DISTIMIA: QUANDO O MAU HUMOR É DEPRESSÃO
Transcrição
DISTIMIA: QUANDO O MAU HUMOR É DEPRESSÃO
DISTIMIA: QUANDO O MAU HUMOR É DEPRESSÃO Dr. Neury J. Botega CRM 43011 Rua Emílio Ribas 765, sala 42, Cambuí Campinas SP Telefone (19) 32959574 http:// neurybotega.blogspot.com.br Doutor, será que eu posso tomar esse remédio pra sempre? É que em 78 anos de vida, eu nunca me senti tão bem como nesses últimos meses. E não sou só eu que reparo, não. Os filhos também; estão contentes porque agora converso com eles, fico na sala, brinco com os netos... A minha vida toda eu me afastei das pessoas... Acho que eu me afastava antes de elas se afastarem de mim! Quando eu ia a uma festa, era por obrigação, não via a hora de voltar pra casa.Tudo tomava uma dimensão maior e negativa, nada estava bom, o tempo todo remoendo os problemas, com todo mundo... Esse remédio me deixou menos ranzinza, doutor... Esse senhor, sua família e seu psiquiatra estavam tão surpresos quanto intrigados. Ele estava vibrante, mais ativo. Agora participava da vida familiar, sentindo, enfim, prazer de estar vivo. Tudo isso sem exageros; não era o remédio deixando-o elétrico ou inadequadamente eufórico! Estava bem há quatro meses, após ter saído de uma Depressão que durara um ano. Todos se perguntavam: será que a vida inteira ele tinha sido mal-humorado e irritadiço por causa de um distúrbio na química cerebral, agora corrigido pela medicação?! BREVE HISTÓRICO Na Antiguidade grega acreditava-se que a combinação duradoura de medo e tristeza era causada por excesso de um dos quatro humores fundamentais, a bílis negra, ou melaina cole na transliteração para o Português. Daí, o termo melancolia. Desde a origem, esse termo – melancolia – foi associado ora ao temperamento, ora a uma doença. A partir do século XIX, uma nova palavra, Distimia, passou a ser utilizada para denominar uma forma atenuada e duradoura de Depressão. Ao longo dos anos, achados científicos empíricos acabaram por definir, na década de 1980, o quadro clínico de Distimia, de curso crônico (duração maior do que dois anos) e com sintomas de menor intensidade do que se observa em casos graves de Depressão. Desde então, houve drástica mudança terapêutica, e hoje sabemos que pessoas com “personalidade depressiva” ou “mal-humoradas” podem reagir bem ao uso de antidepressivos, com melhora na qualidade de vida. As discussões relativas à natureza e à nomenclatura dessas formas mais brandas e crônicas de Depressão continuam até os dias atuais. Tudo isso é bastante instigante, pois põe em questão a relação entre personalidade, transtornos depressivos e suas bases biológicas. Muita pesquisa vem sendo realizada, e, certamente, haverá avanços na compreensão e no tratamento dessa forma crônica de depressão. SINTOMAS As pessoas que sofrem de Distimia não formam um grupo homogêneo. Observam-se diferentes combinações dos seguintes sintomas: humor deprimido na maior parte do dia, irritabilidade, raiva inadequada, perda do interesse ou do prazer, baixa energia, fatigabilidade, baixa auto-estima, autoreprovação, retração social, preocupação excessiva (ruminações, culpa), dificuldade de concentração, indecisão, pessimismo, desesperança, sensação de inadequação. Ele prefere ficar isolado e em silêncio, com um ar de tédio ou de irritação. Se a gente se aproxima e tenta puxar conversa, ganha desprezo, às vezes uma grosseria. Quando fala, parece que só ele sabe, que só ele sofre, desconsidera as pessoas... É teimoso e cada vez mais intolerante e mal-educado! Os sintomas começam usualmente no início da vida adulta (mas também podem se iniciar na infância ou adolescência) e duram vários anos. Causam sofrimento significativo ou prejuízo no funcionamento social, ocupacional ou em outras áreas significativas. A maior parte das pessoas com Distimia teve ou terá fases agudas de Depressão. É comum haver familiares com Depressão, o que fortalece a hipótese de uma tendência herdada, comum, para essas condições. Frequentemente, à Distimia sobrepõem-se outros problemas psiquiátricos, como ansiedade e uso abusivo de álcool. TRATAMENTO MEDICAMENTOSO O que se pode pensar em relação ao caso clínico que inicia esse impresso? Além de ter melhorado da Depressão que o acometera mais recentemente, o paciente ficou livre dos sintomas da Distimia que ele carregava por longos anos de sua vida. Até então, equivocadamente, todos julgavam que sua personalidade que era problemática. “Enfim, o diagnóstico e o tratamento correto da Distimia colocam-nos ante a feliz oportunidade de auxiliar pacientes que, em geral, não têm a menor idéia de que estão doentes e podem ser tratados com sucesso.” (Fonte: Distimia: do mau humor ao mal do humor. Editora Artes Médicas, 1997, p. 41) O reconhecimento da Distimia como um transtorno de humor, bem como a eficácia dos antidepressivos em seu tratamento foram, na prática, um divisor de águas para muitas pessoas que não conseguiam melhorar substancialmente sua qualidade de vida por meio da psicoterapia. Além disso, pelo fato de a Distimia ter um valor preditivo em relação a futuros episódios de Depressão, o tratamento adquire função preventiva. Emprega-se, de modo geral, a mesma lógica do tratamento da Depressão (ver DEPRESSÃO: TRATAMENTO MEDICAMENTOSO). Procura-se elevar, com os antidepressivos, a disponibilidade de neurotransmissores (serotonina, noradrenalina e dopamina), substâncias essenciais na comunicação entre as células cerebrais e, em conseqüência, na regulação do humor. Em torno de 50% das pessoas melhoram com a medicação. A escolha do antidepressivo a ser empregado leva em conta nuances do histórico e do quadro sintomatológico, doenças que a pessoa tenha e a possibilidade de interação com outros medicamentos, além de histórico de resposta a diferentes classes de antidepressivos. É necessário um período de latência de 2 a 8 semanas. Frequentemente, é necessário ajuste de dose. Quando, passado esse período, não há melhora, inicia-se novo medicamento, geralmente de mecanismo de ação distinto do que fora anteriormente empregado. Os medicamentos são capazes de melhorar um comportamento disfuncional duradouro, sem alterar a sua causa (etiologia). Isso implica tratamentos prolongados, por meses a anos. No entanto, frequentemente o medicamento é interrompido devido a efeitos adversos, como aumento de peso e disfunção sexual. Tal interrupção, principalmente quando precoce, pode levar à recaída ou a episódios de Depressão. O uso de medicação é apenas parte da abordagem terapêutica e, infelizmente, não são todas as pessoas que melhoram com antidepressivos. A psicoterapia continua a ser empregada no tratamento da Distimia, principalmente a de referencial cognitivo-comportamental. O apoio da família é essencial e é abordado em DEPRESSÃO: COMO A FAMÍLIA PODE AJUDAR. Informações sobre transtornos psiquiátricos, bem como sobre outros aspectos da Depressão encontram-se disponíveis em http://neurybotega.blogspot.com.br