controle - Unu Soluções
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CAMINHOS PARA EQÜIDADE: CONTROLE SOCIAL E PARTICIPAÇÃO NA REGULAÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS Élvia Fadul1 INTRODUÇÃO Apesar de o Brasil não ser considerado um país pobre e de, nas últimas décadas, ter havido uma melhoria relativa no padrão da pobreza no país, a concentração de renda, ou a intensa desigualdade na sua distribuição ainda conduz a elevados índices de pobreza. A redução desta pobreza vem sendo tentada pela via do crescimento econômico, deixando em segundo plano as alternativas de combate às taxas elevadas de desigualdade, mas esta estratégia, que não ataca as causas da desigualdade, não tem se mostrado eficaz, traduzindo-se em uma pobreza histórica e crônica, que por si só já exclui parte significativa da população do acesso às condições mínimas de dignidade e cidadania. Dignidade e cidadania, no âmbito deste texto, podem ser traduzidas, de modo concreto, em condições adequadas de vida e bem estar social, que são normalmente garantidas pelo acesso a serviços básicos e essenciais. Esses serviços essenciais necessários à sobrevivência do grupo social e à vida em comunidade, tradicionalmente chamados públicos, fundamentados no Direito Administrativo e providos e gerenciados pelo Estado, tinham como premissa o atendimento às necessidades básicas de salubridade urbana, com a possibilidade de acesso universal. Em que pesem algumas injustiças redistributivas, discriminações e exclusões, esse modelo de organização dos serviços públicos ampliou a capacidade de oferta e fez funcionar, durante mais de meio século, os centros urbanos no país. Mas esse modelo foi 1 UNIVERSIDADE [email protected] FEDERAL DA BAHIA/NÚCLEO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO/NEPOL: substituído, em alguns setores, pela transferência dessas atividades, até então promovidas e executadas pelo setor público, para mega investidores do setor privado através de privatizações de empresas e serviços. O Estado também substitui seu papel de produtor direto de bens e serviços pelo de promotor e regulador. Cria-se um novo padrão de relação entre setor público e setor privado que vai afetar fundamentalmente a área urbana. As privatizações se tornam o fio condutor do objetivo de tornar a economia competitiva, levando as cidades a se transformarem em palco de projetos empreendedores que procuram atrair o interesse de grandes investidores, criando uma imagem de cidade mercado, contrapondo-se, da certa forma, aos ideários do ativismo democrático que caracteriza a cidade democrática. As cidades e seus serviços básicos são oferecidos no mercado nacional e internacional a partir de vantagens competitivas e de grandes oportunidades de negócios. As cidades se fazem competitivas de modo a estimular a entrada de novos investimentos e setor privado amplia seu espaço e se fortalece, mas as perdas sociais são grandes e precisam ser compensadas. Quais são as conseqüências estruturais que esses processos de privatização podem produzir no funcionamento de serviços tradicionalmente gerenciados pelo setor público e quais são os efeitos dessas transformações sobre os cidadãos, que são os clientes desses serviços e, consequentemente, que relação podemos estabelecer com a desigualdade social e com a pobreza? A primeira conseqüência é um fenômeno de exclusão ainda maior do que o historicamente já existente, provocado por uma tendência das empresas privadas beneficiarem os grandes clientes com avanços tecnológicos e tarifas diferenciadas, deixando os pequenos consumidores cada vez mais distantes dos serviços essenciais, tendo que pagar caro por um serviço básico. A segunda conseqüência é que esse processo vai ampliar, ainda mais, a desigualdade das oportunidades de inclusão econômica e social dessa população. A terceira conseqüência é que a insuficiência de renda ou a escassez agregada de recursos pode reduzir, cada vez mais, a taxa de cobertura do serviço e os níveis de serviço – o que já era observado mesmo quando a produção do serviço era exclusivamente pública. A questão que aqui se coloca é saber que esforços são possíveis para o aumento da eqüidade, considerando-se o cenário em que se inserem, hoje, as cidades e os seus serviços 2 públicos? Apenas a regulação formal e institucional da forma como foi estabelecida pelo Estado é suficiente para manter o papel social dos serviços? Quais seriam outras modalidades possíveis de controle social dos serviços? É possível a introdução de formas não predatórias de associação público/privado? Considera-se que há, ainda, um relativo consenso quanto ao papel do Estado na formulação de políticas para redução de desigualdades, pelo menos no que tange aos serviços essenciais à sobrevivência dos cidadãos. Por isso, o grande desafio é justamente conseguir o estabelecimento de um novo compromisso social que combine democracia com eficiência econômica e justiça social. Ou seja, o desenvolvimento de estruturas de intermediação e de regulação capazes de conciliar os interesses privados de autoreprodução econômica com princípios de qualidade, equidade e universalidade na prestação do serviço, que garantam o papel social dos serviços. É o que este texto pretende discutir, ainda que consciente de que, no estágio atual de construção do conhecimento acerca dessas questões, seguramente serão levantadas muito mais dúvidas e questionamentos, do