Método e os sete vídeos de “Red Carpet” - uma experiência

Transcrição

Método e os sete vídeos de “Red Carpet” - uma experiência
Método e os sete vídeos de “Red Carpet” - uma experiência prático-teórica João Vilnei de Oliveira Filho
ID+ - Instituto de Investigação em Design, Media e Cultura, Portugal
LICCA - Laboratório de Investigação em Corpo, Comunicação e Artes / UFC, Brasil
Paulo Bernardino Bastos
Universidade de Aveiro, Portugal
ID+ - Instituto de Investigação em Design, Media e Cultura, Portugal
s
Abstract
“Maybe I will be able to write this article on my scooter.
Maybe not!”
In this paper, I will explore with ways of writing articles
as a reflecting exercise of methodological strategies
that I have experienced in articulation of the practical
and theoretical components of my Ph.D. research, "the
construction of the Impossible House". This is done
based on an attempt to analyze a series of seven
videos, named “Red Carpet”, made between April and
July of 2013, as part of the artistic residency program
"HomeBase Projekt", in Berlin.
Among other subjects, I'm trying to explore the
problems and possibilities of construction of a method,
in academic research in art, thinking from making, from
and with artistic practice. Thus, beyond presenting one
of the time-based works that I developed in my
research, my expectation is to use this experience of
writing as a chance to explore some tools and “ways to
think and say” using a strategic approach and
complicity between author-text-reader at different
levels. Therefore, crude sentences, almost streams of
consciousness, as the opening one, come from my
reflecting journal and will be interweaved in the main
text when necessary.
The article finishes with a reflection on its realization
and the articulation between its writing and the
construction of “the impossible house.
Keywords:
City, Game, House, Method, Practical-theoretical
research, Prototype.
Instruções de leitura para o leitor e regras de
escrita para o autor
Para a leitura deste artigo, convido o leitor a que
ande por casa.
O texto será dividido em blocos, com nomes que
coincidem com divisões de uma casa e que aqui como
um guião de cinema atuam no sentido de organizar a
leitura e a escrita em três níveis: distribuindo a
informação que é partilhada; funcionando como
convite ao leitor de lugares ideais para a leitura; e
apresentando detalhes da minha casa e os lugares
onde cada um dos trechos será escrito.
Sobre o primeiro nível não me parece ser preciso
dar muitas explicações. A função dos títulos é
normalmente organizar e minimamente apresentar o
texto que os sucede e, aqui, eles também fazem isso.
Os outros dois níveis estão intimamente ligados e
dão mais ferramentas para a construção do texto e
sua leitura. Haverá, em cada um desses blocos, o
exercício de aproximar a informação que o texto
apresenta do espaço onde ele é lido. Essa tentativa
deverá ficar mais perceptível em alguns casos e
noutros menos, mas é importante dizer-lhe aqui, leitor,
que sua experiência de leitura deverá ser influenciada
por esse movimento por casa, assim como a minha
será influenciada durante a escrita. A não obediência a
essa sugestão não impossibilita a leitura do texto,
obviamente, já que nada o impede de ler o artigo onde
bem entender, mas interfere definitivamente na minha
intenção enquanto autor e cria, desde já, uma
distância entre nós que eu não gostava que existisse,
já que devo precisar da tua ajuda (se não te
importares vou começar a trata-te por tu) em
diferentes momentos do texto mas, e especialmente,
na maneira como imagino que este texto deva ser lido.
Como mais uma experiência construída em torno da
minha pesquisa de doutoramento, gostava que este
texto fosse parte do projeto dos sete vídeos do “Red
Carpet” e, para fazermos juntos, preciso de ti.
O exercício que nos proponho realizar, de usar os
espaços da casa como lugares de leitura/escrita,
aproxima-nos de uma experiência de casa que
remonta ao Renascimento, numa altura em que essas
divisões pareciam ser muito mais móveis e não eram
definidas tão rigidamente como são hoje. Bryson, em
sua história da vida doméstica, trata dessa questão ao
escrever que:
A segregação entre todos esses novos aposentos
não foi, por muito tempo, tão rigorosa como agora.
Todos eles eram, em algum sentido, “salas de
estar”. As plantas arquitetónicas italianas do
Renascimento, e mesmo depois, não denominavam
os aposentos conforme o tipo, porque estes não
tinham propósitos fixos. As pessoas circulavam pela
casa à procura de sombra ou de luz solar, e muitas
vezes levavam os móveis consigo; assim os
aposentos, quando recebiam algum nome,
geralmente eram marcados como “mattina” (para
usar de manhã) ou “sera” (para tarde). Essa
informalidade também vigorava na Inglaterra. O
quarto de dormir era usado não só para dormir, mas
também para fazer refeições privadas e entreter os
visitantes mais considerados. (Bryson 2011, 77)
Um problema que podes colocar, além de tantos
outros como preguiça, falta de interesse nessa espécie
de leitura-nômada, ou mesmo a impossibilidade de
leres o artigo no interior de casa (o documento pode
estar a ser consultado em uma biblioteca, por
exemplo), é o peso do livro que tens em mão. Não o
peso académico, já que não é esse tipo de artigo que
estamos aqui a fazer. Falo do livro em que este texto
deverá ser publicado. Gosto de pensar, como escreve
Santos, que “cada texto exige do leitor um certo
posicionamento. Todo texto ‘ativa’ o seu leitor.”
(Santos e Oliveira 2001, 15) Portanto, decidas pela
maneira que achares melhor.
Gostava que soubesses também que este texto é
mais uma das minhas pesquisas, procurando destacar
especialmente os problemas e caminhos da
construção de um método montado e editado a partir
do fazer, a partir da (ou sendo também) prática
artística. Assim, ao mesmo tempo em que espero
analisar um dos trabalhos que desenvolvi no âmbito da
pesquisa, procuro fazer com que esta experiência de
escrita seja, ela mesma, uma oportunidade para
explorar algumas ferramentas e “modos de dizer” que
planeio utilizar na tese, de aproximação e
cumplicidade entre autor-texto-leitor em diferentes
níveis.
