Completo - Coleção: Gestão da Saúde Pública
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Completo - Coleção: Gestão da Saúde Pública
C oleç ão Gestão da Saúde Pública Universidade Federal de Santa Catarina Centro Socioeconômico Departamento de Ciências da Administração Coleção: Gestão da Saúde Pública Contribuições para a Gestão do SUS Volume 2 Maurício Fernandes Pereira Alexandre Marino Costa Gilberto de Oliveira Moritz Denise Aparecida Bunn Organizadores Editora Fundação Boiteux Florianópolis 2013 ©2013 Departamento de Ciências da Administração CSE/UFSC. Todos os direitos reservados. Os conceitos em trabalhos assinados são de exclusiva responsabilidade de seus autores. As matérias desta publicação podem ser livremente transcritas, desde que seja indicada a fonte. O conteúdo desta obra foi licenciado temporária e gratuitamente para utilização no âmbito do Curso de Especialização em Gestão da Saúde Pública, através da UFSC. O leitor se compromete a utilizar o conteúdo desta obra para aprendizado pessoal, sendo que a reprodução e distribuição ficarão limitadas ao âmbito interno dos cursos. A citação desta obra em trabalhos acadêmicos e/ou profissionais poderá ser feita com indicação da fonte. A cópia desta obra sem autorização expressa ou com intuito de lucro constitui crime contra a propriedade intelectual, com sanções previstas no Código Penal, artigo 184, Parágrafos 1º ao 3º, sem prejuízo das sanções cíveis cabíveis à espécie. C764 Contribuições para a Gestão do SUS / Maurício Fernandes Pereira, Alexandre Marino Costa, Gilberto de Oliveira Moritz, Denise Aparecida Bunn, organizadores. – Florianópolis : Fundação Boiteux, 2013. 204p. – (Gestão da Saúde Pública; v.2) Inclui referências ISBN: 978-85-7840-084-2 (coleção) 978-85-7840-126-9 1. Saúde pública – Administração. 2. Sistema Único de Saúde (Brasil). 3. Políticas Públicas. 4. Produção científica. 5. Pesquisa. I. Pereira, Maurício Fernandes. II. Costa, Alexandre Marino. III. Moritz, Gilberto de Oliveira. IV. Bunn, Denise Aparecida. CDU: 614 Catalogação na publicação por: Onélia Silva Guimarães CRB-14/071 PRESIDENTA DA REPÚBLICA Dilma Rousseff MINISTRO DA SAÚDE Alexandre Padilha PREFEITO DE FLORIANÓPOLIS Cesar Souza Júnior VICE-PREFEITO DE FLORIANÓPOLIS João Antônio Heinzen Amin Helou SECRETÁRIO DA SAÚDE DE FLORIANÓPOLIS Carlos Daniel Magalhães da Silva Júnior UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA Reitora Roselane Neckel Vice-Reitora Lúcia Helena Pacheco CENTRO SOCIOECONÔMICO Diretora Elisete Dahmer Pfitscher Vice-Diretor Rolf Hermann Erdmann DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DA ADMINISTRAÇÃO Chefe do Departamento Marcos Baptista Lopez Dalmau Subchefe do Departamento Marilda Todescat PROJETO MINISTÉRIO DA SAÚDE/PMF/UFSC/CSE/CAD Coordenador do Projeto Maurício Fernandes Pereira Subcoordenador do Projeto Alexandre Marino Costa Coordenador Pedagógico João Nilo Linhares Coordenador Técnico Gilberto de Oliveira Moritz Coordenador Administrativo Luis Carlos Cancellier de Olivo Comissão Editorial Luís Moretto Neto Alexandre Marino Costa Gilberto de Oliveira Moritz Alessandra de Linhares Jacobsen Maurício Fernandes Pereira João Nilo Linhares Marcos Baptista Lopez Dalmau Projeto Gráfico Annye Cristiny Tessaro Rita Castelan Minatto Capa e Ilustração Adriano Schmidt Reibnitz Diagramação Annye Cristiny Tessaro Revisão de Português* e Normalização da ABNT Patrícia Regina da Costa Sergio Luiz Meira *Esta obra foi revisada conforme o novo acordo ortográfico. Sumário Apresentação 7 Análise dos Recursos na Dispensação de Medicamentos na Farmácia da Policlínica Municipal de Saúde – Centro de Florianópolis 13 Claudia Fabre Branco Scharf Políticas Públicas e Envelhecimento: dificuldades e possibilidades na atenção integral à saúde da pessoa idosa no SUS 35 Anna Samara Portinho Implementação do Sistema de Regulação (SISREG) para o Agendamento de Consultas e de Exames Especializados no Município de Garopaba 49 Cátia de Lurdes Ferreira Marcon Proposta para Adoção de Estratégias para Diminuir a Rotatividade de Profissionais da Estratégia de Saúde da Família de Santo Amaro da Imperatriz 65 José Augusto Chimendes Rodrigues Desempenho da Secretaria Municipal da Saúde de Biguaçu: uma análise com base nos Indicadores de Desempenho do Sistema Único de Saúde Fernanda Aparecida da Cunha 82 Reestruturação da Rede de Saúde Mental do Município de Florianópolis, Sob o Olhar da Gestão 109 Evelyn Cremonese Participação da Comunidade da Coloninha nas Reuniões do Conselho Local de Saúde 139 Anne da Luz Ribeiro Souza Qualidade de Vida no Trabalho na Área da Saúde: um estudo de caso no Centro de Saúde Saco Grande do Município de Florianópolis/SC 151 Tatiane Elizete Ferreira Rocha A Vigilância Sanitária e a Proteção da Saúde dos Trabalhadores: análise do sistema regional 173 Jeancarlo Menegon Controle e Avaliação do SUS em Florianópolis: uma análise do processo de conferência da produção de prestadores privados 186 Fabrícia Vasco Summary Presentation 7 Analysis of Resources Pharmacy Dispensing Medicines in the Municipal Polyclinic Health – Center of Florianópolis 13 Claudia Fabre Branco Scharf Public Polices and Aging: difficulties and possibilities in integral health of the elderly in the SUS 35 Anna Samara Portinho Implementation of the Regulatory System (SISREG) for Scheduling Appointments and Tests Specialized in the Municipality of Garopaba 53 Cátia de Lurdes Ferreira Marcon Proposal for Adoption of Strategies to Reduce Turnover Strategy Professionals Family Health Santo Amaro da Imperatriz 69 José Augusto Chimendes Rodrigues Performance of the Secretary of Health Biguaçu: an analysis based on Performance Indicators of Unified Health System Fernanda Aparecida da Cunha 82 Mental health service restructuring in Florianopolis, with management point view 109 Evelyn Cremonese Community Participation in the Meetings of the Coloninha Local Council OF Health 139 Anne da Luz Ribeiro Souza Quality of Life at Work in the Health Area: a case study in Saco Grande Health Centre in Florianópolis/SC 151 Tatiane Elizete Ferreira Rocha The Healt Surveillance and protection of workers’ health: analysis of the regional system 173 Jeancarlo Menegon Control and Assessment of SUS in Florianópolis: an analysis of the process of checking on the production by private suppliers 186 Fabrícia Vasco Apresentação Apresentação O Curso de Especialização Lato Sensu em Gestão da Saúde Pública qualificou servidores que atuam na área da Saúde e proporcionou subsídios para que melhorassem suas ações e contribuíssem para a qualidade dos serviços prestados no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). Esse aperfeiçoamento foi importante, pois auxiliou na prática diária de cada profissional. Por isso, estamos certos de que oferecemos a possibilidade de reflexão sobre a forma de agir de cada um, principalmente com relação aos preceitos da ética e da moral. O referido Curso, com carga horária de 420 horas foi finalizado em dezembro de 2012 e teve como público participante servidores integrantes do SUS, na região da Grande Florianópolis. O sucesso do empreendimento foi indiscutível, com a aprovação de mais de 70% do seu corpo discente. Além disso, como produto da sua aprendizagem, cada estudante apresentou, ao final, um trabalho de conclusão de curso no qual pôde demonstrar as habilidades e os conhecimentos adquiridos para a análise e a solução de problemas do cotidiano da sua organização. A divulgação dos trabalhos científicos produzidos pelos servidores integrantes do SUS, na região da Grande Florianópolis, por ocasião da conclusão do curso de pós-graduação em Gestão da Saúde Pública, é parte do processo de aprimoramento do Sistema Único de Saúde, na medida em que traz ao público a visão dos próprios servidores sobre determinados tópicos. Compreendemos, assim, a responsabilidade do nosso sistema educacional e, em especial, do ensino superior em administração, no que se refere a preparar profissionais para que atuem no mundo moderno. Esse é o nosso comprometimento. Com o intuito de documentar todos os trabalhos desenvolvidos neste curso, serão publicadas 13 obras, divididas em volumes, cada uma com dez artigos produzidos pelos estudantes do curso. Nesses trabalhos, será possível constatar as dificuldades do SUS e as possíveis soluções para cada questão levantada. Além disso, alguns trabalhos observam as melhorias já identificadas do Sistema Único de Saúde (SUS). Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 9 Apresentação Abrimos este segundo volume com o trabalho da aluna Claudia Fabre Branco Scharf, que analisou os recursos físicos e humanos existentes na Farmácia da Policlínica Municipal de Florianópolis e o número de atendimentos realizados mensalmente no período de junho de 2010 a junho de 2011, utilizando os dados do Sistema Informatizado da Secretaria Municipal de Saúde: INFOSAÚDE. O segundo artigo é de autoria da aluna Anna Samara Portinho e discorre sobre a necessidade de uma assistência à saúde mais integral e resolutiva aos idosos, enfocando na intersetorialidade para superar a fragmentação das políticas públicas e na regionalização do sistema municipal como garantia de acesso à média complexidade e integração da rede de atenção à saúde. O trabalho da aluna Cátia de Lurdes Ferreira Marcon estuda a implementação do sistema de regulação (SISREG) para o agendamento de consultas e de exames especializados no município de Garopaba. José Augusto Chimendes Rodrigues, em seu artigo, levanta a questão sobre a rotatividade de profissionais na Estratégia de Saúde da Família (ESF), especialmente de médicos e de enfermeiros, que, segundo ele, compromete o vínculo das equipes com a comunidade e influencia negativamente o alcance de resultados. O artigo Desempenho da Secretaria Municipal da Saúde de Biguaçu: uma análise com base nos Indicadores de Desempenho do Sistema Único de Saúde, de Fernanda Aparecida da Cunha, tem a proposta de conceituar Sistema de Informação, Indicador de Desempenho e Indicador de Desempenho do Sistema Único de Saúde (IDSUS), além disso, o trabalho analisa o desempenho da Secretaria Municipal de Saúde de Biguaçu com base nos Indicadores de Desempenho do Sistema Único de Saúde (IDSUS). Com o trabalho intitulado Reestruturação da Rede de Saúde Mental do Município de Florianópolis, Sob o Olhar da Gestão, Evelyn Cremonese avalia a reestruturação da Rede de Saúde Mental em Florianópolis com foco na Gestão. Anne da Luz Ribeiro Souza, em seu trabalho, propôs ações para aumentar a participação comunitária nas reuniões do Conselho Local de Saúde da Coloninha e torná-lo um instrumento de Controle Social e de exercício de cidadania. 10 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 Apresentação Qualidade de Vida no Trabalho na Área da Saúde: um estudo de caso no Centro de Saúde Saco Grande do Município de Florianópolis/SC é o título do artigo de Tatiane Elizete Ferreira Rocha, nesse trabalho, a autora traz uma pesquisa de Qualidade de Vida no Trabalho (QVT) na área da Saúde. O estudo avaliou o nível de satisfação dos enfermeiros inseridos nas equipes de Saúde da Família (SF) do CSSG, em relação à QVT. O trabalho realizado por Jeancarlo Menegon discute a efetividade das estratégias adotadas e os equívocos conceituais que influenciam na proteção da saúde do trabalhador, e propõe uma revisão das prioridades, o fortalecimento das vigilâncias em saúde municipais e o empoderamento da articulação intersetorial no CEREST Regional de Florianópolis. Para fechar este volume, Fabrícia Vasco, em seu artigo Controle e Avaliação do SUS em Florianópolis: uma análise do processo de conferência da produção de prestadores privados, descreve a hierarquia da gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) em Florianópolis e o processo de conferência da produção SUS. Desejamos a todos uma ótima leitura e esperamos por todos vocês no próximo volume. Maurício Fernandes Pereira Alexandre Marino Costa Gilberto de Oliveira Moritz Denise Aparecida Bunn Organizadores Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 11 Análise dos Recursos na Dispensação de Medicamentos na Farmácia da Policlínica Municipal de Saúde – Centro de Florianópolis Aluna: Claudia Fabre Branco Scharf1 Orientador: Altamiro Damian Prevé2 Tutora: Juliana Pereira3 Resumo Abstract O objetivo deste trabalho foi analisar os recursos físicos e humanos existentes na Farmácia da Policlínica Municipal Centro de Florianópolis, bem como o número de atendimentos realizados mensalmente no período de junho de 2010 a junho de 2011, através de dados existentes em relatórios do Sistema Informatizado da Secretaria Municipal de Saúde, denominado INFOSAÚDE. Pela análise feita neste período observou-se que os recursos disponíveis atualmente, principalmente no que diz respeito aos recursos humanos são insuficientes se comparados ao número de atendimentos, gerando significativa insatisfação dos funcionários e dos usuários do Sistema Único de Saúde. The objective of this study was to analyze the physical and human resources existing in the Polyclinic Pharmacy Municipal Center Florianópolis, as well as the number of visits made monthly from June 2010 to June 2011, using existing data on reports of Computerized System Municipal Health Department, called INFOSAÚDE. For the analysis in this period it was observed that the resources currently available, particularly with regard to human resources are insufficient compared to the number of visits, generating significant dissatisfaction among employees, as well as the users of the Unified Health System However, without the availability of adequate minimum resources, to provide an excellent service to users of SUS. Palavras-chave: Dispensação. Atenção Farmacêutica. Assistência Farmacêutica. Uso Key words: Dispensation. Pharmaceutical Racional. Care. Rational use. 1 Graduada em Farmácia pela Universidade Federal de Santa Catarina (1997), especialização em Saúde da Família pela UFSC (1998) e especialização em Gestão pela Universidade Federal de Santa Catarina (2003). E-mail: [email protected]. 2 Mestre em Administração pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1985). E-mail: [email protected]. 3 Especialista em Gestão de Pessoas nas Organizações e Bacharel em Administração pela Universidade Federal Santa Catarina (UFSC). E-mail: [email protected]. Análise dos Recursos na Dispensação de Medicamentos na Farmácia da Policlínica Municipal de Saúde – Centro de Florianópolis 1Introdução A Lei n. 5.991, de 17 de dezembro de 1973, estabelece que o processo de dispensação de medicamentos na farmácia está sob a responsabilidade do profissional farmacêutico (BRASIL, 1973). Com o passar dos anos houve o surgimento de novas definições das atividades farmacêuticas, como, a Atenção Farmacêutica apresentada por Hepler e Strand (1990), a qual tem influenciado cada vez mais esses profissionais a assumirem um papel ativo de promoção da saúde. A profissão farmacêutica tem passado por profundas transformações, a fim de atender às novas demandas sociais. Outrora o papel da farmácia e do próprio farmacêutico resumia‑se em comprar, registrar, armazenar e fornecer medicamentos, ignorando‑se a amplitude e o alcance da Atenção Farmacêutica. Segundo Petty (2003), a profissão farmacêutica está mudando da simples oferta de medicamentos para uma função clínica de fornecimento de informações. Nesse contexto, Pepe e Castro (2000) ressaltam que o farmacêutico, como um profissional capaz de interagir com os prescritores e os pacientes, deve possuir o quesito informação como alicerce desta relação. A informação repassada deve ser confiável e baseada em evidências. (CORRER et al., 2004) O paciente de hoje questiona sua medicação, os efeitos indesejáveis. Ele deseja saber como deve tomar seu medicamento e informações essenciais sobre o medicamento que está fazendo uso. E preciso entender que dispensar um medicamento, principalmente dentro da concepção de Atenção Farmacêutica, é muito mais que entregar ao paciente. Significa disponibilizar um produto de qualidade e assegurar o seu uso racional. (PACHECO; MARIZ, 2006) Alano (2005) demonstra que os farmacêuticos têm diversos desafios perante a mudança de práticas na farmácia, e entre eles se destacam: a priorização e a exigência do cumprimento de tarefas administrativas no processo de trabalho, em detrimento das atividades clínicas e da educação em saúde. Os próprios pacientes reivindicam um profissional farmacêutico que não promova a prestação do serviço somente pensando na entrega do medicamento, sem nenhuma orientação farmacêutica. Os cuidados farmacêuticos são necessários para promover a saúde, prevenir doenças, avaliar, monitorar, iniciar e modificar o uso de medicações para garantir que a terapêutica farmacológica seja segura e efetiva. Como 14 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 Claudia Fabre Branco Scharf # Altamiro Damian Prevé # Juliana Pereira parte do planejamento desses cuidados, os farmacêuticos ajudam a avaliar as necessidades terapêuticas, prevenir reações adversas a fármacos, desenvolver terapêutica específica para o paciente, administrar a doença crônica e monitorizar o seguimento, segundo Zubioli (2006). A realização desse processo na farmácia apresenta limitações, principalmente relacionadas à carga de trabalho dos farmacêuticos, à falta de tempo, aos recursos humanos disponíveis e à estrutura física dos estabelecimentos. Neste trabalho foram analisados os recursos físicos e humanos existentes na Farmácia da Policlínica Municipal Centro de Florianópolis, bem como o número de atendimentos realizados mensalmente no período de junho de 2010 a junho de 2011. As informações servirão de subsídios para a implantação da Atenção Farmacêutica e, consequentemente, o uso racional de medicamentos na farmácia desta Policlínica Municipal de Saúde. Para isso, uma estrutura minimamente adequada deve prover (BRASIL, 1999): profissionais capacitados, ambiente limpo e organizado, mobiliário e equipamentos adequados às atividades realizadas. O processo da dispensação tem como objetivos: assegurar a integralidade da prescrição, disponibilizar medicamentos com qualidade assegurada e distribuí-los com precisão, além de aconselhar pacientes sobre o seu uso. Na busca de alcançar esses objetivos, a dispensação pode ser compreendida como um processo que envolve as seguintes etapas principais (WHO/INRUD/BU, 2000): recebimento da prescrição, certificando-se da sua integralidade, antes de preparar ou autorizar a distribuição do medicamento; interpretação da prescrição, verificando sua adequação ao paciente; aviamento dos medicamentos, segundo procedimentos e normas, visando a manter a precisão do perfil farmacoterapêutico do paciente e, quando necessário, preparando os medicamentos por meio de técnicas apropriadas; distribuição dos medicamentos segundo normas e procedimentos estabelecidos, garantindo, dessa forma, a diminuição de erros referentes ao processo de medicação; comunicação com o paciente, fornecendo informações básicas sobre o uso racional dos medicamentos prescritos para este; e registro do atendimento, segundo normas e procedimentos estabelecidos, visando a documentar as atividades de dispensação de medicamentos, tendo em vista necessidades administrativas, técnicas e éticas. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 15 Análise dos Recursos na Dispensação de Medicamentos na Farmácia da Policlínica Municipal de Saúde – Centro de Florianópolis 2 Exposição do Tema 2.1Assistência Farmacêutica A Organização Mundial da Saúde (OMS), criada em 1948, com o objetivo de apoiar os países membros no desenvolvimento de programas que melhorassem a saúde de suas comunidades, durante a 30ª Assembleia Mundial, em 1977, aprovou a meta “saúde para todos no ano 2000” e recomendou a realização de uma Conferência Mundial para o intercâmbio de experiências em matéria de desenvolvimento de cuidados primários de saúde. (OMS/UNICEF, 1978) Essa decisão foi concretizada com a realização da Conferência Mundial sobre Atenção Primária em Saúde, realizada em Alma-Ata, URSS, em 1978, com a participação do United Nations Children’s Fund (UNICEF), onde se ratificou a meta de “Saúde para todos” e a atenção primária como uma estratégia fundamental para alcançar essa meta, fato que tem uma repercussão muito importante no desenvolvimento da Assistência Farmacêutica no mundo. Com relação à Assistência Farmacêutica, os aspectos mais importantes da reunião de Alma-Ata foram: considerar o abastecimento dos medicamentos essenciais como um dos oito elementos básicos da atenção primária em saúde; recomendar que os governos formulem políticas e normas nacionais de importação, produção local, venda e distribuição de medicamentos e produtos biológicos de modo a assegurar, pelo menor custo possível, a disponibilidade de medicamentos essenciais nos diferentes níveis dos cuidados primários de saúde; que adotem medidas específicas para prevenir a excessiva utilização de medicamentos; que incorporem medicamentos tradicionais de eficácia comprovada; e que estabeleçam sistemas eficientes de administração e fornecimento. Vinte anos depois da criação do programa, foram observados alguns progressos nos países, principalmente no desenvolvimento de instrumentos de racionalização do uso de medicamentos, como as listas de medicamentos essenciais, os formulários terapêuticos e os guias-padrão (protocolos) de tratamento, assim como a melhoria da cobertura da população em relação aos medicamentos essenciais. Não obstante, encontrou-se, também, a existência de problemas de acesso e uso racional, que foram apresentados pela Diretora Geral da OMS e se resumem em Brundtland (1999). Com relação ao acesso: mais de um terço da população do mundo carece de acesso regular aos medicamentos essenciais. A situação é ainda pior nos 16 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 Claudia Fabre Branco Scharf # Altamiro Damian Prevé # Juliana Pereira países mais pobres da África e da Ásia, onde mais da metade da população não tem acesso aos medicamentos essenciais; 50 a 90% dos medicamentos nos países em desenvolvimento são pagos pelo próprio usuário. Em 1997, a OMS estimou que 50 milhões de pessoas morreriam e, desse total, 40 milhões nos países em desenvolvimento; e que, na maioria, essas mortes seriam devidas à: pneumonia, malária, tuberculose e a outras doenças para as quais existem medicamentos e vacinas efetivas e de baixo custo. Com relação ao uso racional: até 75% dos antibióticos são prescritos inapropriadamente; mundialmente, somente uma média de 50% dos pacientes toma seus medicamentos corretamente; a resistência antimicrobiana está crescendo na maioria das doenças infecciosas. Agravando a situação do acesso e do uso racional, os países em desenvolvimento apresentam, ainda, graves problemas quanto ao gerenciamento da Assistência Farmacêutica, tais como: ausência de mecanismos eficientes e equitativos de financiamento para aquisição dos medicamentos; ausência de sistema público eficiente de suprimento de medicamentos estratégicos; necessidade de ações de regulação quanto à garantia da qualidade e eficácia dos medicamentos. Dados internacionais indicam que 10 a 20% das amostras de medicamentos falham nas provas de controle de qualidade em muitos países em desenvolvimento; perdas decorrentes de condições inadequadas de transporte e armazenamento. A Política Nacional de Medicamentos (PNM), aprovada em outubro de 1998, pela portaria GM n. 3.916/1998 apresentou uma reorientação do modelo de Assistência Farmacêutica no Brasil. A partir da implementação da PNM, em maio de 2004 foi aprovada, por meio da Resolução n. 338 do Conselho Nacional de Saúde (CNS), a Política Nacional de Assistência Farmacêutica (PNAF), que deve garantir a manutenção de serviços de assistência farmacêutica na rede pública de saúde, nos diferentes níveis de atenção, considerando a necessária articulação e a observância das prioridades regionais definidas nas instâncias gestoras do SUS. (BRASIL, 2004) A PNAF define Assistência Farmacêutica como o conjunto de ações voltadas à promoção, proteção e recuperação da saúde, tanto individuais como coletivas, tendo o medicamento como insumo essencial e visando ao seu acesso e uso racional. Esse conjunto envolve a pesquisa, o desenvolvimento e a produção de medicamentos e insumos, bem como a sua seleção, programação, aquisição, distribuição, dispensação, garantia da qualidade dos produtos e serviços, acompanhamento e avaliação de sua utilização, na Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 17 Análise dos Recursos na Dispensação de Medicamentos na Farmácia da Policlínica Municipal de Saúde – Centro de Florianópolis perspectiva da obtenção de resultados concretos e da melhoria da qualidade de vida da população. (BRASIL, 2004) No Encontro sobre a Política Nacional de Medicamentos, em 1988, foi discutida a Assistência Farmacêutica, sendo definida como: [...] grupo de atividades relacionadas com o medicamento, destinada a apoiar as ações de saúde demandadas por uma comunidade. Envolve o abastecimento de medicamentos em todas e em cada uma de suas etapas constitutivas, a conservação e controle de qualidade, a segurança e a eficácia terapêutica dos medicamentos,o acompanhamento e avaliação da utilização, a obtenção e a difusão de informação sobre medicamentos e a educação permanente dos profissionais de saúde, do paciente e da comunidade para assegurar o uso racional de medicamentos. (SCHRAIBER; NEMES; MENDES-GONÇALVES, 1996, p. 605) De acordo com essa definição, pode-se compreender que a Assistência Farmacêutica é ampla; portanto a prática da Atenção Farmacêutica encontra-se inserida no contexto da Assistência Farmacêutica. Essa visualização torna-se mais evidente quando se observa o seu ciclo. Para que a Assistência Farmacêutica seja de qualidade, além de recursos disponíveis e planejamento adequado, devem-se seguir corretamente as etapas do ciclo, tais como: seleção dos medicamentos e sua programação, aquisição, armazenamento, distribuição, prescrição, dispensação e utilização. Dessa forma, pode-se evidenciar que a Atenção Farmacêutica está presente na etapa final da Assistência Farmacêutica, ou seja, no momento da dispensação e utilização dos medicamentos. Na análise conjuntural da Assistência Farmacêutica, podem-se distinguir duas áreas imbricadas, porém distintas: a) tecnologia de gestão, que tem como objetivo central garantir o abastecimento e o acesso aos medicamentos; e b) a tecnologia do uso do medicamento, cujo objetivo final é o seu uso correto e efetivo. A execução desta depende da primeira, uma vez que a disponibilidade do medicamento é fruto da gestão. (ARAÚJO; UETA; FREITAS, 2005) Nos países em desenvolvimento, como o Brasil, busca-se uma Assistência Farmacêutica plena e de qualidade, garantindo principalmente o acesso da população aos medicamentos da atenção primária, pois com o fortalecimento da Assistência Farmacêutica será possível aprofundar as discussões para 18 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 Claudia Fabre Branco Scharf # Altamiro Damian Prevé # Juliana Pereira a implantação e implementação de uma Atenção Farmacêutica sólida em nosso país. 2.2Dispensação de Medicamentos O procedimento de dispensação deve assegurar que o medicamento de boa qualidade seja entregue ao paciente certo, na dose prescrita, na quantidade adequada; que sejam fornecidas as informações suficientes para o seu uso correto; e que ele seja embalado de forma a preservar a sua qualidade (MSH, 1997). Trata-se do atendimento de um paciente específico e que, portanto, terá necessidades e características também específicas, as quais devem ser levadas em conta no momento do atendimento. É uma das últimas oportunidades de, ainda dentro do sistema de saúde, identificar, corrigir ou reduzir possíveis riscos associados à terapêutica medicamentosa. A dispensação é o ato farmacêutico de distribuir um ou mais medicamentos a um paciente, geralmente como resposta à apresentação de uma prescrição elaborada por um profissional autorizado. Nesse ato, o farmacêutico informa e orienta o paciente sobre o uso adequado do medicamento. São elementos importantes desta orientação, entre outros, a ênfase no cumprimento do regime de dosificação, a influência dos alimentos, a interação com outros medicamentos, o reconhecimento de reações adversas potenciais, e as condições de conservação do produto. (ARIAS, 1999, p. 74) Nesse momento, são estabelecidas oportunidades ímpares para a contribuição do farmacêutico ao uso racional de medicamentos. Isso ocorre por meio de vários procedimentos, nem sempre adequadamente valorizados: fornecendo a quantidade correta de medicamento de boa qualidade e em adequadas condições de armazenamento; verificando a integralidade técnica e legal da prescrição; orientando adequadamente o paciente quanto ao uso e cuidado corretos do medicamento, bem como promovendo a adesão à terapêutica prescrita, para o que será necessário estabelecer interação suficiente a fim de individualizar o atendimento de acordo com as necessidades do usuário, monitorando o uso de medicamentos, o que inclui o registro de reações adversas. 2.3 Atenção Farmacêutica A OMS, tomando por base os estudos de Hepler e Strand, definiu Atenção Farmacêutica como: Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 19 Análise dos Recursos na Dispensação de Medicamentos na Farmácia da Policlínica Municipal de Saúde – Centro de Florianópolis [...] um conjunto de atitudes, comportamentos, compromissos, inquietações, valores éticos, funções, conhecimentos, responsabilidades e destrezas do farmacêutico na prestação da farmacoterapia, com o objetivo de alcançar resultados terapêuticos definidos na saúde e na qualidade de vida do individuo. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 1999, p. 240) Em 1990, Hepler e Strand utilizaram pela primeira vez na literatura científica o termo “Pharmaceutical Care”, que foi traduzido em nosso país para Atenção Farmacêutica. Neste artigo, foi sugerido que Atenção Farmacêutica é a provisão responsável do tratamento farmacológico com o objetivo de alcançar resultados satisfatórios na saúde, melhorando a qualidade de vida do paciente. Esse conceito foi discutido, aceito e ampliado, na reunião de peritos da Organização Mundial de Saúde (OMS), realizada em Tóquio. Nessa reunião, foi definido o papel-chave do farmacêutico: estender o caráter de beneficiário da Atenção Farmacêutica ao público, em seu conjunto, e reconhecer, desse modo, o farmacêutico como dispensador da atenção sanitária que pode participar, ativamente, na prevenção das doenças e da promoção da saúde, junto com outros membros da equipe sanitária. (OMS, 1994) O termo Atenção Farmacêutica foi adotado e oficializado no Brasil, a partir de discussões lideradas pela Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), OMS, Ministério da Saúde (MS), entre outros. Nesse encontro, foi definido o conceito de Atenção Farmacêutica: [...] um modelo de prática farmacêutica, desenvolvida no contexto da Assistência Farmacêutica. Compreende atitudes, valores éticos, comportamentos, habilidades, compromissos e co-responsabilidades na prevenção de doenças, promoção e recuperação da saúde, de forma integrada à equipe de saúde. É a interação direta do farmacêutico com o usuário, visando uma farmacoterapia racional e a obtenção de resultados definidos e mensuráveis, voltados para a melhoria da qualidade de vida. Esta interação também deve envolver as concepções dos seus sujeitos, respeitadas as suas especificidades bio-psico-sociais, sob a ótica da integralidade das ações de saúde. (CONSENSO BRASILEIRO DE ATENÇÃO FARMACÊUTICA, 2002, p. 602) Além do conceito de Atenção Farmacêutica, foram definidos nesse mesmo encontro os macros componentes da prática profissional para o exercício 20 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 Claudia Fabre Branco Scharf # Altamiro Damian Prevé # Juliana Pereira da Atenção Farmacêutica, tais como: educação em saúde (promoção do uso racional de medicamentos), orientação farmacêutica, dispensação de medicamentos, atendimento farmacêutico, acompanhamento farmacoterapêutico e registro sistemático das atividades. (CONSENSO BRASILEIRO DE ATENÇÃO FARMACÊUTICA, 2002) Desse modo, Atenção Farmacêutica é uma atividade de acompanhamento ao paciente, de forma prospectiva com a finalidade de realizar [...] promoção da saúde, prevenção das doenças, primeiros socorros, manipulação, dispensação e informação, seleção individualizada de terapias com medicamentos, seguimento farmacoterapêutico, recompilar e interpretar informação referente ao paciente, elaboração do perfil farmacoterapêuticos, identificação e valoração de potencias reações medicamentosas, avaliação de terapias individuais, farmacovigilância e inter-relação com outros profissionais. (MEINERS, 2001, p. 16) A prática do exercício da farmácia pública revela que Atenção Farmacêutica é fundamental para o sucesso do tratamento prescrito pelo médico. Esta Atenção preconiza o acompanhamento ao paciente no controle do uso seguro e racional do medicamento, a aderência ao tratamento pelo paciente, enfim, medidas que visam à eficácia, não só do uso de medicamento, mas também à supervisão individual, paciente a paciente, pelo farmacêutico. O farmacêutico não se limita à aquisição e distribuição de medicamentos. A PNM também trata da dispensação, deixando claro que o ato profissional do farmacêutico é o de proporcionar um ou mais medicamentos a um paciente, geralmente como resposta à apresentação de uma receita elaborada por um profissional autorizado. Nesse ato, o farmacêutico informa e orienta sobre o uso adequado do medicamento, considerando que este profissional é importante na orientação do uso dos medicamentos, dando ênfase ao cumprimento da dosagem, à influência dos alimentos, à interação com outros medicamentos, ao reconhecimento de reações adversas potenciais e às condições de conservação dos produtos. Entretanto, o conceito de Atenção Farmacêutica mais aceito e citado atualmente pelos pesquisadores continua a ser o elaborado por Hepler e Strand (1990), no qual ela é apresentada como a parte da prática farmacêutica que Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 21 Análise dos Recursos na Dispensação de Medicamentos na Farmácia da Policlínica Municipal de Saúde – Centro de Florianópolis permite a interação do farmacêutico com o paciente, objetivando o atendimento das suas necessidades relacionadas aos medicamentos. Enfim, é um conceito de prática profissional em que o usuário do medicamento é o mais importante beneficiário das ações do farmacêutico, o centro de sua atenção. A Atenção Farmacêutica mais pró-ativa rejeita a terapêutica de sistemas, busca a qualidade de vida e demanda que o farmacêutico seja um generalista. Trata-se de pacto social pelo atendimento e necessita de base filosófica sedimentada. O exercício profissional do farmacêutico hoje busca a concepção clínica de sua atividade, além da integração e colaboração com os membros da equipe de saúde, cuidando diretamente do paciente. (PERETTA, CICCIA, 1998) 2.4 Uso Racional de Medicamentos A promoção do Uso Racional de Medicamentos é um componente muito importante de uma política nacional de medicamentos. Por exemplo, dado o fato de que o SUS registrou, em 1996, 318 milhões de consultas médicas e 12 milhões de internações hospitalares e, do momento que o medicamento é importante ferramenta terapêutica e muitas vezes resultante do processo de prescrição, pode-se inferir a importância dos medicamentos nesse processo (BRASIL, 1998). Os medicamentos ocupam um papel importante no sistema de saúde, pois salvam vidas e melhoram a saúde. O uso racional ocorre quando o paciente recebe o medicamento apropriado à sua necessidade clínica, na dose e posologia corretas, por um período de tempo adequado e ao menor custo para si e para a comunidade (MSH, 1997). Dessa forma, o uso racional de medicamentos inclui: escolha terapêutica adequada (é necessário o uso de terapêutica medicamentosa); indicação apropriada, ou seja, a razão para prescrever está baseada em evidências clínicas; medicamento apropriado, considerando eficácia, segurança, conveniência para o paciente e custo; dose, administração e duração do tratamento apropriado; paciente apropriado, isto é, inexistência de contraindicação e mínima probabilidade de reações adversas; dispensação correta, incluindo informação apropriada sobre os medicamentos prescritos; adesão ao tratamento pelo paciente; seguimento dos efeitos desejados e de possíveis eventos adversos consequentes do tratamento. O Uso Racional de Medicamentos envolve dois atores de forma fundamental: o prescritor e o paciente (individual ou coletivo). Esses atores intera- 22 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 Claudia Fabre Branco Scharf # Altamiro Damian Prevé # Juliana Pereira gem de forma dinâmica. O prescritor tem papel determinante na conduta do paciente, mas o paciente também, com suas expectativas, hábitos culturais etc. poderá influenciar os hábitos prescritivos. A relação do prescritor e paciente está permeada por uma série de questões que envolvem a capacidade de definição e implementação de uma política de medicamentos, as relações do mercado farmacêutico, particularmente no que se refere à propaganda médica, à organização da rede de serviços, em nível de educação da sociedade, a fatores culturais de um modo geral, e ao arcabouço legal. Outro ator também de grande importância é o dispensador, pois muitas interferências positivas ou negativas estão ligadas à forma como a dispensação acontece. Os esforços mais organizados para a promoção do uso racional tiveram início nos anos de 1970, com a introdução do conceito de medicamentos essenciais pela OMS, que tinha como intenção principal tanto a promoção do uso racional como a garantia do acesso. Apesar de atualmente cerca de 160 países contarem com listas de medicamentos essenciais, ainda é bastante grande a parcela da população mundial à margem de acesso universal aos medicamentos. A Organização Mundial de Saúde (OMS) propõe que, para o uso racional de medicamentos, é preciso, em primeiro lugar, estabelecer a necessidade do uso do medicamento; a seguir, que se receite o medicamento apropriado, a melhor escolha, de acordo com os ditames de eficácia e segurança comprovados e aceitáveis. Além disso, é necessário que o medicamento seja prescrito adequadamente, na forma farmacêutica, doses e período de duração do tratamento; que esteja disponível de modo oportuno, e que responda sempre aos critérios de qualidade exigidos; que se dispense em condições adequadas, com a necessária orientação e responsabilidade; e, finalmente, que se cumpra o regime terapêutico já prescrito, da melhor maneira possível. Todavia, o que tem sido observado no Brasil se contrapõe à proposta da OMS. Segundo Barros, pelo menos 35% dos medicamentos adquiridos no Brasil são feitos através de automedicação. Entretanto, se o brasileiro tende a se automedicar, é também porque não encontra disponibilidade dos serviços de saúde mais acessíveis, precisa ficar horas em uma fila e, às vezes, esperar dias e até meses para ser atendido por um médico. O baixo poder aquisitivo da população e a precariedade dos serviços de saúde contrastam com a facilidade de se obter medicamentos, sem pagamento de consulta e sem receita médica em qualquer farmácia, onde, não raro, se encontra o estímulo do balconista interessado em ganhar uma comissão pela venda; embora o Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 23 Análise dos Recursos na Dispensação de Medicamentos na Farmácia da Policlínica Municipal de Saúde – Centro de Florianópolis alto consumo e o consumo de medicamentos de forma inadequada tenham sido observados também entre as camadas mais privilegiadas da sociedade, uma vez que essa prática se dá pela herança cultural, de forma instintiva sem qualquer base racional, pela facilidade de acesso, dentre outros. Além disso, os médicos, muitas vezes, não têm acesso a informações completas a respeito da segurança dos fármacos. Parte deles sequer conhece o conjunto dos possíveis efeitos nocivos do que prescreve, ou não sabe identificar nem prevenir corretamente combinações perigosas entre as substâncias farmacológicas. Por outro lado, alguns pacientes ignoram os perigos de se misturar medicamentos e não declaram se já estão usando outros. Há também aqueles acompanhados por vários médicos, sem que haja intercomunicações entre eles. Os dados acerca do uso irracional de medicamentos no Brasil são alarmantes. Aproximadamente um terço das internações ocorridas no país tem como origem o uso incorreto de medicamentos. Estatísticas do Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sinitox) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) revelam que os medicamentos respondem por 27% das intoxicações no Brasil, e 16% dos casos de morte por intoxicações são causados por medicamentos. Contudo, o uso irracional de medicamentos não é uma prática exclusiva do Brasil, sendo, portanto, prática mundial. A seguir, seguem informações da (OMS, 1999) sobre esse hábito que ocorre em muitos países: 25 a 70% do gasto em saúde, nos países em desenvolvimento, correspondem a medicamentos, em comparação a menos de 15% nos países desenvolvidos; 50 a 70% das consultas médicas geram prescrição medicamentosa; 50% de todos os medicamentos são prescritos, dispensados ou usados inadequadamente; 75% das prescrições com antibióticos são errôneas; 2/3 dos antibióticos são usados sem prescrição médica em muitos países; 50% dos consumidores compram medicamentos para um dia de tratamento; cresce constantemente a resistência da maioria dos microorganismos causadores de enfermidades infecciosas prevalentes; 53% de todas as prescrições de antibióticos nos Estados Unidos são feitas para crianças de 0 a 4 anos; os hospitais gastam de 15 a 20% de seus orçamentos para lidar com as complicações causadas pelo mau uso de medicamentos. Diante do exposto, a OMS estabeleceu como seu grande desafio para a próxima década a melhoria na racionalidade do uso de medicamentos, havendo necessidade de promover a avaliação desse uso e vigiar o seu consumo. 24 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 Claudia Fabre Branco Scharf # Altamiro Damian Prevé # Juliana Pereira Preocupado com este grave problema de saúde pública, o Ministério da Saúde do Brasil criou o Comitê Nacional para a Promoção do Uso Racional de Medicamentos por meio da Portaria n. 427/2007, o que vem a atender uma recomendação da OMS. O Comitê desenvolverá ações estratégicas para ampliar o acesso da população à assistência farmacêutica e para melhorar a qualidade e segurança na utilização dos medicamentos. De maneira geral, as soluções propostas para reverter ou minimizar este quadro devem passar pela educação e informação da população, maior controle na dispensação com e sem prescrição médica, melhor acesso aos serviços de saúde, adoção de critérios éticos para a promoção de medicamentos, retirada do mercado de numerosas especialidades farmacêuticas carentes de eficácia ou de segurança e incentivo à adoção de terapêuticas não medicamentosas. 3 Metodologia O presente trabalho foi desenvolvido através da análise dos recursos físicos e humanos, existentes na Farmácia da Policlínica Municipal Centro de Florianópolis, localizada na Avenida Rio Branco, n. 90, bairro Centro, além do levantamento do número de atendimentos disponibilizados nos relatórios INFOSAUDE – Sistema de informatização da Secretaria Municipal de Saúde e SICLOM – Sistema de controle logístico de medicamentos antirretrovirais. A análise deste levantamento foi feite mensalmente no período compreendido entre junho de 2010 a junho de 2012 considerando as diferentes classes de medicamentos: medicamentos da rede básica, medicamentos controlados ou psicotrópicos e medicamentos antirretrovirais. A Farmácia Policlínica Centro atende em média 4.100 pacientes/mês, sendo 2.000 pacientes do programa DST-AIDS (antirretrovirais) e 2.100 pacientes da Atenção Básica (básicos e psicotrópicos). Atualmente, a Farmácia possui três farmacêuticos e três técnicas de enfermagem, sendo que os farmacêuticos cumprem a carga horário de 30 horas semanais. O horário de atendimento é de segunda a sexta-feira, das 8h às 16h45, sendo a única referência na Ilha para encaminhamento de pacientes que fazem uso de medicamentos antirretrovirais. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 25 Análise dos Recursos na Dispensação de Medicamentos na Farmácia da Policlínica Municipal de Saúde – Centro de Florianópolis 4 Análise e Resultados A Farmácia Policlínica Centro (FPC) foi inaugurada em agosto de 2007, no mesmo ano em que o município de Florianópolis assinou o Pacto de Gestão, municipalizando os serviços de Média e Alta Complexidade. A adoção da Gestão Plena levou o município a assumir a distribuição de Medicamentos Excepcionais e Medicamentos Estratégicos. Como a Policlínica Centro ofereceria consultas especializadas em Infectologia, ficou determinado que os medicamentos Estratégicos, aqueles utilizados para o tratamento de alguns agravos específicos, como DST-AIDS, Tuberculose, Hanseníase e endemias, seriam de responsabilidade da FPC, a qual seria referência para todo o Município de Florianópolis. Além disso, essa farmácia também disponibilizaria os medicamentos da atenção Básica aos pacientes que fossem consultados nas especialidades médicas no dia do seu atendimento, independente do bairro de origem destes, e a todos os pacientes pertencentes ao Centro de Saúde Centro (CS Centro), por este funcionar no mesmo prédio da Policlínica Municipal Centro, por não haver outro local para montar uma farmácia específica para esta instituição e também pela falta de recursos humanos. Em virtude do exposto acima, gerou-se um grande número de pacientes atendidos na Farmácia Policlínica Centro, e, por esse motivo, em março de 2010 foi descentralizada a dispensação dos medicamentos HIV-AIDS, sendo inaugurada outra Unidade Dispensadora de medicamentos Antirretrovirais na Farmácia Policlínica Continente. O objetivo dessa medida seria diminuir o número de pacientes atendidos na FPC, facilitando o acesso dos usuários que moram no Continente e oferecendo um melhor atendimento, visto que a FPC não comportava esta alta demanda. Porém, devido a dificuldades de deslocamento dos pacientes da região central até a Farmácia Básica de Referência Distrital do Centro, localizada na Trindade, a FPC passou a ser referência na dispensação de medicamentos psicotrópicos e outros sujeitos a controle especial da Portaria 344/ANVISA para os Centros de Saúde Prainha, Mont Serrat e Centro, além de cobrir faltas de medicamentos para todos os pacientes que residem em Florianópolis. Com isso, apesar da descentralização da dispensação dos medicamentos HIV-AIDS para a Farmácia Policlínica Continente, não houve qualquer diminuição no número de atendimentos. 