que propriamente, elementos de resposta. Estas respostas, certamente, o tempo e as investigações em curso deverão aportar. O texto inicia mostrando a natureza da relação que se estabelece entre Estado e sociedade com o surgimento dos serviços públicos ao longo do século passado. Em seguida, discute as implicações das mudanças na lógica de produção que criam formatos de inserção ou de exclusão dos cidadãos. Por fim, analisa alguns dos instrumentos institucionais gerados no âmbito das agências reguladoras que permitem uma maior participação da comunidade, procurando encontrar possibilidades de se desenvolver um controle social sobre as agências reguladoras, que possa corrigir os descompassos entre lucratividade e função social dos serviços públicos, em prol da manutenção de valores de eqüidade social e territorial e da coesão social. ESTADO E SERVIÇOS PÚBLICOS: UMA COMBINAÇÃO QUE DEU CERTO Fazendo uma rápida incursão pela história para situar a criação dos serviços públicos, institucionalmente providos e executados direta ou indiretamente pelo setor público, percebe-se que esses serviços, quando foram criados, tiveram um papel social e 3 institucional importante no desenvolvimento das sociedades contemporâneas, no sentido de viabilizar o funcionamento do aparato produtivo, estimular a reprodução da força de trabalho, e na manutenção da ordem social. Mas tiveram, também, um papel preponderante na redefinição da concepção do Estado, até então dominado pela idéia de poder e soberania. Com a emergência dos serviços públicos, o Estado não aparece mais como um poder absoluto e soberano, mas como uma instituição com determinadas finalidades como prestar serviços com o objetivo de satisfazer o melhor possível as necessidades do público. Passa a intervir no funcionamento da economia de mercado visando atenuar as flutuações conjunturais, sustentar grandes setores, reduzir as tensões e preservar a coesão social, substituindo a iniciativa privada na implantação de infra-estruturas necessárias ao desenvolvimento (hidroelétricas, ferrovias, estradas) e assegurando serviços de interesse coletivo no campo social e econômico (abastecimento de água, energia elétrica, serviços de limpeza, saneamento, transportes, dentre outros). Os serviços públicos, vão, assim, redesenhar a imagem do Estado e redefinir a natureza de sua relação com a sociedade na medida em que o Estado deixa sua posição de distanciamento soberano e passa atuar diretamente na gestão social, procurando responder ao conjunto das demandas que visam satisfazer as necessidades dos grupos e ao bem-estar e a felicidade de seus administrados. A provisão pública desses serviços vai conferir legitimidade às missões de bem-estar social, de segurança e proteção que os serviços públicos procuram garantir, como as que visam tornar os serviços essenciais acessíveis aos usuários ameaçados de exclusão; como as que, para além da luta pela exclusão, contribuem para a coesão social e para o sentimento de pertencimento; como as que visam favorecer uma utilização eficaz e equilibrada do território e dos recursos humanos. O acesso aos serviços públicos passa a ser importante para fazer funcionar uma sociedade, sendo um fator que contribui para reforçar a coesão econômica e social, e os serviços públicos passam a ser pilares de sustentação da construção estatal e das relações que se produzem em torno do Estado, amarrados pela estrutura do direito que o rege. Essas novas atividades do Estado movidas pelo interesse público, sob a crença de que o caminho para promover a solidariedade social passa pelo Estado, devem funcionar de acordo com princípios radicalmente diferentes dos das empresas privada. Em outras palavras, a provisão dos serviços públicos pelo Estado consegue estabelecer uma distinção forte entre a gestão pública e a gestão privada, fazendo com que a primeira, socialmente 4 mais eficaz, se sobreponha e ganhe uma superioridade moral sobre a segunda, voltada apenas para o lucro e para a sua reprodução econômica. A gestão pública é ressaltada em termos de suas virtudes - superioridade moral, altruísmo, possibilidade de satisfação de necessidades coletivas, de redução das desigualdades sociais, de ser capaz de criar mecanismos redistributivos promovendo o acesso dos desprovidos aos bens e serviços, contrapondo-se aos vícios da gestão privada.2 A ESSÊNCIA E O UNIVERSO DOS SERVIÇOS PÚBLICOS Os serviços públicos passam a ser os meios capazes de prover a proteção e a segurança de indivíduos e de grupos sociais, a integração, estabilidade, eqüidade, contribuindo para atenuar tensões ligadas à diferença de condições, satisfazendo as necessidades de todos e construindo uma sociedade mais justa e mais humana. Tornaramse tão familiares nas sociedades contemporâneas que todos terminaram por se acostumar com sua existência e disponibilidade como um fato natural e evidente, como sendo um direito de todos e um dever do Estado, criando o mito do Estado protetor que em função de uma missão de interesse coletivo, intervém na vida social para colocar os serviços ao alcance de todos. Segundo CHEVALLIER, (1987, p. 19), o eixo central do funcionamento dos serviços públicos cristaliza-se, no início do século passado, em torno de três princípios: de « continuidade », de « igualdade » e de « mutabilidade » sistematizados por L. Rolland. Eles existem para satisfazer as necessidades do público e devem funcionar de modo regular e contínuo, em condições iguais para todos. Suas regras de funcionamento devem poder ser modificadas à qualquer momento pela autoridade competente. Mas a noção de serviços públicos é uma noção difícil de compreender sobretudo neste momento em que os próprios serviços passam por uma evolução considerável. Devese admitir que este conceito se forma e se deforma ao longo de sua evolução, e pode sofrer mutações no curso da história ou, no mínimo, adquirir nuances diversificadas, novas características. CHEVALLIER, (1987, p. 3) também confirma esta constatação de que la notion de service publique est difficile à appréhender et à cerner: utilisée dans des champs 2 Ver BAUBY, 1991. 