Além dessa aproximação, e também relacionado
com o ato da escrita, vou aqui realizar alguns
exercícios que partilho contigo, organizados na
pequena lista que se segue, e que funcionarão para
mim como regras de um primeiro jogo que aqui jogo
sozinho: 01 - não usar notas. Normalmente, escrevo
com muitas (muitas!) notas de rodapé. Neste texto,
não usarei nenhuma. Toda a informação extra, por
mais ilustrativa e possivelmente interessante que
possa ser, não será incluída caso não caiba no corpo
do texto. 02 - fazer com que o texto possa ser
compreendido mesmo por quem não tem acesso ao
conteúdo disponibilizados nos QR Codes: mesmo
aproveitando as potencialidades de hiperligação e
inserção de conteúdo extra à média papel que a
publicação permite, procurarei fazer com que a sua
visualização
seja
complementar
mas
não
imprescindível ao texto. 03 - enviar até o dia 11 para o
meu orientador. A data de envio do artigo para a
Comissão Científica é dia 13 de abril e gostava de,
pelo menos uma vez, não entregar no último dia ao
meu orientador para a revisão e validação. 04 - tentar
manter o tom. Se por acaso meu tom variar demasiado
no decorrer da nossa caminhada, culpa principalmente
do “recorte-cola” de diferentes textos que tenho escrito
durante a pesquisa, por favor, não me leve a mal. Não
te esqueças que sou sempre eu daqui deste lado e
que isto, este texto aqui, só vai funcionar se o fizermos
juntos. 05 - usar mais “falar” que “escrever”.
Então, antes de começarmos a andar por casa,
deixo-te com a parte final do prólogo de "Memórias
Póstumas de Brás Cubas". Faço isso por partilhar com
a personagem, neste momento, do mesmo sentimento
que ele apresenta com as seguintes palavras: “a obra
em si mesma é tudo: se te agradar, fino leitor, pagome da tarefa; se te não agradar, pago-te com um
piparote, e adeus.” (Assis 1982, 11)
Corredor
No entretanto, ainda existem algumas estradas que
podem ser percorridas com agrado, como se nos
levassem a algum sítio, no qual parecem que não
nos ligam a quase nada ou a lugar algum.” (Thoreau
2011, 31).
Figura 01 - Link para vídeo com a apresentação da goteira do
corredor da minha casa e espaço onde escrevo a primeira parte
deste artigo.
Pequena nota sobre as três pequenas notas
de a construção da “Casa Impossível”
Antes de falar sobre os vídeos de “Red Carpet”, é
preciso que entendas melhor o que é a minha
pesquisa, "a construção da Casa Impossível”. Para
isso, deixo-te três caminhos, três possibilidades de
leitura, “três pequenas notas”, ficando ao teu critério
optar entre uma delas para continuares o texto.
Se decidires ler a “pequena nota zero-um”, terás
acesso ao artigo que escrevi no encontro de Avanca
em 2013. Ele traz informações sobre o projeto, ainda
atuais e suficientemente completas.
A “pequena nota zero-dois” apresenta um pouco do
que as pessoas que estão perto de mim pensam da
“Casa Impossível”. São todos amigos queridos, com
diferentes níveis de envolvimento na pesquisa, que
respondem a um pedido meu de escreverem um
pouco sobre o que acham que o projeto é.
A terceira opção é a “pequena nota zero-três”, que
mostra, mais-coisa-menos-coisa, o que tenho colado à
parede da minha sala de trabalho. Frases escritas em
post-its com cores berrantes, que compõem o meu até
agora pequenino mapa mental.
Este artigo é, dessa forma, pelo menos três artigos.
No género romance, há vários textos organizados
de modo a possibilitar diferentes experiências de
leitura e uso por parte do leitor. Um exemplo
interessante é o “O Jogo da Amarelinha”, no qual o
leitor é informado dessa particularidade ainda no início
do livro, ficando ao seu critério decidir entre um dos
dois caminhos que o autor propõe:
O primeiro livro deixa-se ler na forma corrente e
termina no capítulo 56, ao término do qual aparecem
três vistosas estrelinhas que equivalem à palavra
Fim. Assim, o leitor prescindirá sem remorsos do que
virá depois.