26 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 Claudia Fabre Branco Scharf # Altamiro Damian Prevé # Juliana Pereira Para agravar a situação, com a abertura da unidade dispensadora de medicamentos no Continente, foi exigida a transferência de um farmacêutico para a implantação dessa unidade. Concluindo, a descentralização, além de não diminuir o número de atendimentos na FPC, ainda implicou na diminuição de recursos humanos. Os resultados e discussões estão apresentados de acordo com os indicadores avaliados nos gráficos a seguir. Total de pacientes que retiraram medicamentos da rede básica 600 500 400 300 Número de pacientes que retiraram medicamentos da rede básica 200 100 0 Gráfico 1: Total de pacientes que retiraram medicamentos da rede básica (essenciais) de outubro/2010 a junho/2012 Fonte: Dados primários (2012) Total de pacientes que retiraram medicamentos controlados 2000 1800 1600 1400 1200 1000 800 600 400 200 0 Total de pacientes que retiraram medicamentos controlados Gráfico 2: Total de pacientes que retiraram medicamentos psicotrópicos de outubro/2010 a junho/2012 Fonte: Dados primários (2012) Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 27 Análise dos Recursos na Dispensação de Medicamentos na Farmácia da Policlínica Municipal de Saúde – Centro de Florianópolis Na saúde, os medicamentos representam um instrumento essencial para a capacidade resolutiva dos serviços prestados, representando o segundo maior gasto dentro do Sistema Único de Saúde (SUS), perdendo apenas para os recursos humanos. (CARLOS, 1997) No intuito de racionalizar os recursos da saúde e garantir acesso aos medicamentos, os países elaboram suas políticas de medicamentos. No Brasil, a política de medicamentos tem como propósito garantir a segurança, a eficácia e a qualidade dos medicamentos, a promoção do seu uso racional e o acesso àqueles considerados essenciais. Medicamentos essenciais são os básicos e indispensáveis para atender à maioria dos problemas de saúde da população. Esses medicamentos devem estar disponíveis continuamente aos que deles necessitem, nas formas farmacêuticas apropriadas. (BRASIL, 1998) Porém, os medicamentos essenciais devem ser acompanhados de serviços farmacêuticos de qualidade, pois, a partir da dificuldade no entendimento da terapêutica prescrita, os pacientes passam a conviver com retornos precoces aos consultórios, realização de novos exames, agravamento de quadros e possíveis sequelas, aumentando a demanda de atendimentos nos consultórios médicos, e gerando um gargalo no atendimento, pois o número de profissionais geralmente é bem reduzido. Essa é a realidade da Policlínica Municipal Centro de Florianópolis. Não diferente do que acontece com a classe médica, os farmacêuticos padecem de um sério desequilíbrio consistente no grande número de pacientes que necessitam retirar a medicação para dar continuidade ao seu tratamento, em detrimento da estrutura disponível, especialmente material humano, em descompasso com os parâmetros preconizados pela Política Nacional de Medicamentos. Nessas condições, a atuação dos profissionais de saúde é reduzida à mera categoria de “entregadores” de medicamentos, sem se poder cumprir com os procedimentos e as reais responsabilidades, cujo ideal seria prestar uma Atenção Farmacêutica eficaz e de qualidade, para que que não verificassem efeitos negativos. Consequentemente, atingiria-se o tão perseguido uso racional de medicamentos, não somente para a redução de aplicação de recursos financeiros para o Estado, mas diminuir a quantidade de medicamentos que cada paciente consome, diminuindo suas reações adversas. Essa realidade pode ser observada nos Gráficos 1 e 2, em que o aumento no número de atendimentos é cada vez maior e o número de Recursos Humanos diminuiu em relação ao início do período estudado. 28 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 Claudia Fabre Branco Scharf # Altamiro Damian Prevé # Juliana Pereira A questão dos recursos humanos é fundamental quando se mira na melhoria das condições de saúde da população. Contudo, ao operar a dispensação Farmacêutica com número escasso de funcionários, como se verifica na Farmácia Policlínica Municipal – Centro, sem atender às recomendações e procedimentos já destacados, ter-se-á indesejável aumento de pacientes doentes por falta de informação sobre o uso da medicação e aquilo que está prescrito, como a posologia. É certo que o paciente, uma vez ingerindo este fármaco fora dos procedimentos apropriados, estará afetando gravemente sua saúde, revertendo o objetivo da medicação em triste desfecho: o que se fez e ministrou para alcançar a cura estará repercutindo em uma nova consulta, quiçá uma internação hospitalar, e, certamente, nova medicação. A qualidade e quantidade do consumo de medicamentos estão sob ação direta da prescrição, sendo que esta sofre inúmeras influências, que vão desde a oferta de produtos e as expectativas dos pacientes até a propaganda das indústrias produtoras. Para que os profissionais farmacêuticos consigam realizar essa prática de Atenção Farmacêutica, é preciso que haja tempo suficiente para que sejam prestadas as devidas orientações, primando para que não ocorram distorções nem carências. Assim, a administração pública deve oferecer todos os recursos minimamente necessários para que o farmacêutico possa de fato cumprir com seu verdadeiro papel, que não é somente uma simples entrega de medicamentos, mas a Atenção Farmacêutica necessária para um bom resultado final do tratamento ministrado ao paciente. Assim, a principal ferramenta que se necessita para fazer cumprir essa salutar prática farmacêutica é ter material humano em número bastante; do contrário, esse profissional, sobrecarregado, fragiliza-se ante a forte pressão dos próprios pacientes em receber rapidamente a medicação, de modo que não é capaz de sequer informar como administrar corretamente a medicação, nem mesmo outras informações tão importantes, que irão refletir na adesão do tratamento e evitar possíveis reações adversas da medicação. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 29 Análise dos Recursos na Dispensação de Medicamentos na Farmácia da Policlínica Municipal de Saúde – Centro de Florianópolis Total de pacientes que retitraram medicamentos antiretrovirais 2500 2000 1500 1000 500 Total de pacientes que retitraram medicamentos antiretrovirais 0 Gráfico 3: Total de pacientes que retiraram medicamentos antirretrovirais de outubro/2010 a junho/2012 Fonte: Dados primários (2012) O Programa Nacional de HIV/AIDS foi implantado em Florianópolis em 2007, no mesmo ano que o Município assinou o Pacto de Gestão, municipalizando serviços de média e alta complexidade. A adoção da Gestão Plena implicou em o Município assumir a distribuição de Medicamentos Estratégicos a fim de cumprir a Lei n. 9.313, de 13 de novembro de 1996, a qual determina que todos os cidadãos possuem direito de acesso universal aos medicamentos da TARV (BRASIL, 1996). Desde sua implantação até o ano de 2009, a dispensação era realizada por apenas uma Unidade Dispensadora de Medicamentos (UDM), localizada na Policlínica Municipal Centro. Em março de 2011 foi criada a UDM localizada na Policlínica do Continente e no mês seguinte, em abril de 2011, a maioria dos pacientes que residem no Continente passou a retirar esses medicamentos nesta nova UDM, reduzindo em 18% o número de pacientes atendidos na farmácia da Policlínica Centro, conforme mostra o Gráfico 3. Essa observação é um indicativo de que a descentralização dos medicamentos e serviços da atenção farmacêutica leva a uma diminuição da demanda, gerando uma melhoria no serviço prestado. 5 Considerações Finais São várias as propostas de melhoria no atendimento e na prestação de serviços na Farmácia da Policlínica Municipal Centro. Todavia, os principais aspectos negativos a serem considerados e superados são: a) considerando 30 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 Claudia Fabre Branco Scharf # Altamiro Damian Prevé # Juliana Pereira que a Farmácia dispensa medicamentos de dois programas distintos, quais sejam, os medicamentos da Atenção Básica e os medicamentos Estratégicos, não sendo específica para o atendimento de medicamentos antirretrovirais, que é a sua maior demanda, o ideal é que a dispensação fosse feita em locais diferentes; b) falta de espaço físico para o armazenamento de medicamentos; c) falta de capacitação para os profissionais; d) falta de recursos humanos, acarretando aumento de reclamações pelos usuários em face da demora no atendimento; e) consequentemente, Assistência Farmacêutica inadequada ante a falta de tempo suficiente para desempenhar as funções essenciais; f) alta rotatividade de técnicos. Como reflexo desse processo há um aumento no estresse emocional e físico para os profissionais da farmácia e para a direção da Policlínica, como também para os usuários. Uma proposta de adequação seria desvincular a farmácia da Policlínica Municipal Centro em duas Farmácias em locais e estruturas distintas, visto que a dispensação de medicamentos antirretrovirais exige extrema cautela e parcimônia em relação ao sigilo, sendo que a especialização, em qualquer setor, e não é diferente na saúde, sempre demonstrou resultados favoráveis. De outro lado, a indicada descentralização diminuiria a demanda de pacientes, podendo-se concentrar na qualidade da prestação do atendimento. Outras propostas seriam: a) aumentar o número de profissionais atuantes no setor; b) qualificar esses profissionais; c) incrementar a orientação dos usuários quanto ao uso dos medicamentos relativamente à sua indicação, posologia, tempo do tratamento, conservação, efeitos colaterais e interações medicamentosas, mediante instrumentos ilustrativos, tais como folders, vídeos em sala de espera, etc. Enfim, tudo que favoreça um ambiente de trabalho mais humano e profícuo, refletindo, consequentemente, na eficiência e ao alcance dos elevados e indispensáveis fins do Sistema Único de Saúde. Não se desconhece, tampouco deve ser minorado, as relevantes conquistas já alcançadas. Ao revés, e justamente para fomentar que se ultrapasse ainda mais esses pontos positivos, convém registrá-los até mesmo a fim de que se mantenham como meta permanente do serviço de saúde. Nesse sentido, apesar das ressabidas carências nos diversos segmentos em que o Estado atua prioritariamente, notadamente saúde, educação, segurança e moradia, é bem verdade, como se disse, que nos últimos anos é possível elencar melhorias significativas, considerada, para esta análise, a Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 31 Análise dos Recursos na Dispensação de Medicamentos na Farmácia da Policlínica Municipal de Saúde – Centro de Florianópolis unidade Policlínica-Centro, como: ambiente limpo e com iluminação adequada; colaboradores em sua maioria dedicados e comprometidos com a Instituição; existe o controle do estoque físico das medicações; é feita sempre que necessária a programação de medicamentos de acordo com a necessidade para que o usuário possa dar continuidade ao seu tratamento; o atendimento ao público é feito de forma humanizada, sempre utilizando o bom senso e com ética; bem como se faz o cumprimento de todas as normas estabelecidas pela instituição. 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Infarma, Brasília, v. 18, n. 1/2, 2006. 34 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 Políticas Públicas e Envelhecimento: dificuldades e possibilidades na atenção integral à saúde da pessoa idosa no SUS Aluna: Anna Samara Portinho1 Orientador: Luís Moretto Neto2 Tutora: Isadora de Souza Bernardini3 Resumo Abstract O estudo objetiva, através de uma revisão da literatura, elencar as políticas públicas voltadas para os idosos, apresentando as dificuldades para a implementação dessas políticas e as possibilidades atuais acerca da abordagem do idoso na Estratégia de Saúde da Família. Discorre-se sobre a necessidade de uma assistência à saúde mais integral e resolutiva aos idosos, enfocando na intersetorialidade para superar a fragmentação das políticas públicas e na regionalização do sistema municipal como garantia de acesso à média complexidade e integração da rede de atenção à saúde. O artigo também se refere aos gestores do SUS, que devem trabalhar de forma articulada para viabilizar o alcance do propósito das políticas de saúde voltadas aos idosos. The study aims, through a literature review, list the public polices targeting the elderly, presenting the difficulties for the implementation of these polices and the current possibilities about the approach of the elderly in the Family Health Strategy.Talksoverthe need for ahealthcaremoreintegral and resolutive forthe elderly,focusingo nintersectionalityto overcomethe fragmentation ofpublic policies and theregionalizationof the municipal systemasguaranteeaccess tomedium complexityand integrationof the network ofhealth care. The article also refers to the SUS managers that should work in an articulated manner in accordance with its responsibilities to provide the means and act so as to facilitate the achievement of the purpose of health policies for the elderly, besides considering the social control. Key words: Public Polices. Health of the ElderPalavras-chave: Políticas Públicas. Saúde ly. Family Health Program. Health Services for do Idoso. Programa de Saúde da Família. the Aged. Serviços de Saúde para Idosos. 1 Especialista em prótese dentária pelo Instituto de Pós-graduação e Atualização em Odontologia (2011). Possui Graduação em Odontologia pela Universidade Federal de Santa Catarina (2008). E-mail: [email protected]. 2 Doutor em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina (2001). Atua em pesquisas nas áreas de Desenvolvimento Sustentado e Turismo; Estratégias Sustentáveis em Turismo e Gestão Social. E-mail: [email protected]. 3 Mestre em Administração pela Universidade Federal de Santa Catarina (2012). Possui graduação em Ciências da Administração pela Universidade Federal de Santa Catarina (2008). E-mail: [email protected]. Políticas Públicas e Envelhecimento: dificuldades e possibilidades na atenção integral à saúde da pessoa idosa no SUS 1Introdução O envelhecimento acelerado da população brasileira vem produzindo necessidades e demandas sociais que requerem respostas políticas adequadas do Estado e da sociedade civil. Segundo o censo demográfico de 2010 (IBGE, 2011), a população idosa era de 20,5 milhões, o equivalente a 10,8% da população total. Projeções indicam que, em 2020, a população idosa brasileira será de 30,9 milhões, representando 14% da população total (KÜCHEMANN, 2012).O aumento na expectativa de vida se deve à baixa natalidade, aos avanços na medicina que favorece a longevidade e ao enfrentamento das doenças crônicas com mais tranquilidade que no passado (LIMA, 2010).Os fatores determinantes deste fenômeno são cada vez mais estudados e conhecidos, e nos permitem entendê-lo em sua magnitude e complexidade, merecendo ainda maior atenção daqueles que dedicam suas atividades profissionais em prol da promoção, proteção e recuperação da saúde do idoso. O crescente número de pessoas idosas resultou em problemas sociais, econômicos e de saúde, que exigiram determinações legais e políticas públicas capazes de oferecer condições ao processo de envelhecimento, procurando atender às necessidades dessa população (MARTINS, 2007). O acesso universal aos serviços, a garantia de tratamentos e o efetivo atendimento à saúde do idoso, ainda deixam muito a desejar. As equipes de saúde da família presentes na atenção básica e suas ações constituem em boas práticas de saúde, frente ao abismo entre o plano normativo, que assegura o direito e a provisão de atenção à saúde aos idosos, e a efetiva oferta (MELLO, 2008). Portanto, os serviços de saúde necessitam adaptarem-se para atender essa demanda em todos os níveis de atenção, levando em consideração o aspecto multidimensional do envelhecimento. Os problemas de saúde do idoso precisam ser abordados adequadamente para não provocar um impacto negativo no sistema de saúde brasileiro. (LIMA, 2010) O artigo tem como objetivo apresentar, através de uma revisão da literatura, as políticas públicas voltadas para os idosos, salientando as dificuldades para a implementação dessas políticas, além de discorrer sobre as possibilidades atuais acerca da abordagem do idoso na estratégia de saúde da família. 36 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 Anna Samara Portinho # Luís Moretto Neto # Isadora de Souza Bernardini 2 Políticas Públicas Voltadas para os Idosos O Estado, por intermédio das políticas públicas, visa proporcionar qualidade de vida aos seus cidadãos. Portanto, as políticas públicas de saúde foram feitas na tentativa de garantir o direito universal e integral à saúde. Na constituição de 1988 foi conquistado o direito à saúde através do artigo 196, que diz: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos [...]” (Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 – Seção II – Saúde). (SILVA, 2012) Podem-se identificar as seguintes políticas públicas de saúde voltadas para o cuidado do idoso: Política Nacional do Idoso – Lei n. 8.842, de 1994; Portaria n. 702, de 2002, que cria mecanismos de organização e implantação de Redes Estaduais de Assistência à Saúde do Idoso tendo como base as condições de gestão e a divisão de responsabilidades definida pela Norma Operacional de Assistência à Saúde (NOAS); Estatuto do Idoso – Lei n. 10.741 de 2003 e a Política Nacional de Saúde da Pessoa Idosa (PNSPI) publicada por meio da portaria GM/MS n. 1.395, de 10 dezembro de 1999, que estabelece as diretrizes essenciais que norteiam a definição ou a redefinição dos programas, planos, projetos e atividades do setor na atenção integral às pessoas em processo de envelhecimento e à população idosa. (CAMACHO, 2010) A PNSPI fundamenta a ação do setor saúde na atenção integral à população idosa e em processo de envelhecimento, conforme determinam a Lei Orgânica de Saúde n. 8.080/90 (Preservação da autonomia das pessoas em defesa de sua integridade física e moral); e a Lei n. 8.842/94, regulamentada pelo Decreto n. 1.948/96, assegura os direitos dos idosos e busca criar condições para a promoção da autonomia, integração e participação dos idosos na sociedade. Essa política pública visa recuperar, manter e promover a autonomia e a independência dos idosos, direcionando medidas coletivas e individuais de saúde para esse fim, em consonância com os princípios e diretrizes do Sistema Único de Saúde. (SILVA, 2012) O Estatuto do Idoso expõe os seguintes direitos fundamentais de saúde: atendimento integral pelo Sistema Único de Saúde, atendimento geriátrico ambulatorial, atendimento domiciliar, reabilitação, fornecimento de medicamentos e próteses, direito de opção pelo tipo de tratamento, direito a acompanhante, proibição de discriminação em plano de saúde, treinamento dos Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 37 Políticas Públicas e Envelhecimento: dificuldades e possibilidades na atenção integral à saúde da pessoa idosa no SUS profissionais de saúde, dos grupos de autoajuda e dos cuidadores familiares. (MIYATA, 2005) A abordagem multidimensional do idoso presente nas políticas públicas de saúde apresenta como marco teórico a adoção do documento: “Envelhecimento ativo: um marco para elaboração de políticas.” Esse documento teve a chancela da Organização Mundial de Saúde (OMS) e apresenta os principais desafios a serem enfrentados no mundo, relacionados ao envelhecimento populacional, e destaca o fato de que a saúde só pode ser criada e mantida com a participação de vários setores. A OMS também recomenda que políticas de saúde na área de envelhecimento levem em consideração os determinantes de saúde ao longo de todo o curso de vida (sociais, econômicos, comportamentais, pessoais, culturais, além do ambiente físico e acesso a serviços), com particular ênfase nas questões de gênero e nas desigualdades sociais. (VERAS, 2009) Entretanto, essa legislação não tem sido eficientemente aplicada, contribuindo para as contradições dos próprios textos legais, o desconhecimento do seu conteúdo e a tradição centralizadora e segmentadora das políticas públicas, proporcionando a superposição desarticulada de programas e projetos voltados para a pessoa idosa. (GROSSI, 2006) 2.1 Dificuldades e Possibilidades na Implementação das Políticas Públicas Voltadas ao Idoso no SUS O Sistema Único de Saúde apresenta como características centrais a universalidade, a equidade e a integralidade e as diretrizes organizacionais de descentralização e participação social. A atenção básica deve coordenar os cuidados na rede de serviços e efetivar a integralidade nas diversas dimensões. Ela é definida como ações individuais e coletivas situadas no primeiro nível de atenção, voltadas à promoção da saúde, prevenção de agravos, tratamentos e reabilitação. A integração da rede de serviços na perspectiva da Atenção Básica de Saúde (ABS) envolve a constituição dos serviços de ABS como porta de entrada preferencial, a garantia de acesso aos diversos níveis de atenção por meio de estratégias que associem as ações e serviços necessários para resolver as necessidades de saúde com mecanismos formalizados de referência e a coordenação de ações pela equipe de atenção básica, garantindo o cuidado contínuo. Integração, coordenação e continuidade são processos inter-relacionados e interdependentes que se expressam em vários 38 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 Anna Samara Portinho # Luís Moretto Neto # Isadora de Souza Bernardini âmbitos: sistema, atuação profissional e experiência do paciente a ser cuidado. (GIOVANELLA, 2009) A ação intersetorial busca superar a fragmentação das políticas públicas e é entendida como a interação entre os diversos setores no planejamento, execução e monitoramento de intervenções para enfrentar problemas complexos e necessidades de grupos populacionais. A articulação intersetorial é imprescindível para incidir sobre os determinantes sociais do processo saúde-doença e promover a saúde. Os resultados relacionados à saúde por meio da intersetorialidade são mais efetivos do que o setor alcançaria por si só. Na perspectiva da ABS no âmbito municipal, a atuação intersetorial ocorre através da ação comunitária no território, articulação na Secretaria Municipal de Saúde e articulação de políticas municipais. (GIOVANELLA, 2009) Segundo Grossi (2006), a intersetorialidade confere aos profissionais da saúde novas possibilidades na prestação de uma assistência mais integral e resolutiva. A promoção da saúde, focada na qualidade de vida, deve ser desenvolvida com centralidade no usuário e no seu envolvimento ativo num processo de educação para o autocuidado. Ela incorre em mudanças na organização, tanto dos sistemas e serviços de saúde, como em todos os outros setores da sociedade, além da importância de revisão do processo de formação dos profissionais que atuam nessas áreas. Assim, a equipe deve não ser entendida como um conjunto de saberes que trabalham compartimentalizados, e sim, a partir de inter-relações que atuam em processos de trabalhos articulados entre si. Com isso, as inter-relações adquirem um caráter mais amplo, porque extrapolam o setor saúde e buscam novas parcerias com outras instituições em redes de atenção que contribuem e garantam a eficácia na atenção à saúde dos idosos. A pessoa idosa não conta com um sistema de atenção direcionado à promoção do envelhecimento bem-sucedido. Isso se reflete na persistência das doenças infecciosas e na ocorrência de agudização de doenças crônicas ainda não controladas. Dessa forma, o custo da atenção ao idoso é de alto nível de atenção terciária, como o número e o tempo de internação. Além disso, faltam ações específicas na atenção primária à saúde. O nível primário da atenção prevê a resolutividade das necessidades de saúde, que extrapolam a esfera de intervenção curativa e reabilitadora individual por meio da promoção de saúde, prevenção de doenças e educação continuada. A implementação das políticas públicas voltadas para o amparo adequado ao idoso necessita de investimentos, principalmente, na atenção básica com rediscussões de estratégias preventivas e de promoção à saúde. Por outro Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 39 Políticas Públicas e Envelhecimento: dificuldades e possibilidades na atenção integral à saúde da pessoa idosa no SUS lado, os profissionais da saúde, principalmente aqueles que atuam na atenção básica, devem estar em número suficiente para compor as equipes de saúde da família e serem alvo de capacitações para a adequação às necessidades da população idosa. É importante o fortalecimento das relações familiares com o propósito de se diminuir as dificuldades e as angústias vivenciadas pelos idosos e seus familiares. O apoio informal e familiar constitui um aspecto importante na atenção à saúde dos idosos. Entretanto, o Estado tem papel preponderante na promoção, proteção e recuperação da saúde do idoso nos três níveis de gestão do SUS, papel este capaz de otimizar o suporte familiar sem transferir para a família a responsabilidade em relação a este contingente populacional.(MIYATA, 2005) Atualmente, as ações de atenção à saúde da pessoa idosa se dão por iniciativa da sociedade civil organizada, por meio de organizações não governamentais, associações filantrópicas e entidades religiosas. Essas ações são de caráter pontual na resolutibilidade das necessidades de saúde dos idosos, ou seja, atendem a grupos focais. No que se refere à atenção básica de saúde, a questão do idoso não é tratada de maneira coletiva, exceto por programas que indiretamente tratam da questão, como por exemplo, as ações direcionadas aos idosos hipertensos e diabéticos. O programa de saúde da família trata esta questão como uma consequência de sua atuação. A crescente demanda por procedimentos diagnósticos e terapêuticos evidencia a necessidade de se estabelecer indicadores de saúde capazes de identificar os idosos com risco elevado de perda funcional e orientar ações voltadas à promoção da saúde e manutenção da capacidade funcional (MIYATA, 2005). As doenças crônicas e suas incapacidades não podem ser entendidas como consequências inevitáveis do envelhecimento. A prevenção é efetiva em qualquer nível, mesmo nas fases mais tardias da vida. Embora os principais conceitos de prevenção da saúde já estejam assimilados pelos profissionais da saúde, observa-se grande dificuldade na operacionalização, principalmente, quando se trata dos cidadãos da terceira idade. Apesar do discurso da prevenção, a maior parte dos serviços são curativos e tradicionais e argumenta-se ser difícil mensurar a efetividade para tais programas do ponto de vista financeiro (VERAS, 2009). Com isso, as ações devem ter um significado prático para os profissionais atuantes na atenção básica e devem ter a relação custo-benefício viável para os administradores, devido aos poucos recursos destinados à área da saúde. No que se refere à formação profissional na área da saúde, investimentos nas universidades para melhor capacitar os profissionais no trabalho com os idosos também são necessários. (MIYATA, 2005) 40 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 Anna Samara Portinho # Luís Moretto Neto # Isadora de Souza Bernardini Segundo Motta (2007), a inclusão do processo de envelhecimento em todos os seus aspectos nos currículos de graduação é uma prioridade. Além disso, é necessário ampliar a discussão sobre o papel da pós-graduação, da educação permanente e da educação continuada a fim de fazer frente ao desafio de envelhecer com qualidade. É sabido que existe uma insatisfação presente no dia a dia dos profissionais de saúde em relação à atenção prestada aos cidadãos, devido à percepção de que não se dá conta de tudo, e que, diversas vezes, não se conclui a atenção satisfatoriamente, ou seja, a resposta que se dá aos problemas não é integral. Dessa forma, a construção de um projeto mais amplo e efetivo, que possa agregar setores distintos e saberes específicos, é sem dúvida melhor e mais coerente do que o trabalho fragmentado. (GROSSI, 2006) Os reduzidos investimentos públicos para o atendimento das necessidades específicas da população idosa e também para os recursos humanos, tanto em quantidade como em qualidade, somam-se à desinformação, ao preconceito e ao desrespeito com relação aos idosos. Dessa forma, tornam-se necessários novos métodos de planejamento e de gerência, porque a prestação dos cuidados exige estruturas criativas e inovadoras, com propostas de ações diferenciadas, de modo que o sistema consiga ser eficiente e o cidadão da terceira idade possa usufruir integralmente os anos a mais proporcionados pelo avanço da medicina. É importante salientar que todas as iniciativas de promoção de saúde, de assistência e de reabilitação em saúde devem ter como objetivo aprimorar, manter ou recuperar a capacidade funcional do indivíduo pelo maior tempo possível, valorizar a autonomia e a independência, transpondo um simples diagnóstico e tratamento de doenças específicas. A prática médica mostra que a redução da capacidade funcional do idoso é o que tornará dependente de um nível mais complexo de assistência. Essa diminuição da capacidade poderá ser ocasionada pela evolução da própria patologia de base, devido à sua má administração e sequelas, ou através de uma inadequada assistência recebida, seja social, familiar ou institucional. Monitorar as condições de saúde de uma população idosa, assim como dos fatores associados a essas condições, mostra-se como um instrumento-chave para orientar as estratégias de prevenção. Essas estratégias devem ter como objetivo interferir positivamente na história natural da doença, antecipar o aparecimento de complicações, prevenir as exacerbações e complicações das doenças crônicas, ampliar o envolvimento do paciente idoso no autocuidado, além de construir uma base de dados sobre os doentes crônicos. Assim, Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 41 Políticas Públicas e Envelhecimento: dificuldades e possibilidades na atenção integral à saúde da pessoa idosa no SUS um modelo de atenção à saúde da pessoa idosa que apresente efetividade e eficiência precisa aplicar todos os níveis da prevenção e ter um fluxo bem desenhado de ações de educação, de promoção à saúde, de prevenção de doenças evitáveis, de postergação de moléstia e de reabilitação de agravos. Dessa forma, esse modelo de atenção deve apresentar, no momento posterior à captação e identificação do risco dos pacientes idosos, uma fase na qual estejam incluídas a possibilidade de tratamento de patologias não geriátricas e o referenciamento para esse cuidado geriátrico, no caso de necessidade de tratamento especializado. (VERAS, 2009) A regionalização do sistema municipal é uma estratégia para a garantia de acesso à média complexidade e integração da rede de atenção à saúde, investindo-se na formação de centros de especialidades médicas e serviços de pronto-atendimento regionalizado para oferecer suporte na média complexidade às unidades básicas de saúde circunscritas aos territórios de abrangência. Investimentos em tecnologias de informação e comunicação possibilitam a implantação de sistemas informatizados de regulação e prontuários eletrônicos. A criação de serviços especializados próprios municipais representa o esforço empreendido pelos gestores locais para garantir a atenção secundária. A constituição de fóruns integrados de discussão sobre a atenção básica e especializada, a telemedicina e o apoio matricial também são estratégias com potencialidades para superar a distância entre gerentes e profissionais dos dois níveis assistenciais e a fragmentação da rede. Investir na estratégia de saúde da família para fortalecer a atenção básica no sistema de saúde municipal é fator imprescindível para a sua expansão. O monitoramento do processo de implantação de programas de saúde pública é extremamente pertinente visto que a presença de atores, interesses diversos e o cenário político-institucional podem explicar o sucesso ou o fracasso na implantação da proposta para a saúde, como também a distância entre o planejado e o executado. A análise do contexto de implantação é imprescindível para se alcançar uma compreensão mais global da intervenção, identificando processos e resultados intermediários, porém, fundamentais. Processos e resultados intermediários são indispensáveis, por sua vez, não só para uma posterior validade do impacto final, como também frequentemente sinalizam e evidenciam mudanças mais substanciais em curso. (BODSTEIN, 2002) Os gestores do SUS devem trabalhar de forma articulada e em conformidade com suas atribuições para prover os meios e atuar de modo a viabilizar o alcance do propósito das políticas de saúde voltadas aos idosos. Com isso, 42 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 Anna Samara Portinho # Luís Moretto Neto # Isadora de Souza Bernardini os gestores do SUS deverão estabelecer, em suas respectivas áreas de abrangência, processos de articulação permanente, visando ao estabelecimento de parcerias e à integração institucional, que viabilizem a consolidação de compromissos multilaterais efetivos. Será buscada, igualmente, a participação de diferentes segmentos da sociedade que estejam direta ou indiretamente relacionados com essas políticas. (MYATA, 2005) No trabalho dos gestores, é fundamental a valorização do conhecimento acumulado em gestões anteriores, em cada secretaria, pelo conjunto de funcionários que dão continuidade às ações e serviços, independentemente das mudanças eleitorais. A complexidade da gestão do SUS impõe o diálogo democrático sobre os serviços e espaços coletivos e, sobretudo, o reconhecimento das ações realizadas consideradas positivas que demandam continuidade e permanência, porque toda inovação dependerá do estágio de implantação do SUS, que é diferente em cada município. Os novos secretários devem também buscar, na medida do possível, superar as disputas políticas partidárias da campanha eleitoral e aproveitar as potencialidades e saberes dos profissionais comprometidos com o SUS para planejar a sua gestão. É importante salientar que o Sistema Único de Saúde é suprapartidário. O maior desafio dos gestores é fazer com que as ações e projetos desenvolvidos visem a alterar a lógica da produção de saúde por meio de procedimentos para a produção de cuidados na perspectiva do usuário cidadão, em especial a pessoa idosa. Os gestores devem enfrentar o desafio de mudar não somente os processos de trabalho médicos, centrados na medicalização, mas também a forma como se faz a gestão do sistema e dos serviços de saúde. (BRASIL, 2009) 3 Abordagem ao Idoso na Estratégia de Saúde da Família O Brasil vem conquistando nas últimas décadas importantes avanços na área da saúde. O processo de construção do SUS, regulamentado pela Constituição Federal de 1988 e pelas Leis Complementares, vem gradativamente acontecendo sobre os pilares da universalização, da integralidade, da descentralização e da participação popular. O grande desafio do Sistema Único de Saúde é conseguir traduzir os avanços alcançados no campo legal em mudanças efetivas e resolutivas na prática de atenção em saúde para a população idosa. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 43 Políticas Públicas e Envelhecimento: dificuldades e possibilidades na atenção integral à saúde da pessoa idosa no SUS O Ministério da Saúde assumiu a Estratégia de Saúde da Família (ESF) a partir de 1994, buscando a reorganização do modelo tradicional, também conhecido como modelo biomédico. A ESF visa à organização dos serviços básicos de saúde, bem como sua relação com a comunidade e entre os vários níveis de complexidade, o que possibilita a integralidade da assistência e a criação de vínculos de compromisso e de responsabilidade compartilhada entre os serviços e a população. O Sistema Único da Saúde apresenta como diretrizes norteadoras: a integralidade, a equidade, a universalidade e a humanização da atenção à saúde da população brasileira. Os profissionais da equipe de saúde da família devem estar atentos à mudança do perfil populacional da sua área de abrangência, com o significativo aumento da população idosa. Cabe a esses profissionais trabalhar com medidas promocionais de proteção específica, de identificação precoce dos agravos mais frequentes na sua população idosa, bem como sua intervenção e medidas de reabilitação voltadas a evitar o afastamento do idoso do seu convívio social e familiar. O cuidado do idoso deve basear-se, fundamentalmente, na família com o apoio das Unidades Básicas de Saúde sob a Estratégia de Saúde da Família, as quais devem representar, para o idoso, o vínculo com o sistema de saúde. É importante destacar a necessidade dos profissionais de saúde alertarem a comunidade sobre os fatores de risco a que os idosos estão expostos no domicílio e fora dele, além de identificarem as formas de intervenção para sua exclusão ou minimização, sempre com a parceria do próprio grupo de idosos e os seus familiares. Dessa forma, na sua prática profissional os profissionais da atenção básica devem assimilar a importância da manutenção do idoso na rotina familiar e na comunidade como fatores essenciais para a manutenção do seu equilíbrio físico e mental. (SILVESTRE, 2003) 3.1 Competências, Habilidades e Atribuições da Equipe de Saúde da Família com Relação à Pessoa Idosa As ações das equipes de saúde da família presentes na atenção básica constituem boas práticas de saúde, frente ao enorme distanciamento entre o plano normativo e a efetiva oferta à população idosa. Portanto, a equipe de saúde da família deve colocar em prática, de acordo com a realidade vivenciada na sua unidade de saúde, as suas competências, habilidades e atribuições para melhor atender essa demanda de idosos no seu aspecto multidimensional. A equipe de saúde da família (ESF) deve conhecer a realidade das famílias da sua área de abrangência, com ênfase nas suas características econômicas, 44 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 Anna Samara Portinho # Luís Moretto Neto # Isadora de Souza Bernardini sociais, demográficas, culturais e epidemiológicas, para a compreensão do contexto em que o idoso se encontra inserido. A identificação dos problemas de saúde e situações de riscos aos quais os idosos são expostos com mais frequência, permite a elaboração de um planejamento local para enfrentar os problemas encontrados na população idosa. No que se refere à execução dos procedimentos de vigilância à saúde do cidadão da terceira idade, essa vigilância deve ser realizada de acordo com a formação e qualificação de cada profissional da equipe. Observam-se também outras atribuições, habilidades e competências da equipe de saúde da família como: a criação do vínculo, através da valorização das relações com o idoso; a realização das visitas domiciliares, que devem estar em conformidade com o planejamento da equipe; a prestação integral a essa população, respondendo às suas necessidades de forma contínua e racionalizada; a garantia do acesso ao tratamento dentro de um sistema de referência e de contrarreferência para os idosos com problemas mais complexos ou que precisam de internação hospitalar; a coordenação, participação e/ou organização de grupos de educação em saúde; a promoção de ações intersetoriais e parcerias com as organizações formais e informais presentes na comunidade para auxiliar no enfrentamento conjunto dos problemas identificados na população idosa; além do estímulo à participação popular para a discussão com a comunidade, de direitos à saúde e sua bases legais. (SILVESTRE, 2003) O enfoque das competências na atuação junto ao idoso tem como objetivo fazer novos recortes do conhecimento e sua contextualização no processo social do envelhecimento e na prestação de serviços. A capacidade de atuação frente à imprevisibilidade e à diversidade de situações que estão inclusas nas competências pede o trabalho em equipe multiprofissional e a mobilização de conteúdos diversos buscando a atuação integral ao nível do profissional de saúde, das estruturas organizacionais e dos arranjos políticos. 4 Considerações Finais Nesta revisão da literatura, observou-se o importante distanciamento entre o plano normativo caracterizado pelas políticas públicas e determinações legais e o efetivo acesso e resolutividade na atenção à saúde do idoso. Esse fato mostra a necessidade de mudanças no modelo de atenção, por meio do enfoque na intersetorialidade, pois a ação intersetorial demanda da área da saúde não somente iniciativas, mas, sobretudo, receptividade. Essa ação evita Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 45 Políticas Públicas e Envelhecimento: dificuldades e possibilidades na atenção integral à saúde da pessoa idosa no SUS a fragmentação dos serviços de saúde e dos setores da sociedade, auxiliando no alcance da resolutividade dos problemas relacionados à saúde do idoso. Investimentos na Estratégia de Saúde da Família para buscar uma atenção integral, resolutiva e com foco na autonomia, no autocuidado e na participação dos idosos e da família também são necessários. A atuação dos gestores deve ser de forma articulada para prover os meios e agir de modo a viabilizar o alcance do propósito das políticas de saúde aos idosos, além do controle social para auxiliar na efetivação das mudanças necessárias. A regionalização também deve ser priorizada para contribuir para o efetivo acesso da população idosa ao sistema público de saúde. As questões referentes à baixa governabilidade pela não habilitação em gestão plena do sistema estão presentes, indicando a necessidade de desenvolver novos mecanismos de comunicação entre os níveis de atenção para maior agilidade nos fluxos, mas também para garantia de continuidade de cuidados à pessoa idosa. É importante otimizar a integração e a conformação de uma única rede assistencial e monitorar os encaminhamentos feitos pelas Equipes de Saúde da Família, o que depende do desenvolvimento de novas formas de articulação para além da programação pactuada e integrada município/estado. O Programa de Saúde da Família é uma estratégia de reorientação do modelo assistencial na rede pública, havendo concordância quanto à visibilidade de sua trajetória e efeitos positivos na integralidade. Referências BODSTEIN, Regina. Atenção básica na agenda da saúde. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro (RJ), v. 7, n. 3, p. 401-402, 2002. BRASIL. 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Saúde Pública, São Paulo (SP), v. 43, n. 3, p. 548-554, 2009. 48 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 Implementação do Sistema de Regulação (SISREG) para o Agendamento de Consultas e de Exames Especializados no Município de Garopaba Aluna: Cátia de Lurdes Ferreira Marcon1 Orientadora: Alessandra de Linhares Jacobsen2 Tutora: Mileide Marlete Ferreira Leal Sabino3 Resumo Abstract O presente trabalho tem como objetivo estudar a implementação do sistema de regulação (SISREG) para o agendamento de consultas e de exames especializados no município de Garopaba. Para alcançar tal objetivo, a pesquisa caracterizou-se como dedutiva de natureza aplicada com abordagem qualitativa e finalidade intervencionista. Optou-se pela investigação avaliativa, envolvendo: a presença de observador participante natural, as abordagens quantitativas e qualitativas e, de forma relevante, a análise do contexto, da história, das relações e das representações e a participação. A coleta de dados foi feita de agosto até setembro de 2012, por meio da observação direta participante e de pesquisa documental. The present article has for objective to study implementation of regulatory system (SISREG) for scheduling appointments and tests specialized in the municipality of Garopaba. For achieve this objective, research was characterized as deductive applied nature of a qualitative approachand interventionist purpose. Was opted for evaluative research, involving: the presence of natural participant observer, the quantitative and qualitative approaches and, relevantly, the analysis of the context, history, relationships, representation and participation. The data collection was conducted from August to September, 2012, through direct observation and documentary research participant. Key words: Regulation. Regulatory Systems. Palavras-chave: Regulação. Sistemas de Re- SISREG. Central Markings. gulação. SISREG. Central de Marcação. 1 Graduada em Enfermagem pela Universidade Tuiuti do Paraná (2005). E-mail: catia_ [email protected]. 2 Doutor em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina (2004). E-mail: [email protected]. 3 Mestranda do curso de Administração Universitária da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Formação Pedagógica para Atuação em EAD – UNOPAR. E-mail: mileide. [email protected]. Implementação do Sistema de Regulação (SISREG) para o Agendamento de Consultas e de Exames Especializados no Município de Garopaba 1Introdução A Lei n. 8.080/1990 [...] regula, em todo o território nacional, as ações e serviços de saúde, executados isolada ou conjuntamente, em caráter permanente ou eventual, por pessoas naturais ou jurídicas de direito público ou privado. (BRASIL, 1990, art. 1º) Essas características exigem do SUS atribuições de controle e de fiscalização. A Constituição Federal estabelece como diretrizes de organização do Sistema Único de Saúde (SUS) que esse sistema deve ser constituído por uma rede regionalizada e hierarquizada de ações e de serviços, observando a descentralização, o atendimento integral e a participação da comunidade. Mas a Regulação do Sistema de Saúde só recentemente ganhou a importância que o tema requer no SUS. De modo geral, o SUS, como sistema de saúde, tem como objetivos a serem alcançados a garantia do acesso universal, a prestação do cuidado efetivo, o eficiente uso dos recursos disponíveis, a qualidade na prestação dos serviços e a capacidade de resposta às necessidades de saúde da população. Nesse sentido, a busca constante por novas técnicas de diagnose e terapêuticas geram uma pressão da população e dos profissionais de saúde para a introdução dessas novas tecnologias e dos procedimentos que possam melhorar a capacidade de resposta às doenças e o atendimento às necessidades da população. Concomitantemente, observa-se que os gastos com a prestação de serviços de saúde têm aumentado nas últimas décadas e consumido uma grande proporção de recursos dos governos. O problema do uso inadequado ou da introdução de novas tecnologias sem critérios não é apenas de gastos despendidos, mas de perda de benefícios que poderiam ser alcançados se esses recursos fossem aplicados em outras ações e serviços. Diante do exposto, é possível apontar duas razões que sugerem a necessidade da regulação no setor saúde: a eficiência e a equidade. Falando de equidade no setor de saúde, rapidamente, vem à mente alguns dos seus significados: a) igual acesso aos serviços de saúde; b) igual saúde; 50 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 Cátia de Lurdes Ferreira Marcon # Alessandra de Linhares Jacobsen # Mileide Marlete Ferreira Leal Sabino c) igual utilização dos serviços de saúde; d) igual acesso aos serviços de saúde de acordo com a necessidade; e e) igual utilização dos serviços de acordo com a necessidade. O livro Medindo desigualdades em saúde no Brasil: uma proposta de monitoramento, de Viana (2001), ressalta, em suas conclusões, que equidade não é o mesmo que igualdade, já que o conceito aplicado no setor de saúde considera a discriminação positiva, ou seja, dar a quem mais necessita, ou seja, tratar desigualmente os desiguais. Já, eficiência, sob a ótica de promover equidade, diante do exposto, pode ser definida como a obtenção do máximo de benefícios dos recursos disponíveis. Nos últimos anos, com o processo de descentralização das ações e serviços de saúde instituídos pelo SUS, muitas ações e serviços que estavam sob a gestão do estado foram transferidos para os municípios. Vale lembrar que, desde a criação do SUS, em 1988, pela Constituição Federal, o sistema de saúde foi orientado para um processo de descentralização das ações e dos serviços de saúde, do gestor federal e estadual para os municípios. Os municípios brasileiros que têm menos de 20 mil habitantes, como Garopaba, apresentam restrições no que se refere à organização da oferta de ações e serviços com escala, qualidade e custos adequados. A necessidade de estabelecer a regionalização como estratégia de organização da rede de atenção à saúde, a melhoria do acesso e a integralidade fez com que se avançasse na regulamentação do SUS, o que fez surgir a necessidade de implementar o Sistema de Regulação (SISREG) para o agendamento de consultas e exames especializados. Diante do exposto, o objetivo do presente trabalho de pesquisa é analisar a implementação do Sistema de Regulação (SISREG) para o agendamento de consultas e de exames especializados no município de Garopaba. Para alcançar esse objetivo, é necessário conhecer a demanda municipal; descrever os procedimentos atuais que são realizados no município, bem como pactuar, em âmbito regional, os procedimentos não disponíveis em nível local; realizar levantamento de recursos humanos e equipamentos necessários para operacionalização do sistema de regulação; desenvolver regulamento operacional da central de regulação de consultas e exames especializados. