (6/23). Lesões esofágicas iodo-claras apresentaram 7,97
vezes mais chance de serem displásicas, quando comparadas às áreas bem coradas após o
uso do lugol. A cromoscopia com biópsias múltiplas dos grupos com (n=23) e sem áreas
iodo-claras (n=165) mostrou sensibilidade de 46%, especificidade de 90%, valor preditivo
positivo de 26% e valor preditivo negativo de 95,8% para o rastreamento do CCE esofágico
neste trabalho 4(B). No estudo multicêntrico de Dubuc e col. (2006), foram avaliados
pacientes com pancreatite alcoólica (n = 76), com cirrose alcoólica (n = 218) e em uso
concomitante de álcool e tabaco (n = 408). O screening endoscópico permitiu o diagnóstico
de carcinoma em 3,2% dos pacientes com cirrose alcoólica (7/218) e em 1,7% do grupo
usuário de álcool e tabaco (7/408). Displasia de alto grau foi evidenciada em nenhum destes
grupos estudados, enquanto displasia de baixo grau esteve presente em 4,1% (9/218) e em
1,2% (5/408) dos pacientes com cirrose alcoólica e nos etilistas-tabagistas,
respectivamente. Após a cromoscopia com lugol, houve detecção de lesões adicionais em
apenas 2% destes pacientes (14/702).
Os autores concluem então, que se no grupo de pacientes com tumores primários de
cabeça e pescoço, devido à maior prevalência de carcinoma e/ou displasia de alto grau
(9,9% deste grupo X 4,5% do grupo de etilistas/ etilistas-tabagistas), pode haver beneficios
do rastreamento endoscópico através de cromoscopia com lugol, no grupo isolado de
pacientes etilistas/tabagistas, não há benefícios16(B).
Tilose
A tilose é uma doença rara, do tipo autossômica dominante, cujo defeito genético
encontra-se alocado na região cromossômica 17q25. É caracterizada por espessamento das
superfícies palmar e plantar associado a lesões orais e mostra penetrância completa em
torno de 20 anos de idade 20,41(B) 42(D).
O defeito genético afeta a estrutura filamentar do epitélio escamoso estratificado, o
que justifica o fenótipo de hiperceratose palmoplantar, assim como alteração da integridade
do esôfago e maior suscetibilidade deste órgão aos agentes carcinogênicos ambientais 41(B)
42
(D).
São descritas duas apresentações clínicas da doença: tilose tipo A, de início tardio,
entre 5 e 15 anos de idade, associada à incidência elevada de câncer de esôfago (27%), e
tilose tipo B, de aparecimento precoce, no primeiro ano de vida, não associada à doença
maligna 43(C).
A incidência estimada de CCE de esôfago em pacientes com tilose do tipo A é de
95% quando atingem 65 anos 44(C). A média de idade de surgimento do tumor é de 45
anos, com localização preferencial no esôfago distal 43,44(C).
Estudo de Ashworth et al 41 em 29 pacientes portadores de tilose, seguidos
regularmente com endoscopia e biópsia, mostrou que a inflamação aguda é a alteração
predominante no epitélio esofágico, evidenciada em faixa etária mais jovem, ao contrário
da displasia, observada nos casos de idade mais avançada 41(B).
Ainda não existem estudos na literatura que definem a melhor estratégia para
seguimento deste grupo, embora alguns autores recomendem a investigação endoscópica a
partir dos 30 anos de idade a cada 1 a 3 anos, nem tampouco para recomendar o uso
rotineiro de cromoscopia com lugol para screening de CCE de esôfago nestes pacientes
42
(D) 43,44(C).
Esofagite cáustica
Cerca de 1 a 4% dos pacientes com câncer de esôfago apresentam história de
ingestão de substâncias corrosivas, principalmente soda cáustica 47(C). Estudo de Kirivanta
48
mostrou que a incidência de neoplasia esofágica é de 21% após 24 anos da ingestão e de
31% após 30 anos de ingestão 48(B).