5 conceptuels très diversifiés, elle est saturée de significations multiples qui se superposent, se entrecroisent, renvoient les unes aux autres, e entre lesquelles le glissement est constant. A gênese dos serviços públicos, a construção desta noção e o seu crescimento constituem um tema amplamente discutido por diversas correntes de pensamento que tentam, ao mesmo tempo, compreender e interpretar seu processo de evolução no direito e na prática e de estabelecer certas fronteiras nas funções assumidas pelo Estado. Para CHEVALLIER, 1987, o crescimento dos serviços públicos pode ser explicado por pressões sobre o Estado, está também relacionado à conjuntura econômica, a forças políticas que impelem o Estado a intervir para corrigir desequilíbrios do mercado e desigualdades sociais. Dentro dos critérios de definição da doutrina neoclássica, a criação de serviços públicos está associada a existência de certas necessidades sociais objetivas e justificada pela suposição ideológica da existência de uma missão de interesse coletivo. O serviço público é um serviço do público, para a satisfação de necessidades coletivas. Nas análises da economia neoclássica a regulação pelo mercado é um sistema que assegura o desenvolvimento ótimo da riqueza. A intervenção do Estado só se justifica para os casos em que não pode haver regulação pelo mercado, como é o caso da construção e manutenção de grandes infra-estruturas – estradas, ferrovias, canais, portos etc. O mercado fornece normalmente a resposta apropriada, mas, às vezes, encontra obstáculos que o impedem de funcionar e impõem uma intervenção pública. Dentro dos critérios de uma visão marxista, a oferta de serviços ou dos meios de consumo coletivo pelo Estado objetiva viabilizar a acumulação capitalista garantindo as condições de infra-estrutura para sua reprodução, incluindo a reprodução da força de trabalho. A ação do Estado está condicionada à lógica do capital. Na visão marxista a idéia de serviços públicos está, também, associada aos direitos sociais. As razões de criação dos serviços públicos estão na própria sociedade, nas relações sociais do passado e do presente, na forma de acumulação, na natureza e na intensidade das lutas sociais. O serviço público é colocado como um direito social. O Estado assume a produção direta do serviço, não apenas para garantir indistintamente o direito ao serviço, mas para definir um modo de consumo. Não se deve discutir se o indivíduo tem ou não os meios financeiros para pagar os custos dos serviços que ele necessita, mas dar-lhe o acesso. Só que o direito abstrato aos serviços é uma utopia e os serviços públicos poder ser também um poderoso instrumento de exclusão social Chevallier, 1987, p. 58). 6 Para CHEVALLIER, 1987, no entanto, o serviço público não é apenas uma noção, mas abrange uma realidade sócio-política concreta realizada através de um conjunto de atividades, de órgãos e agentes que ocupam um espaço na vida social e econômica. Vistos sob um prisma jurídico os serviços públicos são uma realidade social e institucional, envolvendo diversas atividades e estruturas colocadas sob a dependência direta ou indireta da esfera pública e são um regime jurídico regidos pelo direito administrativo, criando a imagem de um Estado benfeitor, preocupado em satisfazer, da melhor forma possível, as aspirações do público. A criação de um serviço público estaria ligada à idéia de que certas atividades sociais, devido à sua natureza, não devem se sujeitar à lógica comercial, mas devem ser gerenciadas segundo princípios que permitam o acesso de todos. Os serviços públicos seriam os instrumentos de liberdade, igualdade e solidariedade, indispensáveis ao equilíbrio social. Mas, na perspectiva jurídica, a decisão concreta de criação de um serviço público é, também, subjetiva e passa através do filtro político. Segundo LAUBADÉRE (apud Chevallier, 1987, p.105) une activité devient service public lorsque les pouvoirs publics décident de l’assumer pour donneer satisfaction à um vesoin dont els estiment qu’il serait, sans cesse pris em main, insatisfait ou insuffisamment satisfait. Na legislação brasileira serviço público é todo aquele prestado pela administração pública ou por seus delegados, sob normas e controles estatais, para satisfazer necessidades essenciais ou secundárias da coletividade ou simples conveniência do Estado e se classificam em: serviços públicos e serviços de utilidade pública. Serviços públicos são os que a administração presta diretamente à comunidade, por reconhecer sua essencialidade e necessidade para a sobrevivência do grupo social e do próprio estado. São considerados serviços privativos do poder público. Só a administração deve presta-los, sem delegação