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 51 Implementação do Sistema de Regulação (SISREG) para o Agendamento de Consultas e de Exames Especializados no Município de Garopaba 2 Conceitos de Regulação Não há um padrão para a definição da regulação, pois existem inúmeras e diferentes conceituações do termo. Nesse contexto, regular também tem como significados: sujeitar as regras, dirigir, regrar, encaminhar conforme a lei, esclarecer e facilitar por meio de disposições, regulamentar, estabelecer regras para regularizar, estabelecer ordem ou parcimônia em, acertar, ajustar, conter, moderar, reprimir, conformar, aferir, confrontar, comparar, dentre outros. (FERREIRA, 1996) O termo regulação, aplicado ao setor saúde no país, tem diversos entendimentos, concepções e práticas. A NOAS/SUS 01/2002 disseminou o conceito de regulação como sinônimo de regulação assistencial, vinculada à oferta de serviços, à disponibilidade de recursos financeiros e à Programação Pactuada Integrada (PPI). Essa é uma concepção restrita de regulação, que induz a iniciativa de controle do acesso e de adequação à oferta. Da mesma forma, a NOAS/SUS 01/2002 vinculou o processo e o exercício das ações de regulação às modalidades de gestão estabelecidas por essa norma, quais sejam: a) Regulação da atenção à saúde: tem como objeto a produção de todas as ações diretas e finais de atenção à saúde, dirigida ao conjunto de prestadores de serviços de saúde públicos e privados. As ações da regulação da atenção à saúde compreendem a contratação, a regulação assistencial, o controle assistencial, a avaliação da atenção à saúde, a auditoria assistencial e as regulamentações da vigilância epidemiológica e sanitária. b) Regulação assistencial: definida no Pacto pela Saúde, nas diretrizes do pacto de gestão, como o conjunto de relações, saberes, tecnologias e ações que intermediam a demanda dos usuários por serviços de saúde e o acesso a eles. c) Regulação do acesso: estabelecimento de meios e ações para a garantia do direito constitucional de acesso universal, integral e equânime, independente de pactuação prévia estabelecida na PPI e/ou da disponibilidade de recursos financeiros. A regulação assistencial é prerrogativa do gestor e a regulação do acesso é delegada pelo gestor ao regulador. Ao regular o acesso, com base nos protocolos clínicos, nas linhas de cuidado e nos fluxos assistenciais definidos previamente, a regulação estará exercendo também a função de orientar os 52 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 Cátia de Lurdes Ferreira Marcon # Alessandra de Linhares Jacobsen # Mileide Marlete Ferreira Leal Sabino processos de programação da assistência, assim como o planejamento e a implementação das ações necessárias para melhorar o acesso. No Pacto pela Saúde como princípios orientadores do processo de regulação, estabeleceu-se que: a) cada prestador responde apenas a um gestor; b) a regulação dos prestadores de serviços deve ser preferencialmente do município, conforme desenho da rede da assistência pactuado na Comissão Intergestores Bipartite (CIB), observando o termo de compromisso de gestão do pacto e os seguintes princípios: • a descentralização, municipalização e comando único; • a busca da escala adequada e da qualidade; • a complexidade da rede de serviços locais; • a efetiva capacidade de regulação; • o desenho da rede estadual da assistência; e • a primazia do interesse e da satisfação do usuário do SUS. 2.1Ações Regulatórias A ação regulatória é o elemento ordenador e orientador dos fluxos assistenciais, sendo responsável pelo mecanismo de relação entre a gestão e os vários serviços de saúde, assim como da relação entre esses serviços. Na prática, a ação regulatória é definida como o processo de operacionalização, monitoramento e avaliação da solicitação de procedimentos, realizada por um profissional de saúde, sendo observado, além das questões clínicas, o cumprimento de protocolos estabelecidos para disponibilizar a alternativa assistencial mais adequada a cada caso. A ação regulatória corresponde a três processos de trabalho básicos: a) O levantamento e distribuição de cotas de procedimentos realizados pelos estabelecimentos executantes para os estabelecimentos solicitantes (com agendamento de horário ou não). b) O processo de autorização prévio à execução da ação ou serviço de saúde, por exemplo, das Autorizações de Procedimentos de Alta Complexidade/Custo (APAC) ou da Autorização de Internação Hospitalar (AIH). Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 53 Implementação do Sistema de Regulação (SISREG) para o Agendamento de Consultas e de Exames Especializados no Município de Garopaba c) A execução da ação regulatória feita por profissional competente, capaz de análise crítica e discernimento que o conduzam às decisões baseadas nas evidências. Esse profissional desenvolve as atividades baseadas em protocolos de regulação. Os protocolos de regulação são instrumentos de ordenação dos fluxos de encaminhamento, que qualificam o acesso e viabilizam a atenção integral ao paciente, entre os níveis de complexidade da atenção. É importante distinguir os protocolos de regulação dos protocolos clínicos, que tratam, sinteticamente, da forma de intervenção por patologia, para subsidiar as decisões terapêuticas. Enquanto os protocolos de regulação pretendem ordenar o fluxo de pacientes entre os níveis de complexidade, definindo os limites resolutivos de cada um deles. 2.2Autorização de Procedimentos O processo de autorização de procedimentos, realizado por meio da ação regulatória, é prévio, baseado nos protocolos clínicos e protocolos de regulação preestabelecidos. Nos casos de urgência, a autorização dar-se-á no menor espaço de tempo após a realização do procedimento, respeitando os prazos definidos. A autorização prévia de procedimentos está vinculada aos instrumentos denominados Autorização de Internação Hospitalar (AIH) e Autorização de Procedimentos Ambulatoriais de Alta Complexidade/Custo (APAC). A Central de Regulação autoriza, previamente, os procedimentos, concomitante aos agendamentos solicitados, utilizando o mecanismo de cotização da oferta dos serviços de saúde disponibilizada para as unidades solicitantes e executantes da central. O processo de autorização é realizado por equipe de médicos autorizadores, orientados por meio de regras, previamente definidos para o exercício da função. Essa ação visa garantir o acesso ordenado, respeitando critérios clínicos, de necessidade dos pacientes e de disponibilidade de oferta, evitando que sejam criados outros fluxos que não aqueles preconizados pela ação regulatória. Porém, compete à gestão local determinar a inclusão do processo de autorização de procedimentos na estrutura de regulação. O Sistema de Autorização de Procedimentos Especializados – Módulo Autorizador – é um aplicativo que registra a autorização dos procedimentos ambulatoriais e hospitalares de média e alta complexidade do SUS, podendo ser instalado na base municipal, permitindo maior qualidade e controle da emissão das informações das autorizações (APAC e SIH), além de permitir a 54 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 Cátia de Lurdes Ferreira Marcon # Alessandra de Linhares Jacobsen # Mileide Marlete Ferreira Leal Sabino comparação entre o autorizado e o pago. Sua utilização elimina a necessidade de impressão dos formulários APAC e SIH. Ele pode ser integrado ao Sistema de Regulação, a fim de identificar as solicitações formuladas pelos municípios integrantes do processo de pactuação das centrais ou complexos reguladores. 3 Centrais de Regulação de Consultas e Serviços de Apoio Diagnóstico e Terapêutico Destinam-se ao gerenciamento das ações de saúde ambulatorial que não têm resolubilidade na atenção primária à saúde, isto é, no encaminhamento do usuário que necessita de consultas com especialistas, de exames especializados ou de terapias. Para garantir aos pacientes a melhor alternativa terapêutica, mesmo em situações de demanda reprimida ou de escassez de recursos do município, é necessária a presença do regulador. O regulador avalia a necessidade do caso pelo laudo médico, consulta à disponibilidade assistencial mais adequada nas unidades de saúde mais próximas e autoriza a execução dos procedimentos necessários, baseado nas evidências clínicas e na Programação Pactuada Integrada (PPI), se o caso envolver referências intermunicipais. 3.1 Unidades Solicitantes O gestor, ao definir o seu complexo regulador, deve estabelecer quais são as unidades solicitantes do sistema. Uma unidade solicitante pode ser qualquer tipo de estabelecimento de saúde (unidade básica, especializada) que necessite encaminhar pacientes para consultas, exames ou terapias especializadas, por insuficiência ou indisponibilidade da ação requerida. Uma unidade solicitante pode ser também, um centro especializado que trabalhe com procedimentos de alta complexidade e que necessite encaminhar o usuário a diferentes especialistas, muitas vezes dentro do mesmo estabelecimento. Nesse caso, é comum uma mesma unidade se comportar como solicitante e executante no sistema. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 55 Implementação do Sistema de Regulação (SISREG) para o Agendamento de Consultas e de Exames Especializados no Município de Garopaba 3.2 Unidades Executantes As unidades executantes são estabelecimentos que executam procedimentos de média e alta complexidade e que possuem profissionais médicos de diferentes especialidades clínicas e recursos diagnósticos e terapêuticos. Podem ser unidades executantes: os hospitais, os centros ou as clínicas especializadas. As unidades executantes recebem usuários encaminhados por unidades básicas de saúde, de outras unidades especializadas e hospitais e, até mesmo, por profissionais do mesmo estabelecimento. Nesse caso, a unidade é, ao mesmo tempo, solicitante e executante. 3.3 Os Recursos Humanos A estruturação dos Centrais de Regulação exige um quantitativo de profissionais capacitados, responsáveis pela execução de ações específicas. Os perfis dos profissionais que devem atuar exclusivamente junto às estruturas de regulação, são: a) Coordenador: responsável pelas questões relativas ao funcionamento global da central de regulação em conformidade com as diretrizes e rotinas estabelecidas. São atribuições da coordenação: instituir as escalas de trabalho e conduzir as relações de pactuação, sendo o coordenador o principal interlocutor entre a gestão, o complexo regulador e a rede de serviços. b) Regulador: executa a avaliação técnica de laudos, promove o agendamento das consultas, baseado em critérios clínicos, com ênfase nos protocolos de regulação. São atribuições básicas dos profissionais de regulação: • atuar sobre a demanda reprimida de procedimentos regulados; • definir a distribuição de cotas; • monitorar a demanda que requer autorização prévia, por meio de AIH e APAC; • verificar as evidências clínicas das solicitações e o cumprimento dos protocolos de regulação, por meio da análise de laudo médico; • autorizar ou não a realização do procedimento; • definir a alocação da vaga e dos recursos necessários para o atendimento; e 56 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 Cátia de Lurdes Ferreira Marcon # Alessandra de Linhares Jacobsen # Mileide Marlete Ferreira Leal Sabino • avaliar as solicitações de alteração de procedimentos já autorizados e a solicitação de procedimentos especiais, além de orientar e avaliar o preenchimento dos laudos médicos. c) Atendente de Regulação/Videofonista: responsável pelo agendamento de procedimentos a partir das solicitações formuladas por meio do preenchimento de laudos ou a partir de informações prestadas por telefone e/ou outros meios de comunicação. É importante ressaltar que o quantitativo de recursos humanos do Complexo Regulador dependerá do porte, da estrutura e da necessidade local, não havendo, portanto, indicação inflexível de necessidades nesse sentido. Algumas funções como o suporte técnico e de manutenção para sistemas de informação, bancos de dados e equipamentos de informática, além da manutenção do ambiente físico das centrais de regulação não precisam compor sua estrutura de recursos humanos, podendo estar alocados nas estruturas gerais da administração pública. 3.4 Infraestrutura A infraestrutura física que comporta uma central de regulação deve ser proporcional às ações regulatórias que serão realizadas, bem como ao quantitativo de recursos humanos. A partir da análise das áreas de trabalho que devem compor os ambientes da central de regulação, é possível aferir, de forma abrangente, a necessidade de insumos para compor cada um desses ambientes. Alguns itens, como estações de trabalho informatizadas; aparelhos telefônicos; aparelhos de Fax; impressoras; equipamentos audiovisuais, além de todo o mobiliário, são itens fundamentais para o funcionamento adequado das centrais de regulação. A infraestrutura de informática consiste nas ferramentas informatizadas da central e da rede de serviços que compõem o fluxo de informações da regulação. Os equipamentos, os sistemas de informação, os sistemas operacionais, as bases de dados, além da estrutura necessária para manutenção dessas ferramentas, são exemplos de necessidades que integram a infraestrutura de informática para a regulação. Quanto à necessidade de infraestrutura física de informática, algumas informações devem ser levantadas para se obter o dimensionamento adequado, como: Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 57 Implementação do Sistema de Regulação (SISREG) para o Agendamento de Consultas e de Exames Especializados no Município de Garopaba a) abrangência e escopo das centrais de regulação que irão compor o complexo regulador; b) quantidade de estabelecimentos de saúde executantes; c) volume de produção e localização destes estabelecimentos; d) quantidade de estabelecimentos de saúde solicitantes; e) volume de solicitações e localização destes estabelecimentos e quantidade mínima de equipamentos para a central de regulação e para as unidades solicitantes e executantes, assim, definir as seguintes necessidades: • acesso à internet com dimensionado adequado para a central de regulação e para as unidades solicitantes e executantes; • recursos de telefonia para a central telefônica e para as linhas telefônicas convencionais; • recursos adequados para funcionamento da área de alocação dos servidores de dados e de aplicação, cumprindo os critérios de restrição do ambiente; • climatização adequada; • fornecimento de energia estável e tolerante a falhas e conectividade de alta disponibilidade. Nesse contexto, vale, ainda, destacar que é imprescindível analisar a integração desses recursos com a informatização geral da rede, evitando redundâncias na sua implementação. 3.5 Sistemas de Informação O Sistema de Regulação (SISREG), sistema que informatiza a central de regulação, desenvolvido pelo Ministério da Saúde no período de 1999-2002, representou o movimento inicial em direção à informatização dos Complexos Reguladores. As experiências, a partir de sua utilização e o amadurecimento das metodologias e estratégias no estabelecimento de centrais de regulação, apontaram para a necessidade de melhorias no sistema original. Atualmente, o DATASUS vem aprimorando esse sistema e está disponibilizando o SISREG III. Esse sistema, de utilização não obrigatória pelos estados e municípios, passou a ser implantado nas secretarias que o solicitassem, tendo sua manu- 58 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 Cátia de Lurdes Ferreira Marcon # Alessandra de Linhares Jacobsen # Mileide Marlete Ferreira Leal Sabino tenção assegurada pelo próprio DATASUS. São objetivos gerais de um Sistema Informatizado de Regulação, os que seguem: a) distribuir de forma equânime os recursos de saúde para a população própria e referenciada; b) distribuir os recursos assistenciais disponíveis de forma regionalizada e hierarquizada; c) acompanhar dinamicamente a execução dos tetos pactuados entre as unidades e municípios; d) permitir o referenciamento em todos os níveis de atenção nas redes de prestadores públicos e privados; e) identificar as áreas de desproporção entre a oferta e a demanda; f) subsidiar as repactuações na PPI e o cumprimento dos termos de garantia de acesso; g) permitir o acompanhamento da execução, por prestador, das programações feitas pelo gestor. Para atingir os objetivos propostos e operar a Central de Regulação, o sistema informatizado deverá, minimamente, ter as seguintes funcionalidades: a) configurar controle de acesso dos usuários ao sistema informatizado; b) configurar o perfil do estabelecimento de saúde no que se refere à sua natureza (executante ou solicitante) e a oferta e complexidade; c) configurar a PPI para a população própria e referenciada, a sua validade e o controle financeiro (opcional); d) configurar a oferta por estabelecimento, por validade e seu controle financeiro (opcional); e) permitir a hierarquização entre as Centrais de Regulação; f) interagir com outros bancos de dados (CNES, CNS, PPI, SIA e SIH); g) gerar arquivos para bases de dados nacionais; h) gerar relatórios operacionais e gerenciais. Para possibilitar ações regulatórias para consultas, exames e internações, o sistema deverá: Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 59 Implementação do Sistema de Regulação (SISREG) para o Agendamento de Consultas e de Exames Especializados no Município de Garopaba a) gerar agenda por especialidade, subespecialidade, profissional e período de validade da agenda; b) distribuir cotas por Unidade Solicitante e tipos de consultas/procedimentos: primeira consulta e retorno; c) possibilitar o gerenciamento da fila de espera por prioridade, procedimento e diagnóstico; d) configurar impedimentos por estabelecimento e profissional; e) autorizar e encaminhar pacientes com a configuração da grade de referência, indicação de prioridades, geração de AIHs, APACs; f) controlar o fluxo dos pacientes nas unidades ambulatoriais (solicitação, agendamento e atendimento); g) visualizar a ocorrência de cancelamentos e a não execução de consultas e exames por motivo definido e impedimentos de agendas; h) subsidiar os setores de Controle, Avaliação e Auditoria no que se refere ao faturamento em alta e média complexidade ambulatorial e a qualidade da assistência. 4 Regulamento da Central de Regulação de Marcação de Consultas e de Exames Especializados de Garopaba A regulação no âmbito municipal traz benefícios para a população como também favorece a organização da gestão da rede assistencial da saúde. A população é beneficiada na medida em que o acesso aos serviços de saúde é proporcionado de forma ordenada quando garantido o atendimento ao usuário em tempo oportuno à sua necessidade. Na gestão, o processo regulatório favorece a resolução dos casos de forma eficiente e permite um conhecimento mais aprofundado e dinâmico da rede assistencial de saúde. Também favorece a identificação de áreas críticas e das necessidades de saúde de maneira ampliada com um melhor controle sobre os gastos em saúde, melhor utilização dos recursos e qualidade da prestação de serviços de saúde. A construção dessa sugestão de regulamento para central de regulação de marcação de consultas e exames especializados do município de Garopa- 60 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 Cátia de Lurdes Ferreira Marcon # Alessandra de Linhares Jacobsen # Mileide Marlete Ferreira Leal Sabino ba foi construída utilizando metodologia dedutiva de natureza aplicada com abordagem qualitativa e finalidade intervencionista. O método dedutivo proposto pelos racionalistas Descartes, Spinoza e Leibniz pressupõe que somente a razão é capaz de levar ao conhecimento verdadeiro. O raciocínio dedutivo tem o objetivo de explicar o conteúdo das premissas. Por intermédio de uma cadeia de raciocínio em ordem descendente, de análise do geral para o particular, chega a uma conclusão. Usa o silogismo e a construção lógica para, a partir de duas premissas, retirar uma terceira logicamente decorrente das duas primeiras, denominada de conclusão. (GIL, 1999; LAKATOS; MARCONI, 1993) Optou-se pela investigação avaliativa, envolvendo: a presença de observador participante natural, as abordagens quantitativas e qualitativas e, de forma relevante, a análise do contexto, da história, das relações, das representações e a participação. Os documentos utilizados na pesquisa foram os relatórios da central de regulação, inicialmente, analisaram-se as solicitações de procedimentos ambulatoriais (agendados e reprimidos) e, posteriormente, verificou-se a solicitação da fila de espera. O estudo foi desenvolvido, especificamente, na central de regulação do município. Após adequação da infraestrutura para implementação da central de regulação e capacitação dos envolvidos para conhecimento do Sistema de Regulação (SISREGIII), observou-se resistência por parte de alguns dos funcionários na descentralização do serviço para as unidades básicas. Tal fato ocorreu pelo receio de que a descentralização ocasionasse perda do controle dos processos referentes à marcação. A criação de um regulamento a fim de padronizar as ações surge como um facilitador da implementação, pois é inegável a facilidade gerada ao usuário de agendar uma consulta de especialidade e/ou exame indo à unidade básica de saúde, a qual o usuário está vinculado, ele, portanto, poderá acessar o SISREG e solicitar o agendamento. O regulamento não é estático, já que suas limitações são reconhecidas e devem ser aprimoradas pelo próprio processo de discussão, implementação e práticas diárias, cabendo, com isso, o compromisso de sempre revisá-lo. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 61 Implementação do Sistema de Regulação (SISREG) para o Agendamento de Consultas e de Exames Especializados no Município de Garopaba 5 Considerações Finais A regulação sustenta-se na regionalização, dado o caráter regional das respostas às demandas e, a partir dela, define-se o fluxo de pacientes, considerando a distribuição das unidades de saúde. No conjunto de instrumentos da regulação assistencial, as centrais reguladoras configuram-se com uma forma organizativa de encaminhamento de pacientes, para garantir o acesso e monitorar os fluxos assistenciais. Todas essas ações interligadas demandam sistemas de informações integrados que disponibilizem informação para as tomadas de decisão relacionadas ao âmbito da regulação, Entre tais informações, destacam-se as epidemiológicas, as assistenciais e as operacionais, que permitam identificar as necessidades da população, os recursos disponíveis e as condições de acesso às unidades referenciadas. Todos esses aspectos estão definidos no arcabouço regulatório mais recente da assistência à saúde no SUS. A regulação da atenção à saúde é concebida como um conjunto de ações que incide sobre a produção direta em saúde (consultas, exames, internações) e implica atuação direta sobre os prestadores de serviços de saúde, sejam públicos ou privados. Incluí, também, a regulação do acesso, a avaliação da atenção, o controle assistencial (que reconceitua as ações clássicas de controle). Nessa perspectiva, a regulação da atenção seria uma série de ações para viabilizar a atenção e se integra com outras funções de gestão, como a programação, o planejamento e a regionalização, e envolve uma atuação na oferta e na demanda de serviços. O momento atual é o de busca de formas e de capacitação institucional para materializar a “regulação assistencial”. Ao passo que novos instrumentos regulatórios estão sendo implantados em vários países como forma de conter custos e aumentar a eficiência sem colocar em risco a equidade, o Brasil enfrenta ainda o desafio de garantir o acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde. Isso se faz em um contexto de restrições ao financiamento e no qual a regulação assistencial proposta atualmente tenta alcançar maior eficiência na utilização dos recursos disponíveis, dada à ausência de expectativas de ampliação dos recursos, pelo menos em curto prazo. 62 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 Cátia de Lurdes Ferreira Marcon # Alessandra de Linhares Jacobsen # Mileide Marlete Ferreira Leal Sabino Referências BRASIL. Ministério da Saúde. Departamento de Regulação, Avaliação e Controle de Sistemas; Departamento Nacional de Auditoria do SUS. Curso básico de regulação, controle, avaliação e auditoria do SUS. Brasília: Ministério da Saúde, 2006. ______. Ministério da Saúde. Portal SISREG. 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NOAS 01/2002. (Norma Operacional Assistencial de Saúde), 2002. CONASS. Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Acompanhamento e avaliação da atenção primária. Brasília: CONASS, 2003. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 63 Implementação do Sistema de Regulação (SISREG) para o Agendamento de Consultas e de Exames Especializados no Município de Garopaba ______. Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Consensus: Pacto pela saúde 2006, Brasília (DF), Edição especial, n. 21, 2006. ______. Conselho Nacional de Secretários de Saúde. Relatório da oficina de trabalho do CONASS – Sistema de informação para regulação de acesso. Nota técnica n. 16. Brasília, 2006. ______. Conselho Nacional de Secretários de Saúde. O SUS de A a Z: garantindo saúde nos municípios. Brasília: CONASS, 2005. FERREIRA, A. B. H. (Org.). Novo dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996. GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. São Paulo: Atlas,1999. LAKATOS, E. 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Brasília: OPAS, IPEA, 2001. 64 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 Proposta para Adoção de Estratégias para Diminuir a Rotatividade de Profissionais da Estratégia de Saúde da Família de Santo Amaro da Imperatriz Aluno: José Augusto Chimendes Rodrigues1 Orientador: Maurício Fernandes Pereira2 Tutora: Mileide Marlete Ferreira Leal Sabino3 Resumo Abstract A rotatividade de profissionais na Estratégia de Saúde da Família (ESF), especialmente de médicos e de enfermeiros, pode comprometer o vínculo das equipes com a comunidade e influenciar negativamente o alcance de resultados. É fundamental que a gestão de saúde municipal esteja atenta para essa problemática e, a partir da identificação dos fatores que contribuem para sua ocorrência, busque a implantação de medidas capazes de minimizá-la. A insatisfação dos funcionários com o trabalho e seus determinantes, a falta de capacitação profissional, o nível de estresse a que estão submetidos em sua prática diária e a remuneração considerada insatisfatória são fatores predisponentes à rotatividade nas equipes de ESF. The staff turnover in the Family Health Strategy (FHS), specially doctors and nurses can compromise de bond of teams with comunity and adversely affect the achievement of results. It is essential that the management of municipal health is attentive to this issue and based on the identification of factors that contribute to its occurrence and seek implementation of measures to minimize it. The dissatisfaction of employees with their work and its determinants, the lack of professional training, the level of stress they face in their daily practice and low income are considered unsatisfactory predisposing factors to turnover in FHS. Palavras-chave: Rotatividade. Vínculo. Saúde da Família. Gestão de Pessoas. 1 Key words: Turnover. Bond. Family Health. Human Resources Management. Especializando do Curso de Gestão da Saúde Pública da UFSC. Médico da Estratégia de Saúde da Família de Santo Amaro da Imperatriz/SC. E-mail:[email protected]. 2 Pós-Doutor pela USP e pela Universidade Técnica de Lisboa, Doutor em Engenharia de Produção pela UFSC, professor Associado do Departamento de Ciências da Administração da UFSC. E-mail: [email protected]. 3 Mestranda do curso de Administração Universitária da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). E-mail: [email protected]. Proposta para Adoção de Estratégias para Diminuir a Rotatividade de Profissionais da Estratégia de Saúde da Família de Santo Amaro da Imperatriz 1Introdução Há aproximadamente 12 anos que o modelo de assistência primária à saúde em Santo Amaro da Imperatriz é o da Estratégia de Saúde da Família (ESF). Atualmente estão em atuação no Município sete equipes compostas cada uma por um médico e um enfermeiro, dois técnicos de enfermagem e uma média de seis agentes comunitários de saúde por equipe. Todos os profissionais que atuam na estratégia têm jornada semanal de 40h, e a forma de contratação principal, para médicos e pessoal de enfermagem, ocorre por meio de concurso público no regime estatutário (funcionários efetivos) e contratos por tempo indeterminado pela CLT para os agentes comunitários de saúde. Cada equipe atua em uma área geográfica delimitada e seus integrantes são os responsáveis pela promoção e pela manutenção da saúde da população residente na área adscrita. A permanência dos profissionais nas equipes, principalmente a de médicos e enfermeiros, é considerada fator primordial para o sucesso da estratégia, já que a rotatividade desses profissionais que desempenham o protagonismo no planejamento das ações pode comprometer o vínculo das equipes com os indivíduos e com as comunidades e minimizar o alcance de resultados. Recentemente, a rotatividade de profissionais nas equipes do Município tem sido objeto de discussão e de preocupação dos gestores. Cabe ao gestor em saúde do Município, juntamente com o setor de Gestão de Recursos Humanos da Prefeitura, elaborar, aprimorar e executar uma política de gestão de pessoal que torne a permanência dos profissionais nas equipes de Saúde da Família do Município a mais atrativa possível. Medidas como a contratação de profissionais em regime estatutário com amplas garantias trabalhistas, plano de carreira, a oferta de gratificação referente à atuação na ESF incluída na remuneração, disponibilidade de recursos e materiais adequados são medidas já adotadas pela gestão municipal. Entretanto, o grau de satisfação de médicos e de enfermeiros com o trabalho desempenhado é fundamental para a permanência deles nas equipes e pode sofrer influência de diversos fatores. O presente artigo tem como objetivo propor à gestão municipal da saúde a adoção de medidas para diminuir a rotatividade de médicos e de enfermeiros na Estratégia de Saúde da Família. Para tanto, buscou avaliar o grau de satisfação desses profissionais ao atuarem no Município, os possíveis 66 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 José Augusto Chimendes Rodrigues # Maurício Fernandes Pereira # Mileide Marlete Ferreira Leal Sabino fatores que podem contribuir para a sua permanência e os fatores preditivos à rotatividade. 2 Exposição do Tema A rotatividade de profissionais nos serviços de saúde tem sido bastante estudada. Neste artigo realizou-se estudo minucioso de embasamento teórico acerca dos pontos sobre esta problemática na estratégia de saúde da família. 2.1 A Estratégia de Saúde da Família e o Papel de seus Integrantes Em nosso país, na década de 1980, ocorreram diversas tentativas de reestruturação do modelo de atenção à saúde, já que estavam sendo influenciadas pelo cenário mundial, no qual muitos debates aconteciam sobre a necessidade de mudança do modelo vigente. Surgiu, assim, o Movimento da Reforma Sanitária, com medidas que apontavam para a unificação dos componentes assistencial e preventivo em comando único de forma descentralizada. Seguiu-se a realização da VIII Conferência Nacional de Saúde, em 1986, que contou com a participação de diversos setores da sociedade civil organizada, e que acabou culminando com a criação do Sistema Único de Saúde a partir da Constituição Federal de 1988. Em 1994 foi criado pelo Ministério da Saúde do Brasil, o então denominado Programa de Saúde da Família, hoje conhecido como Estratégia de Saúde da Família (ESF), que surgiu com o objetivo de reorganizar as práticas em saúde de forma integral e contínua, levando-as para o âmbito das famílias e das comunidades. Essa estratégia incorpora e reafirma os princípios básicos do Sistema único de Saúde (SUS): universalização, descentralização, integralidade e participação popular mediante o cadastramento e a vinculação dos usuários. O atendimento é prestado pelos integrantes das equipes de Saúde da Família (médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, agentes comunitários de saúde, dentistas e auxiliares de dentistas e em alguns casos as equipes contam ainda com o Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF), constituído por nutricionistas, psicólogos e fonoaudiólogos. As equipes e a população, delimitadas em suas respectivas áreas geográficas, criam vínculos de corresponsabilidades, facilitando a identificação das condições de saúde, o monitoramento e os atendimentos dos agravos dos indivíduos e das comunidades. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 67 Proposta para Adoção de Estratégias para Diminuir a Rotatividade de Profissionais da Estratégia de Saúde da Família de Santo Amaro da Imperatriz As unidades básicas de saúde, onde estão lotadas as equipes de ESF, constituem-se na principal porta de acesso ao sistema público de saúde. Além da capacidade técnica exigida para a prática profissional, os integrantes das equipes devem se identificar com a proposta da estratégia que, muitas vezes, demanda iniciativa, criatividade, vocação para o trabalho em equipe e disposição para o desenvolvimento de ações de educação em saúde, com vistas à promoção da saúde, à prevenção e ao autocuidado, seja na unidade onde atuam ou na comunidade, por meio da realização de atividades em grupo, de visitas e de internações domiciliares. Somado a essas premissas, os profissionais devem constantemente incentivar a participação das famílias no planejamento de políticas públicas voltadas para a coletividade. São estas, dentre outras, as características esperadas de médicos e enfermeiros que assumem o papel de protagonistas no planejamento de ações em saúde, que visam a substituição do modelo hospitalocêntrico, centralizador e meramente curativo anteriormente vigente no país. De acordo com as diretrizes da ESF, o médico da equipe deve procurar compreender a doença em seu contexto pessoal, familiar e social. A convivência contínua lhe propicia esse conhecimento e o aprofundamento do vínculo de responsabilidade para a resolução dos problemas e a manutenção da saúde dos indivíduos. O enfermeiro desenvolve seu processo de trabalho em dois campos essenciais: na unidade de saúde, com outros profissionais, e na comunidade, apoiando e supervisionando o trabalho dos agentes comunitários de saúde, bem como assistindo às pessoas que necessitam de atenção relacionada à enfermagem. 2.2 O Vínculo dos Profissionais com a Comunidade O vínculo caracteriza-se como elemento importante para o trabalho desenvolvido pelos profissionais no âmbito da ESF. (SCHIMITH; LIMA, 2004) O vínculo na ESF ocorre pela aproximação entre usuário e trabalhador de saúde, ambos com intenções, interpretações, necessidades, razões e sentimentos, mas em situação de desequilíbrio, habilidades e expectativas diferentes, pois um, o usuário, busca assistência em estado físico e emocional fragilizado 68 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 José Augusto Chimendes Rodrigues # Maurício Fernandes Pereira # Mileide Marlete Ferreira Leal Sabino junto ao outro, um profissional supostamente capacitado para atender e cuidar da causa de sua fragilidade. (MONTEIRO; FIGUEIREDO; MACHADO 2009) O vínculo envolve afetividade pelo outro e demanda tempo de convivência para se concretizar. Além disso, não se estabelece vínculo de forma autoritária, sem que o usuário seja reconhecido na condição de sujeito que se expressa, que formula julgamentos e que tem opiniões, desejos e expectativas. 2.3 A Rotatividade de Médicos e Enfermeiros e suas Causas De acordo com Campos e Malik (2008), a permanência dos profissionais de saúde na ESF, em especial de médicos e enfermeiros, é considerada um dos fatores críticos de sucesso para a estratégia. Ainda de acordo com a autora, já que o modelo se fundamenta no vínculo entre os profissionais da equipe e a população, a rotatividade pode comprometer a efetividade do modelo e prejudicar a qualidade da assistência e a satisfação dos usuários. A rotatividade de profissionais constitui-se em sério problema para muitas organizações devido aos custos gerados por esses eventos. Os gastos com reposição de pessoal tornaram-se um dos fatores que estimularam o desenvolvimento de pesquisas voltadas para a análise da rotatividade. (CAMPOS; MALIK, 2008) Segundo Jones (1990a), quando a rotatividade encontra-se acima de 26%, ela produz altos custos e impactos financeiros e, estando acima de 50%, essa rotatividade pode comprometer a produtividade e a qualidade. A insatisfação no local de trabalho tem sido considerada a principal causa de rotatividade entre profissionais da saúde do nível primário (HALL et al., 2010). Ainda de acordo com o autor, a interação entre a satisfação no trabalho e a rotatividade de profissionais da atenção primária não pode ser totalmente compreendida sem que se avalie a cultura organizacional na qual estão inseridos. Elementos da cultura organizacional incluem atributos como: a colaboração entre colegas de profissão e o trabalho em equipe; a capacidade de aprendizado a partir dos erros cometidos; a capacidade de comunicação e de liderança; e a aptidão para resolver conflitos que geram estresse na prática diária. Entender os fatores organizacionais associados com a rotatividade pode gerar intervenções efetivas com o intuito de diminuí-la. Para Campos e Malik (2008), outros fatores que se correlacionam com a rotatividade são: capacitação, distância das unidades de saúde e disponibilidade de materiais e de equipamentos para a realização das atividades profissionais. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 69 Proposta para Adoção de Estratégias para Diminuir a Rotatividade de Profissionais da Estratégia de Saúde da Família de Santo Amaro da Imperatriz Sobre as condições de trabalho, considera-se que a sobrecarga de trabalho das equipes de saúde da família, as dificuldades estruturais, como falta de medicamentos, materiais e retaguarda de outros níveis de atenção, além da insegurança gerada pela falta de capacitação dos profissionais para exercer a prática generalista provocam a alta rotatividade. (CAPOZZOLO, 2003) Ao problematizar a questão da humanização em saúde a partir da perspectiva do trabalho e do trabalhador no contexto da ESF, assume-se o pressuposto de que o cotidiano do trabalho é um foco privilegiado para se avaliar a articulação entre qualidade do trabalho, saúde no trabalho e humanização do cuidado, dialogando com noções de motivação, satisfação, saúde e segurança no trabalho. (TRAD, 2011) A remuneração pode ser considerada um dos fatores mais significativos para a produtividade humana no ambiente laboral e vem passando por uma renovação no seu modo de constituição, por meio da busca de fatores agregadores referentes à carreira e à segurança, entre outros estímulos ao trabalho. (GIRARDI, 2011) O salário dos profissionais, médicos e enfermeiros, na ESF, tem sido muitas vezes superior comparado à remuneração de outras áreas da saúde. Entretanto, embora seja um atrativo para a captação e a contratação, isso não tem garantido, por si só, a fixação desses profissionais nas equipes. Em Santo Amaro da Imperatriz, segundo a Secretaria Municipal de saúde, a remuneração oferecida aos profissionais da ESF está dentro da média dos trabalhadores da grande Florianópolis. Entretanto, o salário-base das categorias é complementado por uma gratificação que responde por mais de 50% da remuneração total, mas que não se estende aos profissionais aposentados. 2.4 A Visão dos Gestores e seu Papel no Controle da Rotatividade Sobre a visão dos gestores a respeito da satisfação no trabalho de médicos generalistas, em 1997, a organização mundial de saúde realizou um encontro de 13 países europeus que tinha por objetivo fortalecer a medicina de família em seus sistemas de saúde. O tema do encontro foi o processo de capacitação dos médicos de família e sua integração ao sistema de saúde. Concluiu-se que para conseguir que os profissionais ampliassem suas competências e seus resultados era preciso que eles estivessem motivados. A motivação, por sua vez, foi relacionada ao status profissional, à satisfação no trabalho e aos salários. (WHO, 1997) 70 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 José Augusto Chimendes Rodrigues # Maurício Fernandes Pereira # Mileide Marlete Ferreira Leal Sabino Os gestores municipais de saúde devem estar atentos para o grau de motivação e de satisfação dos profissionais que atuam na ESF, devendo, para isso, adotar medidas que tornem mais atrativa a permanência deles em suas equipes. Para tanto, tais gestores podem lançar mão de apoio do setor de recursos humanos da Prefeitura por meio de serviço de consultoria interna. A consultoria interna de recursos humanos se desenvolveu nas organizações à medida que a área de recursos humanos passou a atuar na gestão de pessoas, com visão estratégica, humana e desenvolvimentista, por meio de processos efetivos de recrutamento e de seleção, treinamento e desenvolvimento, remuneração, entre outros (GIRARDI, 2011). De acordo com o mesmo autor, a consultoria interna de recursos humanos desenvolve ações de apoio à solução de problemas organizacionais e atividades de parceria entre a organização e um profissional apto a orientar, a gerar mudanças e a desenvolver soluções agregadoras, promovendo ações orientadas à sinergia na busca de soluções. Atualmente, em Santo Amaro da Imperatriz, o setor de recursos humanos da Prefeitura limita-se a gerenciar os aspectos referentes à contratação e ao gerenciamento do pessoal e de seus processos. Não há um trabalho de consultoria interna na identificação para a solução de conflitos. 3 Metodologia O presente artigo foi desenvolvido a partir da identificação da problemática da rotatividade de trabalhadores da ESF local e da necessidade de identificar os fatores que contribuem para sua ocorrência. Constituiu-se em pesquisa quantitativa. A população estudada foi a de profissionais da Secretaria Municipal de Saúde de Santo Amaro da Imperatriz, que atua na Estratégia de Saúde da Família (ESF), sendo objeto de estudo os médicos e os enfermeiros. A amostra elencada constitui-se de 14 indivíduos: sete médicos e igual número de enfermeiros. A coleta de dados foi realizada no mês de setembro de 2012 nas unidades básicas de saúde de Santo Amaro da Imperatriz/SC, mediante aplicação de questionário autoaplicado aos participantes, que foi previamente testado. Os indivíduos que fizeram parte do estudo assinaram termo de consentimento livre e esclarecido no qual foram apontados os objetivos da pesquisa e forne- Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 71 Proposta para Adoção de Estratégias para Diminuir a Rotatividade de Profissionais da Estratégia de Saúde da Família de Santo Amaro da Imperatriz cidas as garantias de sigilo. O questionário aplicado identifica as características relevantes dos constituintes da amostra como: categoria profissional, sexo, faixa etária, tempo de graduação e atuação na ESF, tempo de locomoção até o local de trabalho. Além dessas informações, no questionário há perguntas com o objetivo de verificar o grau de satisfação de médicos e de enfermeiros no trabalho, levando em conta os fatores que, segundo a bibliografia consultada, influenciam na rotatividade dos profissionais. Para fundamentação, realizou-se a revisão bibliográfica na base Scielo e Google acadêmico. Também foram utilizados como referencial teórico do Curso de Especialização em Gestão da Saúde pública da Universidade Federal de Santa Catarina os manuais com diretrizes e normas do Ministério da Saúde do Brasil para a ESF, as cartilhas de recomendações da Organização Mundial de saúde e os dados da Secretaria Municipal de Saúde de Santo Amaro da Imperatriz/SC. Para calcular o índice de rotatividade (R) de médicos e de enfermeiros na ESF de Santo Amaro da Imperatriz, foi utilizada esta fórmula proposta por Campos e Malik (2008): R= (n. de desligamentos no período) (n. total de funcionários no final do período) × 100 O período considerado para o cálculo do índice de rotatividade foi os 12 meses anteriores à realização da pesquisa. A partir da coleta de dados com o instrumento de pesquisa, realizou-se a análise estatística desses dados e a apresentação dos resultados que possibilitaram a conclusão do trabalho e possibilitaram atingir os objetivos do estudo. 