O segundo livro deixa-se ler começando pelo
capítulo 73 e continua, depois, de acordo com a
ordem indicada no final de cada capítulo. Em caso
de confusão ou esquecimento, será suficiente
consultar a seguinte lista:
73 – 1 – 2 – 116 – 3… (Cortázar 2006, 5)
Esse esquema de leitura, no qual o leitor precisa de
decidir, por opção ou por capacidade, um caminho
entre um determinado número de opções, pode ser
relacionado com o que se propunha fazer Mallarmé
em seu "Livro". Sobre ele, Umberto Eco e Haroldo de
Campos fazem reflexões importantes. O primeiro,
antes de abordar as especificidades do "Livro",
apresenta a ideia de "obra em movimento":
O fenómeno da obra em movimento, na actual
situação cultural, não está de maneira nenhuma
limitado ao âmbito musical, mas apresenta
interessantes manifestações no campo das artes
plásticas, onde encontramos hoje objectos artísticos
que em si mesmos têm como que uma mobilidade,
uma
capacidade
de
se
manifestarem
caleidoscopicamente aos olhos do fruidor como
permanentemente novos. Num nível mais restrito
podemos recordar os mobiles de Calder ou de
outros autores, estruturas elementares que possuem
precisamente a capacidade de se moverem no ar
tomando disposições espaciais diferentes, criando
continuamente o próprio espaço e as próprias
dimensões. (Eco 2009, 78)
Na literatura, o exemplo que Eco apresenta é
justamente o do "Livro", "as próprias páginas não
deveriam seguir uma ordem fixa: elas deveriam ser
relacionáveis em ordens diferentes segundo leis de
permuta." (Eco 2009, 80)
Campos completa:
O que revela acentuar aqui, porém, é que o Livro de
Mallarmé, ou bloc, como o poeta o denomina, refoge
completamente à idéia usual de livro e incorpora a
permutação e o movimento como agentes
estruturais. (…) As folhas desse livro seriam
cambiáveis, poderiam mudar de lugar e ser lidas de
acordo com certas ordens de combinação
determinadas pelo autor-operador (que de resto não
se considera mais do que um leitor situado numa
posição privilegiada, face à objetividade do livro que
se anonimiza). (Campos 1977, 18)
As "leis de permuta" que Eco menciona e as
“ordens de combinação determinadas pelo autoroperador”, de que trata Haroldo de Campos, serão
utilizadas aqui como regras em um segundo jogo que
esta leitura propõe e que terá a ti, leitor, como jogador
(não acreditavas realmente que eu jogaria sozinho,
pois não?). Se juntarmos à essa liberdade dirigida,
limitada por regras, uma participação consciente e livre
de leitura; que o ato de ler não apresente nenhum
interesse material, ou seja, que a partir dele não se
possa obter lucro - Caillois clarifica essa questão,
quando trata dos jogos de azar, ao escrever que neles
"há deslocação de propriedade, mas não produção de
bens" (1990, 25); e que a leitura aconteça inserida em
um tempo e espaço definido; é possível resumir,
assim, as características formais da ideia de jogo, de
acordo com Huizinga. (2005, 16)
Dessa forma, segundo Huizinga, e posso aqui
incluir Caillois, "o jogo assenta indubitavelmente no
prazer de vencer o obstáculo, mas um obstáculo
arbitrário, quase fictício, feito à medida do jogador e
por ele aceite" (1990, 18), e Gadamer, "somente então
é que o jogar preenche a finalidade que tem, quando
aquele que joga entra no jogo" (1999, 175), caso
continues a leitura a partir deste ponto, terás
começado a jogar também.
Peço-te que, pelo menos da primeira vez que
estiveres a ler esta frase, a jogar este jogo, escolhas a
leitura de somente uma das pequenas notas. Acredito
que será mais que suficiente para continuares o texto
e perceberes o que foi feito em “Red Carpet”. E digo
‘acredito’ porque ainda desconheço o conteúdo
completo que elas terão. Agora, enquanto escrevo
este parágrafo, só finalizei a primeira nota, recebi
resposta de somente uma pessoa para preencher a
segunda e, quanto à terceira, tenho algumas dúvidas
de que a informação dos post-its será realmente
suficiente para se perceber o que é a "Casa
Impossível"...
As três pequenas notas são precedidas pelos
“títulos de 3º nível”, em itálico, que seguem.
Pequena nota zero-um
No último encontro em Avanca, apresentei um
artigo no qual tratava de dois trabalhos que foram
desenvolvidos no decorrer da minha pesquisa, “Chico
Gauba” e “Antonio Mascarenhas”.
Na primeira parte desse documento, descrevo o
que é a “Casa Impossível”, trato dos temas que a
pesquisa pretendia desenvolver, apresento alguns dos
referenciais teóricos com os quais trabalho e dou
indicações de como a pesquisa estava naquela altura.
Para o leitor que se decidiu por esta nota, o link
apresentado na Figura 02 dá acesso a uma das
últimas versões do artigo apresentado em 2013.
Figura 02 - Link para download do “Jogo, Cidade e Comunidade –
Experiências de reflexão para a construção da ‘Casa Impossível’ no
jogo ‘The Sims 3’” (Oliveira Filho e Bastos 2013).
Se é a primeira vez que lês este documento, salte
as próximas duas pequenas notas e continue a leitura
onde aparece o subtítulo Protótipos em negrito.
Pequena nota zero-dois
O projeto da “Casa Impossível” cria comunidades
em seu redor. Não é só a tentativa de me aproximar
dos espaços da cidade e transformá-los em divisões
de uma grande casa, o que me obriga a relacionar-me
com pessoas que utilizam esses espaços e me inserir
em comunidades que já existem. O que também tem
acontecido, e não estava planeado anteriormente, é a
formação de pequenos grupos em torno das ações
que precedem a realização da casa. Grupos de
amigos e curiosos que trazem e partilham comigo todo
o tipo de informação sobre casas e sobre
impossibilidades, nos mais diferentes contextos e
suportes (durante a escrita deste artigo, Luis mostroume a fotografia de Michael Wolf e André enviou-me o
link para o trabalho chamado “Canções de
Apartamento”, do músico Cícero).
Para o leitor que decidiu fazer sua primeira leitura
passar por esta nota, vou partilhar o que algumas
dessas pessoas pensam que é a “Casa Impossível”.
Escrevi para 12 amigos (Eduardo, Mariana, Edmilson,
André, Fabiana, Eliseu, Luis, Rosemary, Nilda, Emídio,
Mario e Wellington) um email com, basicamente, este
conteúdo:
Oi,
no artigo que eu estou escrevendo vai ter uma parte
em que coloco o que os meus amigos pensam que é
a "Casa Impossível".
a partir do que falámos sobre a minha pesquisa,
gostava que escrevesses pra mim o que achas que
isto é.
fica à vontade para escreveres o que lembrares.
agradeço muito a ajuda
abraço
As respostas que recebi estão separadas por dois
asteriscos, que podem ser entendidos como um olhar.
Procurei não alterar o conteúdo dos textos, realizando
somente algumas pequenas mudanças na formatação,
para que eles pudessem fazer parte deste documento
sem problemas maiores, e somente quando isso foi
realmente necessário.
Deves perceber, já nas primeiras respostas, que
muitos fizeram confusão entre a “Casa Impossível”
que estou a construir e uma casa impossível qualquer.
Depois de perceber isso, de ler com mais atenção o
email que escrevi e constatar realmente que ele
poderia ter sido um pouco mais claro, achei excelente
que isso tivesse acontecido. O acaso e a
impossibilidade de prever o resultado final de uma
jogada é um importante componente da ideia de jogo.