A média de idade dos casos de CCE de esôfago secundários à ingestão cáustica é
mais baixa, em torno de 50 anos, quando comparada aos demais pacientes sem este fator de
risco 45(B) 46(C).
O período entre a ingestão de corrosivos e o aparecimento do carcinoma esofágico
varia de 10 a 71 anos, com média entre 30 e 40 anos 45(B) 46,47,49(C). O menor intervalo de
tempo (10 anos) refere-se a uma criança que ingeriu ácido muriático aos 10 meses de idade,
indo a óbito após esofagectomia devido à progressão da doença 49(C). Pacientes com
estenose esofágica de etiologia cáustica desenvolvem tumor cerca de 46 anos após a
ingestão, sendo que não há correlação entre o grau de estenose e a chance de desenvolver o
câncer 50(C).
O diagnóstico deve ser pensado em pacientes com acidente cáustico que, após
período latente assintomático ou oligossintomático, iniciam com disfagia, apresentam
resposta ruim ao tratamento endoscópico com dilatação e/ou desenvolvem sintomas
respiratórios. Mais de 80% destes tumores são encontrados na área de bifurcação bronquial
do esôfago, provavelmente devido à estase alimentar e lesão do epitélio que ocorrem ao
nível do segmento estenosado. A infiltração traqueobronquial predispõe à ocorrência de
fístula traqueoesofágica 47(C).
O prognóstico do CCE de esôfago secundário à ingestão de corrosivos é melhor do que
o dos demais tumores de esôfago e se deve a 45(B):
1. idade mais jovem dos pacientes;
2. diagnóstico mais precoce, já que os sintomas obstrutivos aparecem mais
rapidamente devido ao esôfago estenosado;
3. a estenose esofágica é circundada por tecido cicatricial, que dificulta a disseminação
do tecido tumoral.
Até o momento, ainda não há na literatura orientação consensual para abordagem destes
pacientes, inclusive quanto ao emprego da cromoscopia com lugol. Hirota et al
recomendam que o seguimento endoscópico convencional neste grupo deve-se iniciar 15 a
20 anos após a ingestão cáustica, com exames periódicos a cada 1 a 3 anos 20(D).
Acalasia esofagiana
A prevalência de CCE de esôfago em pacientes com acalasia varia de 0,4 a 9,2%,
sendo o risco de aparecimento do tumor neste grupo de 7 a 33 vezes maior que na
população geral 51,52(B) 53-55(C).
A explicação fisiopatológica para a ocorrência do câncer de esôfago na acalasia está
na esofagite crônica secundária à estase prolongada e consequente supercrescimento
bacteriano 54(C). Estudo de Pajecki et al 55(C) mostrou que os microrganismos
Staphylococcus sp, Corynebacterium sp, Peptostreptococcus sp e Veillonella sp
identificados no líquido de estase são aqueles capazes de reduzir os nitritos ingeridos na
dieta em nitratos. Estes, por sua vez, reagem com aminas e amidas também provenientes da
dieta, e acumuladas no conteúdo de estase e levam à formação de compostos N-nitrosos de
ação mutagênica. A maior incidência de tumor em megaesôfagos mais dilatados justifica-se
deste modo, embora haja necessidade de mais estudos para confirmar esta afirmação.
O câncer de esôfago é diagnosticado tardiamente nestes pacientes devido à
atribuição dos sintomas apenas à acalasia por longo período de tempo e, quando
descobertos, geralmente são irressecáveis 53,54(C). A duração da sintomatologia da acalasia,
antes da confirmação do tumor esofágico, é no mínimo de 15 anos, com média de idade ao
diagnóstico entre 48 e 71 anos 55(C).
Ainda não há consenso quanto ao risco preciso da degeneração maligna na acalasia
esofagiana e qual seria o acompanhamento mais adequado para estes pacientes.
