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5910170 – Física II – Ondas, Fluidos e Termodinâmica – USP – Prof. Antônio Roque
Aula 16
A Equação de Onda em Uma Dimensão
Ondas transversais em uma corda esticada
Já vimos no estudo sobre oscilações que os físicos gostam de usar
modelos simples como “protótipos” de certos comportamentos
básicos encontrados na natureza. A utilidade disso se deve a duas
características desses modelos simples: (1) modelos simples podem
ser entendidos com um nível de detalhe muito alto; e (2) modelos
simples exibem comportamentos similares aos de casos reais mais
complicados, ajudando a entendê-los (pelo menos qualitativamente).
No caso de comportamentos oscilatórios, o modelo simples mais
usado é o do sistema massa-mola. Já no caso de comportamentos
ondulatórios unidimensionais, o modelo simples mais popular é o da
corda vibrante1.
Consideremos uma corda esticada, como a corda de um violão por
exemplo. Suponhamos que a corda tenha comprimento L e suas
extremidades estejam fixas nos pontos x = 0 e x = L. Vamos também
supor que a corda tenha densidade linear (massa por unidade de
1
A corda vibrante é um dos sistemas físicos que vem sendo estudado há mais tempo na história da ciência: o
seu estudo é, pelo menos, tão antigo quanto a escola pitagórica (século VI a.C.).
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comprimento) uniforme, dada por µ = dm/dx, e que esteja esticada
com uma tensão constante T.
Vamos supor que a corda execute vibrações transversais à direção x
apenas na direção y (note que ela pode ter vibrações transversais
também na direção z, mas vamos ignorá-las aqui), de maneira que
podemos representar a configuração da corda em qualquer instante
de tempo no plano x-y por uma função y(x, t) (veja um exemplo na
figura abaixo).
Vamos fazer mais algumas suposições:
• A tensão T que estica a corda é tão grande que podemos
desprezar a força gravitacional sobre a corda;
• A corda é perfeitamente elástica, isto é, ela não oferece
resistência a dobras;
• Os deslocamentos da corda, que ocorrem apenas na direção y,
são de pequena magnitude.
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Estamos agora prontos para atacar o problema da corda vibrante. Em
algum instante de tempo, um pedaço qualquer da corda estará na
posição genérica indicada pela figura abaixo.
A massa do pequeno segmento de corda de comprimento ∆x
destacado na figura é
∆m = µ∆x .
(1)
As componentes horizontal e vertical da força resultante atuando
sobre esse segmento de corda são:
Fx = T cos(θ + ∆θ ) − T cos θ
(2)
Fy = Tsen (θ + ∆θ ) − Tsenθ .
(3)
e
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Estamos supondo que a corda não executa movimentos na direção x
(ela se move apenas na direção y). Isto implica que a força resultante
na direção x é nula, Fx = 0. Substituindo isso em (2) temos:
cos(θ + ∆θ ) = cos θ .
(4)
A força resultante na direção y, Fy, é, pela 2a lei de Newton:
∂2 y
Fy = (µ∆x )a y = (µ∆x ) 2 ,
∂t
(5)
onde expressamos a aceleração ay em termos de uma derivada
parcial porque y é função de duas variáveis, x e t.
Substituindo (5) em (3) temos:
∂2 y
Tsen (θ + ∆θ ) − Tsenθ = (µ∆x ) 2 ,
∂t
ou
sen (θ + ∆θ ) − senθ = ∆x
µ ∂2 y
T ∂t 2 .
(6)
Vamos agora dividir os dois lados da equação acima pelo mesmo
termo: cos θ . Só que isto será feito com base na equação (4), que
diz que cos θ = cos(θ + ∆θ ) . Portanto, tanto faz dividir por cos θ ou
por cos(θ + ∆θ ) .
4
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O termo sen (θ + ∆θ ) será dividido por cos(θ + ∆θ ) , o termo senθ
será dividido por cos θ e o lado direito será dividido também por
cos θ :
sen (θ + ∆θ ) senθ
∆x µ ∂ 2 y
−
=
cos(θ + ∆θ ) cos θ cos θ T ∂t 2 .
Esta equação implica que
∆x µ ∂ 2 y
tan (θ + ∆θ ) − tan θ =
cos θ T ∂t 2 .