a terceiros (defesa nacional, polícia, preservação da saúde pública). Serviços de utilidade pública são os que a administração, reconhecendo sua conveniência para a coletividade (não essencialidade, nem necessidade), presta-os diretamente ou permite que sejam prestados por terceiros (concessionários, permissionários ou autorizatários), nas condições regulamentadas e sob seu controle, por conta e risco dos prestadores, mediante remuneração dos usuários. O serviço público de utilidade pública objetiva facilitar a vida do indivíduo na coletividade, pondo à sua disposição utilidades que lhe proporcionarão mais conforto e bem-estar (serviços de transporte coletivo, energia elétrica, gás, 7 telefone)3. Dada a extraordinária complexidade das missões dos serviços públicos e de sua diversidade, torna-se difícil delimitar o universo dos serviços públicos. São atividades que visam proteger a coletividade contra ameaças externas, contra desordem interna, que envolvem transformações tecnológicas, comunicação social, que envolvem setores econômicos como abastecimento de água, coleta e tratamento de resíduos sólidos, transporte urbano, corpo de bombeiros, energia elétrica, que envolvem setores sociais como o setor do trabalho e da proteção social, saúde pública, hospitais, construção e habitação, proteção à criança e adolescente, aos velhos e envolvem, ainda, a conservação e proteção do patrimônio cultural. Durante praticamente todo o século passado esses serviços públicos foram criados, gerenciados e ofertados sob a égide da missão do interesse geral, criando uma relação forte entre ampliação da intervenção do Estado, legitimada pela ausência de satisfação de necessidades de interesse coletivo. NOVOS MODOS DE PRODUÇÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS A crise do final do século passado vai deslegitimar este modelo de provisão de serviços públicos cristalizado, desmistificando e abalando o Estado infalível, criando o mito inverso, que coloca o Estado a gestão pública, como os grandes vilões da história. No caso brasileiro, esta crise é fundamentalmente tratada com privatizações de empresas e serviços públicos nos diversos setores da infra-estrutura, opondo, sistematicamente, as virtudes do mercado à suposta rigidez do Estado protecionista e redistribuidor. Esta apologia e dogmatismo do mercado tornam-se o fio condutor fundamental dos discursos reformistas do final do século passado, sob o postulado da superioridade da regulação pelo mercado, como sendo o meio mais eficaz, mais racional e mais justo de harmonização de comportamentos e ações. A proposta foi a de aliviar a intervenção do Estado para deixar atuar os mecanismos de mercado, suprimindo a maior parte dos dispositivos que podiam entravar ou falsear o funcionamento do mercado (regulamentações, subvenções) aliviando os constrangimentos (desregulamentação) e 3 Ver particularmente Hely Lopes Meirelles, 1997. 8 privatizando empresas e serviços públicos. As atividades colocadas fora do mercado deveriam, tanto quanto possível, reintegrar-se ao mercado. O discurso dominante é o da redução do tamanho do Estado, do enxugamento de sua máquina administrativa e a revalorização extrema das virtudes do mercado pelo o engajamento de empresas privadas na oferta de serviços tradicionalmente produzidos e gerenciados pelo setor público. Mas a magia do mercado contribuiu para um reforço exagerado dos princípios neoliberais que procuram desmontar o mito do Estado infalível, substituindo-o pelo mito do mercado infalível, sustentado pela missão empreendedora da competitividade. Antes o Estado era considerado como um instrumento destinado a resolver problemas; hoje, para muitas pessoas, ele é o problema. (OWEN e SCHULTZE, 1976)4. Os serviços públicos saem de uma lógica do Estado de direito, consolidada pelo direito público, voltando a orbitar em torno de uma lógica econômica, preconizada pelo neoliberalismo, que amplia as desigualdades sociais. As privatizações vão redefinir relações contratuais entre tutela do Estado e os operadores, implicar na introdução da competição nos mercados e mudar o padrão de financiamento dos serviços. Este fenômeno pode estar colocando as populações das cidades cada vez mais distantes do acesso regular e contínuo a certos serviços básicos e domiciliares. A oferta se diversifica fazendo surgir novos segmentos de serviço e a questão que se coloca é, justamente, poder distinguir os serviços que devem continuar acessíveis a todos, a um preço razoável, dos que podem se submeter unicamente a uma lógica de mercado, que pode retirar dos serviços públicos grande parte dos princípios, de liberdade, equidade, equilíbrio e justiça que nortearam a sua missão social. Rabi (1996) argumenta que diversas experiências de privatização em países latino-americanos mostram que a privatização de serviços públicos resultou na combinação de monopólios privados, sujeitos às mesmas ineficiências anteriores, associados a estruturas governamentais centralizadas, e esta combinação teria criado uma distância ainda maior entre os cidadãos usuários e seus provedores. O surgimento de um novo modo de produção de serviços públicos e a emergência de um novo ator faz com que o Estado passe a ser o agente de equilíbrio dessas relações privadas, devendo, então, controlar o prestador privado do serviço público: é o que se 4 Charles Schultze foi o principal conselheiro econômico do presidente Carter. 