4 Resultados e Discussão O índice geral de rotatividade para médicos e enfermeiros no período de 12 meses anteriores à realização da pesquisa foi de 47,82%, o que é considerado ruim. Quando analisado por categoria profissional, o índice foi de 44,4% para médicos (ruim) e de 58,3% para enfermeiros, o que foi considerado crítico. A caracterização dos profissionais analisou as questões de gênero, faixa etária, local de nascimento, local e tempo de graduação, especialização ou residência concluídas, capacitações realizadas na ESF, trabalhos anteriores na 72 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 José Augusto Chimendes Rodrigues # Maurício Fernandes Pereira # Mileide Marlete Ferreira Leal Sabino ESF, número atual de vínculos e meio utilizado e tempo gasto na locomoção até o trabalho. Na caracterização da amostra, os resultados obtidos foram os seguintes: dentre os médicos, 71,4% são do sexo masculino e 28,6% do sexo feminino. Para enfermeiros, a relação foi inversa, sendo 14,3% do sexo masculino e 85,7% do sexo feminino. Em relação à faixa etária dos profissionais, 85,7% dos médicos tinham até 40 anos de idade e 14,3% tinham idade acima de 59 anos, e a média de idade para essa categoria foi de 31,8 anos. Para enfermeiros, a média de idade foi de 31,5 anos e 100% desses profissionais tinham até 40 anos. Apenas 28,5% dos médicos da ESF do município nasceram no Estado de Santa Catarina contra 71,4% dos enfermeiros. Graduaram-se em Universidade Pública 85,7% dos médicos e 57,1% dos enfermeiros. Em relação ao tempo de graduação, 71,4% dos médicos estavam formados há pelo menos seis anos, de 7 a 12 anos 14,3% dos profissionais, e igual porcentagem estava graduada há mais de 12 anos. Dentre os enfermeiros, 100% estavam graduados em até seis anos. Ao analisar a escolaridade dos entrevistados, 85,7% dos médicos e 42,2% dos enfermeiros não possuíam qualquer tipo de especialização ou de residência. Em relação a capacitações na área de Saúde da Família, 57% de ambas as categorias profissionais declararam não ter recebido capacitações específicas para atuação na ESF. Figura 1: Percentual de profissionais que receberam capacitação Fonte: Dados da pesquisa Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 73 Proposta para Adoção de Estratégias para Diminuir a Rotatividade de Profissionais da Estratégia de Saúde da Família de Santo Amaro da Imperatriz Ainda sobre as capacitações na área da Saúde da família, entre os enfermeiros que declaram ter recebido alguma capacitação, 66% consideram-se apenas parcialmente satisfeitos com o treinamento recebido. Para os médicos que receberam alguma capacitação, 100% consideram-se parcialmente satisfeitos. Ao analisar a experiência profissional dos entrevistados, observou-se que 71,4% dos enfermeiros estavam em seu primeiro emprego na ESF e o trabalho em saúde da família em Santo Amaro foi o primeiro na área para 42,8% dos médicos. Considerando o número total de vínculos empregatícios, 71,4% dos médicos possuem dois ou mais vínculos, e essa realidade é a mesma para 28,6% dos enfermeiros. Esse dado é bastante importante já que a carga horária dos profissionais da ESF é de 40 horas semanais. O meio de locomoção para o trabalho apontado foi o carro para 100% dos enfermeiros entrevistados e para 85,7% dos médicos. Apenas um médico apontou o ônibus como meio de locomoção para o trabalho. Para os enfermeiros, o tempo de locomoção até a unidade de saúde é de menos de uma hora, isso significa 71,4% dos entrevistados, e para 28,6% deles o tempo é de até uma hora. Já os profissionais médicos, 57,1%, levam menos de uma hora para chegar ao trabalho enquanto 14,3% levam até uma hora, até uma hora e meia e mais de uma hora e meia para chegarem em suas unidades. Ao verificar o grau de satisfação geral dos funcionários, observou-se que esse grau foi igualmente baixo para ambas as categorias, conforme apresentado na Figura 2: Figura 2: Grau de satisfação de médicos e enfermeiros na ESF Fonte: Dados da pesquisa 74 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 José Augusto Chimendes Rodrigues # Maurício Fernandes Pereira # Mileide Marlete Ferreira Leal Sabino Considerando a percepção sobre o grau de estresse no qual esses profissionais estão submetidos no trabalho, 57% dos médicos consideram o nível de estresse razoável, 28,6% elevado e 14,2% muito elevado. Para 28,6% dos enfermeiros, o nível de estresse na prática diária da ESF é razoável, sendo considerado elevado por 71,4% dos profissionais desta categoria. Dentre os médicos que classificaram o seu nível de estresse como razoável, 50% declararam ter recebido alguma capacitação na área de saúde da família, ao passo que no grupo de enfermeiros que consideraram o estresse no trabalho elevado, apenas 40% receberam algum tipo de capacitação. Considerando a possibilidade de crescimento profissional ao atuarem na estratégia de saúde da família em Santo Amaro da Imperatriz, 28,6% dos médicos declaram-se muito insatisfeitos, 42,8% insatisfeitos e 14,2% parcialmente satisfeitos ou satisfeitos. Para os enfermeiros, 71,4% consideram-se parcialmente satisfeitos em relação à possibilidade de crescimento profissional e 28,6% consideram-se insatisfeitos. Quando analisado o indicador de satisfação de médicos e de enfermeiros com relação à remuneração, os resultados obtidos mostram que ambas as categorias não estão satisfeitas com o seu nível salarial, conforme apresentado na Figura 3: Figura 3: Satisfação de médicos e enfermeiros com a remuneração Fonte: Dados da pesquisa Analisando o relacionamento com os colegas de equipe, 100% dos enfermeiros declararam-se satisfeitos, enquanto 28,6% dos médicos declararam-se parcialmente satisfeitos e 71,4% deles muito satisfeitos. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 75 Proposta para Adoção de Estratégias para Diminuir a Rotatividade de Profissionais da Estratégia de Saúde da Família de Santo Amaro da Imperatriz Os dados sobre o grau satisfação no relacionamento com a gestão evidenciaram que 42,6% dos médicos estão parcialmente satisfeitos ou satisfeitos e 14,2% deles estão muito satisfeitos. Entre os enfermeiros, 85,8% estão satisfeitos e 14,2% muito satisfeitos. Sobre o grau de satisfação acerca do vínculo estabelecido com a comunidade no desenvolvimento das ações na ESF, 71,4% dos médicos responderam estar satisfeitos e 14,6% disseram estar parcialmente satisfeitos ou muito satisfeitos. Em relação a esse indicador de satisfação, 57,1% dos enfermeiros estão parcialmente satisfeitos, 14,2% satisfeitos e 28,6% muito satisfeitos. Quando verificada as intenções dos profissionais de pedir demissão da ESF de Santo Amaro da Imperatriz nos próximos 12 meses, os resultados obtidos são apresentados na Tabela 1: Tabela 1: Intenções de pedir demissão nos próximos 12 meses Categoria Médicos Enfermeiros Sim 14,2% 14,2% Não 42,8% 14,2% Talvez 42,8% 71,4% Fonte: Dados da pesquisa Analisando conjuntamente os dados a respeito do grau de estresse ao qual estão submetidos esses profissionais e as intenções de pedir demissão, pode-se verificar que os profissionais enfermeiros declaram-se mais estressados e são os que mais consideram a possibilidade de pedir demissão. Solicitou-se aos participantes que apontassem os fatores que poderiam contribuir para a intenção positiva de permanecer no município e também os fatores que poderiam ter contribuído para a intenção de pedir demissão. A Figura 4 lista os fatores: vínculo com a comunidade, relacionamento com colegas, relacionamento com a gestão, materiais e equipamentos e forma de contratação e distância do trabalho, estes dois últimos itens foram apontados por ambas as categorias como fatores positivos para sua permanência no município nas seguintes proporções: 76 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 José Augusto Chimendes Rodrigues # Maurício Fernandes Pereira # Mileide Marlete Ferreira Leal Sabino Figura 4: Fatores que contribuem positivamente para a permanência de médicos e enfermeiros na ESF Fonte: Dados da pesquisa Na Figura 5 constam os fatores que mais influenciam os participantes que marcaram sim ou talvez em relação a sua intenção de pedir demissão nos próximos 12 meses: Figura 5: Fatores que poderiam influenciar pedidos de demissão de médicos e enfermeiros na ESF Fonte: Dados da pesquisa Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 77 Proposta para Adoção de Estratégias para Diminuir a Rotatividade de Profissionais da Estratégia de Saúde da Família de Santo Amaro da Imperatriz 5 Considerações Finais Ficou claro que a taxa de rotatividade de médicos e enfermeiros que atuam na Estratégia de Saúde da Família em Santo Amaro da Imperatriz atualmente é bastante elevada, sendo considerada ruim para médicos e crítica para enfermeiros. Essa realidade confirma a necessidade de planejamento e de execução de medidas por parte da gestão municipal com vistas a minimizar esse problema. Foi possível, portanto, identificar os principais fatores que contribuem para a ocorrência da alta taxa de rotatividade verificada. A insatisfação com o trabalho é evidenciada e também bastante preocupante, sendo mais evidente também entre os enfermeiros. Demonstrou-se aqui a relação existente entre o alto índice de insatisfação da categoria enfermeiros com relação ao elevado nível de estresse identificado entre esses profissionais que, não raro, acabam assumindo muitas responsabilidades dentro de suas rotinas, como a realização de vários acolhimentos e a atividade de coordenação das equipes. Pode-se perceber pelo exposto que quanto maior o estresse ao qual estão submetidos os profissionais, maior a insatisfação e a intenção de deixar o posto de trabalho. Também foi possível observar que mais da metade dos profissionais não receberam capacitação para atuar na estratégia de saúde da família, o que pode comprometer o desempenho dos profissionais no exercício de suas funções e dificultar a capacidade deles de resolverem os conflitos que surgem na prática diária, o que também pode ser apontado como fator gerador de estresse elevado. Quanto mais capacitado o profissional, mais condições ele tem de resolver os problemas e de contribuir para a resolutividade das ações que exigem estratégia. Também ficou clara a insatisfação dos entrevistados a respeito de sua remuneração, sendo esse o principal fator apontado por eles como motivador de um possível pedido de demissão no futuro. Ainda sobre a remuneração, foi observado o descontentamento dos profissionais com o fato de que após a aposentadoria o ganho salarial diminuirá bastante, visto que a gratificação referente à atuação na ESF é perdida quando os profissionais não estão mais atuando. A percepção sobre a possibilidade de crescimento profissional dentro da estratégia também está bastante minimizada. A observação desses fatores predisponentes à alta rotatividade de profissionais permitiu sugerir algumas medidas de gestão para modificar essa tendência. 78 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 José Augusto Chimendes Rodrigues # Maurício Fernandes Pereira # Mileide Marlete Ferreira Leal Sabino Por fim, sugere-se o investimento em capacitações profissionais e o aprimoramento das que já são oferecidas, além do incentivo permanente à realização das funções desempenhadas pelos funcionários. Tal premissa deve ser adotada como política permanente de gestão. A revisão dos ganhos salariais das categorias por meio de renegociação, além da garantia da manutenção do nível de remuneração após a aposentadoria deve ser foco principal. A criação da consultoria interna de recursos humanos faz-se necessária para intermediar os conflitos que possam surgir entre funcionários e gestão, identificando precocemente os problemas que possam contribuir negativamente para a permanência dos deles nas equipes de ESF do município. Sugere-se a revisão periódica dos índices de rotatividade e suas possíveis causas através da reaplicação do instrumento utilizado neste estudo. Referências BRASIL. Ministério da Saúde. Política Nacional de Humanização do SUS. Brasília: Ministério da Saúde, 2004. CAMPOS, Claudia Valentina de Arruda; MALIK, Ana Maria. Satisfação no trabalho e rotatividade dos médicos no Programa de Saúde da Família. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 42, n. 2, p. 347-368, mar.-abr., 2008. CAPOZZOLO, A. A. No olho do furacão: trabalho médico e o Programa de Saúde da Família. 2003. 269f. Tese (Doutorado em Saúde Coletiva) – Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2003. 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Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 81 Desempenho da Secretaria Municipal da Saúde de Biguaçu: uma análise com base nos Indicadores de Desempenho do Sistema Único de Saúde Aluna: Fernanda Aparecida da Cunha1 Orientador: Rogério da Silva Nunes2 Tutora: Isadora de Souza Bernardini3 Resumo Abstract Este artigo tem como objetivo apresentar a literatura referente ao tema pertinente, conceituando principalmente sistema de informação, Indicador de Desempenho e Indicador de Desempenho do Sistema Único de Saúde (IDSUS); e analisar o desempenho da Secretaria Municipal de Saúde de Biguaçu com base nos Indicadores de Desempenho do Sistema Único de Saúde (IDSUS) para que venha a contribuir com uma melhor prestação dos serviços, assim como a agilizar o atendimento à população e promover melhorias na qualidade em geral. Foram utilizados como procedimentos metodológicos o método indutivo, a pesquisa de natureza básica e descritiva, utilizando-se como técnica de coleta de dados a pesquisa bibliográfica, além de uma abordagem qualitativa. This article aims to present the relevant literature on the topic, especially conceptualizing information system, performance indicator and performance indicator of the Unified Health System (IDSUS) and analyze the performance of the Municipal Health Biguaçu based on indicators performance Health System (IDSUS) that will contribute to better service delivery, as well as streamlining the service population and promote improvements in overall quality. Will be used as instruments throughout this inductive method, the basic nature of research and descriptive, using as data collection technique to literature, and a qualitative approach. Palavras-chave: Sistema de Informação. Indicador de desempenho. Indicador de desempenho do Sistema Único de Saúde. 1 Key words: Information System. Performance indicator. Performance indicator of the Health System. Acadêmica do Curso de Especialização em Gestão da Saúde Pública. E-mail: fercunha11@ gmail.com. 2 Doutor em Administração pela Universidade de São Paulo (1998). E-mail: rogerionunes@ cse.ufsc.br. 3 Mestre em Administração pela Universidade Federal de Santa Catarina (2012). E-mail: [email protected]. Fernanda Aparecida da Cunha # Rogério da Silva Nunes # Isadora de Souza Bernardini 1Introdução Nos dias atuais com os avanços nas áreas do conhecimento e da tecnologia e com as constastes modernizações nos diversos setores como indústria, comércio e serviço, os consumidores estão cada vez mais exigentes, fazendo-se necessário que o setor público se atualize e se adapte às necessidades dos consumidores, contribuintes e usuários do sistema. Para poder se modernizar e atender às novas expectativas e demandas na área da saúde pública faz-se necessário ter um bom gerenciamento dos dados do setor; isso pode ser alcançado através da análise dos indicadores de desempenho, sistemas de informações eficientes para coleta de dados, e um gestor capacitado para analisar e implementar soluções com as informações obtidas. Os sistemas de informação possibilitam a coleta de dados e informações, como os indicadores de desempenho, para o Sistema Único de Saúde. Essas informações possibilitam saber dados importantes sobre a população para melhor aplicar os recursos e saber aonde agir em casos de epidemias. Tendo em consideração que todas as organizações são um sistema e que possuem dados e informações que precisão ser manipulados e gerenciados para que possam atingir o resultado esperado, serão descritos neste trabalho os conceitos de sistema de informação, indicadores de desempenho e os indicadores de desempenho do Sistema Único de Saúde. O objetivo geral do trabalho é analisar o desempenho da Secretaria Municipal de Saúde de Biguaçu com base nos indicadores de desempenho do Sistema Único de Saúde. 2 Sistema de Informação Neste capítulo é apresentado o sistema de informação dentro da organização. Procurando focar no indicador de desempenho, inicia-se apresentando o conceito de informação e sistema para proporcionar um melhor entendimento sobre o conceito de sistema de informação. Conforme Oliveira (2002, p. 51), “[...] dado é qualquer elemento identificado em sua forma bruta que, por si só, não conduz a uma compreensão de determinado fato ou situação”. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 83 Desempenho da Secretaria Municipal da Saúde de Biguaçu: uma análise com base nos Indicadores de Desempenho do Sistema Único de Saúde Já para Stair e Reynolds (2002, p. 4), [...] dados consistem em fatos não trabalhados como o nome de um empregado, a quantidade de horas semanais trabalhadas por ele, o número de peças em estoque ou de pedidos de vendas. Para Rezende e Abreu (2003, p. 60, grifo dos autores), [...] informação é todo o dado trabalhado, útil, tratado, com valor significativo atribuído ou gerado a ele e com um sentido natural e lógico para quem usa a informação. O dado é entendido como um elemento da informação, um conjunto de letras, números ou dígitos, que, tomado isoladamente, não transmite nenhum conhecimento, ou seja, não contém um significado claro. Na compreensão de Stair e Reynolds (2002, p. 4, grifo dos autores), “[...] informação é uma coleção de fatos organizados de modo que adquirem um valor adicional além do valor dos próprios fatos”. Então, pode-se afirmar que a informação é um conjunto de dados, que por sua vez trabalhados em conjunto geram conhecimento. A seguir, pode-se observar esse processo. Dados O Processo de Transformação (aplicando conhecimento pela seleção, organização e manipulação de dados) Informação Figura 1: O processo de transformação de dados em informação Fonte: Stair e Reynolds (2002, p. 5) Para Stair e Reynolds (2002, p. 5, grifo dos autores), “[...] a transformação de dados em informação é um processo, ou seja, um conjunto de tarefas logicamente relacionadas e executadas para atingir a um resultado definido”. Oliveira (2002, p. 35, grifo do autor) comenta que 84 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 Fernanda Aparecida da Cunha # Rogério da Silva Nunes # Isadora de Souza Bernardini [...] sistema é um conjunto de partes interagentes e interdependentes que, conjuntamente, formam um todo unitário com determinado objetivo e efetuam determinada função. Já para Rezende e Abreu (2003, p. 30), sistema consiste em um “[...] conjunto de partes que interagem entre si, integrando-se para atingir um objetivo ou resultado”. Boghi e Shitsuka (2002, p. 15) fundamentam que “[...] sistema é um conjunto de partes, as quais formam um todo com objetivo em comum”. Juntando os conceitos de informação e sistema surgem os sistemas de informação. Boghi e Shitsuka (2002, p. 15) relatam que “[...] a informação ampliou a comunicação dentro das organizações e também em nível mundial com acesso a internet”. De acordo com Oliveira (2002, p. 51, grifo do autor), “[...] sistema de informações é o processo de transformação de dados em informações [...]”. Para Laudon e Laudon (1999, p. 4, grifo dos autores), [...] um sistema de informação (SI) pode ser definido como um conjunto de componentes inter-relacionados trabalhando juntos para coletar, recuperar, processar, armazenar e distribuir informação com a finalidade de facilitar o planejamento, o controle, a coordenação, a análise e o processo decisório em empresas e outras organizações. Já na Concepção de Stair e Reynolds (2002, p. 4, grifo dos autores), [...] um sistema de informação (SI) é um conjunto de componentes inter-relacionados que coletam, manipulam e disseminam dados e informação, proporcionando mecanismo de feedback para atender a um objetivo. As atividades encontradas em um sistema consistem em entrada, processamento, saída e, se necessário, retroalimentação, conforme a ilustração a seguir. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 85 Desempenho da Secretaria Municipal da Saúde de Biguaçu: uma análise com base nos Indicadores de Desempenho do Sistema Único de Saúde Ambiente Organização Entrada Processamento Saída Retroalimentação Figura 2: Atividades dos sistemas de informação: entrada, processamento e saída Fonte: Laudon e Laudon (1999, p. 4) Laudon e Laudon (1999, p. 4) fundamentam que [...] um sistema de informação consiste em três atividades básicas – entradas, processamento e saída – que transformam dados originais em informação útil. Retroalimentação é parte da saída que é elevada de volta para as pessoas ou atividades apropriadas [...]. O sistema de informação pode ser de dois tipos: manual ou computadorizado. Para Laudon e Laudon (1999, p. 6, grifo dos autores), [...] um sistema de informação pode ser um sistema manual, usando somente a tecnologia do lápis e papel [...]. Todavia, os computadores substituíram a tecnologia manual de processamento de grandes volumes de dados e de trabalhos complexos de processamento. Os sistemas de informação computadorizados são baseados em tecnologias de computação para a entrada, processamento, saída e armazenamentos de dados. (LAUDON; LAUDON, 1999) Stair e Reynolds (2002, p. 13) comentam que [...] um Sistema de Informação Computadorizado (SIC) é composto de hardware, software, banco de dados, telecomunicações, pessoas 86 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 Fernanda Aparecida da Cunha # Rogério da Silva Nunes # Isadora de Souza Bernardini e procedimentos que são configurados para coletar, manipular e processar os dados em informação. Os principais componentes de um sistema de informação computadorizados estão descritos a seguir. Para Laudon e Laudon (1999, p. 6, grifo dos autores), [...] o hardware do computador é o equipamento físico usado para as tarefas de entrada, processamento e saída em um sistema de informação. Consiste na unidade de processamento do computador [...] Conforme Stair e Reynolds (2002, p. 13), “[...] software é o programa para computador que possibilita a operação do equipamento”. Laudon e Laudon (1999, p. 6, grifo dos autores) salientam que [...] o software do computador consiste em instruções pré-programadas que coordenam o trabalho dos componentes do hardware para que executem os processos exigidos por cada sistema de informação. Na compreensão de Stair e Reynolds (2002, p. 13) [...] existem dois tipos básicos de software: software de sistemas (que controla as operações básicas do computador como ligar e imprimir) e software de aplicativos (que viabiliza a realimentação de tarefas especificas como processamento de texto [...]) Para Laudon e Laudon (1999, p. 6, grifo dos autores), “[...] a tecnologia de armazenamento para organizar e armazenar os dados utilizados por uma empresa é um poderoso determinante da utilidade e disponibilidade dos dados”. Já Stair e Reynolds (2002, p. 15) consideram que “[...] um banco de dados é uma coleção organizada de fatos e de informações”. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 87 Desempenho da Secretaria Municipal da Saúde de Biguaçu: uma análise com base nos Indicadores de Desempenho do Sistema Único de Saúde Segundo Laudon e Laudon (1999, p. 6, grifo do autor), “[...] a tecnologia de comunicações é usada para conectar partes diferentes do hardware e para transferir dados de um ponto a outro via redes”. Para Stair e Reynolds (2002, p. 15, grifo dos autores), [...] telecomunicações são as transmissões eletrônicas de sinais para comunicações que proporcionam a ligação dos sistemas de computadores a redes eficazes”. Esses componentes são os principais elementos da nova economia: conhecida como economia digital, a informação, em todas as suas formas, fica reduzida a bits armazenados em computadores e correndo na velocidade da luz através das redes. (BARCELOS JUNIOR, 2002) Com a economia voltada para informação, o mercado vem se tornando cada vez mais competitivo, fazendo com que se torne primordial a informação dentro da organização e a precisão e agilidade com que ela chega. Além disso, os sistemas de informação propiciam vantagens aos clientes como, por exemplo, no postal, onde a rastreabilidade de objetos possibilita ao cliente saber onde o objeto se encontra. Conforme Santos (2001), a informação é um recurso fundamental dentro das organizações, e através dela criam-se as condições necessárias para se alcançar os objetivos e aumentar a competitividade. Os sistemas de informação são importantes para o Sistema Único de Saúde, pois neles ocorrem o armazenamento e o processamento de dados importantes, como os indicadores de desempenho, informações sobre a população e as doenças ocorridas em determinadas regiões do país. Os indicadores são encontrados nos sistemas de informação e possibilitam a elaboração de relatórios para medição de desempenho. Sendo assim, serão apresentados no próximo capítulo os indicadores de desempenho. 2.1 Indicador de Desempenho Os indicadores possuem como objetivo medir o desempenho e a qualidade dos processos. Para Kiyan (2006), o ato de medir reúne um conjunto de atividades, pressupostos e técnicas que objetivam qualificar variáveis e atributos de inter- 88 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 Fernanda Aparecida da Cunha # Rogério da Silva Nunes # Isadora de Souza Bernardini esse do objeto a ser analisado. Em relação à palavra desempenho, ela encerra a ideia de algo que já foi realizado, executado ou exercido. Para uma melhor visualização dos indicadores de desempenho é necessário estabelecer uma meta para saber se os indicadores apontados estão bons ou ruis. Todos os negócios precisam estabelecer alvos de melhorias que podem variar de acordo com o mercado em que a empresa está inserida e seus objetivos. (MARTINS; ALT, 2002) É necessário estabelecer uma meta, um alvo a ser alcançado, para que se possa ter um parâmetro de medida indicando se os indicadores estão de acordo com as expectativas da organização. De acordo com Kiyan (2006), o instante em que se procura mensurar o desempenho dos equipamentos, dos produtos, dos processos produtivos ou, ainda, da execução da estratégia empresarial, o objetivo por trás de toda essa atividade é melhorar a compreensão organizacional de sua realidade, possibilitando que melhores decisões e ações sejam tomadas adiante. No próprio conceito de medição de desempenho (MD) está embutida a ideia de melhoria. Para uma melhor verificação dos indicadores é necessário que as informações sejam realistas, consistentes e de fontes confiáveis, para que possam demonstrar a real situação em que a empresa se encontra. Na medição de desempenho, sua operacionalização se dá através de indicadores (ou medidas) de desempenho, que visam qualificar o objeto de estudo. (KIYAN, 2006) Os indicadores podem ser diários, semanais, mensais, anuais etc., enfim, de acordo com as necessidades da organização. Após a definição de metas e a medição feita é necessário fazer um monitoramento. É importante também formar um histórico com esses indicadores; para uma melhor visualização é interessante fazer gráficos. De acordo com Cunha e Sanches (2008), há dois tipos de medição dos indicadores: quanto maior melhor ou quanto menor melhor. Imagine um indicador de qualidade da produção cuja meta seja 90% e, no período medido, observou-se que atingiu 98% de qualidade nos processos; isso significa que o processo superou a meta e que houve nele uma melhoria, sendo esse indicador caracterizado em quanto maior melhor. Já no outro exemplo, tem-se a seguinte situação: se nesse processo houvesse um resto na produção e se Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 89 Desempenho da Secretaria Municipal da Saúde de Biguaçu: uma análise com base nos Indicadores de Desempenho do Sistema Único de Saúde fosse possível verificar o quanto há de sobra. Diga-se que a meta seja 1,5%, e no período verificado houve 0,5% de resto; isso significa que o indicador está “bom” e que houve pouca sobra na produção, sendo então esse indicador caracterizado como quanto menor melhor. Um dos benefícios dos indicadores é que eles podem servir para incentivar o processo de implementação de estratégias, como meio de comunicação para que os empregados visualizem o que é importante no negócio, entre outros. (KIYAN, 2006) Para Kiyan (2006), a medição de desempenho pode ser utilizada para retratar o desempenho de elementos presentes tanto no ambiente interno quanto no externo à organização. Pode-se melhor visualizar esses ambientes no Quadro 1, segundo a opinião de Ângelo (2005). Quadro 1: Classificação dos indicadores quanto ao âmbito Fonte: Adaptado de Ângelo (2005) Kiyan (2006) considera como do âmbito interno os seguintes elementos: empregados, cliente e fornecedores internos, insumo de produção, produtos, serviços, atividades, processos, modelo de gestão, unidade de negócio, etc. E como parte do âmbito externo, Kiyan (2006) aponta: produto em campo, clientes e fornecedores externos, marca concorrente, cadeia de suprimento, comunidade, entre empresa do mesmo setor, etc. Ângelo (2005) relata que, depois de realizada a medição, tem início a fase do monitoramento e controle dos indicadores. Nessa fase, buscar atingir a meta é tão importante quanto estabelecer os limites dentre os quais os indicadores podem variar. 90 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 Fernanda Aparecida da Cunha # Rogério da Silva Nunes # Isadora de Souza Bernardini Boghi e Shitsuka (2002, p. 95) comentam que [...] a qualidade pode ser medida por parâmetros, como é o caso da precisão, do conteúdo, forma de apresentação, e o objetivo final é encontrar parâmetros que possam ser utilizados para satisfazer o usuário ou clientes de um sistema. É necessário para uma organização estabelecer metas de desempenho, pois o cumprimento dessas metas vai afetar a qualidade dos serviços por ela prestados. 2.2 Indicador de Desempenho do Sistema Único de Saúde (IDSUS) O indicador de desempenho apresentado pelo Ministério da Saúde, o IDSUS, foi, conforme Medici (2012, p. 1), “[...] lançado no dia 1º de março de 2012, como uma síntese de 24 indicadores que avaliam o desempenho do SUS, atribuindo uma nota (grau) para cada Município, Estado e para o Brasil”. De acordo com Brasil (2012), o IDSUS é um indicador síntese, que faz uma aferição de forma contextualizada do desempenho do Sistema de Único de Saúde (SUS) com relação ao acesso (potencial ou obtido) e à efetividade da Atenção Básica, das Atenções Ambulatorial e Hospitalar e das Urgências e Emergências. De acordo com Medici (2012, p. 3) [...] indicadores que compõem o IDSUS: o IDSUS se compõe de 24 indicadores associados aos temas de cobertura (acesso potencial ou obtido) com 14 indicadores, e efetividade (resultados esperados) do SUS, com 10 indicadores. Os indicadores de cobertura foram definidos em três áreas assistenciais (atenção básica, atenção ambulatorial e hospitalar de média complexidade e atenção ambulatorial e hospitalar de alta complexidade) enquanto que os indicadores de efetividade tomaram em consideração a atenção básica e a atenção ambulatorial e hospitalar de média e alta complexidade em conjunto. [...]. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 91 Desempenho da Secretaria Municipal da Saúde de Biguaçu: uma análise com base nos Indicadores de Desempenho do Sistema Único de Saúde Os Municípios Brasileiros foram divididos em Grupos Homogêneos devido à sua diversidade demográfica, geográfica, cultural, socioeconômica, entre outras. Esses grupos possuem características similares, podendo se fazer um comparativo. A seguir apresenta-se o quadro demonstrativo. (BRASIL, 2012) Figura 3: Componentes do IDSUS Fonte: Brasil (2012) De acordo com Nalon (2012), ao fazer um ranking dos municípios, o ministério os dividiu em seis grupos, considerando os perfis socioeconômico e de estrutura de saúde. De acordo com esses critérios, nos Grupos 1 (29 municípios) e 2 (94 municípios) encontram-se as cidades mais ricas, com estruturas de saúde pública mais complexas; nos Grupos 3 (632 municípios) e 4 (587 municípios) encontram-se as cidades com pouca estrutura de média e alta complexidade; e, nos Grupos 5 (2.038 cidades) e 6 (2.183), as cidades menores, com pouco ou nenhum atendimento especializado. Na concepção de Brasil (2012), [...] a seleção dos indicadores simples, que compõem os índices de acesso e de efetividade, foi obtida por meio de um teste de 92 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 Fernanda Aparecida da Cunha # Rogério da Silva Nunes # Isadora de Souza Bernardini correlação linear, sendo selecionados aqueles indicadores que apresentaram correlação diferente de zero. O peso destes indicadores simples nos seus respectivos indicadores compostos foi dado pela metodologia de Análise de Componentes Principais (PCA). Essa mesma metodologia foi utilizada entre os indicadores A, B, C, D e E) para resultar nos respectivos índices de Acesso Potencial ou Obtido do SUS e de Efetividade do SUS. Conforme descrito a seguir segue a demonstração de como o IDSUS é composto segundo Brasil (2012). Figura 4: Componentes do IDSUS Fonte: Brasil (2012) Na concepção de Nalon (2012), ao emitir a nota, o ministério considera o acesso aos serviços do SUS e se esses serviços são prestados na totalidade. Esses critérios, ponderados, resultam na nota final, conforme representado a seguir. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 93 Desempenho da Secretaria Municipal da Saúde de Biguaçu: uma análise com base nos Indicadores de Desempenho do Sistema Único de Saúde Figura 5: Cálculo IDSUS Fonte: Nalon (2012) Dessa forma, conforme Brasil (2012), o IDSUS se mostra um importante subsídio para a formulação e execução de políticas públicas de saúde, pois pode subsidiar gestores municipais, estaduais e federais a fortalecerem, em um compromisso compartilhado, seus sistemas e a melhorarem a qualidade da atenção à saúde da população. que Corroborando com este pensamento Reis et al. (2011, p. 6) afirmam [...] assim – como vem acontecendo em diversos setores públicos nos quais a utilização de índices e indicadores adquire papel dinâmico e relevante na avaliação e, por conseguinte, na efetivação de melhorias nas políticas de educação, moradia e bem estar dos cidadãos -, o IDUS materializa o esforço da presidente Dilma Rousseff e deste Ministério da Saúde, no sentido de estabelecer parâmetros objetivos, que norteiem os investimentos no SUS por parte do Estado brasileiro, contribuindo para uma prestação de serviços públicos de saúde adequados e efetivos. 94 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 Fernanda Aparecida da Cunha # Rogério da Silva Nunes # Isadora de Souza Bernardini Conforme os tópicos abordados até aqui, encerra-se a fundamentação teórica para, no próximo capítulo, iniciar os procedimentos metodológicos utilizados no decorrer deste trabalho. 3Metodologia Este capítulo tem como objetivo delinear os procedimentos metodológicos e as técnicas utilizadas na realização deste trabalho, apoiando-se no método indutivo, nas pesquisas de natureza descritiva e metodológica, utilizando-se como meios a pesquisa bibliográfica e a pesquisa documental, além da abordagem qualitativa. Dentre os métodos existentes foi utilizado neste trabalho o indutivo, que possibilitou a compreensão e a observação dos indicadores de desempenho. Gil (1999, p. 28) contempla que no método indutivo [...] parte-se da observação de fatos ou fenômenos cujas causas se deseja conhecer. A seguir procura-se compará-los com a finalidade de descobrir relações entre eles. Por fim, procede-se à generalização, com base na relação verificada entre os fatos ou fenômenos. Os tipos de pesquisa utilizados foram os de natureza metodológica e os de natureza descritiva. A pesquisa descritiva auxiliou no levantamento e na descrição das características do Município e dos indicadores de desempenho, para uma melhor análise do levantamento dos possíveis problemas. Cervo e Bervian (1996, p. 49) fundamentam que “[...] a pesquisa descritiva observa, registra, analisa e correlaciona fatos ou fenômenos (variáveis) sem manipulá-los”. As técnicas utilizadas para coleta de dados foram: a pesquisa documental e a pesquisa bibliográfica. Os documentos utilizados na pesquisa documental foram os dados existentes no município sobre a saúde e os indicadores. A pesquisa documental possui fontes diversificadas e dispersas e não se encontra esse material em bibliotecas, mas em arquivos de órgãos públicos Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 95 Desempenho da Secretaria Municipal da Saúde de Biguaçu: uma análise com base nos Indicadores de Desempenho do Sistema Único de Saúde e instituições privadas e em manuais internos da empresa, sendo que esse material ainda não recebeu um tratamento analítico. (GIL, 2002) Conforme Marconi e Lakatos (1999, p. 64), “[...] a característica da pesquisa documental é que a fonte de coleta de dados está restrita a documentos, escritos ou não, constituindo o que se denomina de fontes primárias”. Na pesquisa bibliográfica buscaram-se os dados junto aos livros relacionados ao tema, com o intuito de elaborar a fundamentação teórica. Gil (2002, p. 44) relata que “[...] a pesquisa bibliográfica é desenvolvida com base em material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos”. Para a análise de dados utilizou-se a abordagem qualitativa. Goldenberg (2000, p. 53) comenta que “[...] os dados qualitativos consistem em descrições detalhadas de situações com o objetivo de compreender os indivíduos em seus próprios termos”. Esses procedimentos metodológicos estão presentes ao longo do trabalho. Sendo assim, a seguir serão apresentaddos a análise e os resultados encontrados no Município de Biguaçu. 4 Análise e Resultados Neste capítulo será abordada a descrição do Município de Biguaçu e os seus indicadores de desempenho no IDSUS, bem como será feita a análise dos dados do problema proposto para este trabalho. O Município de Biguaçu conforme o site do Governo do Estado de Santa Catarina (2012), [...] embora a cidade de Biguaçu tenha sido fundada oficialmente em 1833, sua História começa bem antes, em 1747, com a vinda dos portugueses açorianos e a fundação do povoado de São Miguel, antiga sede do município. Pequena cidade agrícola até a década de 1970, a Biguaçu transformou-se hoje em importante polo industrial e comercial da Grande Florianópolis. 96 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 Fernanda Aparecida da Cunha # Rogério da Silva Nunes # Isadora de Souza Bernardini A população do Município, conforme o censo 2010, é de 58.206 habitantes (cinquenta e oito mil e duzentos e seis habitantes), distribuída em uma área de aproximadamente 374 km². (IBGE, 2012) A Secretaria Municipal de Saúde possui 15 unidades básicas de saúde, sendo prevista a construção de mais duas até o próximo ano, uma Policlínica Municipal de Biguaçu – Luiz Carlos Martins, uma Unidade de Pronto Atendimento 24h (UPA) (Porte 1), um Centro de Especialidades Odontológicas (CEO), um Centro de Atendimento Psíquico Social (CAPS) e a Vigilância em Saúde. O Município terá um hospital e uma maternidade que se encontram em fase de acabamento, e, segundo o Secretário Municipal de Saúde de Biguaçu, Sr. Leandro Adriano de Barros, “[...] até dezembro o Hospital deverá ser inaugurado beneficiando não apenas os moradores de Biguaçu, mas de toda a região.” (BIGUAÇU, 2012) O Município de Biguaçu, conforme os critérios de classificação do Ministério da Saúde para o IDSUS, apresentados na revisão bibliográfica, pertence ao Grupo homogêneo 5 devido aos dados demográficos socioculturais, entre outros, conforme apresentado a seguir. Tabela 1: Grupo Fonte: Adaptada de Brasil (2012) A Nota do IDSUS referente ao Município foi de 6.86, sendo que as notas apresentadas pelo IDSUS vão de uma escala de 0 a 10. Pode-se notar que o Município está acima da média. A seguir apresentam-se os dados de dois municípios vizinhos que pertencem ao mesmo grupo homogêneo. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 97 Desempenho da Secretaria Municipal da Saúde de Biguaçu: uma análise com base nos Indicadores de Desempenho do Sistema Único de Saúde Tabela 2: Grupo Fonte: Adaptada de Brasil (2012) Em comparação aos outros dois municípios vizinhos, Antônio Carlos e Governador Celso Ramos, que pertencem ao mesmo grupo homogêneo, o Município de Biguaçu teve a menor nota entre eles. A Secretaria Municipal de Biguaçu está realizando ao longo de 2012 algumas ações para melhorar essa nota. A seguir apresentam-se as notas obtidas pelo Município de Biguaçu em relação à Atenção Básica – acesso potencial ou obtido. Tabela 3: Grupo Fonte: Adaptada de Brasil (2012) Em comparação aos Municípios de Antônio Carlos e de Governador Celso Ramos, tem-se a seguinte tabela. 98 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 Fernanda Aparecida da Cunha # Rogério da Silva Nunes # Isadora de Souza Bernardini Tabela 4: Grupo Fonte: Adaptada de Brasil (2012) O Município de Biguaçu apresenta as menores notas em comparação aos municípios apresentados. A Secretaria Municipal de Biguaçu nesse quesito tem como ação a criação de duas unidades básicas de saúde para atender melhor à demanda da população. Em relação às equipes básicas de saúde bucal, elas estão presentes em nove das 15 Unidades Básicas de Saúde. O Município de Biguaçu possui um Centro de Especialidades Odontológicas (CEO) que realiza atendimento em endodontia, cirurgia bucomaxilo facial, odontopediatria, periodontia, radiologia odontológica e atendimento para pacientes especiais. Já no quesito Atenção Ambulatorial e Hospitalar de Média Complexidade, o acesso potencial ou obtido em Biguaçu alcançou as seguintes notas. Tabela 5: Grupo Fonte: Adaptada de Brasil (2012) As notas dos municípios de Antônio Carlos e Governador Celso Ramos, para comparação, são as seguintes: Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 99 Desempenho da Secretaria Municipal da Saúde de Biguaçu: uma análise com base nos Indicadores de Desempenho do Sistema Único de Saúde Tabela 6: Grupo Fonte: Adaptada de Brasil (2012) Acredita-se que, para as próximas notas do IDUS, o Município de Biguaçu esteja com uma nota melhor nos quesitos em relação a exames devido ao Programa Fila Zero, que tem o intuito de zerar as filas de espera para os exames. A Secretaria adquiriu novos equipamentos, como máquina de Raios-X e endoscópio, entre outros. Em 2011, o município possuía apenas uma unidade de pronto atendimento que atendia no horário das 7h às 21h e possuía uma estrutura para poucos atendimentos. Em fevereiro de 2012 foi inaugurada a nova Unidade de Pronto Atendimento 24 horas, porte 1, que ampliou o atendimento à população e possui, entre outros equipamentos, um aparelho de Raio-X. Apresentam-se, a seguir, dados do Município de Biguaçu em relação à Atenção Ambulatorial e Hospitalar de Alta Complexidade, referência de Média e Alta Complexidade e Urgências – Acesso potencial ou obtido. Tabela 7: Grupo Fonte: Adaptada de Brasil (2012) Os dados que se encontram zerados significam que o Município não atende, ou não realiza, a esse tipo de procedimento. Nos casos de Alta complexidade o Município de Biguaçu encaminha os pacientes ao para os hospitais dos municípios vizinhos, São José e Florianó- 100 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 Fernanda Aparecida da Cunha # Rogério da Silva Nunes # Isadora de Souza Bernardini polis, devido ao fato de não possuir um hospital e estrutura adequada para esses casos. A partir de 2013, com a inauguração do hospital, será possível fazer esses atendimentos de alta complexidade. Tabela 8: Grupo Fonte: Adaptada de Brasil (2012) A Tabela a seguir refere-se à efetividade da Atenção Básica: Tabela 9: Grupo Fonte: Adaptada de Brasil (2012) Na Atenção Básica, a taxa de incidência de Sífilis Congênita é o dado que está em branco devido ao município não possuir nenhum caso dessa doença. Tabela 10: Grupo Fonte: Adaptada de Brasil (2012) Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 101 Desempenho da Secretaria Municipal da Saúde de Biguaçu: uma análise com base nos Indicadores de Desempenho do Sistema Único de Saúde Nos municípios vizinhos, a taxa de incidência de Sífilis Congênita, o dado que está em branco, pode significar que o indicador não foi avaliado em função da inexistência de dados ou pelo fato de o município não possuir nenhum caso. Pode-se observar, em comparação aos outros municípios, que Biguaçu precisa melhorar no quesito ação coletiva de escovação dental supervisionada. Já no quesito Média e Alta Complexidade, Urgência e Emergência – Efetividade, Biguaçu apresenta as seguintes notas. Tabela 11: Grupo Fonte: Adaptada de Brasil (2012) Como já comentado, o Município de Biguaçu irá inaugurar um hospital e uma maternidade, o que fará com que esses quesitos possuam uma nota melhor nas próximas avaliações. Apresenta-se, a seguir, a comparação com os municípios vizinhos. 102 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 Fernanda Aparecida da Cunha # Rogério da Silva Nunes # Isadora de Souza Bernardini Tabela 12: Grupo Fonte: Adaptada de Brasil (2012) Como é possivel observar, o Município de Biguaçu possui uma nota melhor nesses quesitos em comparação aos municípios vizinhos. Com a reeleição do Prefeito José Castelo Deschamps, as suas propostas para a saúde no próximo mandato, de 2013 a 2016, conforme reportagem do jornal Notícias do Dia (VOLPATO, 2012), são apresentadas a seguir: José Castelo Deschamps - Coligação “Pra Frente Biguaçu” Nossa prioridade é a inauguração do hospital, pois a saúde básica está sendo atendida. Hoje temos atendimento 24 horas com raio-x e eletrocardiograma. Além disso, estamos investindo no saneamento básico, através da macrodrenagem e da implantação da rede de esgoto sanitário, quem em 4 anos terá 60% em pleno funcionamento. Propostas: • Colocar em funcionamento o Hospital Regional de Biguaçu dentro das diretrizes da Política Estadual de saúde. • Garantir gestão profissional, participativa e sustentável do Hospital. • Implantar o Sistema Integrado de Saúde Municipal. • Construção da sede própria do CAPS. • Ampliar e criar novos mutirões de Atendimento para todo tipo de exames. • Criação de novas equipes da Estratégia da Saúde da Família. • Criação de Novas Equipes do Projeto Saúde Bucal. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 103 Desempenho da Secretaria Municipal da Saúde de Biguaçu: uma análise com base nos Indicadores de Desempenho do Sistema Único de Saúde • Fila Zero: Inclusão do Acolhimento em todas as Unidades de Saúde para acabar com as filas na madrugada. Com essas propostas, como apresentado ao longo do trabalho, acredita-se que o desempenho e a qualidade dos serviços prestados aos cidadãos biguaçuenses na área da saúde sejam melhores e que na próxima avaliação do IDSUS o Município obtenha notas superiores àquelas de 2011. 5 Considerações Finais Com o conceito de sistemas apresentado, é possível observar que tudo está integrado e interligado, que cada ação gera uma reação no sistema ou um produto/serviço. Pode-se observar a importância dos indicadores de desempenho para a administração e o controle do que está sendo realizado, para poder implementar ações e corrigir possíveis falhas. O Indicador de Desempenho do Sistema Único de Saúde foi criado para poder analisar a qualidade dos serviços prestados à população e poder implementar melhor as políticas públicas voltadas à área da saúde, sabendo os pontos fortes e fracos de cada município. O Município analisado em questão foi Biguaçu, situado no Estado de Santa Catarina, pertencente, pela classificação do Ministério da Saúde, ao Grupo homogêneo 5. A nota IDSUS foi de 6.86,conforme análise das notas recebidas pelo Município, que está implementando uma série de ações e melhorias em seu sistema de saúde para melhorar o atendimento aos munícipes. As ações apresentadas, algumas já implementadas no ano de 2012, foram a inauguração de uma nova Unidade de Pronto Atendimento 24h com serviços de Raio-X e eletrocardiograma, a inauguração do hospital regional e a maternidade, a criação de duas novas unidades básicas de saúde e a continuação do programa que reduz as filas de espera de exames. Com a reeleição do Prefeito José Castelo Deschamps e as propostas para a saúde no próximo mandato de 2013 a 2016, acredita-se que o desempenho e a qualidade dos serviços prestados aos cidadãos biguaçuenses sejam melhores e que na próxima avaliação do IDSUS o Município obtenha notas superiores às de 2011. 