Como escreve Caillois,
Um desfecho conhecido a priori, sem possibilidade
de erro ou de surpresa, conduzindo claramente a um
resultado inelutável, é incompatível com a natureza
do jogo. (Caillois 1990, 27)
As respostas que recebi aqui, como estão e da
maneira como foram escritas, dão muito mais cor a
esta pequena nota. Elas podem ser lidas a partir do
QR Code da Figura 3.
Figura 03 - Link para o ficheiro com a íntegra das respostas que
recebi por emails.
Se é a primeira vez que lês este documento, salte a
próxima pequena nota a seguir e continue a leitura
onde aparece o subtítulo Protótipos em negrito.
Pequena nota zero-três
Começo com uma hipótese, post-it rosa que está
no centro da parede da sala: é preciso viver o lugar
para conseguir trabalhá-lo.
Quando usa a cidade como lugar de ação, pareceme que a relação que o artista quer desenvolver com o
espaço que atua é muito semelhante ao que Barthes
chama, em um contexto diferente, de idiorritmia: “todos
os empreendimentos que conciliam ou tentam conciliar
a vida coletiva e a vida individual, a independência do
sujeito e a sociabilidade do grupo”. (Barthes 2003,
XXXIII) O artista procura inserir-se em uma
comunidade, que já tem sua maneira de funcionar, e
sem deixar de ser artista, para construir, nessa e com
essa relação, o seu trabalho. Parece-me que é
somente assim que um “trabalho trabalha o lugar”.
O nível e os limites de intimidade, com as pessoas
e com o lugar, que essa abordagem exige parece-me
ser difícil de definir de antemão. Benjamin faz uma
reflexão que pode servir de ajuda para clarificar o que
quero dizer com isso, quando, em determinado
momento do livro que reúne as suas impressões sobre
as experiências que realizou com estados alterados de
consciência (no caso pelo uso de haxixe), comenta
que:
“a segunda impressão mais forte foi o jogo com a
sala ao lado. Começa-se, aliás a jogar com os
espaços. Geram-se tentações do sentido de
orientação. Mas aquilo que, no estado de vigília,
apenas
conhecemos
da
deslocação
muito
desagradável que provocamos deliberadamente
quando, de noite, num comboio, viajando na posição
de costas imaginamos que viajamos na posição de
frente e vice-versa, essa experiência, transposta do
movimento para o estaticismo, acontece aqui como
tentação.” (Benjamin 2010, 34)
Como saber o que do viver, pensado, esquecido,
consumido, pedido, lavado, cheirado… faz parte dessa
relação, foi construído por essa intimidade? Como
continua Benjamin, algumas páginas depois, “ainda ao
regressar a casa, quando a corrente da porta da casa
de banho não quer fechar, a suspeita: isto faz parte do
método da experiência.” (Benjamin 2010, 38)
Uma criação artística quotidiana, feita de idas e
vindas, acasos e certezas, erros e acertos, em que
não deixo de ser eu e não procuro mudar o outro nem
resolver seus problemas e os da cidade. Tocá-los,
raspá-los, mencioná-los, trabalhá-los talvez. Jogar
com eles. Sobre essa relação, Canton argumenta que:
“dialogar com esse espaço é também compor uma
tapeçaria sonora, visual e tátil, vislumbrando a
diversidade idiossincrática de seus habitantes, sua
arquitetura,
sua
sinalização,
seus
códigos
cotidianos. Conversar com tudo isso é abraçar o
caos e se emocionar com o estranhamento.”
(Canton 2009, 22-23)
Essa postura do artista na relação que constrói
com a cidade parece-me dialogar com a ideia de
flâneur que Benjamin desenvolve: "a rua se torna
moradia para o flâneur que, entre as fachadas dos
prédios, sente-se em casa tanto quanto o burguês
entre suas quatro paredes". (Benjamin 2000a, 35) É
aqui, na sobreposição (ou nos interstícios?) entre a
flânerie e a idiorritmia, entre ser a cidade e não deixar
de ser o que sou, que procuro colocar-me durante a
construção da "Casa Impossível".
Em "Infância em Berlim por volta de 1900",
Benjamin fala sobre uma experiência pessoal de se
perder na cidade que se aproxima ao que estou aqui a
tentar fazer:
"Saber orientar-se numa cidade não significa muito.
No entanto, perder-se numa cidade, como alguém
se perde numa floresta, requer instrução. Nesse
caso, o nome das ruas deve soar para aquele que
se perde como o estalar do graveto seco ao ser
pisado, e as vielas do centro da cidade devem
refletir as horas do dia tão nitidamente quanto um
desfiladeiro." (Benjamin 2000b, 73)
A construção desta pesquisa coloca-me em uma
situação que se aproxima a que Joseph Rykwert
apresenta no início de "A casa de Adão no Paraíso"
quando trata da dificuldade de pensar um objeto que
sempre esteve perdido e por isso não poderia ser
lembrado: "a natureza do meu tema, portanto, me
induz ao paradoxo, pois o objeto primeiro de minha
busca deve ser a memória de algo que não pode estar
senão perdido". (Rykwert 2009, 6) E prossegue,
afirmando que a memória com a qual vai trabalhar não
é exatamente a de um objeto, uma coisa, mas a de um
estado - "de algo que foi, de algo que foi feito, foi
criado: uma ação". (Rykwert 2009, 6) Ele, de certa
forma, (re-?)constrói a casa de Adão acedendo a
essas memórias, eu construo a impossibilidade de
uma casa impossível, promovendo memórias, esses
encontros e intimidade, que algumas vezes beira à
promiscuidade: "convivência muito próxima com
pessoas de todo tipo; 'nos inferninhos há muita
promiscuidade', 'vivem em total promiscuidade em
barracos diminutos'." (Houaiss 2012). Um exemplo é
"Clothes", uma das performances/ações que tenho
vindo a desenvolver, na qual troco, primeiro com as
pessoas que moram comigo, depois com amigos e no
fim com desconhecidos da cidade, as minhas roupas,
o meu guarda-roupa. Usar vestuário íntimo de alguém
que não se conhece parece-me ampliar o limite do que
se entende por intimidade.