9 chama de regulação, segundo o vocabulário anglo-saxão. A regulação assume uma importância fundamental no equilíbrio de forças desse sistema, passando a ser o fiel da balança em um espaço de cristalização de conflitos e contradições. É possível manter as missões de interesse coletivo, de universalidade, de solidariedade dos serviços públicos, até então garantidas pelo Estado, já que a produção privada de serviços públicos não comporta uma lógica de justiça social? Nesse contexto, a sociedade civil busca sua recomposição social no sentido de criar uma sociedade civil mais densa e menos polarizada entre mercado e Estado. Procura reconquistar seu lugar, tentando, também, romper a hegemonia exercida pelo Estado sobre a vida social, definindo novos espaços de solidariedade e novas condições de equilíbrio nas relações com Estado, recuperando uma existência própria, através da multiplicação de grupos e associações comunitárias, que objetivam assegurar um espaço de autonomia que escape da tutela do Estado. Esses agrupamentos no seio da sociedade, podem se dar através da autogestão, dentro das empresas, através de formas não estatais de socialização (associações de bairro, mutirões, estruturas de provisão de auto serviços coletivos) ou através da criação de instituições sociais. PARTICIPAÇÃO E CONTROLE SOCIAL NA GESTÃO DA COISA PÚBLICA É nesse cenário que a regulação surge e passa a ser, de fato, necessária e indispensável. Órgãos públicos (agências reguladoras) são criados com o objetivo de exercer um controle sobre a atuação das empresas privatizadas, realizado em função de metas estabelecidas e contando com a participação dos usuários. No entanto, não há, no contexto brasileiro uma história de cultura regulatória desenvolvida. Não apenas o governo federal teve, e de certa forma, ainda tem dificuldade de definir e implementar o marco regulatório para os setores privatizados, como também a sociedade tem pouca consciência do seu direito de participar dessa regulação e de criar instrumentos que possam viabilizar o controle social. As dificuldades de acesso às informações, a ausência de transparência na gestão pública, a própria de tradição e o relativo despreparo de grande parcela da população, tornam o controle social de difícil implementação. Percebe-se, ainda, quando se analisa a avaliação aplicada às políticas públicas no Brasil de modo geral, a inadequação de instrumentos utilizados nessa ação, 10 para o desenvolvimento de um controle social eficiente. A regulação, no formato em que hoje se apresenta no país, surgiu como um corolário da necessidade de se criar um ambiente competitivo para o mercado dos serviços públicos, como um meio de proteger os investidores ao induzi-los a fazer investimentos a um custo razoável. As razões apontadas para a criação de marcos regulatórios e agências reguladoras no país foram, prioritariamente, promover e garantir a competitividade do respectivo mercado; estimular o investimento privado nacional e estrangeiro nas empresas prestadoras de serviços públicos e em atividades correlatas. Em seguida, pode-se dizer, também, que a regulação se torna necessária para garantir os direitos dos consumidores e usuários, buscando a qualidade e segurança dos serviços públicos, aos menores custos possíveis; para dirimir conflitos entre consumidores e empresas prestadoras de serviços públicos; e para prevenir o abuso do poder econômico pelos agentes prestadores de serviços. Mas apenas a regulação, do modo como está institucionalizada nas atuais agências reguladoras, é suficiente para manter essência dos serviços que por elas são regulados, no sentido de impedir que a lógica econômica se sobreponha à eqüidade social e territorial, e de forma a garantir a manutenção de alguns dos princípios sobre os quais os serviços públicos foram erigidos no século passado? Um sistema regulatorio é, sem dúvida, um instrumental técnico construído para exercer o controle sobre as concessionárias, mas é, também, um compromisso social e político que se consolida através de instituições e regras para articular os interesses das esferas produtivas com os dos cidadãos, ou seja, para conciliar objetivos sociais com economia de mercado. Nesses termos, a questão se coloca em um plano muito mais amplo, que é o de desenvolver, no processo de regulação, a responsabilização (accountability), definindo padrões de transparência, de ampla publicidade das normas pertinentes ao ente regulador, de seus procedimentos e decisões e de seus relatórios de atividade, de modo a conciliar, na regulação de serviços públicos, a lucratividade necessária e indispensável à sobrevivência das empresas, com a eqüidade social, necessária e indispensável à sobrevivência do grupo social. Do ponto de vista conceitual o termo regulação encerra uma noção de equilíbrio e de estabilidade do sistema, mas traz, também, subjacente, a noção de controle e de dominação, sugerindo que o ato de regular implica na sujeição de todos os elementos de um sistema através de regras e normas, e na subordinação de um elemento a outro 11 (FADUL, 2002). Nesse sentido, a noção de controle permeia a criação e o funcionamento das agências reguladoras, com vários sentidos e em várias dimensões, não apenas como forma de corrigir os rumos da ação do concessionário, mas, também, como forma administrativa de expressar o poder e a dominação na regulação. Com efeito, as agências reguladoras