104 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 Fernanda Aparecida da Cunha # Rogério da Silva Nunes # Isadora de Souza Bernardini Referências ÂNGELO, Lívia B. Indicadores de desempenho logístico. 2005. Disponível em: <http://pessoal.utfpr.edu.br/anacristina/arquivos/A6%20 TextoIndicadores.pdf>. Acesso em: 6 mar. 2008. BARCELOS JÚNIOR, Haroldo. O Papel da Logística na Cadeia Produtiva: um estudo de caso. Dissertação de Mestrado. UFSC, FlorianópolisSC, 2002. BIGUAÇU. Centro de Biguaçu vai ganhar novo posto de saúde. Biguaçu, jun. 2012. Disponível em: <https://www.bigua.sc.gov.br/blog/tag/ posto-de-saude/>. Acesso em: 2 nov. 2012. BOGHI, Cláudio; SHITSUKA, Ricardo. 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O processo inicia após o diagnóstico de profissionais atuando isoladamente, de serviços desarticulados e da necessidade de maior interação com outros setores. A estratégia adotada é a inclusão dos diversos atores em todas as etapas, cuja atuação é fundamental. Espaços de diálogo são criados e os acordos são repactuados. O comprometimento responsável com os resultados, a articulação entre os diversos serviços da rede de saúde e a criação de protocolos com fluxos definidos são os desafios. Apesar de ser um caminho lento, conflituoso, a gestão participativa facilita a mudança e propicia a adoção de intervenções articuladas, com melhoria da atenção à população. This article report and evaluates the Mental health service restructuring in Florianopolis, with management point view. The project starts after the diagnosis of professionals working isolated, disarticulated services and need more interaction with other sectors. Different actors are included in all stages, people participation is fundamental. Dialogue spaces are created, where agreements are constantly renegotiated. Commitment and responsibility to results, relationship between different services and creat protocols with defined flows are constant challenges. The way is long, with conflicting positions, but participative management facilitated the change process and the adoption of interventions articulated, resulting improved care to the population. Palavras-chave: Responsabilização. Motivação. Educação. Gestão Participativa. 1 Key words: Responsibility. Motivation. Education. Participative Management. Especialista em Psiquiatria pela Irmandade Santa Casa de Misericórdia de São Paulo e Medicina pela Universidade de Taubaté. E-mail: [email protected]. 2 Pós-Doutor pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP em Educação e Novas Tecnologias (2010). Doutor em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina (2002). E-mail: [email protected]. 3 Especialista em Gestão de Pessoas nas Organizações e Bacharel em Administração pela Universidade Federal Santa Catarina (UFSC). E-mail: [email protected]. Reestruturação da Rede de Saúde Mental do Município de Florianópolis, sob o Olhar da Gestão 1Introdução O sistema de saúde é visto como um dos mais complexos da sociedade (MINTZBERG, 1994). O trabalho profissional é altamente especializado, complexo e de difícil mensuração, e a autonomia é necessária para executá-lo, gerando um ambiente propício ao conflito, tornando-se fundamental um processo de negociação permanente. Os diferentes serviços tendem a se comportar de forma independente, exercendo muitas vezes rivalidades quanto à utilização de recursos (AZEVEDO, 2002). Dentro dos serviços de saúde, as diferentes categorias profissionais organizaram seu processo de trabalho baseando-se isoladamente no saber das profissões e das categorias, e não em objetivos comuns. Esse tipo de organização não tem garantido que as práticas se complementem ou que haja solidariedade na assistência, e nem que as ações sejam eficazes no sentido de oferecer um tratamento digno, respeitoso, com qualidade, acolhimento e vínculo. Isso tem acarretado falta de motivação dos profissionais e de incentivo ao envolvimento dos usuários. (BRASIL, 2007) Diante do poder dividido, permeado por disputas entre os grupos para impor sua forma de atuação, a elaboração de estratégias para lidar com essa questão é fundamental. Entretanto, esse processo tem se mostrado descontínuo, e as decisões decorrentes do jogo de forças contingente (MINTZBERG, 1989). As características próprias do ambiente profissional fazem o processo decisório ser bastante difícil e a cooperação um grande desafio, evidenciando ainda mais o importante papel da liderança. (AZEVEDO, 2002) A formação e o desenvolvimento de equipes de trabalho são partes importantes no papel do gestor. As estratégias gerenciais descentralizadoras seriam mais adequadas ao contexto das organizações de saúde, apontando para a necessidade de ampla negociação e para o exercício da liderança de forma mais distribuída na organização (AZEVEDO, 2002). O modelo tradicional de gestão controlador deverá ceder a uma forma focalizada mais na facilitação, cabendo a eles essencialmente orientar a busca de objetivos e de metas, fornecer informações necessárias ao trabalho, auxiliar no processo decisório ou decidir e ajudar as equipes a solucionarem os seus conflitos pessoais e interpessoais (MANZ; SIMS, 1996). O desenvolvimento de equipes contempla o uso de estratégias de orientação que propiciam participação, cooperação e vontade de construir o trabalho em equipe, tanto dos gestores quanto dos funcionários. Trata-se de um processo em que todos precisam aprender, independente do nível hierárquico; nele cada membro da equipe 110 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 Evelyn Cremonese # Eduardo Lobo # Juliana Pereira é sujeito e objeto de sua própria aprendizagem (MOSCOVICI, 2000). O relacionamento entre os componentes da equipe e o gerente é um dos fatores mais relevantes na facilitação de um clima de confiança e respeito, em que as relações interpessoais irão determinar as possibilidades de trabalho conjunto produtivo. (MOSCOVICI, 2000) Os serviços de saúde têm basicamente três objetivos finais: a produção de saúde, a realização profissional e pessoal dos trabalhadores e a sua própria reprodução como política, incluindo a participação de trabalhadores, gestores e usuários dos serviços de saúde, em um pacto de corresponsabilidade. Na gestão participativa, reconhece-se que não há combinação ideal pré-fixada desses três pontos, mas acredita-se que é no exercício do próprio fazer da cogestão que os contratos e os compromissos entre os sujeitos envolvidos com o sistema de saúde são construídos. É um modelo centrado no trabalho em equipe, na construção coletiva que garante que o poder seja compartilhado com quem executa, por meio de análises, de decisões e de avaliações construídas coletivamente (BRASIL, 2007). Pensar coletivamente a razão de ser e os objetivos de longo prazo torna o cotidiano mais eficiente e promissor. (MOTTA, 2001) Diante disso, optou-se por incluir o pensar e o fazer coletivo, no processo de reestruturação da rede de saúde mental do município de Florianópolis, visando à adequação da atuação às reais necessidades dos profissionais, serviços e usuários da rede. A cogestão é uma diretriz ética e política que motiva os trabalhadores e permite a sua efetiva participação na gestão. O modelo de gestão se relaciona com a tomada de decisões, a definição de prioridade, o tipo de organização, os valores que as guiam, quem toma e como as toma. A gestão participativa é importante como um instrumento valioso na construção de mudança, contribuindo para tornar o atendimento mais eficaz/efetivo e motivador para as equipes de trabalho (BRASIL, 2007). Os responsáveis designados pelos setores administrativos mantêm a responsabilidade final de tomar decisões e de responder por elas, porém os profissionais afetados por essas decisões podem proporcionar ativamente observações, análises, sugestões e recomendações no processo executivo da tomada de decisões. A confiança é um fator importante na liderança. A participação ativa dos trabalhadores torna a tomada de decisões mais transparente, aumentando a confiança dos funcionários e a liderança do dirigente. Para tanto, é necessária boa comunicação; quanto mais canais de discussão, maior a participação dos Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 111 Reestruturação da Rede de Saúde Mental do Município de Florianópolis, sob o Olhar da Gestão profissionais na gestão. Criar mais espaços de conversa, mostrar interesse real e respeito a cada opinião, falar sobre os objetivos, as possibilidades e as falhas das organizações são formas de estimular o diálogo. Estabilidade no emprego, baixo comprometimento e mudança frequente das lideranças são algumas das variáveis que podem afetar o desempenho dos funcionários no serviço público. Criar compromisso, participação e “adesão” dos seus funcionários a um projeto institucional que aumente a responsabilidade institucional para com seus resultados e que produza mudanças na organização da assistência tem sido um constante desafio. Isso torna ainda mais fundamental que os gestores atuem no sentido de motivar e de desenvolver o senso de equipe. (AZEVEDO, 2002) A elaboração conjunta das diretrizes da reorganização do modelo assistencial em saúde mental favorece a legitimação da própria gestão, além de minimizar a fragmentação que pode ocorrer pela divergência entre as diferentes categorias profissionais. O presente artigo descreve um processo de trabalho no qual a atuação em equipe fortaleceu as decisões tomadas pelo grupo, aumentando a responsabilidade institucional para com seus resultados. 2 Objetivo Avaliar a experiência de reestruturação do programa de saúde mental do município de Florianópolis, sob o olhar da gestão. 2.1 Objetivos Específicos • Descrever as etapas e as dificuldades encontradas no processo de reestruturação do programa de atenção e saúde mental; • Observar as resistências que se desenvolveram nos profissionais durante o período analisado; • Avaliar como ocorreram as mudanças no decorrer da implantação do programa; • Mostrar os resultados alcançados; • Apresentar os pontos a serem buscados. 112 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 Evelyn Cremonese # Eduardo Lobo # Juliana Pereira 3 Metodologia A experiência relatada neste artigo vem ocorrendo desde o ano de 2007, em Florianópolis, capital do estado de Santa Catarina, que possui uma população estimada de 421.240 habitantes. (IBGE, 2012) O município conta com 104 equipes de Saúde da Família distribuídas em 50 Centros de Saúde divididos em cinco regionais de saúde. Cada centro de saúde possui um coordenador que é subordinado ao Coordenador da respectiva Regional de Saúde. Os cinco coordenadores, responsáveis pelo gerenciamento regional, fazem a articulação administrativa com a Diretoria de atenção Primária que tem ligação direta com o gabinete do Secretário Municipal de Saúde. A Saúde Mental é uma Gerência que fornece apoio técnico aos setores administrativos (Coordenações das Regionais, coordenadores dos Centros de Saúde), profissionais da rede municipal de saúde e usuários do sistema. O diagnóstico situacional se dá por meio dos relatos de profissionais e de usuários sobre as ações realizadas, seu impacto, vantagens e desvantagens. O sistema de informação na área de saúde mental, em todo o país, é pouco estruturado e para identificar as necessidades de cada comunidade é necessário um esforço conjunto dos profissionais e sociedade. Ao descrever as etapas da reestruturação do programa de atenção e saúde mental busca-se mostrar as dificuldades e as resistências encontradas, bem como os pontos motivadores de mudanças, os resultados obtidos e os pontos a serem alcançados. A experiência relatada é comparada e respalda com construtos teóricos encontrados na literatura científica. 4 Reestruturação da Rede de Saúde Mental do Município de Florianópolis Com a aprovação da nova Constituição, em 1988, cria-se o Sistema Único de Saúde (SUS) e são estabelecidas as condições institucionais para a implantação de novas políticas de saúde, dentre as quais a de saúde mental. Consoante com diversas experiências de reforma da assistência psiquiátrica no mundo ocidental, e as recomendações da Organização Pan-Americana de Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 113 Reestruturação da Rede de Saúde Mental do Município de Florianópolis, sob o Olhar da Gestão Saúde (OPAS) contidas na Carta de Caracas (1990), o Ministério da Saúde, a partir da década passada, define uma nova política de saúde mental que redireciona paulatinamente os recursos da assistência psiquiátrica para um modelo substitutivo aos hospitais. Incentiva-se a criação de serviços em saúde mental de atenção comunitária, pública, de base territorial, ao mesmo tempo em que se determina a implantação de critérios mínimos de adequação e de humanização do parque hospitalar especializado. Inicia-se então uma ampla mudança do atendimento público em Saúde Mental, garantindo o acesso da população aos serviços e o respeito a seus direitos e liberdade. Significa a mudança do modelo de tratamento: no lugar do isolamento, o convívio na família e na comunidade. (BRASIL, 2005) Dentre os principais desafios da Política Nacional de Saúde Mental, é possível citar o fortalecimento de políticas de saúde voltadas para grupos de pessoas com transtornos mentais de alta prevalência e baixa cobertura assistencial; a consolidação e ampliação de uma rede de atenção de base comunitária e territorial, promotora da reintegração social e da cidadania; e a implementação de uma política de saúde mental eficaz no atendimento das pessoas que sofrem com a crise social, a violência e o desemprego. Até o final dos anos de 1980, a assistência em saúde mental em Florianópolis foi baseada em um modelo hospitalocêntrico, chegando a ter cerca de 1.500 pacientes internados no Hospital Colônia Santana, atual Instituto de Psiquiatria de Santa Catarina. (IPQ/SC) Com a criação do SUS, que passa a ser o suporte legal e técnico das ações em saúde (BRASIL, 2005), o Município de Florianópolis tem caminhado no sentido de implementação de um conjunto de medidas educativas, preventivas, assistenciais e de reabilitação, visando a garantir os direitos dos portadores de transtornos mentais (SARAIVA; CREMONESE, 2008). Há cerca de 12 anos criou-se o primeiro serviço ambulatorial para atendimento de pessoas com sofrimento psíquico do município, atualmente chamado de Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) II – Ponta do Coral. Em 2004 criou-se o CAPSi para crianças e adolescentes com sofrimento psíquico; e no final de 2005, o primeiro CAPSad, criado para pessoas com problemas com álcool e outras drogas. Progressivamente, psicólogos começam a atuar em alguns centros de saúde, atendendo conforme sua prática pessoal, sem ações ou fluxos preestabelecidos. Com a realização de um concurso público no ano de 2004 114 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 Evelyn Cremonese # Eduardo Lobo # Juliana Pereira foram contratados psiquiatras para atuarem nos dois CAPS existentes até então (CAPSi e CAPS II) e, pela primeira vez, em ambulatórios localizados em centros de saúde. No final de 2006 ocorreu uma mudança na coordenação do Programa de Saúde Mental da Secretaria Municipal de Saúde de Florianópolis. Como acontece em todos os processos de mudança, isso gera uma série de receios e fantasias nos trabalhadores da rede de saúde mental; e a aproximação com os profissionais torna-se um desafio. Criou-se um grupo de trabalho com representantes dos CAPS, dos ambulatórios de saúde mental e com diversas categorias profissionais com o propósito de acolher e de incorporar os profissionais no planejamento da coordenação de Saúde Mental, possibilitando a sua participação em todas as etapas de reestruturação da rede, favorecendo a corresponsabilização pelas propostas, evitando que as decisões sejam unilaterais e distanciadas. Pensar coletivamente a razão de ser e os objetivos de longo prazo torna o cotidiano mais eficiente e promissor (MOTTA, 2001). Aumentar o grau de coesão das pessoas em torno de processos que propiciem sua participação favorece a cooperação em seu benefício mútuo. (PIMENTEL, 20??) Constatam-se serviços de saúde mental sem atuação territorializada, o que dificulta a articulação com a atenção primária. É possível observar ausência de sistematização de fluxo, avaliação de risco, ações prioritariamente individuais e grandes listas de espera. Após realizar o diagnóstico situacional, o grupo de trabalho analisa experiências de outros municípios e as recomendações do Ministério da Saúde (MS) e Organização Mundial de Saúde (OMS). Diante disso e, em concordância com o modelo de Atenção à Saúde adotado pela SMS, que opta pela Estratégia de Saúde da Família (ESF), como ordenadora de rede e coordenadora do cuidado, o grupo de trabalho propõe como alternativa que a rede de saúde mental seja organizada a partir da ESF. A equipe de saúde da família por si só é um “coletivo organizado de trabalhadores”. De configuração multiprofissional, ela comporta-se como uma instância colegiada, exercitando a sua potencialidade de se fazer integrada e participativa em seu cotidiano de trabalho (BRASIL, 2007). Essas equipes são responsáveis pelo acompanhamento de um número definido de famílias, localizadas em uma área geográfica delimitada. A atuação das equipes ocorre principalmente nas unidades básicas de saúde, nas residências e na mobiliza- Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 115 Reestruturação da Rede de Saúde Mental do Município de Florianópolis, sob o Olhar da Gestão ção da comunidade, caracterizando-se: como porta de entrada de um sistema hierarquizado e regionalizado de saúde. Está sob responsabilidade desses profissionais o acompanhamento das famílias de um território definido, com uma população delimitada. A equipe intervém sobre os fatores de risco aos quais a comunidade está exposta; presta assistência integral, permanente e de qualidade; realiza atividades de educação e promoção da saúde. Estabelece vínculos de compromisso e de corresponsabilidade com a população, estimula a organização das comunidades para exercer o controle social das ações e serviços de saúde, utiliza sistemas de informação para o monitoramento e a tomada de decisões, atua de forma intersetorial, por meio de parcerias estabelecidas com diferentes segmentos sociais e institucionais, de forma a intervir em situações que transcendem a especificidade do setor saúde e que têm efeitos determinantes sobre as condições de vida e saúde dos indivíduos-famílias-comunidade (BRASIL, 2006). Um plano de ação construído conjuntamente entre a comunidade e os profissionais propicia o reconhecimento das necessidades e de possíveis soluções para cada localidade, favorecendo a aproximação e o respeito às especificidades de cada comunidade. A atuação interdisciplinar contribui para aumentar a eficácia das intervenções, mas para tanto, é necessário facilitar a comunicação entre os distintos profissionais e montar um sistema que produza um compartilhamento de responsabilidades. O papel de cada profissional deve ficar bem claro, ocorrendo uma integração dos diversos saberes. (CAMPOS; DOMITTI, 2007) Essa concepção supera a antiga proposição de caráter exclusivamente centrado na doença, desenvolvendo-se por meio de práticas gerenciais e sanitárias, democráticas e participativas, sob a forma de trabalho em equipes, dirigidas às populações de territórios delimitados, pelos quais assumem responsabilidade. Os princípios fundamentais da atenção básica no Brasil são: integralidade, qualidade, equidade e participação social. As equipes de Saúde da Família estabelecem vínculo com uma população adstrita, possibilitando o compromisso e a corresponsabilidade desses profissionais com os usuários e a comunidade. Seu desafio é o de ampliar suas fronteiras de atuação visando uma maior resolubilidade da atenção. (BRASIL, 2006) Até a nova proposta de atuação, os CAPSs não conseguem atuar como articuladores da rede de saúde devido à grande demanda que chega de forma desorganizada e às características geográficas do município. As cinco regionais de saúde possuem psicólogos e psiquiatras, que atendem conforme sua prática pessoal, sem ações ou fluxos preestabelecidos, atuando desarticulados 116 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 Evelyn Cremonese # Eduardo Lobo # Juliana Pereira da atenção primária, com uma grande demanda reprimida configurada por listas de espera por simples ordem cronológica. Não existem leitos psiquiátricos no município, sendo o Instituto de Psiquiatria (IPQ/SC), localizado no município vizinho de São José, o principal hospital de referência para internação psiquiátrica, com atuação também desarticulada dos demais dispositivos, com uma grande demanda ambulatorial na triagem para tentar suprir as deficiências da rede. Sabe-se que é grande a demanda em saúde mental na atenção primária (FORTES, 2004; MARI et al., 1987) em que se pode alcançar uma resolutividade de cerca de 80% das necessidades de saúde da população (8ª CONFERÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE, 1987). A OMS tem reforçado que o manejo e o tratamento de transtornos mentais no contexto da atenção primária é um passo fundamental que possibilita, ao maior número possível de pessoas, que elas tenham acesso mais fácil e mais rápido aos serviços. Isso não só proporciona uma atenção melhor como também reduz o desperdício resultante de exames supérfluos e de tratamentos impróprios ou não específicos (OMS, 2001). O MS caracteriza a atenção primária como o contato preferencial dos usuários com os sistemas de saúde, definindo como um dos seus papéis a coordenação do cuidado e a integração dos demais dispositivos. (BRASIL, 2006) Não basta apenas criar mais serviços, sendo necessário um planejamento e uma articulação entre o que já existe, proporcionando uma rede de atenção. A OMS (2001) descreve rede como um agrupamento de indivíduos, organizações ou agências organizadas em bases não hierárquicas em torno de questões ou preocupações, as quais atuam proativamente e sistematicamente baseadas no compromisso e confiança. Para Adulis (2005), o funcionamento adequado de uma rede depende de um processo de interação, discussão e construção coletiva que possibilite a identificação de interesses comuns, da missão e dos objetivos da rede. O grupo precisa identificar pontos de interesse comuns e ações concretas que possam ser realizadas, trazendo benefícios para cada um dos participantes. Os serviços devem ser repensados e reinseridos em um novo contexto, com uma participação mais ativa dos profissionais. Ao articular e reunir talentos e habilidades, as equipes desenvolvem o potencial criativo e promovem a agregação de valor já existente no serviço. (MOTTA, 2001) No decorrer do processo, a avaliação conjunta e a incorporação das contribuições dos profissionais da rede permitem a implantação de um novo Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 117 Reestruturação da Rede de Saúde Mental do Município de Florianópolis, sob o Olhar da Gestão modelo. A participação de pessoas com os mais diversos interesses e posições dentro do sistema de saúde é uma das dificuldades para a concretização das mudanças necessárias. Essa multiplicidade gera embates de posições de poder, de categorias profissionais e de posições político-ideológicas, que, por sua vez, se desviam dos objetivos últimos de prestação de uma assistência integral e de qualidade. É possível definir o conflito como o resultado da diferença de opinião ou de interesse de pelos menos duas pessoas ou conjunto de pessoas. Também é ocasionado pela dificuldade de comunicação, de assertividade das pessoas e de condições para estabelecer o diálogo. É uma manifestação natural e necessária nas relações entre pessoas, grupos sociais, organismos políticos e Estados. Se bem administrado, o conflito ajuda a regular as relações sociais; ensina a ver o mundo pela perspectiva do outro; permite o reconhecimento das diferenças, que não são ameaça, mas resultado natural de uma situação em que há recursos escassos; ajuda a definir as identidades das partes que defendem suas posições; permite perceber que o outro possui uma percepção diferente; racionaliza as estratégias de competência e de cooperação; ensina que a controvérsia é uma oportunidade de crescimento e de amadurecimento social. Podem ser classificados em estruturais, de valor, de relacionamento, de interesse e quanto aos dados. (CHRISPINO, 2007) O grande desafio é superar as divergências e manter o foco, agregando as diferenças, mantendo o crescimento e o aprimoramento do trabalho. Todos os processos que envolvem mudanças e novas tentativas de gerenciamento trazem à tona a necessidade de que as organizações desenvolvam competência para lidar com as diferenças de forma a explorá-las positivamente. (MADRUGA et al., 2006) Segundo Barçante e Castro (1995), ao ouvir a voz dos funcionários, a empresa estará tratando-o como um aliado e não só como um mero cumpridor de ordens, estará vendo que dele dependem os seus bons resultados. Torna-se necessário buscar alternativas e incorporar mecanismos que proporcionem aos indivíduos condições para adequar-se às exigências da organização sem ferir a sua integridade enquanto pessoas. Nesse novo modelo, as relações entre indivíduos e de organizações são pautadas pela reciprocidade, de tal forma que o conjunto de políticas e práticas que as forma atenda aos interesses e às expectativas da empresa e das pessoas. (MADRUGA et al., 2006) 118 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 Evelyn Cremonese # Eduardo Lobo # Juliana Pereira 5 Implementação da Reestruturação do Programa Tomando como base a noção de território da ESF, os psicólogos e psiquiatras dos ambulatórios de saúde mental passam a atuar com uma determinada população, que corresponde à área de abrangência de algumas equipes de saúde da família. Essas equipes e as de saúde mental se corresponsabilizam pela população dessa região, sempre mantendo a de saúde da família como coordenadora do cuidado. Dessa forma, os profissionais de saúde mental se organizam em equipes de apoio matricial às equipes de SF. As ações de saúde mental passam a ser planejadas de acordo com as necessidades apresentadas pelas comunidades e pelas equipes de saúde da família responsáveis por aquele território. Planejar sistematicamente é uma forma de ensinar interdependências, antecedentes e efeitos colaterais das ações da equipe. Provoca confrontações de ideias, argumentos e justificativas sobre as decisões tomadas. (MOTTA, 2001) A atuação interdisciplinar contribui para aumentar a eficácia das intervenções, mas, para tanto, é necessário facilitar a comunicação entre os distintos serviços e profissionais, para montar um sistema que produza um compartilhamento de responsabilidades. O papel de cada instância, de cada profissional, deve ficar bem claro, com uma das equipes se responsabilizando pelo seguimento longitudinal e pela integração dos diversos saberes. (CAMPOS; DOMITT, 2007) Muitas vezes, algumas funções tendem a ser mais difíceis, como a coordenação, a definição de responsabilidades e a alocação de recursos para alcançar os objetivos. As tecnologias de informação e comunicação têm sido muito úteis para as organizações e redes que precisam superar algumas dessas dificuldades. Quando não se consegue o efetivo funcionamento, a consequência mais comum é a perda do interesse de parte dos integrantes e o gradual afrouxamento dos laços ou nós que compõem a rede. Sem haver troca de informação, compartilhamento de experiências, aprendizado conjunto ou ação coletiva, a rede se enfraquece e sua existência perde a razão de ser. (ADULIS, 2005) O apoio matricial pode ser relevante para a racionalização do acesso e do uso de recursos especializados. Favorece a interdisciplinaridade no lugar da atuação multiprofissional. Esse arranjo permite um uso racional de recursos, quando cria oportunidade para que um único especialista integre organicamente seu trabalho com o de várias equipes de referência (CAMPOS; DOMITT, Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 119 Reestruturação da Rede de Saúde Mental do Município de Florianópolis, sob o Olhar da Gestão 2007). Esse processo contribui para o reconhecimento da interdependência das diferentes equipes de saúde e da necessidade de trabalharem para um mesmo fim, colocando o usuário como foco da atenção. (MOTTA, 2001) A motivação das pessoas está intrinsecamente atrelada ao engajamento em projetos criativos, que geram desafios levando as pessoas a investir energia física e mental para solucioná-los. Pode-se definir projeto como uma organização de pessoas dedicadas visando atingir um propósito e objetivo específico (RABECHINI JR.; CARVALHO; LAURINDO, 2002). O gerenciamento de projetos é uma forma de gerenciar as mudanças. Criam-se, então, reuniões periódicas e formais, chamadas de reuniões de matriciamento, entre as equipes de SM e SF, onde são definidas as estratégias e ações a serem adotadas. Tendo em vista que a cogestão da saúde é um meio natural para conseguir as melhores formas para desenvolver a saúde (PIMENTEL, 20??), são criados espaços de encontro para a deliberação, elaboração de propostas e definição de compromissos. O comprometimento da força de trabalho é um requisito fundamental para o sucesso das transformações, já que flexibilidade requer responsabilidade individual e corresponsabilidade entre indivíduos e equipes (BASTOS, 2002). O funcionário comprometido contribui para aumentar a qualidade dentro da organização, diminuir custos com desperdício, aumentar a utilização dos recursos existentes, diminuir o pessoal operacional e de suporte e, principalmente, reduzir a rotatividade de pessoal e o absenteísmo, e acelerar a implementação de mudanças (WALTON, 1985). Diante disso, desenvolver o senso de equipe, manter profissionais motivados, criar compromisso com o projeto, aumentar a responsabilidade institucional para com seus resultados e produzir mudanças na organização da assistência são constantes desafios. Os casos a serem atendidos especificamente pela equipe de SM são decididos em conjunto nas reuniões de matriciamento. Os profissionais mantêm outros canais de comunicação, visando à facilitação do acesso em outros momentos, além das reuniões e uma aproximação entre as equipes. Passam a ser privilegiados os princípios de corresponsabilização e continuidade do cuidado. Essa nova forma de trabalho permite a construção conjunta de um plano terapêutico em que ambos se responsabilizam por diferentes intervenções, que podem ser aplicadas ou não ao mesmo tempo. Também favorece o estabelecimento de um vínculo entre os profissionais que repercute no vínculo do usuário como estratégia terapêutica. 120 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 Evelyn Cremonese # Eduardo Lobo # Juliana Pereira Para operacionalizar essa proposta, optou-se por um trabalho regionalizado, com a presença de um profissional ligado à coordenação do programa de saúde mental, agindo como apoio institucional. Este profissional atua como elo de comunicação entre as equipes de SF e SM e entre estas e os setores administrativos da SMS. O apoiador procura construir, de maneira compartilhada com os outros interlocutores, projetos de intervenção, valendo-se tanto de ofertas originárias de seu núcleo de conhecimento, de sua experiência e visão de mundo, quanto incorporando demandas trazidas pelo outro também em função de seu conhecimento, desejo, interesses e visão de mundo (CAMPOS; DOMITTI, 2007). De acordo com as necessidades observadas no decorrer do processo, outras atividades foram sendo incorporadas por esse membro da equipe, dentre elas, atuar como motivador dos profissionais. Passa a ser um desafio manter os funcionários comprometidos ao mesmo tempo em que as organizações passam por profundas mudanças. (REGO, 2003) O planejamento compreende o estabelecimento de objetivos e metas a serem alcançados, dos recursos necessários, e de como será realizada a avaliação (GUIMARÃES, 1998). É feito um planejamento de ações a serem implantadas em cada regional, com a seguinte sequência: 1) reunião com a coordenação da Regional e os profissionais de SM ali lotados, apresentando essa proposta, abrindo espaço para discussão e avaliando outras ideias que possam contribuir para o processo; 2) reunião com os coordenadores de cada centro de saúde da Regional; 3) discussão da proposta de trabalho nas reuniões das equipes dos centros de saúde, com adaptação para cada realidade local; 4) definição de um cronograma semanal de trabalho com cada profissional, em que sejam contempladas as diretrizes principais do modelo proposto; 5) manutenção de um espaço de comunicação constante para dúvidas, propostas, reavaliações com os diversos atores; e 6) algumas ações foram priorizadas ou demandaram mais tempo para a conclusão, de acordo com a realidade local. Por ser o início, cada etapa é mais prolongada e cuidadosamente avaliada para possíveis readaptações. Avaliar significa comparar resultados alcançados com aqueles que eram esperados, através de mecanismo de acompanhamento, de modo que permita corrigir desvios para assegurar que a execução corresponda ao que foi planejado. (BRANDÃO et al., 2005) Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 121 Reestruturação da Rede de Saúde Mental do Município de Florianópolis, sob o Olhar da Gestão A participação das regionais se dá por ordem de necessidade de intervenção, sendo que atualmente todas as regionais estão atuando dentro desse modelo e encontram-se em um momento de consolidação e de avaliação contínua dos resultados como forma de retroalimentar o processo. Baseado na integração que ocorre entre as equipes de saúde da família e as de saúde mental regionais criam-se, também espaços regulares de discussão entre as equipes de saúde mental das regionais e os CAPS. Essas equipes passam a assumir um papel de articulação entre os CAPS e as equipes de saúde da família, favorecendo a organização do fluxo. Logo no início da implantação desse modelo de atuação, vem à tona a solicitação dos profissionais por ferramentas teóricas relacionadas ao tema, enquanto os técnicos da saúde mental têm dificuldade de integrar seu saber com as necessidades da atenção básica. Também fica evidente a necessidade de maior clareza no fluxo e nos mecanismos de articulação entre os serviços. A partir disso, monta-se um grupo para elaborar um novo Protocolo de Atenção em Saúde Mental para o município, com o propósito de ser um guia para conhecimento da rede de Saúde Mental de Florianópolis e dos recursos nela existentes. Reforçam-se a importância e os benefícios da elaboração de protocolos assistenciais integrados (promoção, prevenção, recuperação e reabilitação) dirigidos aos problemas mais frequentes do estado de saúde da população, com indicação da continuidade da atenção, sob a lógica da regionalização, e que sejam flexíveis em função dos contextos locais. (BRASIL, 2006) O Protocolo também possui um Guia Terapêutico, que busca orientar o uso mais adequado das possibilidades terapêuticas disponíveis no SUS – Florianópolis, com base nas melhores evidências científicas, reconhecendo que em muitos casos existem alternativas pelo menos tão eficazes quanto as já consagradas pela literatura e disponíveis em outros cenários. O método utilizado para construção do protocolo teve as seguintes etapas: (1) Identificar e convidar os diversos serviços que participam direta ou indiretamente da rede de atenção em Saúde Mental, além de representantes de diferentes categorias profissionais, favorecendo a interdisciplinaridade. Também foram convidados representantes de movimentos sociais, como o Conselho Municipal de Saúde e a Associação dos Usuários. Convém ressaltar que os parceiros que não faziam parte da Secretaria Municipal de Saúde participaram por livre aderência a partir de convite formal à respectiva instituição. 122 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 Evelyn Cremonese # Eduardo Lobo # Juliana Pereira (2) Elaboração de um roteiro comum para todos, baseado nas recomendações da OMS (2001) e do MS (2006), trabalhando nas chamadas linhas de cuidado, que são organizadas e programadas para doenças de maior relevância, que requerem cuidados continuados de longa duração, tanto do ponto de vista individual quanto na formulação de políticas de atenção à saúde. Tais orientações foram adaptadas para a realidade municipal. (3) Constituição de grupos de trabalho, com representantes de diferentes categorias profissionais e serviços. (4) Divisão de temas com o foco em linhas de cuidado. Diante do reconhecimento dos sintomas e das necessidades apresentadas pelos sujeitos e dos recursos locais, os grupos propuseram condutas e fluxo, buscando a construção de uma rede de atenção integrada. (5) Seleção das condutas e fluxo recomendados, a partir de revisão bibliográfica, com adaptação para os recursos locais. As ações propostas foram amparadas por bases teóricas que legitimam as práticas realizadas, não tendo uma linha teórica predefinida pela organização. Cada grupo acabou assumindo características próprias, de acordo com a visão dos representantes e serviços constituintes. (6) Criação de um grupo de revisão para padronização dos textos e montagem do guia para publicação. O trabalho realiza-se com reuniões quinzenais: em uma se reúne apenas o grupo de trabalho correspondente àquela linha de cuidado e em outra se reúne todo o grupo para avaliação em conjunto do material produzido. Toda produção é enviada regularmente por correio eletrônico para ser revista e é aberta a sugestões dos demais participantes. Quando surgem pontos divergentes sobre opções terapêuticas entre os profissionais de saúde mental, ocorrem discussões acirradas. Inúmeras vezes as reuniões do grande grupo têm como pauta única esse conflito. Conselhos representativos de classes são chamados por alguns integrantes, sem o prévio acordo do grande grupo, cartas são enviadas à Secretaria Municipal de Saúde em repúdio ao discutido, culminando com a saída de alguns integrantes do trabalho. Os conflitos são inerentes à realidade de trabalho em rede e da atuação interdisciplinar. Apesar do desgaste que ocasionam, os conflitos têm papel importante nesse processo de elaboração, pois evidenciam as diferenças, possibilitam a negociação e a criação de estratégias para se encontrar as Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 123 Reestruturação da Rede de Saúde Mental do Município de Florianópolis, sob o Olhar da Gestão melhores soluções possíveis que privilegiem os pontos comuns e, sobretudo, a melhor assistência ao usuário. Não existe a noção estrita de erro e de acerto, mas de posições diferentes que são defendidas frente a outras. Ainda existe um mito em torno do conflito que diz que ele atenta contra a ordem. Na verdade, o conflito é a manifestação da ordem em que ele próprio se produz e da qual se derivam suas consequências principais. O conflito é a manifestação da ordem democrática, que o garante e o sustenta. A ordem não é outra coisa senão uma normatização do conflito. Somente o estudo e a compreensão das relações que existem dentro da ordem podem permitir o entendimento completo dos conflitos que nela se originam e que, por fim, são a razão de sua existência (CHRISPINO, 2007). O Gerenciamento de conflitos consiste no processo de sua identificação e de seus modos de resolução. Toda equipe passa por momentos de conflito que devem ser administrados, para evitar que o desempenho diminua. (RABECHINI JR.; CARVALHO, 2003) Quando o consenso não é possível, a opinião da maioria prevalece. É importante ressaltar que os integrantes da rede devem ter objetivos ou interesses comuns, mas isso não significa que ao integrar a rede todos passam a pensar e a atuar da mesma forma, nem que a partir desse momento tudo é harmonia e colaboração. É comum os integrantes de uma rede viverem o dilema entre a necessidade de coordenação e a almejada autonomia de todos os componentes. Além disso, às vezes, é difícil conciliar a diversidade de opiniões, interesses particulares e disputas por poder, com a idealização de que é necessário o consenso geral. (ADULIS, 2005) Os trabalhos realizados permitem conhecer e avaliar as dificuldades, os avanços, as necessidades e os limites das ações da rede pública. É uma atuação de corresponsabilização, com importante participação dos diversos atores. Busca-se sempre respeitar os princípios do SUS, a integralidade da atenção e a incorporação de novas tecnologias e de dispositivos técnico-assistenciais. 6 Considerações Finais Ao descrever e avaliar a experiência de reestruturação do programa de saúde mental do município de Florianópolis, este artigo demonstra que, sob o olhar da gestão, a gestão participativa facilita o processo de mudança. 