Meijssen et al 1(B) acompanharam por 15 anos 195 pacientes com acalasia tratados
através de dilatação endoscópica pneumática. Três pacientes(1.5%) desenvolveram CCE de
esôfago, com média de idade de 68 anos. O período entre o início da disfagia e o
diagnóstico do tumor foi de 17 anos, enquanto que o tempo entre o diagnóstico da acalasia
e do câncer esofágico foi de 5,7 anos. Sandler et al 52(B), avaliando 1062 pacientes com
acalasia, mostraram que o câncer de esôfago ocorreu em 24 deles(2.3%), com média de
idade ao diagnóstico de 71 anos. Embora tenha sido observado risco elevado de câncer
esofágico neste grupo, os autores questionam se o seguimento endoscópico melhoraria
sobrevida destes pacientes.
Streitz et al 53(C) encontraram uma prevalência de câncer de esôfago em 241
pacientes com acalasia de 3,7%, incidência de 88:100.000 indivíduos e risco de
desenvolver o tumor 14,5 vezes maior que na população geral. Devido à baixa sobrevida
pós-ressecção do tumor e ao diagnóstico tardio do mesmo nos pacientes com acalasia, o
estudo recomenda seguimento endoscópico ou citológico neste grupo.
Loviscek et al 54(C), dentre 76 pacientes com acalasia, realizaram cromoscopia com
lugol nos 18 casos que apresentavam megaesôfago e doença com mais de 10 anos de
evolução. Áreas iodo-negativas foram encontradas em 10 dos 18 pacientes, sendo que em 4
deles observou-se carcinoma. Nos 58 pacientes restantes do grupo estudado, câncer
esofágico foi detectado em 3 casos, sendo dois deles em estágio avançado. A prevalência
global de câncer de esôfago no estudo foi de 9,2% e, entre os casos de acalasia prolongada,
foi de 18,9%. Os autores concluem que a acalasia com mais de 20 anos de evolução e
megaesôfago com estase alimentar significativa devem ser considerados fatores de risco
para desenvolvimento de câncer esofágico e, neste grupo, o acompanhamento endoscópico
com lugol ou citologia é justificado 54(C). Portanto, com este nível de evidência científica,
não se pode recomendar a cromoscopia de rotina neste pacientes.
Yamamuro et al 56(C) realizaram também cromoscopia com lugol em 64 pacientes
com acalasia. A endoscopia convencional não evidenciou lesões displásicas nesta série, no
entanto, o uso do lugol permitiu detecção de áreas iodo-claras em 11 dos 64 pacientes,
sendo que em um deles o diagnóstico foi de neoplasia intra-epitelial. A cromoscopia com
lugol permitiu realização de biópsias dirigidas nas áreas iodo-claras e, segundo os autores,
este procedimento foi útil para evidenciar o câncer precoce de esôfago.
Em 2006, Yamamuro et al 57 estudaram 20 peças de esofagectomia de pacientes com
acalasia e compararam os achados macroscópicos da mucosa corada com lugol com as
alterações histológicas encontradas nos espécimes. À macroscopia, sem lugol, foi
observado irregularidade da mucosa em 19 dos 20 casos, sendo dois deles compatíveis
com tumor avançado. Após uso do lugol, áreas iodo-negativas foram detectadas em 5 das
19 peças, macroscopicamente definidas como úlcera (1 caso), irregularidade superficial da
mucosa (2 casos) e neoplasia (2 casos). À avaliação histológica, observaram-se uma caso
de úlcera, dois de câncer de células escamosas, 1 de epitélio de Barrett e outro de esofagite.
A histologia do restante da mucosa corada das peças de esofagectomia revelou focos
mínimos de neoplasia intra-epitelial em 4 casos. Os autores concluem que o exame
macroscópico da mucosa esofágica com lugol falhou em identificar focos diminutos de
câncer precoce. A mucosa corada não exclui risco de câncer de esôfago nos pacientes com
acalasia 57 (C). Segundo o guideline da ASGE( American Society for Gastrointestinal
Endoscopy) 65(C) publicado em 2006, sobre conduta em lesões pré-neoplásicas do trato
gastrointestinal, a vigilância endoscópica nos pacientes com acalasia é controversa e apesar
de não haver demonstração evidente de benefício, vários autores recomendam endoscopia
periódica após 15 anos de sintomas.