(7)
Lembrando das aulas de Cálculo, o coeficiente angular da reta
tangente a uma função em um dado ponto do seu domínio é igual à
derivada da função neste ponto. Podemos, então, escrever
(novamente em termos de derivadas parciais):
∂y
∂y
∆x µ ∂ 2 y
(x + ∆x, t ) − (x, t ) =
∂x
∂x
cos θ T ∂t 2 .
(8)
Se dividirmos os dois lados da igualdade acima por ∆x teremos, do
lado esquerdo, a expressão
∂y
(x + ∆x, t ) − ∂y (x, t )
∂x
∂x
.
∆x
No limite em que ∆x → 0, esta expressão torna-se a derivada
(parcial) em relação a x de ∂y ∂x , que é a derivada parcial segunda
∂ 2 y ∂x 2 . Logo, a equação (8) pode ser escrita como:
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∂2 y
1 µ ∂2 y
( x, t ) =
( x, t ) .
2
2
∂x
cos θ T ∂t
(9)
Como última intervenção em nossa manipulação das equações,
vamos agora invocar a suposição de que os deslocamentos da corda
são pequenos. Esta suposição implica que os ângulos associados a
esses deslocamentos também são pequenos: θ << 1.
Com esta condição, cos θ ≈ 1 e a equação (9) torna-se:
∂2 y
µ ∂2 y
( x, t ) =
( x, t ) .
2
2
∂x
T ∂t
(10)
Esta é a chamada equação das cordas vibrantes, que apareceu pela
primeira vez de forma impressa em 1747 no artigo do filósofo e
matemático francês Jean Le Rond D’Alembert (1717–1783),
“Recherches sur la courbe que forme une corde tendue mise en
vibration”, publicado pela Academia Real Prussiana de Berlim (cujo
diretor da seção de matemática à época era Euler).
Note que o termo µ/T tem dimensão de 1/(velocidade)2, de maneira
que é costume escrever,
∂2 y
1 ∂2 y
( x , t ) = 2 2 ( x, t ) ,
2
∂x
v ∂t
(11)
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onde v é identificada com a velocidade de propagação de ondas na
corda esticada:
1/ 2
T 
v =  
µ
.
(12)
Observe que a relação acima implica que a velocidade de
propagação aumenta com a tensão na corda e diminui com a sua
inércia (massa por unidade de comprimento).
A equação (11) não é válida apenas para ondas transversais em uma
corda esticada. Na realidade, ela é válida para qualquer onda em
uma dimensão.
A equação (11) é chamada de equação de onda unidimensional e a
equação (10) é apenas um caso particular dela. A equação de onda
(para uma dimensão ou mais) é uma das equações mais importantes
da física e você irá encontrá-la sempre que estiver estudando
fenômenos ondulatórios.
No apêndice desta aula você encontrará uma dedução da equação de
onda unidimensional sem fazer referência à corda vibrante. Ela usará
apenas o resultado obtido na aula passada de que a equação que
descreve uma onda que se propaga para a direita deve ser do tipo
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y ( x, t ) = f (u ) = f (x − vt ) .
(13)
A equação de onda é uma equação diferencial parcial linear de
segunda ordem. A determinação das suas propriedades, no contexto
da corda vibrante, deve muito ao trabalho de alguns dos maiores
matemáticos do século XVIII: d’Alembert, Euler, Daniel Bernoulli
(1700-1782) e Joseph-Louis Lagrange (1736-1813).
No curso de Física Matemática você verá métodos formais para a
solução da equação de onda. Aqui, vamos mostrar uma maneira de
expressar a solução geral da equação de onda que foi obtida por
d’Alembert em 1747.
As condições de contorno para a equação de onda são:
y (0, t ) = 0
e
y ( L, t ) = 0 .
(14)
Notem que elas especificam que a corda tem que estar presa nas suas
extremidades.
As condições iniciais especificam a configuração inicial da corda (as
posições de todos os seus pontos em t = 0) e a velocidade inicial da
corda (as velocidades de todos os seus pontos em t = 0). Essas
condições podem ser escritas como,
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y ( x ,0 ) = y 0 ( x )
∂y
( x,0) = y1 ( x)
∂t
(15)
onde y0(x) e y1(x) são duas funções arbitrárias.
Isto implica que a solução geral da equação de onda unidimensional
depende de duas funções arbitrárias.
Vimos na aula passada que a expressão geral para uma onda
unidimensional que se propaga para a direita é
f (x − vt ) ,
onde f é uma função arbitrária. Também vimos que a expressão geral
para uma onda unidimensional que se propaga para a esquerda é
g (x + vt ) ,
onde g é uma função arbitrária.