124 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 Evelyn Cremonese # Eduardo Lobo # Juliana Pereira A aproximação entre a gestão e os profissionais dos diversos serviços da rede evidencia as diferentes percepções, dificuldades e receios dos diversos atores. Essa é a primeira fase ou estágio de um grupo, em que os participantes se aproximam. Após isso vem a fase intermediária, que se caracteriza pelo aprofundamento das relações, mapeamento das competências, exercício de poder e de limites. Segue-se a ela a fase de plenitude de desenvolvimento de um grupo, com as consolidações das relações e o estabelecimento de vínculos de confiança. (REIS et al., 2005) Apesar de a aproximação ser um processo lento, com posicionamentos conflitantes, ela propicia um maior conhecimento da realidade dos serviços, favorecendo a articulação entre eles. O gerenciamento de mudanças exige flexibilidade e acompanhamento do processo de implementação, devendo o gestor estar preparado para enfrentar o processo de mudanças e suas clássicas implicações na reação de membros de equipes. Para isso, deve estimular a equipe a manter o foco na busca de resultados, no planejamento e acompanhamento das metas. (RABECHINI JR.; CARVALHO, 2003) A participação dos envolvidos no trabalho em equipe procura articular o novo formato no atendimento em saúde, assegurando a implementação das diretrizes do SUS. Ao mesmo tempo, favorece a motivação, o estímulo à reflexão e o aumento da autoestima dos profissionais, bem como o fortalecimento do empenho no trabalho, a criatividade na busca de soluções e o aumento da responsabilidade social. Pressupõe, também, interação com troca de saberes, poderes e afetos entre profissionais, usuários e gestores. (BRASIL, 2007) Os processos de mudança e sua propagação pela organização representam um grande desafio, pois desenvolvem resistência nos colaboradores. A inclusão dos diversos atores em todas as etapas do processo possibilita o caminhar. A atuação das pessoas é fundamental. A implementação de mudanças só é possível pela proximidade da gestão, através do apoiador institucional e de espaços continuados de diálogo, onde as ideias são avaliadas e a tecnologia a ser adotada constantemente repactuada. O comprometimento e a responsabilidade para com os resultados institucionais é uma das metas a serem alcançadas na gestão de pessoas. A etapa de planejamento identifica e busca resolver os problemas da organização, permitindo a realização de uma sequência de procedimentos que possibilitam o alcance de uma maior eficiência e de um funcionamento mais adequado. O bom reconhecimento da realidade é o ponto de partida, já que essa realidade é entendida como diagnóstico da situação que se pretende Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 125 Reestruturação da Rede de Saúde Mental do Município de Florianópolis, sob o Olhar da Gestão transformar com a efetivação desse processo. No grupo de trabalho, o próprio planejamento constitui-se em excelente oportunidade de praticar o trabalho em equipe. (BOURGET, 2007) Como o planejamento não é apenas uma ação de governo ou do nível local, mas sim de todo o conjunto de trabalhadores, usuários e demais instituições envolvidas com a saúde da população (BOURGET, 2007), é fundamental a participação dos diversos atores e serviços que participam direta ou indiretamente da rede de atenção em Saúde Mental. A coleta de dados resulta em uma visão mais clara de atuações díspares e desarticuladas, com acessibilidade bastante limitada da população aos profissionais de saúde mental. Como não existem dados oficiais das ações de saúde mental, os próprios profissionais que atuam nos centros de saúde passam a descrever os procedimentos que ocorrem nas cinco regionais de saúde e as dificuldades encontradas. Apesar de haver sido anteriormente definidos critérios para os dados a serem coletados, cada profissional faz a coleta de distintas maneiras. Além disso, muitas das ações descritas não acontecem efetivamente. O diagnóstico situacional evidencia que a forma e, principalmente, o número de encaminhamentos são definidos apenas pelos profissionais da saúde mental. As equipes de saúde da família não participam dessa discussão, o que gera uma grande demanda reprimida nas unidades. Através das dificuldades apresentadas pelo relatório produzido pelo grupo de trabalho percebe-se que não basta a simples criação de mais serviços sem uma mudança na organização na rede assistencial. Ao se iniciar o processo de implantação do modelo de apoio matricial, busca-se, antes de tudo, levar a proposta para debate com todos os atores diretamente implicados, para que não seja uma imposição de gestão e, sim, uma construção conjunta. Ocorrem resistências, entretanto, escutam-se os anseios e as necessidades dos profissionais e das respectivas comunidades de atuação, incorporando-se as respectivas sugestões. A maioria dos profissionais da rede se mostra receptiva à mudança e cada vez mais participativa. Ocorre uma reorganização do modelo assistencial passando a atenção primária a ser a porta de entrada prioritária desse sistema e a coordenadora do cuidado. Isso propicia uma compreensão mais aproximada da realidade e especificidade de cada comunidade, favorecendo maior socialização do indivíduo. Passa a existir uma corresponsabilização pelos usuários, possibilitando 126 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 Evelyn Cremonese # Eduardo Lobo # Juliana Pereira um cuidado continuado deles. A visão de gestão estratégica dos serviços de saúde se apoia tanto no desenvolvimento da equipe de trabalho quanto no reconhecimento da interdependência do trabalho em saúde. (MOTTA, 2001) Exercer as atividades de forma democrática e interdisciplinar é difícil, o que é resíduo de uma formação acadêmica verticalizada e individualista. Além do mais, trabalhar democraticamente e em equipe não costuma ser uma prática nos serviços tradicionais. Evidencia-se a dificuldade em estabelecer papéis e designar competências. Certamente, o incentivo à competitividade e o corporativismo induzem a uma fragmentação da equipe. Tudo isso acaba por gerar um conflito nos profissionais, os quais têm que atuar de uma forma diferente daquela para a qual foram preparados. (SILVEIRA, 2004) O desenvolvimento de equipes de trabalho exige um grande esforço, principalmente porque a formação dos profissionais que atuam nas organizações focaliza as responsabilidades individuais, dificultando o reconhecimento da necessidade de se trabalhar em equipe e a manifestação das atitudes e habilidades necessárias para esse trabalho. Obter a adesão das pessoas e fazer com que se disponham a aprender e a mudar conforme as exigências do contexto é um desafio. (REIS et al., 2005) A diferença de um grupo e de uma equipe se dá pela forma como as tarefas e as responsabilidades são vistas, aceitas e cumpridas. Enquanto no grupo a realização do trabalho depende essencialmente do indivíduo responsável por ele, na equipe, embora tenha distribuição de tarefas, a responsabilidade pelos resultados e pelo cumprimento das metas é de todos os componentes. Na equipe há uma interdependência entre os membros. (REIS et al., 2005) A atuação em equipe é uma forma eficiente de estruturação organizacional e de aproveitamento das habilidades humanas, progredindo para a pluralidade funcional. Essa pluralidade significa uma visão mais global e coletiva do trabalho, em que as funções e habilidades individuais adquirem certo grau de superposição, reforçando o compartilhamento de tarefas e a necessidade de cooperação para resultados comuns. A equipe incentiva o aprimoramento individual em habilidades múltiplas e uma visão interdisciplinar e interdependente das tarefas segundo um consenso estratégico de objetivos. A maior vantagem de se estruturar por equipe é a cooperação funcional entre os pares. O trabalho em equipe busca o desempenho coletivo, e o resultado é maior do que a soma das partes individuais. (MOTTA, 2001) Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 127 Reestruturação da Rede de Saúde Mental do Município de Florianópolis, sob o Olhar da Gestão A motivação dos funcionários é um fator essencial para o sucesso na implantação de qualquer proposta. Durante o processo, a motivação dos participantes oscilou conforme os acontecimentos e a forma de administrar teve que ser adequada e readequada visando privilegiar a satisfação e a motivação dos funcionários, aumentando assim o desempenho. A experiência descrita vem como proposta de possível resposta a alguns desafios institucionais elencados pelo MS para expandir e qualificar a atenção básica no contexto brasileiro (BRASIL, 2006). O modelo adotado na Rede de Saúde Mental de Florianópolis visa o fortalecimento das estruturas gerenciais no município com vistas à programação da atenção básica. Apesar do receio de sobrecarga de trabalho e da falta de condições necessárias para a realização das ações, por se basear nas necessidades dos envolvidos, torna-se possível a implementação de um novo formato no atendimento em saúde. O modelo de apoio matricial potencializa o trabalho das equipes de SF para lidar com o sofrimento psíquico. Além disso, o potencial desse arranjo de integração das equipes de SF e SM impulsiona a ESF a assumir seu papel de reordenadora do modelo assistencial em saúde a partir da atenção primária. Os CAPS do município passam a ser realmente serviços de referência para os casos mais graves. Nas reuniões regulares, os CAPS também passam a dar suporte técnico nas suas especificidades, assessorando nas demandas específicas. Com a nova forma de atuação, desaparecem as listas de espera por simples preenchimento de guias de encaminhamento. Através de uma ordenação do trabalho das equipes, que possibilita um acolhimento imediato e adequada avaliação de risco, passa a existir uma maior acessibilidade aos casos que realmente necessitem de atendimento da equipe de saúde mental. Esse arranjo institucional favorece a organização do fluxo, uma articulação entre os diversos serviços, a otimização dos recursos existentes e uma maior integralidade de ações. Com a implantação do novo modelo de atuação, os profissionais passam a solicitar capacitações no tema. O processo de desenvolvimento das pessoas inclui o treinamento e vai além; compreende o autodesenvolvimento, processo que é intrínseco a cada indivíduo. Ele contempla o desenvolvimento da pessoa, reporta-nos às várias formas de aprendizagem e, consequentemente, não se restringe ao ambiente de sala de aula, mas a diferentes espaços e mídias que 128 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 Evelyn Cremonese # Eduardo Lobo # Juliana Pereira estão ao alcance de todos (PACHECO et al., 2005). O processo de Desenvolvimento de Equipes é uma atividade de educação permanente e não de tempo limitado; pressupõe mudanças significativas pessoais e interpessoais, de conhecimentos, de sentimentos, de atitudes, de valores, de motivação, de postura e de comportamento. (MOSCOVICI, 1994) A reorganização da rede assistencial de saúde mental, com a criação de reuniões regulares, entre as equipes de saúde da família e saúde mental e delas com os CAPS, propiciam um espaço de atualização e educação permanente para os profissionais. A educação permanente é uma estratégia de desenvolvimento da saúde, baseada em processos de aprendizagem presentes durante toda a vida profissional, que tem como eixos principais a problematização e a transformação dos serviços de saúde, a participação consciente e ativa dos trabalhadores e um alto grau de motivação e compromisso com a maior qualidade do desempenho profissional. O atendimento e intervenções em conjunto, as discussões de casos e de textos são instrumentos que podem ser utilizados com esse fim, aumentando a capacidade resolutiva de problemas de saúde mental pela equipe local. A partir da interação do homem com o meio físico e social é que se dá a construção de novos conhecimentos embasados nas suas reais necessidades e na criatividade humana. Em paralelo, essa construção ocorre de forma compartilhada entre os demais indivíduos com o mesmo intuito, objetivo e foco de atuação (PACHECO et al., 2005). A atividade de aprendizado contínuo dentro da corporação propicia o surgimento de uma cultura compartilhada, de acesso e troca de informações e conhecimentos, aumentando a capacidade criativa e a aplicação de novos métodos, soluções e ferramentas capazes de garantir maior produtividade e qualidade. Promove a educação preventiva, o aprendizado compartilhado, o relacionamento e a troca de informações. (FERREIRA et al., 2006) A educação corporativa tem se tornado um forte instrumento para a administração das organizações, pois reconhece o desenvolvimento da administração como um processo complexo, que carece de cuidado e de uma customização acurada. Também atua como reforço para o conceito de autodesenvolvimento dos trabalhadores, além de desenvolver as pessoas para atenderem à estratégia das empresas e atuarem como complemento no processo educacional da população, trazendo uma contribuição à sociedade. (EBOLI, 2005) Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 129 Reestruturação da Rede de Saúde Mental do Município de Florianópolis, sob o Olhar da Gestão Apesar dos avanços, as dificuldades encontradas nas práticas rotineiras mantêm latente a necessidade de uma capacitação mais aprofundada em saúde mental na atenção primária. O fato de ser uma evidente necessidade da rede facilitou a sensibilização da gestão nesse sentido e viabilizou sua realização. A elaboração e a definição das estratégias para o desenvolvimento e capacitação de pessoas devem alicerçar-se no conhecimento da organização, no alinhamento às demandas e em como dar respostas positivas aos propósitos da organização, desenvolvendo competências para a sua sustentação (PACHECO et al., 2005). No primeiro semestre de 2008 foi realizado o Curso de Aperfeiçoamento em Saúde Mental na Atenção Primária, que visa fortalecer o vínculo entre saúde mental e atenção básica, além de facilitar o estabelecimento de relações colaborativas e ações integradas (BRASIL, 2001), através de um trabalho articulado de qualificação na área de saúde mental e atenção primária. Também tem se buscado a articulação com instituições formadoras para promover mudanças na graduação e na pós-graduação dos profissionais de saúde, de modo a responder aos desafios determinados pela expansão e pela qualificação da atenção básica, incluindo aí a articulação com os demais níveis de atenção. (BRASIL, 2006) Com uma maior sensibilização dos profissionais para o tema, mais casos de sofrimento psíquico passaram a ser detectados e tratados; consequentemente a demanda para os profissionais de saúde mental aumentou. Como a repercussão da atuação é positiva, a manutenção da proposta é uma preocupação da gestão. Isso possibilita a ampliação do número de profissionais de saúde mental nas equipes de apoio à atenção primária e a abertura de mais um CAPS. O Protocolo de Atenção em Saúde Mental oficializa as práticas adotadas e tem sido um guia que instrumentaliza tecnicamente os profissionais da rede. Trata-se de um guia para utilização da rede de Saúde Mental e otimização dos recursos terapêuticos existentes. Além de ser uma ferramenta teórica, tal documento estabelece políticas de assistência que buscam um acesso mais equitativo aos recursos existentes, ampliando o alcance das ações de saúde dirigidas à parcela da população portadora de sofrimento psíquico no município. Sob um olhar ampliado o Protocolo passa a definir a política de saúde mental adotada pela Secretaria Municipal de Saúde. A partir do processo de criação desse instrumento, passa a existir uma articulação maior entre os serviços, tanto dessa secretaria como de outras 130 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 Evelyn Cremonese # Eduardo Lobo # Juliana Pereira instituições. A aproximação com o IPQ/SC tem uma importância particular no sentido de garantir a assistência na rede ambulatorial após a alta hospitalar, evitando reinternações. A implantação de um novo modelo organizacional de atuação trata-se de uma mudança de paradigma, o que ocasiona resistência dos profissionais da rede. O conflito revela a ocorrência de oposição e tensão entre as pessoas, causadas por opinião divergente ou maneira diferente de ver ou interpretar algo; origina-se da diferença de interesses, de desejos e de aspirações; consiste em parte integrante da vida e da atividade social; é natural, inevitável e por vezes necessário para o melhor desempenho da equipe. O conflito desperta as pessoas e melhora o desempenho da equipe, ressaltando elementos para uma construção criativa (CHRISPINO, 2007; MOTTA, 2001). Pensando na classificação dos conflitos, o tipo que mais se sobressai nas discussões do Protocolo de Atenção em Saúde Mental é o conflito de valor, onde as pessoas usam critérios diferentes para avaliar as ideias, levando em conta diferentes ideologias. (CHRISPINO, 2007) Trabalhar de forma interdisciplinar, intersetorial e interinstitucional é um desafio constante, que traz à tona divergências de olhares, ocasionando discussões que fazem parte de todo o processo de construção. Apesar do desgaste inerente ao processo, os conflitos também têm papel importante, pois evidenciam as diferenças, possibilitando a negociação e criação de estratégias para se encontrar as melhores soluções possíveis, sempre objetivando o consenso. As diferenças são respeitadas e o espaço de deliberação visa o acordo comum de todos os integrantes do processo. Às vezes as negociações são desgastantes, mas isso possibilita avançar. Somando e fortalecendo os pontos em comum, tenta-se alcançar os objetivos e propiciar o crescimento. Entretanto, ao fim das tarefas, todos se sentem um pouco insatisfeitos por terem cedido em alguns pontos em prol do desejo da maioria. Cada parte do protocolo acaba assumindo características próprias, de acordo com a visão dos representantes e serviços que se propuseram a construí-las. Tal realidade, em alguns momentos, ocasiona certa contradição que é inerente à realidade da rede e à atuação interdisciplinar. Os trabalhos realizados permitem conhecer e avaliar o conjunto de dificuldades, os estrangulamentos e limites das ações da rede pública que se tem. Passa a existir um trabalho de corresponsabilização, com importante participação dos diversos atores. A OMS (2001) reforça a importância da colaboração intersetorial na definição das políticas de saúde mental. Muitos distúrbios mentais exigem Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 131 Reestruturação da Rede de Saúde Mental do Município de Florianópolis, sob o Olhar da Gestão soluções psicossociais. Assim, é preciso estabelecer vínculos entre serviços de saúde mental e vários organismos comunitários no nível local para que a habitação apropriada, o apoio de renda, os benefícios aos incapacitados, o emprego e outras formas de suporte sejam mobilizados em favor dos pacientes e visando tornar as estratégias de prevenção e reabilitação mais efetivamente implementadas. Se mais setores e instituições participam do planejamento e da reestruturação da rede de saúde mental, ocorre um maior comprometimento e participação no processo de mudança. Por outro lado, os pontos frágeis ficam mais evidentes e propiciam uma maior mobilização futura dos profissionais nesse sentido. Apesar de os usuários participarem indiretamente do processo por intermédio da ESF e de terem sido convidados para ter representatividade através do conselho municipal de saúde e associação dos usuários, essa atuação precisa ser mais ativa. É de extrema importância que seja pensado um mecanismo para que isso ocorra de forma mais efetiva. O SUS introduziu a diretriz do controle social, mas a ideia de gestão compartilhada foca instâncias do sistema de saúde – conferências e conselhos em municípios, estados e união – e não necessariamente a participação direta dos usuários nos serviços ou programas. A criação de espaços coletivos, em que equipes de saúde compartilhem a elaboração de planos gerenciais e de projetos terapêuticos, depende ainda de uma ampla reformulação da mentalidade e da legislação do sistema de saúde. (CAMPOS; DOMITTI, 2007) Essa construção coletiva contribui para a criação de diretrizes e de normas que sustentam a atenção primária como organizadora das redes de atenção no município de Florianópolis. Isso foi oficializado com a Portaria/ SS/GAB/n. 283/2007 e com o Decreto n. 5.975/08. Comparando as internações hospitalares por Transtornos Mentais e Comportamentais entre os anos de 2006 e 2007, observa-se uma redução de 22,22%. É necessária uma avaliação mais detalhada dos fatores que influenciaram esse resultado, mas o dado corresponde ao período de reestruturação da rede de saúde mental do município, com maior articulação dos serviços, podendo ser apontado como um dos possíveis fatores responsáveis. Trata-se de uma rede em construção, que exige adequações na continuidade do processo. É necessário obter o mapeamento dos recursos comunitários e a inclusão dos agentes comunitários de saúde, que são o maior elo com a comunidade, e maior mobilização da sociedade nas decisões. 132 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 Evelyn Cremonese # Eduardo Lobo # Juliana Pereira O município de Florianópolis não possui dispositivos essenciais em uma rede de atenção à saúde mental; não tem um serviço ou fluxo definido para atendimento de urgência e emergência psiquiátrica, nem leitos para internação. A ampliação do Programa de Geração de renda como recurso para a reinserção psicossocial também é necessária, assim como o estímulo à criação de espaços de convivência e mobilização de recursos comunitários. No processo apresentado, existe uma avaliação subjetiva dos trabalhadores de que a reestruturação do programa de saúde mental melhorou o processo de trabalho e atenção à população, mas é necessário buscar uma aferição mais detalhada dos resultados objetivos. Variáveis como indicadores, registros, satisfação dos usuários e profissionais são poderosos recursos para o aprimoramento das ações, mas ainda não foram medidos no projeto descrito. O desempenho humano no trabalho tem sido avaliado pelas organizações, cada qual procurando desenvolver metodologias adequadas às suas necessidades, visando, em alguns casos, promover o desenvolvimento de recursos humanos e a melhoria da performance no trabalho e, em outros, exercer controle sobre os trabalhadores a partir do registro não apenas das atividades desempenhadas pelo indivíduo, mas, também, de como ele as desempenha (BRANDÃO et al., 2005; GUIMARÃES, 1998). Otimizando os resultados individuais, melhora-se o desempenho da instituição e, consequentemente, a atenção ao usuário. Faz-se necessária a construção de indicadores que possam avaliar o desempenho e servir como parâmetros que reflitam o estágio de desenvolvimento desejável, podendo ser utilizados para avaliação tanto quantitativa como qualitativa dos processos de trabalho, dos indivíduos, das equipes e da organização. Referências ADULIS, Dalberto. O desafio das redes. Rio de Janeiro: Rits, 2005. Disponível em: <http://www.rits.org.br/redes_teste/rd_tmes_fev2005.cfm>. Acesso em: 1º jan. 2013. AZEVEDO, Creuza da Silva. Liderança e processos intersubjetivos em organizações públicas de saúde. Ciência & Saúde Coletiva, Porto Alegre (RS), v. 7, n. 2, p. 349-361, 2002. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 133 Reestruturação da Rede de Saúde Mental do Município de Florianópolis, sob o Olhar da Gestão BARÇANTE, Luiz Cesar; CASTRO, Guilherme Caldas de. Ouvindo a voz do cliente interno. Rio de Janeiro: Qualitymark Ed., 1995. BASTOS, Antonio Virgilio; BORGES-ANDRADE, Jairo. 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Percebeu-se que na Coloninha o CLS não exerce seu papel e há necessidade de aplicar as estratégias propostas pelo estudo a fim de fomentar a participação comunitária nas reuniões do Conselho e assim empoderar os sujeitos a participarem do processo de transformação da realidade local, legitimando-os na cogestão da saúde. Local Health Council implantation represented a great advance for the social control of heathy administration of healthy politics the power of popular representation. This study, realized in the community Coloninha, district Florianópolis, aimed to propose actions to increase the community participation in the meetings of the Local Health Council in order to make it effectively becomes an instrument of social control and exercise of citizenship. It is felt that this community the Local Health Council does not exercise its function and there is a need to implement the strategies proposed by the study in order to stimulate community participation in the meetings of Local Health Council and so empower the subjects to participate the process of transformation of local reality, legitimizing them in the co-management of the health by popular participation. Palavras-chave: Conselho Local de Saúde. Controle Social. Participação Comunitária. Key words: Local Health Council. Social Control. Consumer participation. 1 Graduada em Odontologia pela Universidade Federal de Santa Catarina. Especialização em Saúde da Família pela Universidade Federal de Santa Catarina (2004). 2 Doutor em Administração pela Universidade de São Paulo – USP (2009) modalidade sanduíche com estágios na Melbourne University, Austrália (2008) e na McGill University, Canadá (2007). E-mail: [email protected]. 3 Graduada em Administração pela Universidade do Vale do Itajaí (2000). Especialista (Lato Sensu) em Gestão de Pessoas nas Organizações pela Universidade Federal de Santa Catarina (2011). E-mail: [email protected]. Participação da Comunidade da Coloninha nas Reuniões do Conselho Local de Saúde 1Introdução O Controle Social, uma das diretrizes do Sistema Único de Saúde (SUS), consiste na democratização da gestão da saúde e na garantia da participação da sociedade na formulação de políticas públicas de saúde. A participação popular foi assegurada quando foi incluída na Constituição de 1988 e na legislação do Sistema Único de Saúde. O exercício de controle social se dá principalmente através dos Conselhos e Conferências de Saúde. Entretanto, muitas vezes esses mecanismos não são utilizados de maneira efetiva como instrumentos do controle social e cidadania na saúde. A participação da sociedade é uma condição necessária para que a população tenha uma representação efetiva, consistente e deliberativa em prol da melhoria da sua saúde e qualidade de vida; e esta representação é assegurada através dos Conselhos Locais de Saúde, que são órgãos deliberativos indispensáveis na conquista de melhores condições de saúde e qualidade de vida da população. O presente estudo foi realizado no município de Florianópolis, na Unidade Básica de Saúde da Coloninha e teve como questão norteadora: aumentar a participação da comunidade da Coloninha nas reuniões do Conselho Local de Saúde. Os objetivos específicos foram: identificar os elementos da comunidade da Coloninha que participam com frequência das reuniões do Conselho Local de Saúde, e os que não participam das reuniões do Conselho, para verificar os seus conhecimentos acerca da instituição; formular as ações estratégicas mais apropriadas para motivar a participação da comunidade da Coloninha nas reuniões do Conselho Local de Saúde. 2 Conselho de Saúde 2.1 Participação Popular O Conselho de Saúde é um importante espaço público de Controle Social, como descrito na Súmula Conselhos de Saúde e Controle Social (2001); é a capacidade que a sociedade civil tem de interferir na gestão pública, colocando as ações do Estado na direção dos interesses da comunidade. 140 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 Anne da Luz Ribeiro Souza # Marcos Abilio Bosquetti # Maria Luciana Biondo Silva Controle Social não deve ser traduzido apenas em mecanismos formais e, sim, refletir-se no real poder da população em modificar planos, políticas, não só no campo da saúde. (Relatório Final 9ª CNS, 1992) A participação da comunidade na gestão do SUS se dá através das seguintes instâncias colegiadas: Conferência de Saúde e Conselho de Saúde. O Conselho de Saúde, em caráter permanente e deliberativo, órgão colegiado composto por representantes do governo, prestadores de saúde, profissionais de saúde e usuários, atua na formulação de estratégias e no controle da execução da política de saúde na instância correspondente, inclusive nos aspectos econômicos e financeiros, cujas decisões serão homologadas pelo chefe do poder legalmente constituído em cada esfera de governo. (Artigo 1°, § 1°, Lei n. 8.142/90) Os Conselhos de Saúde instituídos pela lei n. 8142/90 vêm sendo gradativamente estruturados nos estados e municípios brasileiros, acumulando as mais variadas experiências em busca de ações e instrumentos que favoreçam o desempenho de suas atribuições legais e políticas, que são: atuar na formulação de estratégias de operacionalização da política de saúde; e atuar no controle social da execução da política de saúde. (BRASIL, 2006) Os Conselhos devem possuir paridade em sua composição: 50% do número total de conselheiros serão de representantes dos usuários enquanto que os outros 50% dividem-se em 25% de trabalhadores de saúde e 25% de representantes do governo e prestadores de serviços privados. Para que um Conselho de Saúde funcione adequadamente, algumas condições são fundamentais, além das previstas pela Lei. É necessário que seja representativo e tenha legitimidade. A representatividade é garantida quando o conselheiro atua como interlocutor, levando ao Conselho as demandas e retornando com as decisões ou outras informações de interesse para a comunidade, não se distanciando da entidade ou do movimento que o indicou; represente e defenda os interesses da sociedade, ou seja, não deve se limitar à defesa dos interesses específicos da entidade ou movimento que representa, mas, ao contrário, ampliar seu espaço de atuação defendendo os interesses da população, pois, especialmente no caso da saúde, as melhorias realizadas no sistema de saúde resultarão em benefícios para todos, inclusive para a entidade ou o movimento a que representa. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 141 Participação da Comunidade da Coloninha nas Reuniões do Conselho Local de Saúde A legitimidade é a condição que um conselheiro, ou mesmo uma decisão, adquire quando verdadeiramente representa as ideias de um grupo ou de toda a sociedade. Um conselho que tenha legitimidade tem o apoio, o consentimento e a confiança da sociedade ou do segmento que representa. Além disso, o Conselho, para um melhor desempenho, deve ter ainda: autonomia, organicidade, permeabilidade, visibilidade e articulação. Ao definir o Sistema Único de Saúde, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 198 diz: As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I – descentralização, com direção única em cada esfera de governo; II – atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; III – participação da comunidade. As diretrizes de descentralização, integralidade e participação da comunidade devem prevalecer sobre toda e qualquer alternativa de reorganização dos serviços de saúde. Portanto, a criação dos Conselhos Locais de Saúde representou um imenso avanço para o exercício do controle nos serviços da gestão da saúde, estendendo o poder da representação popular à construção e gestão da política de saúde. Com a participação da comunidade na gestão do SUS estabelece-se uma nova relação entre o Estado e a Sociedade, de forma que as decisões do Estado sobre o que fazer na saúde terão que ser negociadas com os representantes da sociedade, uma vez que eles são quem melhor conhecem a realidade de saúde das comunidades. (BRASIL, 2001, p. 81) Essa participação, na perspectiva do controle social, possibilita a população interferir na gestão da saúde, colocando as ações do Estado na direção dos interesses da comunidade. 142 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 Anne da Luz Ribeiro Souza # Marcos Abilio Bosquetti # Maria Luciana Biondo Silva 2.2 Autonomia e Coparticipação A participação popular na gestão dos serviços de saúde é uma ferramenta de gestão social das políticas públicas de saúde, porém, citando Nunes et al. (2009), a institucionalização excessiva e a tradição política assistencialista são entraves que comprometem a efetiva participação da população no serviço público. A participação popular é um processo, em construção permanente, que comporta avanços e retrocessos e, por isso, muitas vezes, depende de ampla mobilização da comunidade na defesa de seus direitos. O trabalho em saúde tem como objetivos a própria produção de saúde e a coconstrução de capacidade de reflexão e de ação autônoma para os sujeitos envolvidos nesses processos: trabalhadores e usuários; porém essa cogestão, prevista em lei, visando o vínculo entre as partes envolvidas no processo saúde-doença, não tem sido efetivada no sentido de favorecer a melhoria na qualidade de assistência prestada. A gestão mais compartilhada, portanto mais democrática, nos serviços de saúde, no cotidiano das práticas de saúde, que envolvem as relações, os encontros entre usuários, sua família e rede social com trabalhadores e equipes de saúde, necessita alterações nos modos de organização do trabalho em saúde. (BRASIL, 2009, p. 9) As Leis Orgânicas de Saúde asseguram a Participação Popular na elaboração da condução e gestão das Políticas Públicas de Saúde, entretanto, existe um hiato entre o que prevê a legislação e a prática efetiva do controle social em saúde. Dentre os princípios da Lei Orgânica de Saúde (Lei n. 8.080/90) destaca-se o princípio da preservação da autonomia dos sujeitos na defesa de sua integridade física e moral: o respeito aos sentimentos, aos modos de pensar, às crenças e convicções dos indivíduos, bem como seu direito de escolher alternativas de assistência médica disponíveis, desde que a opção feita não cause danos irreparáveis à sua saúde, ou à saúde da comunidade. A Política Nacional de Humanização vem ao encontro destas propostas distinguindo arranjos de cogestão em dois grandes grupos: o primeiro deles diz respeito à organização do espaço coletivo de gestão que permita o acordo entre Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 143 Participação da Comunidade da Coloninha nas Reuniões do Conselho Local de Saúde desejos e interesses tanto dos usuários quanto dos trabalhadores e gestores. O segundo grupo refere-se aos mecanismos que garantam a participação ativa de usuários e familiares no cotidiano das unidades de saúde. (BRASIL, 2009) 3 Metodologia Este trabalho se baseia em uma pesquisa exploratória e o método utilizado é o estudo de caso. Segundo Yin (2001), o estudo de caso é uma pesquisa empírica que investiga um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto da vida real, como é o caso da participação da comunidade analisada nas reuniões do Conselho Local de Saúde. A pesquisa foi realizada - através de um questionário – com a comunidade da Coloninha, bairro continental do município de Florianópolis, onde existe um CLS atuante; e envolveu adultos com idade acima de 18 anos. Participaram das entrevistas 144 pessoas. O questionário aplicado teve como objetivo verificar a participação das pessoas da comunidade da Coloninha no Conselho Local de Saúde e seu conhecimento a respeito da instituição. A coleta das informações foi conduzida especificamente na Unidade de Saúde da Família. O processo de análise foi baseado no resultado das entrevistas e nos depoimentos obtidos durante todo o processo de coleta de dados. Esta pesquisa apresenta como limitação a impossibilidade de generalizar os resultados para outros conselhos locais de saúde, uma vez que se trata de um estudo de caso, específico para a comunidade aqui pesquisada. No entanto, seus resultados podem gerar reflexões para a análise de outras comunidades, especialmente aquelas relacionadas à falta de uma estratégia de comunicação mais ampla e reforçada sobre o papel do Conselho Local de Saúde. 4 Análise e Resultados Neste trabalho busca-se verificar de que forma o Conselho Local de Saúde da Coloninha tem atuado junto à comunidade e como criar estratégias para aumentar a participação popular nas reuniões para o exercício do Controle Social, buscando tornar os indivíduos sujeitos sociais participativos e articuladores por meio do seu empoderamento. 144 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 Anne da Luz Ribeiro Souza # Marcos Abilio Bosquetti # Maria Luciana Biondo Silva Com base no questionário aplicado para 144 pessoas foi constatado, conforme demonstra o gráfico, a seguir, que a grande maioria dos entrevistados nem conhece o Conselho Local de Saúde do seu bairro; apenas 47 pessoas conheciam o Conselho ou tinham ouvido falar. Figura 1: Conhecimento sobre o local de saúde do bairro Fonte: Elaborada pela autora deste artigo Quanto à busca da saúde em seu bairro, constatou-se que as questões a serem discutidas e que envolvem a saúde da comunidade local limitam-se à discussão entre os cidadãos residentes e a Unidade Básica de Saúde, pois mais de 50% dos entrevistados declaram buscar o Centro de Saúde para debater tais questões. Os líderes comunitários também exercem forte influência na comunidade. Já o Conselho Local de Saúde em si é um espaço que poucas pessoas procuram. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 145 Participação da Comunidade da Coloninha nas Reuniões do Conselho Local de Saúde Figura 2: Sugestões de saúde para o bairro Fonte: Elaborada pela autora deste artigo Quando se buscou compreender o que as pessoas, que conhecem o Conselho Local de Saúde, entendem a respeito do seu papel e atribuições, os resultados demonstraram que na comunidade da Coloninha o Conselho Local de Saúde não é utilizado como um espaço de exercício de cidadania, onde existe um permanente trabalho de cogestão na busca de melhorias sociais, pois 49% dos entrevistados o referem como um espaço para fazer sugestões ou reclamações sobre o Centro de Saúde, 36% acham que ele serve para conquistar melhorias para o bairro, 9% para debater questões políticas e 6% acham que não é resolutivo, mostrando uma visão equivocada sobre seu verdadeiro intuito. Segundo Nunes et al. (2009), a cogestão de usuários e trabalhadores de saúde, visando o vínculo entre as partes envolvidas no processo saúde-doença, não tem sido efetivada no SUS no sentido de favorecer a melhoria na qualidade da assistência prestada. Tendo em vista tais resultados, pode-se concluir que o Conselho Local de Saúde da Coloninha não exerce seu papel frente à população e o exercício 146 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 Anne da Luz Ribeiro Souza # Marcos Abilio Bosquetti # Maria Luciana Biondo Silva do Controle Social não é efetivo na gestão da saúde, uma vez que não absorve as aspirações e necessidades locais na construção de políticas públicas. 5 Considerações Finais A participação da comunidade ainda caminha a passos lentos no processo de cogestão para o Controle Social na saúde. O Conselheiro de Saúde tem uma participação democrática, porém muitas vezes, sua representação não reflete os anseios coletivos quando a representatividade da comunidade nestes espaços é inexpressiva. A atuação dos conselheiros deve proporcionar meios de informação para os usuários da Unidade de Saúde, trazendo orientações de interesse coletivo, bem como das atividades desenvolvidas pelo SUS. É importante a capacitação dos conselheiros, pois eles atuam como sujeitos sociais do controle social, portanto, devem manter uma postura de liderança. O exercício do Controle Social somente poderá se efetivar na gestão da saúde quando houver “capilarização” das decisões e absorção das aspirações e necessidades locais, uma vez que se considera o Controle Social como a participação da sociedade civil na construção de políticas públicas. (RIBEIRO; NASCIMENTO, 2011) A comunidade da Coloninha não exerce o Controle Social porque lhe falta a instrumentalização para seu exercício, seja pela falta de motivação, seja por desconhecer e/ou não acreditar no seu potencial de mudança. Por isso, faz-se importante fomentar o desejo individual para que se torne coletivo e gere transformações necessárias ao bem comum. Para que o Conselho Local de Saúde da Coloninha seja efetivo deve existir um trabalho insistente de motivação e sensibilização das pessoas para a participação popular. É importante a realização de ações para divulgação desse espaço através da panfletagem, da colocação de painéis no Centro de Saúde e da própria abordagem individual para a conscientização quanto à importância da participação nas reuniões. Esta pesquisa permitiu constatar que há um distanciamento muito grande entre a legislação e a prática do Controle Social no cotidiano do processo de trabalho das equipes de saúde e que poucas pessoas representam a comunidade nos CLS; portanto a busca por mudanças sociais muitas vezes não reflete o desejo da coletividade, e sim de uma minoria. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 147 Participação da Comunidade da Coloninha nas Reuniões do Conselho Local de Saúde O processo de participação social através do CLS na Coloninha ainda é muito incipiente, e deve existir um processo maciço de mobilização porque nas reuniões existem poucos sujeitos críticos, participativos e fomentadores do ideal de participação. Para efetivá-lo, é necessário que haja uma educação permanente que sensibilize diferentes grupos da comunidade, além dos trabalhadores de saúde. Referências ANDRADE, Selma Maffei; SOARES, Darli Antônio; CORDONI, Luiz Junior. Bases da Saúde Coletiva. Londrina: UEL, 2001. ARANTES, Cássia Irene Spinelli; MESQUITA, Camila Campos; MACHADO, Maria Lúcia Teixeira; OGATA, Márcia Niituma. O Controle Social no Sistema Único de Saúde: concepções e ações de enfermeiras da atenção básica. Rev. Texto Contexto Enferm., Florianópolis, v. 16, n. 3, p. 470-8, jul.-set. 2007. BRASIL. Conselho Nacional de Saúde. 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O estudo teve como objetivo geral avaliar o nível de satisfação dos enfermeiros inseridos nas equipes de Saúde da Família (SF) do CSSG, em relação a QVT. Caracteriza-se como uma pesquisa de campo, exploratória e descritiva, de abordagem qualitativa e quantitativa. A coleta de dados deu-se por meio de um questionário. O resultado demonstrou satisfação geral quanto ao salário e às atividades realizadas; e demonstrou predomínio de insatisfação em alguns aspectos relacionados às condições de trabalho e ao plano de carreira. This article is a survey of Quality of Work Life (QVT) in the area of Health The research field was chosen the Saco Grande Health Centre (CSSG) in Florianópolis/SC. The study aimed to assess the level of satisfaction of nurses inserted into Family Health Teams (SF) of CSSG in relation to QVT. It is characterized as a field research, exploratory and descriptive, qualitative and quantitative approach. The data was collected through a questionnaire. The results showed general satisfaction about the salary and the activities performed, and showed predominance of dissatisfaction with some aspects of the working conditions and career plan. Palavras-chave: Qualidade de vida no trabalho. Enfermeiros. Satisfação. 1 Key words: Quality of Work Life. Nurses. Satisfaction. Graduada em Nutrição pela Universidade do Vale do Itajaí (2003). E-mail: tatipmf@gmail. com. 2 Doutor em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina (2003). E-mail: [email protected]. 3 Especialista em Gestão de Pessoas nas Organizações e Bacharel em Administração pela Universidade Federal Santa Catarina (UFSC). E-mail: [email protected]. Qualidade de Vida no Trabalho na Área da Saúde: um estudo de caso no Centro de Saúde Saco Grande do Município de Florianópolis/SC 1Introdução Vive-se numa sociedade em mudanças e num momento excitante para as organizações. A sociedade percebe que a Qualidade de Vida e a Saúde são ativos importantes, envolvendo as dimensões física, intelectual, emocional, profissional, espiritual e social. Práticas inadequadas no ambiente de trabalho geram impacto negativo na saúde física e emocional dos empregados e na saúde financeira das empresas. Baixa motivação, falta de atenção, diminuição de produtividade e alta rotatividade criam uma energia negativa que repercute na família, na sociedade e no sistema médico. (CARMELLO, 2007) Para alcançar níveis elevados de qualidade e produtividade, as organizações precisam de pessoas motivadas, que participem ativamente nos trabalhos que executam e que sejam adequadamente recompensadas pelas suas atribuições. Para bem atender o cliente externo, as organizações não devem esquecer o cliente interno, ou seja, devem antes, satisfazer os seus funcionários, que são os responsáveis pelos serviços oferecidos por elas. (CHIAVENATO, 1999) Quando se trata de organização pública que trabalha com saúde, a meta da organização deve ser oferecer bons serviços à população. Fatores como falta de ergonomia, falta de recursos humanos, absenteísmo, sobrecarga de trabalho e falta de compreensão da comunidade geram impacto negativo na saúde dos servidores. Se a organização busca oferecer bom atendimento aos usuários, deve antes oferecer boas condições de trabalho aos colaboradores. Com a intenção de ilustrar este tema na área da saúde foi escolhido como campo da pesquisa o Centro de Saúde Saco Grande (CSSG), do Município de Florianópolis/SC. O CSSG atende moradores do bairros Saco Grande e Monte Verde. Segundo o Censo Demográfico IBGE (2010) Estimativa 2011 os dois bairros compreendem uma população de aproximadamente 13.500 pessoas. (PMF, 2011) O bairro Saco Grande apresenta quatro áreas de interesse social, segundo diagnóstico realizado pela Secretaria de Habitação, Trabalho e Desenvolvimento Social (PMF, 2006, p. 4): O perfil médio de um cidadão que mora nas áreas de interesse social é de um adulto jovem vindo do interior do estado, com pouca ou nenhuma escolaridade. Geralmente com uma companheira 152 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 Tatiane Elizete Ferreira Rocha # Marcos Baptista Lopez Dalmau # Juliana Pereira e um a dois filhos. Vive como autônomo e ganha em média dois salários mínimos por mês. Mora entre 5 a 10 anos na cidade. O CSSG conta com o trabalho de seis equipes de Saúde da Família (SF), além de outros colaboradores. Segundo a Portaria n. 2.488/2011, uma equipe de SF deve ser composta, no mínimo, por um médico, um enfermeiro, um auxiliar de enfermagem e agentes comunitários de saúde (ACS). Quando ampliada, a equipe pode contar com profissionais de Saúde Bucal (BRASIL, 2011). As equipes atuam com ações de promoção da saúde, prevenção, recuperação e reabilitação de doenças e agravos mais frequentes, e na manutenção da saúde da população. (BRASIL, 2012) Segundo Costa e Miranda (2008), o enfermeiro inserido na equipe de SF é um importante ator de mudança do modelo assistencial, capaz de modificar o perfil do estabelecimento de saúde, mediante a instauração de novas práticas e de uma dinâmica de trabalho inovadora. De acordo com Fernandes (2009), o enfermeiro se destaca pela responsabilidade nas diversas ações desenvolvidas na comunidade e na equipe de saúde. Considerando a forte influência dos enfermeiros na qualidade da assistência prestada, atribuições e responsabilidades específicas ao exercício em questão, salário específico, entre outros, a pesquisa teve como objetivo geral avaliar o nível de satisfação dos enfermeiros inseridos nas equipes de Saúde da Família (SF) do CSSG em relação à QVT. 2 Exposição do Tema A exposição do tema teve o objetivo de demonstrar alguns conceitos e modelos de QVT e o trabalho do enfermeiro inserido na atenção básica. 2.1 Conceitos de QVT A QVT tem sido uma preocupação do homem desde o início de sua existência. Com outros títulos em outros contextos, mas sempre voltada para facilitar ou trazer satisfação e bem-estar ao trabalhador na execução de sua tarefa. (RODRIGUES, 1994, p. 76) Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 153 Qualidade de Vida no Trabalho na Área da Saúde: um estudo de caso no Centro de Saúde Saco Grande do Município de Florianópolis/SC Percebe-se desta forma que a busca por satisfação no trabalho vem de uma luta histórica. De acordo com diversos estudiosos, não existe uma definição consesual de QVT. Fernandes (1996, p. 40) diz que [...] o conceito engloba, além de atos legislativos que protegem o trabalhador, o atendimento a necessidades e aspirações humanas, calcado na idéia da humanização do trabalhador e na responsabilidade social da empresa. Chiavenato (1999) diz que o conceito de QVT está ligado diretamente ao respeito pelas pessoas. Se as organizações necessitam de pessoas motivadas para alcançar níveis elevados de qualidade e produtividade, estas devem ser adequadamente recompensadas pelas suas atribuições. Segundo Fernandes (1996, p. 46), os aspectos físicos, psicológicos e sociológicos interferem igualmente na satisfação dos trabalhadores; sem deixar de considerar os aspectos tecnológicos da organização do próprio trabalho, que, em conjunto, interferem no clima organizacional, na produtividade e no bem-estar dos empregados. Segundo Conte (2003), é muito provável que funcionários motivados, capacitados e bem remunerados passem a ter um desempenho acima da média, reduzindo custos, apresentando melhores soluções aos clientes e gerando maior vitalidade financeira. A expectativa pessoal dos profissionais é que, se as empresas esperam qualidade nos produtos e serviços por elas oferecidos, ações de QVT devem ser incorporadas definitivamente no seu cotidiano. Compreende-se dessa forma que a QVT visa proporcionar um ambiente favorável ao bem-estar de todos e abrange diversos apectos sendo consenso entre os autores que funcionários satisfeitos apresentam melhor produtividade. Fernandes (1996, p. 45), diz que a QVT deve ser considerada uma gestão dinâmica e contigencial, ou seja, dinâmica porque as organizações e as pessoas mudam constantemente; e contingencial porque depende da realidade de cada empresa no contexto onde encontra-se inserida. A autora classifica os seguintes elementos-chave de QVT: a) Resolução de problemas envolvendo os membros da organização em todos os níveis (participações, sugestões, inovações, etc.); 154 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 Tatiane Elizete Ferreira Rocha # Marcos Baptista Lopez Dalmau # Juliana Pereira b) Reestruturação da natureza básica do trabalho (enriquecimento de tarefas, redesenho de cargos, rotação de funções, grupos autônomos e semiautônomos, etc.); c) Inovações no sistema de recompensas (remunerações financeiras e não financeiras); d) Melhorias no ambiente de trabalho (clima, cultura, meio ambiente físico, aspectos ergonômicos, assistenciais). (FERNANDES, 1996, p. 45) Para Fernandes (1996), é importante que exista liberdade de expressão, satisfação com as atividades realizadas, sistema de recompensa/remuneração de acordo com a produção ou qualidade, boa ergonomia e outros aspectos que demonstrem satisfação dos funcionários. 2.2 Modelos de QVT Além de todo conteúdo que já foi exposto, diversos modelos de QVT foram desenvolvidos a fim de demonstrar os fatores que afetam a qualidade de vida dos trabalhadores. Os modelos de Walton (1973), de Hackman e Oldham (1975) e de Westley (1979), utlizados como referência por muitos autores, vistos em pesquisa bibliográfica, são descritos a seguir. 2.2.1 Modelo de Walton (1973) O modelo de QVT de Walton (1973) propõe oito categorias que devem ser consideradas na QVT (CHIAVENANTO, 1999, p. 392-393): Fatores de QVT Compensação justa e adequada Condições de segurança e saúde no trabalho Utilização e desenvolvimento de capacidades Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 Dimensões Renda (salário) adequado ao trabalho Equidade interna Equidade externa Jornada de trabalho Ambiente físico (seguro e saudável) Autonomia Significado da tarefa Identidade da tarefa Variedade de habilidades Retroação e retroinformação 155 Qualidade de Vida no Trabalho na Área da Saúde: um estudo de caso no Centro de Saúde Saco Grande do Município de Florianópolis/SC Fatores de QVT Oportunidade de crescimento e segurança Integração social na organização Garantias Constitucionais Trabalho e espaço total de vida Relevância social na vida e no trabalho Dimensões Possibilidade de carreira Crescimento profissional Segurança do emprego Igualdade de oportunidades Relacionamento interpessoais e grupais Senso comunitário Respeito às leis e direitos trabalhistas Privacidade pessoal Liberdade de expressão Normas e rotinas claras da organização Papel balanceado do trabalho na vida pessoal Imagem da empresa Responsabilidade social pelos produtos/ serviços Responsabilidade pelos empregados Quadro 1: Modelo de QVT de Walton Fonte: Chiavenato (1999, p. 392-393) A compensação justa e adequada visa mensurar a QVT em relação à remuneração recebida e divide-se em remuneração adequada para o trabalhador viver com dignidade dentro das necessidades pessoais e dos padrões culturais, sociais e econômicos do meio social em que vive, equidade na remuneração com outros membros da mesma organização e equidade em realção a outros profissionais no mercado de trabalho (FERNANDES, 1996). A remuneração adequada é a que satisfaz, no mínimo, as necessidades mais básicas do trabalhador como, por exemplo, saúde, alimentação, moradia, vestuário e lazer. As condições de segurança e saúde no trabalho, segundo Fernandes (1996, p. 49), medem a QVT em relação ao número de horas trabalhadas e sua relação com as tarefas exercidas; à carga de trabalho; ao ambiente físico e suas condições de bem-estar (conforto); à qualidade e quantidade de material disponível para execução do trabalho; aos riscos de injúria ou de doenças; e à quantidade percebida de estresse ao qual o profissional é sumetido. 