Voltando para a parede, em volta do post-it rosa há
três amarelos, com ideias e possibilidades de caminho
para validar essa hipótese. O primeiro diz “a relação
que o artista desenvolve com o lugar é próxima a da
idiorritmia, segundo Barthes”. O segundo, “a prática
artística como espaço de produção de conhecimento”.
E o terceiro, “a casa como assunto e espaço para
juntar lugar e idiorritmia”.
Em um círculo maior, em três post-its verdes, três
palavras: performance, método, cidade. Por baixo, um
outro grupo de post-its, com os trabalhos práticos que
desenvolvi até agora, onde aparece o nome, data e
local de realização, data e local de apresentação e
produção académica relacionada.
Figura 04 - Post-its da parede da sala.
Protótipos
A principal componente prática da pesquisa, e em
volta da qual toda ela tem sido pensada, é construir
uma casa tão grande quanto a cidade de Aveiro, e
viver nela entre setembro e outubro de 2014. Até lá,
procuro intercalar a pesquisa teórica à prática
desenvolvendo uma série de trabalhos que chamo
protótipos.
Cada um deles destaca, trabalha e induz à reflexão
sobre pelo menos uma característica que, acredito,
voltará a aparecer durante a “Casa Impossível”. Esse
método no desenvolvimento do projeto permite que a
própria ideia de construção dessa casa seja construída
aos poucos, e dá espaço para a sua redefinição
constante.
Os protótipos não são maquetas ou caricaturas da
casa. Cada vez mais, direcionam as leituras e afinam
o olhar para a cidade, interferindo diretamente na
pesquisa que estou a desenvolver, mudando muitas
vezes a direção das expectativas e das leituras, numa
experiência de pesquisa que se converte, paulatina e
insistentemente, de teórico-prática para prático-teórica.
São, até agora, 21.
Berlim
Entre Abril e Junho de 2013, participei do
“HomeBase BUILD V” da residência “HomeBase
Projekt”, que me levou a viver 3 meses em Berlim com
outros 18 artistas que também estavam interessados
em trabalhar com a ideia de casa.
Foi uma experiência incrível em muitos níveis. Meu
orientador descobriu a residência alguns dias antes do
fim do prazo para inscrições, o que me obrigou a
preparar a candidatura em pouquíssimo tempo; a
ultrapassar a insegurança durante as etapas de
seleção, com entrevistas via skype e discussão do
portfólio; a necessidade de pedir dinheiro emprestado
para ir, para estar lá e para voltar; ter que aprender a
conviver com as particularidades da vida em
comunidade, numa casa com tantas pessoas de
percursos diferentes; e, o que trouxe mais benefícios à
construção da minha casa, a possibilidade de realizar
mais protótipos (e refletir naqueles que já havia feito.
Foi em Berlim, por exemplo, que escrevi o artigo para
o congresso de Avanca 2013).
Inserido nas atividades da residência, desenvolvi
sete protótipos para a “Casa Impossível”. Um deles,
“Red Carpet”, nasceu a partir de experiências em
vídeo realizadas com uma trotinete que havia na casa
onde vivíamos: o andar que ocupávamos era estreito e
organizava-se basicamente em um longo corredor com
portas em toda a sua extensão que davam acesso aos
quartos e salas para uso comunitário. Essa trotinete
era utilizada por todos os moradores e servia
efetivamente como meio de transporte dentro da casa
(tenho conhecimento da trotinete ter sido usada fora
de casa somente uma vez durante o período que lá
estivemos, quando uma das artistas em residência,
Philippa Jeffery [2014], na altura ainda sem bicicleta,
experimentou sair por Pankow com ela), característica
que me fascinou desde o momento em que tomei
consciência da sua existência.
Queria aproveitar essa particularidade e registar a
utilização dessa trotinete no interior da casa. A
experiência que realizei foi então filmar, a partir de 7
diferentes perspetivas, o caminho que a trotinete fazia
indo e voltando nesse corredor.
Três problemas antes de irmos para o quarto
Figura 05 - Organização dos espaços durante a residência. A zona
escura, no topo à esquerda, é o meu quarto. No pequeno recuo que
se pode ver logo depois da porta, normalmente, era deixada a
trotinete que utilizei nos vídeos. Imagino que ela era deixada ali por
estar muito próxima de um dos acessos do andar e, por estar no
recuo, não atrapalhar a passagem de pessoas pelo corredor.
A realização desse protótipo chamou a minha
atenção para as potencialidades e a importância de
integrar na experiência da casa os transportes
públicos da cidade, além de poder discutir os
problemas de mobilidade urbana de Aveiro. Na “Casa
Impossível”, devem aparecer, além de uma outra
trotinete, patins, skates, autocarros, táxis, bicicletas…
Os sete vídeos de “Red Carpet” foram
apresentados no meu telemóvel, preso a um suporte
para GPS, na própria trotinete, durante o “Das
Unmögliche Haus” (“A Casa Impossível”, em livre
tradução do alemão), festival de encerramento das
atividades da residência, em junho de 2013.
Querido leitor, temos três problemas.
Percebi há pouco que estamos muito próximos do
limite de palavras que o artigo pode ter (já teríamos
mesmo ultrapassado esse limite, caso estivesse a
contar também com as palavras dos textos que estão
fora daqui, nas pequenas notas zero-um e zero-dois),
segundo a coordenação do congresso. E ainda não
saímos do corredor nem vimos nenhum dos vídeos de
“Red Carpet”…
O segundo problema é que hoje é dia 12 e o prazo
para envio do artigo é amanhã, o que já me coloca a
falhar uma das regras que criei no início do texto.
Depois de o terminar, ele ainda deveria passar pela
mão do meu orientador.
E, o que me preocupa mais, a minha saúde. Há
três dias tenho estado péssimo, com dor no corpo, a
garganta muito inflamada, febre que vai e vem e uma
vontade de dormir sem parar. Esse meu estado coloca
em risco o protótipo que estou a desenvolver este
mês, que chama “Não sair de casa durante um mês”, e
influencia, obviamente, a escritura deste texto.