foram criadas com a finalidade de controlar os serviços públicos delegados, ordenar o seu funcionamento e perseguir a sua eficiência. Para cumprir esta finalidade elas contam, na sua estrutura organizacional, com órgãos de acompanhamento e controle, com atribuições de desenvolver estudos para avaliar tarifas, qualidade e desempenho econômico e financeiro das empresas concessionárias. Já o controle social, ou como expresso no vocabulário anglo saxão, accountability, bem como a transparência, não apenas no sentido da prestação de contas à sociedade do processo de tomada de decisão, mas no sentido de preservar e proteger o interesse público em prol da coesão social, embora sejam potencialmente significativos, no contexto atual podem ser considerados como uma preocupação secundária no universo dos serviços públicos. As perspectivas de participação popular na administração pública brasileira abertas pela Constituição de 1988, e também a legislação de criação das agências reguladoras com relação ao controle dos serviços públicos agora concedidos à execução privada, instituem alguns mecanismos de accountability e canais de participação democrática dos cidadãos em questões sociais. Na legislação que criou as agências reguladoras foram estabelecidos certos dispositivos que podem ser entendidos como mecanismos de participação e controle social, tais como, audiências públicas, conselhos consultivos e as ouvidorias, que são formas de viabilizar a transparência nas ações e têm um caráter educativo, servindo também de instrumento de aprendizagem e de desenvolvimento de uma cultura de regulação na sociedade. Segundo Di Pietro, 1998, quando se transfere a res publica para a gestão da iniciativa privada, o controle tem que ser permanente. A autora aponta, ainda, alguns tipos de controle social existentes: o exercido pelo próprio usuário com denúncia de irregularidades para ouvidorias, Tribunal de Contas, Ministério Público, Comissões de Ética, Procon entre outros; o controle exercido pela mídia, exigindo transparência no trato com a coisa pública; o controle exercido pelas organizações não governamentais. Campello (2003) faz algumas considerações acerca da noção de controle social e das 12 diferentes formas de conceituação através dos autores, Carvalho (1996), Abramovay (2001), Simionatto (2001) e Barbosa (2001). A concepção de Carvalho (1996) considera que o significado original do termo estabelecido pela sociologia e pela psicologia foi invertido, visto que originalmente era utilizado para demonstrar o domínio do Estado sobre o grupos sociais, passando, atualmente, a traduzir o controle que uma sociedade pode exercer sobre o Estado. Abramovay (2001) considera que instrumentos normativos-legais são insuficientes para garantir o controle social que depende da cooperação e de um aprendizado contínuo. Já o conceito de Simionatto (2001) é, talvez, o mais abrangente e o que mais se aproxima da perspectiva deste artigo. O autor considera que o controle social, também denominado de democracia direta, refere-se às formas organizativas formais e informais da sociedade necessárias à fiscalização das organizações públicas e privadas. De certa forma, Barbosa (2001) aproxima-se, também, dessa concepção quando considera que o controle social é uma inovação porque prescinde ou se distancia da democracia representativa e surge como forma de manutenção e ampliação do espaço do público, que deve ir além do estatal. É importante sublinhar a conceituação de Simionatto (2001) porque a maioria dos textos que trata de controle social, sobretudo aqueles que se dedicam à análise de mecanismos de controle externo exercidos pela via de entidades de fiscalização superiores (Tribunais de Contas) e de outras formas de controle no campo de regulação, enfatizam o controle que deve ser exercido sobre as agências de regulação ou sobre os órgãos da administração pública de modo geral. A idéia de participação popular é sempre conduzida para a atuação no processo político, nas decisões governamentais e no controle da gestão pública. A preocupação do exercício de um controle sobre as empresas privadas que hoje prestam serviços públicos é um tema ainda obscuro, o que mostra a atualidade e a pertinência do debate. No momento em que a res publica é privatizada ou transferida para a gestão privada em setores que afetam os direitos dos cidadãos, esta gestão deveria ser também controlada pela própria sociedade: através da atuação das agências reguladoras, através dos mecanismos legítimos da democracia representativa, mas, também, através da participação do usuário do serviço em conselhos das próprias empresas. Nesses termos, a inversão de significado apontada por Carvalho (1996), teria que ser ampliada com a perspectiva de Simionatto (2001), para chegar-se a uma compreensão do 13 controle social – que é a proposta e utilizada no âmbito deste artigo, - como aquele que é exercido pelo cidadão sobre a gestão da coisa pública (res publica) qualquer que seja o agente responsável por gestão. Felder e Lopez (1999) discutindo a participação dos usuários no controle dos serviços públicos privatizados aplicada na telefonia na Argentina, apontam como iniciativa de institucionalização de canais de participação as pesquisas de opinião e as audiências públicas. No entanto, ainda que os resultados das pesquisas não obrigassem as empresas a modificarem os padrões de serviços questionados, as