156 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 Tatiane Elizete Ferreira Rocha # Marcos Baptista Lopez Dalmau # Juliana Pereira O uso e o desenvolvimento de capacidades relacionam-se com a medida permitida de liberdade na programação e execução do trabalho; significado da tarefa; identidade da tarefa; múltiplas habilidades e informação ao indivíduo acerca da avaliação do seu trabalho e de suas ações. (RODRIGUES, 1994; FERNANDES, 1996) A oportunidade de crescimento e segurança mede a QVT em relação às oportunidades que a instituição estabelece para o desenvolvimento e crescimento pessoal de seus empregados e quanto à segurança do emprego. As dimensões dessa categoria são possibilidade de carreira; processo de educação continuada; e grau de segurança dos empregados quanto à manutenção dos seus empregos. (FERNANDES, 1996) A integração social, segundo Fernandes (1996), abrange a igualdade de oportunidades, sem discriminação quanto à raça, sexo, estilo de vida, aparência, entre outros; grau de relacionamento marcado por auxílio recípocro; apoio socioemocional; abertura interpessoal; respeito às individualidades; e grau do senso de comunidade existente na instituição. O constitucionalismo é a categoria que tem por finalidade medir o grau em que os direitos do empregado são cumpridos. Segundo Rodrigues (1994), os aspectos mais significativos são: o direito à privacidade, o direito de posicionamento e o direito ao tratamento justo em todos os assuntos. O trabalho e o espaço total de vida visam mensurar o equilíbrio entre a vida pessoal e a vida no trabalho do empregado (RODRIGUES, 1994; FERNANDES, 1996). Walton afirma que a experiência de trabalho de um indivíduo tem efeitos negativos ou positivos em outras esferas da sua vida, como as relações dele com sua família. (RODRIGUES, 1994) Por fim, a oitava categoria, segundo Fernandes (1996, p. 52), visa medir a QVT “[...] através da percepção do empregado em relação à responsabilidade social da instiuição na comunidade, à qualidade de prestação dos serviços e ao atendimento a seus empregados”. Essa categoria ressalta o sentimento de orgulho que o trabalhador deve ter com relação à organização onde trabalha. 2.2.2 Modelo de Hackman e Oldhan (1975) O modelo de Hackman e Oldhan (1975) apoia-se em características objetivas do trabalho; e nele a QVT pode ser avaliada em relação: às dimensões do cargo, aos estados psicológicos críticos e aos resultados pessoais e de trabalho. (CHIAVENATO, 1999; FERNANDES, 1996) Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 157 Qualidade de Vida no Trabalho na Área da Saúde: um estudo de caso no Centro de Saúde Saco Grande do Município de Florianópolis/SC Nas dimensões do cargo são identificados seis atributos importantes para a satisfação no trabalho, que são: 1) variedade de habilidades; 2) identidade da tarefa; 3) significado da tarefa; 4)autonomia; 5) feedback – extrínseco e intrínseco; e 6) inter-relacionamento. (CHIAVENATO, 1999; FERNANDES, 1996; RODRIGUES, 1994) Para Rodrigues (1994), a variedade de habilidade é o grau em que a tarefa requer uma variedade de atividades para a sua execução, através das quais há envolvimento e uso de talentos por um mesmo indivíduo. A identidade da tarefa, segundo esse autor, requer a execução de um trabalho completo, ou seja, este deve ser realizado do início ao fim, para que a pessoa perceba que produz um resultado palpável. O significado da tarefa tem relação com o impacto que a tarefa tem sobre a vida das pessoas; já a autonomia tem relação com a liberdade do indivíduo em exercer o trabalho. (RODRIGUES, 1994) Ainda segundo esse autor, o feedback extrínseco tem relação com as informações recebidas pelos superiores, colegas e clientes, quanto ao desempenho do indivíduo; e o feedback intrínseco são as informações que o indivíduo recebe através da execução da sua própria tarefa. O inter-relacionamento é o contato interpessoal do ocupante com outras pessoas ou clientes, que deverá ser estimulado e possibilitado. Os estados psicológicos críticos envolvem a percepção da significância do trabalho, da responsabilidade pelos resultados e o conhecimento dos reais resultados do trabalho. (FERNANDES, 1996; RODRIGUES, 1994) Os resultados pessoais e de trabalho, segundo Fernandes (1996), incluem a satisfação geral e a motivação do indivíduo quando ele desempenha suas atividades. 158 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 Tatiane Elizete Ferreira Rocha # Marcos Baptista Lopez Dalmau # Juliana Pereira 2.2.3 Modelo de Westley (1979) O modelo de Westley (1979) busca unir os fatores econômicos, políticos, psicológicos e sociológicos, ou seja, todos eles devem ser analisados no estudo de QVT. (RODRIGUES, 1994; FERNANDES, 1996) Para Westley (1979), os problemas políticos trariam a insegurança; os econômicos, a injustiça; os psicológicos, a alienação; e os sociológicos, a anomia. A insegurança e a injustiça são decorrentes da concentração do poder e dos lucros, e da consequente exploração dos trabalhadores; a alienação advém das características desumanas que o trabalho assumiu pela complexidade das organizações; e a anomia é a falta de envolvimento moral com as próprias tarefas. (RODRIGUES, 1994, p. 86; FERNANDES, 1996, p. 53) O quadro a seguir, apresenta o modelo de Westley. Indicadores da QVT do modelo de Westley Econômico Político Psicológico Equidade salarial Segurança no emprego Realização potencial Participação nas decisões Remuneração adequada Atuação sindical Nível de desafio Autonomia Retroinformação Desenvolvimento pessoal Relacionamento interpessoal Desenvolvimento profissional Grau de responsabilidade Criatividade Valor pessoal Benefícios Local de trabalho Liberdade de expressão Carga horária Valorização do cargo Ambiente externo Relacionamento com a chefia Sociológico Autoavaliação Variedade da tarefa Identidade da tarefa Quadro 2: Indicadores da QVT – Modelo de Westley Fonte: Elaborado pela autora deste artigo Percebe-se que o modelo de Westley (1979) se aproxima da visão de Walton (1973) em diversos indicadores, quanto à QVT. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 159 Qualidade de Vida no Trabalho na Área da Saúde: um estudo de caso no Centro de Saúde Saco Grande do Município de Florianópolis/SC Contudo o modelo de Walton (1973) foi adotado como referência na construção do questionário utilizado como instrumento da pesquisa. 2.2 O Enfermeiro na Atenção Básica O Sistema Único de Saúde (SUS) surgiu como resultado de uma fase marcada pela reforma sanitária, onde ocorreram as discussões sobre o conceito ampliado de saúde, a participação popular e o reconhecimento da saúde como direito de todos e dever do estado (FROTA, 2008). Teve sua implantação na Constituição de 1988 e nesse momento teve início a participação popular e o controle social da população nas questões de saúde. (ROCHA; ZEITOUNE, 2007) De acordo com o artigo 198 da Constituição federal de 1988, as ações e os serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: descentralização; atendimento integral; e participação da comunidade. (BRASIL, 2000) Assim, desde 1990, os municípios vêm tentando adequar-se às normas e diretrizes do SUS. Em 1994, a implantação do Programa de Saúde da Família (PSF) surgiu como uma estratégia de reorientação das práticas assistenciais. (ROCHA; ZEITOUNE, 2007) Segundo o site do Departamento de Atenção Básica, A Saúde da Família é entendida como uma estratégia de reorientação do modelo assistencial, operacionalizada mediante a implantação de equipes multiprofissionais em unidades básicas de saúde. Estas equipes são responsáveis pelo acompanhamento de um número definido de famílias, localizadas em uma área geográfica delimitada. As equipes atuam com ações de promoção da saúde, prevenção, recuperação, reabilitação de doenças e agravos mais freqüentes, e na manutenção da saúde desta comunidade. [...] A velocidade de expansão da Saúde da Família comprova a adesão de gestores estaduais e municipais aos seus princípios. Iniciado em 1994, apresentou um crescimento expressivo nos últimos anos. […] O trabalho de equipes da Saúde da Família é o elemento-chave para a busca permanente de comunicação e troca de experiências e conhecimentos entre os integrantes da 160 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 Tatiane Elizete Ferreira Rocha # Marcos Baptista Lopez Dalmau # Juliana Pereira equipe e desses com o saber popular do Agente Comunitário de Saúde. (BRASIL, 2012) Ainda segundo essa fonte, as equipes de SF são compostas, no mínimo, por um médico, um enfermeiro, um auxiliar de enfermagem e agentes comunitários de saúde. Quando ampliadas, contam ainda com profissionais de Saúde Bucal. (BRASIL, 2012) Segundo Rocha e Zeitoune (2007, p. 47), [...] o funcionamento do PSF é resultante de um trabalho em equipe, na busca permanente de comunicação e troca de saberes entre profissionais e a população. As atividades são realizadas nas unidades básicas de saúde e na comunidade. Trabalha-se em parceria com as famílias, priorizando ações individuais e coletivas com vistas à promoção de melhor qualidade de vida, pressupondo o conhecimento da realidade da comunidade. Além das atribuições comuns a todos os profissionais inseridos na ESF, são atribuições específicas do enfermeiro, conforme a Portaria n. 2.488/11 (BRASIL, 2011): I – realizar atenção a saúde aos indivíduos e famílias cadastradas nas equipes e, quando indicado ou necessário, no domicílio e/ou nos demais espaços comunitários (escolas, associações etc), em todas as fases do desenvolvimento humano: infância, adolescência, idade adulta e terceira idade; II – realizar consulta de enfermagem, procedimentos, atividades em grupo e conforme protocolos ou outras normativas técnicas estabelecidas pelo gestor federal, estadual, municipal ou do Distrito Federal, observadas as disposições legais da profissão, solicitar exames complementares, prescrever medicações e encaminhar, quando necessário, usuários a outros serviços; III – realizar atividades programadas e de atenção à demanda espontânea; IV – planejar, gerenciar e avaliar as ações desenvolvidas pelos ACS em conjunto com os outros membros da equipe; V – contribuir, participar, e realizar atividades de educação permanente da equipe de enfermagem e outros membros da equipe; e Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 161 Qualidade de Vida no Trabalho na Área da Saúde: um estudo de caso no Centro de Saúde Saco Grande do Município de Florianópolis/SC VI – participar do gerenciamento dos insumos necessários para o adequado funcionamento da UBS. Nesse contexto, o profissional enfermeiro encontrou um promissor espaço de trabalho e ampliou sua inserção, assumindo a linha de frente, em relação aos demais profissionais de saúde, por desenvolver atividades assistenciais, administrativas e educativas fundamentais à consolidação e fortalecimento da ESF no âmbito do SUS. (COSTA; MIRANDA, 2008) Segundo Costa e Miranda (2008), o enfermeiro vinculado à acão direta aos indivíduos, à família e à comunidade vem se constituindo num importante ator de mudança do modelo assistencial, capaz de modificar o perfil do estabelecimento de saúde, mediante a instauração de novas práticas e de uma dinâmica de trabalho inovadora, comprometida com o projeto de fortalecimento da ESF. 3 Metodologia O presente estudo caracteriza-se como uma pesquisa de campo, exploratória e descritiva, de abordagem qualitativa e quantitativa, na qual buscou-se a interpretação dos dados obtidos através de um questionário. Inicialmente foi realizada uma pesquisa bibiliográfica a respeito de Qualidade de Vida no Trabalho – QVT – e, utilizou-se como referências as obras de Fernandes (1996), Chiavenato (1999), Rodrigues (1994) e Conte (2003). Após a pesquisa bibliográfica foi elaborado um questionário, que foiaplicado aos enfermeiros inseridos nas equipes de SF do CSSG. Como referência na sua construção, utilizou-se a essência do modelo de Walton (1973). O CS em questão conta com seis equipes de SF e um enfermeiro em cada equipe. De acordo com a Portaria n. 2.488/2011, uma equipe de SF deve ser composta, no mínimo, por um médico, um enfermeiro, uma auxiliar de enfermagem e ACS. A escolha dos enfermeiros foi intencional, não probabilística, pois dentre outros profissionais eles se destacam pela significativa responsabilidade nas diversas ações desenvolvidas na comunidade e na equipe de saúde, assim como também possuem atribuições e responsabilidades que são específicas à profissão. 162 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 Tatiane Elizete Ferreira Rocha # Marcos Baptista Lopez Dalmau # Juliana Pereira O questionário contou com perguntas relacionadas ao perfil e à percepção dos enfermeiros quanto à QVT. O questionário relacionado ao perfil contou com oito questões, tais como, idade, sexo, grau de escolaridade e tempo de empresa; e o relacionado à QVT buscou avaliar o nível de satisfação em relação a vinte cinco questões objetivas, tais como, satisfação com a compensação, ambiente, relacionamento com a equipe e plano de carreira, apresentando a seguinte escala de respostas: TS= totalmente satisfeito, S= satisfeito, I= insatisfeito e TI= totalmente insatisfeito. Além das questões objetivas o questionário contou com três questões dissertativas para identificar a percepção dos participantes quanto ao conceito de QVT, à existência de QVT no CSSG e sugestões de melhorias ao CS em questão. Os dados quantitativos foram analisados por meio de frequência absoluta e os dados qualitativos foram interpretados mediante comparação com a fundamentação teórica. 4 Análise e Resultados A análise e os resultados são apresentados na sequência em dois subitens: o perfil dos enfermeiros e o nível de satisfação dos enfermeiros. 4.1 Perfil dos Enfermeiros O resultado do perfil dos enfermeiros participantes da pesquisa demonstrou que 20% são do sexo masculino, evidenciando a predominância do sexo feminino na profissão. A faixa etária varia entre 25 a 39 anos. Quanto ao estado civil, 40% estão solteiros, 20% separados e 40% casados. Apenas 20% têm filhos. Quanto ao nível de escolaridade, 20% têm mestrado e 60% têm especialização, sendo 40% na área da Saúde da Família. Quanto ao vículo empregatício, 80% têm vínculo estável com a prefeitura; o tempo de trabalho na prefeitura foi de um mês a 8 anos e o tempo de trabalho no CSSG foi de um mês a 5 anos; 40% citaram um segundo vínculo empregatício na área da saúde. 4.2 Satisfação dos Enfermeiros Quanto à QVT no CSSG O nível de satisfação dos funcionários quanto às questões objetivas – envolvidas por oito critérios propostos pelo modelo de Walton (1973) – é apresentado na Tabela 1; e, o nível de satisfação quanto às questões dissertativas Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 163 Qualidade de Vida no Trabalho na Área da Saúde: um estudo de caso no Centro de Saúde Saco Grande do Município de Florianópolis/SC é apresentado após a análise das questões objetivas mediante a descrição das respostas dos enfermeiros e a relação destas com a fundamentação teórica. 4.2.1 Questões Objetivas Tabela 1: Respostas das questões objetivas quanto à QVT Nível de satisfação TI 1) Compensação justa e adequada a) Salário com as atividades que realiza b) Salário com a média de mercado 2) Condições de trabalho a) Limpeza do ambiente de trabalho b) Qualidade dos móveis c) Qualidade dos equipamentos 20% d) Iluminação do ambiente de trabalho 20% e) Ventilação do ambiente de trabalho f) Nível de ruídos 20% g) Carga horária de trabalho h) Fornecimento de equipamentos de proteção i) Qualidade dos equipamentos de proteção j) Ritmo de trabalho (demanda de usuários e atividades dentro da carga horária que trabalha) 20% l) Acesso às ferramentas 40% m) Segurança durante a execução das tarefas (ex: risco de se ferir) 3) Uso e desenvolvimento de capacidades a) Quanto ao número de treinamentos oferecidos b) Quanto à qualidade de treinamentos oferecidos c) Quanto às atividades realizadas no trabalho 4) Oportunidades de crescimento e segurança a) Quanto ao plano de carreira 20% b) Quanto à segurança no emprego 5) Integração social na organização 164 I S TS 100% 80% 20% 20% 80% 60% 40% 40% 40% 80% 20% 80% 40% 40% 60% 40% 40% 40% 80% 20% 20% 40% 40% 80% 80% 20% 20% 60% 20% 40% 60% 40% 60% 60% 20% 40% 20% 40% Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 Tatiane Elizete Ferreira Rocha # Marcos Baptista Lopez Dalmau # Juliana Pereira a) Quanto ao relacionamento com a equipe de trabalho b) Quanto ao relacionamento com outros funcionários do CS 6) Garantias constitucionais a) Quanto à liberdade de expressar livremente sua opinião no trabalho 7) Trabalho e espaço total de vida a) Quanto ao equilíbrio entre a vida pessoal e a profissional 8) Relevância social da vida no trabalho a) Quanto ao orgulho de trabalhar na empresa b) Quanto à reputação (conceito) da empresa na comunidade 20% 80% 20% 80% 20% 80% 20% 60% 20% 20% 80% 40% 60% Fonte: Pesquisa de campo De acordo com a Tabela 1, verifica-se que todos os enfermeiros estão satisfeitos quanto aos critérios 1) Compensação justa e adequada, 5) Integração social na organização, 6) Constitucionalismo na organização, e 8) Relevância social da vida no trabalho. Quanto ao critério 2) Condições de trabalho, 60% dos enfermeiros estão insatisfeitos e muito insatisfeitos quanto à qualidade do móveis, dos equipamentos, do nível de ruídos, da carga horária de trabalho e da demanda de usuários e atividades dentro da carga horária que trabalham. No CSSG os enfermeiros têm salas próprias e móveis diferentes, situação que pode ter influenciado parcialmente no resultado da pesquisa quanto às questões b) e c). Em relação ao critério 3) Uso e desenvolvimento de capacidades, existe predomínio de satisfação quanto às questões a) e b); já na questão c), 100% dos enfermeiros estão satisfeitos e muito satisfeitos com as atividades que realizam. Quanto ao critério 4) Oportunidade de crescimento e segurança, 80% dos enfermeiros estão insatisfeitos e muito insatisfeitos com o plano de carreira. Sabe-se que um novo Plano de Carreira, Cargos e Salários (PCCS) para o Quadro Civil é reinvidicação histórica da categoria. Segundo o site da PMF (2012), uma comissão de trabalho, formada por servidores efetivos com apoio de uma empresa especializada, está construindo um novo PCCS. O objetivo é valorizar a formação profissional, a capacitação e o tempo de serviço. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 165 Qualidade de Vida no Trabalho na Área da Saúde: um estudo de caso no Centro de Saúde Saco Grande do Município de Florianópolis/SC Com o novo Plano, os servidores poderão planejar sua carreira e visualizar com mais segurança seu futuro. Já para a organização, é um fator determinante para a retenção de seus profissionais. Quanto ao critério 5) Integração social na organização, 100% dos enfermeiros estão satisfeitos e muito satisfeitos com o relacionamento com as equipes e com outros colaboradores do CSSG. A boa convivência com os colegas de trabalho é importante para um ambiente de trabalho agradável. No critério Integração social, o CS em questão indica que os enfermeiros respeitam as diferenças de ideias, culturas e classe social, entre outros. No critério 6) Garantias constitucionais, obeteve-se resultado indêntico ao critério 5). No caso, 100% dos enfermeiros estão satisfeitos e muito satisfeitos quanto à liberdade de expressão, sem medo de represálias. Quanto ao critério 7) Trabalho e espaço total de vida, apenas 20% dos enfermeiros estão insatisfeitos com o equilíbrio entre a vida pessoal e a vida no trabalho. Contudo, foi visto no perfil que 40% dos enfermeiros possuem um segundo vínculo empregatício, o que pode ter influenciado no resultado dessa questão. Quanto ao nível de satisfação geral, com base na Tabela 1, observa-se um resultado positivo quanto à QVT dos enfermeiros inseridos nas equipes de SF do CSSG, conforme a Tabela 2 e o Gráfico 1. Verifica-se um total de 75,2% de frequência de respostas totalmente satisfeito e muito satisfeito, contra a soma de 24,8% de respostas: insatisfeito e totalmente insatisfeito. Tabela 2: Nível de satisfação geral Nível de satisfação Qt. Cit. Freq. Totalmente satisfeito Satisfeito Insatisfeito 30 64 25 24,00% 51,2% 20,00% Totalmente insatisfeito 6 4,80% Fonte: Elaborada pela autora deste artigo 166 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 Tatiane Elizete Ferreira Rocha # Marcos Baptista Lopez Dalmau # Juliana Pereira 4,80% 20,00% 24,00% 51,20% Totalmente satisfeito Satisfeito Insatisfeito Gráfico 1: Nível de satisfação geral Fonte: Elaborado pela autora deste artigo 2.2.2 Questões Dissertativas Além das questões objetivas o questionário contou com três questões dissertativas, que serão analisadas a seguir. Como forma de preservar a identidade dos respondentes, eles serão indentificados por E1, E2, E3, E4 e E5. Na questão 1, buscou-se identificar a percepção dos enfermeiros quanto ao conceito de QVT, e obteve-se as seguintes respostas: E1: “Bem-estar do indivíduo em seu ambiente de trabalho, onde exista satisfação e realização pessoal com o que faz, com um ambiente físico adequado e que possa proporcionar bem-estar”. E2: “Satisfação, motivação e capacidade de trabalhar com prazer”. E3: “Desempenhar as atividades de minha competência sem que interfira na minha vida social”. E4: “É o bem-estar do funcionário quanto ao salário, ao desenvolvimento das atividades, à equipe e às atividades laborais”. E5: “Poder exercer sua função com qualidade, ter recursos físicos e uma equipe que favoreça. Estar satisfeita com a atividade que realiza. Saber que contribui de alguma maneira na saúde da população”. As respostas vêm ao encontro de alguns indicadores de QVT apontados por Walton, como ambiente físico, equilíbrio entre vida pessoal e profissional, salário e integração social. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 167 Qualidade de Vida no Trabalho na Área da Saúde: um estudo de caso no Centro de Saúde Saco Grande do Município de Florianópolis/SC Com relação a estes indicadores, Walton (1973) diz que o ambiente físico deve oferecer bem-estar; deve existir equilíbrio entre jornada de trabalho e vida pessoal, remuneração necessária para o empregado viver dignamente dentro das necessidades pessoais e dos padrões culturais, apoio socioemocional, abertura interpessoal e bom relacionamento marcado por auxílio- recípocro e respeito às individualidades. A questão 2 teve o objetivo de indentificar, de acordo com a percepção dos enfermerios, se existe QVT no CSSG. O enfermeiro E1 respondeu que não existe, devido à demanda de carga de trabalho e relatou que “houve um aumento considerável de atendimento de urgência contínuo, sobrecarregando o trabalho da equipe e gerando situações de estresse e sofrimento, trabalhando quatro horas ininterruptas”. Ja os demais participantes responderam que existe, devido a diversos fatores como, por exemplo, liberdade de expressão, integração social, salário, prestígio social e realização profissional. Percebe-se que predomina o sentimento de satisfação dos participante quanto ao exercício no CSSG. A questão 3 quis identificar, de acordo com a percepção dos participantes, sugestões de melhorias para aumentar o nível de QVT dos servidores do CSSG. As respostas foram as seguintes: E1: “Materiais novos e capacitações”. E2: “Mais atividades sociais extra trabalho. Ex: festas, churrascos”. E3: “Aprimoramento dos profissionais da equipe de saúde para melhor atender à sociedade. Isso traz um certo prestígio pessoal e social. Considero o conhecimento científico base para a estruturação e a organização do processo de trabalho”. E4:” Espaço, tempo e pessoas disponíveis para atividades laborais, como alongamento no meio da manhã. Ter equipamentos adequados para cada equipe de saúde. Ter plano de carreira. Em relação ao ritmo de trabalho, penso que pessoalmente posso saber lidar com isso”. E5: “Apoio da SMS em relação ao trabalho realizado fortalecendo o trabalho das equipes de SF; fortalecimento com a população da ESF e do processo de trabalho”. Nesta questão obteve-se alguns indicadores que também são apontados por Walton, como oferecer materiais de qualidade, capacitações e plano de carreira. 168 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 Tatiane Elizete Ferreira Rocha # Marcos Baptista Lopez Dalmau # Juliana Pereira O enfermeiro E1 sugeriu como melhoria a oferta de atividades laborais pela organização. A prática de atividade física laboral visa melhorar a condição física do trabalhador, motivo pelo qual é estimulada e implementada cada vez mais por diversas organizações. O enfermeiro E5 sugeriu como melhoria o apoio da organização quanto ao trabalho das equipes e o fortalecimento da ESF junto à população. Relatou que às vezes a organização desloca um servidor da equipe para atender pontualmente em outro CS, e deixa a equipe sem aquele profissional. Além disso, existe falta de conhecimento da população sobre o trabalho da ESF, dificultando o atendimento. O funcionamento da ESF é resultante de um trabalho em equipe. As equipes são responsáveis pelo acompanhamento de um número definido de famílias, localizadas em uma área geográfica delimitada. As atividades são realizadas nas unidades básicas de saúde e na comunidade. Trabalha-se em parceria com as famílias, priorizando ações individuais e coletivas com vistas à promoção de melhor qualidade de vida, pressupondo o conhecimento da realidade da comunidade (ROCHA; ZEITOUNE, 2007). Como é uma estratégia de reorientação do modelo assistencial, que teve início em 1994, os municípios ainda vêm tentando adequar-se às normas e a população aos poucos vem adquirindo conhecimentos acerca do novo modelo de atenção à saúde. 3 Considerações Finais Partindo do modelo proposto por Walton (1973), que apresenta oito critérios e seus respectivos fatores que afetam a QVT, ressalta-se que na pesquisa em questão existe uma relação parcial ao modelo, onde alguns fatores não estão contemplados. Considera-se, dessa forma, que não existe abrangência suficiente quanto ao modelo por ele proposto. Na pesquisa, verificou-se que, diferentemente de outras empresas e outros profissionais, todos os enfermeiros estão satisfeitos com o salário. Trata-se de uma questão importante para reter o funcionário na empresa. Além disso, foi constatado que existe satisfação geral quanto à boa relação interpessoal, liberdade de expressão, atividades realizadas, orgulho de trabalhar no CSSG e bom conceito do CSSG na comunidade. É muito importante realizar atividades com amor ao que se faz. Ainda, a imagem da organização transmite confiança no trabalho. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 169 Qualidade de Vida no Trabalho na Área da Saúde: um estudo de caso no Centro de Saúde Saco Grande do Município de Florianópolis/SC Quanto à insatisfação, o resultado demonstrou que 60% dos enfermeiros estão insatisfeitos ou muito insatisfeitos em relação à qualidade dos móveis e dos equipamentos, ao nível de ruídos, à carga horária de 40h/s e à demanda de atividades por carga horária; e 80% quanto ao plano de carreira. Busca-se se trabalhar por um período menor a fim de melhorar o equilíbrio entre a vida pessoal e a profissional. Colaboradores da prefeitura vêm lutando pela redução de carga horária de 40h/s com redução proporcional do salário. A demanda de atividades por carga horária tem relação com a falta de RH. No CSSG por exemplo, durante um mês dois enfermeiros estavam afastados sem substituição. Apesar de o profissional buscar atender usuários da sua área da abrangência, atende emergências de qualquer área. Além disso foi relatado que a população vem aumentando e o número de profissionais continua o mesmo. Quanto ao plano de carreira, a previsão da organização em questão é que em 2013 se tenha um novo PCCS. Quanto à insatisfação pela qualidade dos equipamentos e móveis, esta se resolveria com a substiuição por equipamentos e móveis novos; e com isso, a insatisfação pelo nível de ruídos também se resolveria, já que os ruídos, no caso, saem do computador e/ou do ar condicionado. Como sugestões de melhorias obteve-se, nos resultados apresentados, a inclusão de atividades laborais no meio da manhã, entre elas, por exemplo, os exercícios de alongamento. Sabe-se que funcionários satisfeitos adoecem menos, permanecem por mais tempo na empresa e prestam serviços de qualidade à comunidade. A busca por bem-estar, ergonomia, segurança e motivação no trabalho, entre outros, reflete a intenção do ser humano em almejar qualidade em todas as áreas da vida, ou seja, QV e QVT. Então, com base na análise e resultados e nas considerações finais, supõe-se que a organização poderá reveter alguns pontos de insatisfação a fim de melhorar a QVT dos enfermeiros e de outros colaboradores. 170 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 Tatiane Elizete Ferreira Rocha # Marcos Baptista Lopez Dalmau # Juliana Pereira Referências BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao. htm>. Acesso em: 25 set. 2012. ______. Departamento de Atenção Básica. Atenção Básica e a Saúde da Família. 2012. Disponível em: <http://dab.saude.gov.br/atencaobasica.php>. Acesso em: 25 set. 2012. ______. Ministério da Saúde. Portaria n. 2.488, de 21 de outubro de 2011. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes e normas para a organização da Atenção Básica, para a Estratégia Saúde da Família (ESF) e o Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS). Brasília, 2011. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/ saudelegis/gm/2011/prt2488_21_10_2011.html>. Acesso em: 25 set. 2012. CARMELLO, Eduardo. Qualidade de Vida no Trabalho. 2007. Disponível em: <http://www.rhportal.com.br/artigos/wmview.php?idc_cad=a7o2sdrwi>. Acesso em: 25 set. 2012. CHIAVENATO, Idalberto. Gestão de pessoas: o novo papel dos recursos humanos nas organizações. 14. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1999. CONTE, Antonio Lázaro. Qualidade de vida no trabalho – Funcionários com qualidade de vida no trabalho são mais felizes e produzem mais. Revista FAE Business, Curitiba n. 7, p. 32-34, nov. 2003. COSTA, R. K. S; MIRANDA, F. A. N. O Enfermeiro e a Estratégia Saúde da Família: contribuição para a mudança do modelo assistencial. Revista RENE,. Fortaleza, v. 9, n. 2, p. 120-128, abr.-jun. 2008. FERNANDES, E. da Conte. Qualidade de Vida no Trabalho: como medir para melhorar. 2. ed. Salvador, BA: Casa da Qualidade, 1996. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 171 Qualidade de Vida no Trabalho na Área da Saúde: um estudo de caso no Centro de Saúde Saco Grande do Município de Florianópolis/SC FERNANDES, Janielle Silva. Qualidade de vida dos enfermerios das equipes saúde da família. Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Triângulo Mineiro. Uberaba/MG, 2009. Disponível em: <http://www.uftm.edu. br/upload/ensino/enfermsaude/atencao_a_saude_Janielle_Silva_Fernandes. pdf> Acesso em: 22 fev. 201. FROTA, Amanda Cavalcante. O processo de trabalho na estratégia saúde da família: o caso fortaleza. Dissertação (Mestrado) – Fundação Oswaldo Cruz. Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca, 2008. Disponível em: <http://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/2420>. Acesso em: 25 set. 2012. PREFEITURA MUNICIPAL DE FLORIANÓPOLIS. Secretaria Municipal de Saúde. População. 2010 Estimativa 2011. Disponível em: <http://www.pmf. sc.gov.br/sistemas/saude/unidades_saude/populacao/uls_2011_index.php>. Acesso em: 25 set. 2012. PREFEITURA MUNICIPAL DE FLORIANÓPOLIS. Desenvolvimento Social. Diagnóstico das Áreas de Interesse Social. Ago. 2006. Disponível em: <http://portal.pmf.sc.gov.br/arquivos/arquivos/pdf/24_05_2010_17.26.43.5631 88c89583efcf3b79164708b3cd5c.pdf>. Acesso em: 25 set. 2012. ROCHA, J. B. B; ZEITOUNE, R. C. G. Perfil dos Enfermeiros do Programa Saúde da Família: uma necessidade para discutir a prática profissional. Revista de Enfermagem, UERJ, Rio de Janeiro, v. 15, n. 1, p. 46-52, jan.mar. 2007. RODRIGUES, Marcos Vinícios Carvalho. Qualidade de Vida no Trabalho: evolução e análise no nível gerencial. 2. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994. WESTLEY. W. A. Problems and solutions in the quality of working life. Humans Realtions, USA, v. 32, n. 2, p. 111-123, 1979. WALTON, R. E. Quality of working life: what isit? Slow Management Review, USA, v. 15, n. 1, p. 11-21, 1973. 172 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 A Vigilância Sanitária e a Proteção da Saúde dos Trabalhadores: análise do sistema regional Aluno: Jeancarlo Menegon1 Orientador: Luis Carlos Cancellier de Olivo2 Tutora: Isadora de Souza Bernardini3 Resumo Abstract Trata-se de leitura e análise das estratégias de proteção da saúde do trabalhador observadas nos municípios da área de abrangência do CEREST Regional de Florianópolis considerando a nova Política Nacional de Saúde do Trabalhador e Trabalhadora e outros documentos relevantes. Discute a efetividade das estratégias adotadas e equívocos conceituais que influenciam na abordagem do tema, de modo a propor a revisão das prioridades, o fortalecimento das vigilâncias em saúde municipais e o empoderamento da articulação intersetorial. It is a reading and analysis of the strategies of protection of workers’ health observed in the municipalities of the area covered by the CEREST Regional Florianópolis considering the new National Health Worker Policy and other relevant documents. Discusses the effectiveness of the strategies adopted and misconceptions that influence in the conceptual approach of the theme so as to propose the revision of priorities, strengthening of municipal health surveillance and the empowerment of intersectoral articulation. Palavras-chave: Vigilância. Trabalhador. Aci- Key words: Surveillance. Worker. Accidents. dentes. Doenças. Diseases. 1 Bacharel em Enfermagem. Pós-graduando em Gestão da Saúde Pública pela Universidade Federal de Santa Catarina. Fiscal de Vigilância em Saúde em Florianópolis. E-mail: [email protected]. 2 Mestre e Doutor em Direito. Especialista em Gestão Universitária e Direito Tributário. Professor e Diretor do Centro de Ciências Jurídicas da Universidade Federal de Santa Catarina. E-mail: [email protected]. 3 Mestre em Administração pela Universidade Federal de Santa Catarina (2012). Possui graduação em Ciências da Administração pela Universidade Federal de Santa Catarina (2008). E-mail: [email protected]. A Vigilância Sanitária e a Proteção da Saúde dos Trabalhadores: análise do sistema regional 1Introdução Na Constituição Federativa de 1988 o Estado garante a todos o direito à saúde. Juntamente com o novo Sistema de Saúde, os direitos sociais avançam lastreados por protocolos de importantes organizações de representação internacionais, tais como as Organizações Mundiais do Trabalho (OIT) e da Saúde (OMS). Fortalece-se o conceito ampliado de saúde, cujos fatores determinantes incluem o ambiente e os processos de trabalho. Nesse sentido, a Lei n. 8.080/90 (BRASIL, 1990, art. 3º) explicita a visão dos gestores da saúde no país: A saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais; os níveis de saúde da população expressam a organização social e econômica do País. Fortaleceu-se no país a proposta de uma Política Nacional de Segurança e Saúde do Trabalhador, e que recentemente resultou instituída pela Portaria Ministerial da Saúde, n. 1.823, de 23 de agosto de 2012. Esta política é resultado do trabalho conjunto e permanente de representantes do governo, entidades sindicais e empresariais, como estratégia de construção do Plano Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho. Incumbe ao Ministério da Saúde implementar a rede nacional de atenção integral à saúde dos trabalhadores, fortalecendo a vigilância dos ambientes, processos e doenças relacionadas ao trabalho, bem como a promoção e a reabilitação da saúde. Neste contexto situam-se em nível regional os Centros de Referência em Saúde do Trabalhador (CERESTs), cuja função é capacitar a rede, apoiar as investigações e estruturação da rede de assistência, subsidiar a formulação de políticas públicas, e assessorar a realização de convênios de cooperação técnica que se façam necessários. Ao nível central, os CERESTs Estaduais participam da elaboração e execução da política de saúde do trabalhador, apoiam as equipes regionais e contribuem na estruturação da rede sentinela e nas ações de vigilância em saúde municipais. Diante da necessidade de seguir avançando na construção de um sistema eficaz de proteção à saúde dos trabalhadores na área de abrangência do CEREST Regional Florianópolis, este trabalho pretende contribuir com 174 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 Jeancarlo Menegon # Luis Carlos Cancellier de Olivo # Isadora de Souza Bernardini o debate interinstitucional democrático sobre as ações de fiscalização dos ambientes e processos de trabalho. Propõe uma análise parcial das diretrizes regionais de desenvolvimento da Política Nacional de Segurança e Saúde do Trabalhador por meio da observação das metodologias operacionais adotadas e dos mecanismos de gestão e fomento das ações de prevenção aos acidentes e agravos à saúde dos trabalhadores. 2 Metodologia Este artigo foi elaborado com base na atual experiência do autor como Fiscal de Vigilância em Saúde de Florianópolis atualmente lotado no CEREST Regional Florianópolis, em informações obtidas junto a gestores de órgãos aqui abordados, no estudo de documentos e leis, bem como na sua participação como representante do CEREST regional no Fórum de Saúde e Segurança do Trabalhador no Estado de Santa Catarina, colegiado estadual com poderes de revisão e articulação das políticas e ações locais em saúde do trabalhador e que reúne representantes de sindicatos, empresas e entidades públicas de proteção aos trabalhadores. Os pontos abordados foram discutidos individualmente com a coordenação e servidores do Centro, de modo a colher informações, opiniões e sugestões a respeito do trabalho desenvolvido no órgão. 3 Morbimortalidade em Trabalhadores de Santa Catarina Desde 2004, a notificação de acidentes graves de trabalho é obrigatória. Este conceito abrange aqueles onde ocorrem amputações, óbito ou que envolvem crianças e adolescentes. De acordo com dados da Secretaria de Vigilância em Saúde, do Ministério da Saúde, em 2010, o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) registrou 38 acidentes fatais com trabalhadores em Santa Catarina. A incidência de acidentes graves foi de 10,55 casos por 100.000 habitantes em idade laboral. Dos 1.984 acidentes notificados em 2010, 76% referem-se a acidentes com material biológico e intoxicação exógena. Santa Catarina detém 22% da população da Região Sul do Brasil, tendo notificado 22% do total dos acidentes de trabalho, observando-se um equilíbrio proporcional na região quanto ao número de acidentes notificados / total de habitantes. Aproximadamente 75% da população catarinense encontram-se dentro da faixa etária produtiva. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 175 A Vigilância Sanitária e a Proteção da Saúde dos Trabalhadores: análise do sistema regional A seguir, a Tabela 1 apresenta dados relacionados aos agravos pertencentes à Lista de Notificação Compulsória em Unidades Sentinelas (LNCS). Tabela 1: Número de notificações de agravos relacionados ao trabalho* em Santa Catarina e na Região Sul em 2010 Agravo Santa Catarina Região Sul 1.239 4.893 Acidentes Graves 406 2.748 Intoxicações exógenas 270 1.014 LER/DORT 56 264 Dermatoses ocupacionais 9 15 Transtornos mentais 3 48 Pneumoconioses 1 18 Perda auditiva induzida por ruído 0 6 Câncer 0 0 1.984 9.006 Acidentes com material biológico Total *Agravos do Anexo 3 da Port. GM/MS n. 104, de 2011 e intoxicação exógena relacionada ao trabalho. Fonte: UT-SINAN/SVS/MS 4 O CEREST Regional Florianópolis A Portaria MS n. 1.679, de 19 de setembro de 2002 (BRASIL, 2002), instituiu a Rede Nacional de Atenção Integral à Saúde do Trabalhador (RENAST), destinando à Santa Catarina recursos federais para a implantação de um Centro de Referência Estadual em Saúde do Trabalhador e dois Centros Regionais de Referência. O CEREST Regional Florianópolis foi habilitado através da Portaria MS n. 653, de 19 de setembro de 2006. Tem na sua área de referência 25 municípios, que, conforme dados último censo demográfico, totalizam 1.140.634 habitantes, representando 18% da população de Santa Catarina (IBGE/2010). Os municípios são: Águas Mornas, Alfredo Wagner, Angelina, Anitápolis, Antônio Carlos, Botuverá, Biguaçu, Brusque, Canelinha, Florianópolis, Garopaba, 176 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 Jeancarlo Menegon # Luis Carlos Cancellier de Olivo # Isadora de Souza Bernardini Governador Celso Ramos, Guabiruba, Leoberto Leal, Major Gercino, Nova Trento, Palhoça, Paulo Lopes, Rancho Queimado, Santo Amaro da Imperatriz, São Bonifácio, São João Batista, São José, São Pedro de Alcântara e Tijucas. O Centro encontra-se junto à Secretaria Municipal de Saúde de Florianópolis, e subordinado à Diretoria de Vigilância em Saúde de Florianópolis. O serviço possui dez servidores municipais lotados, sendo um coordenador, um técnico com formação superior em saúde, seis fiscais de vigilância em saúde, um técnico operacional e um técnico administrativo; possui também sete veículos próprios e encontra-se suficientemente equipado para a realização das ações de fiscalização em saúde do trabalhador que lhe são incumbidas. A unidade regional do CEREST de Florianópolis recebe recursos financeiros do Fundo Nacional da Saúde, no montante de R$ 360 mil anuais, para a realização de ações de promoção, prevenção, vigilância, assistência e reabilitação em saúde dos trabalhadores. Esses recursos são gerenciados pelo Fundo Municipal de Saúde. Atualmente, as ações desenvolvidas referem-se majoritariamente ao atendimento de solicitações de fiscalizações em ambientes de trabalho formuladas pelo Ministério Público do Trabalho. 5 Fiscalização Sanitária em Saúde do Trabalhador A Lei Orgânica da Saúde, Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990, que estabelece os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS), inclui no seu campo de atuação, a execução de ações de vigilância sanitária, de vigilância epidemiológica e de saúde do trabalhador; e assim as define em seu artigo 6º: § 1º – Entende-se por vigilância sanitária um conjunto de ações capaz de eliminar, diminuir ou prevenir riscos à saúde e de intervir nos problemas sanitários decorrentes do meio ambiente, da produção e circulação de bens e da prestação de serviços de interesse da saúde [...] § 2º – Entende-se por vigilância epidemiológica um conjunto de ações que proporcionam o conhecimento, a detecção ou prevenção de qualquer mudança nos fatores determinantes e condicionantes de saúde individual ou coletiva, com a finalidade de recomendar e adotar as medidas de prevenção e controle das doenças ou agravos. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 177 A Vigilância Sanitária e a Proteção da Saúde dos Trabalhadores: análise do sistema regional § 3º – Entende-se por saúde do trabalhador, para fins desta lei, um conjunto de atividades que se destina, através das ações de vigilância epidemiológica e vigilância sanitária, à promoção e proteção da saúde dos trabalhadores, assim como visa a recuperação e a reabilitação da saúde dos trabalhadores submetidos aos riscos e agravos advindos das condições de trabalho [...]. Entendidos estes conceitos, a lei estabelece que compete aos gestores municipais executar serviços de vigilância epidemiológica, de vigilância sanitária e de saúde do trabalhador. Neste sentido, reitera-se por meio do artigo 9º, parágrafo I, da Portaria n. 1.823/12, que institui a Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora: “[...] incorporação, pelas equipes de vigilância sanitária dos Estados e Municípios, de práticas de avaliação, controle e vigilância dos riscos ocupacionais nas empresas e estabelecimentos [...]”. Já o parágrafo I do artigo 13, define que compete aos gestores municipais executar as ações e serviços de saúde do trabalhador. Explicita-se assim a competência e importância da fiscalização das vigilâncias sanitárias municipais nos ambientes e processos de trabalho como estratégia de descentralização e universalização da proteção da saúde dos trabalhadores. Mesmo detendo poder legítimo, conforme exposto, a fiscalização sanitária em saúde do trabalhador somente poderá ocorrer observando-se o princípio da legalidade. Apesar de deter poder de polícia administrativa, o inspetor sanitário deve subsidiar suas ações por meio de arcabouço legal correspondente. Dos 25 municípios da Regional Florianópolis, apenas a capital possui código sanitário próprio instituído pela Lei Complementar Municipal n. 239, de 10 de agosto de 2006, cujo artigo 48 trata especificamente da saúde do trabalhador. Art. 48 Entende-se por saúde do trabalhador uma ação contínua e sistemática, ao longo do tempo, no sentido de detectar, conhecer, pesquisar e analisar os fatores determinantes e condicionantes dos problemas de saúde relacionados aos processos e ambientes de trabalho, em seus aspectos tecnológico, social e epidemiológico, com a finalidade de avaliar, planejar e intervir sobre eles, de forma a prevenir, eliminar ou diminuir os agravos à saúde dos trabalhadores, abrangendo: I – realização de ações de Vigilância em Saúde, de acordo com a Legislação Federal e Estadual vigentes, inclusive a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), relacionadas direta ou indiretamente 178 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 Jeancarlo Menegon # Luis Carlos Cancellier de Olivo # Isadora de Souza Bernardini à saúde do trabalhador, nos ambientes de trabalho públicos e privados; II – execução de ações de inspeção em ambientes de trabalho, visando ao cumprimento da legislação sanitária vigente, incluindo a análise dos processos de trabalho que possam colocar em risco a saúde dos trabalhadores; [...]