Inclusivamente, acho que vou dormir um pouco agora.
Continuamos quando eu acordar.
Duas soluções para três problemas antes de
irmos para o quarto e depois de eu acordar
Não consigo continuar. Pensei até em três
soluções e de decidir entre uma delas com uma
jogada de dados (1-2 para primeira solução, 3-4 para a
segunda e 5-6 para a terceira): fazer um passeio
rápido por casa, com a trotinete que comprei; ficarmos
pelo corredor, o que faz sentido já que os vídeos em
Berlim foram realizados no corredor; ou desistir.
Desisto. A febre subiu, a garganta está cada vez
mais inchada e devo ir ao hospital amanhã pela
manhã, coisa que destrói meu coração já que saindo
de casa ponho fim ao protótipo que estou a realizar
este mês.
Deixo-te com três prendas: o compromisso de que
levarei a trotinete para Avanca e farei a apresentação
do artigo em cima dela, a playlist com os vídeos que
fiz em Berlim e uma citação do Huizinga que tudo tem
a ver com este final melancólico. E uma prenda extra:
prometo-te que continuamos, se quiseres, esta
conversa noutra altura.
Figura 06 - Imagem que mostra o recuo onde a trotinete ficava
"estacionada". É possível ver também o telemóvel no suporte e
alguns equipamentos acoplados a ela, como a campainha e a
lanterna.
Para escrever este artigo, comprei uma trotinete.
Tinha a ideia de escrever parte do texto a andar por
casa com ela, mas não sei se vou conseguir.
O jogo tem, por natureza, um ambiente instável. A
qualquer momento é possível à “vida quotidiana”
reafirmar seus direitos, seja devido a um impacto
exterior, que venha interromper o jogo, ou devido a
uma quebra das regras, ou então do interior, devido
ao afrouxamento do espírito do jogo, a uma
desilusão, um desencanto. (Huizinga 2001, 24)
Figura 07 - Os sete vídeos de “Red Carpet”.
Notas finais escritas bem mais tarde sobre o
artigo e os vídeos de "Red Carpet
Penso que o texto para a "Casa Impossível", a
tese, precisa de refletir de alguma forma a experiência
que vivi durante a sua construção. Assim como
acredito que com os protótipos que desenvolvi usei e
extrapolei conceitos como a intimidade, segurança,
conforto, amizade, amor, jogo... todos pensados e
trabalhados em volta da ideia de casa, gostava que o
texto também me permitisse extrapolar com a minha
forma de escrever. Imagino um texto que em que cada
parte funciona como uma partícula separada, que
pudesse ser alimentada de formas e em tempos
diferentes, na medida da necessidade e da sua
construção. Como se esse texto fosse sendo
construído da mesma forma que a experiência de
construção da casa: há um sentido que rege tudo, que
está por trás de tudo, mas cada secção, cada parte,
pode, e é, desenvolvida separadamente, no seu tempo
e do seu modo, e utilizando ferramentas, fontes e
métodos de diferentes áreas, numa costura que
começa em mim, na minha experiência, mas que só se
completa na mão do leitor, que decide como e em que
profundidade está disposto a construir o texto comigo.
Benjamin constrói uma metáfora que ilustra o que eu
quero dizer:
"O trabalho em uma boa prosa tem três graus: um
musical, em que ela é composta, um arquitetônico,
em que ela é construída, e, enfim, um têxtil, em que
ela é tecida." (Benjamin 2000b, 27)
A ideia era fazer deste texto um protótipo. Mais do
que o relato e a reflexão sobre uma ação
desenvolvida, meu principal objetivo aqui foi
experimentar uma maneira de pensar/dizer que fosse
mais afinada com aquela que quero que volte a
aparecer na tese. Apresentar o trabalho prático e a
base teórica unida, como reflexo de uma produção
artístico-teórica que acontece concomitantemente,
retroalimentando-se, e não como blocos separados e
estanques.
A particularidade é que aqui, diferente dos últimos
artigos que escrevi, tentei assumir o próprio ato de
escrita como uma ação prática para pesquisa que
desenvolvo, uma espécie texto-experiência, artigojogo, paper-protótipo. Uma experiência de método que
pensa os modos de fazer sem discutir diretamente
metodologia, mas onde ela aparece, claro, de
diferentes maneiras e sempre que é preciso. Trago
conceitos do método cartográfico (Passos, Kastrup e
Escóssia 2009), do Grounded Theory, e do método
indutivo, sem propriamente dizer que o faço, ‘flerto’
com o método experimental, preparo entrevistas (viste
que não tão bem como poderia...), acedo a
documentos, realizo trabalho de campo. Enfim, há
métodos aqui.
E mais, se estiveres atento vais perceber que há,
como que camuflado, uma organização "clássica",
com introdução, desenvolvimento e conclusão (mesmo
que os capítulos não tenham esses nomes), um
argumento que é desenvolvido para responder a um
problema, uma revisão na literatura, o diálogo com
autores..., tudo isso está aqui, parece-me. Extrapolo (e
talvez nem extrapole como deveria) um pouco, tanto
pela linguagem, qua algumas vezes parece afastar-se
do habitualmente usado na academia, quanto na
abordagem. Gostava que soubesses que tudo isso foi
planeado e usado conscientemente, principalmente
como ferramenta para seduzir-te e trazer-te junto de
mim durante toda esta experiência de escrita/leitura,
prática/teoria.
A investigação sobre um modo de escrever que
seja jogável, que não se limite às regras da academia
mas que jogue com elas, use-as, conheça-as e
ultrapasse-as de alguma forma. O descobrir (não criar,
inventar, mas descobrir) de um método que procura
aproximar o leitor do texto; mais do que isso, um
método que procura aproximar o leitor ao fazer do
texto, que o ativa e dá liberdade para decidir o que lê e
autonomia não somente sobre o que leu, mas mesmo
sobre o que está escrito (ou nem escrito está, como
são os casos dos links nos QR Codes).