empresas telefônicas não quiseram aceitar os resultados como base para elaboração de um indicador de qualidade dos serviços de telefonia na Argentina. Segundo as autoras, a Telefónica de Argentina considera que “no existe correlación necesaria entre la adecuada tutela de los derechos de la clientela y los usuarios y la implementación de un sistema como el que se propone”, e interpuso un recurso de amparo contra la obligación de cumplir con este procedimiento. Por su parte, Telecom sostiene que los estudios de opinión no deben constituir un mecanismo paralelo de evaluación de las metas y, en coincidencia con Telefónica, manifiesta serias reticencias a la posibilidad de difusión de los resultados.” Já as audiências públicas na Argentina funcionam exclusivamente como instâncias de consulta, sem comprometimento dos reguladores de acatar as recomendações ou de funcionar com um espaço de negociação com os usuários, opinião sustentada por Rodríguez Pardina (1998,:12, apud FELDER e LOPEZ, 1999). No entanto, Lopez (2000) demostra que a audiência pública no caso do grande blackout ocorrido em fevereiro de 1999 na Argentina, mostrou-se fundamental para modificar a posição da empresa privada de energia elétrica Edesur S.A. com relação ao ressarcimento de perdas sofridas pelos usuários. La audiencia pública convocada ante el "gran apagón" demostró ser un mecanismo de enorme potencial para la participación de los usuarios y sus asociaciones en la evaluación y el control del funcionamiento de los servicios públicos. Dicha instancia se transformó en el escenario propicio para el ejercicio de una suerte de accountability "cruzada", en la medida en que las responsabilidades por el siniestro recayeron tanto en el sector privado como en la clase política y en la propia administración, expresada en la figura del ente regulador (LOPEZ, 2000, p. 18). Na Argentina há ainda as associações de usuários e consumidores que começaram a se organizar na segunda metade da década de 90 e funcionam como intermediárias entre usuários, empresas e administração pública (FELDER e LOPEZ, 1999, p. 11). Oszlak e 14 Felder, 2000, também discutindo a capacidade de regulação estatal na Argentina e discutindo a relação que deve existir entre as responsabilidades da regulação e a capacidade institucional, concluem que os entes criados pelo governo argentino para regular os serviços públicos privatizados apresentam importantes déficits de capacidade institucional para o exercício desta missão, sobretudo para proteger o interesse público envolvido e o dos usuários. Os autores afimam ainda que, Um recente estudo financiado pelo Banco Mundial (Chisari, Estache e Romero, 1997) analise o impacto das privatizações sobre a eqüidade (...). Esse estudo demonstra que, se as regulações e controles funcionassem corretamente, as empresas privatizadas deveriam transferir aos usuários quase 1 milhão de dólares, o qual eqüivale a um “sobre preço” de 16% sobre o consumo desses usuários. A porcentagem chega a 20% quando a estimativa efetua-se para os usuários de menor renda relativa (OSZLAK e FELDER, 2000, p.30). Os estudos relativos à regulação de serviços públicos concedidos, que tratam da proteção do usuário no Brasil, têm enfatizado as ouvidorias como forma possível de controle e como um canal de acesso dos usuários aos reguladores. Com efeito, as ouvidorias representam um instrumento para a comunicação direta do cidadão com a administração pública. A função da ouvidoria (ou do ouvidor, o ombudsman5) é receber a reclamação do cidadão, procurar identificar as causas, a procedência e encontrar os meios para solucioná-la. A ouvidoria é uma instituição que auxilia o cidadão em suas relações como Estado, funcionando como uma crítica interna da administração pública referente aos serviços públicos prestados aos usuários, direta ou indiretamente. Mas o papel da ouvidoria fica restrito aos casos de reclamações mais complexas ou aos problemas notificados e não resolvidos, funcionando como uma espécie de controle de qualidade dos serviços públicos, apontando falhas e auxiliando na busca de soluções para os problemas. Apesar do ouvidor ser considerado um elemento-chave neste processo de controle social e um espaço importante que deve ser estimulado e ampliado, suas funções parecem restringir-se, ainda, a investigar queixas, ouvir testemunhas, produzir registros e propor 5 “A palavra OMBUSDMAN é de origem sueca e significa “representante”, ou “pessoa que administra de dentro para fora”. Muitas outras designações são usadas para identificar essa função. Por exemplo, “defensor del pueblo” é o título usado em países de língua espanhola (Espanha, Argentina, Peru e Colômbia), “parlamentary commissioner for administration” (Sri Lanka e Reino Unido), “médiateur de la republique” (França, Gabão, Mauritânia e Senegal), “public protector” (África do Sul), “protecteur du citoyen” (QuebecCanadá), “volkswaltschaft” (Áustria), “provedor de justiça” (Portugal), são algumas de outras designações para a função de Ouvidor no mundo “(SILVA e BAJAY, 2000). 