Síndrome de Plummer-Vinson
A Síndrome de Plummer-Vinson ou Paterson-Kelly é definida pela tríade clássica
de disfagia, anemia ferropriva e membrana esofagiana. A incidência e prevalência da
síndrome ainda são pouco conhecidas, sendo extremamente rara nos dias atuais, mas o seu
reconhecimento é importante porque identifica um grupo de pacientes com risco elevado de
desenvolver CCE de esôfago e de faringe 58(D).
A maioria dos pacientes é constituída por mulheres brancas com idade entre a 4ª e 7ª
décadas, apesar de já ter sido descrita em crianças e adolescentes 58(D).
A disfagia é geralmente de leve intensidade, intermitente e insidiosa, limitada a
sólidos e algumas vezes associada à perda de peso corporal. Sintomas atribuídos à anemia,
como fraqueza, mal estar, palidez e taquicardia, podem dominar o quadro clínico. Outros
achados nestes pacientes são glossite, queilite angular e aumentos de fígado e tireóide
58
(D).
A patogênese da doença é desconhecida e o fator etiológico mais provável é a
deficiência de ferro, que levaria a perda de enzimas ferro-dependentes devido ao turnover
celular rápido, com degeneração da mucosa e formação de membranas, embora outros
estudos mostrem que esta deficiência não é obrigatória na formação das membranas. Outros
fatores etiológicos envolvidos são a desnutrição, predisposição genética ou processo autoimune 58(D).
A síndrome é um fator de risco para CCE de esôfago em 3 a 15% dos pacientes, em
geral nas mulheres entre 15 e 50 anos 59(D). Seguimento endoscópico anual deste grupo de
pacientes é sugerido por Hoffmann e Jaffe 60(C), embora a eficácia desta recomendação
necessite de maiores estudos, inclusive para indicar uso rotineiro ou não de cromoscopia
com lugol neste grupo.
Mate e bebidas quentes
O uso de mate ou chimarrão, uma infusão quente popular feita com folhas secas da
erva Ilex paraguayensis, é um possível fator de risco para câncer do trato aerodigestivo na
América do Sul, onde taxas elevadas de incidência são observadas, como no sul do Brasil,
Uruguai e nordeste da Argentina. Este hábito é comum em áreas com maior incidência de
câncer esofágico e não é comum nas outras áreas com menor incidência 61-64 (B).
Há dois prováveis mecanismos etiopatogênicos envolvidos no aumento do risco de
desenvolver câncer de esôfago em usuários de mate. O extrato da planta contém substâncias
carcinogênicas ou promotoras intrínsecas, além de já terem sido identificados derivados
fenatrênicos, incluindo o benzopireno, nas frações químicas do mate, que se mostraram
mutagênicos. A outra hipótese é a ação da injúria térmica no esôfago, decorrente do
consumo crônico de bebidas muito quentes, que potencializa a carcinogênese na mucosa
esofágica, especialmente quando associada ao álcool e tabaco 61-64 (B). Um fator em que
ainda não se observou um consenso na literatura é a quantidade de mate consumido, assim
como a já referida temperatura da infusão 62(B).
Jotz et al 64(B) compararam a histologia da mucosa aerodigestiva de 65 ratos que
ingeriram mate em temperatura ambiente com um grupo controle e observaram alterações
estatisticamente significativas nos exames anátomo-patológicos entre os grupos, indicando
que o consumo de mate afeta o epitélio do trato aerodigestivo.
Ronco et al 61(B), em entrevista a 350 pacientes com diagnóstico de câncer de
esôfago, selecionaram 73 casos de pacientes consumidores de mate e que não eram etilistas
ou tabagistas. Neste grupo de pacientes com câncer de esôfago, 50 casos eram de
carcinoma de células escamosas e diagnosticados através de exame endoscópico
convencional.O mate foi um fator de risco independente para câncer esofágico, pois se
excluiu os possíveis fatores de confusão do consumo do álcool e tabaco.