Por falar em liberdade, parece-me que a autonomia
que o leitor possui quando tem a possibilidade de ler
parte do texto no telemóvel a partir de uma
hiperligação é de outra dimensão daquela que todo o
leitor tem de ler, ou não, a próxima palavra em uma
linha de texto, ou a próxima linha de um novo
parágrafo. Aqui, a construção do texto em níveis
permite-me, enquanto autor, saber que o leitor, ao
optar por um caminho ou outro de leitura, tem
condições de chegar minimamente "pronto" em
determinada altura do texto, diferente do que acontece
quando o leitor salta parágrafos ou capítulos em um
texto sem essa mesma preocupação.
Nada aqui é à toa ou para "encher chouriças".
A "pequena nota zero-um", por exemplo, não está
aqui sem um propósito, mas para mostrar que esta
maneira que experimentei aqui, de falar e pensar a
construção da "Casa Impossível" não é obviamente a
única possível, nem muito menos a única que eu sei
fazer. O texto do ano passado tem semelhanças com
este artigo, por tratar também de um protótipo já
realizado, escrito dentro dos limites do template
proposto pela Comissão do evento, mas os dois
diferenciam-se grandemente pela abordagem que
desenvolvem.
A "pequena nota zero-dois", que fala da criação de
comunidades em torno do projeto, também está aqui
por permitir uma reflexão importante. Como menciono,
em volta de grande parte dos protótipos, e em
diferentes fases de desenvolvimento, pude notar a
criação de grupos que dialogavam comigo e ajudaramme a dar vida às ações que construía. Em alguns,
essa formação de grupos era promovida diretamente
por mim e fazia parte do trabalho, como é o caso de
"Pores do sol" (Oliveira Filho 2014b), "I like cakes"
(Oliveira Filho 2013) e mesmo deste artigo. Noutros,
isso aconteceu sem o meu incentivo ou controle, como
em "A construção do quarto impossível" (Oliveira Filho
2012). Essa é uma das características da "Casa
Impossível" que aparece em praticamente todos os
protótipos, por isso o meu interesse de incorporar aqui
a fala de pessoas sobre a casa que estou a construir,
exercício que me ajuda a repensar o meu projeto
refletindo sobre como falo a respeito dele e como as
pessoas que estão ao meu redor percebem-no.
Ainda sobre a "pequena nota zero-dois", a
confusão que algumas pessoas fizeram no texto que
me enviaram parece-me relacionada com a maneira
pouco clara como fiz a pergunta. Talvez essa pergunta
pouco clara seja também um reflexo sobre a
dificuldade de encontrar a pergunta certa para a minha
pesquisa. Já ultrapassei metade do tempo que tenho
para finalizar o doutoramento e começa a ser hora de
definir certas questões para que a "Casa Impossível"
seja construída com bases fortes e aguente-se de pé
contra os ventos fortes de Aveiro.
Rever o artigo, nesta altura, permitiu-me aprofundar
algumas questões, especialmente na pequena nota
zero-três, como a inclusão de novas leituras e revisão
de antigas. Parece-me que essa nota é o momento do
texto que mais contributos trouxe para a maturação do
desenho da "Casa Impossível", juntamente com a
ideia do "texto-protótipo" que já comentei.
Sobre os vídeos de "Red Carpet", só agora
lembrei-me que a ideia nasceu de um vídeo anterior,
tão longo quantos os vídeos da série, em que com a
câmara parada gravei o som que fazia um dos
radiadores quebrados que tinha no quarto que ocupei
em Berlim. Sofri durante um fim de semana com
aquele som que aparecera da mesma maneira que
sumira, sem que eu percebesse como. No vídeo que o
próximo QR Code apresenta, vê-se o recuo na parede
onde ficava o radiador, parte de uma das janelas do
meu quarto, a ponta da minha toalha pendurada e um
pequeno pedaço da parede lateral pintada de violeta.
Figura 08 - Link para "one minute of sound from my new room".
O vídeo nunca foi o meu campo de expressão
favorito e normalmente aparece na minha produção
como registo das ações que realizo. Em "Red Carpet"
isso também aconteceu. Na verdade foram sete
performances que a Residência acompanhou, em
maior ou menor intensidade: participando diretamente
da sua produção, como é o caso do vídeo "03 - a
scooter and the red carpet. And Pepe Again", em que
Pepe Dayaw, um dos artistas da casa, opera a câmara
(se voltares a ver os vídeos com auscultadores,
deverás ouvir o assobio que dou e que é o sinal para
que ele parasse de filmar), por aparecerem e estarem
no corredor quando a filmagem acontece, ou
simplesmente por quererem ver o vídeo pronto.
Mesclam-se aqui mais uma vez componentes já
mencionados no texto e que fazem parte da "Casa
Impossível", como a intimidade e a formação de
comunidades em torno do projeto.
Como disse, os vídeos foram apresentados na
própria trotinete em que foram filmados. Foi a maneira
que eu encontrei de partilhar com as pessoas que
visitavam a exposição a experiência de fazer os
vídeos, que rodavam em loop no meu telemóvel.
Havia, dessa forma, o convite de andar por casa com
a trotinete enquanto os vídeos eram visualizados, o
que ocasionou momentos de desequilíbrio e diversão
em muitos dos que realizaram a experiência. No link
que segue, é possível ver o vídeo "Jimmy?" que
mostra uma das pessoas que utilizaram a trotinete
durante a exposição.
Figura 09 - Link para "Jimmy?".
[Respiro profundamente]
Imagino que por esta altura já não estejas no
corredor e fico a conjeturar em que parte da casa
estás (Calvino 2002, 21). Confesso-te também que
não estou mais no meu corredor e que toda esta
última secção foi escrita na minha mesa de trabalho
que fica na sala. Fiz isso porque pra mim o fim do
texto realmente está ali, naquela playlist com os
vídeos, no fim do jogo que nos propomos jogar e que
acabou prematuramente.