15 soluções caso a caso, ou seja, dirimir conflitos e solucionar problemas individuais. A intervenção da ouvidoria não se manifesta em proposições no sentido de zelar pela manutenção de certas características que tinham os serviços públicos em uma coletividade, relativas à eqüidade, inclusão e justiça social. As audiências públicas começa a ser utilizadas como mecanismo de participação dos usuários. A ANEEL vem fazendo suas reuniões da Diretoria abertas ao público desde outubro deste ano, o que pode ser um passo para aumentar a transparência dos atos decisórios da agência, permitindo que qualquer pessoa possa acompanhar o julgamento de processos, bem como o processo de tomada de decisões da agência. Recentemente submeteu à audiência pública uma proposta com as Regras de Comercialização que deverão garantir a continuidade das operações de contabilização e liquidação da energia negociada na Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE). Ainda assim, considera-se que a figura do usuário dos serviços públicos, que representa o ator principal para o qual o serviço foi criado, é ainda colocada em um plano secundário. Preocupadas com eficiência e lucratividade, as empresas de serviços públicos têm uma tendência a negligenciar o usuário e seus direitos constitucionais, esquecendo-se que há uma relação política forte entre os serviços públicos e os usuários. Os primeiros devem contribuir para ampliar o espaço político dos cidadãos, na medida em que ampliam as suas liberdades. A questão dos serviços públicos não é apenas uma questão de políticas públicas, mas uma questão política. As demandas dos usuários têm evoluído tanto ao nível da cobertura do serviço (quantidade fornecida) quanto da sua qualidade. CONCLUSÃO Procurou-se, neste texto, evidenciar que durante quase um século a noção de serviços públicos recobria duas exigências básicas: a exigência de um Estado soberano e a exigência de necessidades coletivas dos cidadãos. Na origem de um serviço público havia um interesse público reconhecido pela coletividade, o qual a iniciativa privada não conseguia satisfazer. Os serviços públicos surgem, modificando a estrutura de legitimação estatal, criando um Estado funcional que se justifica pela ação concreta que tem ao serviço do bem comum. Contribuem, também, para modificar a relação Estado/sociedade, construindo uma 16 relação « congênita » entre Estado e serviços públicos. Esses últimos existem enquanto tal, porque foram criados pelo Estado como forma de legitimar sua ação sobre a vida econômica e social, e serviram de base para sua solidificação e ampliação. Os serviços públicos entram em crise e exacerbam a crise do próprio Estado levando-o a processos de reforma, apoiados nas privatizações, determinando transformações substantivas na sua natureza, no papel do próprio Estado e na redefinição de suas relações com a sociedade. A constatação da ausência ou deficiência de serviços públicos para certos grupos sociais faz com que se recupere o debate sobre o conteúdo e a essência desses serviços após as privatizações. Antes, os serviços públicos eram homogêneos na sua concepção e definidos por três elementos: por seu objetivo (uma necessidade social ou missão de interesse coletivo), por seus meios (o exercício desta missão pelo Estado através de organizações públicas) e pela sua forma de provisão (não lucrativa e regida e regulamentada pelo direito administrativo). Essas noções não são mais suficientes para caracterizá-los, hoje em dia, quando se definiu, com as privatizações, uma nova concepção do seu modo de produção e de oferta. Nessas condições, os serviços públicos ainda merecem utilizar esta denominação? Como preservar o caráter público de serviços essenciais, independentemente das condições de competitividade e de rentabilidade que os mercados exigem? Como conciliar objetivos sociais com economia de mercado? O aperfeiçoamento do arcabouço regulatório, da atuação dos organismos de regulação de modo a terem uma noção real de seu papel, e a ampliação e solidificação de mecanismos de transparência e controle social nas agências reguladoras é, no momento atual, a única resposta viável e empiricamente sustentável. Sem prescindir dos mecanismos formais da democracia representativa e sem esquecer que o legislativo - órgão legítimo para a formação das políticas - é o locus onde se forja legitimamente a vontade popular, é preciso criar instrumentos que possibilitem o controle social, criando múltiplos canais de comunicação entre as agências reguladoras e conselhos de regulação que congreguem representantes do governo, dos consumidores e dos empresários, de caráter consultivo e deliberativo, para que se possa desenvolver, nos modelos de agências de regulação no Brasil, a accountability. Nos termos em que se coloca a questão da regulação, nos dias atuais, o controle social só pode ser conseguido se, nas diretrizes de funcionamento das agências de 17 regulação, a noção de accountability como obrigação do Estado de responder publicamente pelas responsabilidades que afetam a coletividade, for claramente definida e estiver fortemente relacionada à transparência de suas ações. Esses dois mecanismos podem ser viabilizados através de um conselho que reuna representantes de consumidores e que seja, efetivamente, um dispositivo para o exercício do controle social. É preciso, também, criar dispositivos que reforcem o controle dos usuários sobre as prestadoras privadas de serviços públicos, regulamentando o direito à participação das associações de usuários nos conselhos de controle das empresas prestadoras e que dêem suporte a eqüidade social. REFERÊNCIAS BAUBY, P. Quel devenir pour les Services publics? 58 M, oct-nov. 1991. BRESSER PEREIRA L. C. 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