. Devido à ausência de lei própria, os demais municípios necessitam utilizar outras normas legais existentes. A legislação estadual é anterior à própria Constituição Federal. No campo da fiscalização sanitária em saúde do trabalhador, o melhor à disposição é o Decreto Estadual n. 24.622, de 28 de dezembro de 1984, mais especificamente, os artigos 20 ao 25, que tratam da saúde de terceiros. Além destes, a Constituição Federal oferece os artigos 196, 197 e o 200, que afirma ter o SUS competência para “[...] executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador.” (BRASIL, 1988) Ao utilizar termos como participação e colaboração a Lei Orgânica da Saúde é desvirtuada de forma a ser utilizada para contestar a competência da vigilância sanitária nas inspeções em ambientes e processos de trabalho. Comumente faz-se referência ao artigo 6º da Lei n. 8.080/90, que trata do campo de atuação do SUS, e que se encontra assim redigido “[...] a colaboração na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho” (BRASIL, 1990). Não bastando que as leis trabalhistas atribuam a responsabilidade de fiscalização às delegacias do trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego, a falta de ênfase reverte contrariamente às diretrizes sociogovernamentais; estas felizmente foram restauradas em seu vigor pela estratégia de representação em comitê tripartite, instituída em portaria interministerial em 2008. Esta comissão foi formada observando a representação igualitária e permanente de delegados dos trabalhadores, de empregadores e do Governo Federal. Como resultado da efetiva participação social na gestão da saúde, surge a Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora, instituída pela Portaria Ministerial da Saúde, n. 1.823, de 23 de agosto de 2012, e que, conforme se lê em seu artigo 2º, tem por finalidade: [...] definir os princípios, as diretrizes e as estratégias a serem observados pelas três esferas de gestão do Sistema Único de Saúde (SUS), para o desenvolvimento da atenção integral à saúde do trabalhador, com ênfase na vigilância, visando a pro- Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 179 A Vigilância Sanitária e a Proteção da Saúde dos Trabalhadores: análise do sistema regional moção e a proteção da saúde dos trabalhadores e a redução da morbimortalidade decorrente dos modelos de desenvolvimento e dos processos produtivos. Essa portaria do Ministério da Saúde é a mais recente instrumento legal a tratar da saúde dos trabalhadores. Ela vem ao encontro das demandas da sociedade para que os gestores municipais do SUS assumam definitivamente o seu papel na execução das ações em saúde do trabalhador conforme preconizado na Lei Orgânica da Saúde, definindo oportunamente que os municípios atualizem e revisem os seus códigos de saúde, com inserção de disposições sobre a vigilância em saúde do trabalhador. Abre-se aí mais uma frente de apoio matricial para os CERESTs realizarem junto aos municípios e estado – auxiliar na elaboração da legislação sanitária referente à promoção de ambientes e processos de trabalho saudáveis. Mantendo o modelo de gestão compartilhada, os Centros Regionais e Estadual em conjunto com as outras entidades em número superior àquelas envolvidas em nível federal, reunidos em fórum, têm legitimidade para aperfeiçoar a legislação sanitária disponível em Santa Catarina, de forma a consolidar definitivamente a inspeção sanitária em ambientes e processos de trabalho. Ha que se superar o embate que já se encontra nas instâncias recursais superiores, e que se refere à atribuição dos fiscais sanitaristas para desempenhar suas atividades em saúde do trabalhador. Porém, apesar de os municípios da Regional contarem com 135 inspetores sanitários, número expressivamente superior ao efetivo de fiscais que o Ministério do Trabalho e Emprego dispõe para fiscalizar todo o estado, e do espectro comparativamente ampliado de atendimento, garantindo os direitos de todos os trabalhadores independentemente do seu vínculo ou inserção, sete municípios da Regional Florianópolis possuem apenas um fiscal e nove municípios possuem dois. Considerando-se a amplitude de ações desenvolvidas por essa fiscalização, é improvável que municípios com quadros tão precários quanto ao número de fiscais e o tipo de vínculo com a função alcancem índices desejáveis de efetividade independentemente de encontrarem-se capacitados pelo CEREST Estadual para ampliarem o foco das inspeções sanitárias a fim de contemplar aspectos tão complexos e diversos quanto os relacionados aos processos de trabalho e os ambientes onde são realizados. Corre-se o risco de manter o atual cenário em que a fiscalização ocorre apenas depois que os acidentes já aconteceram. 180 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 Jeancarlo Menegon # Luis Carlos Cancellier de Olivo # Isadora de Souza Bernardini A prevenção é intima ao conceito de vigilância sanitária. Os alvarás sanitários são instrumentos de vistoria programada aos estabelecimentos e serviços de interesse da saúde. É uma metodologia de trabalho que obtém controle sanitário adequado, promove a saúde e previne agravos. Excetuando-se a capital, observa-se que os demais municípios da regional não executam as ações de vigilância em saúde do trabalhador através das ações de vigilância epidemiológica e de vigilância sanitária, que pode ser a razão pela qual o Ministério Público do Trabalho encaminha ao CEREST Regional Florianópolis as requisições de vistorias em atividades de trabalho nestes municípios. Essa prática possivelmente subverte o papel de apoio deste centro de referência ao ponto de sugerir uma hierarquia inexistente em que o CEREST sobrepõe-se a fiscalização sanitária municipal, desconsiderando inclusive que os fiscais de Florianópolis não detêm poder de polícia administrativa fora da sua comarca e por isso não podem fiscalizar autonomamente nestas cidades. Situação esta que poderia ser sanada com o credenciamento dos fiscais do Centro, através da Vigilância Sanitária Estadual, para que possam atuar com poder de polícia em todos os 25 municípios da regional. Como prestador de retaguarda técnica, o CEREST deve colocar-se à disposição das vigilâncias para subsidiar sua fiscalização com informações e apoio matricial. Os municípios incumbidos de realizarem as ações podem sempre solicitar o suporte que acharem necessário. No fluxo atual, os fiscais do CEREST obrigatoriamente têm que atender aos despachos do Ministério Público acompanhados dos fiscais locais. Essa fórmula mantém as gestões municipais em confortável inércia quanto às ações em saúde do trabalhador, tendo em vista que se estabeleceu na prática que essas fiscalizações são de competência do CEREST. Além de protelar a inclusão das ações pelos gestores das cidades, tal situação cria um gargalo, que é a capacidade operacional do CEREST de prestar acompanhamento em inspeções em todos os municípios da sua área de referência. Ocorre que, como a demanda surge em vetor contrário, ao gestor municipal pouco lhe dá o decurso dos prazos estipulados pelo Parquêt. A ocorrência mais comum é a negativa de contato para agendar inspeção. Da mesma forma, quando a inspeção ocorre, o CEREST deve aguardar os autos e o relatório exarados pelos fiscais locais, para então dar encaminhamento ao requerente, burocratizando ainda mais o processo sanitário e dilatando os prazos. Os municípios devem possuir a autonomia necessária para desenvolverem as suas próprias ações de vigilância em saúde do trabalhador. Um importante instrumento que subsidiou a descentralização das ações de vigilância Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 181 A Vigilância Sanitária e a Proteção da Saúde dos Trabalhadores: análise do sistema regional em saúde é o roteiro de inspeção fornecido pela Vigilância Estadual. Trata-se de uma lista de verificação de itens a serem observados na inspeção para a concessão do alvará sanitário. Mais do que um guia, é um processo formativo e de instrução de objetivos a serem cumpridos pelo fiscal durante a vistoria. A análise desses roteiros revela a possibilidade de aprofundar aspectos da saúde e segurança dos trabalhadores nos estabelecimentos e atividades vistoriadas. Assumir a autonomia das ações de vigilância em saúde do trabalhador tem implicações financeiras e políticas aos gestores e aos municípios. O sistema atual de pactuação de ações de vigilância em saúde prevê repasses de verbas para o custeio das responsabilidades assumidas. Essa pactuação não está formalizada na quase totalidade dos municípios abordados, porém há que se enfatizar que a vigilância sanitária objetiva eliminar, diminuir ou prevenir riscos à saúde, intervindo nos problemas sanitários decorrentes do meio ambiente, da produção e circulação de bens e da prestação de serviços de interesse da saúde, e que nenhum estabelecimento que apresente riscos significativos à segurança e saúde dos seus trabalhadores deva ser considerado apto para receber o alvará sanitário. Assim posto, é admissível que essas ações em saúde do trabalhador já estejam, mesmo que precariamente, incorporadas aos procedimentos de inspeção existentes. 6 Considerações Finais A obtenção de ambientes e processos de trabalho saudáveis depende do sucesso na incorporação das práticas sanitárias de vigilância em saúde do trabalhador pela totalidade da gestão do Sistema Único de Saúde. O modelo federal de comissão representativa igualitária dos agentes governamentais, empregadores e trabalhadores mostrou-se uma iniciativa eficiente para o aperfeiçoamento do sistema. Esse sistema interlocutório em nível estadual precisa ser fortalecido nas assembleias do fórum em saúde do trabalhador, atento ao clamor social e com ações afirmativas de fortalecimento das vigilâncias em saúde dos municípios. Da mesma forma, cabe ao CEREST Regional de Florianópolis impor-se como polícia sanitária em defesa dos trabalhadores em todos os municípios de sua área de abrangência. O atual sistema apresenta limitações importantes e que devem ser sanadas para que a política nacional de segurança e saúde das trabalhadoras e trabalhadores alcance os objetivos a que se propõe. 182 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 Jeancarlo Menegon # Luis Carlos Cancellier de Olivo # Isadora de Souza Bernardini Referências BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 5 de outubro de 1988. Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 30 set. 2012. ______. IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo 2010. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/ censo2010/tabelas_pdf/total_populacao_santa_catarina.pdf.htm>. Acesso em: 28 set. 2012. ______. Ministério da Saúde. Portaria n. 1.679/GM, de 19 de setembro de 2002. Dispõe sobre a estruturação da rede nacional de atenção integral à saúde do trabalhador no SUS e dá outras providências. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 20 set. 2002. Disponível em: <http:// dtr2001.saude.gov.br/sas/PORTARIAS/Port2002/Gm/GM-1679.htm>. Acesso em: 1º out. 2012. ______. Ministério do Trabalho. Portaria n. 3.214, de 8 de junho de 1978. Aprova as Normas Regulamentadoras do capítulo V, título II, da Consolidação das Leis do Trabalho, relativas à segurança e medicina do trabalho. 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Portaria Interministerial MPS/MTeE/MS n. 152, de 13 de maio de 2008. Institui a Comissão Tripartite de Saúde e Segurança no Trabalho. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 15 mai. 2008. Disponível em: <http://www81.dataprev.gov.br/sislex/paginas/65/MPS-MTE-MS/2008/152. htm>. Acesso em: 30 set. 2012. ______. Portaria SAS n. 653, de 19 de Setembro de 2006. Habilita os Centros de Referência em Saúde do Trabalhador – CEREST, para realizar os procedimentos previstos na Portaria GM/MS n. 2.437, de 7 de dezembro de 2005. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 20 set. 2006. Disponível em: <http://dtr2001.saude.gov.br/sas/PORTARIAS/Port2006/PT-653.htm>. Acesso em: 29 set. 2012. ______. Ministério da Saúde. Portaria n. 3.120, de 1º de julho de 1998. Aprova a instrução normativa de Vigilância em Saúde do Trabalhador no SUS. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 14 jul. 1998. 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Acesso em: 30 set. 2012. 184 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 Jeancarlo Menegon # Luis Carlos Cancellier de Olivo # Isadora de Souza Bernardini ______. Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8080.htm>. Acesso em: 30 set. 2012. ______. Lei n. 6.514, de 22 de dezembro de 1977. Altera o capítulo V do Título II da Consolidação das Leis do Trabalho, relativo à segurança e medicina do trabalho. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 23 dez. 1977. Disponível em: <www81.dataprev.gov.br/sislex/paginas/42/1977/6514. htm>. Acesso em: 28 set. 2012. ______. Lei n. 8.142, de 28 de dezembro de 1990. Dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) e sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde e dá outras providências. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 31 dez. 1990. Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8142. htm>.Acesso em: 28 set. 2012. FLORIANÓPOLIS, Prefeitura Municipal. Lei Complementar Municipal n. 239, de 10 de agosto de 2006. Institui o Código de Vigilância em Saúde, dispõe sobre normas relativas à saúde no município de Florianópolis, estabelece penalidades e dá outras providências. Diário Oficial do Estado de Santa Catarina, Florianópolis, SC, 16 ago. 2006. Disponível em: <http://www. jusbrasil.com.br/legislacao/1019895/lei-complementar-239-06-florianopolis-0. htm>. Acesso em: 30 set. 2012. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 185 Controle e Avaliação do SUS em Florianópolis: uma análise do processo de conferência da produção de prestadores privados Aluna: Fabrícia Vasco1 Orientador: João Rogerio Sanson2 Tutora: Juliana Pereira3 Resumo Abstract Dentre as formas de controle e avaliação do Sistema Único de Saúde (SUS) municipal, há o processo de conferência da produção dos prestadores privados que prestam serviços de saúde ao SUS, objeto de estudo nesta pesquisa, em que se busca encontrar quais critérios influenciam na efetividade da operacionalização deste processo. Para isso, descreve-se toda a hierarquia da gestão do SUS em Florianópolis até chegar ao ponto de estudo, como também todo o processo de conferência da produção SUS. Utiliza-se o fluxograma para compreender o ritmo atual de trabalho do processo, tendo em vista a demanda, o tempo e a atividade em si, considerando o escopo dos contratos/convênios, e também os princípios do SUS. Among the control and evaluation forms used by the Sistema Unico de Saude (SUS), there is production conference process of the private providers, whom offer health service to SUS, and which is the goal of our research, that intends to find which criteria do influence the operational effectiveness of the process. Thus, this research describes the entire management hierarchy of Florianopolis´SUS, in order to reach the target of this study, as well as the entire SUS´ process of production conference. The flowchart tool is used for the understanding of the current work flow process, considering its demand, time, and the service in itself, while also considering the contracts/deals, as well as SUS´principles. Palavras-chave: Sistema Único de Saúde. Key words: Unified Health System. Public Gestão da Saúde Pública. Mapeamento de Health Management. Process Mapping. Processos. 1 Bacharel em Biblioteconomia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), 2004; Técnica em Segurança do Trabalho pela antiga Escola Técnica Federal de Santa Catarina (ETFSC), 1999. E-mail: [email protected]. 2 Doutor em Economia (PhD, 1979), e mestre em Desenvolvimento Econômico (MA, 1973), ambos pela Universidade Vanderbilt, EUA . E-mail: [email protected]. 3 Especialista em Gestão de Pessoas nas Organizações e Bacharel em Administração pela Universidade Federal Santa Catarina (UFSC). E-mail: [email protected]. Fabrícia Vasco # João Rogerio Sanson # Juliana Pereira 1Introdução Segundo Meirelles (apud BÄCHTOLD, 2008, p. 26), a administração pública “[...] é todo o aparelhamento do Estado, preordenado à realização de seus serviços, visando à satisfação das necessidades coletivas [...]” e de acordo com o Conselho Nacional de Secretários da Saúde (CONASS), a [...] administração Pública é a ordenação (planejamento e organização), direção e controle dos serviços do governo, nas esferas federal, estadual e municipal, segundo os preceitos do direito e da moral, visando ao bem comum. (BRASIL, 2011a, p. 13) Sendo assim, a Constituição Federal de 1988 consagrou a saúde como “direito de todos e dever do Estado”. Dessa forma, [...] o SUS foi criado pela Constituição Federal de 1988 e regulamentado pelas Leis n. 8.080/90 e n. 8.142/90. A partir daí, vem sendo, socialmente, construído especialmente por meio de Normas Operacionais feitas em consenso pelas três esferas de governo e materializadas em Portarias Ministeriais. (BRASIL, 2011b, p. 32) O Sistema Único de Saúde (SUS) é formado pelo conjunto das ações e de serviços de saúde sob a gestão pública e está estabelecido em redes hierarquizadas e regionalizadas, atuando em todo o território nacional, com uma única direção em cada esfera de governo. O município tem as seguintes atribuições e competências: planejar, organizar, executar, controlar e avaliar ações e serviços de saúde. A Lei n. 8.142, de 28 de dezembro de 1990, dispõe sobre as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde propondo o repasse de forma regular e automática para municípios, estados e Distrito Federal, referentes à cobertura dos serviços e das ações de saúde para investimentos na rede de serviços, cobertura assistencial hospitalar e ambulatorial e demais ações de saúde. A aprovação do Pacto pela Saúde, em 2006, POR MEIO da Portaria n. 399/GM, reafirmou o compromisso dos gestores de saúde, das três esferas de governo, com os princípios e as diretrizes do SUS, uma vez que os estados e os municípios passaram a ser responsáveis pela aplicação dos recursos Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 187 Controle e Avaliação do SUS em Florianópolis: uma análise do processo de conferência da produção de prestadores privados financeiros destinados ao custeio da produção de serviços ambulatoriais e hospitalares. Por isso, a descentralização do SUS exige que o controle sobre as ações e serviços esteja efetivamente implantado. Sendo as organizações “[...] entidades sociais dirigidas por metas, desenhada como sistemas de atividades deliberadamente estruturadas e coordenadas por agentes ligados ao meio externo [...]” (DAFT, 2002 apud PRÉVE, 2012, p. 103) e sistema “[...]um conjunto de elementos interconectados cuja transformação de uma das partes influência todas as demais [...]” (DE SORDI, 2008 apud PRÉVE, 2012, p. 78), o processo é uma série de ações que produz um resultado que agrega valor ao produto ou ao serviço e que por isso deve ser mapeado para manter estável a rotina de trabalho e implementar melhorias quando for o caso. Dentre as formas de controle no SUS, há o processo de conferência da produção do SUS de prestadores privados contratualizados, que faz parte das atividades da Gerência de Controle e Avaliação e é o objeto de estudo nesta pesquisa, onde se busca encontrar quais critérios influenciam na efetividade da operacionalização deste processo sob a gestão da Secretaria Municipal de Saúde de Florianópolis. Para isso, descreve-se toda a hierarquia até chegar ao ponto de estudo, como também todo o processo de conferência da produção do SUS. Utiliza-se a ferramenta fluxograma para compreender o fluxo atual de trabalho deste processo, tendo em vista a demanda, o tempo e a atividade em si e levando em consideração o escopo dos contratos/convênios, como também os princípios do SUS, que são: universalidade – a garantia de atenção à saúde a todo e qualquer cidadão; equidade - a garantia de que todo cidadão é igual perante o SUS; integralidade – a compreensão de que o homem é um ser integral e deverá ser atendido por um sistema integrado pelas ações que visam promover, proteger e recuperar a saúde. 2 A Gestão do SUS em Florianópolis As Leis n. 8.080/90 e 8.142/90 “[...] consolidam o papel do município como principal executor das ações de saúde, caracterizando ampliação do processo de descentralização.” (SOUZA; COSTA, 2010, p. 511) Em de 20 de julho de 2007, o município de Florianópolis, que sempre se preocupou tão somente com a Atenção Primária, adere ao Pacto pela 188 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 Fabrícia Vasco # João Rogerio Sanson # Juliana Pereira Saúde. Com isso, deixa de se responsabilizar apenas pela Atenção Básica e assume também a Média e a Alta Complexidade dos serviços de saúde. Passa então a responder pelo seu verdadeiro papel de gestor do sistema de saúde oferecendo atendimento integral e resolutivo aos seus cidadãos. O Pacto pela Saúde possui três componentes: o Pacto pela Vida, o Pacto de Gestão e o Pacto em Defesa do SUS. É um grande acordo entre as três esferas de gestão do SUS com ênfase na integralidade das ações e serviços de saúde, incluindo as vigilâncias, e procura implantar o SUS na forma preconizada na Constituição Federal. Ou seja, conforme Silva, Souto Jr. e Bretas Jr. (2008, p. 104) : [...] o Pacto pela Saúde, a partir de 2006,inaugura um novo momento, no qual se manifesta a intenção de romper com a predominância do padrão normativo e prescritivo vigente anteriormente e de inaugurar uma forma de implementação em que a pactuação entre os gestores – particularmente nas regiões de saúde – passe a ser a principal estratégia. Essa adesão abriu as portas para a implementação do Complexo Regulador de Florianópolis simultaneamente com a estruturação das policlínicas, o que trouxe como consequência a organização do acesso para a realização de consultas e exames especializados, diminuindo as históricas filas de espera. No documento do Pacto pela Saúde, as centrais de regulação que compõem o Complexo Regulador constituem uma das estratégias de Regulação Assistencial, consistindo na articulação e integração da Regulação de Urgência, de Internações e de Consultas e Exames com os setores de Controle, Avaliação e Contratação de Serviços. Além disso, a Norma Operacional Básica do Sistema Único de Saúde (NOB/SUS/93) estabeleceu [...] a estrutura de Controle e Avaliação para as diversas esferas de governo (REMOR, 2010, p. 38); e a NOB/SUS/96 [...] exigiu que estados e municípios comprovassem capacidade de contratação, controle, avaliação, auditoria e pagamentos dos serviços, conforme especificidade de cada condição de gestão em que se habilitassem. (MENDONÇA; REIS; MORAES, 2006, p. 21) Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 189 Controle e Avaliação do SUS em Florianópolis: uma análise do processo de conferência da produção de prestadores privados E, a partir de 2000, o Ministério da Saúde ratificou a separação entre auditoria e as ações de controle e avaliação. Ao controle e avaliação caberia o monitoramento contínuo das ações e serviços desenvolvido no âmbito do SUS. 2.1A Gerência de Controle e Avaliação do SUS em Florianópolis Conforme o CONASS, além da assistência no SUS ser baseada na regionalização e hierarquização, ao longo dos anos estabeleceu-se que: [...] as ações e procedimentos se dispusessem em dois blocos, sendo um relativo à atenção primária, e o outro, que contempla as ações de média e alta complexidade ambulatorial e hospitalar. Dessa forma, foram definidos sistemas de informação, de pagamento, e de controle, avaliação e regulação. As ações e procedimentos considerados de média e alta complexidade ambulatorial e hospitalar se constituem para os gestores em um importante elenco de responsabilidades, serviços e procedimentos relevantes para a garantia da resolutividade e integralidade da assistência ao cidadão. (BRASIL, 2011b, p. 11) Após o município de Florianópolis assumir o Pacto de Gestão, houve mudanças no Complexo Regulador. A então Coordenação de Controle e Avaliação, depois da criação do organograma da Secretaria Municipal de Saúde de Florianópolis em 2009, passou a ser a Gerência de Controle e Avaliação (GCOA), subordinada à Diretoria de Regulação, Auditoria, Avaliação e Controle (DRAAC) juntamente com a Gerência de Regulação (GREG). De acordo com Remor (2003, p. 21) [...] o Controle, Avaliação e a Auditoria são atividades inerentes ao Sistema, dado que a rede assistencial do SUS é composta por serviços públicos e por serviços da iniciativa privada. Conforme o art. 197 da Constituição Federal de 1988, a saúde é um serviço de utilidade pública e, portanto, pode ser prestado pela iniciativa privada, mas sujeito às normas, ao controle e à fiscalização do poder público. E, embora o art. 199 diga que a iniciativa privada participará do SUS como uma rede de serviço complementar, ela corresponde à maioria dos serviços de média e de alta complexidade, sendo por isso, o maior alvo da fiscalização por parte dos gestores do SUS. 190 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 Fabrícia Vasco # João Rogerio Sanson # Juliana Pereira O sistema privado tem estabelecido parcerias com o SUS, em caráter complementar de ações, devido à insuficiência na disponibilidade e oferta de determinados serviços públicos. Essa participação do setor privado no SUS é mais pronunciada na atenção hospitalar e na oferta de serviços especializados de alto custo e densidade tecnológica, que o sistema público não pode alcançar devido à insuficiência de investimentos. (VASCONCELOS; PASCHE, 2006 apud SOUZA; COSTA, 2010, p. 513) A contratualização é a formalização de relações pactuadas entre gestores e prestadores estabelecendo obrigações recíprocas e definindo demandas e objetivos, metas qualitativas e quantitativas, obrigações e responsabilidades de cada parte envolvida. Atualmente, esta Gerência de Controle e Avaliação conta com aproximadamente 40 prestadores privados contratualizados ao SUS em Florianópolis, que oferecem serviços de saúde de média e alta complexidade, ou seja, desde um simples exame de laboratório a uma ressonância magnética, por exemplo. 2.1.1 O Processo de Conferência da Produção SUS Contratualizada Na verdade, o processo de conferência da produção SUS contratualizada nada mais é do que uma auditoria prévia ou Auditoria Analítica, que consiste na análise de relatórios, processos e documentos, com a finalidade de subsidiar a verificação in loco, compondo o planejamento da Auditoria Operativa, se for o caso, pois pode também se configurar em um fim em si mesma, sem necessariamente gerar uma ação operativa. A conferência da produção é uma atividade de verificação preliminar que possibilita a compatibilização dos valores cobrados com os autorizados, e indica que os recursos foram aplicados conforme o programado. Trata ainda da conferência, do confronto entre o conteúdo do Boletim de Produção Ambulatorial (BPA) versus os comprovantes dos atendimentos. Pode ser realizada por amostragem, priorizando determinados procedimentos estratégicos de acordo com o porte e complexidade da rede local. Dessa forma, a conferência da produção funciona como um elo entre o controle, a avaliação e a auditoria, uma vez que, por meio da observação, Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 191 Controle e Avaliação do SUS em Florianópolis: uma análise do processo de conferência da produção de prestadores privados da análise e da constatação de irregularidades da produção dos prestadores, demanda-se uma apuração mais detalhada e, se necessário, as ações de auditoria, como já citado. O processo de conferência da produção está dividido em revisão técnica e em revisão administrativa que resultam em aprovação total, ou seja, o que foi cobrado no BPA está devidamente comprovado, ou em aprovação parcial indicando que houve cobrança não comprovada e/ou comprovantes inadequados. Inicialmente confere-se o quantitativo apresentado com o objetivo de verificar a veracidade entre o cobrado e o comprovado, também realiza-se a verificação dos quantitativos cobrados, validados e reprovados pela revisão técnica, comparando-os com o BPA, e apontam-se as divergências para a confecção das glosas. Tudo é registrado em planilhas informatizadas em que são descritos os procedimentos reprovados para elaboração de Relatórios de Glosas, que são utilizados para a confecção da planilha de pagamento dos prestadores e posterior pedido de Notas Fiscais deles para ser efetuado o pagamento por seus serviços devidamente prestados, como também para serem apresentados aos prestadores em caso de dúvidas no faturamento. 3 Mapeamento de Processos De acordo com Campos e Lima (2012, p. 15) [...] o mapeamento auxilia a organização a enxergar claramente os pontos fortes, pontos fracos (pontos que precisam ser melhorados tais como: complexidade na operação, reduzir custos, gargalos, falhas de integração, atividades redundantes, tarefas de baixo valor agregado, retrabalhos, excesso de documentação e aprovações), além de ser uma excelente forma de melhorar o entendimento sobre os processos e aumentar o desempenho das atividades. Entende-se que os processos são atividades logicamente relacionadas que, usando recursos do negócio, produzem resultados reais, adicionando valor a cada etapa (Figura 1). Segundo Campos ([2009, p. 7) [...] toda organização existe para realizar trabalhos que agregam valor, sendo que todo trabalho é realizado por uma rede de 192 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 Fabrícia Vasco # João Rogerio Sanson # Juliana Pereira processos. Numa organização, a rede de processo é bastante complexa e não uma simples estrutura seqüencial. Todo processo tem, em sua essência, uma hierarquia funcional vinculada aos macroprocessos da organização; por isso é tão importante mapeá-los para identificar os fluxos de trabalho, chegando-se então a uma visão global de todo o processo, ou de partes dele, o que permite a redefinição dos processos da organização se necessário (Figura 2). Para Cardoso et al. (2011, p. 38), [...] a visualização de apenas um processo torna evidente as especificidades do mesmo, como cada etapa e atividade que o compõe, para que assim seja facilitada a identificação de possíveis problemas e gargalos que impedem o desenvolvimento das áreas e conseqüentemente da instituição. Figurade 1:uHierarquia de um processo Figura 2: Hierarquia m processo Fonte: pCampos Fonte: Campos ([2009?], . 5) ([2009, p. 5) A forma usual para a confecção do mapeamento de processo chama-se fluxograma, que é uma ferramenta de gestão utilizada para mapear as rotinas, tarefas e atividades inerentes ao processo, como também pode ser entendida como sua representação visual esquemática. (FERRAZ JR.; SALLES, 2011, p. 2) Durante a sua elaboração são identificadas e relacionadas todas as ações do processo a ser mapeado, seguindo uma sequência lógica, onde as ações são inseridas dentro de figuras geométricas interligadas por meio de Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 193 Controle e Avaliação do SUS em Florianópolis: uma análise do processo de conferência da produção de prestadores privados setas que identificam a o fluxo de trabalho. Para facilitar o entendimento do fluxograma, apresenta-se a seguir, no Quadro 1, os símbolos que compõem o fluxograma da Figura 2 e seus respectivos significados. Quadro 1: Simbologia adotada na elaboração de fluxogramas Fonte: Adaptado de Mortele (2012) 3.1 Mapeamento do Processo em Discussão Agora que já se conhece um pouco sobre a ferramenta Fluxograma e mapeamento de processos, como também as etapas do objeto de estudo, pode-se observar a Figura 2, que é uma representação gráfica do passo a passo das atividades do processo de conferência dos prestadores contratualizados ao SUS na SMS Florianópolis. Diante do exposto, mostra-se uma releitura do fluxograma da conferência (Figura 2) já existente no setor e que se refere a todo o processo da DRAAC, focando apenas as atividades efetivas da parte da conferência em si. Nesse caso, trata-se de um fluxograma horizontal, que tem como objetivo descrever todos os eventos e possui várias vantagens, tais como: auxilia 194 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 Fabrícia Vasco # João Rogerio Sanson # Juliana Pereira na localização das falhas e deficiências; é um método fácil de localização de pontos fortes e pontos que requerem melhorias; facilita a inclusão de atualizações ou modificações, exibindo os pontos de alteração de forma clara e imediata; permite comparações entre vários fluxos ou várias alternativas de soluções; padroniza as eventuais transcrições, facilitando o trabalho de leitura e restringindo a quantidade de interpretações; descreve qualquer tipo de rotina, desde a mais simples a mais complexa. RECEBER DOCUMENTAÇÃO: AUTORIZAÇÃO DA MARCAÇÃO DE CONSULTA E SOLICITAÇÃO MÉDICA EMITIR RELATÓRIO DO SISTEMA BPA NOME DO USUÁRIO MUNICÍPIO DE RESIDÊNCIA DO USUÁRIO DATA DE REALIZAÇÃO DO PROCEDIMENTO LAUDO MÉDICO CRM DO MÉDICO CARIMBO E ASSINATURA DO MÉDICO ESPECIALIDADE DO MÉDICO CONFERIR A DOCUMENTAÇÃO DO PRESTADOR DE SERVIÇO COM RELATÓRIO BPA DE ACORDO ? ANALISAR E VERIFICAR OS ERROS ENCONTRADOS NA CONFERÊNCIA NÃO SIM ELABORAR PLANILHA DE PAGAMENTO REQUER AUDITORIA ? SIM M SOLICITAR AO SETOR COMPETENTE A REALIZAÇÃO DE UMA AUDITORIA NO PROCESSO DE TRABALHO NÃO SOLICITAR O ENVIO DA NOTA FISCAL DO PRESTADOR DE SERVIÇO SOLICITAR ADEQUAÇÕES NECESSÁRIAS AO PRESTADOR DE SERVIÇO NÃO RECEBEU NOTAS FISCAIS? SIM ADEQUAÇÕES REALIZADAS ? NÃO SIM ATESTAR NOTA FISCAL E ENCAMINHAR PARA O SETOR FINANCEIRO F Figura 2: Releitura do Fluxograma do Processo de Conferência Fonte: Elaborada pela autora deste artigo Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 195 Controle e Avaliação do SUS em Florianópolis: uma análise do processo de conferência da produção de prestadores privados 4 Metodologia De acordo com Lakatos e Marconi (2010, p. 157), “[...] toda pesquisa implica o levantamento de dados de variadas fontes, quaisquer que sejam os métodos ou técnicas empregadas”. Primeiramente, esta pesquisa seria realizada através de um estudo de usuário do mesmo tema em questão, mas por razões burocráticas e de tempo hábil para aprovação no Conselho de Ética não pode ser realizada desta forma, restringindo-se à pesquisa qualitativa bibliográfica e documental, com método de raciocínio indutivo, natureza básica e fins descritivos. Na pesquisa documental, a fonte de coleta de dados é a fonte original da informação a ser discutida. Já na pesquisa bibliográfica trata-se de documentos ou gravações que relacionam ou discutem informações originalmente apresentadas em outros lugares, ou ainda, abrange toda bibliografia já tornada pública em relação ao tema em estudo. Isto foi uma das coisas que dificultaram bastante a pesquisa, pois a bibliografia específica sobre Controle e Avaliação infelizmente é escassa. Por isso, a pesquisa documental e a experiência da autora, que já trabalhou no setor e no objeto deste estudo, tiveram bastante importância na construção deste artigo. Segundo Neves (1996, p. 1) [...] a pesquisa qualitativa costuma ser direcionada, ao longo do seu desenvolvimento; [...] dela faz parte a obtenção de dados descritivos mediante contato direto e interativo do pesquisador com a situação objeto de estudo. Por isso, tende a ser descritiva e voltada mais para a compreensão do processo do que para os resultados. O caráter conceitual deste estudo está na busca da descrição e da compreensão de todo o processo de conferência da produção dos prestadores contratualizados ao SUS, que ocorre na Gerência de Controle e Avaliação da SMS Florianópolis, identificando seus pontos positivos e negativos e a partir daí apresentar sugestões de melhorias, uma vez que há falta de protocolo da sistematização dos procedimentos e das especificações do objeto deste estudo. Lembrando que o método de raciocínio indutivo consiste num processo de generalização empírica e a natureza básica tem como objetivo a criação de conhecimentos novos, sem aplicação prática prevista. 196 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 Fabrícia Vasco # João Rogerio Sanson # Juliana Pereira Então, inicialmente fez-se um levantamento bibliográfico e documental sobre o tema, seguido de uma revisão bibliográfica com a finalidade de buscar conceitos, descrições, protocolos e diretrizes de Controle e Avaliação e da conferência em si, especificamente aplicada ao SUS na esfera municipal. Em seguida, foram aplicados conhecimentos da área de gestão em administração, como o mapeamento de processos, culminando numa análise geral do objeto discutido nesta pesquisa. 5 Análise e Resultados De acordo com Duarte (2002, p. 151) “[...] métodos qualitativos fornecem dados muito significativos e densos, mas, também, muito difíceis de analisarem.” Esta foi uma verdade na hora da análise dos dados e na organização das informações para produzir os resultados. Ao estudar o fluxograma original observa-se que há algumas informações que não estão de acordo com a realidade do fluxo do processo e com a própria padronização para confecção de fluxogramas. Apresenta-se então uma versão corrigida pela autora na Figura 2. Nesse momento percebe-se o quanto é importante a padronização de uma rotina de trabalho e ainda de um guia ou alguma forma de protocolo que descreva em detalhes cada etapa do processo e seja atualizado periodicamente, para que possam ser sanadas possíveis dúvidas na hora da conferência. Além do fluxograma, não há nenhum outro documento que norteie o trabalho em si. Tudo é passado oralmente de um funcionário para o outro, como também para os novos colaboradores que chegam ao setor para trabalhar com a conferência. Tendo em vista que há grande circulação de funcionários, pois nem todos são servidores efetivos e os contratados e estagiários ficam na casa até dois anos consecutivos, o treinamento se torna muito repetitivo por causa da constante troca de funcionários. Isso muitas vezes prejudica o andamento do trabalho que tem prazo para encerramento (mensal). Ainda com relação aos colaboradores, pode-se dizer que há falta deles tendo em vista o volume de trabalho. Quando um deles precisa faltar por algum motivo ou entra em férias, o serviço que este costumava fazer sobrecarrega toda a equipe de trabalho, porque não há ninguém para substituí-lo. Outra situação é que há certa divisão de conferência, pois a produção a ser conferida é de serviços de média e alta complexidade. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 197 Controle e Avaliação do SUS em Florianópolis: uma análise do processo de conferência da produção de prestadores privados Os serviços de média complexidade são definidos pela Atenção à Saúde (SAS) do Ministério da Saúde (MS apud BRASIL, 2011b, p. 17), como: [...] ações e serviços que visam atender aos principais problemas e agravos de saúde da população, cuja complexidade da assistência na prática clínica demande a disponibilidade de profissionais especializados e a utilização de recursos tecnológicos, para o apoio diagnóstico e tratamento. E os serviços de alta complexidade, definidos como: [...] conjunto de procedimentos que, no contexto do SUS, envolve alta tecnologia e alto custo, objetivando propiciar à população acesso a serviços qualificados, integrando-os aos demais níveis de atenção à saúde (atenção básica e de média complexidade). Sendo assim, há maneiras específicas e diferentes de conferir a produção, dependendo a qual prestador ela pertence, e nem todos da equipe de trabalho sabem tudo de todo o passo a passo do processo, não podendo um fazer o serviço do outro a qualquer tempo, sendo necessário treinamento novamente, pois não há duas ou mais pessoas que façam ou que pelo menos saibam fazer o mesmo serviço quando se trata dessas ressalvas, prejudicando o andamento da conferência e consequentemente do faturamento destes prestadores. Conforme Mortele (2012, p. 14) [...] cada indivíduo age e toma decisões baseadas no seu “mapa mental”, criado a partir de sua percepção da realidade. Como as percepções individuais variam em função de diversos fatores, nem sempre as pessoas formam “mapas mentais” compatíveis acerca da organização. Consequentemente, as ações e decisões tendem a ser diferentes e muitas vezes conflitantes. Mesmo tendo em vista um estudo de caso no projeto de pesquisa deste artigo, não foi possível fazê-lo. Portanto não foi aplicado questionário aos trabalhadores da conferência e, por consequência, não se sabe quais são as opiniões, as reclamações, os elogios e até mesmo as sugestões para melhoria do processo de trabalho na conferência por parte de quem está realmente envolvido neste processo. 198 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 Fabrícia Vasco # João Rogerio Sanson # Juliana Pereira A partir da observação do fluxograma (Figura 2) entende-se que o início do processo dá-se com o recebimento da documentação que constitui a produção de determinado prestador da competência vigente (exemplo: Competência abril/2012, quer dizer que em maio de 2012 será conferido o que foi produzido em abril de 2012). Normalmente esses documentos são marcações de consultas ou exames, solicitação médica e em alguns casos o Laudo médico também. Em seguida é emitido um relatório da produção por um funcionário do setor através do sistema de Boletim de Produção Ambulatorial (BPA). Depois se confere se a documentação apresentada pelo prestador – que deve conter, dependendo do caso: o nome do paciente; pedido, assinatura, especialidade e CRM do médico solicitante; laudo médico; data da realização do procedimento – está correta e se está de acordo com o relatório. Se a produção estiver de acordo então se passa para a elaboração da planilha de pagamento dos prestadores e solicitação da nota fiscal de serviço de cada prestador para serem atestadas e encaminhas ao setor financeiro, e então serem pagos os serviços prestados naquela competência, finalizando o processo. Se a documentação não estiver de acordo, é necessário analisar e verificar os erros para tentar solucioná-los com o prestador dentro do prazo da conferência, mas se for algo muito sério com relação à realização dos serviços, então é levada uma solicitação de auditoria naquele prestador ao setor competente, que tomará as devidas providências. Quando se encontram muito erros nos documentos da produção e quando as adequações solicitadas ao prestador não acontecem, parte-se então para um pedido de auditoria na produção do prestador que está com problemas, a fim de regularizá-los. Dependendo do caso, pode ocorrer aplicação de multa, visita da vigilância e interdição do local de trabalho do prestador e até a rescisão do contrato ou convênio. Se o prestador fizer as adequações necessárias para que a conferência possa ser continuada e terminada, então se volta ao momento já descrito de elaboração da planilha de pagamento dos prestadores e o processo segue o fluxo normal, solicitando-se as notas fiscais dos prestadores e encaminhando-as ao financeiro, que tratará do pagamento. Mortele (2012, p. 34) assinala que “[...] o importante é o executor enxergar não somente a parte da qual participa, mas sim o processo como um todo e as relações de interdependência existentes.” Por isso destaca-se a Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 199 Controle e Avaliação do SUS em Florianópolis: uma análise do processo de conferência da produção de prestadores privados importância de a equipe de trabalho ter conhecimento de todo o processo e de cada uma de suas etapas, podendo assim todos exercerem qualquer atividade inerente a ele, evitando desfalques no trabalho já que um pode fazer o trabalho do outro na falta deste e ainda dividir por toda a equipe a sobrecarga de trabalho, diminuindo um possível atraso na conferência. Todo o trabalho do Controle e Avaliação, da Regulação e da Auditoria coopera para que os pacientes SUS tenham acesso a serviços de qualidade e com o mínimo de fila de espera possível; em muitos casos até já se chegou a não ter fila de espera para alguns procedimentos. É uma incessante busca de melhorias para atender cada vez melhor a população de Florianópolis dentro dos princípios do SUS. Tudo está ligado também ao repasse de verbas públicas para que se possa abrir editais de chamada pública e alcançar bons prestadores para que atendam o paciente SUS em seus respectivos estabelecimentos de maneira digna e com serviços de saúde de qualidade. Não é necessário dizer que tudo isto é conquistado com muito esforço e empenho da equipe de trabalho. Observa-se que todos dão o seu melhor para que tudo ocorra perfeitamente e dentro do prazo, sempre com vistas ao atendimento do paciente (o cliente ou consumidor final), como também a contratos e convênios justos com os prestadores em que ambas as partes saem ganhando. 6 Considerações Finais Apesar de não estarem disponíveis rotinas padronizadas para o trabalho de conferência, cabe ao controle e avaliação desenvolver a metodologia e os instrumentos que melhor atendam às suas prioridades de revisão previamente definidas e compatíveis com a infraestrutura de cada um. Sugere-se a confecção de um guia ou manual de procedimentos descrevendo todas as etapas do processo detalhadamente e com suas ressalvas, corrigido periodicamente para mantê-lo atualizado, pois acontece que alguns detalhes podem mudar no que se deve verificar em cada prestador no momento da conferência da produção. Com isso haveria mais agilidade no trabalho, auxiliaria e facilitaria treinamentos. Como o volume de produção é grande e cada vez mais aumenta o número de prestadores privados de serviços SUS, é necessário um maior número de funcionários para realizar o trabalho com mais rapidez e menos riscos de erros. Sendo assim, é válida uma programação da Gerência com 200 Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 Jeancarlo Menegon # Luis Carlos Cancellier de Olivo # Isadora de Souza Bernardini os Recursos Humanos para que mais funcionários possam vir para o setor contribuindo para a sinergia do processo e agregando valor e mais confiabilidade nos resultados. Outro ponto relevante seria uma reciclagem, para que todos os funcionários conheçam e saibam fazer tudo de todas as atividades desenvolvidas para a conferência. Também seria interessante criar Treinamentos, mesmo para quem chega, e não apenas passar as informações de um para o outro, dando também noções do que é o Controle e Avaliação e as áreas afins que acabam interligadas direta e indiretamente às atividades, como também capacitação profissional quando o funcionário que vem fazer parte da equipe de trabalho literalmente “cai de paraquedas” no setor e não sabe absolutamente nada do que ocorre, já que é um serviço feito, na sua maioria, por assistentes administrativos, mas que exige um pouco mais de conhecimento da área em que está inserido. Entende-se que esta pesquisa não chegou a resultados mais concretos tanto por falta de bibliografia sobre o assunto, como também por haver poucos documentos sobre a rotina do processo em anos passados e atualmente; mas principalmente por não poder dar continuidade ao projeto de pesquisa inicial no qual estava previsto estudo através de questionário, de possíveis entrevistas e de observação participante. Por isso, sugere-se que esta pesquisa seja feita da forma mais completa possível, com maior liberdade para a coleta de dados e com mais tempo disponível para que, assim, se possa chegar a conclusões mais específicas e menos generalistas, dando mais esclarecimentos sobre o objeto deste estudo. Como também a possibilidade de possuir outros olhares para análise em questão, ao ouvir aqueles que estão efetivamente envolvidos no processo e poder entrevistar as pessoas que estão há mais tempo no setor para saber de mais detalhes, de como tudo começou e como era antes. Talvez até traçar um paralelo histórico comparativo para ver a evolução e buscar mais claramente erros e acertos, dando novas sugestões de melhorias no processo até mesmo mais específicas e detalhadas. Coleção Gestão da Saúde Pública – Volume 2 201 Controle e Avaliação do SUS em Florianópolis: uma análise do processo de conferência da produção de prestadores privados Referências BÄCHTOLD, Ciro. Noções de Administração Pública. 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