As informações deste anexo poderiam estar
espalhadas pelo texto, mas preferi que aparecessem
aqui, claramente separadas, por terem sido escritas
em um momento diferente daquele, como digo no
título. Ainda agora, prefiro o fim melancólico
ocasionado pela febre e pela dor no corpo, mas entre
alterar o artigo, o tempo do artigo, e incluir estes
parágrafos com cara de conclusão no final, prefiro isto. Bibliografia
Assis, Machado de. 1982. Memórias póstumas de Brás
Cubas | Dom Casmurro. São Paulo: Abril Cultural.
Barthes, Roland. 2003. Como viver junto – simulações
romanescas de alguns espaços cotidianos. Tradução do
francês de Leyla Perrone-Moisés São Paulo: Martins Fontes.
Bell, Kirsty. 2013. The Artist's House: from workplace to
artwork. Berlim: Sternberg Press.
Benjamin, Walter. 2000a. Charles Baudeleire um lírico no
auge do capitalismo. Tradução de José Carlos Martins
Barbosa e Emerson Alves Baptista São Paulo: Brasiliense.
_____. 2000b Rua de mão única. Tradução de José
Carlos Martins Barbosa. São Paulo: Brasiliense.
_____. 2010. Sobre o haxixe e outras drogas. Tradução
do alemão de João Barrento. Odivelas: Assírio & Alvim.
Bryson, Bill. 2011. Em uma casa – Uma breve história da
vida doméstica. Tradução do inglês de Isa Mara Lando. São
Paulo: Companhia das Letras.
Caillois, Roger. 1990. Os jogos e os homens – a máscara
e a vertigem. Tradução do francês de José Garcez Palha.
Lisboa: Edições Cotovia.
Calvino, Italo. 2002. Se numa noite de inverno um
viajante. Tradução do italiano de José Colaço Barreiros.
Lisboa: Editorial Teorema.
Campos, Haroldo de. 1976. A arte no horizonte do
provável - e outros ensaios. São Paulo: Editora Perspectiva.
Canton, Katia. 2009. Espaço e lugar. São Paulo: Editora
WMF Martins Fontes.
Cortázar, Julio. 2006. O jogo da amarelinha. Tradução do
espanhol de Castro Ferro. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira.
Eco, Umberto. 2009. Obra Aberta. Tradução de João
Rodrigo Narciso Furtado. Lisboa: Difel.
Feyerabend, Paul. 1977. Contra o método. Tradução do
inglês de Octanny S. da Mota e Leonidas Hegenberg. Rio de
Janeiro: Livraria Francisco Alves Editora.
Gadamer, Hans-Georg. 1999. Verdade e Método I: traços
fundamentais de uma hermenêutica filosófica. Tradução do
alemão de Flávio Paulo Meurer. Petrópolis: Vozes.
Huizinga, Johan. 2005. Homo Ludens – o jogo como
elemento da cultura. Tradução do alemão de João Paulo
Monteiro. São Paulo: Editora Perspectiva.
Lagnado, Lisette e Pedrosa, Adriano [org.]. 2006. 27ª
Bienal de São Paulo: Como viver junto. São Paulo:
Fundação Bienal.
Oliveira Filho, João Vilnei de e Paulo Bernardino Bastos.
2013. “Jogo, Cidade e Comunidade – Experiências de
reflexão para a construção da ‘Casa Impossível’ no jogo ‘The
Sims 3’”. Comunicação apresentada na AVANCA | CINEMA
2013 – Conferência Internacional de Cinema- Arte,
Tecnologia, Comunicação, 24-28 de julho.
Passos, Eduardo; Kastrup, Virginia; Escóssia, Liliana Da.
2009. Pistas do método da cartografia: Pesquisa-intervenção
e produção de subjetividade. Porto Alegre: Editora Sulina.
Rykwert, Joseph. 2009. A casa de adão no Paraíso - a
idéia da cabana primitiva na história da arquitetura. São
Paulo: Editora Perspectiva.
Santos, Luis Alberto Brandão e Silvana Pessôa de
Oliveira. 2001. Sujeito, tempo e espaço ficcionais introdução à teoria da literatura. São Paulo: Martins Fontes.
Thoreau, Henry David. 2011. A Arte de Caminhar.
Tradução do inglês de Alberto Cardoso. Lisboa: Padrões
Culturais Editora.
Valente, António Costa e Rita Capucho, org. 2013.
AVANCA | CINEMA 2013. Avanca: Edições Cine – Clube de
Avanca.
Webgrafia
Global Sheepwoman Research Laboratory. 2014. Página
da
artista
Philippa
Jeffery.
http://globalsheepwomanresearchlaboratory.blogspot.pt/.
Acedido em 7 de Abril de 2014.
HomeBase
Projekt.
Página
da
residência.
http://homebaseproject.org/. Acedido em 7 de Abril de 2014.
Oliveira Filho, João Vilnei de. 2012. Imagens do protótipo
"A construção do quarto impossível" realizado em
Guimarães
em
outubro
de
2012.
https://www.facebook.com/joaovilnei/media_set?set=a.43853
7459516710.91451.100000813807088&type=3. Acedido em
7 de abril de 2014.
Oliveira Filho, João Vilnei de. 2013. Vídeo com o registo
do protótipo "I like cakes" realizado em Berlim em julho de
2013. http://youtu.be/aR8ob8LXBOg. Acedido em 7 de abril
de 2014.
Oliveira Filho, João Vilnei de. 2014a. Página do
Facebook. https://www.facebook.com/joaovilnei. Acedido em
3 de abril de 2014.
Oliveira Filho, João Vilnei de. 2014b. Página do
Facebook.
https://www.facebook.com/dozeporesdosol.
Acedido em 9 de junho de 2014.
"promiscuidade", in Grande Dicionário Houaiss da Língua
Portuguesa,
2012,
http://houaiss.uol.com.br/busca?palavra=promiscuidade.
Acedido em 7 de abril de 2014.
Wolf,
Michael.
Página
do
artista.
http://photomichaelwolf.com/#100x100-2/17. Acedido em 7
de abril de 2014.

Documentos relacionados