Castellsague et al 63(B) compararam 830 usuários de bebidas quentes, incluindo o
mate (mais de 1 litro/dia), com 1779 casos controles e relataram risco de desenvolver
câncer de esôfago 2 a 7 vezes maior nos indivíduos que ingeriam mais de 1,5 litro/dia de
mate em temperatura elevada e 2 a 4 vezes maior naqueles que faziam uso de outras
bebidas quentes, quando comparados ao grupo controle.
Estudo de Barros et al 62(B), através de entrevistas em uma amostragem de
população sob risco para CCE de esôfago, sem investigação endoscópica, pesquisaram os
hábitos da ingestão da infusão de mate. A maioria dos indivíduos entrevistados bebia mate
diariamente (97,2%), em consumo médio diário de 1265 ml e a temperatura média de 63,4
°C. Foi possível evidenciar no estudo que o mate é consumido em grandes volumes e em
alta temperatura, podendo este último fator estar contribuindo para a carcinogênese
esofágica.
Freitag et al5(B), avaliaram um grupo de 1160 pacientes do sul do Brasil com risco
aumentado de CCE de esôfago através de citologia esfoliativa obtida com o uso de balão
específico esofágico. Destes pacientes, 96 assintomáticos mas com achado de alterações
citológicas(atipias) foram selecionados para endoscopia com cromoscopia com lugol. Os
fatores de risco para neoplasia, sem quantificar, foram: ingesta de mate quente em
87(90.6%) pacientes, tabagismo em 53(55.2%) e etilismo diário em 22(22.9%). Áreas
iodo-negativas foram observadas em 64/96(66.7%) e com alto índice de diagnóstico de
displasia em 7/64(10.9%).Importante relatar que a endoscopia convencional prévia
mostrava mucosa normal em 44 destes 64 pacientes(69%). Nos mesmos 96 pacientes
quando as biópsias foram realizadas em áreas homogeneamente coradas diagnosticou-se
displasia em apenas 2.1%, com valor preditivo negativo de 98%. Os autores concluiram que
a cromoscopia com lugol deveria ser considerada nestes pacientes de risco de CCE de
esôfago.
Cromoscopia com lugol na detecção do câncer de esôfago
Recomendações:
1. A cromoscopia com lugol apresenta alta sensibilidade (77-100%) e alto valor
preditivo negativo (95,8%) para identificação de lesões displásicas e neoplásicas
esofágicas(B, C).
2. A técnica apresenta baixa especificidade (15-63%) devido à alta prevalência de
lesões não neoplásicas que podem também não apresentar coloração clássica ao
lugol(áreas iodo-negativas) principalmente as erosões, ulcerações, epitélio de
regeneração, mucosa gástrica ectópica e epitélio de Barrett (B, C).
3. No grupo de risco para o CCE de esôfago constituido pelos pacientes portadores de
tumores primários malignos da região de cabeça e pescoço, o seguimento
endoscópico com cromoscopia com lugol, apesar de controverso em função de
pouca evidência do benefício em especial na sobrevida, é recomendado por vários
autores em função de:
• Incidência elevada de segunda neoplasia maligna sincrônica e/ou
metacrônica nestes pacientes, em especial de câncer de esôfago (2,513,9%) (B, C);
• Acurácia no diagnóstico do câncer precoce e displasia (B, C)
possibilitando tratamento mais precoce das lesões e com melhora do
prognóstico.
4. Nos outros grupos de risco:etilistas-tabagistas, tilose, esofagite cáustica, síndrome
de Plummer-Vinson, acalasia esofagiana e usuários de chá mate, não há evidência
científica que fundamente o uso rotineiro da cromocopia com lugol para detecção de
câncer precoce de esôfago(CCE) devido à ausência na literatura de estudos
consistentes com número significativo de casos estudados (B, C).
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