Logo, podemos representar a solução geral da equação de onda por
y ( x, t ) = f ( x − vt ) + g ( x + vt ) .
(16)
A solução geral da equação de onda unidimensional pode ser escrita
como a superposição de duas ondas propagantes, uma propagandose para a direita e outra propagando-se para a esquerda.
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Exemplo (Nussenzveig, página 106): Suponha que a configuração
inicial da corda seja dada pela função y0(x) e que a velocidade inicial
de todos os seus pontos seja nula, y1(x) = 0. Substituindo essas
condições na expressão da solução geral (16):
y ( x,0) = f (x ) + g ( x ) = y0 ( x )
(17)
e (lembre-se que ∂f ∂t = (df du )(∂u ∂t ) , onde u = x m vt )
∂y
df ( x )
dg ( x )
d
( x,0) = −v
+v
= v [g ( x) − f ( x )] = 0 . (18)
∂t
dx
dx
dx
A equação (18) é satisfeita se fizermos f(x) = g(x). Substituindo isto
na equação (17), obtemos:
2 f ( x ) = y0 ( x) ⇒
⇒ f (x ) = g ( x) =
y0 ( x)
2 ,
o que faz com que a solução geral (16) seja:
y ( x, t ) =
1
[ y0 (x − vt ) + y0 ( x + vt )] .
2
(19)
Por exemplo, se y0(x) for um pulso quadrado centrado no meio da
corda, a evolução temporal da onda será como mostrada na figura
abaixo (note que as amplitudes dos pulsos quadrados idênticos que
se propagam em direções opostas são iguais a metade da amplitude
inicial).
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Uma propriedade importante da equação de onda unidimensional,
decorrente da sua linearidade, é que as suas soluções satisfazem o
princípio de superposição:
Sejam y1(x, t) e y2(x, t) duas soluções quaisquer da equação de onda
unidimensional. Então, uma combinação linear dessas soluções
y ( x, t ) = ay1 (x, t ) + by2 ( x, t ) ,
(20)
onde a e b são constantes arbitrárias, também é solução da equação
de onda.
Demonstre, como exercício para casa, o princípio de superposição.
Para isso, basta substituir a equação (20) na equação de onda
unidimensional e assumir que y1(x, t) e y2(x, t) são soluções da
equação de onda.
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Apêndice: A equação de onda unidimensional
Para mostrar que a equação (11) é válida para qualquer onda em
uma dimensão, tomemos a expressão geral que descreve qualquer
onda que se propague para a direita em uma dimensão (equação 4 da
aula 12),
y ( x, t ) = f (u ) = f (x − vt ) .
(A1)
Esta expressão significa que a função que descreve a onda para
qualquer ponto x em qualquer instante t só depende dessas variáveis
combinadas na forma u = x – vt.
A partir de (A1), podemos calcular a velocidade e a aceleração do
deslocamento vertical do ponto x como:
vy =
∂y ( x, t )
∂t
(A2)
e
∂ 2 y ( x, t )
ay =
∂t 2 .
(A3)
Substituindo (A1) em (A2) e usando a regra da cadeia,
vy =
∂f (u ) df ∂u
df
=
= −v
∂t
du ∂t
du ,
(A4)
pois ∂u ∂t = −v .
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Substituindo (A1) em (A3),
ay =
∂
df 
∂ df
d  ∂f
= −v 
 − v  = −v
∂t 
du 
∂t du
du  ∂t

.

Substituindo (A4) nesta expressão,
d 
df  2 d 2 f
a y = −v  − v  = v
du 
du 
du 2 .
(A5)
2
2
Como a y = ∂ y ∂t , esta expressão implica que
2
∂2 y
2 d f
=v
2
∂t
du 2 .
(A6)
Vamos agora calcular as derivadas primeira e segunda de y em
relação à coordenada espacial x. A derivada primeira é
∂y df ∂u df
=
=
∂x du ∂x du ,
pois, como u = x – vt,
∂u
= 1.
∂x
A derivada segunda é
∂ 2 y ∂  df  d  df  ∂u d 2 f
=  =
= 2 .
 
2
∂x
∂x  du  du  du  ∂x du
(A7)
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2
2
Substituindo esta expressão para d f du em (A6), obtemos
2
∂2 y
2 ∂ y
=v
2
∂t
∂x 2 ,
ou
∂2 y 1 ∂2 y
= 2 2 ,
2
∂x
v ∂t
(A8)
que é a equação de onda unidimensional.
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